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O menino e a árvore

(Livre adaptação e colagem entre o conto “A árvore generosa”, de Shel Siverstein, e do poema “O
apanhador de desperdícios”, de Manuel de Barros.)

[Música: “Flor, minha flor”. Chegada.]

Eu conheço um menino que se chama Manuel. Manuel é um menino do mato, do


jardim, do quintal. Em seu quintal – que era maior que o mundo – o menino Manuel
passava tardes inteiras a brincar. Ali, no seu mundo-quintal, Manuel inventava de
tudo: histórias, brincadeiras e palavras.

- Vocês também inventam palavras?

Certo dia, sentindo-se solitário naquele quintal, Manuel colocou na cabeça que queira
arranjar uma companhia, ele queria uma amizade. Então, descobriu que existe um
negócio chamado semente, que você planta, mas que você deve cuidar com muito
carinho. O negócio das sementes é que elas se transformam de baixo da terra, e
recebendo carinho, atenção e água, elas brotam, lutam contra o peso da terra e se
lançam em direção aos céus.

E foi o que Manuel fez: ele ganhou das abelhas uma pequena semente, que plantou
depois de planejar exatamente onde ele queria que a árvore crescesse. E depois de
algumas semanas, Manuel descobriu que a semente brotara, era uma macieira.

A amizade foi instantânea, parecia que antes mesmo da semente brotar, lá, de baixo
da terra, a amizade já havia começado a ser cultivada. E quando a árvore nasceu
Manuel encontrou sua nova amiga.

Naquela época, como duas crianças, o menino e a árvore não tinham lá muito
tamanho, mas a falta de estatura física não impedia que os dois amigos brincassem de
tudo o que lhes dava na cabeça, então eles brincavam de conduzir as formigas pela
grama; brincavam de esconde-esconde com os grilos e de pega-pega com as taturanas.

Mas o tempo passou.

O menino e a árvore cresceram. O menino já ia à escola, e a árvore, já crescida, tinha


assuntos sérios a tratar com os pássaros. Mesmo assim, sempre que sobrava um
tempinho, o menino corria para o quintal para brincar com sua amiga. Naquela época
os dois brincavam de piratas, de reis e rainhas do quintal, brincavam também de
escola, de ciranda e de fazenda...

- Do que é que vocês brincam no quintal?

Tanta brincadeira fazia com que os dois amigos se cansassem, e quando isso acontecia,
Manuel deitava-se na grama e escondia-se na pequena sombra da árvore criança.
Mas o tempo passou.

Manuel era um adolescente, de espinha na cara, cabelo oleoso e muita coisa pra fazer.
E a macieira também havia crescido, agora ela estava envolvida no sindicato das
árvores. O que cresceu também foi a amizade dos dois, e as brincadeiras deram lugar a
muitas conversas, debates e até desentendimentos, afinal, amigos também podem se
desentender. Manuel lhe contava de suas primeiras paixões, e a árvore lhe contava
sobre a migração das borboletas...

Certo dia, Manuel estava meio triste, preocupado. A árvore percebeu na hora. Então o
menino lhe contou que estava preocupado, porque sua família passava por
dificuldades financeiras, e a árvore disse:

-Eu posso te ajudar! Nós, árvores não temos esse negócio de dinheiro, entre nós, não
nos preocupamos muito em vender e comprar, mas eu tenho uma ideia. De mim,
nascem muitas maçãs, que alimentam e sustentam, mas são tantas, que algumas
acabam caindo e apodrecendo no chão. Você poderia colher algumas maçãs, para
vendê-las na feira da cidade, assim, você poderia juntar um pouco desse tal de
dinheiro.

E foi o que o menino fez.

[Dinâmica de juntar as maçãs, que estarão espalhadas pelo espaço]

E o tempo passou.

Manuel se tornou um menino adulto e a árvore, uma grande macieira, com galhos
grandes e muitas folhas, que projetavam uma grande sombra no chão.

Manuel já não tinha espinhas, mas tinha um uniforme de funcionário público, isso
mesmo, Manuel era um trabalhador. E a árvore também, era presidente do sindicato
das árvores.

Em um outubro, mês das chuvas, o tempo tinha ficado louco, muitas tempestade e
vendavais ventavam tudo que encontravam pela frente. Certo dia, depois de uma
chuvarada, Manuel encontrou a árvore um pouco torta, com muitos galhos quebrados.
Ele se pôs a cuidar de sua amiga, arranjou-lhe um grande pedaço de pau, para ajudar a
sustentar o seu tronco fragilizado pelo vento, e também, se pôs a recolher os galhos
que haviam caído. A árvore ficou bem, e depois que passaram os vendavais, ela estava
mais forte do que nunca. Às vezes alguns galhos precisam cair para que outros possam
crescer, era isso que a árvore dizia ao seu amigo.

E o tempo, o tempo passou: 10 primaveras.

E muita coisa mudou: o menino já tinha cultivado sua própria família, agora, eram as
duas filhas de Manuel que passavam dias inteiros brincando com a árvore adulta.
Manuel já não tinha tanta disposição para brincar, mas tinha disposição para sentar-se
embaixo da sombra e tomar tereré com sua velha amiga. Naquelas rodas de tereré os
dois amigos falavam de tudo, se lembravam da infância, e de todo tempo que havia
passado. Os dois haviam crescido, e os dois sabiam disso, mas, como amigos, sabiam
que o tempo fortalece a amizade.

Certo dia, o menino Manuel, junto com sua esposa Maria, e suas duas filhas, foram até
o quintal. A árvore já sabia, ela pressentia. A família estava de malas prontas, e a
árvore sabia que eles iam partir, para muito longe, para outras terras e outros mares.
Ela sabia que não podia sair dali, que suas raízes eram muito profundas, e que aquele
quintal era sua única morada. Mas sabia e entendia que os humanos são bichos como
as borboletas, adoram migrar, estão sempre em movimento. A morada dos humanos é
o mundo, que gira.

Manuel se despediu de sua amiga em um abraço que poderia ter durado séculos. E
partiu...

[Música: “Quem me ensinou a nadar”]

O tempo passou, a vida correu, e tudo mudou. As filhas do menino Manuel já eram
grandes, tinham seus próprios filhos e o próprio Manuel, era um menino avô, de
cabelos brancos e muleta. A árvore era uma grande macieira, a maior daquelas
vizinhanças. Mas os dois amigos ainda estavam longe. E a amizade deles vivia nas
lembranças. Durante todo aquele tempo, os dois sonhavam em se reencontrar.

Em um outono, sem aviso nem nada, Manuel voltou. Naquele tempo, outra família
vivia em sua antiga casa, e outras crianças brincavam naquele quintal. E a árvore
estava lá, mais grande do que nunca. Ela era especialista em migração das aves, e
também, era uma pensadora, que refletia sobre as florestas e sobre o mundo.

Manuel pediu licença para entrar no quintal, e foi até a árvore. Os dois sabiam que um
abraço seria o suficiente para matar toda a saudade. Foi um reencontro emocionante,
os dois choraram, a família chorou, todo mundo chorou ao ver os dois amigos juntos,
outra vez. Depois de chorar muito, os velhos amigos também deram boas risadas, ao
lembrar-se dos tempos da infância: dos tombos, dos arranhões e das alegrias.

Como bons amigos, o eterno menino e a eterna árvore se puseram a conversar, até
que o menino adormeceu à sombra da árvore, e a árvore, cuidando do menino, se pôs
a cantar:

[Música: “Flor, minha flor”. Saída.]

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