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Trópico - A tensão política das redes sociais http://www.revistatropico.com.br/tropico/html/print/3192.

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Trópico

A tensão política das redes sociais


Por Giselle Beiguelman

O movimento Dia de Sair do Facebook e a guerra de vídeos no YouTube em torno do ataque


israelense à Frota da Liberdade mostram os potenciais antagônicos da web 2.0

Redes sociais e de compartilhamento de conteúdo tornaram-se centrais no nosso cotidiano. O protesto


contra o Facebook (Quit Facebook Day/Dia de Sair do Facebook) e a guerra de vídeos no YouTube em
torno do confronto da Frota da Liberdade são dois acontecimentos recentes sintomáticos desse processo.

De natureza política totalmente distinta (o primeiro contra a política de privacidade de uma empresa e o
segundo contra e a favor da ação de Israel na Faixa de Gaza) apontam para as ambivalências da Web 2.0:
seu potencial de domesticação e de tensionamento da esfera pública.

O Dia de Sair do Facebook chamou a atenção para a falta de clareza do uso que esta rede social faz dos
dados dos seus usuários e sua abertura aos anunciantes do serviço.

O protesto, realizado dia 31 de maio, era contra a fragilidade da política de privacidade do Facebook e
seus vínculos com seu modelo de negócios, baseado em publicidade direcionada.

Esse sistema, que também é utilizado pelo Google e outros serviços, permite que as informações
associadas aos perfis de seus usuários sejam vinculadas a anúncios.

No caso do Facebook, que é o site mais acessado do mundo segundo dados do Ad Planner, o combustível
dessa máquina é formado pelos inúmeros aplicativos e plug-ins sociais que são oferecidos aos membros.

Eles estimulam a publicação de dados relacionados aos gostos e comportamentos e permitem o


mapeamento da distribuição dos anúncios das empresas que compram espaço publicitário no Facebook.

Corpos informacionais

Num mundo mediado por bancos de dados de toda sorte –de programas de busca a redes sociais, passando
pelas “Amazons” da vida e as catracas da empresa e da escola–, somos uma espécie de plataforma que
disponibiliza informações e hábitos conforme construímos nossas identidades públicas nos diversos
serviços relacionados ao nosso consumo, lazer e trabalho.

Em síntese, nos transformamos em corpos informacionais. Isso tende a se acirrar, conforme se


popularizam os métodos de investigação genética e sua distribuição pela internet.

Afinal, foi isso o que o Projeto Genoma fez: converteu nossa compreensão do corpo, antes entendido
como um arranjo de carne, ossos e sangue, em um mapa de informações sequenciadas em computador.

A artista e professora Victoria Vesna, da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) chama
atenção para a dimensão política do assunto, quando afirma, no livro “Database Aesthetics”, que a corrida
pelo patenteamento de genes nos coloca na encruzilhada de pensar que a vida pode estar convertendo
numa questão corporativa.

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No limite, a situação me faz pensar que um dia poderemos subitamente encontrar parte de nosso código
genético no Google ou haquear o DNA de alguém via um site de compartilhamento baseado em Torrents.

Mas, enquanto isso não acontece, é importante deixar claro que já somos corpos informacionais que
desovam e recebem dados pela internet e que a internet que importa é, cada vez mais, a que transita pelos
dispositivos móveis, combinada a serviços relacionados a mídias locativas.

É essa combinatória que explica a animação dos publicitários com a cultura da mobilidade. A partir de
programas instalados no aparelho não apenas é possível saber onde o portador do dispositivo está, mas ter
essa informação compartilhada e combinada a bancos de dados e apontando para o que está em sua
vizinhança.

Tudo isso mediado pelos encantos das redes sociais, onde somos mobilizados o tempo todo a mensurar
nossa popularidade, competindo por números de amigos. Mais desconcertante do que essa abordagem
quantitativa da sociabilidade e das relações afetivas, é pensar em como essas identidades se constroem.

Com perfis baseados nos vídeos que assistimos, músicas que gostamos, lugares que frequentamos e coisas
bacanas e chatas que acontecem no cotidiano, passamos a ter nossa personalidade ancorada naquilo que
consumimos.

O resultado desse processo é que as identidades pessoais passam a ser identidades corporativas, como
mostraram, com abordagens distintas, Douglas Roushkoff, em “Life. Inc”, e Richard Sennett, em “A
Corrosão do Caráter”.

Comunicação e mudança cultural

É difícil negar que esse seja um dos desdobramentos da vida mediada por redes sociais. Mas o embate de
versões e documentários que acompanharam o confronto entre a marinha israelense e os ativistas da Frota
da Liberdade e que resultou em nove mortos mostram também que as redes são o espaço privilegiado do
debate político contemporâneo.

Como comentou Brian Stelter, no “New York Times”, quando os comandos israelenses atacaram a frota
“os dois lados estavam bem armados –com câmeras de vídeo”.

Os ativistas enviaram imagens transmitidas do navio Mavi Marmara, via Livestream (um sistema de
transmissão de vídeo ao vivo para a internet). Da mesma forma, o exército israelense postou em seu canal
no YouTube vários vídeos com sua documentação.

Desnecessário dizer que as imagens são contraditórias: as dos ativistas mostram que foram atacados pela
marinha israelense. As do exército de Israel, que este agiu em legítima defesa.

Os usos políticos de manipulação de imagem não são recentes, nem exclusivos da internet. Basta lembrar
as famosas fotos da Revolução Russa, nas quais Trotsky aparecia e das quais foi deletado por ordem de
Stalin. Apesar da importância desse tema, a manipulação de imagens foge da discussão que se faz aqui.

O que importa, nesse artigo, é chamar a atenção para esses recursos, como Twitter, Facebook e Youtube,
que, ao mesmo tempo em que abrem possibilidades inéditas de fomento do consumo e controle, se tornam
também dispositivos de uso crítico e criativo das mídias existentes.

Por isso, apontam para diferentes concepções e tendências políticas da ecologia midiática atual. A
investigação das zonas de tensão que emergem nos confrontos e nas acomodações dessas tendências
permite-nos entender seus procedimentos, tornando suas dinâmicas menos opacas.

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Essas tensões são constitutivas das possibilidades de mudança cultural, mudanças essas que são
operacionalizadas por movimentos sociais, ao propor e desencadear descontinuidades com as relações de
poder que estão embutidas em instituições de vários tipos.

Movimentos sociais não são, contudo, meros conjuntos de indivíduos. São grupos que atuam no espaço
público, sendo que esse espaço público hoje, na sociedade em rede, como mostrou Castells, é o espaço
das redes de comunicação.

Ocupá-las, relativizando suas funcionalidades meramente publicitárias, é hoje, por isso, questão política
fundamental.

link-se

Top 1000 sites - DoubleClick Ad Planner - http://www.google.com/adplanner/static/top1000/

Quit Facebook Day - http://www.quitfacebookday.com/

Brian Stelter - “New York Times”, 01/06/2010. “Videos Carry On the Fight Over Sea Raid”
http://www.nytimes.com/2010/06/02/world/middleeast/02media.html?scp=8&sq=brian%20stelter&st=cse

Victoria Vesna (org.) – “Database Aesthetics: Art in the Age of Information Overflow”
-http://books.google.com/books?id=njd5O70FHwwC&lpg=PP1&dq=database%20aesthetics%20vesna&
pg=PP1#v=onepage&q&f=false

Douglas Rushkoff - “Life.Inc’’ - http://rushkoff.com/books/life-incorporated/

Richard Sennett – “A Corrosão do Caráter: Consequências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo” -


http://books.google.com/books?id=6SFiaCJLJJoC&lpg=PP1&dq=sennett%20corros%C3%A3o%20car
%C3%A1ter&pg=PP1#v=onepage&q&f=false

Imagens da Revolução Russa (com e sem Trotsky) - http://www.tc.umn.edu/~hick0088/classes/csci_2101


/false.html

Manuel Castells – “Communication Power” - http://books.google.com/books?id=5tEu8q-Aqn8C&


lpg=PP1&dq=manuel%20castells%20communication%20power&pg=PP1#v=onepage&q&f=false

Publicado em 7/6/2010

Giselle Beiguelman
É artista multimídia e professora da PUC-SP. Editora da seção "Novo Mundo" de Trópico e Diretora
Artística do Instituto Sergio Motta. Site: www.desvirtual.com Twitter: http://twitter.com/gbeiguelman

www.uol.com.br/tropico

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