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Há muitos caminhos

a seguir, mas só um
leva à vitória.

Copyright © 1972 by Louis L’Amour.


Título original: RIDE THE DARK TRAIL
Copyright © desta edição by Editora Rio Gráfica Ltda.
Rio de Janeiro, 1987. Tradução: José Batista de Carvalho.
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CAPÍTULO 1
A velha casa erguia-se no alto de uma colina, a cerca de
duzentos e cinquenta metros do portão principal. Nenhum
arbusto ou árvore obstruía a visão da fachada num raio de
aproximadamente oitocentos metros.
Era uma construção muito antiga, castigada pela chuva e
pelo vento, e há muito não era pintada. A noite não se via
luz nas janelas e durante o dia nenhum movimento era
percebido. Os homens que observavam da outra colina, a
um quilômetro dali, porém, não se deixavam enganar.
— Ela está lá, sim. Basta que alguém ponha a mão
naquele portão para saber que ela está lá. Está na casa e
sabe atirar muito bem.
No lado oposto a eles erguiam-se íngremes montanhas
cobertas em algumas partes por uma vegetação densa. Bem
por trás da casa, meio escondido pelas paredes altas, via-se
o precipício que precedia as montanhas.
— O velho Talon construiu aquela casa para durar muito
tempo. Quando ficou pronta, era a casa mais bonita entre
Nova Orleans e San Francisco. O velho tinha cerca de trinta
empregados... um verdadeiro exército.
— Quantos a velha tem agora? — perguntou Matthew.
— Uns dois ou três. As melhores terras e todas as
nascentes de água ficam por trás da casa. Não há Outro
caminho para se chegar lá além desse, mas a desgraçada não
deixa ninguém passar.
— Uma hora ela tem que dormir, não é? — ponderou
Brewer.
— Acho que sim, mas não se sabe quando. Ponha um
dedo naquele portão e ela acerta seu peito com uma bala de
rifle. Pelo que dizem, o velho Talon achava que um dia eles
teriam que resistir a um cerco. Por isso, estocou munição e
comida suficientes para um exército.
Durante algum tempo os três homens ficaram
contemplando a casa, com um misto de respeito e raiva.
Depois, voltaram- se para o bule de café que esquentava no
fogo.
— Flanner tem razão. O único jeito é ficar de olho
aberto, dia e noite. Mais cedo ou mais tarde ela vai ter que
dormir e então nós entraremos. Por trás daquela casa, ao pé
do precipício, estão as melhores terras da região, irrigadas
pelos riachos que descem das montanhas. Nenhuma velhota
tem o direito de ficar com essa terra toda, sem falar nas
centenas de milhares de acres da planície de que ela se diz
dona.
— Como foi que eles conseguiram tanta coisa?
— Talon foi o primeiro branco a se fixar na região.
Quando ele chegou com o sócio, não havia aqui nada além
de índios e bichos selvagens. O sócio dele estava só atrás de
peles, mas Talon não. Viu o lugar e tomou conta,
percebendo que pelo menos cem mil acres de terra por aqui
não prestariam para nada sem a água que vem das
montanhas. Os dois construíram uma cabana e passaram o
inverno. O sócio pegou toda a pele que conseguiu, enquanto
Talon cuidava da casa e da terra. Veio a primavera e o sócio
deu o fora, mas Talon permaneceu. Conviveu pacificamente
com os índios, caçou búfalos e capturou cavalos selvagens.
Os outros dois homens escutavam atentamente.
— Alguns anos se passaram e os trilhos da estrada de
ferro foram chegando. Talon havia plantado algum milho e
charqueado bastante carne de veado. Trocou tudo por gado,
que pôs numa área ao pé do desfiladeiro. Ali não havia
necessidade de gente para cuidar do gado e o pasto e a água
eram abundantes. Assim ele começou o rebanho. Nesse
meio tempo, fez uma viagem ao leste e casou-se com essa
mulher do Tennessee. Ouvi dizer que a mulher tinha algum
parentesco com o antigo sócio dele.
— Talon já morreu?
— Sim. Dizem que foi estrangulado, mas ninguém sabe
quem o matou.
— Será que é verdade? Foi a mulher quem arrebentou
com os joelhos de Flanner?
— Foi. Depois que o velho morreu, Flanner achou que
Em Talon voltaria para o leste, mas não foi o que aconteceu.
Ela achava que Flanner era o assassino de Talon. Flanner
veio com a intenção de tirá-la daqui, e ela deixou que se
aproximasse. Quando ele estava a uns noventa metros ela o
fez parar com uma bala bem perto dos pés e começou a
falar. Disse que não queria matá-lo, mas sim que vivesse
cem anos para se arrepender a cada dia do que tinha feito.
Depois, acentuou com duas balas de rifle, uma em cada
joelho. Desde esse dia, Jake Flanner não conseguiu mais
andar a não ser com muletas.
O vento soprou mais forte, sacudindo a capa de chuva
que eles usavam, e os três homens começaram a erguer
apressadamente a cobertura de lona para se proteger. Pelo
jeito, a noite seria de mau tempo.
Vez por outra eles se voltavam para olhar a grande,
velha e sombria casa, com sua cobertura batida pelo vento,
triste e solitária como a mulher que estava lá dentro.
Emily Talon chegou bem perto da porta e espiou pelo
batente da parte de cima. O céu estava escuro e caía uma
chuva fria. Era bem feito para eles, ela pensou, soltando
uma risadinha. Aqueles homens passariam uma noite
miserável lá fora.
Em seguida ela foi acender o fogo e pôr água para o
café. Vez por outra, voltava para espiar pelo batente. Não
seria ruim se tivesse alguém para ajudá-la na vigilância,
mas o último dos empregados havia morrido. Ela o
enterrara com as próprias mãos e agora estava sozinha.
Estava velha, agora, velha e cansada. Se ao menos os
rapazes voltassem para casa... Ela queria os dois em casa,
principalmente Milo. Ele era rápido e certeiro com uma
arma, exatamente o homem de que precisava naquele
momento para dar um jeito naqueles três. Milo faria isso
sem muito esforço.
Milo tinha puxado muito a ela e nenhum Tabu havia
sido tão habilidoso quanto ele. Os Talons eram homens
fortes, trabalhadores e mais espertos que a maioria. Eram
corajosos também e jamais fugiam de uma luta. Milo,
porém, era mais que isso, era especial.
Qualquer homem que cruzasse o caminho de Milo Talon
estaria se arriscando. O mais jovem dos filhos dela, ele era
um bom rapaz mas nunca levava desaforo para casa. Quem
quisesse confusão com Milo teria que já chegar atirando.
Emily Talon era uma mulher alta e pálida. Uma coisa
que lamentava no fato de ser mulher era ter menos de um
metro e oitenta de altura, enquanto os irmãos dela tinham
bem mais que isso.
O vestido que estava usando era velho, cinzento e não
seguia nenhuma moda. Os sapatos que calçava haviam
pertencido ao marido. Eram folgados e, por isso, bastante
confortáveis; Em Talon estava com sessenta e sete anos de
idade e havia passado no Rancho MT quarenta e sete
daqueles anos.
Morava sozinha numa cabana em Cumberlands quando
foi procurada pelo futuro marido. Ele era um homem
distinto e bonito, vestia roupas novas, calçava botas
reluzentes e montava um cavalo que tinha o passo elegante
como o de um dançarino. O recém-chegado parou o cavalo
do lado de fora da cerca, bem perto do lugar onde ela estava
colhendo flores.
— Meu nome é Talon — ele se apresentou. — Estou
procurando por Emily Sackett.
— O que quer com ela?
— Vim de muito longe e quero ver se consigo namorá-
la. Fui sócio de um primo dela, lá nas montanhas do
Cobrado.
Emily examinou detidamente o forasteiro.
— Eu sou Emily Sackett — ela disse. — Acho que não
vai conseguir namorar direito se ficar em cima desse cavalo.
Desça daí e entre.
Nessa época ela estava com vinte anos, uma idade que,
pelos padrões da região, a transformavam quase numa
solteirona. Duas semanas depois estavam casados, passando
uma inesquecível lua-de-mel a caminho de Nova Orleans.
Depois ela foi para o oeste com o marido, viver numa
terra de búfalos e índios. Quando os cavalos foram
chegando perto da casa do rancho, Emily não quis acreditar
nos próprios olhos. Lá estava a enorme casa, maior que
qualquer outra que ela houvesse visto, mesmo em Nova
Orleans... e não havia sequer uma cabana num raio de cento
e cinqüenta quilômetros. A cidade mais próxima não ficava
a menos de trezentos quilômetros.
Emily tinha o apelido de Em e o nome de Talon
começava com a letra T. Por isso, eles passaram a usar a
marca MT.
Agora Talon não estava mais ali, mas os anos que
haviam passado juntos tinham sido muito bons. Ele estava
morto, e o homem que o havia matado vivia na cidade, com
as duas pernas inutilizadas e o coração cheio de ódio pela
mulher que o havia aleijado.
Flanner odiava Talon desde o momento em que o
conheceu. Odiava e invejava, porque Talon já era dono do
que ele queria. Jake Flanner concluiu que a forma mais fácil
de conseguir o que queria era tomar de Talon.
Primeiro, tentou assustar o obstinado velho. Como era
impossível assustar Talon, porém, ele o matou ou mandou
matá-lo, certo de que Em iria embora ao ver o marido
morto. Nenhuma mulher jamais ousaria barrar o caminho de
Jake Flanner... mas Emily ousou.
Fazia frio na casa, cujos cômodos estavam às escuras.
Apenas um resto de luminosidade do final da tarde filtrava-
se pelas persianas das janelas. Tudo estava sujo e havia no
ar um cheiro de mofo. Quando uma mulher tem que ficar
montando guarda o dia inteiro, sobra pouco tempo para as
tarefas domésticas. Logo Emily, que desde mocinha gostava
de manter a casa mais bem arrumada das colinas de
Cumberland, agora mal podia cuidar da cozinha.
Talon tinha sido um construtor, como os outros homens
da família. Vindo do Canadá francês, ele primeiro construiu
um barco a vapor para a navegação fluvial. Como o
primeiro Talon a viver a oeste do Atlântico, os demais
foram construtores de barcos, moinhos e pontes, além de
madeireiros.
O marido de Emily havia construído vários barcos, uma
dúzia de moinhos e pontes e, finalmente, aquela casa. Ele a
construiu com as próprias mãos, para que durasse por muito
tempo. Derrubou árvores para tirar a madeira e, com
habilidade, moldou cada peça. Cavou sozinho o porão e
levantou as paredes com pedras da região, preparando tudo
para qualquer eventualidade em que pôde pensar.
Agora, olhando para fora Em via aqueles homens
amontoados sob uma coberta de lona, suportando o vento e
a chuva. A cada relâmpago ela via alguma outra coisa,
como as pedras pintadas de branco com um número em
preto na face voltada para a casa. Havia pelo menos uma
dúzia daquelas pedras. Os números representavam a
distância de cada pedra até a porta da casa. Talon tinha sido
um homem previdente. Quando era obrigado a atirar,
gostava de acertar no alvo.
Agora, com o marido morto, Em estava sozinha e os
filhos não sabiam o quanto ela precisava deles.
Exausta, sentia dores em volta dos olhos e, quando se
sentava, precisava fazer esforço para se levantar. Mesmo a
sim- pies tarefa de fazer chá era cansativa. Às vezes,
quando repousava o corpo cansado numa cadeira, Emily
pensava como seria fácil deixar-se ficar ali, sem nunca
precisar fazer um esforço.
Seria fácil, muito fácil, e nada jamais havia sido fácil
para ela.
Cuidara de três crianças, sempre com um rifle ao alcance
da mão. Certa vez, levou de volta para o rancho dois
vaqueiros, ambos gemendo e com bala na barriga.
O primeiro homem que ela matou tinha sido um
renegado Kiowa; o último, um seguidor de Jake Flanner.
Entre os dois houve muitos outros, mas ela jamais os
contou.
Aqueles lá fora acabariam vencendo. Ela não duraria
para sempre e Jake Flanner podia muito bem contratar mais
homens. Podia mantê-los ali até que ela não tivesse mais
forças ou determinação para resistir.
Vez por outra ela cochilava um pouco, o que era
suficiente, já que os velhos precisam de menos sono que os
jovens. Uma hora, porém, ela dormiria um pouco além da
conta e eles chegariam para destruí-la.
Tocariam fogo na casa. Este seria o método mais
simples. Podiam dizer que a casa pegou fogo e que ela
havia morrido no incêndio. Seria uma explicação aceitável e
quem quer que fosse investigar, se é que alguém iria, ficaria
com vontade de terminar logo aquele trabalho e voltar para
casa.
O xerife mais próximo morava a muitos quilômetros de
distância e as trilhas eram difíceis.
Emily Talon não tinha mais que uma esperança, e essa
esperança era os rapazes voltarem para casa. Era por isso
que ela vivia e continuaria lutando.
— Vamos manter o rancho para os garotos — tinha dito
o velho Talon, uma vez.
Será que ele fazia idéia de quanto aquilo era custoso?
Dos seis filhos que tiveram, apenas dois estavam vivos
quando o pai morreu. O mais velho havia morrido quando
um cavalo caiu por cima dele. O segundo foi morto por
índios, nas planícies a oeste de Nebraska. Um terceiro
morreu apenas quatro semanas após ter nascido, enquanto o
quarto foi morto num tiroteio com ladrões de gado, ali
mesmo no rancho.
Havia uma boa diferença de idade entre os dois que
haviam sobrevivido, assim como ambos eram bem
diferentes quanto à maneira de pensar e agir. Barnabas
havia resolvido estudar no Canadá e foi para lá. Quando os
estudos estavam quase terminando, foi concluí-los na
França, onde morou na casa de parentes. Chegou a prestar
serviço no Exército francês, ou coisa parecida.
Milo era oito anos mais jovem. Enquanto Barnabas era
frio, ponderado e estudioso, Milo era impetuoso, cheio de
energia e tinha pavio curto. Aos quinze anos, perseguiu e
matou o ladrão de gado que havia baleado fatalmente o
irmão dele, durante o tiroteio no rancho. Um ano mais tarde,
no Texas, matou um suposto vaqueiro que o desafiou. Aos
dezessete anos, saiu de casa para se juntar ao Exército
Confederado, chegando a sargento e, mais tarde, a tenente.
A guerra acabou e não se ouviu mais falar nele.
Também não havia notícia de Barnabas. A última carta
dele, vinda da França, havia chegado anos antes.
Em Talon pôs mais lenha no fogo e foi até a porta da
frente para espiar novamente. Havia reflexos intermitentes
produzidos pelo fogo dos homens acampados lá fora, mas
ela não via nenhum movimento, não ouvia nada além da
chuva.
Emily tinha medo da chuva, porque durante uma
tempestade não conseguia ver direito nem escutar muito
bem. Quanto aos homens de Flanner, estavam bem
protegidos entre as pedras.
Flanner ainda não estava ciente de como progredia a
tarefa daqueles homens. Na parte interior do portão, e
mesmo bem perto dele, havia pilhas de pedras recolhidas
propositalmente nos prados, e que famílias de marmotas
usavam como habitação. Sempre que algo se aproximava,
os bichos emitiam uma espécie de assobio. Várias vezes já
haviam advertido Emily da chegada de algum intruso e, por
isso, os ouvidos dela estavam sempre atentos ao som que
eles produziam.
Voltando à cadeira, sentou-se, recostou a cabeça e
deixou escapar um suspiro. Houve um tempo em que
cavalgava livremente por aquelas terras, ao lado de Talon,
sentindo o vento no rosto e nos cabelos e o calor gostoso do
sol nas costas.
Durante aqueles primeiros e difíceis anos, trabalhava
duramente como qualquer vaqueiro. Caçava para arranjar
comida, esticava arame farpado para as primeiras cercas do
rancho e ajudou o marido a fixar o molinete do primeiro
poço que ele cavou.
Agora estava velha e cansada. As longas noites de
vigília a deixavam trêmula, apesar de não sentir medo. Só
rezava por uma coisa: quando eles chegassem, queria estar
acordada para dar pelo menos um tiro. Nos tempos antigos
nada a assustava, mas Talon estava sempre por perto, e
agora ele estava morto.
Aos poucos os músculos cansados foram relaxando. Os
trovões ribombavam e os relâmpagos quebravam
momentaneamente a escuridão da noite. Emily precisava ir
até a porta para ver como estavam as coisas lá fora. Logo
faria isso. Os olhos foram se fechando... Seria só por um
minuto, ela disse a si mesma. Só por um breve e
maravilhoso minuto.

CAPÍTULO 2
Ninguém precisava me dizer que eu devia procurar um
lugar para me proteger da chuva, de preferência um lugar
onde houvesse uma comidinha boa e quente. Talvez
também uma bebida. O cavalo que eu montava trotava no
chão molhado e já começava a chapinhar. Havíamos andado
um bom pedaço juntos, e íamos depressa. Estava
começando a parecer que o tempo não melhoraria tão cedo.
Assim, seria melhor encontrar logo um lugar onde pudesse
fazer uma parada.
A luz de um relâmpago, vi ao longe alguns telhados
molhados. Uma gota fria bateu na minha nuca, percorrendo
a espinha, e eu soltei um palavrão.
Não sabia de quem era aquela capa de chuva que estava
vestindo, mas gostei de estar com ela, em vez de tê-la
deixado com o antigo dono. Se não fosse por nada, nos
próximos dias ele estaria com uma forte dor de cabeça e
provavelmente teria que ficar na cama.
Aquilo ali era uma cidade, sem dúvida. Pelo menos,
seria o que naquela região se chamava de cidade.
Havia seis ou oito construções que deviam ser lojas ou
cabarés, além de barracões espalhados que deviam servir de
habitação. As luzes estavam acesas num conjunto de quatro
janelas e, por cima de duas delas, via-se uma placa com a
indicação: “Hotel”. Assim sendo, entrei com o cavalo na
cocheira do estabelecimento, que ficava no lado oposto da
rua.
Parecia não haver ninguém por perto e, vendo-me na
cocheira vazia, tirei os arreios do animal e servi a ele alguns
bocados de feno. Depois, peguei o rifle e o alforje e
caminhei para a saída. Estava na rua quando ouvi o barulho
de cascos. Uma parelha de animais saiu de uma esquina,
puxando uma charrete, e entrou na rua em desabalada
carreira. Eu já ia mesmo em direção ao saloon que havia no
prédio do hotel e saí do caminho bem a tempo de não ser
atropelado.
A garota que dirigia a charrete fez os cavalos pararem
em frente ao hotel e desceu. Não era mais que um
pedacinho de gente e usava um vestido molhado pela chuva
e grudado ao corpinho bem-feito. Depois de amarrar os
cavalos, ela entrou.
Quando eu empurrei a porta e entrei sem fazer barulho,
ela era o centro das atenções, toda molhada e suja de lama.
Não havia ali mais do que cinco ou seis homens. Um
grandalhão loiro de camisa vermelha estava no bar e ria de
forma grosseira:
— E a garota que andou trabalhando para Spud Tavis —
ele dizia. — Parece que fugiu e deixou o velho Spud, ele
que esperava tanto dela.
— Gostaria de conversar com o proprietário deste lugar
— pronunciou-se a jovem. — Por favor, será que alguém
pode me dizer onde ele está? Preciso de trabalho.
— E magra demais para o meu gosto — sentenciou um
homem baixo, atarracado e de cabelos pretos. — Gosto de
mulheres rechonchudas, para que se tenha o que apalpar.
Essa aí é magricela demais.
Eu fechei a porta devagar e fiquei observando. Não
gostava nada do que estava vendo, mas também não queria
encrenca. Três daqueles homens procuravam não prestar
atenção à cena, mas qualquer um podia ver que não estavam
aprovando. Eu também não.
Ninguém jamais diria que Logan Sackett era um herói.
Eu havia percorrido as mais difíceis trilhas, recolhendo
alguns cavalos, aqui e ali, e também algum gado. Cheguei a
andar com malfeitores e às vezes havia gente no meu
encalço, querendo me passar uma corda no pescoço. No
entanto, jamais arranjei encrenca com gente do lugar onde
estava.
— Ei, você aí! — chamou o loiro grandão, dirigindo-se
à garota. — Venha cá que eu quero lhe fazer uns carinhos.
— Não vou fazer isso — recusou-se a jovem, que estava
assustada mas demonstrou ter coragem. — Sou uma moça
direita, Len Spivey, e você sabe disso.
O homem soltou uma risadinha e foi saindo devagar de
trás do bar.
— Você vem ou quer que eu a pegue?
— Deixe-a em paz — eu falei.
Por um momento, ninguém se moveu. Depois, como se
eu houvesse batido com força uma janela ou coisa assim,
todos se voltaram para me olhar.
Bem, o que eles viram não foi nada de excepcional. Sou
um homem alto, pesando quase sempre por volta de noventa
e cinco quilos, e boa parte desse peso está no peito e nos
ombros. Cultivava um bigode com pontas viradas e estava
com uma barba de três dias. Meu cabelo não era cortado há
muito tempo e o velho chapéu tinha um buraco de bala
arranjado iião sei onde. Minha capa de chuva estava aberta,
as calças de couro estavam molhadas e o estado das botas
era tão ruim, principalmente nos calcanhares, que as
grandes esporas da Califórnia balançavam um pouco.
— O que foi que você disse?
O homem loiro olhava para mim como se não estivesse
acreditando. Pelo jeito, ninguém jamais dissera a ele para
parar com o que estava fazendo.
— Eu disse para deixar a moça em paz. Não vê que ela
está molhada, cansada e procurando um quarto para ficar?
— Pois fique fora disso, moço. Se ela quer um quarto,
pode usar o meu... comigo lá dentro, é claro.
Quando ele terminou de falar eu me voltei para a garota.
— Não ligue para essa conversa, moça. Sente-se por aí
em algum lugar que eu vou lhe arranjar alguma coisa quente
para comer e beber.
O loiro parecia estar começando a se enfurecer.
— Forasteiro, acho melhor você ir dando o fora — ele
aconselhou. — Esta aqui não é a sua cidade. Se fosse você,
subiria novamente na coisa em que veio montado e voltaria
para a estrada, antes que o papai aqui perca a paciência.
Nós, os Sacketts das montanhas, nunca fomos
conhecidos pela delicadeza dos modos. Pela forma como
vejo as coisas, se um homem abre a boca para fazer
ameaças, tem que ter tamanho e coragem suficientes para
cumpri-las. Alem disso, eu já estava farto daquela conversa.
Andando até uma mesa desocupada, puxei a cadeira.
— Moça, sente-se aqui.
Em seguida, caminhei até o bar e olhei para o homem
que estava lá.
— Arranje para a moça uma terrina de sopa quente e um
pouco de café.
O homem pôs as duas mãos sobre o balcão do bar,
mostrando no rosto que não estava nem um pouco satisfeito.
— Homem, eu não vou fazer isso...
As vezes um homem acaba perdendo a paciência.
Esticando os braços, eu agarrei o grandão pela camisa e fiz
com que ele ficasse com a metade do corpo por cima do
balcão do bar. Segurava firmemente, bem perto do
colarinho e sacudi- o de verdade algumas vezes até que o
rosto dele começou a ficar arroxeado. Em seguida, joguei-o
de volta ao lugar de antes. Como se tivesse sido atingido
pelo coice de um cavalo, o homem bateu com as costas
numa prateleira baixa que havia por trás do bar. Algumas
garrafas caíram no chão, espatifando-se.
— Arranje a sopa — eu repeti, deixando claro que falava
sério. — E tome cuidado com a linguagem que usa perto da
moça.
O tal Len Spivey ficou de pé e, pelo que pude ver, estava
um bocado surpreso. Durante todo o tempo eu mantinha um
olho nele e outro nos demais homens presentes. A vida já
me havia ensinado a não confiar em ninguém.
— Acho que você não entendeu, forasteiro — disse o
loiro. — Eu sou Len Spivey!
Naturalmente, como em toda cidade de vaqueiros, ali
também havia um valentão.
— Está bem, filho — eu disse, complacente. — Esqueça
isso e eu prometo não contar nada a ninguém.
O grandalhão ficou sem saber muito bem o que fazer. E
claro que queria arrancar meu couro, mas de repente já não
estava tão seguro de si. É fácil sair por aí bancando o
homem mau do lugar quando se sabe exatamente qual será a
reação de cada um. Quando aparece um forasteiro, porém, a
coisa se complica.
— Len Spivey é o homem mais rápido desta região —
disse o homem de cabelos pretos.
— Não é uma região muito grande — eu comentei.
Minutos mais tarde o barman chegou com uma terrina
de sopa quente e a pôs sobre a mesa, cuidadosamente.
Depois se afastou.
— Coma isso — eu disse à moça, que parecia não ter
mais que dezesseis anos, talvez até menos. — Eu tomarei o
café.
Logo todos voltaram a conversar, como se ignorassem a
nossa presença, mas eu sabia que não era bem assim. Já
tinha estado em outras cidades antes, na condição de
forasteiro, e sabia como a coisa funcionava. Mais cedo ou
mais tarde alguém do lugar resolveria verificar se eu era
mesmo valente. Precisava ficar de olho em todos, porque
era impossível dizer qual seria o mais perigoso.
— Será que existe alguma mulher decente por aqui? —
eu perguntei à moça. — Estou falando de mulheres que não
têm medo de cara feia.
— Dessas assim só existe Em Talon. Ela não tem medo
de nada e de ninguém.
— Então coma — eu disse. — Depois, vou levá-la para
ficar com ela.
— Moço, nem sabe o que está dizendo. Aquela velhota o
mataria antes que conseguisse abrir o portão. Ela já acertou
uma porção de gente, pode crer.
A jovem tomou mais algumas colheradas de sopa,
ergueu a cabeça e continuou a falar:
— Foi ela quem acertou Jake Flanner, o dono deste
lugar. Estourou os dois joelhos dele.
— Alguém falou o meu nome?
Na porta perto do bar estava um homem apoiado em
duas muletas. Ele era corpulento, mas não exatamente
gordo. Tinha os braços musculosos e as mãos fortes e
grandes.
Ele deu a volta no bar, apoiando-se mais numa muleta
do que na outra. Era um homem bem-apessoado, de cerca
de quarenta anos, e carregava um revólver no coldre. Eu
sabia que tinha um outro num coldre de ombro, por baixo
do paletó.
— Sou Jake Flanner. Acho que precisamos ter uma
conversa.
Não era para ninguém saber que ele tinha aquele coldre
de ombro. Certamente pouca gente usava aquilo por ali e o
dele estava bem escondido por baixo do braço. Como o
revólver era pequeno, poderia perfeitamente passar
despercebido num homem de peito largo como Jake
Flanner.
Um aleijado é esperto se deixa de usar um revólver.
Muito pouca gente atiraria num aleijado. Na maioria das
cidades do oeste, isso equivaleria a arranjar convite para
uma festa a que o único convidado compareceria para
receber uma corda no pescoço. Portanto, se aquele homem
estava armado até os dentes, deveria ter uma boa razão.
Algo naquelas muletas me preocupava, assim como o
jeito como ele se apoiava mais numa do que na outra. Para
usar o revólver, ele teria que soltar uma das muletas.
— Posso me sentar?
Sem mexer as mãos, fiz um gesto com a cabeça.
— Sente-se... mas não atrapalhe muito a minha visão,
para o caso de alguém querer começar a festa. Não tenho
intenção de matar nenhum inocente.
— Você é novo por aqui — disse o homem, deixando-se
cair numa cadeira. — Está de passagem?
— Mais ou menos.
— Não é muito comum um homem que está apenas de
passagem tomar as dores de uma dama. Foi muito galante...
Sem dúvida, muito galante.
— Não sei nada do que é ou não galante — eu falei. —
No entanto, acho que uma mulher tem o direito de aceitar
ou recusar uma companhia e deve ser tratada como uma
dama, pelo menos até deixar bem claro que não é isso o que
quer.
— Naturalmente — ele concordou, começando a encher
um cachimbo. — Eu poderia empregar um bom homem
aqui, um homem que soubesse usar uma arma. — Ele fez
uma breve pausa e continuou: — Eu diria que você é um
homem que já enfrentou encrencas.
— Sou um homem vivido, se é isso o que está querendo
dizer. Já atravessei rios e montanhas. Domei potros
selvagens, lacei novilhos desgarrados e tirei a pele de
búfalos. Também já abri trilhas no mato cerrado e vivi no
meio de índios. Portanto, não sou um andarilho qualquer.
— E exatamente o homem de que preciso.
— Talvez sim, talvez não. Mostre os seus argumentos e
veremos.
Não havia nada de especial naquele Flanner, mas quando
um homem teve que fugir de uma porção de lugares não
pode ser muito exigente em relação às pessoas para as quais
trabalha.
— Ouvi a mocinha aqui mencionando Emily Talon. Ela
dirige um ranchinho ao pé das montanhas e me deve
dinheiro. É uma pobre velha que tem apenas alguns
empregados medíocres. Quero contratá-lo para que você vá
até lá e faça a cobrança para mim.
— Por que não manda Spivey? Ele parece ser capaz de
morder um bife duro mesmo com um dente doente. Deve
ser o homem ideal para agarrar uma velhota.
Spivey bateu com o fundo de uma garrafa no balcão do
bar.
— Olhe aqui, seu... — ele resmungou, enraivecido.
— Vai ter que esperar a sua vez, Spivey — eu falei. —
Agora, estou com disposição apenas para tomar café, e
muito contente por não estar na chuva. Cuidarei de você
quando chegar a hora, nem um minuto antes. O trabalho lhe
renderá cinqüenta dólares — continuou Flanner. — Você
não precisará atirar, a não ser que atirem em você. Eu lhe
darei um distintivo para que a coisa se torne oficial.
— No momento, estou precisando mesmo é de um bom
sono — eu disse. — Não pretendo montar numa sela antes
de raiar o dia. A que distância fica o lugar?
— A uns onze quilômetros. É uma casa grande e velha, a
maior e mais velha que existe por aqui. — O olhar de
Flanner era tranqüilo. — Pode-se dizer que serão cinqüenta
dólares ganhos com facilidade. A propósito... como devo
chamá-lo?
— Logan... apenas Logan.
— Está bem, Logan, eu o verei pela manhã. — Em
seguida ele se pôs de pé, sustentando-se nas muletas.
— Rapazes, deixem em paz o Sr. Logan. Tenho assuntos
a tratar com ele pela manhã.
Depois disso ele saiu, movendo-se com perícia sobre as
muletas apesar do corpo avantajado. Aleijado ou não, se eu.
ainda não houvesse visto um homem perigoso, ali estava
um. Perigoso mas suave, muito suave.
— Não faça isso — cochichou a moça. — Não ajude
esse pessoal a maltratar a velha.
— Pensei que você tivesse medo dela. Tem medo de ir
lá?
— Ela sabe atirar. Tem um rifle Sharps de cinqüenta
milímetros e consegue acertar em qualquer coisa. Estão
tentando tomar o rancho dela, ele e os posseiros. Chegaram
atrasados e agora estão querendo expulsar aquela mulher, só
porque ela é velha, sozinha e tem as melhores terras da
região.
— Você é daqui?
— Não exatamente. Meu pai era um dos posseiros. Papai
sempre foi um homem honesto, mas não conseguia fazer
nada direito. Tudo com ele dava errado. Não sabia lidar
com dinheiro e não fazia nada além do absolutamente
necessário.
— Havia mais alguém na família?
— Não, éramos só eu e ele. Papai arranjou um pedaço de
terra e começou a cultivá-la. Só que não veio a chuva, a
lavoura sê perdeu e ele começou a beber. Uma noite,
quando voltava para casa, caiu do cavalo e acabou pegando
uma pneumonia. Depois que ele morreu, fui trabalhar na
casa de Spud Tavis, para cuidar das crianças dele. Mas logo
percebi que Spud queria uma amante, e não uma
governanta. Quando ele ficou muito impertinente, subi
naquela charrete e vim para a cidade.
— Quantos anos você tem?
— Dezesseis — ela respondeu, em seguida abaixando
tanto a voz que só eu pude escutar. — Sr. Logan, é duro
dizer isto, mas se meu pai tinha que morrer foi bom que
tenha acontecido a tempo. Papai estava para vender uma
informação a Flanner.
— Sobre o rancho da velha?
— Sim. Ele sabia de um caminho para entrar lá. Logo
que chegamos aqui, ficamos na casa de um vaqueiro que
havia trabalhado para ela. O homem vivia assustado com os
capangas de Flanner e queria ir embora. Antes de partir,
porém, uma noite ele contou a papai sobre um caminho que
conhecia para entrar no Rancho MT pelos fundos. Era uma
trilha aberta pelos índios, que ele descobriu por acaso
quando procurava um novilho desgarrado. Ele descobriu
também que a trilha havia sido usada uma ou duas vezes por
aquele jovem Talon... Milo.
— Milo Talon? Ele tem algum parentesco com essa
velha?
— E filho. Ela tem também um outro, só que ele está no
estrangeiro. Parece que andou pelo Canadá e pela França. O
tal vaqueiro falava bastante, talvez porque confiava em
papai, que havia conhecido na Virgínia.
— Então, seu pai conhecia uma trilha para entrar no
Rancho MT pelos fundos. Ele chegou a falar a Flanner
sobre isso?
— Acho que não. Ele resolveu que deveríamos nos
mudar daqui e, para isso, precisávamos de dinheiro.
Esperava que Flanner pagasse uns cem dólares pela
informação. Com isso, poderíamos ir para a Califórnia ou
para o Oregon. Mas papai nunca teve sorte. Caiu daquele
cavalo e acabou morrendo.
— E por onde anda o tal vaqueiro?
A moça deu de ombros.
— Foi embora há uns seis, oito meses.
— Como é o seu nome, garota?
— Pennywell Farman.
— Pennywell, eu não tenho dinheiro e não posso mandá-
la para nenhum lugar, mas posso levá-la até essa Em Talon.
Ela pode muito bem estar querendo alguém para ajudar
numa coisa ou Outra.
— Jamais chegaremos lá. o acertará com um tiro, moço.
Esse pessoal está querendo tomar o rancho, mas ela não
deixa ninguém chegar perto.
Dando uma olhada em volta, reparei que ninguém
parecia prestar atenção na nossa conversa. Mas eu sabia que
não haviam nos esquecido e que tentavam escutar o que
dizíamos. Pennywell continuou a tomar a sopa e eu fiquei
pensando na complicação em que ela estava metida.
Quanto a mim, era um homem sem lugar certo para
morar e não havia nada ali que me interessasse. Pretendia
passar alguns dias em Brown’s Hole mas, antes disso,
precisava me livrar daquela garota deixando-a em algum
lugar seguro.
Não tinha a menor intenção de aceitar a oferta de
Flanner. Fingia aceitar apenas para ganhar tempo e evitar
encrencas, até que pudesse encher a barriga pela manhã e
selar meu cavalo. Parecia que a nossa única chance seria
mesmo a tal velha.
— Quando o vaqueiro estava conversando com o seu
pai, Pennywell, o que você estava fazendo?
— Dormindo.
— Agora, Penny, se quer que eu a ajude, vai ter que me
ajudar. Não estou com intenção de me deixar matar e você
pode muito bem ser de alguma ajuda para aquela velha.
Será que não se lembra de nada do que o vaqueiro falou
sobre a tal trilha?
Ela ficou olhando para mim durante um bom tempo,
pensativa.
— Acho que é um bom homem, Sr. Logan, ou eu não
teria dito nada. Se me ajudar, talvez eu consiga achar a
trilha.
Nesse momento, a porta se abriu com violência e um
grandalhão entrou, caminhou alguns passos e parou.
Voltando-se para olhá-lo, Len Spivey começou a rir.
— Procurando a garota, Spud? Ela está... com aquele
forasteiro.
Eu já previa confusão desde o momento em que a porta
se abriu. O grandalhão foi entrando aparentemente disposto
a esmagar o que encontrasse pela frente. Ele era bem
grande, estava molhado e realmente zangado.
— Ei, você aí! Que história é essa de fugir com a minha
charrete? Posso jogá-la atrás das grades por roubo de
cavalos. Levante-se e se prepare para voltar à charrete.
Logo que eu engolir um trago, voltaremos para casa. O que
você precisa é sentir o gosto da chibata!
— Não vou mais trabalhar para você! — declarou
Pennywell, com firmeza. — Minha tarefa era cuidar das
suas crianças, Spud Tavis, e cozinhar para elas e para você.
Nada além disso, e você sabia muito bem. Não tem o direito
de vir atrás de mim desse jeito!
— Pois vou lhe mostrar se tenho ou não tenho o direito!
— Você ouviu a moça — eu disse, brandamente. — Ela
acaba de se demitir. Como você não é parente dela, não tem
mesmo nenhum direito. Portanto, deixe-a em paz.
Tavis fez menção de alcançar a garota e eu apenas dei
um leve empurrão no ombro dele. No entanto, aquilo o
pegou desprevenido e ele teve que dar um passo para
manter o equilíbrio.
Imediatamente depois ele se voltou para mim, com o
rosto vermelho de raiva. Tavis tinha os braços fortes e
peludos. Com o punho fechado, ele se preparou para me
atingir com um soco e deu um passo atrás. Mas houve um
momento em que ele esteve com um dos pés no ar e eu não
deixei passar a oportunidade. Com um movimento rápido
do meu pé direito, empurrei a perna dele um pouco além de
onde ele pretendia. Desequilibrado, o grandalhão balançou
por um instante e desabou no chão, com um estrondo.
Levantou-se rapidamente e eu não o impedi. Para um
homem daquele tamanho, movimentava-se com
surpreendente rapidez. Levantou-se e veio em meu encalço.
Eu nem me levantei de onde estava. Apenas puxei com
pé uma cadeira vazia e a deixei no caminho dele. O homem
tropeçou na cadeira e esparramou-se no chão novamente.
— Qual é o problema? — eu perguntei.. — Parece que
você tem dificuldade para ficar de pé.
Desta vez ele se levantou devagar e segurava na mão
direita uma das pernas da cadeira quebrada.
— E melhor você se encostar na parede — eu disse a
Pennywell. — Agora a coisa vai esquentar.
O homem se aproximou devagar, olhando fixamente
para mim e brandindo o porrete, que ergueu um pouco
acima do ombro, preparando-se para o golpe. Desta vez,
porém, eu estava de pé. Ele não devia saber muita coisa
sobre luta com porrete e parecia ter a única intenção de me
acertar na cabeça. Golpeou de cima para baixo, com força.
Bloqueando a descida com o antebraço esquerdo, eu enfiei
o outro braço por baixo do dele, segurei firmemente o pulso
e pressionei para baixo, com força. Eu o tinha à minha
mercê e não fui complacente. Tavis soltou um grito de dor e
largou o porrete.
Então eu o soltei, deixando que arriasse ao chão
segurando o braço direito com a mão esquerda. Quase havia
quebrado o braço do homem e poderia ter feito isso sem
grande dificuldade. Mas ele era valente e se ergueu
novamente. Quando tentou usar contra mim o braço
machucado, senti-me cansado daquela história. Atingi-O
um pouco acima da fivela do cinto com a esquerda e depois
bem no ouvido com a direita. O homem caiu outra vez, com
a orelha partida.
— Um homem que não sabe lutar não devia tentar — eu
comentei. — Sorte sua não sair com o pescoço quebrado.
Pegando Pennywell pelo braço, dirigi-me à porta.
— Vou levar esta moça até uma boa casa, mas voltarei
— eu avisei, olhando em seguida para Tavis, que começava
a se sentar vagarosamente. — Tavis, Pennywell disse que
você tem filhos pequenos. Meu conselho é que volte para
casa e fique tomando conta deles. Se voltar a molestar essa
garota, vai se haver comigo. E na próxima vez não vou estar
para brincadeira.
A chuva agora era acompanhada por um vento forte que
açoitava a fachada dos edifícios. Rapidamente,
atravessamos a rua em direção à estrebaria. Deixei
Pennywell na entrada e entrei sozinho, com a arma na mão.
Não havia ninguém lá. Passei então a selar o cavalo, que
pareceu contrariado quando o montei. A porta, estendi a
mão para que a moça saltasse na garupa e logo Estávamos
na estrada. Uma vez fora do campo de visão de qualquer
pessoa da cidade, cortamos caminho pelos campos e
rumamos para as montanhas. Depois de percorrermos cerca
de oitocentos metros, começamos a subir por uma trilha, O
caminho era tão difícil que levamos perto de duas horas
para fazer talvez dois quilômetros. Depois disso,
alcançamos um planalto onde o cavalo correu livre por entre
árvores esparsas.
Pouco mais tarde a cavalgada voltou a se tornar difícil.
Os galhos das árvores batiam no nosso rosto e a chuva nos
açoitava pelas costas. Mais de uma vez o cavalo quis
empacar na trilha lamacenta. Era um cavalo grande e forte,
mas carregava o dobro do peso. Depois de algum tempo eu
desci e segui andando, com a rédea na mão.
— Logan Sackett — eu disse a mim mesmo —, parece
que você gosta de se meter em situações difíceis.
Lá estava eu, arrastando um cavalo cansado e uma
garota órfã por uma trilha enlameada, indo ao encontro do
que talvez fosse uma bala na testa.
A casa me pareceu bastante grande, mesmo vista do alto
da montanha. Exatamente como deve ser a casa de um
rancho cobiçado, erguia-se no alto de uma colina, vigiando
os campos em volta. Por trás havia uma construção grande
que parecia o alojamento de empregados. De onde estava eu
podia ver os celeiros, a estrebaria e os currais. Realmente,
quando estava em plena atividade aquele rancho devia ter
sido uma coisa bonita de se ver.
Devagar, fui descendo pela encosta da colina, segurando a
rédea do cavalo, que vinha atrás de mim com a moça. A
cada cem metros, olhava para trás e entendia por que
ninguém se arriscava por aquela trilha. Era preciso muito
cuidado para que não despencássemos todos pelo
precipício.
Finalmente, conseguimos chegar à planície e saímos
caminhando silenciosamente em direção à casa. Quando
chega •mo à estrebaria, eu entrei e livrei o cavalo da sela.
Ele bem que merecia. A estrebaria estava vazia e, pelo
cheiro, estava vazia há muito tempo. Deixamos ali o cavalo
e seguimos em frente, até o que devia ser o alojamento.
Bem devagar, eu abri a porta e acendi um fósforo. Também
estava vazia. Não havia beliches, nada. Apenas algumas
botas imprestáveis jogadas pelos cantos e uma capa imunda
pendurada num cabide.
Com cuidado, atravessamos o quintal e chegamos à
porta dos fundos da casa. Girei a maçaneta vagarosamente,
a porta se abriu e nós entramos. Estava tudo às escuras e em
silêncio. Pelo cheiro, a casa estava fechada há muito tempo.
Sentindo o cheiro do que deveria ser uma cozinha,
seguimos para lá, na ponta dos pés. O fogo estava aceso no
fogão e havia no ar um aroma de café. Não poderíamos
reclamar se sentíssemos o cano de uma arma bem no rosto,
mas não ouvíamos nada. Será que a velha estava morta?
A cozinha era ampla, mas estava quase que totalmente
às escuras. Por um momento, a luz de um relâmpago
atravessou os vidros da janela e eu pude ver o cano escuro
de uma grande pistola apontado para mim. Por trás estava a
velha, de pé.
— Muito bem — ela disse, com voz segura. — Eu posso
ser velha mas tenho os ouvidos de um gato. Basta que vocês
mexam um dos pés para que eu atire. E pode crer, moço,
que nunca erro o alvo.
— Sim, senhora. Há uma moça comigo, minha senhora.
— A direita da porta há um candeeiro que ainda deve ter
algum azeite. Tire a chaminé e acenda um fósforo, mas faça
isso com cuidado, muito cuidado.
— Sim, senhora. Nós viemos em paz. Acabamos de ter
uma briga com uns caras lá na cidade.
Com cuidado, eu tirei a chaminé do candeeiro, acendi
um fósforo e aproximei-o do pavio. Depois, repus a
chaminé e o lugar ficou iluminado por uma luz bruxuleante.
— É melhor ficar longe da luz — recomendou a velha.
— Tenho inimigos e dois ou três deles estão lá fora.
— Sim, senhora. Meu nome é Logan Sackett e esta aqui
é Pennywell Farman.
— E parenta de Deke Farman?
— Ele era meu pai — respondeu a jovem.
— Talvez ele tenha sido um bom pai, mas era um
vaqueiro preguiçoso. Jamais fez por merecer o que comia.
— Papai era assim mesmo — reconheceu Pennywell,
com brandura.
A mão que segurava a arma era firme como uma rocha.
E aquela não era urna pistola qualquer, mas um Colt Dragão
dos antigos, uma arma capaz de abrir no peito de um
homem um buraco grande o suficiente para que se enfiasse
um punho fechado.
— O que vocês querem aqui? — perguntou a velha.
— Senhora, essa jovem trabalhava na casa de Spud
Tavis, cozinhando e tomando conta dos filhos dele. Mas
Tavis quis obrigá-la a fazer coisas feias e ela fugiu para a
cidade. Foi até o Bon Ton e procurou o dono para pedir
emprego. Havia algumas pessoas lá, entre elas Len Spivey,
e ele também quis obrigá-la a fazer o que uma mulher
direita não faz. A moça precisa ficar na companhia de uma
mulher decente, senhora; alguém que ensine a ela o que
deve ser ensinado. Tem dezesseis anos e é uma boa moça.
— Você acha que eu sou idiota? É claro que ela é uma
boa moça. O que eu quero saber é que tipo de homem é
você. Por acaso é uma companhia apropriada para ela?
— Não, de fato eu não sou. Sou ordinário, minha
senhora, mais ordinário que um cafajeste, mas não pretendia
ter a moça comigo. Apenas a trouxe até aqui. Depois que
meu cavalo descansar um pouco, pretendo seguir viagem.
— Seguir viagem? — repetiu a velha, com voz forte. —
Para quê?
— Não sei ao certo, minha senhora. Gosto de andar por
aí, conhecendo novos lugares. Às vezes paro por algum
tempo e trabalho em uma ou outra coisa. Milo Talon é seu
filho?
Durante algum tempo fez-se silêncio, antes que a velha
voltasse a falar.
— O que você sabe de Milo Talon?
— Nós nos conhecemos em Chihuahua, algum tempo
atrás, e eu achava que todos os parentes dele já estavam
mortos.
— Pois se enganou, porque eu sou a mãe dele. Onde está
Milo agora?
— Vagueando, eu acho. Durante algum tempo, andamos
por aí os dois, sem destino, e acabamos nos metendo em um
tiroteio em Laredo.
— Milo sempre atirou bem. É rápido e certeiro. E
verdade, senhora, e se não fosse isso já estaria morto. Ele os
viu se esgueirando em nossa direção antes que eu me desse
conta disso e abriu fogo. Tem razão, minha senhora, Milo
Talon sabe mesmo atirar. Ele falou de um irmão que é ainda
melhor.
— Barnabas? Com um rifle, praticando tiro ao alvo,
pode ser, mas Barnabas jamais se comparou a Milo num
combate de verdade.
Durante algum tempo ela ficou em silêncio, pensativa.
— Senhora, o café está quente — eu lembrei. — Será
que podemos tomar um pouco?
A velhota levantou-se e pôs a pistola no coldre que
trazia na cintura.
— Mas o que é que eu estou fazendo? Faz tanto tempo
que não recebo visitas que nem sei mais como agir direito.
E claro que vocês podem tomar café.
Ela começou a andar em direção porta da rua, mas parou
no meio do caminho.
— Rapaz, você se importa de dar uma olhada lá fora? Se
enxergar alguém se aproximando, atire antes de perguntar
quem é.
Pegando o candeeiro da cozinha, ela o levou para a
grande sala da frente, onde já havia um outro aceso.
— Não vem ninguém minha senhora. Parece que eles
estão retidos pela chuva.
— Idiotas! Podiam ter me pegado, porque dormi bem
além da conta. Só acordei quando ouvi os passos de vocês,
já entrando na cozinha. São uns preguiçosos isso sim.
Pistoleiros é que não são. Houve um tempo em que se podia
contratar lutadores de verdade. Essa corja que Flanner
arranjou não passa de um bando de coitados.
A velhota ficou me olhando por algum tempo. Depois,
fez uma careta e deu uma risadinha.
— Eu logo vi. Você é das montanhas Clinch, não é?
— O que, senhora? — eu perguntei, espantado.
— Estou dizendo que você é das montanhas Clinch. Ou
não é? Eu reconheceria o seu jeito em qualquer lugar, rapaz,
provavelmente, é um dos incontáveis filhos de Tarbil
Sackett.
— Sou neto dele.
— Foi o que pensei. Conheci a sua gente cada um
daqueles safados. Não prestavam para nada além de brigar e
fazer contrabando de uísque.
Não era uma boa avaliação dos meus familiares, mas nós
dois rimos juntos.
— A senhora é do Tennessee? — perguntei.
— Se eu sou de Tennessee? Ora, seu adivinhão! Eu sou!
E sou também uma Sackett das montanhas Clinch! Casei-
me com Talon e vim para o oeste. Na verdade, um primo
meu ajudou-o a desbravar isto aqui. Era também um
Sackett. Saiu pelas montanhas e nunca mais voltou. Era um
viajante sem rumo, assim como você, e dava ouvidos a
qualquer história idiota sobre ouro. Deixou alguns filhos no
Tennessee, e uma esposa que era boa demais para ele.
Ela sorriu, satisfeita com a descoberta.
— Sente-se aqui, filho. Está com gente de casa!
CAPÍTULO 3
Era confortável aquela cozinha. Apesar de velho, o lugar
era asseado. O chão estava bem varrido e os utensílios de
cobre brilhavam, refletindo a luz do candeeiro. O cheiro do
café era delicioso. Mesmo eu já tendo tomado uns goles na
cidade, no saloon Bon Ton, o dali era melhor, um bocado
melhor.
— Dizem na cidade que a senhora tem alguns
empregados aqui — eu relatei.
— Quero mesmo que pensem assim — disse a velha,
rindo. — Já faz quase um ano que estou só. No último
combate de verdade que tivemos com esses desgraçados,
Bili Brock levou tiro e morreu. Enterrei-o aí atrás da casa.
Pretendia transferi para um lugar mais apropriado, quando
fosse possível.
Ela pegou uma xícara de café, depois de servir as nossas
e sentou-se. O rosto era velho e enrugado, como se ela já h
vesse passado por duas ou três vidas, mas os olhos
brilhavam como fogo.
— Você é Logan Sackett. Muito bem, eu pergunto: o
que você sabe fazer?
— Faço o que a necessidade me obriga — eu respondi.
— Acho que não sou muita coisa, tia Em. Já perambulei
muito e me meti em alguns tiroteios. Não tenho nada. Até o
cavalo em que vim não me pertence. Chegou uma hora em
que devia sair logo do lugar onde estava e não tinha tempo
p comprar um cavalo. Mesmo que tivesse tempo, não tinha
dinheiro. Aquele estava à mão e eu o peguei.
A velha balançou a cabeça.
— Quando amanhecer o dia, Você irá lá fora para soltar
o cavalo. Talvez demore algum tempo, mas ele chegará de
volta ao dono, mais cedo ou mais tarde. Temos cavalos à
vontade no Rancho MT.
— Eu não queria...
— Não se preocupe com isso. Também temos quartos
suficientes para acolher o exército inteiro de Grant, sem
falar no barracão. Há comida bastante aqui, apesar de que
seria bom ter verduras e legumes frescos vez por outra. Não
há razão para que você não fique aqui até que o tempo
melhore.
— Obrigado, tia Em, mas pretendia seguir para a
Califórnia. Estive lá umas duas vezes e quando chega o
inverno sempre me dá vontade de voltar. Pensei que talvez
pudesse ir para Los Angeles, ou San Francisco.
— Eu posso pagar — disse tia Em. — Quanto a isso não
precisa se preocupar. — Eu não receberia dinheiro de
alguém da família. E só que...
— Logan Sackett, você fique bem quieto! Não vai dar
um passo daqui enquanto o tempo não melhorar. Se está
preocupado por causa daqueles idiotas lá fora, pare de
pensar neles. Posso dar conta deles sozinha, um por um ou
todos de uma vez.
— Não é nada disso. A questão é...
— Então não há problema. Vou pegar cobertores para
vocês.
Pelo jeito, eu não veria a Califórnia tão cedo, porque
aquela velhota não era lá muito fácil de convencer. Havia
resolvido e pronto. Pensando bem, eu estava curioso para
ver em que aquela confusão toda ia resultar.
— Já que vou ficar, ficarei vigiando — eu me
prontifiquei. — Vocês duas vão dormir em algum lugar.
Depois que elas me deixaram só, peguei num dos
quartos o colchão de uma cama e levei-o para a sala. Por
cima dele, arrumei o cobertor e me preparei para passar a
noite. Lá fora, a chuva castigava as paredes e o telhado da
velha casa. Com os constantes relâmpagos, era possível ver
o que acontecia no portão e em volta dele. Não estava
acontecendo nada.
O candeeiro estava na cozinha e eu o deixei lá, já que
não queria nenhuma luz por trás de mim quando estivesse
olhando para fora. Depois de vigiar por algum tempo,
concluí que ninguém se arriscaria a chegar perto da casa,
pelo menos por enquanto. Assim sendo, voltei à cozinha,
acendi o fogo no fogão e coloquei um pouco de água no
café, para que ele não faltasse.
Na sala de estar havia uma porta aberta que dava para o
que devia ter sido o escritório do velho Reed Talon. Pude
ver ali mais livros do que todos os que já tinha visto na
minha vida inteira. Havia também esboços de prédios e
pontes, com anotações que especificavam as medidas. Eu
não entendia muito bem alguns deles, enquanto outros eram
bem simples. Examinando aqueles esboços, fiquei
imaginando o que um homem sentiria ao concluir a
construção de uma ponte, de um barco, de uma igreja ou
coisa assim. Na certa, daria alguns passos para trás e ficaria
olhando, repetindo para si mesmo que era o responsável por
aquilo estar de pé. Parecia uma coisa mais sensata do que
andar por aí na sela de um cavalo.
De vez em quando eu cochilava um pouco. As vezes
espiava lá fora e outras vezes vestia a capa e saía. A casa
tinha uma varanda espaçosa e coberta, com um parapeito de
cerca de um metro e vinte de altura. Talon havia construído
aquele parapeito com algumas fendas, para que um homem
pudesse atirar sem ficar desprotegido.
Quando voltei à sala e me sentei com a caneca de café
na mão, ouvi um barulho de chinelos e Em Talon
reapareceu.
— Logan, é bom ver novamente um Sackett. Já se
passaram muitos anos...
— Ouvi dizer que alguns deles se mudaram para perto
de Shalako, no oeste do Cobrado — eu falei. — A verdade
é que há muitos espalhados por aí. Os Sacketts de
Cumberland também são gente boa.
— O antigo sócio de Talon deixou alguns filhos no
Tennessee — disse tia Em, enchendo a xícara. — Eu
sempre fico imaginando o que foi feito dele. O filho mais
velho se chamava William Tell.
— Eu o conheci. E um bom homem, e pode crer que
sabe o que fazer com um revólver de seis tiros.
Nunca foi de recuar do perigo.
— Nunca houve um Sackett que recuasse do perigo. É
claro que alguns não foram tão corajosos como os demais,
mas em todo cesto há sempre uma maçã podre.
Conversamos durante um bom tempo, bebericando café,
parando apenas quando eu me levantava para ver como
estavam as coisas lá fora. Falamos das montanhas Clinch,
da região de Cumberland e dos parentes que haviam rumado
para o oeste em busca de terras.
— Talon era um bom homem — disse a velha. — Posso
dizer que fiz um bom casamento. Quando ele apareceu no
meu portão logo vi que meu homem seria aquele ou
nenhum outro. Os Talons tinham um dom especial para
trabalhar com as mãos. Adoravam a boa madeira, que
sabiam transformar em coisas úteis e bonitas. Quando um
Talon segurava uma peça de madeira, podia-se se ver que a
tratava com amor.
Tia Em ficou olhando para mim, pensativa.
— Era parecido com o que os Sacketts sentem em
relação às armas — ela comparou.
— Pelo que me disseram, a senhora é muito boa com
uma arma.
— Eu tinha que ser. Talon nem sempre estava em casa e
havia os índios. Eu nunca fui como algumas pessoas. Tem
gente que odeia os índios porque perdeu algum parente nas
mãos deles. Eu não, nunca senti isso. Para mim eles são
apenas uma coisa a mais que se tem que combater, como as
tempestades, os estouros da boiada, a seca ou os gafanhotos.
Já vi nuvens de gafanhotos chegando, escondendo o sol e
mergulhando depois sobre a plantação. E uma praga difícil
de combater.
Ela ficou com o olhar distante, como se revivesse as
lembranças.
— Se eu atiro bem? E, acho que sim. Munição para arma
de fogo era coisa escassa lá nas montanhas. Quando alguém
saía para procurar comida para a família, ela ou ele tinha
que voltar com uma caça abatida para cada bala que usasse.
— Tia Em parou de falar por um instante e encheu a minha
xícara e a dela. — Logan, preciso encontrar Milo. Este lugar
pertence aos dois, a ele e a Barnabas. Já não sou tão jovem
como antes. Uma noite qualquer, vou adormecer e os patife
que estão lá fora darão cabo de mim. Preciso de ajuda,
Logan.
Eu me mexi na cadeira como se tivesse culpa de alguma
coisa, apesar de não ter culpa de nada. Não tinha perdido
nada ali e continuava com a intenção de seguir para a
Califórnia. Realmente, havia sido um mau passo interferir
naquela briga por causa da moça, na cidade.
— Posso ficar por uns dias — eu disse. — Não há
ninguém esperando por mim na Califórnia... ou em qualquer
outro lugar.
Eu disse aquilo e fiquei pensativo. Realmente, desde que
meus pais haviam morrido ninguém esperava a minha
chegada ou se importava com o que estivesse me
acontecendo.
— Aquele Flanner — eu falei —, ele carrega um
revólver num coldre de ombro.
— Ah, é? Bem, imaginei que deveria esconder uma
arma em algum lugar. Está meio morto e ninguém o ajuda a
se movimentar. Você viu Johannes?
— Não sei quem é. Havia alguns homens no Bon Ton,
mas não sei...
— Não devia estar lá. Johannes Duckett é um parente de
Flanner. Acho que não é lá muito bom da cabeça. Pelo
menos, é meio esquisito. Mas é muito perigoso com
qualquer tipo de arma e costuma atirar pelas costas... Bem,
ele atira pelas costas, pela frente e pelos lados. Quase
sempre está tomando conta da cocheira.
— Não vi ninguém por lá.
— Então ele devia estar por perto. Quando ele não está
lá, outra pessoa está. Você só consegue ver Johannes
quando ele quer que isso aconteça.
Depois de algum tempo ela foi se deitar e eu circulei um
pouco, andando lá fora. Não demorou para que Pennywell
fosse me substituir e eu me encolhi em cima do colchão
para descansar um pouco.
Quando acordei o dia já havia clareado e pude ouvir o
barulho das duas na cozinha. De onde estava eu tinha uma
boa visão do portão. De um momento para o outro, comecei
a ficar irritado.
Como é que alguém podia encurralar daquele jeito uma
mulher velha? Ela não podia nem andar na frente da própria
casa, para não correr o risco de levar uma bala!
Indo até um lugar seguro da varanda, estudei
cuidadosamente o terreno em volta. Quando escurecesse
novamente, eu começaria a agir por conta própria. A
Califórnia era um lugar - bonito e cheio de luz, mas eu não
podia deixar tia Em com aqueles caras criando problemas lá
fora.
Depois disso, fui até a estrebaria e dei um pouco de
milho ao cavalo. Acho que ele nunca havia passado tão
bem.
Em Talon tinha razão, porque havia ótimos cavalos
soltos no pasto por trás do barracão. Selando o meu, fui até
lá e lacei uma meia dúzia deles, que levei para o curral, um
a um. Depois, tirei novamente os arreios do animal e o
soltei.
Vendo-se livre, ele correu até um certo ponto entre a
casa e os homens de Flanfler e parou. Ali, ficou olhando
para os lados durante algum tempo. Finalmente, como se já
tivesse noção de para onde deveria ir, saiu em disparada.
Encostado na cerca do curral, fiquei examinando aqueles
cavalos. Os que havia pegado eram belos animais e tinham
todos a marca do Rancho MT. Havia um robusto potro
malhado que me agradou bastante e um outro de pêlo
cinzento que parecia esperto. Eram todos ótimos cavalos,
mas provavelmente há meses não recebiam sela para
montaria. Seria bom acostumá-los novamente a isso e
iniciei logo mãos à obra.
Enquanto isso, imaginava onde Milo Talon poderia
estar. Se queria resolver aquela situação, precisava
encontrá-lo... e isso não seria nada fácil. Milo era o tipo de
homem que vive de um canto a outro do país. Talvez
alguém em Brown’ s Hole soubesse dizer onde ele estava,
ou pelo menos dar a pista. O que eu precisava fazer era
mandar um recado dizendo que a presença dele era
necessária em casa. Poderia levar algum tempo, mas Milo
acabaria sabendo.
Nesse meio tempo, havia muito o que fazer. Logo ficou
claro que aqueles cavalos dariam trabalho, mas eram todos
muito bons. Para ter certeza de que teríamos montaria
suficiente, caso isso fosse necessário, deixei preparados
alguns deles.
A porteira do curral estava solta e resolvi consertá-la.
Não gostava de nenhum trabalho que precisasse ser
realizado fora da sela de um cavalo, mas aquele precisava
ser feíto.
Depois disso, saí por ali e dei uma boa olhada no lugar.
O velho Talon, que havia chegado ali quando os índios
viviam em constante estado de guerra, soube construir a
casa com muita astúcia. E era isso o que deixava os homens
de Flanner numa enrascada, porque não era fácil pegar
quem se entrincheirasse naquela casa.
Tanto o prédio principal como os demais pareciam
verdadeiras fortalezas e era fácil ir de um lugar a outro sem
se expor à mira de um rifle postado do lado de fora da
cerca.
Havia muitos lugares naquelas montanhas onde
pequenos vales ou ravinas davam para a planície, Talon
havia encontrado um lugar sem isso e soube construir a casa
de forma que o acesso era praticamente impossível a não ser
pela frente.
Ele deve ter feito aquilo pensando nos índios, mas
possivelmente teve a percepção de que há também
selvagens que compram roupas prontas em lojas. De uma
forma ou de outra, tinha sido esperto, ou a viúva já estaria
enterrada e o lugar teria sido conquistado e dividido em
várias partes, ou tomado integralmente por Flanner.
O tempo passou e a noite foi chegando. Só para ver o
que aconteceria fui até a varanda, pendurei um cobertor
numa vara e comecei a agitá-lo, tomando o cuidado de me
proteger. Não demorou em que se ouvisse o estampido de
um rifle e o cobertor fosse atravessado por uma bala. Isso
significava que, de onde estavam, eles podiam ver alguma
coisa se movendo na varanda. Só não podiam saber se era
ou não Em Talon.
Pouco mais tarde a noite escureceu bastante,
dificultando a visão. Peguei meu Winchester e fui até a
cozinha.
— Aonde vai? — perguntou Pennywell.
Tia Em olhou para mim, do fogão.
— Acabei de preparar uma sopa — ela disse. — Sente-
se ai.
— Mantenha a sopa quente que eu voltarei logo —
respondi, parando na porta que dava para fora. — Aqueles
caras podem armar alguma confusão. Quero ver o que eles
estão fazendo enquanto as coisas ainda estão nos lugares.
Em seguida saí na escuridão. Nós, os Sacketts, havíamos
crescido no meio de índios. Quase sempre eram os
Cherokees, mas havia também os Creeks, os Chickasaws, os
Choctaws e os Shawflees. Com todos eles, freqüentemene
saíamos para caçar. O que eu estava fazendo naquele
momento qualquer daqueles índios poderia fazer, mas acho
que estava me saindo tão bem quanto eles. A verdade é que
consegui me esgueirar por um campo aberto, sem ser visto.
Havia três homens sentados em volta de um fogo e,
antes que me vissem, eu estava no meio deles. Chutei o bule
de café quente no colo do que estava mais perto e empurrei
em cima do fogo o que tentou se levantar. Depois, girei o
corpo e golpeei a barriga do terceiro com a coronha do rifle.
Da mesma forma como havia começado, não dei trégua
àqueles três.
Como á disse, sou um homem corpulento, mas isso não
é o mais importante. Meus ombros e meus braços têm os
músculos muito desenvolvidos, por eu ter passado boa parte
da juventude laçando potros e novilhos, manejando um
machado ou empurrando toras de madeira pelo Mississippi.
Agora, não sentia nenhuma pena de um grupo de patifes que
queriam pôr as mãos numa mulher idosa.
O que eu havia jogado sobre o fogo levantou-se num
salto e levou a mão ao coldre. Bem, se era assim que ele
queria brincar... Eu apenas encostei nele o rifle, que
segurava com a mão direita, com a boca do cano cobrindo o
terceiro botão da camisa. Se ele pretendia pregar novamente
aquele botão, teria que ir buscar Os pedaços lá atrás, junto
da espinha, se é que sobrou algum pedaço.
O homem em cujo colo eu havia jogado o bule de café
quente já tinha problemas de sobra. Pulava para todos os
lados, como um louco, e era fácil ver que ficaria com a vida
social estragada por um bom tempo. Se pretendia visitar as
garotas do saloon no sábado seguinte, teria que adiar o
programa por várias semanas.
O outro estava todo encolhido, com as mãos nos joelhos,
gemendo. Eu encostei o cano do rifle no queixo dele e fiz
com que olhasse para mim.
— Vocês já estiveram em Wyoming? — perguntei. —
Ou em Montana?
O homem balançou afirmativamente a cabeça, com os
olhos arregalados e o rosto muito pálido.
— Pois bem, quando puderem ficar de pé novamente,
comecem a andar na direção de um desses lugares. Se
encontrar um de vocês por aqui outra vez, não vou gostar
nada.
Depois disso peguei os três rifles e arrebentei-os contra
uma pedra, jogando os restos do fogo, juntamente com a
munição e a lona da barraca.
Completado o serviço, desapareci novamente na
escuridão e voltei para a casa.
Quando me aproximei da varanda, tia Em e Pennywell
estavam observando o fogo lá longe.
— Manteve a sopa quente para mim, tia Em? — eu
perguntei.
— Sim, ela está quente. Vá encher um prato, Pennywell.
Minutos mais tarde eu me sentei à mesa e tia Em não disse
nada. Pennywell, porém, era jovem e estava curiosa.
— O que aconteceu lá fora? O que foi que você fez?
Eu tomei uma colherada de sopa e olhei sério para ela.
— Como Sansão, fui para o meio dos filisteus e os
golpeei no traseiro e nas pernas — respondi, rindo em
seguida.
— Um deles eu acertei numa região mais perigosa, um
pouco abaixo da barriga.

CAPITULO 4
Enquanto amarrava o cavalo na cerca do curral,
mantinha um olho na cabana. A notícia da minha chegada
devia ter-se espalhado e certamente eu estava sendo
observado.
Por aquela época, não havia lei em Brown’S Hole.
Ainda não havia notícia de um xerife que houvesse entrado
no lugar, talvez porque eles sabiam que não seriam bem
recebidos.
Soltando a tira de couro que prendia o revólver, saí
caminhando em direção à porta da cabana. Quando pisei na
pedra que servia de degrau para a varanda, a porta se abriu e
apareceu a figura de um mexicano. Não era Herrara. Era
bem menor e certamente menos habilidoso.
— Buenos días, amigo — eu saudei. — Tem café aí?
Ele ficou me olhando por alguns instantes, depois se af
astou para que eu entrasse. Havia três homens lá dentro e
imediatamente jentifiqUeí Herrara, mais conhecido como
Mexican Joe. Era um mexicano alto, com cara de mau e não
muito moreno. Sentado à mesa ao lado estava um homem
branco com claros sinais de que havia bebido demais. A um
canto estava outro mexicano, agachado sobre os
calcanhares.
— Ia passando e achei que talvez tivessem café — falei.
Durante algum tempo ninguém disse nada. Herrara olhava
para mim, sem qualquer expressão nos olhos negros.
Finalmente o branco se pronunciou: — Temos café e um
pouco de feijão, se você quiser.
Ele foi até o fogão, a um canto da sala, pegou o bule e
encheu uma caneca para mim. Eu puxei uma cadeira e me
sentei. O loiro grandão me serviu o café e um prato de
feijão com carne picada.
— Dutch Brannenburg passou por aqui?
Herrara olhou fixo para mim.
— Você trabalha para Dutch?
Eu ri da pergunta, antes de responder.
— Eu e ele não olhamos um na cara do outro. Nós nos
encontramos pelo caminho e tivemos uma discussão. Ele
vinha para cá, atrás de dois ladrões de cavalos.., dois
brancos. Parece que Brannenburg gosta de enforcar quem
encontra pela frente.
— Ele não enforcou você! — constatou Herrara.
— E que não me mostrei muito de acordo com a idéia.
Pelo jeito como estava a situação, ele achou melhor esperar
um pouco.
A situação? — perguntou o loiro.
— Minha Winchester estava apontada para o peito de
Dutch. Qualquer movimento dele serja considerado por
mim uma transgressão da lei, como se diz nos tribunais.
— Ele estava vindo para cá?
— Eram nove homens, e pareciam estar dispostos a uma
briga.
Durante alguns minutos ninguém disse nada, pouco
depois voltei a falar, com a boca cheia de feijão e pedaços
de carne: — Eles chegarão aqui vindos do norte, penso eu.
Não encontrei nenhum rastro na região de Limestone Ridge.
Os três olharam para mim.
Você veio por lá? — perguntou Herrara. Eu dei de
ombros.
— Já andei por lá algumas vezes, antes de você sair de
South Pass.
Herrara não gostou muito daquele comentário. Havia
tirado a vida de alguns homens na região de Limestone
Ridge e não era bem-visto por ali. Por isso, procurava não
chegar perto.
Quando fui a Limestone Ridge pela primeira vez, era
apenas um rapazinho. Acabei me metendo num tiroteio e
matei um homem que tinha muitos amigos. Como eu
conhecia apenas alguns lenhadores que mal sabiam usar
uma arma de fogo, procurei me afastar.
— Você é procurado? — perguntou o loiro.
— Bem, há um destacamento de Nebraska que a essa
altura já deve ter resolvido voltar para casa. Vim para cá
porque achei que poderia encontrar Isom Dart... Queria que
ele levasse um recado meu.
— Que recado? — perguntou Herrara, num tom bem
pouco amistoso.
O mexicano tinha estado bebendo vinho, assim como os
outros. Fazia cara feia o tempo todo e eu era um forasteiro
que não se mostrava muito impressionado com aquilo.
— O recado que tenho é para Milo Talon — falei. — Ele
deve ir ao Rancho MT, a leste daqui, e quando estiver indo
deve tomar cuidado.
— Direi a Dart — prometeu o americano.
Herrara não tirava os olhos de mim. Ele era esperto
como eu sabia, e já havia cortado a faca muitos homens.
Puxava a faca, que ficava amolando até deixá-la bem afiada.
Depois, soltando um grito, pulava sobre a vítima e
começava a esfaquear. O ato de amolar era apenas para
deixar o adversário amedrontado, antes do ataque.
Normalmente surtia efeito.
Herrara pegou a pedra de amolar, mas antes que sacasse
da faca eu puxei a minha.
— Olha só! — falei, pegando a pedra de amolar que ele
havia posto sobre a mesa. — Justamente o que estava
precisando.
Em seguida, passei a amolar a faca, calmamente. Bem,
foi uma cena engraçada de se ver. Herrara ficou atônito,
depois louco de raiva. Permaneceu sentado com as mãos
vazias, enquanto eu tranqüilamente amolava minha faca,
que aliás já estava bem afiada. Depois de algum tempo,
arranquei um fio de cabelo da cabeça e cortei-o no ar com a
afiadíssima lâmina. Só então devolvi a ele a pedra.
— Obrigado — agradeci, sorrindo amigavelmente. —
Um homem nunca sabe quando vai precisar de uma faca
amolada.
Minha faca era tipo Bowie, mas fabricada pela Tinker.
Não havia facas melhores do que as produzidas pela Tinker,
do Tennessee. Tinker era um cigano que andava pelas
montanhas vendendo bugigangas e acabou instalando uma
pequena cutelaria. O segredo daquelas lâminas havia sido
trazido da Índia pela família, que há centenas de anos tinha
a fama de produzir os melhores artefatos de aço do mundo.
Na verdade, o aço utilizado na fabricação de lâminas em
Damasco e Toledo vinham da Índia. Havia na India uma
pilastra de ferro que se mantinha de pé há quase dois mil
anos, sem um único sinal de ferrugem.
Orgulhoso, mostrei a faca àqueles três.
— Esta é uma lâmina Tinker. E dura o suficiente para
arrebentar outras lâminas e corta um homem do ombro à
barriga de um só golpe.
Pondo novamente a faca na bainha presa ao cinto, me
levantei.
— Obrigado pela comida. Acho que vou agora. Não
quero ser surpreendido quando Dutch aparecer.
Ninguém disse nada e fui saindo. Atravessei a porta,
desamarrei o cavalo e já estava me preparando para montar
quando o americano se aproximou.
— Aquilo foi lindo — ele disse. — Joe é um velho
amigo meu, mas há muito que ele não tinha que enfrentar
uma situação assim. Ficou simplesmente sem ação. Acho
que ainda nem conseguiu se recuperar direito.
— Parece que você é um homem instruído — disse.
— E verdade. Estudei Direito.
— Os advogados são muito requisitados. Eu mesmo
posso precisar de um, algum dia.
O homem deu de ombros e olhou para o lado.
— Eu já devia ter ido embora daqui. O problema é que
fico vagabundeando por aí e o tempo vai passando.
— Pois se eu fosse advogado abriria um escritório por
aqui. Esta é uma região nova. Ninguém pode dizer até onde
pode chegar um homem instruído.
— E... acho que você tem razão. Só Deus sabe o quanto
tenho pensado nisso, mas às vezes um homem se deixa ficar
no mesmo lugar, estagnado.
Enquanto ele falava, eu fui montando. Nesse meio
tempo, ninguém saiu da cabana e não se ouvia barulho pelas
redondezas.
— Isom Dart tem uma cabana por ali — disse o
americano, apontando. — Ele é um negro muito esperto.
— Eu já o conheço.
O loiro deu um passo adiante e olhou para mim.
— Eles devem estar se perguntando quem você é. Não é
muito comum Mexican Joe Herrara ser desafiado daquele
jeito.
— O nome é Sackett, Logan Sackett — eu falei,
cravando as esporas no animal e saindo em disparada.
Quando eu voltei para olhar ele ainda estava lá, de pé.
Depois, voltou-se e saiu em direção à cabana.
Eu confiava naquele americano. Já tinha ouvido falar
nele. Pelo que sabia, era um homem de muita instrução mas
que não se importava com nada além de ficar na cabana,
bebendo e conversando com os mexicanos ou com quem
estivesse de passagem.
Brown’s Hole era um lugar seguro, apesar de ser
conhecido pelos índios. Cercado por colinas e montanhas,
algumas praticamente intransponíveis, era também um bom
lugar para um homem como eu. Havia lugares como aquele
no Tennessee, onde eu havia nascido, mais verdes e mais
bonitos, mas não tão vastos.
Meu pensamento se voltou para Emily Talon. Ela era
uma Sackett. Era minha parenta e, portanto, merecia a
minha ajuda. A minha era uma família antiga, com laços
muito antigos e sentimentais. Há muito que havíamos saído
do País de Gales, mas o sentimento de união familiar
permanecia o mesmo do antigo clã celta de que me falava a
minha mãe. Era algo muito profundo, uma coisa que deveria
existir em todas as famílias, em todos os lugares. Eu não
invejava os que não tinham aquele sentimento.
A velha Emily Talon estava sozinha, já que não se podia
contar muito com a garota, e é claro que Jake Flanner não
havia desistido de seu plano de expulsá-la do rancho.
Esperávamos que ele pensasse que eu ainda estava por lá.
Se soubesse que havia partido, na certa pensaria que era em
definitivo.
Bem, eu iria embora mesmo, se encontrasse Milo Talon.
De vez em quando eu saía da trilha e ficava por algum
tempo entre as árvores, examinando o caminho percorrido e
o ainda a percorrer. Queria ver Dart, mas havia outras
pessoas com quem não queria me encontrar.
A certa altura ouvi o barulho de cascos e saí da trilha.
Era Dart, que vinha num fogoso alazão marrom. Dizia-se
que Part era um ex-escravo negro, mas ele não era tão preto
assim.
Ele me viu tão logo eu o vi.
— Olá, Logan. O que está fazendo por aqui?
— Procurando por você. Preciso mandar um recado para
Milo Talon. A mãe dele ainda está viva, mas em perigo.
Por isso, ele deve ir ao Rancho MT. Quando for, deve
ter muito cuidado... Qualquer um na cidade pode ser um
inimigo.
— Você sabe como é, Logan. Milo não pára em lugar
nenhum e pode estar a milhares de quilômetros daqui.
Mandarei o recado.
Eu segurei firme nas rédeas do cavalo.
— Seria bom você se esconder por uns tempos.
Brannenburg anda por aí atrás de ladrões de cavalos.
— Não peguei nada dele.
— Isso não faz diferença. Dutch se acha um justiceiro de
Deus. Para ele, se você não é um banqueiro ou um grande
criador de gado, só pode ser um ladrão.
Nenhum homem em seu juízo perfeito volta pelo mesmo
caminho por que foi, ainda mais se tem inimigos ou se está
numa terra de índios. Depois que me separei de Dart, desci
até o rio Verde, segui um bom pedaço por dentro da água,
depois pela margem ou pelo meio dos arbustos, sempre
complicando as coisas para quem quisesse me seguir. As
vezes andava em sentido contrário o caminho já percorrido
e retornava por dentro da água.
Finalmente saí num bosque de cedro e segui para o leste,
em direção a Limestone Ridge. Passei ao largo do Irish
Canyon e atravessei o rio Vermelho.
Durante a maior parte do tempo seguia por locais de
vegetação baixa e, assim, podia ter uma boa visão do
terreno. Não via ninguém e não ouvia nada. Mesmo assim,
tinha a impressão de que estava sendo seguido.
Quando um homem está nas montanhas, há momentos
em que ele sabe que está sozinho mas, mesmo assim,
permanece a certeza de que está sendo observado. As vezes
penso que são os espíritos dos antigos, os que vieram antes
mesmo dos índios, que querem apenas se sentar entre as
árvores ou ver como estão as trilhas que abriram no
passado. Seria um desejo muito natural, já que não pode
haver lugar mais tranqüilo e bonito que as colinas de San
Juan e Teton, que estava percorrendo naquele momento.
Eu me identifico mais com as pedras das montanhas e
com os troncos dos cedros do que a maioria das pessoas.
Mamãe costumava dizer que eu havia nascido para viver
sozinho e Nolan era assim também. Éramos gêmeos, eu e
ele, mas desde cedo seguimos caminhos diferentes. Não que
houvesse alguma aversão entre nós. Era como se
sentíssemos que um de nós já era bastante para preencher os
espaços em um determinado lugar.
Saindo do mato, olhei os campos em volta. Fiquei
parado durante algum tempo, apenas observando, e não
gostei nada do que estava sentindo.
Parecia estar sendo perseguido por fantasmas vindos de
Brown’s Hole. Talvez fosse porque não consegui tirar
Brannenburg da cabeça. Aquele Dutch era duro... duro
como uma pedra. A cabeça dele era um granito em que as
poucas idéias que conseguiam penetrar permaneciam sem
jamais se modificar. Era impossível elas serem substituídas
por outras e não havia lugar para imaginação, sonhos,
compaixão ou mesmo medo.
Dutch não sabia o que era emoção. Para ele, havia
apenas o certo e o errado, sem meio-termo. Portanto quem
cometesse um erro, por menor que fosse, não merecia
perdão. O pior era que ele não se preocupava em verificar
se a pessoa era ou não culpada, e isso me assustava. Talvez
tivesse algum sentimento de culpa e, no nosso encontro, ele
houvesse percebido isso.
Vez por outra eu havia pegado uma ou outra rês sem
marca, antecipando-me aos rancheiros. Logo que eles
encontravam gado assim, imediatamente punham uma
marca, mas se um vaqueiro fizesse a mesma coisa seria
considerado ladrão.
Subitamente me Sentia cansado de Brown’s Hole.
Queria sair dali e depressa.
Foi quando percebi que vinha gente na trilha que havia
percorrido, alguém que procurava por mim.

CAPÍTULO 5
Quando eu era menino, costumava ir para o meio das
árvores e ficar deitado na relva. Acreditava que a terra tinha
o poder de me tornar uma pessoa sábia e sensata, mas isso
não aconteceu, apesar de ter aprendido um pouco sobre os
animais e de ter ficado sabendo que nem sempre é prova de
bravura dar murros em ponta de faca. Sem dúvida isso é
quase sempre uma tolice. Há uma hora para se mostrar
corajoso e outra para escapar.
Não há homem mais perigoso do que aquele que sempre
acha estar certo. Há muito tempo, ouvi um velho falando a
outras pessoas perto da minha casa, e ele dizia que um
homem de verdade é aquele que sempre tem dúvidas. Dutch
Brannenburg só tinha certezas. Além disso, ele tinha a sua
volta homens que acreditavam nas verdades que ele
proclamava. Não erám bandidos, mas apenas homens duros,
frios, que seguiam cegamente o patrão e acreditavam que
qualquer vaqueiro itinerante, se já não era ladrão, poderia
vir a ser um.
Ao perder a pista dos homens que perseguiam,
provavelmente eles concluiriam que eu os havia ludibriado.
Assim, me enforcariam no lugar dos verdadeiros ladrões.
Lá estava eu, na montanha, tentando ajudar duas
mulheres desamparadas e sendo perseguido por nove
homens enraivecidos.
Encontrando mais adiante uma abertura no matagal,
suficiente apenas para passar um homem a cavalo, entrei
por ali, rezando para não sair num despenhadeiro. Meu
cavalo era bastante veloz, mas preferi seguir devagar. Além
de estar num local desconhecido, provavelmente mais tarde
precisaria do fôlego dele.
Não mais de quinhentos metros me separavam dos meus
perseguidores. Eles estavam seguindo as minhas pegadas e
talvez entrassem naquele atalho, mas algo me dizia que não
fariam isso. Sempre fui muito bom em dissimular pistas.
Mesmo assim, estava lidando com caçadores de homens,
persegui- dores de novilhos desgarrados, combatentes de
índios. Deviam ser experientes nos sinais que encontravam
no matagal.
Depois de algum tempo o cavalo desceu um barranco e
me vi num bosque de cedro. A planície tinha quase um
quilômetro de extensão. O cavalo saiu trotando e eu
encostei a cabeça no pescoço dele, tanto para me proteger
de olhos curiosos na parte mais alta da montanha como para
diminuir a resistência do ar e, assim, poupar as forças do
animal.
Mais adiante certamente encontraria precipícios,
terrenos planos, colinas, tudo o que compõe uma região
montanhosa. Quando já estava nos últimos cinqüenta
metros daquele planalto, olhei para trás e pude ver os meus
perseguidores. Eles estavam descendo o barranco por onde
havia passado. Ouvindo o grito de um deles, percebi que já
tinha sido visto
A corrida que eles iniciaram a seguir, na minha direção,
foi uma tolice. Nada podia cansar mais um cavalo do que o
galope a que eles estavam obrigando aqueles animais.
Enquanto isso, eu seguia num trote rápido mas cadenciado.
Assim, tanto poupava as forças do cavalo como dava a eles
a impressão de que não sabia que estava sendo perseguido.
No final do descampado, subi uma colina e saí num
platô pedregoso que margeava um bosque. Cavalguei cerca
de cinqüenta metros e, antes que eles alcançassem o topo da
colina por onde havia passado, penetrei no bosque e
retornei, descrevendo um V. Enquanto eles iam por um dos
lados do V, eu voltava pelo outro.
A partir daí segui com calma, correndo apenas o
suficiente para ficar fora do campo de visão deles.
Continuei pelo meio das árvores por cerca de quatrocentos
metros subindo e descendo colinas, às vezes atravessando
espessos matagais. Se aqueles rapazes queriam mesmo me
agarrar, teriam que se sacrificar um pouco.
O desempenho do cavalo estava indo além da minha
expectativa. Talon tinha sido não só um ótimo construtor,
mas também um excelente criador de cavalos. Aquele
animal era um bom exemplo disso. A julgar pelo que tia Em
havia contado numa de nossas conversas, Talon havia
cruzado garanhões Morgan com as melhores éguas
selvagens que conseguira encontrar. Os potros resultantes
desse cruzamento pareciam ter a inteligência dos Morgans e
a esperteza instintiva dos cavalos das planícies. Depois da
morte de Talon, boa parte do rebanho fugiu para a
montanha. Por isso aquele animal cavalgava com tanta
facilidade num terreno irregular.
Enquanto seguia pelo meio das árvores, eu me virei
sobre a sela e olhei para trás. Eles deviam estar cerca de
trezentos metros abaixo da minha posição e, pela
dificuldade do terreno, uns oitocentos metros atrás de mim.
Subitamente vi uma enorme pedra no meio da trilha.
Devia pesar por volta de meia tonelada. Sem dúvida havia
rolado da parte mais alta da montanha, repleta de grandes
rochas, e se mantinha ali escorada por pequenas pedras,
menores talvez que o punho de um homem. Se eu
conseguisse fazer rolar aquela pedra, ela iria de encontro
aos meus perseguidores bem no local por onde eles
deveriam sair do bosque.
Cortando uma vara comprida de uma árvore, comecei a
cutucar com ela as pedras pequenas que sustentavam a
rocha. Não demorou para que a enorme pedra estivesse
solta, chegando mesmo a oscilar um pouco. Bastou que eu a
empurrasse de leve por trás para que ela começasse a rolar
pela trilha abaixo, provocando um ruído.
A princípio foi se movendo devagar, majestosamente,
depois mais depressa. Havia um leve declive de cerca de
dois metros e, logo a seguir, um barranco bem inclinado. A
rocha saiu rolando por ali, seguida por uma avalancha de
pedras pequenas.
Lá embaixo Brannenburg e seus homens saíram do meio
das árvores, num grupo compacto. Por um momento pensei
que eles não se dariam conta do que estava acontecendo,
mas Dutch olhou para cima. No momento em que ele olhou,
a enorme pedra chocou-se contra uma saliência do terreno e
projetou-se no ar cerca de dez metros.
Dutch saiu do caminho, soltando um grito que eu
cheguei a ouvir, e o grupo se espalhou... bem na hora.
Um cavalo tropeçou e saiu rolando por um barranco
lateral, juntamente com o cavaleiro. Outro começou a
empinar ao ver a enorme rocha que se aproximava, com sua
avalancha de pequenas pedras, e também despencou pelo
barranco, indo parar no meio das árvores.
Não era minha intenção matar ninguém. Queria apenas
retardá-los, complicar um pouco as coisas para eles, mas o
resultado estava indo um pouco além disso. Outro homem
havia sido derrubado do cavalo e agora se levantava,
manquejando. Um cavalo se afastou para longe, saltando
como um louco e sem o cavaleiro. Os outros animais eram
contidos a muito custo.
Enquanto isso, saí em direção a uma plataforma rochosa
da colina. Para chegar lá, tive que atravessar um local cujo
chão estava cheio de pequenas pedras. Sabia que o cavalo
deixaria rastros ali, mas eles não seriam muito evidentes e,
para identificá-los, meus perseguidores teriam que ir muito
devagar.
Havia uma trilha descendente bastante sinuosa, em
direção ao sul, que se perdia no meio de uma floresta de
pinheiros, lá embaixo. Soltei a rédea do cavalo e deixei que
ele encontrasse o melhor caminho para a descida.
Antes de chegar aos pinheiros, vi a certa distância cerca
de uma dúzia de carneiros de grandes chifres que me
observavam atentamente. Reparei que estava sendo seguido
por um gavião de rapina, que certamente esperava que eu
deixasse pelo caminho algum resto de comida. Estava
perdendo tempo, porque eu não poderia interromper a
marcha tão cedo.
Tem gente que não suporta gaviões de rapina, mas eu até
gosto deles. Às vezes são minha única companhia por dias
seguidos e quase sempre conseguimos conviver
amigavelmente. Eles roubam comida praticamente diante do
nosso nariz, mas quem sou eu para criticar o estilo de vida
de uma ave? Elas têm o seu jeito, eu tenho o meu. Como já
disse, até gosto dos gaviões.
O tempo todo eu seguia para leste, tentando cansar meus
perseguidores ou fazer com que perdessem a minha pista,
cada vez me aproximando mais do Rancho MT e de Em
Talon.
Naquela noite não acendi fogo. Mastiguei um pouco de
carne charqueada e comi o último pedaço de pão que
levava, além de meia dúzia de cebolas silvestres. Depois de
tirar os arreios do animal, saí para inspecionar o lugar, com
o rifle na mão.
Não havia maneira de alguém me ver ali antes de se
aproximar bastante. Também seria impossível alguém
chegar perto sem fazer barulho. Por trás de mim havia um
compacto bosque de álamos e eu estava no ponto mais
elevado de um planalto.
Antes que o dia clareasse eu estava novamente a cavalo,
em direção ao vale lá embaixo e sem me preocupar em não
deixar rastros. O céu agora estava coberto por pesadas
nuvens. Logo que começasse a chover, as pegadas do
cavalo se apagariam.
A comida havia acabado e eu já estava com vontade de
tomar um bom café quando vi a casa de um rancho, com a
chaminé soltando fumaça no meio da chuva. Fui chegando
perto, protegendo-me nas árvores, e observei o lugar. Estava
a cerca de um quilômetro da casa, num ponto cento e
cinqüenta metros mais elevado que ela. A construção ficava
no meio de uma campina e, no lado oposto a onde eu
estava, espalhavam- se álamos até a montanha.
Contornando a casa, fiquei entre as árvores durante uns
cinco minutos, observando. Finalmente concluí que, quem
quer que estivesse lá, não eram os meus perseguidores.
Assim sendo, me aproximei.
Levei o cavalo até a frente da casa e gritei um chamado.
Depois de algum tempo, a porta se abriu e apareceu um
homem com o revólver no coldre.
— Acomode o cavalo e venha para cá — ele falou.
Fui com o cavalo até a estrebaria e entrei. Havia ali
quatro cavalos, três dos quais estavam secos e o outro
molhado. Prendi o meu numa das baias e servi a ele uma
boa quantidade de feno.
Pensando bem, não achava aquela situação lá muito
confortável, mas a questão é que o cavalo precisava de
comida, assim como eu. Soltando a correia que prendia o
revólver, saí em direção à casa. Quando me aproximei, a
porta se abriu.
Estava lá dentro uma garota ruiva, de talvez uns
dezessete anos. Tinha sardas no nariz e eu sorri para ela.
Timidamente, a jovem respondeu ao meu sorriso. Havia
também três homens, todos armados. Um deles, alto,
desengonçado e de costas recurvadas, tinha as botas e as
calças molhadas até os joelhos. Certamente tinha estado
cavalgando com uma capa de chuva.
— Estou viajando — eu falei. — Preciso de um pouco
de comida.
— Sente-se à mesa. Há carne e café.
Os outros homens acenavam com a cabeça para mim,
assim como o de botas molhadas, que fazia isso bem
devagar.
Além da garota ruiva, não havia ali nada de que eu
gostasse muito. Não era pelo fato de um daqueles homens
ter estado cavalgando na chuva, mas sim porque todos
estavam armados dentro de uma casa em que havia apenas
uma garota. A menos, é claro, que eles tivessem a intenção
de sair.
O homem que parecia ser o dono do lugar era um tipo
atarracado e de cabelos cor de ferrugem, mais escuros do
que os da garota. Os dois pareciam ser parentes. O
grandalhão de botas molhadas era chamado pelos outros de
Jerk-Line.
— Sou WiIl Scanlan — apresentou-se o de cabelo cor de
ferrugem. — Esse ali é Jerk-Line Miller e o outro lá é
Benton Hayes.
Eu nunca tinha ouvido falar de Scanlan ou Miller.
Quanto a Benton Hayes, um homem que levasse uma vida
como a minha tinha que saber quem era. Ele era um caçador
de bandidos, em troca de recompensas. Tinha reputação de
ser bom com o revólver, sem se preocupar muito com que
finalidade o usava.
— E a moça? — perguntei.
— Ela? — falou Scanlan, aparentemente surpreso. —
Ah, Zelda, minha irmã.
— Vocês dois se parecem — comentei. — Meu nome é
Logan. Estou indo para um rancho a leste daqui.
O café estava bom, mas eu já pensava numa desculpa
para ir embora. Não seria muito fácil, porque nenhum
homem em sã consciência deixaria um lugar quente para
sair numa noite de chuva. Se eu fizesse isso, é claro que
levantaria suspeitas.
Enquanto isso, fui saboreando a carne. Zelda serviu um
bom pedaço de pão de milho e uma caneca de leite quente.
— Há muitos ranchos a leste daqui — comentou Hayes.
— Vai a algum em particular?
Pelo tom da voz dele, achei antipático o Sr. Hayes.
— Vou para o Rancho MT — respondi. — Trabalho
para Emily Talon.
— Talon? — repetiu Hayes, franzindo a testa. — Esse
nome não me é estranho... Ah, sim! Milo Talon. O nome
dele está na lista.
— Que lista? — perguntei, fingindo inocência.
— Ele é um homem procurado.
— Milo? Mas ele nunca fez nada contra a lei.
— Mesmo assim está na lista. Alguém o procura e quer
vê-lo morto.
Eu sorri para o caçador de bandidos, procurando parecer
amigável.
— Bem, acho bom não tentar agarrá-lo. Milo Talon é
muito rápido no gatilho.
— Isso não faz diferença — declarou Hayes. — Ele
pode ser agarrado. Qualquer um pode ser agarrado.
— Estou certo de que ele não é do tipo que age contra a
lei — eu insisti, ainda sorrindo. — Milo é um bom rapaz.
Por que alguém iria querê-lo morto?
— Como é que vou saber? Ele é procurado em algum
lugar e há uma recompensa de quinhentos dólares.
Enfiando a mão no bolso, ele tirou de lá um maço de
papéis, que desdobrou. — Aqui está... Jake Flanner, prefeito
de Siwash. Ele é quem está oferecendo a recompensa por
Milo Talon ou pelo irmão dele, Barnabas.
— Por que será? — eu falei, bocejando em seguida. —
Bem, vou me acomodar na estrebaria. Não quero causar
incômodo a vocês.
— Você pode dormir aqui — disse Scanlan, depois de
olhar rapidamente para os outros. — Zelda, arrume a cama
para o Sr. Logan naquele quarto ali. Você vai poder dormir
sem se preocupar com a nossa conversa, Logan.
Pegando o meu rifle, eu segui a jovem até o quarto, onde
havia uma ótima cama. O quarto não tinha janelas, apenas a
porta por onde havíamos passado.
Zelda pôs o candeeiro sobre uma mesinha e olhou para
mim.
— Tome cuidado, moço — ela cochichou. — Não gosto
daquele Sr. Hayes. Não confio nele.
— Eu também não — concordei, sorrindo para ela. —
Mas gosto de você e estou até pensando em passar por aqui
outras vezes.
A moça olhou para mim, muito séria.
— Moço, dou preferência a um homem que pretenda se
fixar em algum lugar. Não quero me casar com alguém que
viaja à noite, talvez se escondendo.
— Você tem toda razão — eu aprovei. — Sabe fazer
roscas doces?
— Roscas? E claro que sei.
— Então, faça algumas e as deixe à mão. Quando vier
aqui para namorar você, vou querer um prato cheio de
roscas.
Ela saiu e eu olhei em volta. Aquela casa havia sido
construída para durar muito tempo. Reparei que havia um
alçapão que levava a um sótão.
CAPÍTULO 6
Quando me vi sozinho, enfiei o joelho no colchão, com
força, fazendo a cama ranger. Em seguida, peguei a Bíblia
que estava sobre a mesa e joguei-a no chão, imitando o som
de uma bota. Depois de algum tempo, apanhei a Bíblia e
deixei-a cair outra vez.
Depois disso, andando na ponta dos pés, peguei a
cadeira e fui até o ponto onde ficava o alçapão. Subi na
cadeira e, com muito cuidado, empurrei a porta para cima.
Caiu um pouco de poeira e a porta do alçapão se abriu. Pelo
jeito, há muito tempo que ela não era aberta. Possivelmente
as pessoas da casa nem se lembrassem mais da existência
daquele alçapão.
Com cuidado coloquei o rifle no assoalho do sótão,
segurei com as duas mãos na abertura de entrada e alcei o
corpo. O sótão estava às escuras e cheirava a poeira. No
canto oposto eu vi um quadrilátero fracamente iluminado,
parecendo ser uma janela. Com muito cuidado e sem fazer
qualquer barulho, segui para lá. Quando estava passando
perto da chaminé, ouvi uma voz e parei.
— Realmente, o cavalo dele é do Rancho MT. Tem a
marca Talon.
— Pois eu lhe digo que deve ser o tal que Brannenburg
está caçando — pronunciou-se Jerk-Line. — Conversei com
um deles quando o grupo de Dutch passou por Hoy. Pode
crer que eles estavam danados da vida. Esse sujeito aí
causou uma porção de problemas e desapareceu sem deixar
pistas.
— Mas será que Brannenburg vai pagar? — questionou
Hayes. — Ouvi dizer que ele é um homem difícil quando se
trata de dinheiro.
— Acho melhor acertarmos tudo antes — ponderou
Scanlan. — Não se pode exigir que ele pague por alguém
que não está procurando.
— Jerk-Line, você vai até lá — decidiu Hayes. — Dutch
vai passar a noite na casa de McNary. Vá lá e pergunte
quanto ele está disposto a pagar pela pele do homem. Acerte
uma boa soma. Eu ficarei com a metade e você dois
dividirão os cinqüenta por cento restantes.
— Por que não dividimos por três? — reivindicou Jerk-
Line.
— Porque eu é que vou matá-lo. Vocês só precisarão
esperar pra ver.
Eu quase retornei pelo mesmo caminho para dar a ele
uma chance de fazer o que estava prometendo. Se fizesse
isso, porém, teria de matar os três. Além disso, sabia muito
bem qual seria a reação de Dutch. Ele acertaria alguma
coisa com JerkLine, deixaria que ele voltasse e o seguiria.
Dutch gostava de matar o adversário com as próprias
mãos... ou pelo menos de estar presente no momento em
que ele era morto.
Depois de mais algum tempo de discussão, Jerk-Line
saiu. Momentos mais tarde, ouvi o barulho do cavalo dele
se afastando.
Eu não sabia quanto tempo ele levaria para ir até a casa
do tal McNary e voltar, mas não seria prudente ficar
esperando para saber. Indo até a janela, tentei abri-la mas
descobri que estava presa. Três tábuas finas haviam sido
pregadas pelo lado de dentro, impedindo a abertura. Eu teria
que arranjar um jeito de abrir aquela janela sem fazer
barulho. Pegando a faca, enfiei-a na abertura que separava a
janela do caixilho e comecei a cortar as tábuas que a
prendiam. A faca estava afiada como uma navalha e não
demorou para que a janela se soltasse.
Saindo por ali, pulei ao chão e fiquei encostado à parede
por um minuto. Depois corri até a estrebaria e rapidamente
selei o cavalo, montei e fui sem fazer barulho até o meio
dos álamos. Ali eu parei.
Aquele Benton Hayes... Ele estava pronto a me matar,
desde que pudesse ganhar algum dinheiro com isso.
Bem, eu não era tão ganancioso assim. Podia fazer a
mesma coisa com ele sem cobrar nada.
De volta à casa, entrei silenciosamente pela porta dos
fundos. Logo dei com Zelda, que me fitou com os olhos
arregalados.
— Tire seu irmão daqui — eu recomendei.
Ela hesitou por um instante, mas depois foi até a porta.
— Will, posso falar com você um minuto?
Scanlan entrou na cozinha e fechou a porta, sem reparar
que eu estava a um canto.
— Não vê que estou ocupado, Zel? — ele protestou,
aborrecido. — Isso não pode esperar?
— Não se você pretende continuar vivo — eu cochichei.
Ele olhou para mim e abriu a boca ao ver o revólver que
eu apontava
— Scanlan — eu continuei, calmamente —, você tem
uma irmã muito boazinha mas parece que anda em péssima
companhia. Agora, passe para cá esse revólver. Depois,
arranje um lugar para ficar e não faça nenhum movimento
até que eu tenha ido embora... Escutou bem?
Scanlan fez tudo como eu havia mandado, sentando-se
em seguida ao lado da mesa da cozinha. Eu enfiei o
revólver dele por dentro do cós da calça e repus o meu no
coldre.
— Ele disse que tiraria a minha pele — eu falei, entre
dentes. — Vamos ver se é capaz disso.
Em seguida eu abri a porta e dei um passo adiante.
Benton Hayes ergueu a cabeça, sem conseguir esconder o
espanto ao me ver.
— Hayes, há alguns minutos você disse que me
entregaria por alguns dólares — eu falei, pronunciando as
palavras bem devagar. — Disse também que me mataria.
Muito bem. Tem um revólver aí. Vamos ver como fará isso.
Ele foi se levantando devagar. A princípio parecia
amedrontado, mas logo se encheu de coragem.
— Como queira. Vai ser fácil de um jeito ou de outro,
Logan.
— O nome é Sackett — eu corrigi. — Logan Sackett.
Ele pareceu ter levado um chute na barriga, porque ficou
muito pálido. Hayes era do tipo de pistoleiro que sempre se
acha mais rápido do que qualquer um com quem se
defronta, mas naquele momento estava claro que não se
achava mais rápido que Logan Sackett.
O problema era que ele já havia começado a sacar.
Bem, ele havia começado. Num gesto rápido, puxei meu
velho pé-de-porco e deixei que ele fizesse barulho. Hayes
recebeu duas balas no meio do peito, bem na abertura do
colete, e por pura sorte acertei uma outra na corrente do
relógio que ele carregava no bolso esquerdo.
Em seguida, tirei as balas do revólver de Scanlan,
deixei- o sobre a mesa e fui saindo. O cavalo esperava lá
fora. Eu montei e saí em disparada. Se Dutch chegasse
procurando por mim, teria que buscar diversão em outro
lugar. Havia aprendido com o meu velho pai que não era
prudente deixar que o inimigo escolhesse o campo de luta.
— Filho, nunca deixe para mais tarde uma luta — ele
costumava dizer. — Aproveite para resolver na hora e no
lugar.
Saí pela montanha na direção do Rancho MT e cheguei
lá com as primeiras luzes da manhã, depois de ter passado a
noite inteira cavalgando. O cavalo estava cansado mas
seguiu de bom grado, percebendo que estava perto de casa.
Chegamos pelos fundos, como havíamos saído. Eu
desmontei e fiquei encostado à porta da cozinha por um
minuto, esgotado.
Pouco depois Pennywell abriu a porta, parecendo
radiante com a minha chegada, mas logo se assustou ao me
ver encostado daquele jeito.
— Oh! — exclamou, pegando a minha mão e me
examinando melhor. — Você está ferido, Logan?
Tia Em vinha se aproximando e eu fiquei envergonhado por
ela ver que a garota segurava minha mão.
— Não estou ferido — eu informei, num tom um tanto
rude. — Apenas andei um bom pedaço.
— Tem café pronto — falou tia Em, com seu jeito
prático. — Entre e sente-se.
Primeiro eu levei o cavalo até a estrebaria, tirei os
arreios e fiquei cuidando dele por algum tempo. Depois,
voltei para a casa. Antes de entrar, porém, fui até a frente e
dei uma boa olhada. Não vi nada.
Aquilo me deixou apreensivo. Jake Flanner não era
homem de esquecer facilmente.
Pouco depois estávamos em volta da mesa e eu contei a
elas tudo sobre a viagem, inclusive o meu encontro com
Brannenburg. Contei também que Jake Flanner estava
oferecendo dinheiro pela cabeça de Milo e Barnabas.
Tia Em ficou furiosa.
— Onde você ouviu essa história? — ela perguntou com
os olhos fuzilando.
— Ouvi de um homem chamado Benton Hayes... um
caçador de recompensas.
— E ele está procurando meu filho? Está?
— Não, ele não está mais procurando por ninguém.
Desistiu da coisa.
A velha ficou olhando para mim meio de lado.
— Ah, é? Quer dizer que você o riscou do mapa?
— Bem, ele tinha um maço de papéis, com retratos de
homens procurados e as somas oferecidas por cada um
deles.
Ouvi quando ele disse que Brannenburg queria tanto me
pegar que seria capaz de pagar por isso. Como vê, eu não
podia deixar ele me pegar desprevenido, quando estivesse
cuidando de um cavalo, consertando uma cerca ou fazendo
qualquer outra coisa. Achei que, se Hayes queria a minha
pele, devia ter a chance de tirá-la, sem mais perda de tempo.
— E então...
— Bem, minha senhora, ele não estava à altura do que
queria fazer — eu respondi, bebendo todo o café da caneca
e pegando mais do bule. — Não estava à altura, mesmo.
Parece que em lugares novos sempre há homens que
escolhem a profissão errada. Acho que é isso. Talvez ele se
saísse bem fazendo algum outro tipo de coisa.
Três dias se passaram sem que nada de mais
acontecesse. Durante esse tempo, me mantive ocupado com
pequenas tarefas. Cheguei a arar uma horta usando potros
que jamais haviam puxado um arado. Revolvi bem a terra e
plantei milho, abóbora, cebola, rabanete, melão, feijão,
ervilha e não sei mais o quê. E claro, porém, que não sou
nenhum agricultor.
Eu não fazia nada parecido com aquilo desde que havia
saído das montanhas Clinch. Naquelas colinas do
Tennessee, o terreno era tão rochoso que as plantas
precisavam buscar caminho entre as pedras para deitar
raízes e crescer. Como os terrenos eram sempre inclinados,
costumávamos pôr estacas ao longo da plantação de melão
para que a planta não descesse a colina e os frutos fossem
nascer na fazenda fronteiriça.
Eu ouvi a história de uma fazenda no Tennessee que
tinha dois irmãos, cada um deles com uma perna mais curta
que a outra. Um tinha a perna esquerda mais curta,
enquanto com o outro acontecia o contrário. Mesmo assim,
eles conseguiam arar a terra direitinho. Primeiro um deles
descia a colina segurando o arado, que naturalmente
revolvia a terra mais profundamente no lado da perna mais
curta. Em seguida o outro irmão fazia a mesma coisa,
seguindo o mesmo caminho. Assim, conseguiam arar a terra
por igual.
Na noite do terceiro dia nós nos sentamos os três em
volta da mesa. Em Talon, Pennywell e eu, e ficamos falando
sobre as comidas e os costumes do Tennessee. Éramos
gente pobre naquelas montanhas, mas sabíamos nos divertir.
Sempre alguém aparecia com uma ou duas moringas de
bebida e pela noite adentro era aquela conversa boa, ou uma
brincadeira em que se tentava atingir os olhos do adversário
com os dedos. As vezes a coisa se tornava séria e alguns dos
rapazes chegavam a puxar a faca um para o outro. Tudo
acabava se resolvendo, porém, e os visitantes voltavam para
casa cantando e dançando.
Precisávamos apenas de um tocador de rabeca. As vezes
nem isso era necessário. Dançávamos ao som de canções
cantadas pelos presentes, como Hello, Susan Brown! ou
Green Coffee Grows on High Oak Trees.
Depois de muitas risadas, eu peguei a Winchester e fui lá
fora para ver como estavam as coisas. Caminhei ao luar em
direção ao portão, observando e escutando atentamente.
Durante um bom tempo não ouvi nada além do vento
agitando a folhagem. A certa altura, pensei ouvir alguma
coisa e me abaixei, encostando o ouvido no chão.
Cavaleiros se aproximavam, vários deles. Depois de
verificar a tranca do portão, voltei em direção à casa.
Eles chegaram, e eram bastante numerosos. Durante
algum tempo, ficaram parados perto do portão, discutindo
alguma coisa.
Eu estava na varanda, bem protegido, quando ouvi
ranger uma tábua do assoalho e virei a cabeça. Era Em
Talon, empunhando sua Sharps Cinqüenta.
— Logan, é melhor você entrar. Aqueles homens não
são capangas de Flanner.
— Como é que a senhora sabe?
Ela ignorou a pergunta e nem olhou para mim.
— Acho que é Dutch Brannenburg procurando por você.
Nesse momento escutamos um barulho vindo d portão,
que estava trancado. Em Talon apontou a Sharps e disparou.
Alguém soltou uma praga e ouvimos o barulho dos cavalos
se afastando um pouco.
— Vá dormir, Logan — ela recomendou. — Sou uma
velha e não preciso de tanto sono. Você tem se esforçado
muito ultimamente.
Mas esse é um assunto meu — eu protestei.
— Não é, não. Agora está trabalhando para mim.
Conheci Dutch logo que ele chegou a esta região. Naquela
época, falava baixinho e não tinha essa mania de grandeza.
Um homem só é rei enquanto o deixam ser. Agora vá que
eu darei conta dele.
Em Talon não era uma mulher com quem se pudesse
discutir. Por isso, girei nos calcanhares, entrei na casa e me
deitei. Além de tudo, tinha certeza de que eles esperariam
até o dia clarear. Perseguir um homem no meio do mato era
uma coisa. Atacar um rancho com a reputação do MT era
outra completamente diferente.
Pela primeira vez em muito tempo eu pude dormir uma
noite inteira, só acordando com as primeiras luzes da
manhã. brindo os olhos, escutei atentamente mas não ouvi
nada. Em seguida me levantei, vesti a roupa e pus o chapéu.
O rosto que vi no espelho tinha um aspecto lamentável. Por
isso, peguei a navalha no alforje e raspei a barba.
Pouco depois alguém bateu na porta. Era Pennywell.
— Acho melhor você ir lá — ela falou. — Está havendo
problema.
Eu peguei a cartucheira e a enfiei na cintura. Depois de
soltar a correia que prendia o revólver, saí em direção à
porta da rua. Antes de chegar lá, Pennywell me segurou
pelo braço.
— O que está acontecendo? — perguntei.
Pennywell apontou para fora e levou o dedo aos lábios,
pedindo silêncio.
A porta estava aberta e Em Talon estava na varanda.
Pude ver vários cavaleiros, ali bem perto, antes de ouvir a
voz de tia Em.
— Dutch Brannenburg, que história é essa de você
entrar aqui desse jeito? Sei que você nunca foi muito
esperto, mas o que pensa que está fazendo agora? Quem lhe
deu o direito de entrar aqui para pegar um empregado meu?
— Eu quero esse Logan, dona Emily, e quero agora.
— O que quer com ele?
— Ele é um ladrão sem-vergonha, dona Emily. Merece
ser enforcado.
— O que foi que ele roubou? Um dos seus cavalos?
Brannenburg hesitou por um momento.
— Ele só pode ser um dos ladrões. Eu seguia a pista de
dois ladrões de cavalos e fui sair onde Logan estava. Ele...
— Quando foi que seus cavalos foram roubados?
— Há uns dez dias. Eu...
— Logan está trabalhando para mim há várias semanas e
só saiu daqui para ir a Brown’s Hole.
— Mas ele matou um homem, dona Emily! — protestou
Dutch. — Matou um homem a oeste daqui.
— Ah, ele matou, sim — confirmou tia Em, com frieza
na voz. — Sei tudo sobre Benton Hayes, um assassino frio,
um homem que matava pelas costas sem se envergonhar
disso. Há anos que ele merecia o que teve. Se Logan não o
tivesse matado, eu faria isso com o maior prazer.
Brannenburg não encontrou o que dizer e ela continuou:
— Agora, Dutch, junte sua corja e vá saindo daqui. Se
perturbar outra vez um empregado do Rancho MT, darei um
jeito de pendurar seu couro bem naquela cerca ali. Eu me
lembro muito bem de quando você apareceu por aqui,
Dutch, e de quando pôs sua marca nas primeiras reses do
seu rebanho. Parece que progrediu bastante de lá para cá,
mas se quiser relembrar um pouco o passado posso contar
algumas histórias...
O rosto de Brannenburg ficou muito vermelho.
— Escute aqui, dona Emily, eu...
— Vá saindo, Dutch, que o meu dedo já está começando
a coçar no gatilho.
Dutch estava furioso. Evidentemente não gostava de ter
que abaixar a cabeça diante de uma mulher, mas conhecia
muito bem a fama de Emily Talon. Quando ela começava a
puxar o gatilho daquela Sharps, fazia um estrago de
respeito.
— Eu quero Logan — insistiu Dutch. — O homem é um
ladrão. Se isso não fosse verdade, por que ele fugiu quando
foi perseguido?
— Você também fugiria, Dutch, se soubesse que seria
linchado. Mas... você quer mesmo pegá-lo? Responda,
Dutch! Quer realmente pegar Logan?
Subitamente desconfiado, Dutch ficou olhando para ela
durante algum tempo, como se quisesse ler os pensamentos
da velha.
— Foi por isso que viemos aqui — ele confirmou. —
Vim para pegá-lo.
— Já ouvi falar na forma como você massacra os ladrões
de gado, ou os que pensa que são ladrões. Ouvi falar
também que já executou alguns na fogueira. Muito bem,
Dutch, você quer Logan. Vou entregar o homem a você.
— O quê? — espantou-se Dutch. — O que está
querendo dizer?
— Logan Sackett é um parente meu — respondeu tia
Em, calmamente. — O meu sangue é o mesmo que corre
nas veias dele, porque também sou uma Sackett, e pode crer
que conheço os meus parentes. Agora, rapazes, vocês
acreditam em jogo limpo, não é mesmo?
Ela fez a pergunta dirigindo-se aos homens de Dutch.
— Sim, senhora, nós acreditamos — eles foram
respondendo.
— É claro, senhora.
— Muito bem, Dutch. Então, você quer pegar Logan
Sackett. Ouvi dizer que você se acha um homem de
coragem. Tem andado por aí pisando duro no chão, mas a
verdade é que esses homens não vivem aqui há tempo
suficiente para se lembrar de quando você pisava macio.
Agora, desça desse cavalo, Dutch. Quer pegar Logan e vou
deixar que tenha a chance. de fazer isso. Vai poder pegá-lo
inteirinho, bem na frente de minha varanda. Agora, o
primeiro dos seus homens que tentar ajudá-lo nisso vai
receber uma bala bem no meio da cara.
Nesse momento eu saí na varanda e parei perto dos degraus.
— O que acha, Dutch? Se quer me pegar, vai ter que ser
como tia Em disse. Você tem que me pegar com as próprias
mãos, sem a ajuda de ninguém.
CAPÍTULO 7
O rosto do homem era um retrato da preocupação. Tal
vez ele quisesse ter um jeito de escapar dali, mas não havia
como deixar de lutar. Continuava em cima do cavalo, mas
sabia que teria que descer para me enfrentar. Em Talon
havia conduzido a coisa de forma a não deixar alternativa.
Agora, Dutch não podia passar por covarde na frente dos
próprios homens. Qualquer rancheiro que fizesse isso
estaria acabado.
Dutch desmontou e entregou a rédea do cavalo a um dos
homens. Em seguida, tirou a cartucheira da cintura e a pôs
sobre a sela, entregando o chapéu ao empregado.
Enquanto isso, eu também me desfiz do revólver e da
faca e desci os degraus da varanda. Quando Dutch se
voltou, percebi que talvez tivesse algum problema. Eu era
mais alto, mas ele era troncudo e devia pesar uns sete quilos
a mais que eu. Reparei que era bastante forte. Ele foi se
aproximando, balançando os braços para frente e para trás.
Eu fui ao encontro dele, talvez confiante demais, e
Dutch percebeu isso. Em seguida ele partiu para o ataque,
quase se agachando e agitando as mãos no alto. Uma delas
atingiu meu ombro esquerdo e foi como uma tijolada.
Nesse momento, percebi que Dutch era um pugilista. Ele
devia ter aprendido a lutar há muito tempo e talvez até
praticasse regularmente, porque conhecia uma porção de
golpes. Aplicando um deles, veio girando o corpo numa
incrível velocidade e me atingiu no queixo com o cotovelo.
Eu caí ao chão e, antes que pudesse me erguer, fui atingido
nas costelas por um potente chute com a ponta da bota. Ao
retirar o pé, Dutch passou com força a espora pelo meu
peito, rasgando a camisa e deixando um traço de sangue.
Finalmente consegui me pôr de pé, mas logo ele voltou ao
ataque.
Aquilo não era bem uma luta, porque o homem queria
me matar. Eu -já tinha visto alguns homens serem mortos
em lutas como aquela e parecia não haver compaixão em
Dutch ou nos homens dele. Pelo jeito, Em Talon também
não estava condoída.
Dutch partiu para cima de mim, esmurrando e chutando,
várias vezes me atingindo com a parte lateral das botas e
com as esporas. Eu mal conseguia me manter de pé.
O homem era um touro. Tinha uma enorme força nos
braços e no pescoço, o que pude constatar ao ser atingido no
queixo por uma cabeçada. Houve um momento em que
consegui atingi-lo nas costelas, mas Dutch pareceu não se
preocupar muito. Deve ter percebido que ganharia
facilmente aquela luta se mantivesse bem curta a distância
entre nós, de forma que eu não pudesse usar. meus longos
braços.
A certa altura, ficamos de lado um para o outro e eu
consegui atingi-lo em cheio no rosto com o cotovelo,
provocando um corte. Quando o sangue escorreu, Dutch
ficou louco de raiva. Veio para cima de mim como um
possesso, bufando e agitando os braços freneticamente, com
a evidente intenção de me matar. Consegui mantê-lo a
distância com a esquerda e, logo em seguida, atingi-o no
rosto com a direita.
Ele acusou o golpe e balançou um pouco. Aproveitei
para acertá-lo novamente com a direita, desta vez na face
onde havia o corte sangrando.
Dutch me atingiu duas vezes nas costelas e conseguiu
me acertar novamente no queixo com uma potente
cabeçada. Eu caí e desta vez ele veio por cima, procurando
com as mãos a minha garganta. Consegui agarrar os dois
pulsos dele e fiz um movimento brusco com o corpo,
invertendo as posições e ficando por cima. Assim, pude
ficar de pé primeiro.
Dutch ergueu no ar os dois pés ao mesmo tempo,
tentando me alcançar com as esporas. Pulei para trás bem a
tempo, mas mesmo assim ainda recebi um corte na barriga.
Quando Dutch se pôs de pé, eu o acertei em cheio com um
soco de direita na boca.
Dutch foi novamente ao chão, agora com o rosto de
encontro à areia. Quando ele se levantou, veio novamente
em meu encalço como um louco, mas eu o detive com a
mão espalmada no rosto, empurrando-o para trás. Ele não
queria me dar trégua e voltava sempre ao ataque. Eu aceitei
a briga, mas deixava-o a distância com golpes de esquerda.
A certa altura, deixei que se aproximasse bastante, afastei-
me para um lado e acertei-o com a direita bem no centro do
peito. Desta vez ele foi ao chão pesadamente.
— Dutch, você sabe muito bem que não roubei os seus
cavalos — eu falei. — Sabe também que não conheço
aqueles dois ladrões.
Ele não deu atenção ao que eu estava dizendo. Pôs-se de
cócoras, com as mãos nos joelhos, e deu um salto para
frente tentando agarrar minhas pernas. No meio do
caminho, recebeu um forte golpe do meu joelho. Era
impressionante, porque aquele homem parecia uma rocha.
Depois de rolar pelo chão, pôs-se novamente de pé.
— E, você briga bem, Dutch — eu elogiei. — No
entanto, é preciso ter mais que uma porção de cabeças de
gado para ser um grande homem. Sair por aí enforcando
aqueles de quem não gosta só faz de você um assassino, um
homem bem pior do que aqueles que persegue.
Dutch limpou o sangue do rosto com a manga da camisa
e olhou para mim. Tinha um corte profundo numa das faces
e os lábios partidos em vários lugares. Um dos olhos estava
muito inchado, mas ele parecia disposto a continuar a briga.
mostrando os dentes, abria e fechava as mãos, com as
pernas muito abertas.
— Está querendo mais, Dutch? — eu desafiei. — Se
quiser, pode vir buscar.
— Na próxima vez vamos nos enfrentar a bala -— ele
falou.
Nada parecia capaz de fazer aquele homem desistir. Ele
acabava de levar uma surra, mas não queria se entregar.
Não estava disposto a recuar nada na busca do poder.
Gostava de r reconhecido por onde passasse, sempre
seguido por um batalhão de homens e obrigando, as pessoas
a abrir passagem. E claro que não desistiria agora só porque
havia sido batido numa briga. Um dos homens se adiantou e
tomou as dores do patrão.
— Quando ele voltar, Sackett, não vai estar sozinho.
Nós todos também viremos, e vamos trazer uma corda com
um laço na ponta.
— Podem vir — eu falei. — Ele vai mesmo precisar de
ajuda.
Em seguida eles puxaram as rédeas dos cavalos e se
afastaram. Depois que ultrapassaram a cerca, um deles
desmontou e voltou para fechar o portão. Aquela era uma
terra de criadores de gado e ninguém deixava um portão
aberto.
— Obrigado, tia Em — eu disse. — A coisa podia ter
sido complicada.
— E foi complicada, mas não teria sido a primeira vez.
Às vezes apareciam índios quando Talon não estava em
casa.
— Logan — chamou Pennywell, puxando pela manga
da minha camisa. — Deixe que eu dê um jeito no seu rosto.
Eu não estava muito machucado no rosto, apesar de
alguns hematomas. Dutch era um lutador melhor do que eu
havia imaginado e meus ferimentos maiores estavam nas
costelas. Apesar disso, não reclamei quando Pennywell
começou a “dar um jeito” no meu rosto, nem mesmo
quando ela machucou ainda mais.
Tarde da noite, espichado na cama, eu me recriminava
em silêncio. Como se Em Talon já não tivesse problemas
bastantes, eu havia provocado o aparecimento de
Brannenburg. Aquele era um homem vingativo e os que o
seguiam formavam um bando mais rude do que
normalmente são os vaqueiros. Eram perigosos e viviam
procurando encrenca. Alguns deles haviam sido fora-da-lei,
pistoleiros prontos a fazer o que a ocasião exigisse...
homens como eu.
O problema era que eu os havia levado a Em Talon.
Nunca fui homem de ficar pensando muito. Já vi gente
ficar parada num lugar por muito tempo, meditando, até ter
certeza da decisão que deveria tomar. Nunca fui assim. Sou
forte e habilidoso, mas a única forma que sei de fazer uma
coisa é agir imediatamente e pegar o touro pelos chifres.
Parar num canto para pensar me deixa nervoso. Não fui
feito para isso. Nolan era mais inclinado à meditação. Eu,
não. Comigo, os problemas tinham que ser resolvidos na
hora, e era isso o que deveria fazer naquele momento. Havia
problemas de sobra a nossa volta. Jake Flanner certamente
estava planejando alguma coisa, e o mesmo devia estar
fazendo Dutch. Não havia dúvida de que eu deveria ir ao
encontro deles, em vez de ficar sentado, esperando, para ser
no final derrotado.
Há homens que simplesmente fogem. Outros pensam
que, se recuarem bastante, acabarão evitando o problema. E
claro que nada disso funciona. Eu havia andado por lugares
como Rio Grande, Mogollon, Mimbres, La Plata e Mesa
Verde e pude aprender boas lições.
Os índios agricultores que povoavam aquelas regiões,
por exemplo, viviam pacificamente, sem perturbar ninguém,
até que chegaram em migração as tribos Navajo-Apaches,
vindas do leste das montanhas Rochosas. Para seguir para
oeste sem ter que escalar as montanhas, os recém-chegados
invadiram as terras dos antigos habitantes. Aquelas boas e
pacíficas tribos que viviam ao longo do Rio Grande foram
varridas do mapa. Algumas foram dizimadas, outras
escaparam para terras mais a oeste, onde construíam casas
de pedra. No entanto, não adiantava fugir. Os Navajos
seguiam atrás, matando e destruindo tudo.
Se os nativos do lugar houvessem se reunido sob a
direção de um bom líder, poderiam ter rechaçado os
Navajos. Em vez disso, fugiam logo que o perigo se
apresentava, em famílias ou grupos de famílias. Os que
ficavam eram muito poucos para enfrentar o inimigo. Nas
novas terras eles acabavam sendo mortos, as casas de pedra
se transformavam em ruínas e os projetos de irrigação que
haviam começado ficavam pela metade. Os selvagens mais
uma vez haviam vencido uma guerra contra os índios
agricultores... Era sempre assim. Eu tinha passado por
aquelas terras e visto a cerâmica destruída, os vilarejos
desertos. Seguindo para o oeste, encontrava mais cerâmica
em pedaços e mais ruínas. Às vezes era possível encontrar
um grupo de índios, mas acontecia sempre a mesma coisa.
Ao menor sinal de perigo, boa parte escapava e os que
ficavam não tinham como resistir. Antes de serem
dizimados, viam tudo o que haviam realizado ser destruído,
o mundo deles indo abaixo.
As vezes, percorrendo uma trilha desconhecida, eu dava
com um desses vilarejos de casas de pedra. Nunca falava
com outras pessoas sobre o assunto, porque ninguém
acreditaria. Os brancos costumam pensar que todo índio tem
mentalidade atrasada. Algumas vezes passei temporadas
vivendo numa daquelas casas de pedra, bebendo água das
nascentes deles. As vezes encontrava os restos de uma
lavoura onde o milho voltava a crescer espontaneamente,
depois de cair do pé.
Eu tinha afeição por aquela gente e gostava de dormir
nos lugares onde eles haviam dormido. Uma noite acordei
assustado. Olhei através da janela para os despenhadeiros
iluminados pelo luar e achei que os selvagens Navajos
estavam chegando. O terror que experimentei devia ser o
mesmo que os índios agricultores experimentavam antes.
Eles podiam fugir, mas serem apanhados era apenas uma
questão de tempo. A situação de Em Talon era mais ou
menos parecida. O marido dela tinha sido assassinado e os
empregados, mortos ou afugentados. Aos poucos ela foi
ficando sozinha naquela mansão, esperando o dia em que
não teria mais forças para empunhar a Sharps ou não
conseguiria ver para onde estava atirando.
Eu havia aparecido, um homem com uma reputação bem
pouco recomendável. Era como os selvagens, bem diferente
dos índios agricultores, bem diferente mesmo. Não tinha
destino certo, vivendo às custas do revólver. No entanto,
havia cavado ali a minha trincheira e permanecido... Agora,
estava na hora de contra-atacar. Eu já havia esperado
demais. Não ficaria sentado enquanto eles planejavam a
minha morte e a daquela anciã. Não, eu sairia no encalço
deles. Faria tudo para expulsá-los, enxotálos, afugentá-los,
ou morreria na tentativa.
Como já disse, não sou homem de ficar pensando multo.
No entanto, precisava arranjar uma forma de entrar na
cidade sem ser visto e sair quando tudo estivesse acabado..,
se que sobraria alguma coisa de mim. Nem um rato se
sentiria seguro se tivesse apenas um buraco para se
esconder. Assim sendo, decidi sair daquele buraco e
procurei me lembrar de como era a cidade, onde ficava cada
edifício e cada curral. Acabei dormindo.
Durante o café da manhã, tia Em mostrou-se disposta
conversar.
— Você precisava ver como era isto aqui quando Talon
e eu viemos para o oeste. Não havia ninguém, ninguém
mesmo. Talon já havia percorrido o Missouri de barco, até
onde era possível navegar. Já tinha caçado búfalos, matado
um ou dois ursos e percorrido as terras dos índios, chegando
mesmo a conviver com eles.
Tia Em bebeu um gole de café e continuou:
— Enquanto vínhamos, ele só falava neste lugar e eu m
preparei. Era uma garota da montanha e me apavorava a
idéia de morar num lugar plano, onde os únicos
movimentos possíveis seriam o capim tangido pelo vento,
algum antílope passando lá longe ou uma manada de
búfalos. Finalmente eu v o lugar.
Por um momento, ela parou de falar e sorriu.
— Visto de longe era lindo, a casa no meio das árvores,
a montanha ao fundo... Talon havia deixado quatro homens
no alojamento para guardar a terra, mas eles não eram
necessários. A princípio, os índios chegavam perto apenas
para olhar. Deviam achar estranha a casa de três andares no
meio de toda aquela terra. Deram a ela o nome de “tenda de
madeira” e ficavam olhando de longe, como se estivessem
presenciando um milagre.
— Eles nunca se aproximaram? — eu perguntei.
— Nem sempre. Quando os Cheyennes chegaram, Talon
foi encontrá-los. Trouxe-os até aqui, em grupos de quatro de
cada vez, e mostrou tudo. Mostrou o sótão, de onde se podia
observar o menor movimento a uma razoável distância, e a
varanda, onde era possível resistir, com apenas um rifle, ao
ataque unificado de uma dúzia de homens.
Tia Em soltou uma risadinha.
— E claro que ele sabia que aquela história seria
espalhada. Muitas vezes eu vi os índios ao longe, mesmo
quando estava sozinha, mas jamais eles se atreveram a
atacar a casa.
— Mas há muitos móveis aqui! — exclamou Pennywell.
— Como foi possível trazer tanta coisa?
— Muita coisa foi o próprio Talon quem fez. Como eu
disse, ele era um homem habilidoso. O resto nós trouxemos.
Talon gostava de deixar armadilhas na montanha e, sempre
que saía, acabava encontrando ouro nos riachos. Por isso,
sempre tinha muito dinheiro para comprar o que quisesse.
Trouxemos do leste um vagão de trem abarrotado de coisas,
já que Talon gostava de viver bem.
Eu escutava e imaginava a reação dos índios. Para eles,
devia ser fantástico o primeiro contato com aquela casa,
grande, majestosa, contemplando tudo em volta através dos
olhos de suas enormes janelas. Devia ter sido como uma
espécie de mágica, porque a casa havia sido construída
rapidamente. Além de ser um homem com voz de comando,
Talon sabia que os trabalhadores com quem podia contar
por ali não eram gente de ficar num mesmo lugar por muito
tempo. Por isso, apressou a construção.
Provavelmente ele e o sócio Sackett haviam aprontado a
maior parte da estrutura antes de chegarem os ajudantes. De
uma forma ou de outra, o resultado era uma construção de
respeito. Enquanto escutava as lembranças de Em Talon,
contadas com aquele jeito de falar das pessoas nascidas nas
montanhas do Tennessee, eu comecei novamente a ficar
nervoso. Ninguém tinha o direito de tomar o que outra
pessoa havia construído.
Eu nunca tive jeito para construir nada. As marcas que
um andarilho como eu deixa por onde passa são tão
permanentes quanto a que se deixa na água ao se tirar o
dedo lá de dentro. Todo homem deveria deixar alguma
coisa de si. Bem, talvez eu não tivesse mesmo jeito para
construir nada, mas podia muito bem lutar para impedir a
destruição do que outros haviam construído.
Com esse objetivo, cavalgaria até Siwash. Começaria
por expulsar do lugar gente do tipo de Len Spivey.
Iria naquela noite mesmo.
CAPÍTULO 8
Eu nunca disse que era uma pessoa instruída. Na
verdade, as coisas que aprendi entraram na minha cabeça de
forma natural. Tudo o que sei, ou quase tudo, sempre tem a
ver com a necessidade de sobrevivência. Revólveres,
cavalos, socos, golpes de braço, coisas desse tipo é que
costumam ocupar a minha mente. No entanto, consegui
aprender algumas coisas só de ficar olhando. Além disso,
sei ouvir e guardo o que ouço. As conversas mais sábias e
mais interessantes que já ouvi foram em volta de uma
fogueira, nos saloons, nos alojamentos de vaqueiros, em
lugares assim. E uma tolice dizer que to *d o conhecimento
do mundo está nas escolas ou na cabeça dos professores.
Há muitos homens que jamais se sentiram atraídos por
tomar conta de uma loja ou ir à escola. Em vez disso,
cortaram os laços que os prendiam a qualquer coisa e
saíram pelo mundo. Esses homens vêem muita coisa, e
adquirir conhecimento é apenas uma questão de fazer
comparações e tirar deduções do que se vê. No meio desse
tipo de gente sempre se encontram homens que tiveram a
mais refinada educação, além de outros que apenas viram
muita coisa e somaram dois mais dois.
Já ouvi muitas conversas sobre a forma como nascem as
idades e fiquei sabendo que muitas delas surgem em locais
onde se faz a travessia de um rio. As pessoas gostam de
acampar à beira de um rio por causa da água, mas atravessar
um grande rio às vezes é um trabalho e tanto. Por isso, é
prudente primeiro fazer a travessia e depois parar
para.acampar. Pelo menos, é assim que fazem os mais
espertos. Os que deixam para atravessar o rio no dia
seguinte às vezes encontram, ao acordar, o nível da água tão
alto que são obrigados a ficar parados por vários dias.
Roma, Londres, Paris.., todas essas cidades surgiram em
locais de travessia de rios, e normalmente havia os espertos
que cobravam pedágio. Sempre que se encontra um grupo
de pessoas que precisa ter ou fazer alguma coisa, há
também alguém que cobra para que isso seja conseguido.
Quando alguém pára na beira de um rio, num local de
travessia, sempre encontra uma loja onde pode comprar
alguma coisa.
A cidade de Siwash nasceu exatamente assim. O rio não
era lá grande coisa, mas tinha um bom curso de água. Um
homem chegou, achou bom o lugar e começou a criar
carneiros. Meses mais tarde chegou um outro, que se
destinava às minas de ouro do Cobrado. Ele viu aquele rio
e, sabendo que a água às vezes é mais preciosa que o ouro,
esperou que o criador de carneiros virasse as costas e
matou-o com uma machadada no crânio. Enterrou o corpo
bem fundo e, por cima, plantou uma lavoura de milho e
melões.
O milenar conflito entre agricultores e pecuaristas
provavelmente começou quando Caim matou Abel. Caim
não foi apenas o primeiro agricultor, de acordo com as
sagradas escrituras, mas também o fundador da primeira
cidade mencionada na Bíblia. Em Siwash também foi
assim. Ao perceber que muita gente parava por ali para
atravessar o rio ou se abastecer de água, o agricultor abriu
uma loja e começou a vender milho, verduras e legumes.
Provavelmente teria progredido ainda mais com o passar
do tempo se não fosse um jogador que tinha reumatismo nas
mãos. O jogador chegou ao lugar e parou para observar.
Escutou o barulho das folhagens e o som musical da água
rolando no rio. Naquela noite, ele tirou do bolso um imundo
baralho. O reumatismo prenunciava o fim do jogador, mas
aquelas mãos ainda eram capazes de dar uma trinca de
damas a Caim.
Caim não via mulher há muito tempo. Ao ver as três
damas estampadas nas cartas do baralho, atribuiu a elas um
valor excessivo. Quando o jogador reumático mostrou os
quatro ases que tinha na mão, Caim descobriu que não era
mais fazendeiro nem dono de loja. O jogador quis que ele
fosse embora imediatamente e até deu um cavalo de
presente... Talvez avisado pelo anjo da guarda, não deu as
costas quando Caim pegou o machado. Assim, Caim voltou
à estrada e o jogador se tornou comerciante e agricultor.
Ele deu ao lugar o nome de Siwash. Ninguém soube por
quê, nem ele próprio. Apenas gostou do nome. Não
demorou para que estivesse fornecendo mantimentos para o
Rancho MT e para vários outros das vizinhanças.
Siwash não era uma grande cidade. Um homem de
pernas compridas podia percorrê-la por inteiro em cinco
minutos, mas o mesmo podia ser dito nos primeiros tempos
de Tróia, que também havia surgido perto de um rio e numa
rota de mercadores.
O jogador reumático continuava lá e as mãos dele
haviam piorado bastante. As mãos que não conseguiam
mais distribuir as cartas de um baralho também não eram
capazes de empunhar uma arma. Por isso, o mais antigo
cidadão de Siwash era igualmente o mais pacato.
Quando Jake Flanner apareceu e começou a tomar conta
de tudo, o jogador pensou seriamente em matá-lo. No
entanto, levou em consideração o que havia acontecido aos
que tinham tido a mesma idéia. Por isso, deixou que Jake
agisse à vontade e até sorria para ele. Mesmo assim, andava
sempre armado, só para o caso de ser necessário.
Estava claro, porém, que ele não desejava boa coisa para
Flanner. Desejava vê-lo longe dali, e não só porque Flanner
queria ser o mandachuva do lugar. O nome do jogador era
Con Wellington e, com as mãos naquele estado, o que mais
ele queria era paz. Não precisava ser muito esperto para
perceber que não poderia haver paz onde Jake Flanner
estivesse. Con Wellington esperava e escutava, e
naturalmente ficou sabendo que Flanner havia encontrado
um duro obstáculo em Emily Talon Logan Sackett.
Logan não era um estranho para ele, apesar de mal se
conhecerem e, é claro, não chegarem a ser amigos. Haviam
se encontrado num jogo de pôquer, quando Wellington
ainda não sofria de reumatismo. Con percebeu que deveria
respeitar Logan Sackett e deu as cartas honestamente, com
o maior cuidado. Mas aquilo tinha sido há muito tempo.
Agora, ele estava pensando num jeito de entrar em contato
com Logan sem que os espiões de Flanner soubessem
quando ouviu uma batida na janela. A mente de Con
trabalhou rapidamente. Flanner ou os homens dele
chegariam pela porta da frente. Portanto, se alguém estava
batendo na janela só podia ser um inimigo de Flanner, e os
inimigos de Flanner eram sempre bem-vindos... desde que
Flanner não soubesse, é claro.
Con abriu a janela só um pouco.
— Quem é?
— Vá abrir a porta — eu falei, procurando ficar bem à
vista.
Con resmungou alguma coisa e eu fui amarrar o cavalo
nos fundos da casa, bem perto do rio. Depois, fui a pé até a
entrada da loja. A porta se abriu na escuridão.
— Entre — ele disse, meio nervoso. — Entre logo!
Depois que eu entrei, Con descobriu a lanterna.
— Eu tinha um palpite de que só podia ser você — ele
falou, com um sorriso. — Ninguém mais me procuraria no
meio da noite.
Wellington sentou-se na cama. Era uma cama bem velha
e as molas rangeram quando ele se sentou, deixando a
cadeira para mim.
— Você veio por causa de Flanner — falou Wellington,
indo direto ao assunto. — Bem, procure me entender. Não
gosto daquele homem, mas ele tem me deixado em paz. E
verdade que tenho hoje menos da metade do que tinha antes
que ele chegasse, mas continuo vivo, enquanto outros foram
mortos.
Ele abriu uma caixa de charutos, de onde tirou um para
fumar e outro para me oferecer. Em seguida ergueu as mãos
retorcidas pelo reumatismo.
— Não sou menos corajoso que ninguém, mas nesse
caso a coragem sozinha não resolve. Posso puxar o gatilho
de uma arma se tiver bastante tempo para isso... Poderia até
caça búfalos. Mas puxar a arma contra um homem é outra
coisa. Não teria a mínima chance.
— Não é de uma arma que você vai precisar. O que
tenho em mente é outra coisa.
Wellington olhou bem para mim.
— Logan, você está com Em Talon... O que espera
ganhar com isso?
— Nós somos parentes. Ela era uma Sackett das
montanhas Clinch antes de se casar com Talon.
— Uma Sackett das montanhas Clinch pode significar
alguma coisa para você, mas não para mim.
— Significa pouco para qualquer pessoa, mas não par
nós— eu declarei. — Fazemos qualquer coisa por um
parente. Às vezes temos os nossos problemas, é verdade,
mas quando um está em dificuldade sempre tem ajuda do
que estive mais próximo.
— Seria bom se os meus parentes fossem assim — falou
Wellington, acendendo o charuto. — Eles ficaram felizes
por se livrarem de mim. Minha família tinha posses,
educação, um nome a zelar. Quando perdi todo o meu
dinheiro e fiquei em dificuldades, eles me deserdaram.
— Isso acontece — comentei, acendendo também o
charuto, que, aliás, era muito bom. — Eu tinha o palpite de
que você não gostava muito de Flanner. Agora, quero que
fique fora disso.
— E o que vai fazer?
— Estou começando a ficar cansado de Flanner. Tia Em
também. O filho dela está vindo para casa, mas pode
demora e eu quero resolver logo tudo. Vou expulsar
Flanner.
— Você? Você e mais quem?
— Não preciso de mais ninguém. Imaginei que você
saberia dizer quem são os amigos dele. Se for possível, não
quero que gente inocente saia machucada.
Wellington olhou para mim demoradamente. Depois,
tirou uma baforada do charuto e ficou olhando a fumaça.
— Sabe de uma coisa? Acho que você é muito capaz
disso. A maioria das pessoas aqui não gosta dele, mas no
momento as que não têm nada a ver com Jake Flanner não
passam de vinte ou vinte e cinco.
Ele disse quem eram essas pessoas, onde deveriam estar
e descreveu algumas.
— O hotel, o saloon, a estrebaria e o alojamento que fica
por trás da estrebaria. E nesses lugares que devem estar os
homens dele. Quanto a Flanner, sempre fica por perto do
hotel.
— E aquele outro?
— Johannes Duckett? — perguntou Wellington,
apertando os olhos. — Esse pode estar em qualquer lugar.
Nesse minuto mesmo pode estar bem aí fora. Anda por aí
como um fantasma.
Wellington parou de falar por um instante e tirou mais
fumaça do charuto.
— Não queira mal às pessoas desta cidade — ele
aconselhou. — Jake controla quase tudo, mas não perturba
ninguém. Sempre vai a festas, jantares, coisas assim, e
contribuiu para a construção da igreja. As pessoas não
gostam muito dele, mas têm pouco do que se queixar.
Todos acham que o assunto de Flanner com o Rancho MT é
um problema só dele. Pouca gente aqui conhece os Talons.
Todos são muito reservados e, além disso, Em Talon passou
a vir à cidade muito pouco depois que o marido foi morto...
Ultimamente, não tem vindo mais. Alguns têm um certo
despeito... ou inveja. Afinal de contas, ninguém por aqui
tem um rancho como o MT. Talon chegou primeiro e
deixou um pouco para quem veio depois.
— Então, ninguém vai ajudar?
— E o que penso. Naturalmente, não posso falar pelos
outros.
Eu não sabia que passo dar em seguida. Como já disse,
não sou homem de planejar muito. Prefiro agir e deixar as
coisas acontecerem. O máximo que posso fazer é tomar
cuidado para não prejudicar pessoas inocentes. Foi por isso
que arrisquei o pescoço para conversar com Wellington. De
repente tive um palpite. Sairia dali por onde havia entrado.
Se Johannes Duckett estivesse no meu encalço, deveria
estar nos fundos, esperando. Portanto, eu sairia pela porta
da frente. Wellington não gostou muito da idéia, mas
acabou concordando.
— Se eu for visto e alguém perguntar alguma coisa, diga
que eu estava amedrontado mas queria comprar fumo. Já vi
gente viciada em tabaco arriscar a vida por isso. Não goste
muito de fumar, mas eles não sabem disso.
Wellington me entregou dois saquinhos de fumo.
— Leve isto, só para o caso de precisar.
As dobradiças da porta estavam bem lubrificadas e ela
abriu sem fazer barulho. Com quatro passos compridos eu
atravessei a rua e me escondi no vão entre duas construções.
Depois, com cuidado, saí em direção ao local onde havia
deixado o cavalo.
Quando passava por trás de uns arbustos, agachado e já
vendo o cavalo, reparei que um homem safa de trás de umas
árvores, perto da. rua. Ele olhou para os lados e veio
andando. Quando viu o cavalo, soltou uma exclamação em
voz baixa. Em seguida, aproximou-se do animal e soltou a
rédea de onde ela estava amarrada. Ele estava já com uma
perna por cima da sela quando eu ouvi um tiro. O potro
empinou e o desconhecido caiu de costas no chão. Vendo-se
livre, o cavalo saiu dali a galope, com a cabeça erguida e as
rédeas soltas.
Por trás de mim e à minha esquerda não havia
movimento. Eu fiquei esperando, até que um homem alto e
magro saiu do meio das árvores e caminhou até onde estava
o ladrão morto. Depois de acender um fósforo, ele soltou
uma praga.
— Acertou o homem errado, Duckett? — eu gritei,
protegido pela escuridão.
Ele girou o corpo e disparou. Foi um movimento muito
rápido, só que eu já havia atirado. Ele tinha disparado na
direção do som que ouviu e errou por muito pouco. A
minha bala bateu em alguma coisa metálica, ricocheteou e
se perdeu na noite.
Rapidamente eu saí pelo meio das árvores na direção da
rua, tentando encontrar o cavalo.
Não houve mais tiros e tudo estava em silêncio. O luar
iluminava a rua e havia um cheiro de poeira no ar.
Continuei andando, bem rente à parede dos edifícios. Cerca
de quatrocentos metros adiante, vi o cavalo. Bastou que eu
assobiasse baixinho para que ele viesse. Antes de montar,
eu disse algumas palavras e afaguei-o no pescoço.
Já estava quase rompendo o dia quando tomei o caminho
de volta ao rancho.
CAPÍTULO 11
Pennywell estava na porta da cozinha. Eu entrei e ela me
serviu uma xícara de café.
— Em está dormindo — informou a moça. — Precisa se
recuperar da noite passada.
Meu aspecto devia ser lamentável, porque a jovem me
olhava com curiosidade. Como não queria deixar pistas que
pudessem mais tarde ajudar os homens de Flanner, depois
de pegar o cavalo eu havia seguido pelo caminho mais
conhecido e entrado no rancho pelo portão principal.
— Parece que você esteve no meio deles — ela
comentou. — Não aprovo muito isso e sei que Em também
não.
Resumidamente, contei a ela o que havia acontecido.
— Acho que Duckett me viu e ficou esperando perto do
meu cavalo — acrescentei. — Enquanto isso, outro capanga
de Flanner também me viu e resolveu me pegar, querendo
antes ficar com o meu cavalo.
— Mas você atirou em Duckett?
Atirei, mas pelo barulho acho que acertei no rifle dele ou
em qualquer outra coisa de metal. Duvido que esteja ferido.
Eu é que escapei por pouco, porque o tiro dele deve ter
passado por mim a menos de dois centímetros. Aquele
homem atira bem, Deus do céu, e é muito rápido!
— Isso é bom para que você aprenda a não ficar
vagando por aí no meio da noite. Espere que eles venham.
— Sou um fracasso quando tenho que ficar esperando.
Meu estilo é tomar a iniciativa, mostrar ao adversário que
uma batalha tem dois lados.
— Acha que isso vai dar resultado?
— Bem, acho que agora eles vão pensar duas vezes
antes de abrir uma porta. Sabem que também estou no
encalço deles, e que isso pode ser perigoso.
Durante dois dias, fiquei por perto do rancho. No
primeiro fui até as colinas e matei um alce, o que daria para
nos alimentar durante vários dias. Peguei também o ferro
com a marca do MT, fui até a montanha e lacei alguns
potros de um ano, que marquei.
Há muito que ninguém andava por ali e seria um sonho
para um ladrão de cavalo verificar que aqueles excelentes
animais estavam sem marca. Depois disso resolvi que,
sempre que andasse pelo Rancho MT, levaria comigo o
ferro.
Johannes Duckett não parecia ser do tipo de homem que
se deixaria pegar facilmente. Eu sabia que teria notícias
dele, com ou sem Flanner, e achava mesmo que Duckett
sairia em meu encalço. Pelo jeito, ele atirava com precisão
de longas distâncias. Por isso, tomei o cuidado de não me
expor muito, andando de preferência entre as árvores.
Apesar de tudo, continuava com a intenção de ir até
Siwash e deixar que eles soubessem disso.
A certa altura, tia Em estava no quintal quando viu um
cavaleiro se aproximando.
— Logan — ela me chamou. — O que vai fazer com
aquele ali?
O cavaleiro já estava perto do portão principal. Pude ver
que usava surradas calças de couro, um chapéu marrom
amarrotado e tinha a camisa aberta no peito. Vi também que
era um homem de baixa estatura. Pelos reflexos do sol no
rosto dele, constatei que usava óculos. Trazia um revólver
de seis tiros e havia ainda um rifle na bainha da sela, bem
perto da bota.
Quando ele chegou a certa distância do portão, cravou as
esporas no cavalo e, para meu espanto, o animal pareceu
voar sobre a cerca. A verdade é que o bicho saltou com a
maior facilidade uma altura de quase dois metros.
Tia Em apontou a Sharps e disparou. Como ela queria, a
bala ricocheteou no chão, bem perto das patas do cavalo. O
cavaleiro apenas tirou o chapéu, agitou-o para cima e para
baixo e continuou se aproximando. Eu deixei meu Colt
numa posição fácil de sacar e fui para a frente da casa.
Reparei que não havia mais ninguém à vista. Se tivesse que
haver um tiroteio, seria só com aquele homem, fosse lá
quem ele fosse. O cavaleiro foi se aproximando. A uma
distância de quinze metros de onde eu estava, fez parar o
cavalo e observou a casa. Demorou-se bastante nisso, antes
de abaixar os olhos para mim. Uma das lentes dos óculos
era completamente opaca e eu deduzi que o homem era
cego de um olho.
— Você deve ser Logan Sackett, não é? — ele falou. —
Vim para me juntar a você.
— Para quê?
O homem continuou sério.
— Andam dizendo que você está para ser expulso daqui.
Flanner está recrutando pistoleiros. Meu nome é Albani
Fulbric. Há centenas de anos que minha família vem
combatendo a tirania. Não vejo por que mudar essa escrita
agora.
— Você sabe lutar?
— Com qualquer arma... com qualquer uma, mesmo.
— Chegou bem na hora do almoço. Entre e vamos
conversar.
Aquele era um homem estranho com um nome estranho
mas, não sei por quê gostei dele. À mesa, o tal Albani
Fulbric mostrou-se dono de um enorme apetite, apesar de
ter apenas dois terços do meu tamanho.
— Onde arranjou um nome como esse? — perguntei.
— O que conta nos nomes é a primeira impressão. O
meu nome é tão engraçado para você quanto o seu é
engraçado para mim. Sackett... Observe como soa o seu
nome e pense no que estou dizendo, amigo.
Ele estendeu a mão para pegar o prato da carne e
continuou:
— Bem, agora você já sabe o meu nome. Minha família,
tanto por parte de pai como por parte de mãe, é da
Normandia e descende de Guilherme, o Conquistador. Um
antepassado meu foi escudeiro de Sir Hugh de Malebisse e
um outro lutou ao lado de Robert de Brus. Nenhum deles
tinha nada além das armas que empunhavam e a destreza
com que as manejavam. Um se chamava Albani; o outro,
Fulbric. Vocês poderão encontrar os nomes deles no Livro
do Juízo Final. Foram homens audazes e nós, que seguimos
o seu exemplo, temos orgulho do nome que herdamos.
— Eles eram cavaleiros andantes? — quis saber
Pennywell.
— Não, eram homens simples. Entre uma batalha e
outra, trabalhavam como ferreiros, tratadores de cavalos,
profissões assim. Um deles permaneceu em Yorkshire com
Sir Hugh, o outro foi para a Escócia. Mais tarde, outro
membro da minha família ajudou a pôr um Bruce no trono
da Escócia. : Eu não sabia nada sobre guerras em países
distantes e achava difícil participar de uma conversa que
não tratasse de cavalos, búfalos ou revólveres. No entanto,
parecia haver uma cadência mágica no que aquele homem
dizia.
— Já ouvi esses nomes antes — disse tia Em. — Talon
falava neles. Os parentes dele vieram da França, onde
construíam navios que vendiam para países estrangeiros.
Vendiam até para piratas e não sei como não foram
enforcados.
— Você sabe lidar com gado? — perguntei.
— Sei, sim. Sei manejar o laço e meu cavalo é muito
bom nesse tipo de trabalho. Farei por merecer a comida e o
que vocês possam me pagar. Aquele cavalo já não é tão
novinho, mas não o menospreze. Ele já me levou para
dentro e para fora de muita confusão. Meu pangaré é capaz
de alcançar qualquer coisa que se movimente, seja lá o que
for.
Ele sorriu e estufou o peito, orgulhoso.
— Na sela daquele cavalo, não tenho medo de laçar um
potro selvagem do Texas, laçar, amarrar as quatro patas e
derrubar no chão. Ele é capaz de encontrar, sozinho, uma
trilha numa montanha. Uma vez, quando um sujeito me
acertou com um tiro de Winchester, ele me carregou por uns
vinte quilômetros através da neve. Depois, ficou batendo
com as patas na varanda de uma cabana até que veio gente
para me ajudar. Moço, pode até me chamar de cachorro que
eu não me incomodo, mas se falar mal do meu cavalo vai
arranjar encrenca comigo.
— Nunca falo mal do cavalo de ninguém — eu disse,
com sinceridade. — Já tive um cavalo daquela raça e sei
que ele vai ser muito útil aqui no rancho.
Se Albani era bom de garfo, mostrou-se melhor ainda no
campo. Na manhã seguinte, laçamos e marcamos catorze
potros, limpamos um poço onde tinha havido um
deslizamento de terra e cortamos o mato em algumas partes
altas da campina. Ele era hábil com ferramentas e não
relutava em usá-las, mas eu preferi ser cauteloso. Aquele
homem não tinha falado muito sobre si mesmo, preferindo
tagarelar sobre aqueles ancestrais lá não sei de onde.
Eu nunca tinha ouvido falar na Normandia até que
Pennywell, que lia uma porção de livros, me disse que era
uma região da França e que os normandos a princípio se
chamavam homens do norte, ou vikings. Resolveram se
fixar no lugar por acharem a terra boa. Bem, isso fazia
sentido. Pelo que eu tinha observado, os que iam para o
oeste tinham a mesma intenção.
Ai, como passamos a chamar Albani, era bom também
para consertar cercas. Nós dois trocamos e emendamos
arame farpado onde foi necessário, substituímos algumas
estacas podres e marcamos mais gado nos dias que. se
seguiram. Ele tinha morado em Montana e Dakota e foi para
o oeste passando por Illinois. Durante algum tempo
trabalhou na estrada de ferro, primeiro na construção,
depois como manobrista.
Muita gente naquela região tinha uma história parecida
para contar. Eram homens que desenvolviam a própria
habilidade, trabalhando em quase tudo. Alguns tinham
destreza para manipular ferramentas, Outros faziam
qualquer coisa que pudesse garantir a sobrevivência. Muitos
deles trabalhavam pensando em um dia ter uma terra
própria. Alguns conseguiam, outros não. Em qualquer
alojamento era possível encontrar homens vindos de vários
Estados e territórios e experientes em vários tipos de
trabalho.
Havia jovens, e quanto mais jovens eles eram mais se
esforçavam para serem reconhecidos como homens.
Nenhum garoto com mais de catorze anos queria ser
chamado de menino. Queria ser considerado homem e
procurava mostrar que era capaz de fazer direito qualquer
coisa.
Um garoto assim logo aprendia que não podia deixar de
fazer a sua parte. Não havia lugar para malandros e
preguiçosos, que logo se tornavam indesejáveis. Por outro
lado, ninguém perguntava quem ele era ou de onde vinha.
Bastava que se mostrasse disposto sempre que surgisse algo
a fazer.
Os cavalos eram considerados companheiros de vida e
de trabalho. Era muito raro alguém falar num cavalo em
termos de dinheiro. Por outro lado, era comum ouvir um
homem dizer: “É um cavalo esperto como o diabo”; ou “Ele
é capaz de andar a noite inteira e o dia seguinte”; ou ainda:
“Foi com esse cavalo que eu peguei aquele novilho
malhado, aquele que...”
Às vezes, alguém mais velho dizia que, antigamente, os
cavalos trabalhavam mais duramente nos ranchos, o que não
era bem verdade. Afinal de contas, também se exigia muito
esforço dos homens, e às vezes os animais eram até mais
bem atados... Tem gente que diz que os cavalos são
estúpidos, mas isso depende de quem os trata. Um cavalo é
como um cachorro: tem que pertencer a alguém, ter a
confiança de alguém. Quando ele sabe o que se espera dele,
executa direitinho sua unção.
Não chegava notícia de Milo Talon e eu passei noites em
claro, imaginando o que Flanner faria em seguida. Eu e tia
Em conversamos sobre o assunto durante o café da manhã,
com AI Fulbric dando um ou outro palpite. Como resultado
dessa conversa, preparei uma parelha de cavalos, atrelei a
ela um arado e fui limpar uma faixa de terra bem no alto da
colina que nos separava da cidade. Esse trabalho levou
vários dias, mas com a ajuda de Ai consegui fazê-lo.
Depois disso, fomos para o meio das árvores e
derrubamos várias delas, arrumando os troncos de forma a
que se transformassem em obstáculos para homens a cavalo
ou mesmo a pé. Gravamos bem a forma mais fácil de sair
dali, mas só seria bem complicado para quem não estivesse
familiarizado. Era como um labirinto. Se um homem sabe o
caminho que deve fazer, movimenta-se rapidamente. Se
não, pode perder horas andando em círculos.
Aquela faixa de terra sem mato serviria de proteção
contra o fogo. Além disso, pusemos vários barris cheios de
água perto da estrebaria e do alojamento. Também
arranjamos uma boa quantidade de carne, que charqueamos
para o caso de uma batalha prolongada. Uma noite acordei
com o grito de alguém que batia na porta do quarto:
— Fogo!
Vesti rapidamente as calças e peguei o chapéu. Enfiei as
botas, afivelei o cinto com a cartucheira e corri para a porta.
O horizonte inteiro estava iluminado pelas chamas. Elas
vinham bem na nossa direção, empurradas pelo vento que
soprava de trás. Corri para o curral e cheguei lá no
momento em que AI Fulbric ia saindo. Ele estava de
camisolão, tinha a cartucheira afivelada à cintura, agitava o
rifle na mão e gritava como um Comanche. Atravessados
por sobre o cavalo, na frente da sela, tinha um monte de
sacos velhos e uma pá.
Não levei mais que um momento para selar o cavalo.
Depois, peguei também um monte de sacos e uma pá e saí
atrás dele.
Pouco mais tarde chegamos à faixa de terra que
havíamos aberto no alto da colina. As chamas queimavam
bem junto à margem, no outro lado. Tive certeza de que, se
não fosse o trabalho que havíamos feito ali, o fogo já teria
chegado à casa. Por sorte, Flanner não desconfiou de nada,
já que a terra que limpamos ficava no nosso lado da colina.
Nós amarramos os cavalos, corremos para o outro lado
da faixa de terra e começamos a lutar contra o fogo, batendo
no chão com os sacos. Conseguimos algum progresso, mas
retornávamos sempre que aparecia um foco de incêndio no
nosso lado. Esses focos eram rapidamente debelados com a
terra que jogávamos em cima e acabaram revertendo em
nosso favor, porque nos deram uma margem de segurança
de mais de cinco metros. Pennywell estava lá conosco,
assim como tia Em. De repente reparei nisso e me assustei.
— A casa! A essa altura eles devem ter entrado na casa!
Pulamos na sela dos cavalos e saímos em disparada, com
tia Em na mesma velocidade dos demais. No momento em
que entrávamos na casa pela porta dos fundos, um bando de
homens entrava pela da frente. Tia Em foi a primeira a
entrar e eu a segui. Ai entrou num dos quartos para não ser
visto. Len Spivey estava lá, assim como Matthews e mais
alguns outros. Len soltou uma gargalhada.
— Parece que pegamos vocês! Jake estava certo quando
disse que o fogo daria resultado.
Eles estavam todos de revólver na mão e eram oito,
contra dois de nós. Bem, isso era o que eles pensavam, mas
estavam errados. Estavam errados também no julgamento
que faziam de Emily Talon.
— Pegaram nada — ela caçoou, fazendo cuspir fogo do
enorme Colt Dragão.
Aqueles homens devem ter ficado tão espantados quanto
amedrontados. Certamente eles esperavam resistência da
minha parte, mas não deviam dar muita importância às
mulheres. Quanto a Ai, nem suspeitavam da existência dele.
No momento em que tia Em começou a atirar, Ai Fulbric
saiu de um dos quartos com uma espingarda nas mãos.
Juntamente com ele, meu velho seis-tiros também começou
a falar.
Foi a surpreendente reação de tia Em que ganhou aquela
batalha para nós. Os homens de Flanner não esperavam
trocar tiros com uma mulher, talvez achando exagero o que
se dizia de Emily Talon. Foi um choque para eles, o tipo de
coisa que faz um homem levar algum tempo antes de
retomar a iniciativa. Só que nós não demos a eles esse
tempo. O primeiro tiro de tia Em acertou Matthews, que
estava mais perto dela, e fez com que ele desse meia-volta.
Soltando o revólver no chão, ele foi novamente atingido,
desta vez por uma descarga da espingarda de cano duplo de
Al.
Matthews caiu ao chão, atingido em várias partes do
corpo. Vi quando outro deles foi caindo devagar,
segurando-se no caixilho da janela antes de tombar. Len
Spivey correu para a porta e quase quebrou o pescoço para
escapulir dali. Os que sobraram fizeram o mesmo.
Corremos os três para a porta, atrás deles. Um homem se
voltou para atirar, mas a minha bala o pegou na clavícula,
saindo no outro lado. O homem soltou um grito e dobrou os
joelhos, olhando para o local atingido. Então eu o acertei
novamente, bem no centro do peito. Os outros fugiram.
Três deles tinham ficado lá. Matthews estava no chão da
sala, morrendo. O homem que se agarrava à janela tinha
recebido uma descarga de espingarda de uma distância de
três metros e não resistiu muito tempo. O terceiro jazia no
chão em frente da casa.
Eles haviam acertado ao prever que o fogo faria com que
saíssemos da toca, mas erraram no que pensavam de Emily
Talon. Se não fosse a iniciativa dela, talvez eu não houvesse
entrado na casa, com medo de que as mulheres se ferissem.
Em Emily Talon, porém, não havia esse medo.
Também não havia medo em Pennywell.
Ela havia disparado dois tiros. Quando tudo terminou,
reparei que estava pálida como leite, mas tirou duas
cápsulas vazias do revólver e as substituiu, pronta para o
caso de os inimigos retornarem.
Moço, aquelas, sim, eram mulheres de verdade!
CAPÍTULO 12
Nós tínhamos tido sorte. Tia Em havia sido atingida de
raspão por uma bala, mas foi a única de nós que saiu ferida.
Havíamos perdido uma parte do pasto, mas as chuvas de
inverno trariam o verde de volta. No final das contas, o fogo
nos deixara mais seguros por um dos flancos, porque por ali
tão cedo não poderia ocorrer outro incêndio.
Eles haviam quebrado a janela da sala. Tinham tentado
derrubar a porta, mas isso não era assim tão fácil. Por isso,
forçaram um dos batentes, arrebentaram a janela e entraram
por ali. Foi isso que nos deu tempo para entrar na casa antes
que eles se entrincheirassem.
Eu não estava com vontade de ficar sentado esperando.
Por isso saí e, sem dizer nada aos outros, tomei o caminho a
cidade. Chegando lá, parei à sombra de um celeiro. Os
cavalos deles estavam amarrados no lado de fora do saloon.
Eu atravessei a rua e subi os degraus. Todos eles estavam lá,
praguejando, amaldiçoando a sorte e bebendo. Quando eu
entrei, todos se voltaram pensando que era Flanner.
Deixei que eles sacassem primeiro, mas a partir daí não
parei mais. Minha primeira bala atingiu Len Spivey no
momento em que ele encostava a mão na coronha do
revólver. O grandalhão projetou-se por cima do balcão do
bar e recebeu a segunda bala na garganta.
Um outro homem tombou antes que uma bala me
atingisse na perna e eu começasse a me abaixar. Encostado
na parede, descarreguei o revólver na direção deles e
comecei a tirar as cápsulas vazias.
De algum lugar perto do bar veio um tiro e eu fui
novamente atingido. Mesmo assim, não caí. Acabei de
recarregar o revólver e voltei a descarregá-lo. Deslizando de
encontro à parede, fiquei bem abaixado e carreguei
novamente a arma. Enquanto fazia isso, vi algumas botas no
lado oposto. Atirei naquela direção e um homem tombou.
Eu me arrastei em direção à porta, consegui empurrá-la e
saí. Ninguém precisava me dizer que eu estava bem ferido,
assim como ninguém precisava me dizer que tinha sido uma
tolice invadir o território do inimigo e sair dando tiros de
peito aberto.
Meu cavalo estava ali perto e eu saí me arrastando na
direção dele. Nesse momento, uma porta se abriu num dos
lados do hotel, fechando-se em seguida. Consegui descer os
degraus até a rua e, usando o corrimão, me pus de pé.,Ia
atravessando a rua com o revólver na mão quando Jake
Flanner apareceu num dos cantos do hotel, locomovendo-se
sobre as muletas. Ele trazia um revólver numa das mãos e,
apoiando todo o peso do corpo numa das muletas, ergueu a
mão armada. No mesmo momento vi Brewer sair do saloon.
Estava com um rifle e tomava posição para atirar.
Eu ergui o revólver para disparar. Dei um passo atrás e
pisei numa pedra, que rolou por baixo da bota. Fraco como
estava, não precisei de mais nada. Perdi o equilíbrio e caí,
no exato momento em que as duas armas dispararam,
seguidas rapidamente por uma terceira.
Aquele último, tiro tinha um som diferente. O estampido
era mais agudo, diferente do de um quarenta-e-cinco. Eu vi
quando Brewer cambaleou e caiu, arrastando-se em seguida
até um canto, de onde desapareceu.
Flanner havia sumido de vista. Um instante atrás ele
estava lá, mas agora não estava mais.
Quando tentei me levantar, senti uma mão segurando o
meu braço.
— Devagar — disse uma voz desconhecida. — Você vai
ter que andar. Não posso carregá-lo e atirar ao mesmo
tempo. Vamos.
Minutos mais tarde senti que estava sendo posto sobre a
sela. Percebi que o cavalo estava em movimento porque,
cada vez que ele firmava as patas dianteiras no chão, a dor
que eu sentia na perna era quase insuportável.

O fogo estava queimando e eu gostava daquele cheiro de


pinho. Era noite, porque eu via estrelas lá em cima. Podia
vê- las através dos galhos de uma árvore. Minha cabeça
doía muito e eu não sentia vontade de fazer nenhum
movimento. Assim, por um longo tempo fiquei parado,
olhando as estrelas.
Nada se movia e eu me deixei ficar onde estava, sem
fazer idéia de que lugar era aquele ou do que havia
acontecido. Senti um cheiro bom e movi a cabeça. Havia
um bule escuro sobre um braseiro.
Eu queria café. Queria muito, mas não sabia se
conseguiria alcançá-lo ou se estava em condições de segurar
uma caneca. Continuei parado e finalmente comecei a me
lembrar de que havia sido atingido por tiros... Tinha sido
atingido pelo menos uma vez, talvez duas ou mais. Não
sabia como havia saído da cidade. Vagamente, lembrei-me
daquela voz gentil e da mão que me segurou pelo braço...
Mas onde eu estava? ! Quando tentei mover meu braço
direito, descobri que ele estava ferido. As pernas estavam
livres. Explorando o corpo com a mão esquerda, descobri
algo... Meu revólver! Bem, pelo menos eu continuava com
o revólver. Em seguida vi dois cavalos que comiam grama
ali perto, calmamente. Virando a cabeça reparei que alguém
dormia à minha esquerda. Ele estava com a cabeça apoiada
numa sela. Agasalhava-se com um cobertor e estava
parcialmente coberto por um lençol bem diferente dos que
eu conhecia.
Meu braço direito estava ferido. Movendo-me um pouco
para a esquerda, consegui ficar meio sentado. Os cavalos
me olharam e eu percebi que um deles era o meu.
Havia algumas roupas espalhadas por perto de onde
estávamos. Aquele sujeito podia ser um homem sem rumo
como eu, mas as roupas dele eram bem melhores do que as
de qualquer andarilho que eu já havia conhecido. Além
disso, não havia marcas de esporas nas botas dele... e as
botas eram bem diferentes das que se usavam no oeste. $ Eu
voltei a me mover, senti uma forte dor e soltei um gemido.
No mesmo instante o homem acordou.
Ele era alto, não tinha mais que trinta anos e era do tipo que
as mulheres consideram um homem bonito. Quando se
sentou vi mais uma vez que gostava de usar roupas de
melhor qualidade. Gostei também do rifle dele, que era no
mínimo uma bonita arma.
O desconhecido olhou para mim e fez um gesto.
— Não se mova, ou vai começar a sangrar novamente. 1
Não foi fácil fazer parar o sangramento.
— De onde você veio?
Ele soltou uma risadinha.
— Que importância tem isso? De onde quer que eu
tenha vindo, cheguei bem na hora, não acha? Mas o que
estava acontecendo ali, afinal?
— Estamos numa luta. Eles nos atacaram primeiro e eu
resolvi revidar. Foi o que fiz.
— Conseguiu pegar algum deles?
— Peguei três lá dentro. Acho que acertei um outro no
lado de fora, ou alguém acertou.
— Fui eu. Atirei primeiro no homem das muletas, mas
errei. Talvez tenha sido bom, porque detesto atirar em
aleijados.
— Só porque um homem tem as pernas doentes, isso não
quer dizer que ele mereça compaixão. Aquele lá é o pior de
todos. O nome dele é Jake Flanner.
— E qual é o motivo da luta?
— E por causa de um rancho... o Rancho MT. O rancho
é dirigido por uma velha senhora, Emily Talon, uma mulher
simplesmente incrível, uma mulher que é... Bem, ela é
assim como o sal da terra. Aqueles caras de Siwash queriam
expulsá-la de lá e eu acabei me metendo na briga. Aliás,
nem sei bem como entrei nessa história. Eles nos atacaram,
tentaram pôr fogo no rancho mas nós controlamos o
incêndio. Depois disso, travamos com eles um duelo a bala
dentro da casa e vencemos. Mas é claro que eles voltariam,
insistiriam em expulsar aquela velhinha... e por isso eu fui
até a cidade, atrás deles.
— Sozinho?
— Por que não? Eles não eram tantos assim.
— Você não me é estranho.
— Bem.. deve haver alguns retratos meus por ai. Meu
nome é Sackett, Logan Sackett.
— Olá, primo! Eu sou Barnabas Talon. Emily é minha
mãe.
Eu olhei para ele, espantado. Realmente, o jeito do rapaz
lembrava tia Em, e era um pouco parecido com Milo,
também.
— Pensei que você estivesse na Europa.
— Eu voltei. Há alguns anos, recebi a notícia de que
minha mãe estava morta e enterrada. A notificação dizia
também que o rancho estava falido. Como não vi razão para
retornar, continuei como que estava fazendo. Há alguns
meses, porém, conversei sobre o Cobrado com uns amigos
ingleses que estiveram na América e eles falaram sobre uma
casa, a nos s casa. Disseram ter ouvido falar numa velha que
vivia sozinha no rancho.
Ele encheu uma caneca de café e me serviu.
— A princípio achei que aquilo era um absurdo, mas
fiquei preocupado. Embarquei num navio e vim para cá. Em
Nova Orleans, entrei em contato com o velho procurador do
meu pai e ele me disse que não havia falência nenhuma e
que minha mãe continuava viva. Até me mostrou uma carta
dela, datada de dois meses antes. Imediatamente, vim para
casa.
Á Barnabas parou de falar por um instante e ficou
pensativo.
— Meu pai me ensinou a ser cauteloso. Eu havia recebi¶
do uma notificação formal de que minha mãe estava morta.
Obviamente, alguém havia forjado aquilo tudo.
Aparentemente te, era para que eu me esquecesse do
Cobrado e da nossa propriedade Fosse quem fosse que
estivesse com aquela intenção, não gostaria de me ver de
volta. Por isso, tomei uns certos cuidados. Quando cheguei
a Denver, procurei obter informações, mas não consegui
muita coisa. Um velho amigo da família, porém, que já
tinha sido delegado federal, me falou num certo Jake
Flanner, que andava recrutando pistoleiros em Siwash,
gente da pior espécie.
— Você ainda não tinha ouvido falar em Flanner? —
perguntei.
— Minha mãe tinha se referido a ele na última carta que
me escreveu, mas era só isso. Eu continuei a viagem,
fingindo ser um engenheiro de mineração. Mais de uma vez
ouvi a advertência de que não deveria vir para cá. Dizia-se
que Siwash era um lugar perigoso. Exatamente no momento
em que estava entrando na cidade, ouvi o tiroteio. Você
parecia disposto a continuar lutando, mas estava ferido e era
acossado por dois flancos. Por isso, resolvi interferir.
— Como foi que você encontrou o meu cavalo?
— Você me disse onde ele estava.
Eu não me lembrava de nada daquilo. Bem, talvez
houvesse dito outras coisas a ele.
— Acho bom você ficar de olho na nossa retaguarda —
eu recomendei. — Eles não vão desistir.
— Você se esquece de que foi aqui que eu cresci.
Conhe- ço trilhas nessas colinas que eles vão levar anos
para encontrar. Milo e eu descobrimos lugares que nem o
nosso pai conhecia.
— Mandei um recado para Milo. Ele costuma andar pela
Trilha dos Fora-da-Lei e deve receber a informação.
Barnabas olhou para mim, muito sério.
— Milo? Um fora-da-lei?
— Não é bem assim... E que por aqui todos se
conhecem. Além disso, você sabe que Milo é muito bom
com um revólver! Tem que ser conhecido...
Eu precisava desfazer aquele clima e continuei falando.
Falei de tia Em, de Pennywell, da casa. Falei também de
Albani Fulbric e do que tínhamos feito no rancho.
Quando terminei de falar, estava morto de cansaço. Bebi
mais um gole de café e me ajeitei no cobertor. O dia já
estava claro e pude ver que Barnabas estava preocupado.
— E melhor você montar e ir para o MT — eu
recomendei. — Eles sabem que estou ferido e vão tentar
pegar o rancho desprotegido.
— Não posso deixá-lo aqui — ele disse, agachando-se
sobre os calcanhares. — Logan, preciso lhe falar a verdade.
Você levou três tiros e está seriamente ferido. Uma das
balas atravessou o músculo da coxa, outra acertou o braço
direito e uma terceira atingiu o tórax. Você perdeu muito
sangue. Não sou médico, mas sei um bocado sobre
ferimentos a bala. Fui oficial do Exército francês durante
algum tempo e estive na guerra na Prússia. Não, não posso
deixá-lo aqui.
— Pois eu acho que deveria. Tia Em precisa de você. Se
eu for junto, será uma caminhada longa e dolorosa.
Barnabas ficou olhando para mim durante um longo
minuto. Depois, foi até o alforje, pegou um pouco de café e
alguma comida e pôs tudo ao meu lado. Para remuniciar a
minha cartucheira, abriu uma caixa de balas quarenta e
cinco.
— Foi sorte ter trazido isto. Achei que podia estar em
falta no rancho.
Outra vez ele se agachou e olhou para mim.
— Estamos a nove ou dez quilômetros do rancho e não
há como cortar caminho. Vou levar um bom tempo para
chegar lá. Bem ali há um riacho. Seu cantil está cheio e vou
deixar o meu também. Há um bule cheio de café. Tentarei
mandar alguma ajuda logo que possa ver como estão as
coisas no rancho. Olhei as colinas em volta. Estava numa
parte baixa, talvez um vale. Havia uma grande depressão
com cerca de cento e vinte hectares de base, cercado em três
lados por colinas arborizadas Eram muitas as árvores e
talvez houvesse um lago. Barnabas montou, olhou
novamente para mim e partiu.
Eu fiquei sozinho.
O sol ainda estava baixo e as árvores produziam
sombras. Eu estava muito fraco e permaneci deitado.
Será que Barnabas Talon havia deixado uma pista muito
evidente? Ele podia ser bom cavaleiro e usar uma arma com
perícia, mas mesmo assim deixar pistas capazes de serem
descobertas por uma criança. Dissimular rastros é uma arte,
e uma arte bem complicada. Já ouvi falar em gente que
procura apagar pegadas arrastando um arbusto por cima.
Isso é ridículo. As marcas do arbusto são uma pista tão clara
quanto as pegadas de um cavalo. A coisa tem que ser feita
com muito cuidado, para dar a impressão de que nada
passou pelo lugar. Raramente é possível encontrar marcas
muito claras de um homem ou animal que se está
perseguindo. Encontram-se apenas indicações, mas elas é
que são a pista.
O riacho ficava a quase trinta metros, mas perto dele não
havia um só lugar onde um homem pudesse se esconder.
Por ali só havia rochas. Com o rifle bem perto da mão e o
cavalo mastigando grama por perto, eu cochilei durante
todo o dia. Quando a noite chegou, joguei mais gravetos no
fogo, juntei um pouco de água e café ao que Barnabas havia
deixado e limpei um pedaço de carne charqueada para
mastigar. Depois, deitei-me novamente.
Para falar a verdade, eu estava com medo. Não tinha
medo de nenhum homem nem de nenhum animal quando
podia ficar de pé e usar as duas mãos. Naquele momento,
porém, estava muito fraco e não podia usar a mão direita.
Mais tarde, comi alguma coisa e fiquei pensando. Não
podia ter certeza de que Barnabas Talon voltaria.
Naturalmente ele tinha essa intenção, mas precisavam dele
no rancho e a primeira obrigação era para com a mãe.
Talvez eu tivesse que me arranjar sozinho para não morrer.
Por isso comecei a pensar no que poderia fazer.
Minhas chances seriam muito poucas se os homens de
Flanner encontrassem a minha pista, e isso eles tentariam.
Apesar do que Talon tinha dito, não havia dúvidas de que
eles poderiam encontrar aquele lugar. Talvez fosse melhor
procurar outro, um lugar onde pudesse realmente me
esconder.
A necessidade de água me obrigava a ficar por perto do
riacho. Assim sendo, comecei a estudar as imediações.
Havia rochas caídas sobre o leito do riacho, galhos de
árvores mortas, montes de cascalho e entulho. Quando
terminei de comer o guisado que Barnabas havia deixado,
que aliás estava muito bom, bebi vários goles de água e me
senti bem melhor.
Apesar disso, continuava preocupado. Sentia fraqueza e
tinha o pressentimento de que o pior ainda estava por vir,
que ficaria tão mal que nem poderia me mover, talvez até
delirando. Já tinha visto homens baleados antes e sabia que
minhas chances seriam nulas se estivesse com febre e
começasse a chover. Além disso, nas montanhas chuva é
uma coisa que acontece quase todo dia.
Não encontrei nenhum lugar além daquele onde pudesse
ficar. Não havia cavernas, locais protegidos do vento, nada.
E se eu montasse o cavalo e tentasse chegar ao rancho?
Jamais conseguiria, é claro. Além disso, meu cavalo não
estava com a sela e eu não tinha como realizar a tarefa. No
entanto, tinha que haver uma saída. Juntando as coisas,
enrolei a cama, bebi o resto do café e me apoiei no rifle para
me erguer, deixando o peso do corpo sobre a perna que
estava boa. Com muito cuidado, centímetro por centímetro,
comecei a me movimentar. Eu sabia tudo sobre esconderijos
em árvores, arbustos e rochas, mas ali não havia nada que
pudesse me dar um abrigo seguro.
Apesar disso eu não queria desistir. Segui em frente,
vagarosamente, parando aqui e ali, encostando-me nas
árvores para descansar. Finalmente, ouvi alguma coisa.
Era o barulho de uma cachoeira.
CAPÍTULO 13
Em Talon olhou na direção do portão principal pelo
batente da porta. Nada à vista. Logan já devia ter retornado.
Tinha sido uma tolice sair daquele jeito, apesar de ela saber
como ele devia estar se sentindo. Também era partidária da
teoria de que a melhor defesa é o ataque.
O céu estava nublado e o ar parado. Nuvens pesadas
davam a impressão de chuva.
Ela foi de janela em janela, verificando os ferrolhos.
Pennywell tinha estado na varanda, vigiando, e agora
retornava.
— Ninguém, tia Em. Não apareceu ninguém.
— Ele devia estar de volta — disse a velha, como se
falasse sozinha.
Mas o que Logan tinha ido fazer? Ela sabia muito bem a
resposta, porque sentia vontade de fazer a mesma coisa. Ele
tinha ido atacá-los de frente, cabeça com cabeça, chifre com
chifre. Logan podia não ser o mais esperto dos Sacketts,
mas era extremamente corajoso e não atirava pelas costas.
Emily pensou na cidade e tentou imaginar aonde ele
poderia ter ido. E se estivesse ferido? Na certa, fugiria para
as montanhas. Procuraria despistar os perseguidores, como
uma codorna ferida, faria qualquer coisa para manter os
inimigos longe do ninho. Seria essa a reação instintiva de
um bicho selvagem.
Logan iria para as montanhas, procuraria um esconderijo
e esperaria a hora certa para voltar para casa... se é que ele
conseguiria chegar em casa.
Essa era a pior parte, já que ele podia estar retido nas
montanhas precisando desesperadamente de ajuda. O
problema seria encontrar uma pista que deveria começar a
ser seguida na cidade, em Siwash.
Pennywell não era boa nesse tipo de coisa. Além disso,
era vulnerável. Era jovem, bonita, e só arranjaria problemas
circulando por lugares onde podiam estar os homens de
Flanner.
Al? Emily hesitou. Ele podia ser bom para seguir uma
trilha, mas era novo no lugar. Além disso, aquilo exigia
mais do ,que apenas seguir os sinais deixados por um
fugitivo. Ela conhecia a região e sabia interpretar sinais
deixados no mato tão bem quanto qualquer Sackett. Aliás,
fazia isso melhor do que muitos deles.
Emily Talon tomou a decisão e começou a se aprontar.
O tempo também era muito importante. Ela precisava
deixar o rancho numa hora em que não fosse vista, escalar a
montanha e encontrar Logan. Foi isso o que Emily disse aos
outros, durante o café da manhã.
— Vou estar fora por um dia ou dois. Al, tome conta do
lugar e proteja Pennywell.
— Mas... a senhora não pode fazer isso! — protestou Al
Fulbric. — Já não é jovem e não é nada fácil subir aquelas
montanhas.
— E claro que não é fácil, e é por isso que gosto delas! .
Meu filho, nasci e me criei na montanha. Cresci correndo
pelas colinas. Eu preparava armadilhas por lá antes que a
sua mamãezinha o tivesse na barriga. Muitas vezes tive que
me esconder dos índios no mato e sei muito bem o que um
Sackett faz quando está fugindo. Nós não saímos
simplesmente correndo, como a maioria das pessoas, e por
isso sei o que Logan vai fazer. Podem deixar comigo. Basta
que você prepare aquele mulo...
— O mulo?
— Isso mesmo. Ele e eu já estivemos juntos em muitas
lutas e ainda podemos fazer muita coisa.
— A senhora é quem manda... Só que um mulo não é
muito ligeiro.
— Eu também não, mas conheço aquele mulo e sei que
ele me levará e me trará de volta. Na minha idade, isso o
que conta, rapaz.
— Sim, senhora. Isso é o que conta em qualquer idade.
Al saiu pela porta dos fundos e foi até o curral. Ainda
em dúvida, olhou para o mulo e o animal voltou a cabeça
para ele.
— Gostaria de não ter que fazer isso — justificou-se Al.
— E idéia da velha, não minha.
O mulo empinou as orelhas e Al balançou o laço na
mão. Ele já havia tentado laçar mulos antes e... Bem, não
era lá muito fácil. Eles pareciam ter a mania de dar coices.
AI Fulbric foi entrando no curral, balançando o laço e
estudando a situação.
Emily Talon falou por trás dele:
— Não vai precisar desse laço. Coley, venha cá!
Imediatamente o animal correu até onde ela estava. A
velha deu a ele uma cenoura e aproveitou para passar o
laço. Ai aproximou-se e segurou uma corda.
— Como foi que o chamou?
— Coley... E apelido, O nome mesmo é Coleus. Foi
dado por Talon, que gostava de ler os clássicos. Pelo que ele
disse, Coleus de Samos foi o primeiro grego a navegar todo
o Mediterrâneo e alcançar o Atlântico.
— Ora, ora! E o que ele queria dizer com isso?
— E que havia um outro povo, os fenicios... uns tais
aparentados com os filisteus da Bíblia. Bem, os fenícios
andavam para cima e para baixo no Mediterrâneo, que
consideravam uma propriedade privada deles.
— E como passou esse Coleus?
— Disse que tinha chegado ali empurrado por uma
tempestade, conseguiu atravessar o Portão de Hércules e
saiu no Atlântico. Em seguida, dirigiu-se a Tartessus e lá
encheu o navio de prata. Aquela viagem fez dele um
homem rico. Talon gostava dele porque tinha feito uma
coisa parecida. As pes soa
diziam que era loucura tentar começar um rancho num
lugar onde só havia índios. Por isso, Coley tem esse nome.
—Viva Coleus de Samos, então! — aplaudiu AI Fulbric.
— Um homem assim merece crédito.
Depois da viagem ele não precisava de crédito, porque
pagava tudo à vista. Seja como for, Coley e eu passamos
juntos uns bons pedaços. Ele é capaz de lutar contra
qualquer coisa que se movimente.
— Aquele mulo?
— Aquele mulo, sim, senhor. Aliás, acho bom você
tomar cuidado com os coices que ele sabe dar.
Em Talon pegou a sela e, antes que AI pudesse fazer um
gesto, jogou-a sobre o animal e começou a afivelá-la.
— Al, agora vá cuidar do seu serviço — ela
recomendou.
— Vou me escarranchar sobre esse animal, coisa que
uma mulher decente não costuma fazer, e não quero
nenhum homem por perto.
Al soltou uma praga, chutou o chão e voltou para a casa.
Emily montou e saiu em direção ao portão. Ele ainda se
voltou para olhar, inconformado. Quando entrou na
cozinha, Pennywell estava servindo café.
— Isso não está certo — ele falou, amuado. — Não está
certo, não. Eu é que deveria ter ido.
— Ela não deixaria. Há uma coisa que aprendi sobre Em
Talon, AI: não adianta discutir com ela. E uma mulher cheia
de imaginação, mas só dá atenção ao que ela mesma
imagina. Quando põe uma coisa na cabeça, dificilmente
muda de idéia.
Emily Talon não era mais jovem, mas a determinação
que havia naquele corpo esbelto não correspondia à idade.
De qualquer forma, não costumava pensar em termos de
anos. Isso não era tão estranho porque uma pessoa é o que
é, independentemente da idade. Tem gente de trinta anos
que parece ter sessenta. Outros param aos vinte e não
envelhecem mais. Em Talon era do segundo tipo.
Chegando perto de Siwash, ela parou e ficou olhando.
Um Sackett ferido e caçado certamente procuraria um lugar
alto. Ela sabia disso por experiência própria. Já estava
começando escurecer quando encontrou marcas de cascos.
Só que eram de dois cavalos, e não de um.
Surpresa, ela estudou novamente as pegadas. Uma tinha
que ser do potro de Logan... e o potro parecia estar sendo
puxado pelo outro cavaleiro.
Emily olhou em volta. Ninguém a observava e
aparentemente ninguém havia seguido os rastros, apesar de
ela ter certeza de que um verdadeiro inferno havia
acontecido naquela cidade. Examinando mais adiante,
encontrou os rastros de um grupo. Eram sete ou oito
cavaleiros e certamente procuravam pistas.
Como queria mais informações, Emily dirigiu-se à
cidade. Já estava escuro e dificilmente ela seria vista. Além
disso, sabia exatamente aonde ia.
Houve um tempo em que os homens se matavam por
causa de Dolores Arribas, mas os anos se passaram e agora
ela vivia em Siwash. Nas veias dela corria o sangue de
Andaluzia, mas também o sangue dos índios da América.
Dolores lavava as roupas dos gringos, mas não dava
atenção às gracinhas deles. Quase sempre andava sozinha
pela cidade.
Emily Talon sabia que, entre todas as pessoas de Siwash,
Dolores sabia do que havia acontecido e falaria de bom
grado. Quando a mula se aproximou, Em nem precisou
desmontar. Dolores estava sentada nos degraus da varanda,
observando as nuvens.
— Já é tarde para andar por aí a cavalo, Sra. Talon —
ela comentou, com um leve sotaque.
— Houve um tiroteio na cidade?
— Houve, sim. Dois homens foram mortos e dois estão
feridos. Acho que um deles vai morrer. Todos eram homens
de Flanner.
Ela disse aquilo com naturalidade, como se fosse a coisa
mais natural do mundo.
— E o que atirou neles?
— Foram dois. Um deles era Logan Sackett, mas Jim
Brewer foi morto pelo outro, um desconhecido com um
rifle, um homem alto, elegante.
— Logan foi ferido?
— Foi... ele ficou bastante ferido. Levou mais de um
tiro. O outro homem o levou embora.
— Preciso encontrá-los.
— Acha que é a única que quer isso? Flanner também
quer encontrá-los e mandou os homens atrás.
As duas ficaram em silêncio por algum tempo, até que
Dolores fez um convite.
— Quer tomar uma xícara de chá? Vai ter que percorrer
um longo caminho.
— E, eu sei. Aceito o chá, sim.
É Emily desmontou e entrou na casa com Dolores. Era
uma casa pequena, mas mesmo no escuro podia-se ver que
era asseada. As duas se sentaram e Dolores serviu o chá.
— Onde estão seus filhos?
— Bem que eu queria saber. Milo está por aí não se sabe
onde, mas Barnabas, esse está na Europa levando uma vida
de fantasia, pelo que ouvi falar. Sempre achei que era o que
ele queria, mas não entendia por que não me escrevia.
Depois entendi. Alguém mandou dizer a ele que eu havia
morrido e que o rancho estava em ruínas.
— Ele faria isso, sim. E bem o jeito dele.
— Flanner?
— E claro. Assim, eles não teriam que voltar. Quem
pode se interessar por alguma coisa em Siwash? Ninguém, a
não ser aqueles como eu, que não têm dinheiro para nada.
As duas ficaram em silêncio por um instante, até que
Emily se pronunciou:
— Se for por causa de dinheiro...
— Eu ganho meu próprio dinheiro.
— Eu sei, eu sei, e sei que sempre será assim. Apenas
achei que, se um empréstimo pudesse ajudá-la a sair daqui,
eu poderia arranjar.
— Gracias, mas acho que não. Prefiro esperar. Logo
terei o bastante e então partirei. Pelo menos, a senhora
nunca foi dos que tentaram me forçar a ir.
— Não, eu não... nem Talon — disse Emily, hesitante.
— A questão é que você era muito bonita e as mulheres
tinham medo de perder os maridos.
— Eu não os queria — declarou Dolores, olhando para
Emily na semi-escuridão. — A senhora teve esse medo?
— De Talon? Não... Ele sempre quis apenas uma
mulher, uma que fosse só dele.
— Tem razão, mas quanto ao seu filho?
— Milo? Está querendo dizer que você e Milo...
— Milo não.
— Barnabas? Nunca pensei que ele fosse um
mulherengo.
— Ele era um homem bom, fino. Eu gostava dele. Era
um cavalheiro.
— Obrigada — agradeceu Em, levantando-se. —
Preciso estar nas montanhas quando o dia amanhecer.
— Tome cuidado. Jake Flanner não vai se importar com
o fato de que a senhora é uma mulher. Os homens dele
também não se importarão... São todos uma escória.
— Conheço o tal Len Spivey.
— Não se preocupe com esse, porque Logan o matou.
Foi o primeiro.
Emily saiu e foi até onde estava o mulo. Dolores Arribas
ficou à porta.
— Sra. Talon, eu não pude ver, mas pelo que ouvi dizer
juraria que foi Barnabas quem estava ao lado de Logan no
tiroteio.
— Barnabas? — repetiu Emily, incrédula.
— Ele chegou bem na hora, ou Sackett estaria morto.
Brewer e o próprio Jake Flanner já se preparavam para
descarregar as armas sobre o homem ferido.
— Barnabas levou Logan?
— Levou, sim. Antes disso, derrubou Brewer e teria
feito o mesmo com Flanner se ele não fugisse. Tome
cuidado, Sra. Talon. Como sabe, Jake Flanner quer a
senhora.
Emily Talon montou e saiu em direção às montanhas.
Barnabas estava de volta. O filho dela estava em casa.

CAPÍTULO 14
Em Talon era uma mulher que sabia refletir e agora ela
pensava em Barnabas e na difícil situação em que ele se
encontrava. Barnabas tinha ido para a montanha com um
homem ferido. Certamente precisava de refúgio e de
medicamentos para Logan. Só podia ter isso no MT. Se os
dois tentassem fazer o percurso que separava Siwash do
rancho, porém, seria o mesmo que fazer um convite à
morte.
Conseqüentemente, deviam ter ido para a montanha.
Talvez naquele momento estivessem perdidos, já que
Barnabas não conhecia aquelas trilhas tão bem quanto Milo
e Logan não devia estar em condições de mostrar o
caminho. Aparentemente, Barnabas havia saído do tiroteio
sem ferimentos, mas também não podia haver certeza
quanto a isso.
Emily conhecia muito bem aquela região, já que
costumava sair para caçar com Talon por ali. Sabia de
trilhas em lugares aparentemente inacessíveis, e conhecia os
caminhos que os búfalos usavam para chegar às altas
campinas.
Uma vez, quando Barnabas tinha apenas dez anos,
Emily o tinha levado numa caçada e mostrou os pinheiros
na escarpa da montanha que marcavam o início do caminho
para o alto. Era assim que ele devia se lembrar daquela
trilha, já que a primeira vez sempre fica marcada na cabeça
da pessoa. O mulo também tinha boa memória e sabia para
onde deveria ir.
Nem tudo estava igual a antes, é claro. O mato estava
mais crescido em alguns lugares, completamente
intransponível em outros, e os álamos novos eram agora
árvores altas. Apesar disso, a trilha continuava lá. Quando
estava bem no interior da floresta, Emily desmontou e
examinou cuidadosamente o chão. Dois cavalos haviam
passado por ali, um bem perto do outro, e o segundo parecia
estar sendo conduzido.
Emily não se preocupou com o mulo, porque ele sabia
muito bem por onde deveria ir. Depois de algum tempo,
achando que não adiantava continuar sem poder ver as
marcas no chão, ela parou num lugar que conhecia por já ter
pernoitado ali antes. Desmontando, tirou os arreios do
animal, espichou o cobertor no chão e se deitou.
Durante um bom tempo ficou olhando as estrelas através
das árvores, tentando relaxar os músculos para trazer o
sono. Finalmente adormeceu.
Quando acordou, ficou parada onde estava, deliciando-
se com a fraca luz do alvorecer. O ar estava úmido e ela se
surpreendeu ao constatar que a fraca chuva que havia caído
à noite não chegara a perturbá-la.
Levantando-se vagarosamente, Emily levou o animal até
um riacho ali perto, deixou que ele bebesse e pegou um
pouco de água para o chá. Em seguida, acendeu o fogo,
comeu alguma coisa e tomou uma caneca de chá.
Enquanto selava o animal, escutou atentamente mas não
ouviu nada. Esperava mesmo que fosse assim. Se houvesse
perseguidores, àquela altura eles estavam tomando café e
conversando sobre o que tinham feito no dia anterior. Isso
daria a ela uma boa hora de vantagem.
Agora ela se movimentava com muito cuidado,
estudando a trilha. Estava indo bem, observando as marcas
à frente e ao lado do animal: uma pegada aqui, uma folha
amassada ali, mais adiante a marca deixada pela borda de
um sapato.
Eles haviam seguido devagar. Obviamente, Barnabas
tinha estado procurando um lugar para parar. Emily chegou
ao local onde eles haviam pernoitado quando o sol ia a meia
altura, mais ou menos ao nível da copa das árvores. Viu o
lugar onde os cavalos haviam comido a grama e as flores
silvestres amassadas no local onde os dois homens haviam
dormido. Um dos cavaleiros havia partido, deixando
o outro ali. Barnabas devia ter rumado para o MT, o que
representava um percurso longo e difícil, a menos que a
pessoa conhecesse muito bem as trilhas. Mas onde estava
Logan Sackett?
Ele devia estar muito ferido, e um homem nessas
condições e sob perseguição tinha que encontrar um lugar
para se esconder. Não poderia ficar à vista, precisaria de
água e de um lugar para o cavalo. Em Talon explorou o
lugar, observando cada canto que pudesse servir para um
abrigo assim. Havia muitas possibilidades, mas ela não
encontrou nada. Logan Sackett havia simplesmente
desaparecido.
Será que ele havia seguido Barnabas? Era possível. Em
todo caso, havia uma coisa que Emily podia fazer. Podia
espalhar pistas desencontradas para que os perseguidores
achassem que Logan não estava mais por ali, e Emily tinha
certeza de que ele estava..
Aquela depressão do terreno eliminava qualquer
possibilidade de passagem em pelo menos três lados. A pé
ou a cavalo, a pessoa teria forçosamente que descer a
montanha. Montando novamente, Emily seguiu na direção
do despenhadeiro.
Finos álamos guarneciam os dois lados da trilha, com
suas pálidas folhas verdes tremulando levemente ao vento.
Em virtude de alguma singularidade do clima ou dos
ventos, aquelas árvores eram mais altas do que costumam
ser os álamos. O bosque estava cheio de troncos de árvores
caídos, conseqüência de algum deslizamento de terra ou de
neve. Subitamente ela ouviu o barulho dos cavalos.
O som vinha lá de trás, da trilha que ela havia seguido
para chegar ao local onde os dois tinham acampado.
Momentos mais tarde eles surgiram à vista. Eram oito
homens e, pelo aspecto, todos pistoleiros. Quem estava no
comando era Chowse Dillon, um homem que às vezes era
vaqueiro, às vezes pistoleiro, mas sempre estava criando
casos. Em linha reta, eles estavam a não mais de cem
metros de Emily, num local bem mais baixo da escarpada
colina. Pela trilha, porém, único caminho possível para
seguir em frente, estavam bem distantes.
Emily apontou o rifle e disparou uma bala no chão, bem
na frente do cavalo de Dillon. Quase todos aqueles homens
montavam cavalos bravios, e era com isso que ela contava,
O súbito disparo ecoou nas rochas e isso foi o bastante.
O cavalo de Dillon empinou, virou-se para um lado e
bateu no que vinha atrás. No mesmo instante todos os
cavalos começaram a empinar e saltar na estreita trilha. Um
deles caiu no barranco, rolando com cavaleiro e tudo pelo
meio das árvores e dos troncos caídos.
Dois homens sacaram o revólver e dispararam na
direção de onde ela estava. No entanto, atiravam às cegas e
não acertaram nada. O tiroteio só aumentou a confusão.
Calmamente, Emily Talon continuou pela trilha que vinha
seguindo, deixando a eles a difícil tarefa de acalmar os
cavalos.
A trilha não tinha mais que um metro de largura. Se
alguém se postasse ali com um rifle e a intenção de impedir
a passagem, dificilmente apareceria quem estivesse disposto
a desafiá-lo.
Emily mal havia percorrido um quarto de milha da
sinuosa trilha desde o local onde Logan havia pernoitado
quando encontrou a primeira pista. Era a marca de uma
bota, e ainda estava fresca! Ela escutou atentamente, para
ver se ouvia o barulho dos.cavalos daqueles homens, mas
ouviu apenas o som de uma cascata ali perto.
Emily Talon não gostou do lugar. Não gostava de
nenhum lugar onde não pudesse usar plenamente os
ouvidos. Ela queria ouvir.., precisava ouvir.
A cachoeira tinha cerca de dois metros de largura, uma
estreita lâmina de água, a não ser lá embaixo, onde caia no
meio de umas pedras. Ali, formando um lençol de espuma,
transformava-se em pequenas corredeiras que desciam a
montanha.
No alto da cascata as árvores se debruçavam sobre o
riacho e lá embaixo havia troncos caídos. Alguns deles
tinham grossas raízes, formando um verdadeiro labirinto.
Emily Talon considerou a situação. Lá atrás vinham
vários homens de Jake Flanner, e adiante ia Barnabas, o
filho que ela não via há anos e que voltava para casa, ou
tentava voltar. Nem Pennywell nem Ai o conheciam e
podiam até recebê-lo a bala.
Emily concluiu que só havia uma coisa a fazer. Ela devia
sair daquela montanha e voltar para o MT. Se Logan
continuava por ali, devia estar bem escondido e seria
demorado encontrá-lo. Ela ainda ficou em dúvida por um
minuto, mas o mulo tomou a decisão e começou a descer.
Naquele momento Emily não estava a mais de cinqüenta
metros de Logan Sackett, que olhava para ela e tentava
chamá-la. No entanto ele estava muito debilitado e os fracos
chamados que emitia não conseguiam se sobrepor ao
barulho da cachoeira. Emily Talon foi embora.
CAPÍTULO 15
Lá estava eu, tão fraco que mal conseguia me arrastar,
vendo aquela mulher lá em cima que olhava na minha
direção. Ela olhava praticamente dentro dos meus olhos mas
não podia me ver, porque eu estava por trás da cachoeira.
Tentei gritar, mas o som que saiu foi muito fraco e ela não
ouviu.
E claro que Emily procurava por mim, e no estado em
que me encontrava o que mais eu queria era ser visto. No
entanto, ela voltou o rosto em direção à trilha que havia
percorrido e aquilo me fez pensar. Pouco tempo antes eu
estava dormindo e fui acordado por um estampido. Podia ter
sido um tiro, apesar de por trás daquela cachoeira mesmo o
som de um tiro chegar abafado. O jeito como ela olhava
para trás me deixou preocupado.
Minha intenção tinha sido não deixar pistas, mas talvez
tenha exagerado. Agora, todas as chances eram que
morresse ali e ninguém me encontraria ou ficaria sabendo o
que havia acontecido. Bem, não seria a primeira vez que
acontecia algo assim no oeste. Muitos homens acabavam
seus dias em lugares de difícil acesso e jamais eram
encontrados. As vezes um homem estava sujeito a
dificuldades que nada tinham a ver com revólveres ou
índios ou coisas assim.
Um homem podia cair do cavalo e morrer de sede,
afogar- se ao nadar num rio, ser apanhado por uma
inundação, cair num precipício, ser mordido por um gambá
hidrófobo ou mesmo se ferir seriamente com um machado.
Muitos passam vários dias sozinhos, viajando, ou têm
trabalho que os obriga a isso. Se sofrem um acidente sério,
pode ser o fim para eles.
Eu sabia de três homens que haviam amputado a própria
perna, e de muitos outros que haviam decepado dedos da
mão. Não havia assistência médica como a que se costuma
ter numa guerra e um homem tinha que se arranjar sozinho.
O lugar onde eu estava não era muito raro de encontrar.
Quando uma cascata cai de certa altura, é natural que bata lá
embaixo e resvale para os lados. Num desses lados está a
parede de rocha. Com o passar do tempo, a constância da
água vai corroendo a rocha. A velocidade com que isso
acontece depende tanto da força da água como da
resistência da pedra. Seja como for, há sempre uma
reentrância por trás da queda-d’água.
Era num lugar assim que eu estava escondido, e não
tinha sido fácil chegar lá. Precisei me movimentar dentro da
água, que felizmente era rasa. O difícil era encontrar o
caminho no meio daquele labirinto de pedras e troncos de
árvores caídos, além de eu ter que puxar o cavalo pela
rédea.
Por trás da cachoeira, encontrei um lugar onde a água
não batia e fiquei ali. O cavalo não pareceu ter gostado
muito, mas acabou se conformando. Eu estava realmente
em péssimo estado. Tinha febre e sentia a boca seca.
Quando vi tia Em, tentei chamá-la mas ela não ouviu nada e
foi embora. Eu ainda olhava para lá quando os primeiros
cavaleiros apareceram. Eram oito, movimentando-se
cautelosamente. Apenas um deles olhou na direção da
cachoeira, mas sem demonstrar muito interesse.
Quando a noite chegou eu só ouvia o barulho da
cachoeira. A febre havia aumentado e eu estava com a boca
seca e os lábios rachados. Queria desesperadamente beber
água, mas não tinha ânimo para sair do cobertor em que
havia me enrolado. Provavelmente me deixaria ficar ali para
sempre, mas pensei no cavalo e comecei a me mover.
Precisava soltar aquele cavalo. Ele havia bebido água, mas
há horas não comia nada. Eu podia muito bem morrer ali e
deixá-lo amarrado.
Saindo de onde estava, fui até a água e bebi um bom
bocado. Depois, arrastei-me até o cavalo e soltei a rédea.
— Vá embora, rapaz — eu falei, com voz fraca. — Vá
para casa.
Por estranho que pudesse parecer, o bicho não se moveu
do lugar. Ficou parado onde estava até que eu o fiz virar-se
para o lado da trilha e dei um tapa no traseiro dele. Ainda
assim ele se demorou, mas acabou indo.
Depois que o cavalo partiu, eu me arrastei de volta ao
meu leito e perdi a noção de tudo. Abri os olhos à primeira
luz da manhã e percebi que precisava fazer alguma coisa.
Precisava também tomar cuidado com os movimentos que
fizesse, para não desperdiçar as forças que ainda me
restavam. A primeira coisa seria acender um fogo. Depois,
esquentaria água, lavaria minhas feridas e faria café. Havia
pouca coisa no alforje com que eu ficara, mas devia ajudar.
Não havia um só pedaço de madeira seca por trás
daquela cachoeira. Felizmente, encontrei o que tinha sido
um ninho de passarinho e agora era um amontoado de
gravetos secos. Assim, pude acender o fogo. Isso foi bom,
porque me trouxe um pouco de ânimo.
Em seguida, peguei no alforje uma caneca que me
acompanhava há anos. Pus água na caneca, juntei um pouco
de café e deixei que fervesse. Quando o café ficou pronto,
fui bebendo aos pouquinhos para não machucar os lábios. O
café estava bom e serviu para me animar. Depois de
esvaziar a caneca, coloquei mais água no fogo e passei a
cuidar dos ferimentos.
Havia perdido muito sangue e agora precisava fazer
aiguma coisa para que aquelas feridas não infeccionassem.
Depois de limpar os ferimentos e cobri-los, voltei a me
deitar e dormi.
Quando acordei, estava me sentindo melhor. O que me
preocupava era Emily Talon. Tinha medo -de que ela não
conseguisse chegar ao rancho em segurança. Havia também
a possibilidade de aqueles oito homens seguirem em sentido
contrário às pegadas do meu cavalo.
Quando o animal chegasse sozinho ao rancho, todos
pensariam que estava morto. Barnabas sabia onde havia me
deixado, mas Emily tinha estado no lugar sem encontrar
nada.
Verifiquei as minhas armas e me preparei para o que
pudesse acontecer, se é que aconteceria alguma coisa. Só
havia uma certeza: se não recebesse ajuda, eu estaria
perdido.
O tempo estava frio e úmido. Por algum tempo, fiquei
deitado onde estava, pensando, escutando. Minha boca
estava seca e eu me sentia quente e cansado. Apesar de estar
melhor do que na noite anterior, não tinha disposição nem
para acender o fogo. Apenas me deixei ficar onde estava,
pensando se conseguiria sair dali com vida. Pelo menos
naquele momento, não apostaria muito nisso.
Logo eu estava cochilando novamente. Quando acordei,
continuava com febre e com a boca seca. Aproveitei os
restos o fogo e acendi outro. Em seguida fiz café. Foi bom
engolir alguma coisa quente.
Aquela altura, todos deviam pensar que eu estava morto.
Imaginava estar escondido ali há dois dias e duas noites, tal;
Vez mais. Precisava sair logo. Precisava do sol, do ar e de
arranjar alguma comida. Sem o cavalo, seria difícil chegar a
algum lugar, mas eu podia muito bem tentar. Se ia morrer,
queria que fosse ao ar livre e à sombra de uma árvore.
Levou algum tempo, mas consegui enrolar o cobertor,
juntar as coisas e me arrastar até a saída. Quando saí à luz
do sol, pensei que tudo estava errado. Ainda era manhã, mas
eu havia pensado que já passava do meio-dia. Já não tinha
noção do tempo e podia estar ali há dois dias, três... Pela
fome que sentia, podia ser uma semana.
Finalmente cheguei à trilha. Segurando nos galhos
baixos das árvores, saí andando devagar, tomando cuidado
para não abrir as feridas. Não podia ter pressa e apenas
continuei andando. Não fazia idéia de para onde estava
indo, mas queria chegar a algum lugar onde pudesse
encontrar alguma comida.
Às vezes parava para descansar, mas no espaço de uma
hora consegui percorrer quase um quilômetro. O rio ficava à
minha esquerda e pela direita havia um riacho que
desaguava nele. Eu parei, sentei-me no chão e bebi todo o
conteúdo do meu cantil. Depois, fui até o riacho e enchi-o
novamente.
A certa altura, vi um cervo lá longe. As vezes, patos
selvagens levantavam vôo. Roedores havia por todos os
cantos, é claro, vivendo entre as pedras. Depois de algum
tempo eu não podia mais seguir adiante. Fui para o meio
das árvores e encontrei uma clareira onde pude me deitar ao
sol. Depois de descansar por um bom tempo, levantei-me e
voltei à trilha, seguindo vagarosamente. Pouco a pouco, fui
margeando a montanha em direção às altas colinas que
ficavam por trás do rancho.
Finalmente cheguei a um local de onde podia ver uma
vasta campina. Com muito cuidado, desci a encosta do
morro. Havia um bosque de álamos e eu me sentei num
tronco caído, perto das árvores. Estava exausto. Meu ombro
doía muito e me dominava uma fraqueza como jamais eu
havia sentido. Precisava de um lugar onde pudesse
descansar em segurança, mas não tinha ânimo para procurá-
lo. Por isso, fiquei ali sentado. Depois de um bom tempo,
levantei-me do tronco e comecei a juntar os gravetos para
acender o fogo.
Deixando o rifle encostado a uma árvore, comecei a
cortar os galhos verdes para preparar uma cama. O revólver
pesava na minha perna ferida. Por isso, tirei o cinto e
pendurei- o num galho baixo. Em seguida, continuei a
cortar os galhos verdes. Quando já tinha o suficiente, deixei
todo o peso do corpo sobre o joelho são e comecei a
preparar a cama. Respirava com dificuldade e estava meio
tonto. Quando comecei a me levantar, ouvi pisadas na relva.
Antes que pudesse me voltar, alguma coisa me golpeou.
Enquanto caía eu levei a mão ao revólver, mas ele não
estava lá. Vi as’ pernas de vários cavalos que me cercaram
e, mesmo atordoado, tentei me levantar.
— Bata nele — disse a voz de Jake Flanner. — Faça o
serviço completo.
Algo me golpeou novamente e desta vez eu caí pesada-
mente no chão. Eles continuaram a bater, só que agora eu já
não sentia dor, apenas raiva pela brutalidade dos golpes.
Alguém me chutou no ombro e o sangue correu da ferida
novamente aberta. Finalmente desmaiei.
Foi a chuva que me trouxe de novo a consciência. Eu
sentia dores pelo corpo todo, mas não fiz nenhum
movimento. Apenas fiquei lá, imóvel, enquanto a chuva me
encharcava. Depois de algum tempo, desmaiei de novo.
Eles acreditavam que desta vez haviam conseguido me
matar. Foi esse o meu primeiro pensamento. Talvez eles
estivessem certos. Talvez eu estivesse realmente morto e
aquilo ali fosse o inferno.
Eu estava molhado, encharcado. Já não era noite, O dia
ia amanhecendo, apesar de não aparecer o sol. Aos poucos
fui me lembrando do que havia acontecido. Eles haviam
atirado em mim enquanto eu estava no chão. Eu me
lembrava dos estampidos e da dor que havia sentido.
Tinham atirado pelo menos três vezes... Era engraçado eu
me lembrar daquilo.
Se isso realmente havia acontecido, como eu podia estar
vivo? Como podia pensar e sentir? E eu sentia, sim. Sentia
dor, fraqueza, sentia que ficaria caído ali até morrer. Abri os
olhos e fiquei olhando as folhas verdes, os troncos
molhados das árvores.
A despeito do que eles houvessem feito ou tentado fazer
comigo, eu estava vivo. Sabia o que estava acontecendo
comigo e um homem capaz de sentir é um homem capaz de
lutar. Não pretendia morrer ali como um cachorro sem fazer
nada para impedir isso. Jake Flanner tinha ido atrás de mim
pessoalmente. Estava com uma numerosa escolta, mas tinha
ido. Agora eu iria atrás dele. Não tinha idéia do que havia
acontecido no Rancho MT, mas agora isso não fazia muita
diferença. Eu era um animal em luta pela sobrevivência.
Com muito esforço consegui enfiar uma das mãos por
baixo do corpo. Estava muito ferido num dos lados e me
virei para o outro, com cuidado. Quando me sentei, percebi
que minha camisa estava grudada ao corpo no local do
primeiro ferimento a bala. Golpeado novamente, o
ferimento abriu e voltou a sangrar. Então, eu havia perdido
mais sangue. Bem, não era a primeira vez.
Alcançando uma vara ali perto, apoiei-me nela e me pus
de pé. A essa altura já havia clareado bastante e eu pude ver
o que tinham feito comigo. Realmente, tinha sido um bom
trabalho. Minha camisa estava toda suja de sangue na
frente. No lado esquerdo havia um buraco de bala que, por
sorte, me atingira de raspão no torso, sem perfurar o
pulmão. Havia também um ferimento superficial de bala no
alto do ombro. Pelo corpo todo se espalhava hematomas,
que doíam ao simples toque. Na cabeça eu tinha um corte
de tamanho médio e alguns galos.
Talvez eles houvessem procurado pelas minhas armas,
mas não as encontraram, porque elas estavam lá. O rifle,
que eu havia deixado encostado a uma árvore, estava agora
caído no chão, todo molhado. A cartucheira com o revólver
continuava pendurada num galho baixo.
Minha cabeça latejava como um tambor, meu estômago
estava vazio e eu estava muito fraco. No entanto, queimava
uma raiva em mim como jamais eu havia sentido antes.
Havia galhos secos de árvore por ali e eu cortei um deles, de
forma a usá-lo como muleta para o lado da perna ferida. Em
seguida, com a cartucheira na cintura e a Winchester na
mão boa, comecei a seguir o rastro dos cavaleiros.
Era fácil ver para onde tinham ido. Os rastros dirigiam-
se ao MT e certamente eles iam para uma matança. Haviam
me machucado bastante, mas eu ainda era capaz de segui-
los. Eu devia estar parecendo uma coisa do outro mundo.
Como nunca tinha ouvido elogios à minha beleza, porém,
segui em frente. Só sabia que estava com sede de sangue.
Aqui e ali eu me sentava e descansava um pouco,
recobrando as forças para continuar a viagem.
Por volta do meio-dia, pude ver pelas marcas que estava
chegando perto deles. Haviam parado para descansar,
porque não conheciam o caminho ou por qualquer outro
motivo. Assim sendo, pude me aproximar.
Quando fui chegando às campinas por trás do rancho,
esperava ouvir tiroteio. No entanto, estava tudo em silêncio
e aquilo me preocupou. Não queria que eles matassem Em
Talon, que era o que tinham em mente. Se isso houvesse
acontecido, eles certamente não teriam tido a compaixão de
deixar viva a garota que eu levara para lá em busca de
segurança.
A muleta machucava minha axila, mas eu precisava
seguir em frente. Quando contornei as pedras por trás do
rancho, ainda não ouvia nada. Podia ver os cavalos no
curral e o meu estava lá. É, ele havia encontrado o caminho
de casa. O cavalo de Barnabas também estava lá. Ele
igualmente havia conseguido chegar em casa... ou pelo
menos o cavalo.
Estava tudo muito calmo e os cavalos circulavam
tranqüilamente pelo curral. Não estava ali nenhum cavalo
que não devesse estar.
Eu não conseguia entender.
O certo seria Jake Flanner ter chegado ali com seus
homens e atacado o rancho. Naquele exato momento tinha
que estar acontecendo um tiroteio... Ou será que Jake
Flanner já havia terminado? Nesse caso, onde estavam os
cavalos deles?
A tarde já ia pela metade e tinha que haver algum
movimento ali. Havia quatro pessoas na casa. Pelo menos
uma delas devia dar sinal de vida. No entanto, ninguém se
mostrava.
Fiquei quieto atrás de uma moita, observando. Como eu,
talvez Flanner e seu bando estivessem por ali, escondidos,
esperando que alguém fizesse o primeiro movimento.
Então vi uma coisa que não fazia sentido. Nos degraus
de trás da casa havia uma mancha escura que não podia ser
uma sombra. Se fosse água da chuva, já teria evaporado.
Água evaporaria, mas sangue não.
Aquilo lá era uma mancha de sangue.
Os ferimentos latejavam muito e todo o meu corpo doía.
No entanto, precisava saber o que havia acontecido.
Cautelosamente, saí de trás da moita e segui para lá. As
vezes olhava para trás, porque precisava tomar todos os
cuidados. Por via das dúvidas, mantinha a Winchester de
prontidão. Nada se movia.
Será que estavam todos mortos? Não era provável.
Talvez os homens estivessem agora lá dentro, fazendo
maldades com tia Em e com os demais. Aquele pensamento
me deixou horrorizado e eu quis chegar logo lá. E se eles
estivessem quietos deliberadamente, esperando a minha
chegada?
Não, não podia ser. Acreditavam ter-me deixado morto,
ou não teriam me deixado lá.
Por quem esperavam, então?
E se tudo o que eu estava pensando estivesse errado?
Enquanto eu esperava, alguém lá dentro podia estar
morrendo, alguém que precisava desesperadamente de mim.

CAPÍTULO 16
O cavalo preto com uma mancha branca na anca direita
tinha o passo elegante e refinado de um dançarino. Os
quilômetros já percorridos não pareciam diminuir em nada
o ânimo do animal e ele seguia em frente, com a cabeça
erguida.
O cavaleiro ia aprumado na sela, segurando frouxamente
a rédea. Era um rapaz moreno e belo com um sorriso
matreiro que contrastava com a frieza dos olhos.
Algumas coisas haviam mudado. Mesmo de longe ele
podia ver que Siwash havia crescido um pouco. Apesar da
aparente calma, o rapaz lançou um olhar cauteloso em volta.
Na certa, pouca gente o reconheceria... Muitos anos já se
haviam passado.
Como teria Logan Sackett chegado àquele lugar? Bem,
ele não tinha destino certo e podia ir a qualquer lugar. O que
o rapaz achava estranho era ele e Logan, que tinham sido
amigos, serem também parentes. Ele sempre tinha pensado
na mãe Emily como a Sra. Talon. Sem querer, havia
esquecido que ela era também uma Sackett.
O recado dizia para evitar Siwash e ir direto para o
rancho, mas se o perigo estava em Siwash o melhor seria
resolver de uma vez.
Um pouco antes da entrada da cidade, ele desmontou e
limpou cuidadosamente a poeira das roupas. Arrumou os
cabelos com os dedos e limpou também o chapéu. Depois
disso, voltou a montar e seguiu para Siwash.
Muitas pessoas o viram entrando na cidade e uma delas
foi Dolores Arribas. Outra foi Con Wellington. Dolores não
precisou olhar mais de uma vez para reconhecê-lo. Con
olhou uma vez, voltou a olhar, soltou um palavrão e riu.
Primeiro Logan Sackett, agora Milo Talon. Bem, talvez
logo ele voltasse a tomar posse dos negócios que perdera.
Logan estava muito ferido, talvez até morto, como se dizia,
mas havia também aquele rapaz magro que manejava um
rifle como ninguém e que o levou para longe. Agora,
chegava Milo.
Jake Flanner devia ter deixado o Rancho MT em paz.
Johannes Duckett viu quando Milo Talon chegou, passou
pela estrebaria e foi amarrar o cavalo. Duckett olhou
longamente para aquele cavalo. Nenhum vaqueiro poderia
ser dono de um animal como aquele. Mesmo numa região
de bons cavalos como aquela, o do recém-chegado era um
animal de muito valor.
O cavaleiro entrou no saloon abrindo a porta com a mão
esquerda. Johannes conhecia a maioria dos homens que
circulavam pela Trilha dos Fora-da-Lei e ficou pensativo.
Quem seria aquele homem? E por que ele estaria ali? Podia
ser alguém convocado por Jake, que já havia contratado
muita gente de fora. O fato de ele ter ido direto ao saloon
sem levar o cavalo à estrebaria poderia significar alguma
coisa. Por via das dúvidas, Johannes Duckett pegou o rifle e
atravessou a rua em direção ao saloon. Entrou e se dirigiu
ao bar, deixando o forasteiro à sua esquerda. Na mão direita
ele segurava o rifle. Johannes Duckett tinha mãos grandes e
fortes e podia segurar um rifle com tanta facilidade quanto
um revólver.
Milo Talon recostou-se no balcão do bar.
— Uísque — ele pediu, gentilmente. — Um uísque
honesto, de uma boa garrafa.
O barman foi pegar uma garrafa na parte de baixo do
balcão.
— Pois não, moço, um bom uísque. Realmente, não
existe bebida melhor.
Ele serviu o uísque e esperou que Milo experimentasse,
antes de fazer a pergunta:
— Está de passagem?
— E, estou de passagem — respondeu Milo,
polidamente. — Vou para Brown’s Hole.
— Conheço o lugar — disse o barman, pensativo. —
Por essa época não acontece muita coisa por lá. O pessoal
se recolhe para passar o inverno.
— Pode ser que eu faça a mesma coisa — respondeu
Milo, bebendo mais um gole de uísque e apontando para
uma das mesas. — O que tiver de comida, leve para mim
ali. O que tiver de melhor.
— Pois não... — disse o barman, hesitante. — Bem...
quando não conheço o freguês, o patrão recomenda que eu
receba adiantado.
— E ele está muito certo — proclamou Milo, apontando
novamente para a mesa. — Sirva logo que puder, que estou
com muita fome.
Em seguida ele foi até um canto onde havia um barril
com água, sabão e uma toalha. Ali, lavou cuidadosamente
as mãos e o rosto. Quando retornou, o rapaz estava pondo a
comida na mesa.
Milo sentou-se e olhou rapidamente para o homem
encostado no bar com um rifle na mão. Aquele ainda não
havia pedido nada para beber. Apenas estava ali,
aparentemente olhando para lugar nenhum.
A porta se abriu e dois homens empoeirados entraram,
dirigindo-se ao bar.
— O patrão quer que você prepare comida para ele. Faça
o suficiente para dois dias.
— Está bem — disse o barman, olhando para Milo, que
comia calmamente, sem demonstrar interesse naquilo.
Milo ergueu a cabeça para o grupo.
— E melhor preparar comida para uma semana — ele
recomendou, num tom amigável. — Quando um homem
está viajando, acaba desperdiçando comida. Assim, é
melhor sobrar do que faltar.
Fez-se silêncio por alguns instantes e todos se voltaram
para ele.
— Mas o que é isso? — perguntou Chowse Dillon,
finalmente. — Quem pediu a sua opinião?
Milo Talon sorriu.
— Estou apenas dando um conselho, e de graça. Quando
um homem inicia uma longa viagem, é melhor se prevenir.
Sempre ouvi dizer que Jake Flanner gosta das boas
coisas da vida. Prepare uma comidinha boa, moço, e faça
também alguma coisa para os rapazes aí.
— Está querendo ser engraçado, moço?
Milo sorriu novamente.
— Não. E que numa viagem longa...
— Ninguém falou nada sobre viagem longa! — rebateu
Dillon, irritado.
— Fui eu que falei — respondeu Milo, pondo
calmamente a xícara de café sobre a mesa. — Estou
mandando um recado para o Sr. Jake Flanner, e espero que
sirva para quem mais possa se interessar.
Depois daquilo, ninguém soube muito bem o que fazer.
Dillon estava enraivecido mas não quis assumir a iniciativa.
Havia um jeito estranho naquele forasteiro...
— Não sei o que está querendo, moço — disse Dillon.
— Está falando um bocado, mas sem dizer muita coisa.
— Então vou ser bem claro — prontificou-se Milo,
calmamente. — Vocês estão criando problemas para o
Rancho MT, e isso é muito feio. Agora a brincadeira
acabou. Vocês que trabalham para o Sr. Flanner devem
arrastar o esqueleto daqui.
Houve um momento de silêncio. Duckett ficou olhando
para o copo que tinha à frente, sem dizer nada. Dillon estava
atônito com a calma do forasteiro. Aquilo o assustava. Ele
não gostava nada de uma porção de coisas que estavam
acontecendo. Primeiro havia aparecido aquele estranho para
salvar Logan Sackett e levá-lo embora. Agora chegava
aquele outro. Quantos mais apareceriam? Ao contratá-lo,
Jake Flanner tinha dito que seria um trabalho fácil...
Nenhum problema, nada além de uma velhinha.
— Acho que está indo longe demais, moço — voltou a
falar Dillon. — Quem pensa que é, afinal?
— Sou Milo Talon. Emily é minha mãe e vocês estão
criando problemas para ela.
Chowse Dillon ficou preocupado. Ele não era nenhum
pistoleiro, apesar de ter participado de uma meia dúzia de
tiroteios, quase sempre para expulsar posseiros. Agora, a
coisa parecia ser mais séria.
— Você é apenas um — disse Dillon, querendo ver se
Milo não estava blefando. — Ainda há muitas cartas no
baralho.
Milo sorriu, seguro de si.
— Isso não faz diferença porque todos os ases estão na
minha mão. Não vim aqui para perder e lembre-se de que
fui eu que comecei o jogo. E claro, rapazes, que vocês
podem papara ver minhas cartas. As fichas serão balas...
quarenta e cinco, para ser mais exato.
Os outros permaneceram em silêncio e ele continuou:
— Estou apostando, rapazes, que posso sacar só um
pouquinho mais depressa que vocês. Sem querer me gabar,
digo que nunca errei um tiro de uma distância como essa.
O barman estava na linha de fogo, mesmo sem
participar daquele jogo. Ele trabalhava para Flanner, que
pagava bem em dia, mas um defunto não precisa de
dinheiro. Querendo evitar o pior, ele limpou a garganta para
falar:
— Chowse, Milo Talon não está mentindo. Não tenho h
ida com os seus assuntos, mas esse homem é um demônio
com um revólver na mão. Já ouvi falar nele.
Chowse havia resolvido não precipitar as coisas. Haveria
outras ocasiões e seria melhor esperar. Aquela podia ser
uma tarefa para Johannes Duckett, e não para ele ou para os
outros. Duckett talvez se saísse bem.
Chowse Dillon era um homem encrenqueiro, mas isso
não podia ser confundido com coragem. Ele podia ser
perigoso se tivesse em situação de vantagem. Não teria
sobrevivido tanto se não soubesse analisar as pessoas.
Agora analisava Milo.
Aquele não era apenas um homem rápido no gatilho.
Parecia ser desses que olham nos olhos de um homem, riem
dele e em seguida o matam.
— Não vou duelar com você — declarou Dillon. —
Flanner faça isso, se quiser. Se ele me mandar, eu farei, mas
ninguém falou no seu nome.
— Ele não sabe que estou aqui — respondeu Milo,
soltando uma risadinha. — Jake Flanner faz apostas muito
altas as não sabe das cartas que estão na mão da minha mãe.
A parte de vocês, rapazes, é que ela tem que cuidar do
rancho pião sobra tempo para ficar vindo aqui. Ela daria
conta de vocês todos, um de cada vez ou todos juntos.
Quando eu era em pequeno, vi minha mãe afugentar
sozinha um numeroso grupo de Kiowas. Não sei quantos,
mas eles levaram embora alguns mortos.
Como ninguém dizia nada, Milo levantou-se e foi até o
ar.
— Infelizmente não posso esperar por Jake Flanner.
Assim mesmo, digam a ele que voltarei. Algum de vocês
viu Logan Sackett?
— Está morto — disse Dillon, satisfeito. — Foi morto
bem ali, na rua. Quis tomar conta da cidade sozinho e agora
está morto. As vezes isso acontece.
— E onde o enterraram?
O sorriso desapareceu do rosto de Dillon.
— Apareceu um cara que o levou para as montanhas.
Pensando bem, era um tipo parecido com você. Atirava
muito bem com o rifle, é verdade, mas tinha um jeito
engraçado... usava roupas elegantes. Deve ser um
principiante.
— Não, não era um principiante — respondeu Milo,
dirigindo-se à porta. — Se ele era elegante, parecido
comigo e atirava bem, só pode ser o meu irmão Barnabas.
Com uma Winchester, ele é capaz de arrancar as orelhas de
um homem a uma distância de duzentos metros.
Perto da porta ele se voltou e sorriu.
— Ora, ora, então Barney está de volta! E, parece que
vocês arranjaram uma briga boa. Mesmo assim, meu
conselho continua de pé. Recomendo que sumam daqui, a
menos que gostem de ficar tirando balas da barriga.
Antes de sair ele coçou a cabeça e sorriu.
— A propósito, acho que ninguém deve dizer que Logan
Sackett está morto antes de jogar uma pá de areia em cima
dele. Já vi Logan sobreviver a ferimentos muito graves.
Pensando bem, os que atiraram nele é que devem tomar
cuidado. Enquanto não me provarem o contrário, vou
acreditar que Logan Sackett está vivo.
Ele saiu e montou, de olho na porta. Con Wellington
estava ali perto, observando. Con ergueu a mão, Milo
respondeu com um aceno e saiu da cidade, rapidamente.
Milo Talon não era tolo. Ele sabia o que Jake Flanner
pretendia. Sabia também que Flanner não desistiria
facilmente e poderia substituir os homens que perdia na
luta, porque era fácil encontrar homens como aqueles.
Se Logan Sackett estava ferido e escondido nas
montanhas, ele devia encontrá-lo. Emily continuava viva e
o rancho ainda não havia sido tomado. Isso se devia a
Logan.
O caminho para o rancho havia mudado um pouco.
Quando viu a casa, Milo parou e deixou escapar um suspiro,
contente por ela continuar de pé. Ele tinha ouvido falar que
a mãe estava morta e que o rancho havia sido dividido em
várias partes. Naturalmente a história havia sido inventada
por Jake Flanner para mantê-los longe, já que assim não
teriam motivos para voltar.
Johannes Duckett tinha ficado calmamente encostado ao
bar, mal tocando na cerveja. Tinha escutado Milo Talon,
olhando para ele apenas uma vez. Quando Milo foi até a
porta e saiu, não tentou segui-lo porque estava pensando
naquele primeiro dia com Jake Flanner.
Flanner não havia contratado Duckett, apenas sugerido
que eles se juntassem. Duckett, um homem solitário,
aceitou. Flanner era um homem que sabia falar. Expressava-
se com graça e elegância e ganhava muitas batalhas apenas
com a palavra. De alguma forma Flanner sempre tinha
dinheiro e Duckett, que trabalhava ganhando apenas o
suficiente para comer, achou cômodo juntar-se a ele.
Flanner foi dando a ele uma ou outra tarefa, que Duckett
realizava sem muito esforço. Vez por outra, dava algum
dinheiro, vinte dólares, cem dólares, às vezes mais.
Johannes Duckett passou a viver como jamais vivera antes,
sempre com dinheiro no bolso.
Flanner não havia notado que Duckett tinha poucas
necessidades, e se notasse não se importaria muito. No
entanto, ficaria surpreso com o pequeno tesouro que
Duckett havia acumulado. Um homem com pouca ou
nenhuma necessidade e com uma entrada regular de
dinheiro pode juntar uma boa soma. Johannes Duckett havia
acumulado várias centenas de dólares e ninguém sabia
disso. Ninguém sabia também onde Duckett guardava o
dinheiro.
Duckett era um homem magro e calmo que as pessoas
em Siwash não consideravam muito esperto. Em parte, isso
era verdade. Ele não tinha uma noção muito clara sobre o
bem e o mal, mas acreditava em certas coisas. Nenhuma
soma em dinheiro o convenceria a matar uma criança, mas
ele mataria uma mulher sem a menor hesitação, o que já
havia acontecido várias vezes. Não tinha sentimentos
morais ou religiosos em relação a isso, nem saberia explicar
por que fazia aquelas coisas. Ele simplesmente não via
diferença entre matar um ser humano, uma cobra ou um
coiote.
Duckett não se sentia obrigado a ser leal a Jake Flanner,
apesar de Flanner acreditar que ele o seguia por pura
lealdade. Duckett apenas gostava da companhia de Flanner,
daquela conversa fácil, e do fato de Flanner permitir que ele
vivesse sem dificuldades. Além disso, achava que Flanner
era astuto... um vencedor. Ele queria estar ao lado de um
vencedor.
Agora, pela primeira vez estava em dúvida.
A dúvida começou quando ele olhou para aquela enorme
casa do Rancho MT. Ela lhe pareceu espantosa, assustadora.
Emily Talon provocava a mesma sensação. Antes de
começar a confusão, às vezes ele a via na estrada ou em
Siwash e havia algo naquela velha que o perturbava.
Quando Emily olhava para ele, Duckett desviava os olhos.
Era muito provável que escutasse em silêncio se Emily
ralhasse com ele na frente dos outros.
Duckett não era homem de discutir muito. Se Flanner
pensasse um pouco mais do que nos seus próprios assuntos
teria visto que Johannes Duckett era um indeciso. A luta
havia começado, mas ele continuava sem uma visão muito
clara das coisas. Às vezes ouvia comentários na cidade
sobre Milo Talon e o irmão. Aquilo o fazia pensar e pela
primeira vez ficou inquieto.
— Já esteve alguma vez no lado oeste da montanha? —
ele perguntou a Flanner.
— O quê? Não, nunca estive lá — respondeu Flanner,
irritado. — Mas por que está falando nisso?
— Dizem que é uma região muito boa. Há uma cidade
chamada Animas City, no grande vale do rio Animas.
— Você já tem o bastante aqui — replicou Flanner. —
Para que deixar uma coisa segura?
— Será que é segura?
Peguei o laço, rodei-o no ar e lacei o potro que havia me
levado a Brown’s Hole. Ele deu umas voltas pelo curral,
mas parou ao sentir a firmeza da corda no pescoço. Dei a
ele uma cenoura, afaguei-o e conversei com ele durante
algum tempo, antes de selá-lo e pôr os arreios. O animal
resistiu um pouco, mas talvez tenha se lembrado das
andanças que tínhamos feito juntos e tornou-se dócil.
Pennywell apareceu à porta da cozinha, enxugando as
mãos em um pano de prato.
— Logan Sackett, você só pode ser um grande idiota
para querer cavalgar nas condições em que está. Deixe já
esse cavalo ai e venha para cá!
— Já está na hora de eu ir embora, moça. Não costumo
me demorar em lugar nenhum e já estou por aqui há muito
tempo.
— Pedra que rola não cria limo — ela disse, com
atrevimento.
— Nunca vi o limo aparecer em nada além de tronco de
árvores mortas ou pedras meio enterradas — eu respondi.
— Além disso, as abelhas que circulam são as que arranjam
o mel.
— Você já deve ter conseguido muito mel!
— Eu sou doce, e você só não notou isso porque só tem
olhos para Milo — eu brinquei, rindo para ela. — Mas não
a culpo. Afinal de contas, ele é muito mais bonito do que
eu.
— Depende de quem estiver olhando — ponderou a
jovem, no momento em que eu puxava a rédea do cavalo
para me afastar. — Para onde você vai? Em está na cidade e
vai ficar muito aborrecida.
— Quem foi com ela? — perguntei, preocupado. — Não
foi sozinha, não é?
— Com quem ela iria? Barnabas foi para a montanha
caçar um cervo. Milo e Al saíram para explorar as campinas
altas. Seja como for, Em sabe se cuidar.
Eu peguei o alforje e o rifle e montei.
— Diga até logo aos rapazes por mim — falei. — Vou
me encontrar com tia Em em Siwash.
Pouco mais tarde eu estava na trilha para Siwash. Talvez
fosse por ter estado parado tanto tempo, mas estava
assustado. Emily Talon tinha ido sozinha, justamente aquilo
por que
Jake Flanner devia estar esperando. Os rapazes achavam
que ele havia saído da região, mas eu não pensava assim.
Flanner era um homem vingativo e Emily o havia ferido
profundamente. E claro que ele procuraria vingança. Podia
ter saído da região, mas eu não acreditava nisso.
O potro tinha ficado no curral por um bom tempo e
agora queria correr, o que combinava com a minha
intenção. Não demorou para que eu achasse os rastros do
mulo, que devia estar indo devagar.
Enquanto corria, eu olhava na direção de Siwash. Não
via nada nem ninguém. Não via nem mesmo uma nuvem de
poeira. Lá em cima o céu estava pontilhado de nuvens
muito brancas, como carneiros no pasto, O cavalo subiu e
desceu uma colina, galopou centenas de metros, até eu
descobrir que havia perdido a pista.
Segui um pouco mais adiante, examinando
cuidadosamente, mas não encontrei nada. De repente aquela
velha e o mulo não deixavam mais o rastro.
A cidade não estava muito longe e eu fui para lá. A
primeira pessoa que encontrei foi Dolores Arribas.
— Você viu Em Talon? — perguntei.
— Ela não está na cidade. Se estivesse, teria me
procurado.
Con Wellington apareceu na porta da loja.
— Não esteve por aqui — ele informou. — Eu estava
até esperando por ela.
Eu olhei sério para eles.
— Vocês dois vão ver se ela está na cidade. Procurem
em todos os lugares, batam em todas as portas. Estejam bem
informados de que ela não está aqui, porque quando eu
voltar vai ser uma caçada.
Em seguida voltei à trilha e fui até onde ainda havia
rastros do mulo. Pouco adiante de um banco de areia eles
simplesmente sumiam.
Emily Talon havia desaparecido como que por encanto.
Um rápido exame nas imediações não revelou nada. Não
havia gravetos partidos, folhas amassadas, nada. Depois
disso voltei à trilha e fiquei parado, considerando as
possibilidades. Pessoas de carne e osso não desaparecem
simplesmente. Portanto, de alguma forma ela havia sido
obrigada a desaparecer... mas como?
Agora eu já não procurava apenas os rastros do animal.
Olhava em todas as direções, buscando o menor sinal que
fosse, qualquer coisa.
Passei pelo mesmo lugar umas duas ou três vezes antes
de ver. Havia uma linha reta riscada na areia, bem perto de
um espinheiro.
Quem teria desenhado aquela linha ali? E para quê? Eu
desmontei e examinei o lugar. A área tinha uns quinze
metros por dez e não havia ali qualquer rastro além dos do
meu cavalo. Examinei também a composição do terreno.
Era apenas areia, algumas pedras espalhadas e algum
capim, nada que chamasse muito a atenção. Reparei, porém,
que perto daquele risco a vegetação rasteira parecia ter sido
empurrada para baixo, havia flores esmagadas e folhas
amassadas. Era como se algo pesado houvesse passado por
ali, mas eu não conseguia imaginar o quê.
O risco se prolongava e eu o segui por uns cem metros.
Aqui e ali, encontrava sinais no terreno, como se alguém
houvesse tentado apagar rastros. Eu próprio já tinha feito
isso uma ou duas vezes, mas não é coisa que engane um
bom seguidor de rastros. Se existem indicações de que as
pegadas foram apagadas, é como se elas estivessem ali.
Continua existindo a evidência da passagem de alguém.
A pista foi se alargando e eu cheguei a um local onde
vários cavalos haviam sido amarrados, pelo menos três.
Havia várias pontas de cigarro, como se um dos homens
houvesse ficado ali tomando conta dos cavalos.
Mais adiante encontrei o que estava procurando: entre as
pegadas de cavalos que se afastavam do lugar estavam os
rastros do mulo. Logo ficou evidente que o animal de tia
Em estava sendo puxado. Podia ser um animal de carga,
mas a questão era que tia Em havia desaparecido quando
cavalgava um mulo.
Em seguida passei a examinar as marcas deixadas pelos
cavalos. Para quem está acostumado a isso, rastros de
homem ou de animal são como uma assinatura. Assim
sendo, não demorei para constatar que um daqueles cavalos
eram o mesmo que Jake Flanner estava montando quando
me deixou para morrer na montanha.
Depois disso eu voltei ao ponto de partida, desamarrei o
cavalo e montei.
Seria uma longa perseguição e eu tinha certeza de que
eles não haviam dado cabo de Emily. Portanto, deviam ter
em mente algum plano de seqüestro, tortura ou coisa
parecida. Pelo que eu sabia de Flanner, Emily Talon não
devia esperar sair com vida daquilo.., e ela também sabia
disso.
Por sorte, eu havia descoberto a pista mais cedo do que
eles pensavam isso ser possível. Certamente não esperavam
perseguição antes da noite, quando Emily não voltasse ao
rancho e isso chamasse a nossa atenção.
O sol já começava a se pôr, mas pelo jeito eu estava
apenas algumas horas atrás deles. Além disso, a pista era
tão clara que era possível segui-la com o cavalo a galope.
Os rastros dos cavalos deles eram bem espaçados, indicando
uma corrida rápida, mas eu podia ver que o mulo criava
problemas, às vezes empacando. Só esperava que eles não
perdessem a paciência e matassem o velho amigo de tia Em.
Agora a pista atravessava a campina, chegando cada vez
mais perto das montanhas. Não me lembrava de ter estado
naquela região antes. Procurava ver o mais adiante possível,
sabendo que a qualquer momento eles podiam surgir à vista
e que talvez armassem uma emboscada. Não havia nuvem
de poeira, nada. Uma hora mais tarde, cheguei bem perto
deles. As marcas estavam bem frescas no chão. No entanto,
logo estaria escuro e eu não teria mais como segui-los.
Quando chegasse a noite, Jake Flanner poderia fazer o que
quisesse com Emily.
Aquela altura os rapazes no rancho já deviam estar
preocupados por causa de Emily e por eu ter saído daquele
jeito. Pennywell sabia que eu tinha ido atrás da velha e
certamente eles iriam à cidade para saber o que havia
acontecido. Ao raiar do dia, o mais tardar, eles estariam
atrás de mim. A pista que eu estava deixando era muito fácil
de seguir.
Uma coisa estava clara: os seqüestradores de Emily
estavam indo para algum lugar que conheciam. Estavam
agora nas colinas, sem buscar nenhuma clareira,
evidentemente com um destino certo. Chegando no alto de
uma colina eu vi um profundo vale. Como não havia
indicação de que eles virariam para a direita ou para a
esquerda, segui em frente.
Num vale como aquele o eco se propaga com facilidade.
Como não queria que eles soubessem da minha presença,
segui com cuidado, escutando atentamente. Não ouvia nada,
absolutamente nada. Uma ave noturna piou em algum lugar,
mas isso foi tudo. Olhei para o céu em busca de algum sinal
de fumaça e corri os olhos pela montanha, procurando
reflexos de fogo.
Nada...
Aquilo me deixou ainda mais apreensivo. Depois de algum
tempo descendo o vale, parei o cavalo e desmontei.
Agachado, saí tateando em busca de alguma pista. Depois
de algum tempo, senti um cheiro que não era de mato.
Poeira...
Correndo cuidadosamente as mãos pelo solo, encontrei
as marcas dos cascos. Erguendo-me novamente, passei o
braço por cima do cavalo e repousei a cabeça na sela.
Estava cansado, muito cansado. Desde o dia do tiroteio no
rancho, era a primeira vez que saía para uma cavalgada e
praticamente não havia parado desde que saíra.
Voltando a montar, deixei bem frouxa a rédea do cavalo.
— Vamos ver para onde eles foram — eu disse,
calmamente. — Vamos, rapaz, você precisa me ajudar.
O cavalo seguiu pela trilha. Eu sabia que ele podia sentir
o cheiro dos outros cavalos e que esses animais sempre
seguem o instinto de andar em grupo. Podia confiar que ele
me levaria aos cavalos que perseguíamos, desde que
estivéssemos na trilha certa.
O cavalo seguiu rapidamente. Eu tirei o rifle da bainha e
soltei a tira de couro do revólver. Lá na frente seguiam
homens sem escrúpulos que haviam aprisionado uma
mulher de minha família. Está bem... o parentesco era
distante, mas existia. Além disso, eu e ela havíamos
conversado sobre a terra natal, tomado café juntos,
enfrentado juntos o inimigo.
Quando cheguei a uma elevação do terreno, fiz o cavalo
descer com rapidez, já que não queria me transformar num
alvo fácil. A minha frente abria-se uma campina de grama
alta que refletia o luar. Alio cavalo poderia galopar à
vontade, já que o som sena abafado pela vegetação.
Algo começava a amolar a minha memória, mas sem to
ma uma forma muito clara. Eu já havia percorrido uma boa
distância desde que encontrara a pista, perto de Siwash,
talvez uns trinta quilômetros. Estava muito cansado e o
cavale já começava a retardar o passo.
Finalmente e de súbito, me dei conta de onde estava.
Aquela era a velha região da Mina Fiddletown. Vinha
sendo refúgio de bandidos desde quando o oeste começou a
ser desbravado. Havia várias minas com o nome, mas a
primeira tinha sido batizada por um colono que matou um
homem numa briga, perto do riacho Cherry. Fugindo para a
montanha para se esconder, ele acabou encontrando ou ro
Não havia muito ouro mas a região era bonita. Assim sendo
Fiddletown Jack, como era chamado, construiu uma ca ban
e começou a trabalhar na sua mina. Juntou um pouco de
ouro para quando pudesse sair dali em segurança. Vez por
outra amigos dele iam se esconder ali e um desses, tentando
descobrir onde estava guardado o ouro, foi morto por Jack.
Jack, por sua vez, foi morto pelo sócio do suposto
ladrão. Depois disso e durante muitos anos, perigosos
bandidos evitavam chegar perto do lugar. Se tinha fama de
mal-assombrado para uns, podia ser um esconderijo seguro
para outros. Eu mesmo havia passado umas três semanas
lá.. - mas isso tinha sido há muitos anos.
Finalmente cheguei ao local. Fiz parar o cavalo a alguma
centenas de metros e desmontei. Minhas pernas fraquejara e
pensei que ia cair. Agarrando-me à sela, fiquei assim até
que passasse a tontura. Depois disso, amarrei o cavalo num
local onde ele tinha bastante grama para mastigar, peguei a
Winchester e saí rastejando entre as árvores, em direção às
cabanas.
Havia ali um alojamento, a entrada do túnel, um celeiro
onde Fiddletown devia guardar bebida e duas velhas
cabanas que pareciam meio afundadas pela neve.
Freqüentemente a neve ali chegava a ter uma profundidade
de quatro a cinco metros. Isso era natural, já que o lugar
ficava a uma altitude de mais de três mil metros.
A primeira coisa que fiz foi procurar os cavalos deles.
Assim, poderia ter uma idéia de quantos eram. Queria tirar
aquela velhota da encrenca, mas me deixar matar não
ajudaria em nada.
Três cavalos e um mulo. Encontrei-os num curral perto
do alojamento, mas fiquei observando de longe, sem me
aproximar.
Três cavalos... Será que um deles era um animal de
carga? Mesmo que houvesse pelo menos três cavaleiros, o
problema era saber onde eles mantinham presa tia Em.
Querendo descobrir isso, cheguei perto de uma das
cabanas, tomando o cuidado de passar longe do curral para
não assustar os cavalos. Ia bem encostado à parede, quase
roçando a cabeça na borda do teto baixo, e alcancei uma
janela. Os vidros estavam tão sujos e cheios de teias de
aranha que tive dificuldade para ver através deles. Apesar
disso, a primeira coisa que vi foi tia Em.
Só de vê-la fiquei mais animado. Ela estava sentada,
com o corpo aprumado. Havia um hematoma feio num dos
lados do rosto, certamente provocado por alguma pancada
recebida horas antes, no momento em que foi capturada.
Emily tinha também um dos lábios partidos. Minha tia
estava ferida, mas o fogo estava naqueles olhos, assim como
o desprezo que ela sentia por aqueles homens.
Estava tudo calmo lá dentro e eu não via nenhum dos
homens. Não podia tomar nenhuma iniciativa enquanto não
soubesse onde estava cada um deles. Seria uma temeridade
entrar ali com Emily na linha de fogo. Isso certamente
provocaria a morte dela e muito provavelmente também a
minha. O pior era que um deles podia estar lá fora,
vigiando. Se eu começasse alguma coisa, poderia ser
atacado pelas costas. Passei o rifle para a mão esquerda
apenas para me certificar de que o revólver estava lá. Ele
estava lá.
Agachando-me, passei por baixo da janela para olhar
pelo outro lado. Estava tão sujo que eu mal pude ver um
homem sentado à mesa, no lado oposto ao de Emily. Ele
falava com alguém que estava fora do meu campo de visão.
Portanto, já eram dois.
Emily não parecia estar correndo um perigo imediato,
mas quem podia ter certeza disso? Eu não ouvia nada além
de um murmúrio de vozes e não podia saber se a manteriam
viva por muito tempo. Flanner não cometeria a tolice de
pensar que os filhos de Emily não fariam nada. Se
mantivesse a velha com vida para forçar os rapazes a
transferir a propriedade do rancho, mesmo assim depois
disso teria de enfrentá-los.
O que Flanner pretendia fazer, fosse o que fosse, seria
feito ali.
Em seguida eu me afastei do alojamento e comecei a
procurar cuidadosamente pelo outro homem. Queria pelo
menos descobrir se ele estava do lado de fora.
Não havia ninguém na velha estrebaria nem na entrada
do túnel. Eu me movimentava vagarosamente, parava para
escutar e voltava a andar.
Havia apenas uma porta e uma janela na cabana.
Protegendo-me entre algumas rochas, avaliei a situação.
Precisava fazer com que saíssem dali. Se conseguisse isso,
quando aparecessem à porta eu já devia estar atirando. Não
há forma de aprisionar três valentões bem armados e eu não
estava disposto a dar a eles uma chance maior do que a que
haviam me dado. Tinha certeza de que aqueles três faziam
parte do grupo que havia me atacado na montanha.
Portanto, estava na hora de dar o troco.
A noite estava esfriando e eles acenderam o fogo lá
dentro. Se eu pudesse entrar pelo teto. Isso era impossível.
Eles me ouviriam e me fariam em pedaços antes que eu
pudesse acertar pelo menos um deles. Aqueles homens não
fariam a tolice de sair para ver quem estava lá em cima.
Atirariam lá de dentro mesmo, através do teto. Uma bala
calibre quarenta e cinco atravessa até uma tábua de pinho de
quase quinze centímetros, e as tábuas daquele teto estavam
longe de ter essa espessura.
Assim sendo, voltei à estrebaria e peguei uma corda que
estava lá. Preparei o laço e, com a corda na mão, fui outra
vez para perto da cabana. Medi a distância com os olhos e
joguei a corda, laçando a chaminé. Em seguida dei um
puxão forte na corda e a chaminé desmontou. Ouvi um grito
lá dentro, busquei a proteção das sombras e corri para frente
da cabana.
Quando cheguei lá, a cabana estava cheia de fumaça e os
homens foram saindo, apressados. O primeiro deles era um
tipo que eu já tinha visto antes, mas de quem não sabia o
nome. Tinha o peito largo e uma barriga avantajada que era
comprimida pela cartucheira. Ele saiu correndo com o
revólver na mão, pronto para atirar no que visse pela frente,
mas eu não perdi tempo. Apontei a Winchester e acertei-o
bem na barriga. Ele recuou a distância de um passo e caiu.
Eu vi a luz na parte interna da cabana e em seguida outro
homem saiu. Disparei imediatamente contra a silhueta dele
mas errei o tiro. Quase em seguida, duas balas acertaram o
arbusto perto de onde eu estava. Pensando em Emily, corri
para a cabana. Uma bala cravou-se na madeira da parede
bem perto de mim e eu pulei para dentro. Havia muita
fumaça e eu vi Emily tentando livrar-se das cordas. Mal
podia vê-la, mas identifiquei-a pela silhueta.
Afiada como uma navalha, minha faca cortou as cordas.
— Cuidado! — advertiu tia Em, cochichando. —
Flanner, Duckett e Slim estão lá fora.
Eu pensava que eram três, mas eram quatro.
— A senhora consegue rastejar? — perguntei.
Ela encostou o corpo ao chão junto de mim e saímos em
direção à porta. Eles deviam estar esperando lá fora pela
nossa saída. Por isso, peguei uma cadeira, joguei-a pela
porta e cobri com fogo de rifle a escapada de Emily.
Houve alguns tiros, mas em seguida fez-se silêncio e eu
pude ver que tia Em se dirigia ao curral. Ninguém atirou e
eu fiquei olhando, tentando ver tudo ao mesmo tempo.
Naquele momento uma nuvem cobriu a lua e eu sai atrás de
Emily. Pouco mais tarde estávamos os dois encostados à
cerca do curral, numa sombra.
— Agora procure tomar conta de você mesmo, Logan —
cochichou tia Em. — Estou com uma coisa que conta
muito.
Dizendo isso ela mostrou o velho e enorme Colt Dragão,
que devia ter tirado do meio das roupas depois de sair da
cabana.
A lua voltou a brilhar e nós vimos o homem que eu
havia baleado na barriga caído na frente da cabana. Ele
continuava vivo, mas na certa preferia estar morto. Eu já
tinha visto homens baleados daquele jeito antes e não era
nada agradável.
Nada se movia. Fiz um balanço da situação e conclui
que estaria bem se não fizéssemos nenhum movimento.
Encostando a Winchester na cerca do curral, peguei o
revólver e fiquei observando para ver se alguma coisa se
mexia.
Estava tudo muito calmo. Eu podia ouvir até as águas do
riacho correndo ali perto e, vez por outra, o barulho das
patas de um cavalo batendo no chão.
Finalmente uma voz se pronunciou, a uma distância de
não mais de dez metros. Eu tinha ouvido aquela voz apenas
uma vez antes, mas sabia que era de Johannes Duckett.
— Logan Sackett?
Eu não pretendia responder nem atirar, enquanto não
ouvisse o que ele tinha a dizer. Pela fala; tive uma boa
noção da posição dele, mas havia aprendido a não atirar
antes da hora e sem uma boa razão. Assim sendo, esperei.
— Aqui quem fala é Johannes Duckett. Estou caindo
fora disso. Para mim já é o bastante. Eu nunca quis atirar
em Emily Talon e não vou fazer isso agora. Essa briga é de
Jake Flanner.
Houve uma pausa e eu fiquei escutando atentamente.
Queria ver se ele não estava falando apenas para cobrir
alguma movimentação. Em seguida Duckett voltou a falar:
— Eu vou sair agora, e espero não ser alvejado quando
estiver me movimentando.
Eu não disse nada. De fato ele fez o que estava dizendo.
Pude ver na penumbra que se erguia e ouvi claramente
quando se afastava. Aos poucos, o som foi diminuindo até
não se ouvir mais.
Ainda havia dois homens... Eu me levantei devagar,
protegido por uma estaca do curral que era mais alta do que
eu.
Nesse momento um fósforo foi riscado dentro da cabana
e uma lâmpada foi acesa. No silêncio da noite, podíamos
deduzir o que estava acontecendo lá dentro. Ouvimos o som
surdo das muletas batendo no chão, uma cadeira sendo
arrastada e um homem sentando-se pesadamente.
— Tia Em — eu cochichei. — Ele está lá dentro.
— Não vá fazer nenhuma tolice, menino.
— Há um outro. Acho que ele está por ai em algum
lugar.
— Faça o que tem que fazer, filho. Eu ficarei de olho no
outro.
— Jake Flanner gosta de falar, tia Em. Acho que ele
quer falar comigo. Não acredito que tente me matar antes de
dizer tudo o que pretende.
— Está bem.
Em seguida eu saí em campo aberto em direção à
cabana.
—Estava com o revólver na mão, mas ao entrar guardei-
o de novo no coldre. Não tinha ouvido nenhum barulho lá
fora, apesar de ter escutado atentamente.
Jake Flanner estava outra vez de pé sobre as muletas,
como sempre apoiando-se mais pesadamente sobre uma
delas. Trazia um revólver na cartucheira da cintura, mas eu
sabia que havia um outro escondido sob o braço. Quando
ele fez um leve movimento, pude ver a coronha daquela
arma camuflada.
Mas por quê?
Atento a tudo, fiquei esperando. Era ele quem gostava de
conversar, não eu. Além disso, eu estava cansado, muito
cansado. Fiquei ali de pé, com as pernas apartadas e os
braços relaxados. Precisava melhorar logo ou jamais
chegaria à Califórnia.
Subitamente a voz de Flanner soou como aço.
— Você me causou muitos problemas, Sackett. Naquele
primeiro dia, esperava que trabalhasse para mim.
— Eu nunca trabalho para ninguém. Pelo menos, não
com uma arma.
— Mas por que se voltou contra mim? Eu não lhe fiz
nada.
— Não gostei do jeito como seus rapazes trataram
aquela garota.
— E mesmo? Mas ela não é ninguém, Sackett. E apenas
a filha de um posseiro arruinado.
— Todos são alguém para mim. Talvez ela não
signifique muito para você, Flanner, mas a meu ver tinha o
direito de escolher o homem com quem iria para a cama.
Não podia ser arrastada por um patife, só porque o patife
era empregado seu.
Ele riu, com os olhos brilhando muito.
— Ouvi dizer que você era um homem duro, Sackett, e
tive prova disso. No entanto, jamais suspeitei de que era um
cavalheiro.
— Eu nem sei o que isso significa, Flanner. Sei apenas
que estava ali uma menina, uma criança assustada e
molhada, e que aquele Spivey...
— Mas isso já passou, Sackett, e Spivey está morto. Por
que você se juntou a Emily Talon?
— Emily Talon é uma Sackett. Não preciso de uma
razão melhor do que essa.
Flanner balançou o corpo, como sempre apoiando-se
mais numa das muletas, e aquilo me aborreceu. Acho que
sou um homem desconfiado demais.
— Isso é mau, Sackett. Teríamos formado um grupo
muito bom, você, Duckett e eu.
— Duckett foi embora.
Flanner olhou para mim, aparentemente chocado.
— Como assim? Você o matou? Eu não ouvi nenhum
tiro.
— Ele apenas escapuliu, caiu fora, só isso. Achou que já
era o suficiente. Disse que não tinha motivos para perseguir
Emily Talon. Foi embora. Você está sozinho, Flanner.
Flanner conseguiu sorrir.
— Ah, é? Bem, se são essas as cartas... — Ele se moveu
um pouco, virando-se para um dos lados. — Você se
incomoda se eu me sentar, Sackett? Essas muletas...
Jake Flanner inclinou-se um pouco para frente. No
momento em que ergueu uma das muletas, como se fosse
deixá-la sobre a mesa, eu atirei nele.
Pelo que me lembro, jamais havia conseguido sacar tão
rapidamente. Flanner quis dar a impressão de que ia apenas
pôr a muleta sobre a mesa, mas eu percebi que não era bem
assim. Meu primeiro tiro acertou-o na barriga. Em seguida
voltei a atirar, desta vez na mão que segurava a outra
muleta. Sem mais onde se apoiar, ele caiu pesadamente na
cadeira.
— Você atirou num aleij...
A voz dele parecia ir sumindo, mas naqueles olhos havia
o mesmo brilho de antes. Flanner foi deslizando a mão para
pegar o revólver escondido.
O estampido que eu ouvi em seguida só podia ser do
Colt Dragão.
— Está tudo bem aqui fora, Logan — falou tia Em. —
Peguei o outro.
Eu apenas fiquei de pé, com o revólver na mão,
observando enquanto ele aproximava a mão da coronha da
arma escondida.
— Jake, eu sempre quis saber por que você se apoiava
mais numa da. muletas. Acabei descobrindo.
Com a mão livre, eu me abaixei e peguei uma das
muletas jogadas no chão. O pé daquela muleta era a boca de
um rifle. O gatilho estava no apoio da mão, muito bem
dissimulado. Eu já tinha ouvido falar em armas camufladas,
mas aquela realmente era única.
Nesse momento ele estava sacando o revólver por baixo
do ombro.
— Está querendo mais, Jake? Já está morrendo. Para que
piorar as coisas?
Ele ergueu para mim os olhos cheios de ódio.
— Vá para o inferno, Sackett, e leve com você aquela
velha! Ela...
— Está perdendo a classe, Jake. Você só tem conversa
mole e jamais chegaria aos pés daquela mulher. Ela tem não
só mais coragem do que você, como muito de uma coisa da
qual você não tem nada: caráter.
Tia Em entrou e ficou ao meu lado.
— Desculpe pelos joelhos, Jake Flanner — ela falou. —
O problema é que você matou meu homem. Matou Tabu, o
melhor homem que poderia existir.
— Vá para o inferno — ele gemeu. — Eu...
Antes de dizer o que pretendia, de caiu para o lado,
morto. Eu só não entendia como um homem tão desprezível
podia ter levado à morte um outro tão bom como Tabu.
— Tia Em, não temos mais nada o que fazer aqui — eu
disse. — Os rapazes j devem estar preocupados e acho
melhor voltarmos para o rancho.
— Você está muito pálido, filho. Será que vai
conseguir?
— Se a senhora conseguir, eu também conseguirei, tia
Em. Vamos levantar a poeira.
Emily e eu montamos e seguimos pela trilha, de volta ao
rancho. Pouco adiante encontramos os dois filhos dela, que
vinham em sentido contrário.
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FIM DO EPISÓDIO

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