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para
Principiantes
Carlos Cirne-Lima
Editora Unisinos
Coleção Idéias 5
Sumário
Prefácio
PREFÁCIO
Escrevi esta Dialética para principiantes pensando em meus
alunos. Escrevi para eles. Fiz um texto voltado para principiantes,
Dialectica Ingredientibus, como diria Abelardo. Para aqueles
jovens de cara limpa e olhos brilhantes, atentos, lúcidos,
sequiosos de aprender, que sabem muito bem que não sabem
nada. E que por isso querem aprender. Para eles escrevi este livro,
a eles o dedico. Muito justo, aliás. Pois foi com eles, com as
perguntas, as discussões e debates com eles que esta
Dialética nasceu, cresceu e se consolidou. Não que eu seja
autodidata, ou que faça desfeita a meus mestres. Nada disso,
tenho na mais alta conta aqueles que foram meus professores.
Devo muitíssimo a eles. Mas foi com meus alunos que, neste
passar dos anos, aprendi o que agora, com este livro, lhes
devolvo.
Principiante é aquele que não sabe nada, ou quase nada.
Principiante é quem se dá conta de que não sabe nada. E por isso
quer aprender, quer entender as palavras, quer captar o sentido
das frases, quer acompanhar a montagem da argumentação. Para
eles escrevi. Escrevi em estilo simples e direto, escrevi uma
Filosofia singela, sem frescura, sem enfeites, sem ranço
acadêmico e sem demonstrações aeróbicas de erudição. As idéias
aqui expostas são muito antigas. Há novidades, sim, pois quem
faz Filosofia e entra em contenda com as idéias, com as idéias
mesmas, sempre descobre alguma novidade. Quando pegamos e
levamos adiante a riqueza que herdamos da tradição, esta se
revitaliza e cresce. Este trabalho nasceu da grande tradição
filosófica. Que ele conduza os leitores de volta aos mestres-
pensadores da tradição são os meus votos.
1 O PÁTIO DE HERÁCLITO
1. Limitado Ilimitado
2. Ímpar Par
3. Uno Múltiplo
4. Direita Sinistra
5. Macho Fêmea
6. Quieto Móvel
7. Reto Curvo
8. Luz Trevas
9. Bem Mal
10. Quadrado Retângulo
2.2 Os Sofistas
“Sofista” é um termo que significa inicialmente o sábio, sofía
significa sabedoria; daí Filosofia significar etimologicamente
amor à sabedoria. O termo “sofista” bem como a palavra
“sofisma” só mais tarde, depois da polêmica com Platão e
Aristóteles, vão adquirir sentido pejorativo. São os sofistas que
primeiro transplantam o jogo dos opostos de Heráclito do plano
da Filosofia da Natureza para o plano das relações sociais. Os
sofistas se ocupam, não tanto da Natureza, e sim da vida do povo
nas cidades; eles se interessam pelo demos, o povo, e pela polis. É
a época em que, na Grécia, a velha aristocracia entra em lenta,
mas inexorável decadência e em que surge, cada vez mais forte, o
poder do povo. É o povo que faz comércio, que vai de uma cidade
para outra, que rompe com os estreitos limites do mundo antigo e,
por intermédio das viagens e dos viajantes, abre novos horizontes
e inaugura novos valores e novas virtudes. A polis não é mais a
cidade isolada, com sua constituição própria e suas virtudes
tradicionais, ela se descobre como uma cidade entre muitas
outras. Surge aí uma novidade, surge aí a necessidade intelectual
e política de rediscutir e de redefinir o que é a virtude, o que é o
Bem, o que é o Mal. Não é mais líquido e certo que uma
determinada maneira de agir seja virtuosa apenas por ser oriunda
da tradição. A força da inércia, que a tradição possui, não serve
mais como fonte única de legitimação das virtudes. Ao surgirem
novos horizontes, surgem novas questões sobre o que é Bem e o
que é Mal. A virtude tem que ser rediscutida e redefinida. Afinal,
o que é virtude? O que é o certo? O que está moralmente errado?
Eis as perguntas que os novos tempos colocavam, eis as questões
que se impunham. As primeiras respostas foram dadas pelos
sofistas. Os sofistas foram, em sua época, importantíssimos
pensadores. Protágoras, Górgias e Pródico foram homens de seu
tempo que procuraram pensar criticamente os problemas de seu
tempo.
A grande característica – positiva – dos sofistas foi a elaboração
ulterior do jogo dos opostos como uma maneira metódica de
pensar e de agir; surge aí, mais e mais nítida, a Dialética. O jogo
dos opostos, transportado para a trama das relações sociais,
significa que cada homem é apenas um pólo da oposição. Para
entender um pólo, para saber o que um pólo em realidade é e o
que ele significa, é preciso sempre pensar esse primeiro pólo em
sua relação de oposição ao segundo pólo. Pois, em se tratando do
jogo de opostos, cada pólo só pode ser entendido, em si, se e
enquanto for pensado em relação a seu pólo oposto. Cada homem,
em suas relações sociais, é apenas um pólo, uma parte. Para
entender esse primeiro homem, é preciso vê-lo em sua relação de
oposição para com o outro homem, que é o seu contrário. A
fílesis só se entende bem se a pensamos em relação à antifílesis;
mais ainda, ambos os pólos contrários só podem ser entendidos
correta e plenamente quando conciliados na unidade maior e mais
alta, na filía, na qual ambos estão superados e guardados. As
relações humanas são, assim, analisadas à luz do jogo dos
opostos.
Isso é válido especialmente em dois campos das relações
humanas: no Direito e na Política. No Direito, o jogo dos opostos
se encarna como uma das mais antigas e mais importantes regras
de toda e qualquer justiça: Seja ouvida sempre também a outra
parte, Audiatur et altera pars. O homem que procura justiça
diante de um tribunal é sempre uma parte. Ele é apenas uma única
parte de um todo maior. É preciso sempre, para que possa ser feita
justiça, ouvir a outra parte. Esta outra parte, o outro pólo no jogo
dos opostos, nem sempre precisa ter razão. Pode ser que só a
primeira parte tenha razão, pode ser que só a outra parte tenha
razão, pode ser que ambas as partes tenham alguma razão, ou
seja, que ambas estejam parcialmente certas e parcialmente
erradas. Em todo caso, sempre, para que haja justiça, é preciso
ouvir também a outra parte. A primeira parte, o primeiro pólo da
oposição, é sempre apenas “parte” no sentido literal, um pedaço
de um todo maior. A justiça exige que a razão de cada parte seja
medida e avaliada no contexto maior da posição sintética, isto é,
daquele todo maior e mais nobre dentro do qual cada parte é
apenas um pedaço, um elemento constitutivo de uma unidade
maior. Exatamente isso e somente isso é justiça. Justiça, pois, o
que chamamos de Direito, é o exercício constante e sistemático do
jogo dos opostos. Também o Direito Penal é; neste uma das partes
é sempre o povo. Até hoje os processos penais nos países de
tradição anglo-saxã contêm a menção do “povo versus A. Smith”
(“the people against A. Smith”). É por isso que até hoje os juristas
falam da necessidade do “contraditório”. O termo “contraditório”
significa aqui o contexto dialético que nos vem desde a
Antigüidade, o preceito de ouvir a outra parte, pois justiça é
sempre o processo de formação da síntese, jamais a tese ou a
antítese isoladas, uma sem a outra. A parte, no sistema de Direito,
é sempre parte, um pedaço que exige a sua contraparte, o seu
oposto, para que se estabeleça justiça. Até hoje. Os juristas hoje
muitas vezes não se dão conta disso: eles são dialéticos, todos nós
somos dialéticos.
Tão importante quanto no Direito é a função do jogo dos opostos
na Política, especialmente nas assembléias de cidadãos, que se
constituem em democracia. Antes que surja a decisão por
consenso político, há discussão e debate. Nestes costuma haver
uma polarização, às vezes uma ruptura. A opinião e a vontade de
um grupo de cidadãos divergem da opinião e da vontade de outro
grupo de cidadãos. Formam-se, assim, dois grupos com opiniões e
vontades diversas. A unidade se quebra em duas partes, e surgem
aí os partidos políticos. O partido político só se entende e só se
justifica se e enquanto contraposto a seu partido oposto. Ambos
os grupos precisam debater e dialogar, pois a identidade de cada
um deles é determinada pela identidade do outro. Assim se faz
Política. Pode ser que um grupo tenha cem por cento de razão e
consiga convencer o outro grupo disso; pode também ser que cada
grupo tenha razão apenas parcialmente e que, havendo concessões
de parte a parte, se forme a vontade geral. A vontade geral é aí
aquela unidade mais alta e mais nobre, a posição sintética, na qual
e somente na qual os partidos, que são apenas pedaços, adquirem
sentido e têm justificação. Por outro lado, vê-se, de imediato, que
Política só existe quando há dois partidos. Em Política, partido
único é um mostrengo; isso vale tanto para os regimes despóticos
dos antigos gregos como para os totalitarismos do século XX.
Mais uma vez temos aqui o velho jogo dos opostos. Os sofistas
não foram os inventores do Direito e da Política, por certo, mas
foram os primeiros filósofos, em nossa cultura, que pensaram
teoricamente o jogo dos opostos como elemento constitutivo e
essencial das relações sociais. Esse mérito tem que lhes ser dado.
Nisso eles acertaram.
Fora disso, cometeram alguns erros graves e fizeram bobagens
que a História até hoje não lhes perdoa. Até hoje os sofistas têm
má fama, e a palavra “sofisma” tem conotação altamente
negativa. Isso porque cometeram um grande erro teórico, que hoje
podemos tematizar com precisão: em vez de dizer que tanto a tese
como a antítese são falsas e que a síntese e só a síntese é a
verdade inteira, os sofistas algumas vezes inverteram os sinais e
disseram que tanto tese como antítese são, por igual, verdadeiras.
Esquematizemos. A dialética verdadeira e correta afirma que cada
parte é apenas parte, ou seja, que tanto tese como antítese são
falsas porque parciais. Os sofistas às vezes dizem: tanto tese
quanto antítese são, por igual, verdadeiras. As conseqüências
desse erro lógico são incríveis e politicamente pesadíssimas. Pois,
se tanto tese como antítese são verdadeiras, pode-se defender
tanto uma como outra. Os sofistas, agora no mau sentido da
palavra, passaram então a defender tanto uma parte como outra,
como se ambas tivessem razão. Justiça então deixa de existir. O
senso do direito e do correto vai para o ar, e instala-se a
mentalidade sofística de que qualquer posição é boa, desde que se
possua desenvoltura verbal para argumentar. Os sofistas, no mau
sentido, defendem qualquer pessoa, qualquer parte, qualquer
partido como se fosse, ele sozinho, a verdade total. E agora ainda
pior: os sofistas o fazem porque são pagos para isso, porque
exigem e recebem pagamento. O pagamento em dinheiro, exigido
e aceito para que um partido, uma parte, seja apresentado como se
fosse o todo, eis o grande erro e a grande culpa dos sofistas.
Sócrates, Platão, Aristóteles, ninguém jamais os perdoou. Com
razão. Depois de resgatar e reinventar a dialética, dela se afastam.
Esqueceram que parte é sempre e somente parte, parte essa que só
com a contraparte correspondente forma um todo maior. O jogo
dos opostos, quando desvirtuado e invertido, de ótimo que era
transforma-se em péssimo.
3 O MITO DA CAVERNA
4.2.5 O Silogismo
O silogismo, a segunda grande descoberta feita por Aristóteles,
consiste na concatenação lógica de duas proposições que,
articuladas entre si, fazem sair de si uma terceira proposição. Se
as duas proposições iniciais, as premissas, forem verdadeiras,
então a proposição delas resultante, a conclusão, sempre e
necessariamente será também verdadeira. Um exemplo:
Premissa nº 1 Todos os homens são mortais
Premissa nº 2 Ora, todos os brasileiros são homens
Conclusão Logo, todos os brasileiros são mortais
M – P
S – M
====
S–P
1 2 3 4
M – PP – MP – MM – P
S – MM – SS – MM – S
==== ==== ==== ====
S–P S–P S–P S–P
5.7 A encruzilhada
Bem no começo da Filosofia Clássica, há uma grande
encruzilhada. Com Platão e Aristóteles a Filosofia se bifurca em
dois grandes ramos: a Explicação do Mundo e a Análise do
Mundo, o neoplatonismo e o aristotelismo. De Platão saem
Plotino, Proclo, Santo Agostinho, Johannes Scotus Eriúgena, os
pensadores medievais até o século XII, Nicolaus Cusanus,
Giordano Bruno, Ficino, Espinosa, Fichte, Schelling, Hegel, Karl
Marx. De Aristóteles saem Teofrasto, Alberto Magno, Tomás de
Aquino, Guilherme de Ockham, Descartes, Kant, Frege, Bertrand
Russell, Wittgenstein, Apel, Habermas e toda a Filosofia
Analítica de hoje.
Dentro do pensamento neoplatônico há uma segunda grande
encruzilhada. O sistema da Explicação do Mundo é necessitário
ou contém contingência? Plotino e Proclo se inclinam fortemente
para o necessitarismo, Espinosa é escancaradamente
necessitarista. Hegel quer contemplar a contingência, quer
encontrar uma maneira de salvar a contingência e de repô-la
dentro do sistema, mas, a meu ver, não consegue e se perde, no
que toca a esse problema, em ambigüidades. Karl Marx se inclina
fortemente para o necessitarismo; é por isso que o stalinismo, a
meu ver, não é apenas um acidente de percurso e sim uma
conseqüência lógica do sistema. Dentre os contemporâneos,
Wandschneider e Hösle tendem para o necessitarismo. Hans Jonas
defende uma Explicação do Mundo com contingência e liberdade,
como a que eu proponho. Esta Explicação do Mundo com acaso e
contingência surpreendentemente coincide com a Teoria Geral da
Evolução, que está sendo proposta pelos biólogos Stephen Jay
Gould e Richard Dawkins.
1 O QUADRADO LÓGICO
3 OS TRÊS PRINCÍPIOS
As mesas contingentemente
Sujeito:
existentes
Sujeito reduplicado
enquanto elas de fato existem
1:
Predicado: não podem não existir
–
As mesas contingentemente
Sujeito:
existentes
Sujeito reduplicado
enquanto elas são contingentes
2:
Predicado: podem não existir
5 DIALÉTICA E ANTINOMIAS
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1 DIALÉTICA E NATUREZA
1. Identidade:
1.1. Identidade simples AIndivíduo
1.2. Identidade iterativaIteração, replicação,
AAA reprodução
1.3. Identidade reflexa A
Espécie
=A
2. Diferença:
2.1. Diferença de
A e Não-A (não existente)
contraditórios
2.2. Diferença deA e B Emergência do
contrários novo, mutação por acaso
3. Coerência:
3.1. Anulação de um dos
Morte, seleção natural
pólos
3.2. Elaboração das
Adaptação
devidas distinções
2 ÉTICA
3 JUSTIÇA E ESTADO
4 O SENTIDO DA HISTÓRIA
5 O ABSOLUTO