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Como todo conto, com suas estratégias, como rápidas peripécias ou finais
abruptos, os poucos dias que encerram o período de transformação guardam algumas
questões. De início, parecem uma defesa das benesses práticas de uma babá, contra os
quais Marlo relutava: é o triunfo da terceirização, um dos privilégios do mundo neoliberal,
no qual toda atividade vira um serviço e aqueles que podem pagá-lo, alcançam o luxo de
ascender a esses bolsões de descanso, ócio e liberdade. De outro modo, a sensibilidade
com a qual a mãe encara toda a transformação que lhe afeta, acolhendo a babá como se
fosse uma pessoa muito próxima, como se conhecessem-se profundamente, pode ser lida
como uma cumplicidade com o espírito da juventude na sociedade, enaltecendo sua
necessidade, o qual nos despertaria, uma vez mais, para o frescor das intensidades,
demonstrando como seria possível dar conta de coisas quando a velhice começasse a
falhar.
O filme acaba por revelar que Marlo, na verdade, estava doente, passando por uma
espécie de surto devido ao extremo cansaço. Tully, seu nome do meio, concedido à babá
em meio a esse período alucinatório, era o efeito de uma condição de saúde mental
sofrível. Seu marido é aconselhado a cuidar melhor dela – ele mesmo, passando por sua
própria transformação, tomando consciência daquilo que estaria deixando de fazer para
ajudar. Ao final, percebe-se a mensagem evidente, ao menos, tal como a narrativa a
construiu: associada a uma alucinação e, logo, a uma doença, a consciência que ela toma
de si, com os efeitos decorrentes, revelam o grande mal. Foi preciso a enfermidade e a
experiência de quase morte para perceber que um modo de vida adoece as pessoas. O
surto e, agora, a aparente transformação, com o desbundar de suas potências vitais, eram
sinais de um corpo moribundo.