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A intenção aqui é deixar-se ser afetado por aquilo que lê para pensar o seu
próprio problema. Sinto-me como um estranho no ninho, um exilado deste território do
comentário da crítica-literária. Essa sensação de desconforto, por sua vez, talvez possa
evidenciar as relações de poder nas quais estão envolvidos os exercícios de ler e
escrever – fundamentais para toda ato pedagógico.
Desta forma, não me interessará falar ostensivamente da relação entre a obra e o
autor, entre sua vida e seus escritos, ou do tema geral tanto do engajamento como de
outros no interior da obra ou da vida dos autores em questão (daqui, também, o ignorar
estratégico de boa parte da fortuna crítica sobre os autores e os temas). Bolaño e seus
escritos escolhidos me interessam mais pela sua superfície: pelo que eles falam, pelo
que eles podem fazer pensar/falar com respeito a temas mais ou menos correlatos e
corriqueiros aos seus e aos nossos, como a da militância na América Latina ou a
degeneração moral e política da esquerda ou mesmo das virtudes práticas mas pouco
convencionais da direita.
Deste modo, este texto é mais um ensaio na forma de uma excursão por alguns
temas do pensamento bolañescos (em textos mais ou menos aleatórios) a fim de acercar-
se de certo atitude ou ética do artista pós-Segunda Guerra, pós-Maio de 68, pós-Queda
do Muro de Berlim – todos acontecimentos histórico-políticos que viriam a crivar a
experiência ético-política de seus atores de modo muitas vezes dicotômicos, i.e., a
resistência/revolução vs. sistema/poder, engajados/militantes vs. alienados/acomodados,
vanguarda vs. tradição, bem vs. mal e assim por diante, onde cada lado classifica o
outro por oposição e, logo, como risco a sua sobrevivência.
Não me interessa mais pensar por essa correlação, a qual muitas vezes se
conveniou chamar de crítica (FELSKI, 2012), o modo do como deveria ser uma nova
configuração de nossas questões (certo apelo a uma promessa revolucionária); interessa-
me tentar destituir uma autoridade do pensado em favor de fervilhar o que se pensa
agora, levando adiante, avançando com o que já foi feito, o que já é feito, o que ainda
pode ser feito – principalmente, no campo que nos parece mais tocante a tal tema: o da
educação.
Almejando explicitar uma perspectiva outra de ler o seu presente – e por sua vez,
de fazer história e crítica –, encontramos em alguns autores, em diálogo com Bolãno,
pistas de tentativas de superação dessas questões e como plataformas outras de
engajamento e ação (seriam estes os termos ainda?) na sociedade por meio do
pensamento e da arte.
Na primeira parte texto, analisamos algumas falas públicas do escritor chileno
para aventar acerca de temas como a recusa da identidade, a perigosa atividade da
escrita e sua relação com certas demandas da sociedade. Na segunda parte, passamos a
cotejar tais posições de Bolaño em relação ao pensamento da crítica sob uma
perspectiva do que se conveniou chamar de pós-crítica, mas, de todo modo, para se
repensar as condições de possibilidade da crítica e de certo tipo de resposta a uma
exigência vital para, principalmente, no que compete ao pensamento educacional.
Enfim. Como tentativa de trazer à tona essa espécie de exigência ou de delírio,
gostaria de escrever para além de um tipo de crítica e de promessa -- ambos ancorados
no fundamento identitário e valor edificante, revolucionário, redentor, mesmo que
necessários, para a esconjuração da radicalidade do outro.
***
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