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Teoria Geral do Direito Civil

Aulas teóricas
Professora Doutora Regina
Redinha
Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Nota introdutória:

Esta sebenta diz respeito às aulas teóricas do ano letivo


2018/2019 da unidade curricular de Teoria Geral do Direito Civil,
lecionadas pela docente Regina Redinha. A sebenta tem como base as
aulas teóricas e as obras “Teoria Geral do Direito Civil” de Mota Pinto
e “Teoria Geral do Direito Civil” de Orlando Carvalho e foi realizada
pelas vogais do Departamento de Pedagogia da CC2 Inês Amorim e
Marta Correia, e Margarida Marques.
Foi elaborada com o intuito de auxiliar os estudantes para o
exame de Teoria Geral do Direito Civil.
Salientamos que a leitura desta sebenta não substitui a leitura de
bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo um mero instrumento
de auxílio ao estudo.

No caso de serem encontrados erros, agradecemos que os


mesmos sejam comunicados para aperfeiçoamento do documento,
através do e-mail da CC2 – cc2direito1819@gmail.com.
Bom estudo!

A Comissão de Curso do 2º Ano de Direito

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I. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL E AO SEU MÉTODO

 Nesta disciplina encontramos dois vetores:


 Teoria: visa reduzir uma série de elementos a uma visão sintética, coerente.
Cumpre sistematizar o que aparece de forma avulsa no Direito Civil, de modo ao
obter um resultado unitário.
 Geral: como consequência da adesão ao modelo pandectístico, encontra-se
diretamente ligado à Parte Geral do Direito Civil. Tem a pretensão de concentrar
os princípios e as regras comuns a todo o Direito Civil, nela se incluindo os
elementos ou denominadores comuns das partes especiais. Seria, assim, a parte
fundante das relações especiais do Direito Civil.

O Direito Civil como parte do Direito Privado


O direito civil é direito privado. Segundo uma clássica distinção, o direito divide-se
em dois grandes ramos: direito público e direito privado. O direito civil constitui o direito
privado geral.

 Distinção entre Direito Público e Direito Privado:


 TEORIA DOS INTERESSES:
Um critério abundantemente divulgado é o que delimita o direito público e o
direito privado segundo a chamada teoria dos interesses. Estaríamos perante uma norma
de direito público quando o fim da norma fosse a tutela de um interesse público, isto é,
de um interesse da coletividade; estaríamos perante uma norma de direito privado quando
a norma visa tutelar ou satisfazer interesses individuais, isto é, interesses dos
particulares como tal.
Este critério não pode ser perfilhado, podendo dirigir-se-lhe várias críticas:
a) Em primeiro lugar, todo o direito visa proteger interesses públicos e interesses
particulares. As normas de direito privado não se dirigem apenas à realização de
interesses dos particulares, tendo em vista frequentemente, também, interesses
públicos. Por exemplo, a norma que sujeita as vendas de imóveis a escritura
pública como requisito de validade do ato. Tem-se em vista com ela, além de
defender as partes contra a sua ligeireza e precipitação, realizar os interesses
públicos da segurança do comércio jurídico, da prova fácil da realização do ato,
etc. Inversamente, as normas de direito público pretendem também dar adequada
tutela a interesses dos particulares. Por exemplo, as normas que definem as
condições de promoção dos funcionários públicos, têm em vista, para além do
interesse público do eficaz funcionamento dos serviços, uma proteção justa dos
legítimos interesses das pessoas singulares a que se dirigem. Acresce que todas as
normas, por cima dos interesses específicos e determinados que visam, miram um
fundamental interesse público: o da realização do Direito, ou, da segurança e da
retidão.
b) O critério só poderia manter-se, portanto, se procurar exprimir apenas uma nota
tendencial: o direito público tutelaria predominantemente interesses da

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coletividade, e o direito privado protegeria predominantemente interesses dos


particulares. Isto só nos conduziria a respostas carecidas de certeza e, portanto,
inaceitáveis.

 TEORIA DA POSIÇÃO DOS SUJEITOS:


Poderia pensar-se em recorrer ao critério segundo o qual o direito público
disciplina relações entre entidades que estão numa posição de supremacia e
subordinação, enquanto o direito privado regularia relações entre entidades numa
posição relativa de igualdade ou equivalência.
Sucede, porém, que o critério não é, também, adequado, pois:
a) O direito público regula, por vezes, relações entre entidades numa relação de
equivalência ou igualdade, como acontece com as relações entre autarquias
locais;
b) O direito privado disciplina também algumas vezes situações onde existem
posições relativas de supra-ordenação e infra-ordenação, como acontece com o
poder paternal ou a tutela; com a relação laboral; com as relações entre associações
e sociedades e os seus membros.

 TEORIA DA QUALIDADE DOS SUJEITOS


O critério mais adequado e que hoje reúne a maioria dos sufrágios pode ser
designado por teoria dos sujeitos. Segundo este critério, o direito privado regula as
relações jurídicas estabelecidas entre particulares ou entre particulares e o Estado ou
outros entes públicos, mas intervindo estes em veste de particular, isto é, despidos de
poder soberano. Por exemplo, quando o Estado arrenda um prédio para instalar um
serviço.
Se a relação jurídica disciplinada pela norma não se apresenta com estas caraterísticas
estamos perante uma norma de direito público. Este ramo do direito é integrado, portanto,
pelas normas que estruturam o Estado e outras pessoas coletivas dotadas de
qualidades ou prerrogativas próprias do poder estadual ou disciplinam as relações desses
entes providos de “jus imperii” entre si e com os particulares.

Não existe já uma barreira absoluta entre os dois setores do direito; há uma área de
interseção cada vez maior.

É possível destacar duas perspetivas fundantes da “summa divisio”:


- Objetividade e heteronomia. Neste caso, o Direito está para além da esfera do
sujeito, estando este à mercê de imposição externa.
- Subjetividade e autonomia. O Direito está dentro do alcance do sujeito, provendo
este do querer individual e subjetivo. Aqui enquadra-se o Direito Civil.

Há caraterísticas e traços identificadores do direito público e do direito privado que


permitem a sua distinção.
- O Direito Privado rege-se pelo “princípio da liberdade”, isto é, é lícito tudo quanto
não é proibido. Os sujeitos podem modelar os seus interesses de acordo

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com as suas conveniências e só não o podem fazer caso seja ilegal. Já o Direito
Público rege-se pelo “princípio da competência” - só é lícito o que for permitido
(daí os regimes de autorização, licenciamento, etc), pois à partida está-nos vedada
a iniciativa de determinados atos.
- O Direito Privado é, em certa forma, um direito “geral” em relação ao direito
público, tendo uma vocação muitíssimo mais alargada. Quando as regras de direito
público regulam dada matéria, não a regulam em termos exclusivos, apenas em
termos especiais, dado que é o Direito Privado que regula o regime base. Por
exemplo: os bens do Estado pertencem por regra ao seu domínio privado, estando
isto disposto no artigo 1304.º do CC.

 Interesse prático da distinção entre Direito Público e Direito Privado:


Além de uma questão intelectual, a divisão efetuada e a exata integração de cada
norma na categoria correspondente, satisfaz por um lado um interesse de ordem científica
na sistematização e no lógico agrupamento e separação de grandes grupos de normas
jurídicas, e por outro lado reveste interesse no próprio plano da aplicação do direito.

a) A determinação das vias judiciais competentes para apreciar dado litígio


resultante de uma relação jurídica. O caráter público ou privado determina a
jurisdição competente, dado que existe uma jurisdição especial (tribunais
administrativos) para a atividade de órgãos, agentes ou representantes do Estado
quando estes atuam sob essa veste.
b) A responsabilidade civil – a obrigação de indemnizar por prejuízos sofridos –
está sujeita a um regime diverso quando decorrente da atividade de órgãos, agentes
ou representantes do Estado, consoante os danos são causados no exercício de uma
atividade de gestão pública ou de uma atividade de gestão privada.

O Direito Civil como Direito Privado Comum


O direito civil constitui o núcleo fundamental do direito privado.
Historicamente, o direito privado confunde-se com o direito civil, regendo este, sem
restrições, todas as relações jurídicas entre sujeitos privados. O desenvolvimento da
sociedade, no decurso dos séculos, fez surgir ou acentuou necessidades específicas de
determinados setores da vida dos homens. Daí que fossem surgindo regras especiais para
estes setores particulares. Dentro do direito privado surgiram assim, por especialização
relativamente às normas do direito civil, ramos autónomos de direito.
Assim, emerge o direito comercial e o direito laboral a par do direito civil. Aqueles
são direito privado especial, este é direito privado comum. Esta contraposição entre
direito comum e direito especial significa que o direito comercial e o direito do trabalho
dão às particulares relações jurídico-privadas a que se aplicam uma disciplina diferente
da que o direito civil dá às relações jurídico-privadas em geral, sendo, quanto aos casos
omissos na legislação comercial ou laboral, aplicável o direito civil – este é assim direito
subsidiário nestes domínios.

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- Direito Comercial: tem por objeto a disciplina do comércio, que juridicamente se


entende por toda a atividade de circulação intermediária lucrativa de bens. Tem nas
empresas o seu foco principal. Identifica-se com o aparecimento do primeiro
Código Comercial, que curiosamente antecedeu o Código Civil. O diploma central
da regulamentação positiva é o Código das Sociedades Comerciais;
- Direito Laboral: é muito mais recente pois emerge apenas após a Revolução
Industrial, portanto, no século XIX. Nasce como um direito categorial;
- Direito Internacional Privado: é uma disciplina autónoma, mas de natureza
instrumental e com crescente importância na sociedade global. Cada vez mais há
relações de natureza plurilocalizada - saber qual é a lei invocada a regular a
situação, que por força do seu objeto tem a conexão com mais de uma ordem
jurídica. É constituída não por normas substantivas, mas por normas que se
limitam a convocar a norma reguladora. Responde aos conflitos de jurisdição.

Assim, o Direito Civil estrutura-se em quatro grandes áreas segundo a


sistematização germânica:
- Direito das obrigações: lida com os direitos de crédito. Trata de relações que se
estabelecem entre sujeitos e em que um tem o direito de exigir de outrem o
cumprimento de uma prestação (tem sobre ela um crédito). Relação
obrigacional. A satisfação do interesse do credor está dependente de uma ação do
devedor. Esse comportamento pode ser positivo ou negativo;
- Direitos reais (das coisas): abrange relações que têm por objeto o poder sobre
determinada coisa (procede à ordenação dos bens, em vida). Alcança relações
como servidão, propriedade, usufruto;
- Direito da família: delimita-se a partir das fontes de onde emergem as relações
jurídicas familiares (nomeadamente, casamento, filiação e adoção, que são
vínculos muito mais marcadamente pessoais);
- Direito sucessório: versa sobre a transmissão mortis causa dos bens. A fonte de
que emergem as relações sucessórias é a morte, conjugada ou não com um negócio
jurídico unilateral (o testamento). Rege, assim, o complexo de relações
desenvolvidas em redor do fenómeno da atribuição por morte dos direitos e
vinculações pertencentes ao falecido.

Diferença entre direitos reais e direitos obrigacionais:


- Os direitos obrigacionais têm eficácia inter partes, ou seja, o direito de exigir de
outrem o cumprimento de uma prestação só é válido entre as partes contratantes. Já
os direitos reais têm eficácia erga omnes, ou seja, o seu respeito impõe-se a todos
os sujeitos de Direito.
- Os direitos obrigacionais podem ser modelados pelos particulares, estando a
regulação dos seus interesses, em princípio, à sua disposição (princípio da autonomia
privada). Já aos direitos reais aplica-se o princípio da tipicidade - não podem ser
criados direitos reais para além daqueles que a lei prevê (esta é outra diferença
fundamental entre estes e os direitos obrigacionais).

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O ESTUDO DAS FONTES DO DIREITO CIVIL


 O Código Civil: é a principal fonte. Aplica-se para lá das fronteiras do direito
civil ou privado. A sua estrutura influencia não apenas o plano da normatividade,
mas também em grande medida a arrumação científica das matérias
(sistematização germânica). É por força dessa divisão que há um estudo
compartimentado das diferentes matérias, influenciando mesmo o plano de
estudos das faculdades. Tem uma importância muito superior àquela que lhe
advém do modo de revelação do direito positivo.

 A Constituição: tem uma grande influência no estabelecimento de princípios


implicados na conformação e no entendimento das normas de direito civil. Por
exemplo direitos fundamentais com uma incidência pessoal particularmente
intensa; todos os princípios em matéria de reconhecimento da família, do
casamento, bem como de iniciativa económica privada. Realça-se o princípio da
igualdade, contido no artigo 13.º, sendo um princípio estruturante que se vai
manifestar em todas as áreas da CRP.

 Sobre o Código Civil:


Entrou em vigor em 1967 e foi moldado a partir da Escola Pandectista. Antes deste
Código, vigorava o Código de Seabra (este precedido pelas Ordenações), tendo os
dois códigos sistematizações completamente diferentes. O Código de Seabra não se
filiava em nenhuma corrente ideológica própria, tinha uma vaga influência
napoleónica, mas resultou muito das contribuições nacionais e da tradição civilística
portuguesa.
O Código Civil beneficiou dos contributos de doutrinadores civilísticos e demorou
22 anos a ser elaborado. Tem 5 livros, que se dividem em títulos, capítulos, secções,
subsecções e divisões. Os cinco livros correspondem às grandes divisões do Direito
- sistema externo. Em cada um dos livros das matérias, exceto no Livro das Coisas,
temos uma parte geral e uma parte especial.
A par do sistema externo, existe um sistema interno, que exprime as conexões
que entre as matérias se estabelecem.

 SISTEMA EXTERNO:
- Divisão do Código em livros, que por sua vez se dividem em títulos, capítulos,
secções, subsecções e divisões.
- O critério de exposição e sistematização do Direito que está na base da
sistematização do atual Código Civil é o da noção de relação jurídica.
Estabelece-se uma parte geral que engloba os temas relativos aos elementos
comuns às outras quatro partes especiais e estas, por sua vez, correspondem ao
direito aplicável a quatro espécies ou modalidades diversas de relações jurídicas.
- Esta sistematização é conhecida por sistematização germânica ou plano de
Savigny, por ter sido consagrada no Código Civil alemão (BGB) de 1896, que

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entrou em vigor em 1900, no seguimento da sua adoção, várias décadas antes, por
aquele autor da mesma nacionalidade.
- A relação jurídica é utilizada nela como meio técnico de arrumação e exposição
do direito, por se considerar esse conceito um quadro adequado para exprimir a
realidade social a que o ordenamento jurídico se aplica.
- Tendo o Direito a pretensão de disciplinar os interesses contrapostos no
entrecruzar de atividades e interesses dos homens, são criados enlaces, nexos entre
os homens, nos termos dos quais a uns são reconhecidos poderes e a outros
impostas vinculações – precisamente essa relação entre os homens, traduzida em
poderes e vinculações, constitui a relação jurídica.
- A relação jurídica é, portanto, um conceito operativo, que permite dividir e
estabelecer um método de compreensão do Direito Civil. É uma relação social
juridicamente relevante.

Como referido previamente, integram-se então aqui as quatro grandes áreas, que
compõem relações jurídicas estruturalmente diferentes:
- Direito das Obrigações: são as relações de crédito; os direitos de crédito (são
direitos relativos); os vínculos jurídicos através dos quais fica obrigada à
realização de uma prestação em benefício de outrem. Artigo 397.º. Ativo – credor;
passivo – devedor.
- Direitos Reais: a relação do titular do direito com os outros é uma relação mais
indeterminada. Não se apõe só a um sujeito determinado, mas a todos os outros
que estão excluídos daquele direito. Por força deste direito, A tem um poder direto
e imediato sobre dada coisa. Direitos reais têm eficácia erga omnes.
Podem ser direitos reais:
 De gozo (como a propriedade);
 De garantia (direitos que se destinam a garantir direitos de crédito);
 De aquisição (direito de preferência, de contrato promessa, veículos de
acesso preferencial ao direito real).
- Direito da Família: relações eminentemente pessoais, mas isso não exclui que a
par delas haja relações de natureza patrimonial.
- Direito das Sucessões: transmissão mortis causa.

- Críticas:
o Caráter incompleto desta classificação. Há partes muito importantes do direito
civil sem sede própria, por exemplo direitos de personalidade;
o Despersonalização que esta classificação comporta, contrariamente ao outro
Código que continha uma perspetiva antropocêntrica;
o Incoerência;
o Utilização de conceitos indeterminados e cláusulas gerais*;
o Linguagem demasiado técnica.

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* Qual é a técnica legislativa utilizada? O legislador adota os conceitos gerais e


abstratos: conceitos fixos conjugados parâmetros de definição bem claros, sendo o
trabalho do intérprete compatibilizar as situações reais a estes parâmetros.
- Cláusulas gerais: standards jurídicos, padrões pelos quais aferimos determinada
conduta. Exemplos: boa fé, bons costumes.
- Conceitos indeterminados: já não são critérios de valoração, mas conceitos que
carecem de preenchimento valorativo em cada situação concreta.

 SISTEMA INTERNO: exprime as conexões que entre as matérias se estabelecem.

II. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE DIREITO CIVIL


A massa das normas jurídicas civis não é um conjunto desordenado de preceitos
avulsos, desprovidos de conexão uns com os outros. Há uma ordenação dessas normas.
Para além da distribuição das normas jurídico-civis por divisões – correspondendo esta
divisão ao sistema externo – pode detetar-se uma série de princípios fundamentais do
atual direito civil português.

1. O reconhecimento da pessoa humana e dos direitos de personalidade


2. A autonomia privada
3. A responsabilidade civil
4. A boa fé
5. A concessão da personalidade jurídica às pessoas coletivas
6. A propriedade privada
7. A relevância jurídica da família
8. O fenómeno sucessório

Como é que estes princípios se articulam com os princípios constitucionais? A


atuação destes princípios acontece no Direito Civil, havendo como que uma relação de
complementaridade. Atualmente fala-se da proteção multinível a este propósito. Todos os
atos contrários aos direitos fundamentais são inválidos e suscetíveis de desencadear
responsabilidade civil no agressor. A concretização das proclamações constitucionais
acaba por ser operada no âmbito do direito civil. Concretização civilística: princípio da
igualdade, que vai funcionar como o limite extremo da liberdade negocial.
- Proibição de discriminação com base nas categorias subjetivas enumeradas no
artigo 13.º da CRP.
- Imposição deste princípio a todas as entidades públicas e privadas que tenham
poder estatutário, regulamentar ou contratual que se imponha a outros.

1) O reconhecimento da pessoa humana e dos direitos de personalidade


O Direito só pode ser concebido, tendo como destinatários os seres humanos em
convivência. A aplicação do direito civil a essa convivência humana desencadeia uma

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teia de relações jurídicas entre os homens, relações traduzidas em poderes (direitos) e


deveres jurídicos.
É o princípio fundante de todo e qualquer ramo de Direito, e especialmente do
Direito Civil. Em bom rigor, não se trata de um princípio normativo. É a própria razão de
ser, a própria causa fundante do Direito. O Direito existe para a pessoa e, portanto, o
reconhecimento da pessoa é muito mais do que um princípio normativo. É o que se
costuma identificar como o primus da ideia de Direito, antecede a própria ideia de Direito.
O reconhecimento da pessoa aparece-nos então como este princípio. Ser pessoa é ser um
sujeito com aptidão para assumir direitos e obrigações.
Num sentido puramente técnico, ser pessoa é precisamente ter aptidão para ser
sujeito de direitos e obrigações; é ser um centro de imputação de poderes e deveres
jurídicos, ser centro de uma esfera jurídica. Neste sentido técnico-jurídico, não há
coincidência entre a noção de pessoa ou sujeito de direito e a noção de ser humano:
- Os seres humanos não são necessariamente sujeitos em sentido jurídico (do
ponto de vista lógico), daí a experiência histórica da escravatura.
- As pessoas em sentido jurídico não são necessariamente seres humanos: e aí estão
certas organizações de pessoas (associações, sociedades) e certos conjuntos de
bens (fundações) a quem o direito objetivo atribui personalidade jurídica.
Serão pessoas para o direito todos os homens ou só alguns? E quais? Tudo depende
das opções valorativas e culturais determinadas pela conceção do homem e do mundo. O
atual direito civil português adota o princípio humanista que reconhece a personalidade
jurídica a todo o ser humano a partir do nascimento completo e com vida.

Artigo 66.º
(Começo da personalidade)
1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.
2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento.

A personalidade jurídica, a suscetibilidade de direitos e obrigações, corresponde a


uma condição indispensável da realização por cada ser humano dos seus fins ou
interesses na vida com os outros. A personalidade das pessoas singulares é assim uma
qualidade jurídica ou um estatuto onde se vaza diretamente a dignidade da pessoa
humana, de todos e de cada ser humano, e não apenas a máscara com que alguns atores
se movimentam no palco da vida sócio-jurídica.

Ser sujeito de direito, ser pessoa, significa, aliás, desde logo, ser sujeito de direitos. A
suscetibilidade de direitos e obrigações implica a titularidade real e efetiva de alguns
direitos e obrigações. A pessoa é sempre titular de um certo número de direitos absolutos,
que se impõem ao respeito de todos os outros, incidindo sobre os vários modos de ser
físicos ou morais da sua personalidade. São os chamados direitos de personalidade
(artigo 70.º e seguintes do Código Civil).

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Artigo 70.º
(Tutela geral da personalidade)
1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua
personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida
pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a
consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa jácometida.

Incidem os direitos de personalidade sobre a vida pessoa, a sua saúde física, a sua
integridade física, a sua honra, a sua liberdade física e psicológica, o seu nome, a sua
imagem ou a sua reserva sobre a intimidade da sua vida privada. É este um círculo de
direitos necessários; um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada
pessoa. Têm caráter inato, excetuando o direito ao nome.
O direito civil protege os vários modos de ser físicos ou morais da personalidade. A
violação de alguns desses aspetos da personalidade é até um facto ilícito criminal, que
desencadeia uma punição estabelecida no Código Penal (por exemplo, homicídio, ofensas
corporais, difamação, calúnia, injúria, etc.). Independentemente das reações penais,
qualquer violação dos direitos de personalidade desencadeia uma reação civil. Nessas
hipóteses, a violação não corresponde a um ilícito criminal, existe antes um facto ilícito
civil. Este facto ilícito civil, traduzido na violação de um direito de personalidade,
desencadeia a responsabilidade civil do infrator (obrigação de indemnizar pelos
prejuízos causados).

Os direitos de personalidade são irrenunciáveis. Mesmo a limitação voluntária do


exercício destes direitos (quando o próprio titular consente numa violação do direito) só
é permitida em casos excecionais, com consentimento da pessoa e com revogabilidade
que não sejam contrárias aos princípios da ordem pública, de acordo com o que dispõe
o ART. 81.º. Quando falamos de ordem pública falamos do conjunto de princípios
subjacentes ao sistema jurídico civil. Portanto, independentemente do disposto no n. º2 do
81.º, a ordem pública é SEMPRE um limite, a consciência ético-jurídica é um limite. Isto
impede que haja por ex. limitação voluntária no que diz respeito à vida e ao direito à vida
(ex. eutanásia, auxílio ao suicídio) - um limite intransponível.

Artigo 81.º
(Limitação voluntária dos direitos de personalidade)
1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, sefor
contrária aos princípios da ordem pública.
2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigaçãode
indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outraparte.

Os direitos de personalidade são direitos que a ordem jurídica se limita a


reconhecer, não a conceder - obrigação passiva universal. Além desta obrigação, temos
ainda um dever geral de auxílio (relação proactiva de manter a titularidade do direito),
um dever de auxiliar na manutenção do direito.

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Novas coordenadas têm surgido no contexto deste princípio. Um exemplo é a


questão dos animais - os “direitos dos animais” (que na verdade não são titulares de
direitos por não terem personalidade). Outro exemplo é a questão das e-persons, a
possibilidade de reconhecimento de uma personalidade instrumental atribuída a
inteligências artificiais como “robots” - esta é uma outra realidade que faz com que esta
questão da personalidade, que esteve séculos sem modificações, hoje tenha debates que a
colocam num ponto de viragem. O conceito de personalidade é dinâmico.

2) A autonomia privada e a liberdade contratual


A autonomia privada é um princípio fundamental do direito civil. É ela que
corresponde à ordenação espontânea dos interesses das pessoas, consideradas como
iguais, na sua vida de convivência.
Encontra os veículos da sua realização em duas dimensões:
a) Possibilidade de celebração de negócios jurídicos. O negócio jurídico é uma
manifestação do princípio da autonomia privada, subjacente a todo o direito
privado. Sendo que a autonomia da vontade ou autonomia privada consiste no
poder reconhecido aos particulares de autorregulamentação dos seus interesses, de
autogoverno da sua esfera jurídica, este poder manifesta-se desde logo na
realização de negócios jurídicos, de atos pelos quais os particulares ditam a
regulamentação das suas relações, constituindo-as, modificando-as, extinguindo-
as e determinando o seu conteúdo. O direito revela-se nas relações privadas através
da auto-composição dos interesses. Na base desta ideia, está o então o princípio
da autonomia privada: a possibilidade de atuar livremente de acordo com os
interesses em jogo e obter a proteção do direito de forma a autorregular os seus
interesses e perspetivas. Será importante notar que a liberdade contratual não
quer dizer, nem esgota, autonomia privada.
b) Direitos subjetivos. Não é só através do negócio jurídico que a autonomia da
vontade se revela e atua, embora seja o negócio jurídico o seu meio principal de
atuação. É também a autonomia privada que se manifesta no poder de livre
exercício dos seus direitos ou de livre gozo dos seus bens pelos particulares -
ou seja, é a autonomia privada que se manifesta na “soberania do querer” - no
império da vontade - que carateriza essencialmente o direito subjetivo.

Assim sendo, o negócio jurídico é, como vimos, um meio de atuação da autonomia


privada. Uma importante classificação dos negócios jurídicos é a resultante do critério do
número e modo de disposição das declarações de vontade que os integram:
 Negócios jurídicos unilaterais. Perfaz-se com uma só declaração de vontade.
Por exemplo: testamento, ato de instituição de uma fundação, etc. Pode haver
várias declarações de vontade, mas todas no mesmo sentido, por exemplo se
um casal decide criar uma instituição. A pluralidade de declarações não
invalida a unilateralidade do negócio.

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 Negócios jurídicos bilaterais ou contratos. É constituído por duas ou mais


declarações de vontade com conteúdos diversos e opostos convergentes,
tendentes à produção de um resultado jurídico unitário. Só há negócio
jurídico bilateral ou contrato, quando uma parte formula e comunica uma
declaração de vontade (proposta) e a outra manifesta a sua anuência
(aceitação).

A autonomia privada tem a sua manifestação mais expressiva nos negócios


jurídicos bilaterais, ou contratos, enquanto liberdade contratual. A sua consagração
tem lugar no artigo 405.º do Código Civil. A autonomia da vontade encontra, nesse
domínio dos contratos obrigacionais, a sua mais ampla dimensão.
Quanto aos negócios jurídicos unilaterais, a autonomia da vontade não está
excluída, mas sofre restrições muito acentuadas. Nos termos do artigo 457.º do Código
Civil, a vinculação através de um negócio unilateral é uma vinculação taxativa: só nas
situações tipificadas na lei é que é obrigatória – princípio da taxatividade e tipicidade. No
caso dos negócios bilaterais, as partes podem celebrar contratos diferentes dos previstos
no CC ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, mas neste caso isto não acontece.
No entanto, nos casos em que a lei atribui eficácia vinculativa a um negócio unilateral
(v.g. a promessa pública do ART. 459.º), a parte respetiva tem o poder de fixar livremente
o conteúdo da promessa e, nessa medida, reaparece a autonomia da vontade. Quanto aos
negócios unilaterais modificativos ou extintivos de relações jurídicas vigora também
o princípio da tipicidade. Toda a relação jurídica, ligando dois ou mais sujeitos, não pode
ser extinta ou modificada por atuação unilateral de um deles, a não ser que a lei, fundada
em valorações de justiça e conveniência, tenha consagrado essa possibilidade e nos
termos em que a consagrou. O negócio unilateral produz sempre efeitos - porventura
efeitos favoráveis - na esfera de terceiros, devendo assumir, pois, as modalidades que a
lei julgou oportuno admitir.

Artigo 457.º
(Princípio geral)
A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.

Aspetos contidos na liberdade contratual: a liberdade de conclusão ou celebração


dos contratos e a liberdade de modelação do conteúdo contratual.
A liberdade contratual é, como foi referido, a mais visível manifestação da autonomia
privada. Está aquela liberdade consagrada no artigo 405.º do Código Civil.

Artigo 405.º
(Liberdade contratual)
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos
contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas
que lhes aprouver.

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2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou
parcialmente regulados na lei.

Recolhem-se duas dimensões deste princípio através do artigo 405.º:


a) Liberdade de celebração: consiste na faculdade de livremente realizar contratos
ou recusar a sua celebração. Segundo tal princípio, a ninguém podem ser impostos
contratos contra a sua vontade ou podem ser aplicadas sanções por força de uma
recusa de contratar, nem a ninguém pode ser imposta a abstenção de contratar. Se
uma pessoa quiser, pode celebrar contratos; se não quiser, a sua recusa é legítima.
Excecionalmente o nosso ordenamento jurídico pode estabelecer algumas
restrições à liberdade de celebração dos contratos:
 Na consagração de um dever jurídico de contratar, pelo que a recusa de
contratar de uma das partes não impede a formação do contrato ou sujeita
o obrigado a sanções diversas. Por exemplo, a celebração obrigatória do
contrato de seguro de responsabilidade civil;
 Na proibição de celebrar contratos com determinadas pessoas;
 Na sujeição do contrato a autorização de outrem, eventualmente de uma
autoridade pública.

b) Liberdade de modelação do conteúdo contratual: consiste na faculdade


conferida aos contraentes de fixarem livremente o conteúdo dos contratos,
celebrando contratos do tipo previsto no Código Civil, com ou sem aditamentos,
ou estipulando contratos de conteúdo diverso dos que a lei disciplina.
Podem, portanto:
a) Realizar contratos com as caraterísticas dos contratos previstos e regulados na
lei – contratos típicos ou nominados;
b) Celebrar contratos típicos ou nominados aos quais acrescentam as cláusulas
que lhes aprouver;
c) Celebrar um contrato que conjugue dois ou mais contratos diferentes –
contratos mistos;
d) Concluir contratos diferentes dos contratos expressamente disciplinados na lei
– chamados de contratos atípicos ou inominados, sem regime próprio
desenhado na lei.
O direito civil procura assegurar, pelo menos contra as suas negações extremas,
uma justiça efetiva e substancial nas relações entre as partes, bem como valores ou
interesses da coletividade, tais como os bons costumes, a ordem pública, a
celeridade, a facilidade, a segurança do comércio jurídico. Para realizar estes
objetivos são consagradas limitações à liberdade de fixação do conteúdo
contratual.
 Restrições legais:
- Submete-se o objeto do contrato aos requisitos do artigo 280.º;
- São anuláveis em geral os chamados negócios usurários (artigo 282.º);
- A conduta das partes contratuais deve pautar-se pelo princípio da boa fé (artigo
762.º nº 2);

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- A lei reconhece e admite certos contratos-tipo que, celebrados a nível de


categorias económicas ou profissionais, contêm normas a que os contratos
individuais, celebrados entre pessoas pertencentes às referidas categorias, têm de
obedecer, daí que se fale nestes casos de contratos normativos;
- Alguns contratos em especial estão necessariamente sujeitos a determinadas
normas imperativas, por exemplo no artigo 1146.º sobre as taxas máximas de
juros.

 Contratos de adesão: a proteção dos consumidores contra cláusulas


abusivas.
Uma importante limitação de ordem prática – e não legal – à liberdade de modelação
do conteúdo contratual é a que se verifica nos chamados contratos de adesão. São
hipóteses em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão,
formula prévia e unilateralmente as cláusulas negociais e a outra parte aceita essas
condições, mediante a adesão ao modelo que lhe é apresentado, ou rejeita, não sendo
possível modificar o ordenamento negocial apresentado. Isto advém de uma limitação de
facto, originada pela posição relativa dos sujeitos da relação contratual (uma das partes
encontra-se em posição de supremacia permitindo-lhe fazer valer a sua posição). Este é
um caso em que um dos participantes não tem qualquer poder de participação na
elaboração das cláusulas contratuais. Via de regra, tais contratos são celebrados através
da aceitação (adesão) de cláusulas prévia e unilateralmente redigidas para todos os
contratos que a empresa venha a celebrar no futuro – são “cláusulas contratuais gerais”.
É o que sucede nos contratos de seguro, de fornecimento de certos bens importantes para
a vida quotidiana (gás, eletricidade, etc.).
Há uma restrição factual à liberdade de contratar pois, embora o particular seja
livre de rejeitar o contrato, essa liberdade implicaria não satisfazer uma necessidade
importante, dado que os contratos de adesão surgem normalmente numa zona de comércio
onde o fornecedor está em situação de monopólio ou quase monopólio. Assim, o
particular, impelido pela necessidade, aceita as condições elaboradas pela outra parte,
ainda que lhe sejam desfavoráveis ou pouco equitativas.
A legislação veio introduzir fortes limitações ao abuso decorrente desta figura dos
contratos de adesão, a fim de proteger o aderente: DL nº 446/85 de 25 de outubro.
Define-se “cláusulas contratuais gerais” como as que são “elaboradas sem prévia
negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem,
respetivamente, a subscrever ou aceitar”.
Esta lei estabelece duas ordens de mecanismos protetores:
 Normas materiais/substantivas:
- Controlo de inclusão:
 Ónus da comunicação (artigo 5.º + artigo 8.º, a): há um ónus porque se
consideram excluídas as cláusulas que não tenham sido publicadas. Para
serem eficazes, têm de ser comunicadas - não há surpresas para o aderente,
este tem de conhecer integralmente as cláusulas ou não lhe sãooponíveis.

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 Dever de informação (artigo 6.º + artigo 8.º, b): não basta que o
predisponente nos entregue um impresso com centenas de cláusulas em letras
pequenas, há um dever de informação. Este dever tem sido muito debatido,
nomeadamente por causa das operações bancárias dos depositantes que viram
os seus depósitos afetados pela crise. O aderente nem sempre conhece a
terminologia técnica usada nos contratos, nem sempre está ciente das
implicações que advêm dos produtos e serviços. Há que haver claridade. Não
basta comunicar, para a cláusula ser oponível tem de ser esclarecido o
conteúdo sempre que haja necessidade de tal - como é que se afere esta
necessidade? É o predisponente que tem de avaliar a necessidade de aclarar
eventuais pontos obscuros do contrato;
 Proibição de cláusulas surpresa (artigo 8.º, c) e d)): cláusulas surpresa são
cláusulas que aparecem quando há um problema, quando o contrato
“descarrila”. Estas cláusulas são proibidas e muitas vezes passam
despercebidas (ex. letras pequenas);
 Redução automática do contrato (artigo 9.º): a redução quer dizer aqui
que o contrato é expurgado das cláusulas que não possam nos termos
anteriores ser incluídas.

- Controlo de conteúdo:
 Princípio da boa fé: art. 15.º. A boa fé é novamente um padrão geral de
conduta.
 Catálogo de proibições: é definido em função da qualidade das partes no
contrato e em função da gravidade da proibição (artigos 17.º-22.º). Quanto
às relações entre empresários, temos cláusulas absolutamente proibidas
(artigo 18.º) e cláusulas relativamente proibidas (artigo 19.º). Quanto às
relações com consumidores, temos cláusulas absolutamente proibidas
(artigo 21.º) e cláusulas relativamente proibidas (artigo 22.º),
acrescentando-se-lhes o artigo 20.º e também os 18.º e 19.º. As cláusulas
relativamente proibidas são relativamente proibidas consoante o quadro
negocial padronizado em que se encontram, para as absolutamente
proibidas são sempre inadmissíveis, não há contexto que lhes valha.

 Normas processuais
- Controlo incidental: apreciação da validade das CCG no contexto de um
conflito concreto instalado entre um predisponente e um aderente.
- Controlo abstrato: ação inibitória (artigo 25.º). Tem caráter coletivo. Tem
eficácia “ultra partes”. A legitimidade ativa para ação inibitória está regulada
- artigo 26.º + artigo 13.º da Lei n. º24/96 de 31.07.

 Interpretação do contrato:
- Regra geral: remissão para as regras previstas no CC;
- Cláusulas ambíguas: “contraente indeterminado normal, colocado na posição
de aderente real”. É este o padrão a utilizar nas cláusulas ambíguas.

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- Em caso de dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente (exceção:


ações inibitórias).

 Registo de cláusulas proibidas:


- Serviço de registo de cláusulas proibidas: artigo 34.º. Estão ordenadas pelas
cláusulas predisponentes as cláusulas absoluta ou relativamente proibidas,
para que os consumidores em geral possam conhecer de antemão melhor os
seus direitos. O registo publicita os atos e dá a conhecer as cláusulas proibidas;
- www.dgsi.pt
Há outras leis que vêm corrigir desequilíbrios fácticos.
 Lei 23 de 96; 26 de julho. Desequilíbrio relativo das partes é tão acentuado que o
legislador entende que deve intervir de modo a repor o equilíbrio entre as posições
das partes, a favor do utente de serviços públicos essenciais.

Sobre o princípio da igualdade no contexto da liberdade contratual:


Há outras intervenções que devemos atentar neste plano, que decorrem do
princípio da igualdade. O princípio da igualdade traz consigo associado o princípio da não
discriminação. Hoje, este princípio, que é verdadeiramente uma aquisição civilizacional,
tem sido elaborado teoricamente e dogmaticamente, sendo possível falar atualmente de
um conjunto de estudos que quase prefiguram um direito de igualdade, mais do que um
princípio (v.g. contributo da jurisprudência do Tribunal de Justiça). Temos um OJ que é
dos mais favoráveis para a receção deste princípio, pois este está constitucionalizado.
Afinal, o que é a igualdade? Onde é que temos verdadeiramente violação da
igualdade e discriminação? Devemos equiparar uma situação real a um “dever ser”. Se
a situação real é igual ao “dever ser” (padrão), não há qualquer problema. Se a situação real
ficar aquém do padrão e não corresponder à exigência que colocamos no termo
comparativo, temos duas hipóteses: ou temos diferenciação ou temos discriminação.
Temos discriminação se faltar causa objetiva para a diferenciação (este conceito
apresenta-nos uma sucessão de conceitos indeterminados, entrando aqui o papel da
jurisprudência, nomeadamente do tribunal de justiça, ao concretizar estes conceitos). A
discriminação pode ser direta (todas as situações em que alguém é sujeito a um tratamento
menos favorável do que tenha sido dado a outra pessoa em forma comparável) ou indireta
(sempre que uma disposição critériocrática aparentemente neutra coloque um indivíduo
em situação de desvantagem comparativamente a outrem, a não ser que essa disposição
critériocrática se justifique por um motivo legítimo e que os meios para alcançar sejam
legítimos também). Para haver discriminação, é ou não necessária a existência de
intenção discriminatória (ânimos)? Ou pode haver discriminação sem a intenção de
discriminar?
Incidências que este princípio acaba por ter no âmbito da liberdade
contratual: com efeito, temos dois diplomas - a lei 14/2008, que se reporta à
discriminação em função do sexo (calcula desfavorecimentos negativos de um género
relativamente ao outro) e a lei 9/2015 que implementa na OJ interna a decisão do acórdão
do Tribunal de Justiça. Temos aqui exemplos de interferência na liberdadecontratual,

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modelando conteúdo de modo a impedir situações discriminatórias. Não são medidas


destinadas a alterar a situação jurídicas das partes no momento do contrato, são medidas
destinadas a evitar situações discriminatórias.

3. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE
Na vida social os comportamentos – ações ou omissões – adotados por uma pessoa
causam muitas vezes prejuízos a outrem. Coloca-se então o problema de saber quem
deve suportar o dano verificado. Deverá o prejuízo ficar a cargo da pessoa em cuja
esfera jurídica ele foi produzido ou deverá, antes, impor-se a obrigação do seu
ressarcimento à pessoa cujo comportamento provocou uma lesão na esfera de outrem?
Quando a lei impõe ao autor de certos factos a obrigação de reparar os danos
causados a outrem, por esses factos, depara-se-nos a figurada responsabilidade
civil. A responsabilidade civil atua, portanto, através do surgimentoda obrigação
de indemnização. Esta tem precisamente em vista tornar indemne, isto é, sem dano
o lesado. Visa restituir a normalidade jurídica, colocando a vítima na situação em que
estaria sem a ocorrência do facto danoso.
A responsabilidade civil consiste, por conseguinte, na necessidade imposta pela
lei a quem causa prejuízos a outrem de colocar o ofendido na situação em que
estaria sem a lesão.

Artigo 483.º
(Princípio geral)
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado
pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na
lei

Artigo 562.º
(Princípio geral)
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se
tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Esta reconstituição da situação em que o lesado estaria sem a infração deve em


princípio ter lugar mediante uma reconstituição natural, de acordo com o plasmado no
artigo 566.º nº 1 do Código Civil.

Artigo 566.º
(Indemnização em dinheiro)
1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja
possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para odevedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como
medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puderser
atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissemdanos.

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3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente
dentro dos limites que tiver por provados.

Quando a reconstituição natural for impossível, insuficiente ou excessivamente


onerosa, a reposição do lesado na situação em que estaria sem o facto lesivo terá lugar
mediante uma indemnização em dinheiro – restituição ou execução por equivalente.
Embora a indemnização em dinheiro ou por equivalente seja a exceção e não a regra, é a
mais frequente na prática.
A indemnização em dinheiro cobre os danos patrimoniais sofridos pelo lesado,
isto é, os prejuízos suscetíveis de avaliação em dinheiro. Assim sendo, os danos
patrimoniais compreendem:
 Dano emergente: corresponde ao prejuízo imediato sofrido pelo lesado;
 Lucro cessante: as vantagens que deixaram de entrar no património do lesado em
consequência da lesão, conforme consignado no artigo 564.º nº 1 do Código Civil.

Artigo 564.º
(Cálculo da indemnização)
1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o
lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam
previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será
remetida para decisão ulterior.

O direito civil português manda atender ainda à fixação de indemnização aos danos
não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Estes danos não
patrimoniais – tradicionalmente designados por danos morais – resultam da lesão de bens
estranhos ao património do lesado. A sua verificação tem lugar quando são causados
sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de
ordem psicológica, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime de direitos de
personalidade. A lógica é que apesar de a dor não ser quantificável, ela poderá ser mitigada
através de uma compensação, dando possibilidade ao lesado, através de uma quantia
pecuniária, ter acesso a bens e serviços que lhe permitam minorar a sua dor.

Os pressupostos da responsabilidade civil:


1) Facto:
 É necessário existir um facto lesivo e voluntário, uma vez que tem de estar
no domínio da vontade do sujeito.
 Pode não ser uma adesão do sujeito ao facto querida, mas não deixa de ser
voluntária, na medida em que o resultado do facto poderia ter sido evitado.
2) Ilicitude:
 O facto tem de ser ilícito, contrário à ordem jurídica (v.g. artigo 483.º). Deve
ser violador de direitos subjetivos ou interesses alheios tutelados por uma
disposição legal.

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3) Culpa:
 Juízo de censura e de reprovação relativamente à conduta que dirigimos ao
agente. O ato deve ser passível de uma censura ético-jurídica ao sujeito
atuante. Referência à culpa, em sentido jurídico, do agente. O autor da lesão,
em face das circunstâncias, devia e podia ter agido de outro modo. Este
apuramento é difícil, pois sindicamos algo que se passa no domínio da
subjetividade de outrem. Este procedimento torna-se então um pouco obscuro.
 A culpa, traduzida numa reprovação ou censura da conduta desrespeitadora da
existência de uma intenção de causar um dano violando uma proibição (dolo)
ou da omissão dos deveres de cuidado, diligência ou perícia exigíveis para
evitar o dano (negligência ou mera culpa).
 Como fazê-lo de forma objetiva? Primeiro, estabelecendo gradações da culpa
- a culpa pode existir de duas formas distintas: o dolo (modalidade mais
grave, a conduta do agente torna-se mais censurável pois é mais estreita a
ligação da vontade e do facto - delitos) e a mera culpa (corresponde à
neglicência - quase-delitos).
 Temos ainda três espécies de dolo:
- Dolo direto: o agente representa, na sua mente, o resultado da conduta e
quer que o efeito se produza, havendo uma adesão completa ao resultado
- ex. agente incendeia uma casa com intenção de assassinar quem lá estava.
- Dolo necessário: o agente prevê que o facto aconteça necessariamente por
causa da conduta que vai tomar. Quer outro resultado, mas sabe que o
resultado ilícito se vai necessariamente produzir - ex. agente não quer
matar o ocupante, quer pois destruir a casa, mas lança o fogo mesmo
sabendo que vai matar o ocupante por ser um mal necessário para
completar a conduta.
- Dolo eventual: o agente prevê o facto ilícito como um efeito da sua
conduta, mas tem menor adesão ao seu resultado - ex. o indivíduo quer
incendiar a casa, mas não sabe que estão pessoas dentro de casa, a morte
do ocupante é um efeito eventual/possível. Há indiferença do agente
quanto às consequências.
 Mera culpa (artigo 483.º):
- Não há aderência ao resultado. Há ligeireza, distração, etc. - há
neglicência, que pode ser consciente ou inconsciente. É consciente se o
agente prevê a produção do facto ilícito como possível, mas acredita que
ele não se vai verificar. Na neglicência inconsciente o agente nem sequer
concebe a possibilidade do facto se verificar, não há representação mental
prévia das consequências do ato.
 Qual é o interesse da gradação da culpa? Em Direito Civil é uma questão
importante pois auxilia na questão da passagem do dolo para a mera culpa. A
questão em Direito Civil não é distinguir os tipos de dolos, estamos
dispensados de prefigurar o que pensou o sujeito relativamente a um incêndio
- só nos interessa saber se aderiu ou não ao resultado. Na vida real, a
distinção entre ambos é muito difícil.
4) Dano:
 É o primeiro a ser visto e sem ele não podemos averiguar a existência dos
demais pressupostos. É produzido pelo facto. Para a existência de uma
indemnização, é necessária a existência de um dano, de uma perda. A lesão é
o interesse jurídico tutelado e pode assumir as mais diferentes formas -
destruição, subtração, deterioração de um determinado bem, ferimento,

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estrago, afetação do bom nome de um sujeito, etc. Por isto, distinguimos entre
danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
 Natureza dos danos:
- Danos patrimoniais: reflete-se sobre a situação patrimonial do lesado.
Reflexo que o dano patrimonial tem no património do lesado. Temos aqui
danos emergentes (prejuízo causado no bem ou direito já existente na
titularidade do lesado ou ofendido) e lucros cessantes (benefícios que um
lesado deixou de obter por causa de facto lesivo, mas esses benefícios
ainda não estavam na esfera jurídica, mas porque intercede a conduta
lesiva deixou de os obter, ou seja, desaparecem benefícios que o lesado
ainda não possuía até à data da lesão);
- Danos não patrimoniais/morais: o bem jurídico atingido é um bem não
patrimonial no caso dos danos morais (ex. vida, liberdade, reputação).
Todos os danos que incidam sobre a personalidade dão sempre origem a
danos não patrimoniais. Isto não significa que associado a esse dano não
patrimonial não surjam danos patrimoniais, mas o que importa aqui é o
primeiro dano.
5) Nexo de causalidade: é preciso um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Relação: responsabilidade civil/responsabilidade criminal


A par da responsabilidade civil temos a responsabilidade penal/criminal. A civil volta-
se para a reintegração de interesses individuais que são lesados, ao passo que a penal
tem em vista a reintegração de interesses da sociedade. O percurso de indagação de
ambas as responsabilidades é idêntico, sendo sempre necessário apurar o facto lesivo,
ilícito e culposo, bem como o nexo de causalidade.
A responsabilidade visa reintegrar a situação do lesado, isto é, visa torna-lo
indemne, na medida do possível, restituir a normalidade jurídica. Não visa atuar sobre o
agente infrator, contrariamente à responsabilidade penal. Não há fixação de
indemnização com caráter sancionatório para a comunidade ou para o próprio agente, com
função intimidatória/exemplar.
Há factos que são simultaneamente ilícitos civis e ilícitos criminais. As duas
responsabilidades não são acumuladas; são integradas para que possa haver uma atuação
sobre o sujeito e uma atuação sobre a sua situação jurídica civil.

As modalidades da responsabilidade civil


 Responsabilidade subjetiva: funda-se no artigo 483.º do CC. Estabelece como
norma a responsabilidade fundada na culpa. Não há responsabilidade se não
houver culpa.
 Responsabilidade objetiva: excecionalmente também se admite a
responsabilidade objetiva, que é independente da culpa. Abstrai do pressuposto da
culpa, centrando-se no dano. É fruto da Revolução Industrial: havia acidentes com
máquinas, por exemplo, como não havia Estado Social as pessoas não tinham meios
de subsistência. Não podiam socorrer-se da responsabilidade civil pois não havia
efetivamente culpa. Começou a falar-se da necessidade deindemnizar

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devido ao risco: quem colhia os benefícios daquela atividade, devia assumir o


risco da utilização dos equipamentos. Artigos 499.º e seguintes.
Em tudo o que não esteja previsto no âmbito da responsabilidade objetiva,
chamamos como normas subsidiárias as normas de responsabilidade subjetiva.
 Responsabilidade por factos lícitos: como é que o facto é lícito e pode gerar a
obrigação de indemnizar? Resulta da necessidade de conciliar interesses
conflituantes.

Distinguimos ainda:
 Responsabilidade extracontratual: funda-se no artigo 483.º.
 Responsabilidade contratual: emerge da falta de cumprimento das obrigações,
nomeadamente dos contratos, ou dos negócios unilaterais. Regime plasmado nos
artigos 798.º e seguintes.

Outros institutos:
- Propriedade: tem proteção constitucional. É um direito real, e como tal é um
direito absoluto, tendo eficácia erga omnes. É um direito subjetivo de ordem
patrimonial. O direito à propriedade tem condicionamentos no nosso
ordenamento jurídico: primeiro, devido à existência de outros direitos de
propriedade (relações de vizinhança); mas também condicionamentos que lhe são
impostos por motivo de organização social e proteção da comunidade (por
exemplo, constrangimentos que advêm da regulamentação ambiental).
- Família: conceito em permanente mutação. Tem uma importância matricial para
o estabelecimento das relações pessoais. Aqui encontramos também uma
incidência constitucional.

III. TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA


Sendo o Direito o normativo social necessário do ponto de vista do poder que
organiza a sociedade, é óbvio que ele existe para normalizar ou disciplinar as relações
entre os homens que, em cada momento histórico, se consideram relevantes para essa
regulamentação (que dela necessitam e, por conseguinte, a necessitam). Relação jurídica
é, assim, toda a relação da vida social – toda a relação entre os homens – disciplinada
pelo Direito.
A relação jurídica é um conceito operativo que é a base do nosso estudo. Só vão
interessar relações jurídicas da vida social que tenham consequências no âmbito do direito
– são as relações jurídicas civis.
Encontramos:
 Relações jurídicas abstratas. Por exemplo um contrato de compra e venda;
 Relações jurídicas concretas. Por exemplo, hipótese em que A compra a B, pois
já é uma realidade jurídica existente e individualizada.

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Vamos observar a relação jurídica a partir de dois primas de observação.


 Critério estrutural ou anatómico: do ponto de vista estático. De acordo
com o critério estrutural, a relação jurídica civil é uma relação que atribui a
uma pessoa (em sentido jurídico) um direito subjetivo. Entre dois sujeitos
vai interceder uma relação e um deles vai ficar com um direito subjetivo. O
outro tem que ter uma situação de vinculação jurídica.
 Critério funcional: do ponto de vista dinâmico. O direito subjetivo está ancorado
no poder de autodeterminação do sujeito, daquilo a que chamamos o poder
jurisgénico do indivíduo. Por força desse poder, as partes compõem os seus
interesses de modo a que um fique com o direito subjetivo e o outro na situação de
vinculação.

 Relação jurídica vs instituto jurídico


Um instituto jurídico é sempre um complexo de normas que têm em comum o facto
de essas normas estabelecerem a disciplina de uma relação jurídica em abstrato.

1. A relação jurídica civil


A relação jurídica civil, enquanto a relação humana concreta que solicita a disciplina
civilística ou que é objeto da disciplina civilística, é a relação que juridicamente se funda
no poder que se reconhece a qualquer indivíduo de gerir autonomamente a sua esfera de
interesses sob a sanção do ordenamento jurídico em vigor, dado que acata ou incorpora o
controlo do Direito.
A ideia básica é de que a relação jurídica civil se funda numa composição paritária
de interesses e, por conseguinte, no poder de autodeterminação do indivíduo – no
poder de o indivíduo como que criar a sua lei, no poder jurisgénico (criador de Direito)
da pessoa comum.
Assim, a relação jurídica civil é a relação que juridicamente se funda no poder de
autodeterminação do indivíduo, quer dizer, que nele se funda enquanto relação jurídica,
isto é, que nele funda a sua juridicidade.

2. O núcleo da relação jurídica civil


A relação jurídica civil pode definir-se como a relação jurídica disciplinada pelo
Direito mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjetivo
e a correspondente imposição a outra pessoa de um dever ou de uma sujeição. Como
estrutura, por conseguinte, a relação jurídica civil é o produto, a interseção, de dois
mecanismos recíprocos e interdependentes: o direito subjetivo e o correspondente
dever ou sujeição jurídica.
Dado que a relação civil é, no fundo, uma composição entre interesses virtualmente
conflituantes, facilmente se entende que essa composição se consegue pelo
estabelecimento de situações de prevalência em favor de alguns interesses e, por isso,
de dependência em desfavor dos seus opostos. Assim sendo, resta-nos uma situação de
poder e uma correspondente situação de dever ou de suportar o exercício desse poder,
espontaneamente assumidas pelas pessoas que intervêm na relação jurídica civil, no uso
do seu poder de autodeterminação jurisgénico.

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Direito subjetivo e dever ou sujeição são, deste modo, a expressão tecnicamente


jurídica das especiais situações de poder (prevalência) e de dever ou de sofrer
(dependência) que naturalmente assume o poder jurisgénico da pessoa ao realizar
composições espontâneas de interesses.

A estrutura interna da relação jurídica:


- Sujeitos: as relações jurídicas estabelecem-se entre sujeitos. Sem sujeitos, não temos
relação;
- Objeto: essa relação não pode incidir sobre qualquer coisa; incide sobre o objeto da
relação jurídica;
- Facto jurídico: incide a partir de uma causa, para que A transfira a propriedade a B;
- Garantia: em grande medida é possibilitada pela existência da responsabilidade civil.

a) O DIREITO SUBJETIVO (em sentido amplo)


Surge como instrumento da autodeterminação da pessoa e mecanismo de tutela da
respetiva autonomia.
O direito subjetivo não é mais do que a situação de poder a que estruturalmente se
reduz a situação de prevalência de um interesse sobre outro que foi conseguida na
composição dos interesses. Esse poder concreto, que tem como contrapartida um dever
ou um sofrer, essa posição concreta de supra ordenação, que tem como sua sombra uma
infra ordenação, é, na sua raiz, o direito subjetivo.
Ele é um poder de vontade juridicamente protegido: pois é, por um lado, um
instrumento do poder de autodeterminação, na medida em que é um meio de o poder de
autodeterminação da pessoa atingir o seu fim (determinar autonomamente consequências
do direito, com vista à gestão livre dos interesses); e por outro lado é um mecanismo de
tutela dessa autodeterminação, dessa autonomia pessoal, na medida em que o Direito o
reconhece como tal e como tal o sanciona através da sua força. É uma coisa na medida
em que é outra, porque, se a pessoa a ele recorre enquanto juridicamente protegido, o
Direito protege-o enquanto pessoalmente referido.

 Definição em sentido amplo:


Emana da autodeterminação, do poder jurisgénico das pessoas. O direito subjetivo
é uma situação de prevalência, de poder relativamente a outrem. Se A tem um direito
subjetivo, significa que tem uma prevalência jurídica relativamente a B. Traduz-se no
poder de intervir na esfera jurídica de outrem, porque é titular de um direito subjetivo. É
subjetivo porque diz respeito ao sujeito da relação, aquele que está na situação de maior
destaque na relação.
Assim, sendo é, o mecanismo de regulamentação, adotado pelo Direito, que
consiste na concreta situação de poder que faculta a uma pessoa, em sentido jurídico,
intervir autonomamente na esfera jurídica de outrem.
Há duas teorias:
o O direito como poder (conceção defendida);
o O direito como interesse juridicamente tutelado. A teoria de Iheringe,
de um modo geral, as teorias que deslocam o núcleo do direito para o

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interesse, foram objeto de críticas que hoje as tornam dificilmente


sustentáveis, nomeadamente a crítica dos efeitos reflexos, a crítica de que
se confunde o meio com o fim: o direito é o meio de satisfação de certo
interesse, não o interesse em si e por si.

b) Os LIMITES INTERNOS DO DIREITO SUBJETIVO (em especial, a teoria do


abuso de direito)
Há limites que internamente vinculam esse direito subjetivo – não sendo este um
poder arbitrário na dependência de uma pessoa. Desde já se incluem as conceções que
veem no direito subjetivo, não um poder, mas um interesse, um “interesse
juridicamente protegido”, na fórmula de Ihering.

 Abuso do direito:
Doutrina que considera que o exercício do direito subjetivo deverá obedecer a uma
norma implícita de correção de lealdade, honestidade, moralidade (como que
obedecer a uma lei que estaria até acima da lei). Constituiria o instituto do abuso de
direito.
Crítica: esta ideia, de que a existência do direito está sujeita a limites deste género,
introduziria uma relativização do direito objetivo, tornando-o vulnerável a intromissões
que iriam limitar uma liberdade individual, acarretando uma abusiva administração da
vida cívica como consequência do agigantamento do Estado.
Exemplo: se A tem um determinado direito, e lhe é imposto por um tribunal um
determinado limite, A é colocado na dependência da conceção do poder pelo tribunal
relativamente à justiça e ao exercício desse mesmo direito. O tribunal chamaria assim a
si o poder de legislar, rejeitando um direito consagrado.
O uso do direito seria ilegítimo se o titular, em vez de prosseguir um interesse próprio,
só quisesse lesar o interesse de outrem. Dado que é um limite externo ao direito
subjetivo, o abuso de direito é a última possibilidade que o sistema oferece para correção
das desconformidades estruturais. Artigo 334.º.
O que é típico do controlo do abuso de direito é a desconformidade entre a imagem
estruturalmente correta do direito subjetivo e a missão a que este último
funcionalmente se assinou.

Distintos do instituto do abuso de direito, temos estes princípios regulativos, que são
ainda expressão da disciplina da lei. Constituem o “deverser”:

 Bons costumes:
Os ditames da moral pública ou externa que prevalece em certa sociedade e que,
salvo quando a lei expressamente a derrogue, é um limite à liberdade de cada um (haja
ou não haja lesão direta de alguém e sendo a sua sanção sempre a nulidade dos atos e, por
consequência, a irrelevância do exercício dos direitos, para lá da responsabilidade a que
dê ocasião). Observa-se não só nas relações intersubjetivas, mas também no
comportamento individual. Artigo 280.º.

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 Princípio da boa fé:


Supõe uma específica relação interpessoal, fonte de uma específica relação de
confiança – cuja frustração ou violação seja particularmente clamorosa (o que implica,
por isso, a lesão direta de alguém, podendo a sanção reduzir-se a uma responsabilidade
pelo ilícito sem ser posta em questão da procedência dos direitos). É um princípio
normativo que impõe padrões de conduta aos sujeitos, podendo consubstanciar-se na
honestidade, lealdade, etc. Artigo 272.º e 762.º.

ESTRUTURA DO DIREITO SUBJETIVO


- DIREITO SUBJETIVO EM SENTIDO AMPLO
Enquanto poder de exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo ou
negativo e direito de se poder constituir um ato de autoridade que pode produzir efeitos
jurídicos que inevitavelmente se impõem à outra parte. Dentro desta definição de direito
subjetivo em sentido amplo, podemos dividi-la em duas partes: direito subjetivo em
sentido estrito e direitos potestativos.

- DIREITO SUBJETIVO EM SENTIDO ESTRITO


Traduz-se no poder de exigir ou pretender de outra pessoa um determinado
comportamento positivo ou negativo - a ação (facere) ou omissão (non facere). Por
exemplo, se A pode exigir de B um comportamento significa que B tem um dever jurídico
de agir ou de se abster de qualquer atividade.
Normalmente, o direito subjetivo traduz-se no poder/possibilidade de exigir um
comportamento. Na maioria dos casos, o titular do direito pode, se a parte contratante não
cumprir, recorrer aos tribunais para que sejam adotadas providências e sanções ativas,
portanto, há efetivação judicial - há um poder de exigir. Todavia, em casos muito raros,
o titular do direito subjetivo, apesar de ter prevalência, não tem este meio de reação. Se a
contraparte não cumpre, o credor não pode recorrer ao tribunal para efetivação do seu
direito.
É o que acontece nas obrigações naturais - aquelas em que se a contraparte não
cumpre voluntariamente, o credor não pode exigir judicialmente o cumprimento da
obrigação. Parece uma contradição à partida a existência de uma obrigação desprovida de
garantia, no entanto, estes casos são por isso mesmo muito raros. Apesar de estar
desprovida da garantia, ainda assim conserva traços caraterísticos da obrigação - direito
de o credor reter o que foi pago, ART. 403.º (não há lugar à repetição do indevido). ART.
404.º remete para o regime das obrigações civis (tudo aquilo que não se encontra previsto
para as obrigações naturais).
Exceções às obrigações naturais:
- Art.º 402 (em que se o devedor mudar de ideias ele não pode vir mais tarde a dizer
que a obrigação não era civil, mas sim natural e que quer de volta o que pagou
+
- Art. 403º (em que não há lugar à repetição do indevido). Assim as obrigações
naturais estão sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que não se
relacione com a realizar coativa da prestação.).

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- DIREITOS POTESTATIVOS
São aqueles que, por um ato livro da vontade, se vão produzir consequências na
esfera jurídica de outrem. Podem valer per si ou necessitar de serem integrados numa
decisão judicial.
 Constitutivos: permitem a constituição de uma nova relação jurídica.
 Modificativos: modificam uma relação jurídica pré-existente.
 Extintivos: extinguem uma relação jurídica.

Podem surgir algumas dúvidas quanto à integração de determinados direitos numa


destas categorias.

 Poderes-deveres ou poderes funcionais:


Os poderes-deveres ou poderes funcionais são ainda direitos subjetivos? São
situações ou posições jurídicas em que a alguém é atribuído um poder, mas esse poder
não corresponde a um interesse próprio. A concessão do poder justifica-se porque
ele tem que ser exercido no interesse alheio. Há uma funcionalização do poder ao
interesse de outrem.
É uma posição jurídica ativa que integra também uma posição jurídica passiva que
alguns equiparam aos poderes discricionários da administração pública e consideram
que já não estariam perante direitos subjetivos. A posição a adotar vai no sentido de
que estes poderes ainda cabem estruturalmente dentro do direito subjetivo, são
hipóteses de direito subjetivo.
Acontece por exemplo no âmbito das responsabilidades parentais e em todas as
situações em que alguém exerce direitos no interesse de outrem. ART. 1877.º - os filhos
estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação; ART.
1878.º - compete aos pais, no interesse dos filhos, (...). ART. 89.º - outro exemplo.
Não coincide a titularidade do direito com o interesse para o qual ele é atribuído.
Normalmente, direito e interesse são conceitos coincidentes, mas isto são situações em
que tal não acontece. São casos em que existe uma fratura entre o interesse e o
direito subjetivo.
No fundo não há uma separação radical porque os interesses daquele em nome
de quem é exercido o direito são ao mesmo tempo interesses do titular do direito. Por
exemplo, o pai exerce os direitos que a lei lhe confere como pai - poderes paternais -,
sendo que o interesse do filho é do interesse do pai também, porque há interesse do pai
no interesse do filho, os interesses do principal são também os interesses de outrem. O
titular deste direito subjetivo, nestes casos, gere ainda a sua esfera de interesses ao
mesmo tempo. Outro caso serão os poderes do tutor, os poderes do administrador
(artigo 89.º) e os poderes na administração legal na ausência ou na inabilitação, no
artigo 154.º.
Alguns autores consideram que esta é uma categoria isolada; mas o que é certo é
que ao nível estrutural estes direitos não são diversos.
Há duas vertentes:
- Poderes: na medida em que constituem direitos subjetivos;

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- Deveres: há uma componente de prossecução do interesse do filho.

AS FACULDADES JURÍDICAS
Os direitos potestativos são faculdades atribuídas a pessoas específicas,
pressupondo uma relação jurídica pré-existente. O conceito de faculdades jurídicas não
se confunde com o conceito de direitos potestativos, dado que as faculdades
correspondem a momentos posteriores ou subsequentes, ou seja, poderes em que se
desdobra o poder de autodeterminação, permitindo a alguém tornar-se sujeito de uma
determinada relação jurídica.

 Faculdades primárias:
Antecedem a efetiva relação jurídica. São, portanto, faculdades inerentes ao estatuto
de sujeito de direito, mas que não têm potenciação numa concreta relação jurídica. A
abstrata possibilidade de exercício do direito é uma faculdade jurídica primária e é, no
fundo, uma emanação do poder de autodeterminação. O sujeito tem o poder mesmo antes
de o efetivar numa concreta relação jurídica. Por ex., o poder de perfilhar, mesmo que não
se tenha filhos, o poder de vender, o poder de casar, etc. Funcionam como um prius
relativamente ao direito.

DIREITO SUBJETIVO

 Faculdades secundárias:
São irradiadas da existência de um direito subjetivo. Essa relação jurídica vai
refletir-se numa série de faculdades jurídicas secundárias que, assim, surgem como um
posterius relativamente ao direito subjetivo.
O direito subjetivo é uma situação de prevalência, de poder, mas essa situação traduz-
se num feixe de faculdades. Suponhamos um direito de crédito, A credor de B. Este
direito de crédito pode decompor-se em inúmeras faculdades secundárias, incluindo por
ex. o poder de interpelar o devedor para cumprir (ART. 805.º).

EXPECTATIVAS JURÍDICAS
As expetativas são antecâmaras de direitos subjetivos, protegidas pelo
ordenamento jurídico. Por exemplo, quando falta algum dos elementos dos quais depende
o surgimento do direito, mas temos já um embrião do direito que irá surgir, existe uma

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situação intermediária mais ou menos consistente que não produz os seus efeitos normais,
mas que já é regida pelo direito, aguardando a produção da totalidade dos seusefeitos
- corresponderá isto às expetativas.
Há teorias que definem as expetativas como direitos em formação, portanto, o
direito não se forma imediatamente, admitindo-se a formação em estratos sedimentares e
sendo possível que haja proteção sem ainda estar completamente formado o direito. Por
outro lado, existem teorias que se referem às expetativas como estados de
indeterminação quanto à titularidade do direito, portanto, situações transitórias que se
destinam a ser rapidamente ultrapassadas. O certo é que as expetativas não são direitos
subjetivos, embora se associem aos mesmos.
Exemplos:
- Posição do herdeiro antes de receber a sua herança, previsto no artigo 2047.º. Não
há nomeadamente um direito de propriedade, no entanto, já pode ser exercido um
direito subjetivo que caberia antes apenas ao proprietário;
- Usufruto sucessivo no artigo 441.º. É uma situação muito frequente na qual os pais
reservam determinados bens para os filhos, mas reservam para si o usufruto e
reservam-no sucessivamente para que o usufruto persista ao longo da vida de ambos.
Com sucessivamente, queremos dizer que primeiro o usufruto é de A e depois é de B,
no entanto, a posição jurídica de B não é indiferente para com D, uma vez que D tem
expetativa de vir a ser proprietário.

Não devemos confundir as expetativas jurídicas com as simples expetativas, que


são menos que as expetativas jurídicas. São “esperanças” de adquirir um direito
longínquas e fortuitas (por exemplo, a esperança que um filho tem de herdar algo do pai).
Não são juridicamente protegidas, mas, excecionalmente, o legislador protege as
simples expetativas, sendo um exemplo disto o artigo 877.º, que acautela as simples
expetativas.

CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SUBJETIVOS


Atendendo à ligação do direito com o seu titular:
 Direitos inatos: nascem com a pessoa. São os direitos de personalidade. Há, no
entanto, direitos de personalidade que não são inatos, como é o caso do direito ao
nome (só se adquire depois da inscrição no registo civil) e o direito moral de autor.
 Direitos não inatos: não nascem com a pessoa.

Atendendo aos estados em que a pessoa se encontra relativamente ao direito:


 Direitos essenciais: a pessoa não pode privar-se sem ser privada de certas
condições essenciais à sua condição de pessoa. Todos os direitos de personalidade,
incluindo mesmo os não inatos, bem como direitos doscônjuges.
 Direitos não essenciais.

Atendendo à natureza dos bens em causa (suscetibilidade dos bens de serem


redutíveis a um equivalente pecuniário):

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 Direitos pessoais: essa redutibilidade é possível.


 Direitos patrimoniais: a redutibilidade é presente.

Atendendo à posição do titular passivo do direito:


 Direitos relativos: o direito impõe-se a pessoas certas e determinadas. São os
direitos de créditos.
 Direitos absolutos: o direito impõe-se a todos os membros da comunidade
jurídica. São os direitos de personalidade e os direitos reais. Têm eficácia erga
omnes (em face de todos). Todos os outros que não são titulares estão obrigados
a respeitar esse exercício (dever geral de abstenção).

Atendendo se o titular pode ou não desprender-se do direito:


 Direito disponível: Existe possibilidade de transferência. Por regra, os direitos
patrimoniais são disponíveis.
 Direito indisponível: por regra, os direitos pessoais sãoindisponíveis.
(Existem graus de disponibilidade)

Atendendo ao ponto de vista estrutural:


 Direitos de personalidade: direitos da pessoa sobre si própria. Têm a
particularidade de serem direitos absolutos, mas, além disso, têm associado uma
atitude proactiva. Dada a relevância dos bens jurídicos em causa na tutela da
personalidade, o Direito não se basta com o dever geral de abstenção: exige, por
vezes, prestações ativas, como é o caso do dever geral de auxílio.
 Direitos de crédito: têm por objeto um comportamento positivo ou negativo, que
é o cumprimento de uma prestação.
 Direitos reais: poderes diretos e imediatos sobre uma coisa. Não carecem da
mediação de ninguém para que o titular possa tirar benefício do objeto. Gozo,
aquisição, garantia.

Atendendo ao ponto de vista institucional (atendendo aos interesses que se


concentram nos direitos subjetivos):
 Direitos da pessoa:
- Direitos de personalidade e direitos potestativos;
- Direitos de crédito;
- Direitos reais.
 Direitos de obrigações:
- Direitos de crédito;
- Direitos potestativos;
- Direitos reais de garantia.
 Direitos das coisas:
- Direitos reais de gozo, aquisição;
- Direitos potestativos;
- Direitos a indemnizações.
 Direitos da família:
- Direitos sobre a pessoa de outrem;
- Direitos potestativos (v.g. direito de separação judicial de bens);

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- Direitos de crédito (entre os cônjuges);


- Direitos reais (a propósito do regime de bens do casamento).
 Direitos das sucessões:
- Direitos potestativos (herança);
- Direitos de crédito (dívidas);
- Direitos reais (propriedade dos bens de herança).

Dever jurídico vs sujeição


 Dever jurídico:
- Corresponde a um dever de adotar um determinado comportamento, sendo
imposto a um sujeito. Nesta hipótese, a pessoa sobre quem recai esse dever pode
ou não adotar esse comportamento jurídico.
- A ordem jurídica põe à disposição do titular do direito subjetivo, que pode exigir
que sejam adotadas providências que efetivem o seu direito, mecanismos de
garantia para prosseguir os seus interesses, nomeadamente, a disposição de
recorrer a vias judiciais a que esse comportamento seja adotado. É precisamente
a existência desta margem de escolha/decisão que recai sobre o obrigado que
nos permite distingui-lo da situação de sujeição.
 Caso da sujeição:
- Neste caso, o sujeito passivo não tem que adotar qualquer comportamento,
porque os efeitos jurídicos que se produzem ocorrem sem ele intervir, é um
mero espetador relativamente ao exercício do direito potestativo. Assim, a opção
de escolha do exercício desse mesmo direito, em cumprir ou não esse mesmo
direito, está fora da esfera do sujeito, sendo que vigora a necessidade de aceitar
sofrer as consequências do exercício do DP, que assume a característica de
produzir os seus efeitos assim que é exercido e que se repercutem
imediatamente na esfera da contratante, de quem tem a sujeição.
- É verdade que em alguns casos podemos ter dúvidas em relação às situações de
incumprimento, mas relativamente à sujeição nunca há hipótese de
incumprimento— ex. o estabelecimento de servidões prediais pode perturbar o
dever correspondente ao direito de passagem, mas não a situação de obrigação
graças à situação de sujeição, porque fico logo onerado com essa servidão que o
sujeito cumprindo o seu dever jurídico pode ou não permitir passagem e executar
esse mesmo direito. Já quando cumpre ou assume um estado de sujeição ele não
tem possibilidade de escolher o que pretende, sofrendo as consequências que
advém o exercício do direito potestativo em causa. Quando advém de um direito
de crédito, diz-se que é um simples dever jurídico. Quando advém de um direito
absoluto, diz-se que é uma obrigação passiva universal.

CLASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS


- Relação entre contrato e relação jurídica:
o Os contratos não são relações jurídicas, o contrato é um elemento da
relação jurídica. A relação jurídica possui sujeitos, um objeto, a garantia eo

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facto jurídico (é o facto jurídico relevante que dá origem à relação, ex. contrato
e morte). O contrato é que gere a relação jurídica, não é uma relação jurídica.
 Singulares ou plurais: consoante temos uma única pessoa ou mais
pessoas a ocupar o lugar de sujeito ativo ou passivo;
 Bilaterais ou plurilaterais: dois ou mais feixes de interesse na relação.
Um exemplo será a relação de sociedade - temos só dois ou mais feixes
de interesse na relação (ex. relação jurídica que surge com um contrato de
compra e venda, temos a posição do comprador e a do vendedor, dois
sujeitos ativos e dois sujeitos passivos, dois interesses), no entanto, se
pensarmos numa relação jurídica relativa a uma sociedade comercial por
quotas, temos presente vários feixes de interesse.
 Instantâneas ou duradouras: relacionado com o tempo, na medida em
que temos relações jurídicas que se esgotam e outras que se prolongam
por um período de tempo indeterminado. Por exemplo, num contrato de
compra e venda temos uma relação instantânea, mas no caso do direito de
propriedade sobre um bem temos uma relação jurídica duradoura. Se no
contrato de compra e venda o preço fosse pago em meses, a relação
passaria a ser duradoura.
 Simples ou complexas: as simples são as que têm
de deveres:
sujeições com o mesmo facto jurídico ou com a mesma *Tipos - De veres princip ais d e pres ttação;
finalidade, enquanto as complexas são perspetivadas - Deveres acessórios;
- De veres lattera is de con du tta:
com feixes de direitos ou deveres/sujeições com deveres que decorrem de observância
origem no mesmo facto jurídico ou com a mesma do princípio da boa fé. Não se ciframna
prestação principal, mas pautam a
finalidade. As relações jurídicas por norma não são conduta das partes.
relações simples, nãosão
posições perfeitamente lineares. Na generalidade, as relações jurídicas
são complexas.
o As relações jurídicas podem aparecer combinadas entre elas (combinação
entre as RJ):
 Pode ser numa relação de acessoriedade: uma relação jurídica é
instrumental em relação a outra, uma depende da outra. Ex. garantias
relativamente aos créditos; penhor, hipoteca – esta relação depende de uma
relação creditícia anterior, ou seja, se o crédito se extingue a garantia
também se vai extinguir, ou se a relação de crédito não é válida a
constituição da garantia também não é válida. V.g. Art 627.º, 730.º, a);
 Pode ser numa relação de pertinência: pela convergência que todas as
relações apresentam relativamente a um polo comum. Cada uma das
relações converge num polo comum. É o que acontece com a esfera
jurídica, que mais não é do que uma forma de combinação de pertinência
- a forma mais ampla que pode existir - e todos os sujeitos têm uma esfera
jurídica. Outra forma de pertinência é o património, que não é um
conjunto de bens, é antes uma sub-esfera da esfera jurídica, é um conjunto
das relações jurídicas de índole patrimonial de que um sujeito é titular.
Quando falamos do património de A, falamos do conjunto de relações

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patrimoniais de que ele é titular. Quando falamos de património ilíquido,


referimo-nos apenas ao património ativo do sujeito. Quando falamos de
património líquido, este tem expressão contabilística como saldo ou
diferença. Podemos ainda distinguir o património autónomo do património
separado*.
*Existe património separado, quando em relação a um sujeito de direitos, destaca-se
parte do património geral deste, para destinar essa parcela a um fim especial
(normalmente, a responsabilidade exclusiva por determinadas dívidas).
Existe património autónomo quando a destinação patrimonial do sujeito de direito
originário é atribuída a outro sujeito de direitos, que passa a ser titular da massa
patrimonial destacada (é o que ocorre, geralmente, com a criação de uma pessoa
jurídica).
Em suma, portanto, temos: (1) património separado: mesmo sujeito de direitos e mais de
um património; (2) património autónomo: criação de mais de um sujeito de direitos,
cada um com o seu património próprio e autónomo.

ÓNUS
Não é um dever. Não está obrigado à adoção de um comportamento positivo ou
negativo derivado de uma obrigação. Concede a possibilidade de realização de um
interesse próprio se se o onerado adotar um determinado comportamento. Se o
onerado não adotar esse comportamento, ele não incumpre qualquer norma, simplesmente
deixa de poder usufruir de um benefício. É então uma situação que se traduz na
necessidade de adotar determinado comportamento para obter uma vantagem ou para não
sofrer uma desvantagem. Por exemplo, se uma pessoa cumpre o ónus de comunicação nas
cláusulas contratuais gerais, essas mesmas cláusulas são aplicadas.
A sua concretização mais conhecida é o ónus da prova - artigo 342.º. Caso não
adote certo comportamento consideram-se provados factos contrários à sua invocação.
Ele deixa de obter uma vantagem, que é a prova.

Combinação das relações jurídicas (as relações jurídicas entre si podem compor-se
segundo determinados modos):
Relação de acessoriedade: acontece quando alguém constitui uma garantia
sobre o direito de crédito. Por exemplo, A é credor de B – por força de um
contrato mútuo existente entre ambos, na quantia de 500 mil euros (elevada na
ótica desta relação). Hipoteca; credor. Extinguindo-se o crédito, extingue-se a
hipoteca. Caso em que uma relação jurídica aparece como instrumental ou
dependente de uma outra.
Relação de pertinência: pela convergência que todas elas apresentam
relativamente a um polo comum. Aqui a relação pode ser graficamente
representada como circular. É o que acontece com a esfera jurídica,
nomeadamente a titularidade de direitos. É a forma de combinação mais ampla
que pode existir.
Outra forma de pertinência é o património: conjunto das relações jurídicas de
índole patrimonial de que o sujeito é titular. Podemos referir-nos ao património
global (conjunto do ativo e do passivo); património ilíquido (ativo do sujeito,
sendo sempre igual ou superior a 0) e património líquido (expressão

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contabilística como saldo ou diferença, constitui a diferença entre o ativo e o


passivo). Sem ele, não há garantia geral da obrigação e por isso o credor não tem
qualquer interesse em contratar. Existe património de afetação geral e
património de afetação especial (destina-se a satisfazer encargos específicos,
como é o caso do património separado e do património autónomo).

Como nasce a relação jurídica?


- Constituição: momento primeiro em que a relação jurídica surge, isto é, quando
aparece pela primeira vez na ordem jurídica.
- Aquisição: momento em que a relação jurídica ingressa na esfera do titular. É o
momento mais relevante e significativo da evolução da relação jurídica.
Distinguimos dois tipos de aquisição: derivada ou originária.

- Pode haver coincidência entre constituição e aquisição, por via da regra. No entanto,
pode haver relações jurídicas em que o sujeito ainda não existe como tal ou que o
sujeito ainda não está determinado. Tal acontece com as doações feitas a nascituros.

 Formas de aquisição:
- Aquisição originária:
o O direito surge ex novum na esfera do titular. Surge não dependendo de
qualquer direito anterior, depende apenas do facto aquisitivo.
o Um exemplo é a usucapião. Por exemplo, A, proprietário de um terreno,
emigra e o seu vizinho começa a tomar conta do seu terreno num espírito de
entreajuda. Com o passar dos anos, o indivíduo apercebe-se que toma conta do
terreno há um longo tempo e o seu vizinho não retornará, muito
provavelmente, a usar o terreno, começando então a tratá-lo como se fosse seu.
Assim se passam décadas, até que o vizinho se acha de facto proprietário do
terreno por usucapião, porque efetivamente assim se tornou, pela prática de
entrada de atos de posse, que conduziu à aquisição do direito - uma aquisição
originária. É originária pois o direito de propriedade que o vizinho adquire não
depende do direito anterior, forma-se apesar da existência do direito do outro
proprietário. Não há um vínculo genético entre o direito adquirido e o direito
anterior.
o Outro exemplo será a ocupação, que não diz respeito a bens imóveis, diz
apenas respeito a bens móveis (ART. 1318.º).

- Aquisição derivada:
o Constitutiva: é constitutiva, mas não constitui o direito pois a aquisição é
derivada, logo, o direito já existe. O direito adquirido filia-se no direito
anterior, mas não é tão amplo como o direito anterior, o direito adquirido tem
um conteúdo que é diferente e absorvível pelo direito anterior. Ao contrário da
atitude de inércia que conduz à usucapião, aqui, por exemplo, constitui-se

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um usufruto a favor de crédito, um direito real de gozo. O direito adquirido


surge ex novum, é constituído, mas é constituído a partir da existência de
um direito anterior. O usufrutuário não pode exceder os poderes do
proprietário. Qualquer direito real limitado se poderá inserir aqui. Por
exemplo, A está na mesma situação de emigrante proprietário e constitui o
usufruto a favor de alguém (B) que esteja interessado na exploração direta do
terreno. B vai adquirir um direito através de uma aquisição derivada
constitutiva. Este direito está contido no direito de propriedade. Trata-se de
um direito real limitado.
o Translativa: O direito circula de esfera para esfera com a mesma amplitude.
O direito coincide com o direito anterior, tendo o mesmo conteúdo. Há uma
translação de direito através de várias esferas jurídicas. É a mais complexa por
ser a mais frequente e por ser a de onde nascem mais questões jurídicas. Por
exemplo, A vende a B; B sucede a A; A doa a B.
o Restitutiva: fenómeno contrário ao da aquisição derivada constitutiva. No
caso de o usufruto de B ter a duração de 5 anos, extinguir-se-ia aquando do
fim desse hiato temporal. O direito real de gozo de que ele usufruía, expande-
se, voltando à sua dimensão inicial. A passa a exercer todos os direitos
novamente, isto é, os direitos voltam ao sujeito inicial, deixando de se verificar
o fenómeno comum de direitos reais limitados.

Regra nemo plus iuris: a regra fundamental é que ninguém pode transferir mais do que aquilo que tem. Só se pode
validamente transmitir o que está na sua titularidade. É uma limitação à aquisição. Esta regra exprime a essência
da aquisição derivada.

 Existem, no entanto, exceções à regra acima:


 1ª Exceção - Tutela de terceiros por efeito do registo:
O registo existe para dar publicidade às transmissões, segundo dispõe o artigo 1.º
do Código do Registo Predial.
Desde cedo se sentiu a necessidade de publicitar as transmissões de bens
particularmente valiosos, quando esses bens representavam grandes unidades de valor
(caso dos prédios), para que os potenciais interessados conhecessem a exata condição
jurídica dos bens. Com o alargamento da riqueza a outros bens que não fundiários,
estendeu-se essa necessidade também aos automóveis, navios, aeronaves, e participações
das sociedades comerciais (diversificação da riqueza). Sujeita a registo os factos
enunciados no artigo 2.º, o qual compõe um grande elenco. Salientam-se a constituição,
reconhecimento, aquisição e modificação de direitos reais sobre fretos. Nos anos 90 foi
também aprovado um código de registo de bens móveis, dando expressão à importância
que estes bens vinham a ter. Todavia, esse código não entrou em vigor.
O registo obedece ao princípio do trato sucessivo (só pode fazer-se registo havendo
registo do causante ou transmitente). Só pode fazer uma inscrição subsequente se houver
uma inscrição antecedente. Apesar deste princípio, o registo não averigua
exaustivamente a titularidade do direito, e, por isso mesmo, não garante que o último
adquirente tem efetivamente o direito. Garante apenas que se o tiver ele pode valer-se do
registo. Em suma, “o registo não dá nem tira direitos a ninguém”, apenas declara que
alguém se pode prevalecer do direito. Isto quer dizer que temos um sistema de registo

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declarativo, uma vez que o registo não é uma condição de validade da transmissão nem
é uma formalidade - é um averbamento subsequente à transmissão do bem. É uma mera

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condição de eficácia face a terceiros. Um contrato de compra e venda é válido sem registo,
o direito continua a ser válida. *Temos pequenas exceções à natureza deste registo
declarativo: ex. a hipoteca, na qual o regime é constitutivo. A segunda característica é o
registo ser semi-obrigatório/semi-facultativo, na medida em que o registo constitui um
ónus, uma vez que se o adquirente não regista, ele deixa de beneficiar da oponibilidade
face a terceiros. A terceira característica é termos um regime de aquisições, sendo que o
que se regista não são bens, mas sim a mudança da titularidade dos bens.
o Exceções: caso da hipoteca. O registo é aqui constitutivo. Sem ele, nãohá
constituição válida e eficaz de hipoteca.
O registo é hoje semi-obrigatório. Durante muito tempo foi facultativo. Por força de
alterações legislativas relativamente recentes, o sistema passou a ter algumas notas de
obrigatoriedade, na medida dos nos termos do artigo 8.º a), b) e c). Constitui um ónus: se
o adquirente não regista, ele deixa de beneficiar da oponibilidade face a terceiros.
O registo é um registo de aquisições. O que se regista são as mudanças da titularidade
dos bens.
o Efeitos do registo:
- O registo tem um efeito imediato ou automático, constituído pela presunção iuris
tantum da existência do direito, de acordo com o disposto no artigo 7.º. A par
deste efeito, temos também um efeito central, que é o mais importante, e se
traduz na inoponibilidade dos factos sujeitos a registo enquanto ele não ocorrer
- enquanto B não regista, não pode opor o seu direito a A. Por fim, temos os
efeitos laterais, que são os efeitos que ocorrem a partir do registo, mas de forma
lateral ou incidental. De acordo com estes efeitos, por exemplo, se A vende a B
e B regista, B pode opor o seu direito a quem quer que seja. Se A vender o
mesmo bem a C, B pode opor o seu direito a C. Se A vender a B, B não registar
e A vender a C e C registar, C pode opor o seu direito a terceiros. B e C são
então terceiros para efeitos de registo, são aqueles que recebem do mesmo
transmitente ou causante direitos total ou parcialmente conflituantes sobre o
mesmo objeto. Há uma prioridade de inscrição no registo. Se fosse válida aqui
a regra nemo plus iuris, A vendia a B, logo, já não podia dispor do mesmo bem
para C. No entanto, por força da conjugação do efeito central do registo de efeito
imediato, o que nós temos é um desvio a essa regra, uma vez que a prioridade
de inscrição no registo vai conduzir à consolidação do direito naquela esfera
jurídica. Suponhamos, por exemplo que A vende a B e C e ambos registam e
ambos têm oponibilidade do seu direito face a terceiros - haverá prioridade de
inscrição, portanto, quem terá o direito sobreposto ao do outro será quem
registou primeiro. Outra hipótese seria B e C não registarem, aplica- se
integralmente a regra da aquisição derivada, porque quando A aliena a C, excede
aquilo que tem (não pode transmitir aquilo que não tem).

 2ª Exceção - Tutela de terceiros de boa fé:


Nesta aceção, boa fé é tomada como um conceito subjetivo. É a situação subjetiva do
sujeito; é o animus que ele revela relativamente à situação.

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Terceiros de boa fé são aqueles que, inserindo-se numa cadeia de transmissões, veem
o seu direito afetado por uma validade anterior ao negócio em que participam. Veem o
seu direito em risco porque o causante perecia de legitimidade para o transmitir. A
vende a B, mas B não adquire validamente; B vende a C, assim sendo C vê o seu direito
comprometido.
A regra fundamental levaria a aplicações estritas, sem flexibilização pelo desvio, e,
portanto, seria inibidora do comércio jurídico. Há então um desvio da regra para proteger
terceiros em duas situações:
 Simulação:
- É uma divergência intencional entre a vontade e a declaração. As partes
declaram aquilo que não querem. Define-se nos termos do artigo 240.º. O
negócio jurídico tem uma feição que não corresponde à realidade.
- Por exemplo, alguém pretende vender um filho (sendo proibido), pelo que o faz
por intermédio de uma doação, pretendendo obviar à proibição legal.
- O negócio simulado é nulo. Se há uma simulação entre A e B, vai ditar uma
nulidade subsequente de todos os negócios jurídicos.
- Nos termos do artigo 243.º, paralisa-se a regra fundamental. C está de boa fé
se desconhecia no momento da aquisição a existência de um negócio
simulado. Todavia, considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu
posteriormente ao registo da ação de simulação, mesmo que se desconheça, há
uma presunção, pois como vimos o registo serve para publicitar os atos.
- Esta proteção também só opera se não houver nenhuma causa de invalidade
adicional à ilegitimidade de B, sendo um exemplo o caso da venda do filho. O
negócio deve ser perfeito, para além da ilegitimidade de alguém, para haver um
terceiro de boa fé.
- A simulação pode ser absoluta (quando as partes declaram que querem realizar
determinado negócio, mas na verdade não querem fazer negócio nenhum, por
exemplo quando as partes simulam dado negócio para subtrair os bens à esfera
jurídica de alguém em risco de ser executado) ou relativa (por detrás do negócio
simulado há um negócio real).

 Invalidade genérica do negócio jurídico.


- De acordo com o artigo 291.º, a boa fé é a ignorância sem culpa da causa de
invalidade dos atos anteriores. No momento da aquisição, desconhecia-se sem
culpa o vício do negócio nulo ou anulado. Difere do artigo 243.º pois nesse artigo
não se refere a culpa, enquanto aqui para haver boa fé é necessário o
desconhecimento não culposo.
- A tutela deste artigo 291.º conjuga a tutela da boa fé com o efeito lateral do
registo, sendo este um dos efeitos laterais. Estas duas formas são conjugadas pois
para que C beneficie da tutela do artigo 291.º, ele tem que ter registado a sua
aquisição - o registo é requisito para o funcionamento. Para ser considerado
terceiro de boa fé, tem que ter registado.
- São necessários certos pressupostos:
o Tem de existir um terceiro;

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o O terceiro tem de estar de boa fé (desconhecer sem culpa a invalidade do


negócio anterior);
o A transmissão tem que dizer respeito a bens imóveis ou móveis sujeitosa
registo;
o A transmissão tem de ser a título oneroso (ex. se B doa a C, a doação não
merece proteção por esta via, tem de se tratar de uma transmissãoonerosa);
o Tem de haver invalidade anterior (registo da aquisição tem que ser anterior
ao registo da ação de invalidade).
- O n. º2 do 291.º estabelece um prazo de carência para a verificação de todos os
pressupostos que determinam a proteção de C - têm de decorrer 3 anos sobre o
ato nulo ou anulável sem ação de invalidade. Se nos 3 anos subsequentes à
ocorrência da invalidade for invocada essa nulidade, então a proteção de terceiro
não se consolida - durante três anos C nunca sabe verdadeiramente se será
tutelado.

 Modificação de direitos, modificação na obrigação, extinção de direitos:


Sobre a modificação de direitos:
Na modificação, mantém-se a identidade do direito, mas qualquer um dos seus
elementos vem a ser alterado. A modificação pode ocorrer no elemento subjetivo ou no
elemento objetivo.
- Modificação subjetiva:
 Comporta uma modificação na titularidade do sujeito.
 Um sujeito pode ser substituído por outro, segundo uma modificação
subjetiva por substituição (ex: A celebra contrato mútuo com B, e mais
tarde cede o seu crédito a C, através da cessão de créditos. O que
inicialmente era uma relação bilateral, continua a ser, mas A é substituído
por C).
 A modificação subjetiva por multiplicação ocorre quando um sujeito
ativo é substituído por vários (ex: A é proprietário de um terreno e a
determinado momento decide vender esse terreno a B e C. Há uma posição
jurídica que se desmultiplica. A posição jurídica, que antes era ocupado por
um sujeito, passa a ser ocupada por vários). A multiplicação pode dar-se
por sucessão inter vivos ou mortis causa ou pode dar-se por adjunção.
 Há modificação subjetiva por concentração quando a vários sujeitos
ativos sucede um único titular (ex: Se dois coproprietários decidem em
conjunto vender a A, dá-se uma concentração. Uma agregação das posições
jurídicas anteriores).

- Modificação objetiva:
 O elemento que se altera é o conteúdo ou objeto. Dá-se por alteração do
conteúdo, nos casos dos artigos 1470º e 1482º. Nestes casos, os direitos
reais (nomeadamente o usufruto) tinham um determinado conteúdo
inicialmente, passam a ter um conteúdo distinto, por falta de pagamento.

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O direito passa a ter um conteúdo diferente daquele que inicialmente tinha.


Dá-se, também, alteração do conteúdo quando é constituído um direito real
limitado (ou este se extingue) sobre o mesmo objeto. Se se extingue um
direito real limitado, o proprietário readquire os plenos poderes sobre a
coisa e vice-versa.
 A modificação objetiva por alteração do objeto pode ser feita por
acessão (1325º). Esta é um instituto que consiste na incorporação de uma
coisa com outra que não lhe pertencia. É uma forma de aquisição originária
entre direitos. A acessão pode ser natural (devido a casos naturais) ou
industrial (por ação humana) (ex: uma acessão natural ocorre quando, por
força de uma movimentação de terras, determinado terreno se incorpore
com o terreno contíguo). O princípio geral da acessão natural é que tudo o
que ela acrescente pertence ao proprietário. Há, por consequência, uma
alteração do objeto, pois ele tinha determinada composição e passa a ter
outra.

Sobre a modificação na obrigação:


A modificação na obrigação ocorre quando há uma modificação que incide sobre
o lado passivo. Há substituição, multiplicação e concentração.
- Pode ser por substituição: ocorre a substituição do devedor, através da
transmissão singular de dívida (595º). A transmissão singular de dívida pode
verificar-se por contrato entre o antigo e novo devedor, ratificado pelo credor.
Só é passível de ser oponível ao credor, se este consentir a transmissão (ex: C
substitui B, mas esta substituição só é oponível a A se A estiver de acordo).
Isto porque está em causa uma diferenciação de garantia da obrigação. São
diferentes as garantias de obrigação que cada sujeito transporta pois estas
garantias baseiam-se no património do devedor.
- Pode ser por multiplicação, que por sua vez pode ser por sucessão (ex: A
morre e deixa B e C como herdeiros) e por adjunção quando há assunção
cumulativa.
- Pode ser por concentração, quando há uma consolidação de esferas jurídicas.

Sobre a extinção de direitos:


Há extinção de direitos quando o direito deixa de existir na esfera jurídica de uma pessoa,
desliga-se do titular. Essa extinção pode dar-se de forma subjetiva ou objetiva.
- A extinção subjetiva denomina-se perda de direito, porque o direito subsiste,
mas noutra titularidade. É uma forma de extinção que é sobreponível com a
aquisição derivada translativa (ex: o direito existia na esfera jurídica de A e
passa para a esfera jurídica de B). Isto pode acontecer por vontade do titular
do direito (quando A vende coisa a B), sem vontade do titular (quando a
vontade é alheia, como é o caso da morte de A sem testamento) e contra a
vontade do titular (como é o caso da expropriação).
- Na extinção objetiva o direito deixa de existir, não havendo transmissão ou
aquisição derivada translativa. Isto acontece se há destruição do objeto (ex: o

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proprietário de um quadro deixou de o ser quando o quadro se destruiu).


Quando há destruição do objeto, o direito extingue-se. Mas também pode
haver extinção de direito por abandono do objeto (derelictio), quando o
proprietário se desprende da titularidade. Por último, pode haver extinção de
direito por não exercício do direito e por decadência. Tem que haver uma
continuidade no exercício do direito, caso contrário o direito é extinguido. O
não exercício em casos como o/a:
 Não uso – artigos 1476º/1 al.c.
 Renúncia – renuncia abdicativa se há abandono da situação de
prevalência. Embora haja direitos irrenunciáveis. É o caso dos artigos 265º,
302º e 867º.
 Prescrição – extinção de direitos pelo decurso do tempo (direitos de
crédito), como previsto no artigo 304º.
 Caducidade – extinção de direitos pelo decurso do tempo (refere-se
essencialmente ao direito de acionar), como previstos nos artigos 125º e
287º. A diferença relativamente à prescrição é que esta se reporta sobretudo
a direitos de crédito e a caducidade se refere sobretudo ao direito de acionar.
O prazo de caducidade é contínuo, não admitindo suspensão ou
interrupção. A suspensão não inutiliza o prazo já decorrido (ex: é previsto
um prazo de 1 ano. Depois de 4 meses, há suspensão durante 1 mês. Mas
depois deste mês, o prazo continua a contar-se). Na interrupção inutiliza-
se o prazo já decorrido (ex: é previsto o prazo de 1 ano, que é interrompido
1 mês. Depois deste mês, o prazo recomeça a contar-se).
 Decadência – o direito extingue-se por formação de um direito
incompatível que sobre ele prevalece.

Em suma:
Modificação de direitos:
Consideramos modificação quando se mantém a identidade do direito, mas ocorre uma
mudança num qualquer dos seus elementos.
Pode ocorrer:
- Modificação subjetiva (nos sujeitos). Ou seja, na titularidade do direito.
o Por substituição. Um sujeito é substituído por outro, por intermédio de cessão
de créditos, por exemplo, ou através da compra e venda.
o Por multiplicação. Quando a um sujeito ativo se substituem vários.
a) Sucessão inter vivos ou mortis causa.
b) Adjunção: o primitivo sujeito agrega à sua titularidade outro ou outros.
Por exemplo, A vende ½ da sua propriedade a B. Há um fracionamento da posição
jurídica.
o Concentração: a vários sujeitos ativos sucede um único titular. Porexemplo,
A e B (comproprietários) vendem a C.

- Modificação objetiva: o elemento que se altera é o conteúdo ou objeto do direito.


o Alteração do conteúdo

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o Alteração do objeto

Modificação na obrigação: modificação subjetiva sobre o lado passivo da relação

Extinção de direitos:
O direito deixa de existir na esfera jurídica de uma pessoa, desliga-se do seu
titular.
- Subjetiva ou perda: o direito sobrevive, apenas muda o titular. Coincide coma
aquisição derivada translativa e com a sucessão.
1. Por vontade do titular: A vende a B.
2. Sem a sua vontade: sucessão intestada
3. Contra a usa vontade: expropriação, execução de bens, sucessãolegitimária.

- Objetiva: o direito deixa de existir; não há transmissão ou aquisição derivada


translativa.
1. Destruição do objeto.
2. Abandono do objeto.
3. Não exercício do objeto.
4. Decadência. O direito extingue-se por formação de um direito incompatívelque
sobre ele prevalece. Ex: usucapião.

Os elementos da relação jurídica


Decompõe-se em quatro elementos distintos que serão objeto de estudo autónomo.

 Sujeitos:
A relação jurídica é um enlace, um vínculo, entre dois polos, nos quais se encontram
os sujeitos. Em princípio, um sujeito em cada polo (A vende a B), mas também pode ser
ocupado por uma pluralidade de sujeitos.
Os sujeitos são titulares de interesses contrapostos, mas que se harmonizam de
acordo com as estipulações da lei ou de acordo com o arranjo que a autonomia privada
conforma. Assim sendo, numa relação há sempre pelo menos dois sujeitos. Esses sujeitos
podem ser pessoas físicas ou pessoas coletivas ou jurídicas (por exemplo uma sociedade
ou associação): têm uma personalidade funcionalizada à suscetibilidade de ser titular de
direitos e obrigações.

 Objeto:
Corresponde àquilo sobre que incide o direito subjetivo, em que se traduz a situação
de prevalência do titular do direito subjetivo. Não é o direito nem o correspondente poder
(isto é o conteúdo da relação).
O objeto pode ser constituído por diferentes realidades; a sua variedade é muito
grande.
Não falamos só de coisas, nem só de coisas corpóreas: há também coisas que não
têm uma materialidade objetiva (por exemplo, a propriedade intelectual). O objeto

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pode ser, por exemplo, uma prestação, quando A tem o poder de exigir de B um
comportamento positivo ou negativo. Também as pessoas podem ser objeto (caso dos
direitos de personalidade).
Até os próprios direitos podem ser objeto de direitos, dando origem à figura “direitos
sobre direitos”. Ex: para a obtenção de crédito o usufrutuário dirige-se a um banco e dá
como garantia o seu direito. É constituído sobre ele uma hipoteca, portanto, temos uma
hipótese de direito sobre direito (direito sobreposto/sotoposto). Há uma formação
sucessiva de direitos. Ligada à titularidade do direito sotoposto, há uma situação
economicamente vantajosa. Ser titular do direito de usufruto é uma situação vantajosa,
permitindo a constituição de um direito.
Só os direitos subjetivos em sentido estrito é que têm objeto: os direitos potestativos
não têm propriamente objeto, pois ele confunde-se com o conteúdo. Não é possível
distinguir o resultado real e o resultado jurídico.

 Facto jurídico:
Todo o facto comum que produz consequências ou efeitos de direito. Se tem
relevância para o direito, é um facto jurídico. As consequências podem ser a constituição,
a modificação ou a extinção de uma relação jurídica. O facto jurídico é o elemento
causante da relação, sempre.

 Garantia:
É o conjunto de providências coercitivas que tornam efetivos os poderes do titular
do direito subjetivo: é aquilo que permite que ele faça valer o seu direito face à contraparte
e face a terceiros.
A garantia abrange a responsabilidade civil, que se traduz tanto na reconstituição
natural como na compensação ou indemnização do dano.
Embora este seja o instituto primordial, há outros institutos coadjuvantes da
efetividade da relação jurídica. É o caso das providências, previstas no nº 2 do artigo 70,
destinadas a evitar ou atenuar ameaça ou ofensa aos direitos de personalidade.
A par delas, temos ainda outro meio, previsto no artigo 829.º a), denominada sanção
pecuniária compulsória. A finalidade desta não é a reintegração do direito, como
acontece com a responsabilidade ou com as providências adicionais, mas sim constranger
o devedor ao cumprimento (meio de pressão sobre o devedor inadimplente). Por cada dia
de atraso ou por cada dia de infração, o dever tem que pagar.
Também há espaço para a admissão da autotutela dos direitos, que constituem uma
forma de garantia. Nomeadamente, a ação direta (artigo 336.º) e a legítima defesa (artigo
337.º).
Falamos também de outras obrigações que não funcionam exatamente nesse modelo
de acordo com a garantia (caraterísticas anómalas), que são as obrigações naturais. Alguns
autores dizem que estas obrigações são desprovidas de garantia, porém, isso quase que lhes
retira o caráter da obrigação.
Há direitos que têm garantia pelo simples facto de o serem, como é o direito
potestativo. A sua efetividade está assegurada quase de modo infalível.

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IV. TEORIA GERAL DOS SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA


Aquele que é sujeito para o direito necessariamente é também sujeito de direitos,
dado que há direitos indissociáveis dos sujeitos.
A personalidade jurídica é a qualidade de pessoa ou sujeito de direito e, que no
fundo, se reconduz a uma aptidão, de forma autónoma, para a titularidade. À
personalidade jurídica é inerente a capacidade jurídica ou capacidade de gozo. De acordo
com o artigo 67.º:

Artigo 67.º
(Capacidade jurídica)
As pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em
contrário: nisto consiste a sua capacidade jurídica.

A personalidade é um estatuto; a capacidade é o exercício desse mesmo estatuto.


Não há, portanto, pessoas desprovidas de capacidade de gozo. Podem ter mais ou menos
circunscrita essa mesma capacidade.

Diferentemente surge a capacidade de exercício. Esta consiste na idoneidade do


sujeito, não só para exercer direitos, mas para os adquirir e assumir por ato próprio e
exclusivo da sua pessoa. É uma idoneidade para intervir no comércio jurídico de forma
autónoma. A capacidade de exercício pode não ser coincidente com a capacidade de gozo
pois nem todos os sujeitos têm a capacidade de, por ato próprio e exclusivo, atuar no
comércio jurídico, por condições naturalísticas. A capacidade de exercício pressupõe
consciência e aptidão para dirigir a vontade, e isso pode não estar reunido em
determinadas pessoas (caso da menoridade, desde já).
A capacidade de exercício é reconhecida no nosso ordenamento jurídico aos
indivíduos que atingem a maioridade, de acordo com o artigo 130.º.

Artigo 130.º
(Efeitos da maioridade)
Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos,
ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens.

O regime anterior previa duas formas de incapacidade jurídica: interdição e


inabilitação, a somar à menoridade. Passamos a ter a figura dos maiores acompanhados,
por via da lei 49/2018.

Artigo 138.º
Acompanhamento
O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de
exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir
os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.

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 A figura dos direitos sem sujeito:


- Serão admissíveis direitos sem sujeito? À primeira vista, parece paradoxal. O artigo
952.º - permite doações a nascituros. Temos um direito que não é encabeçado por
um titular. A construção teórica que sustenta esta possibilidade pela maioria da
doutrina corresponde a um estado de vinculação de bens: não se trata
verdadeiramente de um direito. Aqueles bens ficam afetados àquela
titularidade que ainda não existe. Outros autores apontam para uma abordagem
concetual de direitos condicionais (aparecimento do titular).

 Conceito de personalidade jurídica:


- Durante décadas, a questão da personalidade jurídica não teve grandes
desenvolvimentos teóricos. Ultimamente, este conceito passou a ser objeto de
renovado debate. Vários fatores contribuíram para o interesse da questão: por um
lado, o alargamento da noção de personalidade (por exemplo, personificação de
robots).
- A personalidade jurídica existe porque existe personalidade humana. O
direito não atribui a personalidade a quem nasce: o direito limita-se, no fundo,
a reconhecer aquele que é um dado naturalístico. A personalidade jurídica
aparece como a projeção no direito de algo que surge antes dele. Por isso mesmo,
a personalidade jurídica reflete as caraterísticas da personalidade humana. Por
isso, existem reivindicações da personalidade humana à personalidade jurídica:
esta não é uma construção artificial. Acata os traços estruturais da personalidade
humana:
 Essencialidade. Logo que haja personalidade humana, tem que haver
personalidade jurídica. Têm que ser coincidentes.
 Inseparabilidade. Há duas consequências de maior ordem: a personalidade
é irrecusável; e a personalidade não é expropriável. Não há forma de reduzir
ou retirar a personalidade a ninguém. A personalidade é também
indisponível; inabilidade (não se pode adiar; em alguns ordenamentos a
personalidade só se incida à viabilidade da vida – artigo 66.º); ilimitável (a
personalidade jurídica não pode estar sujeita a uma tutela restrita, não é
possível haver um elenco de direitos sujeitos a numerus clausus).

 Início da personalidade:
- Dá-se aquando do nascimento completo e com vida - artigo 66.º nº 1. Até aí, a
vida não é autónoma. Exclui-se assim da personalidade os nados mortos.
- A condição jurídica dos nascituros:
 Podem receber doações, nos termos do artigo 952.º.
 Não são pessoas, de acordo com a letra do artigo 66.º. Isso não invalida, no
entanto, que tenham proteção. A existência humana não é instantânea, antes
envolve um fenómeno formativo que é a gestação. O Direito reconhece
proteção da vida, mas não proteção da personalidade. Por exemplo, se uma

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grávida sofre lesões físicas que se refletem no feto, no momento do nascimento


completo e com vida, a criança vai ter o direito de ser ressarcida pelos danos
que sofreu ainda antes de nascer.
 Têm capacidade sucessória os nascituros não concebidos (osconcepturos).
1798.º - estabelece o momento da conceção.

 Fim da personalidade:
- A personalidade cessa com a morte – artigo 68.º. Temos situações que parecem
desmentir esta afirmação, como é o caso da proteção dos bens da personalidade
– artigo 71.º nº 1.
- A morte extingue então os direitos de natureza pessoal e transmite para os
sucessores os direitos de natureza patrimonial. No entanto, há determinados
aspetos da personalidade que continuam a ter proteção após a morte, como
referido no parágrafo anterior. Um exemplo será o respeito pela memória do
indivíduo.
- O óbito é um facto sujeito a registo.
- A morte conjunta de várias pessoas pode suscitar problemas jurídicos,
nomeadamente a nível sucessório. Dispõe o nº 2 do artigo 68.º - presunção da
comoriência. Deixa de haver devolução sucessória entre as pessoas. Ocorre
quando duas ou mais pessoas morrem ao mesmo tempo, e quando não é possível
deduzir qual delas morreu primeiro, presume-se como se tivesse morrido no
mesmo instante. Por exemplo, A e B (pai e filho), num desastre de carro. É uma
presunção relativa: admite prova em contrário. Se A fosse o primeiro a falecer, o
fenómeno sucessório ocorria no sentido de A para B; se fosse B, o herdeiro seria
C, por força da sucessão legitimária.
- O desaparecimento também produz efeitos jurídicos relevantes. É uma presunção
de falecimento. 68.º nº 3. O que acontece se o desaparecido volta?

IV (I) – A TUTELA DA PERSONALIDADE


Temos um catálogo extenso dos direitos fundamentais, com uma CRP a repercutir muitos
aspetos da tutela dos direitos fundamentais que não tinham essa dignidade em textos
constitucionais anteriores, por exemplo no domínio dos direitos económicos, sociais e
culturais.
Temos complementaridade entre as duas figuras:
- Os direitos fundamentais são estruturados para proteger o indivíduo face a
violações verticais, criando um espaço de inviolabilidade. São enunciados e
concretizados através dos direitos de personalidade sempre que o bem
jurídico seja o mesmo.
- Os direitos de personalidade são pensados para a proteção da personalidade
face a agressões que resultam do mesmo planojurídico.
Temos uma tutela de personalidade multinível, que começa no plano constitucional,
depois no Código Civil, e tem concretizações específicas por exemplo no Código de
Trabalho (protege direitos de personalidade no ambiente laboral).

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Também temos um método de proteção de personalidade que se desdobra em duas


dimensões:
o Tutela geral da personalidade:
- Entendida como um todo. Abrange todas as manifestações da
personalidade humana. “É um direito à pessoa ser e à pessoa de vir”
(Orlando de Carvalho). Atende ao caráter dinâmico da personalidade.
Compreende não só o que está cristalizado em dado momento, mas também
às condições que permitam o seu livre desenvolvimento. O objeto deste
direito é a própria pessoa. Artigo 70.º nº 1.
- Pelo simples facto de vivermos em sociedade, temos constrangimentos. A
personalidade é ilimitável, mas pode haver limitação da tutela. Em que
medida? Temos uma limitação que resulta das exigências da convivência
comunitária. Só é relevante a violação da personalidade que exceda os
limites da adequação social. Há que haver uma ponderação dos interesses em
causa na hipótese de uma colisão de direitos – critérios de compatibilização
dos direitos de personalidade de um indivíduo com os direitos de
personalidade do outro. Não há nunca possibilidade de ultrapassar o direito à
vida (o limite dos limites). No intervalo entre a adequação social e o direito à
vida, funciona a tutela disposta no artigo 70.º do CC.
- É uma tutela residual: só a ela recorremos quando não há tutela específica
para o bem em causa.

o Tutela descentralizada:
- Apenas aspetos específicos ou concretos da personalidade são tidos em conta.
Pela própria natureza do objeto tutela, é um catálogo aberto. Hoje entendemos
estes bens da personalidade protegidos. Também no Direito Laboral.
- Tem expressão positiva num elenco de direitos, como por exemplo a
integridade física e moral, o nome, o pseudónimo, a honra, a reserva sobre
intimidade da vida privada, a reserva de carta-missiva, memórias familiares e
pessoais e outros escritos de caráter confidencial ou de natureza privada, a
imagem.

 No plano da organização dos bens jurídicos protegidos nesta tutela, nós podemos
organizá-los de acordo com várias sistematizações. É possível organizar de acordo
com a prioridade dos bens jurídicos tutelados:
 Direito à vida: direito à conservação da vida. Artigo 496.º/1: ocupa-se da
reparação do direito à vida.

 Direito à integridade física: tem tutela constitucional, penal e civil. Tem uma
abrangência que inclui a integridade física propriamente dita (no seu sentido
mais estrito) mas também a integridade físico-psíquica. Tutela
constitucional: artigo 25.º. Há uma série de crimes no Código Penal, inclusive.
Para o Direito Civil, o corpo é um espaço de inviolabilidade e, portanto,
qualquer intervenção não consentida nesse espaço corresponde a uma violação

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do direito à integridade física. Por exemplo, vários acórdãos consideram que


a emissão de ruído em determinadas circunstâncias constitui uma violação do
direito à integridade física, pois impede o sono reparador das pessoas.

 Direito à liberdade: inclui a liberdade positiva (a pessoa conformar-se


pessoalmente a si própria) e a liberdade negativa (recusar ações que defrontem
a vontade individual). O direito à liberdade é um direito que inclui liberdades
físicas (ex. liberdade de deslocação, liberdade sexual positiva ou negativa -
v.g. assédio sexual, que é uma agressão que se prende não apenas com o direto
à liberdade, mas também com o direito à dignidade pessoal) e liberdades
morais.

 Direito à inviolabilidade pessoal:


- Direito a circunscrever o nosso espaço no mundo, no que diz respeito à interação
com os outros. Não temos exatamente aquilo que acontece no Direito Saxónico,
onde se protege a privacy. Há várias vertentes de contendem com essacategoria.
- Projeção física:
 Circunscrição de um espaço de projeção física. O direito à imagem e
o direito à palavra, por exemplo.
 O direito à imagem pode ser voluntariamente limitado através do
consentimento, nomeadamente mediante contrato (por exemplo,
modelos). Abrangem os aspetos físicos de identificação e todos os
que a pessoa pretende guardar para si. O momento de captação não
consentida e o momento de divulgação de imagem não autorizada
são os dois momentos de violação do direito à imagem.
 Os pais têm responsabilidades parentais e são as pessoas a quem cabe
ajuizar o melhor interesse dos seus filhos, mas a divulgação das fotos
das crianças tem sido objeto de discussão. Será que esta exposição
dos menores à internet é benéfica? A proteção dos dados pessoais está
associada a isto. Tem sido entendido pela jurisprudência que a
exposição dos menores, salvo circunstâncias excecionais, não
corresponde ao seu melhor interesse e, por isso, os pais não têm o
direito de proceder à publicação de imagens nas redes sociais.
 Se à imagem acrescer manipulação dela (independentemente de ser
para melhor ou para pior) temos violação do direito à imagem e do
direito à verdade pessoal.
 No artigo 79º/2 estão justificações da violação do direito à imagem.
Circunstâncias que se prendem com o estatuto do sujeito e
circunstâncias de captação pública da imagem são justificações de
violação deste direito. O nº3 acrescenta que o retrato não pode ser
exposto no comércio se violar o direito à honra, decoro e reputação
da pessoa.
 O direito à palavra segue o mesmo regime que o direito à imagem
(por analogia). As gravações da palavra falada das pessoas não

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autorizada é uma violação deste direito (ex: escutas). Não é o


conteúdo da palavra que é protegido, mas a projeção física.

- Projeção vital:
 Caráter: direito a não se ser sujeito a meios de indagação de caráter, a
não ser objeto de análise do caráter sem consentimento, por exemplo,
no caso dos testes psíquicos;
 História pessoal: não tem conformação positiva, mas tem tutela
jurídica na mesma. Direito a dados de percurso pessoal do indivíduo.
É ainda uma manifestação do direito à reserva individual. Esta questão
é de particular relevância para legitimidade de biografias não
autorizadas e até onde se pode ir na indagação do percurso pessoal sem
transpor este espaço pessoal.
 Intimidade da vida privada: três esferas concêntricas. A esfera
privada engloba aspetos pessoais, mas também aspetos que a pessoa
escolhe como sendo pessoais. É o direito à informação sobre outrem
(ex: gostos pessoais, animais de estimação). É aquilo que não é público
(ex: que não se passa na profissão). Pode até nem ser reservado, mas
que não faz parte da interação social. A espera pessoal diz respeito,
exclusivamente, à pessoa. É uma esfera mais restrita que a anterior (ex:
orientação sexual). Esta esfera impõe-se a todos, mesmo os que têm
uma relação de proximidade com a pessoa. Mesmo a proximidade não
autoriza essa devassa. Ainda mais restrita que esta é a esfera de
segredo, que pode não ser pessoal, mas que é o círculo mais íntimo de
reserva do sujeito. Dentro desta, há coisas que são secretas (ex: palavra
passe do mail). São coisas que, naturalmente, têm que ser secretas. Mas
há coisas que são secretas por determinação da pessoa (ex: escritos
inéditos). A distinção entre coisas naturalmente secretas e coisas
secretas por determinação é importante no âmbito do ónus da prova. Se
a coisa é naturalmente secreta, o ónus da prova recai sobre quem divulga
a coisa secreta (há uma presunção do caráter secreto, pelo que esta
presunção tem que ser destruída). Se a coisa é determinada secreta pelo
sujeito, o ónus da prova recai sobre o titular. Isto é retirado dos
princípios gerais do ónus da prova. Os elementos integrantes da esfera
de segredo são impenhoráveis, insuscetíveis de execução específica e
não podem ser objeto de preterição (o sujeito não é obrigado a justificar
o caráter secreto). O direito ao esquecimento também se encontra no
âmbito da intimidade da vida privada. Não há prescrição do direito à
reserva, mesmo que passe muito tempo. O direito à verdade profunda
é importante nesta matéria. É o direito que a pessoa tem de gerir a sua
própria verdade. É um direito à liberdade negativa relativamente aos
aspetos confidenciais da pessoa.
- Projeção moral:
 Honra (projeção do nosso “eu” nos outros, reputação).

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 O direito à honra é o direito à reputação, no fundo. A honra é a projeção


do “eu” nos outros. A honra no sentido amplo é a honra extrínseca da
pessoa (imagem que a pessoa tem nos outros). Não se circunscreve à
veracidade dos factos.
 A violação deste direito faz-se pela divulgação de factos que afetem
a imagem da pessoa nos outros e isto pode acontecer por factos
verídicos ou inverídicos. Existem aqui diversas esferas consentidas.
 Os círculos invariáveis para todas as pessoas dizem respeito à honra
pessoal e familiar por exemplo. É a honra propriamente dita, pois está
ligada à realidade humana. Deve haver um respeito pelos aspetos que
fazem parte do status da pessoa. É uma honra associada à dignitas
humana.
 Os círculos variáveis são consoante as circunstâncias, a pessoa e a sua
interação social (ex: bom nome). Inclui-se aqui a honra deontológica e
profissional. O direito ao crédito pessoal integra a honra económica. É
o direito de não se ser questionado ou atingido na sua qualidade
económica. O direito ao decoro é a esfera mais disponível do direito à
honra. Este direito reporta-se a padrões de comportamento,
semelhantes aos bons costumes.
 Estes níveis do direito à honra são importantes nos limites práticos à
disponibilidade do direito. Os limites são variáveis de acordo com o
sujeito. O fator subjetivo determina que há aspetos relevantes para
determinadas pessoas e para outras não são (ex: por influência cultural).
Muitas vezes há um conflito do direito à honra com o direito à
informação (direito a ser informado sobre aspetos relevantes de
determinada pessoa). Aqui há uma previsão de direitos, pelo que temos
que fazer uma ponderação relativa dos direitos em causa. O direito à
informação tem primazia sobre o direito à honra se for um direito ao
esclarecimento (é preciso ter aquela informação para efeitos jurídicos
relevantes).

 Direito à identidade pessoal:


 Direito à identificação da pessoa. Direito a que a pessoa seja tomada como
única. É um direito inato, pois todos nascem com ele. Na atribuição do
nome, a pessoa passa a ter o direito ao nome. Esse direito já não é inato.
 O direito aos meios de identificação pessoal, como o nome, sendo que
em Portugal é possível haver mais do que uma pessoa com o mesmo nome.
A homonímia é admitida, porque o nome é composto por elementos que
vêm da identificação pessoal e familiar. O pseudónimo é também um meio
de identificação pessoal (74º). Aqui não é possível haver dois pseudónimos
iguais, porque são nomes sem imediata conexão com os elementos de
identificação pessoal e familiar. Só é tutelado depois de gozar de
notoriedade. Os títulos nobiliárquicos são elementos identificativos com
uma carga menos intensa.

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 O direito à verdade pessoal é o direito a que não se manifeste alguma


coisa que não seja verdade. É um elemento da identidade pessoal e é
violável pela divulgação de factos falsos relativos à vida da pessoa. Neste
âmbito, será a identidade genética faz parte da identidade pessoal? Isto foi
importante nas adoções e na identificação dos dadores de órgãos. A
professora diz que existe um direito à informação da história pessoal,
porque não há uma identificação genética.

 Direito à criação pessoal:


 Compreende o direito moral de autor (direito adquirido). A criação deste
direito só passa a ser obra se preencher dois requisitos: originalidade e
objetivação. Os direitos de autor têm por objeto as obras de engenho que
sejam originais e que tenham um conteúdo minimamente exteriorizado
(projeção da ideia do autor para o exterior). Não é necessária a exploração
económica. Relaciona-se com o direito ao inédito, à intangibilidade da
obra e à dignidade da obra (que ela não seja desviada do seu sentido
objetivo). Há violação do direito de autor quando há deformação ou
atentado à integridade da obra. Mas pode-se utilizar a obra para efeitos
de paródia. A paródia é uma utilização desconforme com o sentido
originário, mas que respeita pelas linhas base da obra.
 O direito aos dados pessoais é importante neste âmbito.

Proteção de dados/Regulamento Geral de Proteção de Dados:


A salvaguarda dos dados pessoais ultrapassa a tutela da vida privada e tem a ver
com o caráter económico dos dados. Quando os dados se tornaram um bem com elevado
valor económico, houve que salvaguardar outros aspetos do seu tratamento. Surgiu o bem
jurídico do dado pessoal. Isto aconteceu por força da evolução tecnológica.
Recentemente, houve uma alteração desta tutela, com a introdução do
regulamento da proteção de dados (679/2016). A grande modificação na ordem jurídica
interna ainda está para acontecer. Ainda não temos uma lei que esteja em conformidade
com os princípios e as modificações introduzidas pelo regulamento.
O panorama normativo é composto por diversos instrumentos internacionais, de
forma programática ou enunciativa. Temos a lei 67/98 que ainda em vigor e foi
parcialmente alterada pelo regulamento. Temos uma proposta de lei.

 O que é que verdadeiramente se alterou com a entrada em vigordo


regulamento?
Até maio, tínhamos um sistema hetero-regulado, uma vez que a proteção de dados
era regulada normativamente por uma lei que transpunha diretivas da União. Com o
regulamento 2016/679 do parlamento e do conselho passamos para um sistema de auto-
regulação, a partir de 25 de maio de 2018. Substituíram-se as diretivas em vigor e houve
uma uniformização do regime da proteção de dados em todos os países da União.
Deixou de se conceder a margem de manobra que a diretiva pressupõe aos estados

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membros e há uma uniformização do regime da proteção de dados em todos os estados


membros. Este regulamento é complementado por duas diretivas adicionais.

 Em que consistem os dados?


Os dados são a informação relativa a uma pessoa singular identificada ou
identificável (“titular dos dados”). É considerada identificável uma pessoa singular que
possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um
identificador, como por exemplo um nome, um nº de identificação, dados de localização,
identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade
física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular.
A definição de dados em sentido amplo é definida no artigo 4º do Regulamento.
Existem dados pessoais óbvios, como o nome e as fotografias. Mas também existem
dados pessoais menos óbvios, porque se estendem às características físicas, fisiológica,
mental, económica, cultural, social e genéticas (ex: tatuagens).

 Em que consiste o tratamento?


O tratamento é uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre
dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não
automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a
conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a
divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a
comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição. As operações
acauteladas pelo regulamento estão no artigo 4º/2.
Nem todos os dados têm o mesmo tratamento. Na economia da regulamentação da
UE, há dados que são objeto de proteção ainda mais especial. Há categorias especiais de
dados, que são os dados sensíveis. Estes são os dados com um elevado potencial
discriminatório, como as opiniões políticas e a origem racial. E são dados que são
sensíveis pela ligação à esfera de inviolabilidade pessoal, como os dados biomédicos
identificadores. Esta enumeração de dados sensíveis é taxativa ou pode ser
complementada por outros dados que se venham a revelar com características de
sensibilidade (ex: inicialmente os dados biomédicos não eram considerados dados
pessoais).
Os dados biomédicos são dados pessoais resultantes de um tratamento técnico
específico relativo às características físicas, fisiológicas ou comportamentais de uma
pessoa singular que permitam a identificação dessa pessoa.
Os dados relativos à saúde reentram na categoria de dados sensíveis e são
definidos pelo regulamento. A questão destes dados tem suscitado algumas dificuldades
e é uma das causas pela qual não temos aprovada a lei da proteção de dados. O nosso
sistema nacional de saúde permite um acesso liberado aos dados pessoais dos utentes e a
modificação desse sistema importaria custos significativos. Têm sido tomadas medidas
avulsas para resolver situações mais gritantes.

 Quais os princípios ordenadores do regime da proteção de dados?


 Licitude, lealdade, transparência;

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 Limitação da finalidade;
 Minimização dos dados;
 Limitação da conservação;
 Integridade e confidencialidade;
 Responsabilidade.

 O direito à proteção de dados é um direito fundamental e de personalidade. Tem como


direitos derivados os direitos ARCO (acesso, retificação, cancelamento, oposição), os
direitos de portabilidade e os direitos ao apagamento.

 Outra novidade do regulamento é a introdução da figura do encarregado de


proteção de dados sempre que:
 O tratamento for efetuado por uma autoridade pública, excetuando os tribunais;
 As atividades principais do responsável que consistam em operações de
tratamento;
 Operações de tratamento em categorias especiais de dados e de dados pessoais
relacionados com condenações penais e infrações.
Ele centra-se nos direitos de autodeterminação do titular dos dados, através do
estabelecimento dos direitos de informação e de controlo da situação em que é obtido o
consentimento.

 Consentimento do lesado/ofendido:
A tutela geral e a tutela especial admitem, em determinados casos, a
disponibilidade do direito de personalidade para, através do consentimento, poder retirar
a ilicitude à lesão do direito. O consentimento é uma questão muito relevante nesta
matéria, pois é através dele que se pode paralisar a ilicitude da lesão ao direito.
Esta margem do consentimento só opera entre o limite da atuação social e o
limite do direito à vida. O direito à vida é o direito mais indisponível. O consentimento
tem que se conformar com os princípios da ordem pública e dos bons costumes. Os artigos
81º/1 e o 280º são importantes. O consentimento é uma causa de exclusão ou de
justificação da lesão e é justificado por estes princípios.
As formas do consentimento têm vários efeitos. Podemos reconhecer 3 formas essenciais
de consentimento:
 Consentimento vinculante – aquele que confere ao lesante um poder jurídico de
agressão. Pressupõe que entre ofendido e lesante há um acordo que permite a lesão
do direito. Há um contrato. Por efeito de um contrato, o lesante fica legitimado a
violar o direito de personalidade. O consentimento é vinculante porque resulta
de um negócio jurídico. A outra parte fica com o direito de agressão. A contraparte
pode exigir o cumprimento do contrato. Há responsabilidade contratual.
 Consentimento autorizante – aqui não há um facto jurídico que possibilite a
lesão. Há um poder de facto de agressão que pode ser revogado a qualquer altura.
Essa revogação não tem os efeitos da primeira. A única obrigação que depende do
titular se arrependa do consentimento é a obrigação de indemnizar os prejuízos

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causados às legítimas expectativas da contraparte (poder fáctico de agressão). Há obrigação


de indemnizar as legítimas expectativas da contraparte.
 Consentimento tolerante – apenas justifica a ação, mas não confere ao lesante o
poder de agressão (340º/1). O consentimento pode ser presumido quando a lesão
se dá num interesse do lesado (340º/3). A vontade do lesado é presumível. Ele
presta um consentimento tolerante. Só este pode ser presumido. Nem as
expetativas são compensadas.

 Questões particulares:
Intervenções cirúrgicas:
A questão do consentimento põe-se em situações de intervenções cirúrgicas. Estas
pressupõem um consentimento tolerante, por norma. Justifica-se a ação em função do
resultado que se propõe a alcançar. Isto quando a intervenção se dá em benefício
próprio. Mas há intervenções que não se dão em benefícios próprios, que são sujeitos
a intervenções para benefício alheio (ex: doações de órgãos). O espaço de
inviolabilidade é mais intenso neste caso. Aqui há um consentimento autorizante, pois
implica a concessão aos médicos de um poder fáctico de agressão. Mas isto não é
uma regra absoluta. Pode haver a necessidade de um consentimento autorizante
quando está em causa um interesse próprio (ex: cirurgias estéticas).

Menores:
O menor tem que ter capacidade. O consentimento autorizante tem que ser
prestado pelo próprio. Mas há menores com menos capacidade que outros. No caso
de os menores terem capacidade de entendimento das consequências do
consentimento, ele pode ter intervenção no procedimento que leva à agressão dos seus
bens da personalidade. Isto significa que os pais não podem autorizar que o seu filho
seja dador de órgão.
O consentimento dos menores coloca-se no consentimento tolerante, porque
neste pode haver consentimento do representante legal. Se o menor ainda não tem
capacidade para entender os efeitos dos seus atos, deve ser o representante a
consentir. Nesta matéria, o DC segue princípios do DP. Admite que os maiores de 16
anos, mesmo quando os representantes possam consentir, possam ser ouvidos (ex:
intervenções técnico cirúrgicas). No consentimento tolerante não se exige capacidade.
Pode ser prestado pelo representante, mas maiores de 16 anos devem ser ouvidos.

Colheita de órgãos:
Há uma lei que regula a colheita de órgãos, que é a lei 12/93, que exclui a dádiva
de óvulos e esperma, transferência de embriões e dadiva de sangue e outras para fins de
investigação. Isto baseia-se no princípio de gratuitidade, pelo que estas operações não
podem ser remuneradas. Os órgãos referidos são coisas fora do comércio. Existe a colheita
em vida e a colheita em cadáveres. A colheita em vida só é admitida de substâncias
regeneráveis. Mas são admitidas as colheitas de substâncias não regeneráveis se houver
uma relação de parentesco até ao 3º grau. São sempre proibidas estas colheitas em
menores ou incapazes e se envolverem a diminuição grave e permanente da integridade

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física. O consentimento deve ser esclarecido e livre e o dador deve ser o beneficiário.
Este consentimento deve ser prestado perante um médico (independente, não envolvido
na operação). Há uma responsabilização objetiva neste domínio, pelo que o dador tem
que ser indemnizado pelos danos sofridos. Por isso, os hospitais devem ter um seguro
obrigatório.
A colheita em cadáveres é aquela que tem como dadores todos os que não
manifestem a vontade de não o serem. Todos são potenciais dadores post mortem. Há um
registo nacional de não dadores, que são os que expressam a vontade de não o ser.

O regime das diretivas antecipadas de vontade – testamento vital (lei 25/2012):


Estas constam do negocio jurídico unilateral, livremente revogável a todo o
tempo pelo próprio e qualquer maior capaz manifesta a sua vontade que se deseja receber
no caso de se encontrar capaz de expressar a sua vontade em casos de saúde. Tem de ser
escrita, assinada e tem um âmbito mínimo de forma legal. É necessária capacidade para a
elaboração do testamento. Há limites (5º):
 São inexistentes as diretivas contrárias à lei, ordem pública ou às boas práticas;
 Quando possa provocar morte não natural;
 Quando o outorgante não tenha declarado a sua vontade.
Os profissionais de saúde têm direito à objeção de consciência no cumprimento destas
diretivas.

IV (II) – AS INCAPACIDADES
Como já anteriormente foi visto, a capacidade pode ser de gozo ou de exercício.
 No caso de incapacidade negocial de gozo, conduz-se à nulidade dos negócios
celebrados por quem não a tem. É uma incapacidade insuprível.
 No caso de incapacidade negocial de exercício, temos por consequência a
anulabilidade dos negócios, sendo uma incapacidade suprível (os negócios podem
ser celebrados por intermédio de certas pessoas).
Assim, anteriormente, as incapacidades apareciam como estados em que a privação da
capacidade era determinada pela própria proteção da personalidade. A existência de
incapacidade só se justificaria enquanto mecanismo de tutela da personalidade. Isto
alterou-se porque se entendeu que o estado de menor capacidade é um estado
gradativo. Não é possível traçar uma fronteira entre estas situações, porque as pessoas
podem ter diferentes graus de autonomia.

 (In)Capacidade de gozo:
Antes, a privação da personalidade era determinada pela própria proteção da
capacidade, portanto, um estatuto de proteção especial - a incapacidade de exercício. Isto
alterou-se recentemente, porque se entendeu que o estado de menor capacidade é um
estado gradativo, ou seja, não podemos traçar uma fronteira rígida entre uma situação e
outra, porque, do ponto de vista naturalístico, também há pessoas que podem ter graus
diferentes de autonomia e, então, essa alteração levou, por força de instrumentos
internacionais principalmente, a criação do estatuto de maiores acompanhados
introduzidos pela lei 44/2018, da qual falaremos mais adiante.

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Como nos diz o artigo 67.º, a regra geral para todos os sujeitos é capacidade a
partir do momento em que têm personalidade. No entanto, há exceções a esta capacidade
- por ex., o caso dos menores que de acordo com o artigo 1601.º tem incapacidade
negocial e a incapacidade de constituir matrimónio (impedimento do casamento, que é
uma exceção à capacidade de gozo, como visível no artigo 1602.º). Não são só as
incapacidades negociais que temos como exceções à capacidade, temos também no
âmbito sucessório - incapacidades de testar (artigo 2189.º, menores não emancipados não
podem testar), a incapacidade de perfilhar (artigo 1850.º).

Quando falamos de incapacidade não falamos de indisponibilidade, que se


traduz na impossibilidade de determinar determinados negócios ou estabelecer
determinados benefícios relativamente a um conjunto de pessoas. Também não falamos
de ilegitimidades, que resultam das proibições de celebrar negócios em função da posição
do sujeito (v.g. proibição da venda a filhos ou netos).

As pessoas coletivas também são passíveis de incapacidade, apesar de não ser


determinada pelas mesmas razões que as das pessoas singulares. É uma incapacidade
funcional, pois têm um princípio de especialidade (160.º) que as vincula às suas funções.
A sua incapacidade resulta da sua finalidade. Não há incapacidades de exercício no que
diz respeito às pessoas coletivas pois não faz sentido atribuirmos uma capacidade
funcional para depois a limitarmos.

 (In)Capacidade de exercício:
Falemos de incapacidades de exercício no nosso OJ. Antes, tínhamos pessoas com
autonomia naturalística a quem se concediam a possibilidade de atuar no mundo jurídico
por intermédio de outras pessoas. Hoje, isto alterou-se, pois passou-se a entender que o
estatuto jurídico tem de ser relativo ao grau de autonomia de individual. Não pode
haver capazes e incapazes totais, tem de haver graus de autonomia intermédios. Hoje,
quando falamos de estados de incapacidade, só podemos falar da menoridade, pois é a
única situação em que há uma incapacidade geral, porque abrange quaisquer negócios
jurídicos (pessoais ou patrimoniais) sem atender às caraterísticas do indivíduo. Artigo
123.º - salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício
de direitos. Os menores podem praticar válida e eficazmente por si determinados atos,
quer isto dizer. É o que nos diz o artigo 127.º.

Algumas perspetivas em relação à capacidade socioeconómica dos menores


poderão dizer que deve haver uma padronização da capacidade dos menores, no que toca
à capacidade de aquisição de bens. Na perspetiva da prof., deveremos olhar para o
quadro em que se insere o menor.

Em relação ao exercício de profissão teremos de atender à concessão de


autorização para o menor trabalhar, sendo que este deve também ter então capacidade
para realizar a prestação a que se obriga (127.º/1/c)). O n.º2 estabelece um limite à
responsabilidade dos menores.

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Vimos que os menores com idade superior a 16, como sabemos, podem constituir
casamento, podendo haver um impedimento impediente (artigo 1604.º a)). Isto quer
dizer que se o casamento se celebrar, mesmo com oposição dos pais, não é nulo - as
consequências da falta de autorização prendem-se com o indivíduo continuar a ser
considerado menor no que diz respeito à administração de bens e o que advém a título
gratuito até à maioridade (artigo 1649.º).

Os negócios jurídicos praticados por menores são anuláveis, exceto os


previstos no artigo 127.º. De acordo com o artigo 125.º (regime específico da
anulabilidade), a anulabilidade pode ser arguida no prazo de 1 ano a requerimento do
progenitor que exerça o poder paternal ou do administrador de bens, contando-se o ano a
partir de conhecimento pelos pais ou pelo tutor de que foi realizado o negócio, mas nunca
depois do menor atingir a maioridade ou ser emancipado. Após a maioridade, o próprio
poderá ser ele a arguir da anulabilidade do ato que praticou de acordo com o 125º/ b.
Também podem arguir a anulabilidade qualquer herdeiro do menor no ano subsequente à
sua morte, se este tiver morrido antes de ter terminado o prazo da alínea b. Além disso,
esta disposição é afastada na situação do artigo 126º que prevê o dolo do menor. Se o
menor se faz passar por maior ou emancipado, ele deixa de ter o direito à anulabilidade
do negócio.

A incapacidade advinda da menoridade termina com os 18 anos ou quando o


menor seja emancipado (129º). O menor é emancipado em pleno direito pelo casamento
(132º). Todavia, algumas pessoas ao fazerem 18 anos não adquirem a plena capacidade
(131º), para evitar que haja hiatos na proteção destas pessoas. Se tivermos uma pessoa
cuja capacidade natural exija o acompanhamento, estende-se o regime da menoridade até
que haja decisão.

Como é suprida esta incapacidade?


Normalmente, os menores são educados pelos pais. É através das
responsabilidades parentais a que os filhos esta sujeitos que se protegem os menores
(1877º e ss). As responsabilidades parentais têm uma vertente pessoal, como educação e
religião, e têm uma vertente patrimonial (1888º). Na primeira, cabem os poderes de
educar e de guardar o filho. Na vertente patrimonial, o poder de administração dos bens
(1888º e 1897º) e o dever de alimentos.
No entanto, nem sempre as coisas correm desta forma. Há menores sujeitos a
tutela, porque não estão ao abrigo das responsabilidades parentais (1921º). A tutela é
exercida por um tutor (1927º) e pelo conselho de família composto por dois vogais e
pelo Ministério Público. É o tutor que tem o poder de representação do menor. O tutor
tem poderes menos extensos do que os poderes de responsabilidades parentais, que o tutor
só os pode praticar através de autorização judiciária.

Interdição e inabilitação:

57
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A interdição e a inabilitação constituíam outros casos de incapacidade. O


acompanhamento substitui a interdição e a inabilitação, fluidificando a situação de
incapacidade.
A interdição dizia respeito aos maiores, sendo que só eles podiam ser interditos
(incapacidade mais acentuada) pois os menores estariam protegidos, sendo que podiam
ser interditos os que tivessem anomalia psíquica (qualquer tipo), surdez ou cegueira (se
fossem de algum modo acentuadas e impeditivas) que impedissem o governo da sua
pessoa e dos seus bens. A inabilitação tinha causas comuns à interdição, porque também
podiam ser inabilitados os que tivessem anomalia psíquica, surdez ou cegueira não tão
grave como a que determinava a interdição, bem como os que tivessem hábitos abuso de
bebidas alcoólicas ou estupefacientes, etc. Sentiu-se alguma discriminação que explica o
porquê de passarmos para o acompanhamento.
O sistema de acompanhamento é então o novo instituto que é alternativa destas
figuras.

FIGURA DO ACOMPANHAMENTO E DOS MAIORES ACOMPANHADOS:


O acompanhamento funciona então como alternativa a estas figuras que
desapareceram do Código Civil. Temos a constatação de uma impossibilidade de exercer,
plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de cumprir os seus deveres por
razões de saúde, deficiência ou comportamento (artigo 138.º). Deixa de haver a
causalidade rígida que estava fixada antes. O pressuposto passa por qualquer uma das
razões assinaladas. O objetivo do acompanhamento está no artigo 140.º - assegurar o bem-
estar, recuperação e o pleno exercício dos direitos e o cabal cumprimento dos deveres pelo
acompanhado. O interesse do acompanhado é que determina os contornos do instituto.

 Os princípios ordenadores do acompanhamento são:


- Proteção do acompanhado (artigo 140.º/1 e 146.º/1);
- Supletividade (artigo 140.º/2): só há lugar ao acompanhamento se não houver
alternativa;
- Estrita necessidade do acompanhamento (artigo 145.º/1);
- Contacto permanente (artigo 146.º/2): contacto entre o acompanhante eo
acompanhado permanente.

As alterações até aqui relativamente ao regimento anterior são a supletividade, a


plasticidade da medida que é estabelecida em função das necessidades naturais do
acompanhado (antes eram consequências fixas e determinadas para todos os interditos e
inabilitados alienados da administração de bens e agora não é a lei que estabelece as
consequências, é a sentença de acompanhamento que determina o âmbito de limitação
da capacidade casuisticamente).

 O acompanhamento pode ser requerido pelo:


- Próprio;

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- Cônjuge, unido de facto ou parente sucessível mediante autorização do


próprio;
- Ministério Público.

 E quando o próprio nem tem condições para autorizar alguém? Aí, pode ser o
Tribunal a suprir autorização do beneficiário.

 Pode ser instaurado no ano anterior à maioridade, para produzir efeitos mal se inicie
a maioridade.

 Escolha do acompanhante:
- O acompanhante pode ser escolhido pelo acompanhado, passando a
designação no processo pelo cônjuge, unido de facto, pais, pessoa designada pelos
pais, filhos maiores, avós, pessoa indicada pela instituição de integração,
mandatário, pessoa idónea.
- Na falta de designação, o acompanhado é acompanhado pela pessoa que melhor
passa salvaguardar o seu interesse, dentro das que estão enumeradas.

 Atuação do acompanhante:
- Âmbito de atuação do acompanhante é limitado pelo artigo 145.º. Atua sempre
no interesse do acompanhado, no estrito limite danecessidade.
- Quem determina o que o acompanhante deve fazer, em nome do acompanhado,
é o tribunal.
- Há ainda uma autorização judicial prévia específica para atos de disposição de
bens imóveis (nº3 do artigo 145.º).
- Quando houver representação geral, o acompanhante acaba por exercer poderes
semelhantes aos do tutor.

 O acompanhado conserva em princípio direitos pessoais (tais como o direito de


casar, procriar, perfilhar, escolher profissão, etc.) e negócios da vida corrente.

 Valor dos atos praticados pelo acompanhando (artigo 154.º, capacidade):


- A delimitação da sua autonomia é feita casuisticamente pela sentença, como
vimos.
- Pode acontecer que o acompanhado atue fora do âmbito determinado pela sentença
- o que acontecerá aí aos negócios jurídicos dos quais ele faz parte? Têm de ser
considerados vários momentos. O estado de acompanhamento começa sempre
pela maioridade e se entre esse momento e entre o anúncio do início do
processo de acompanhamento o acompanhado celebrar um negócio jurídico,
nesse intervalo o destino dos atos é o que for determinado pelo regime da
incapacidade acidental (é anulável desde que o facto seja notório ou conhecido
do declaratário), consoante se verifiquem as caraterísticas do artigo 257.º. A
incapacidade acidental não o é em sentido estrito, pois não é um estado de

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incapacidade - é um instituto pensado para situações pontuais de incapacidade


natural, mas para capazes, para aqueles que momentaneamente estão privados de
querer e requerer o sentido da declaração negocial (v.g. alguém que desmaia). A
capacidade é notória quando for aparente para uma pessoa minimamente atenta à
atuação e comportamento do indivíduo.
- E após o anúncio do início do processo de acompanhamento? No decurso do
processo a solução é anulabilidade diferida condicionada ao prejuízo. De acordo
com o artigo 154.º nº1 b), os atos do acompanhado são anuláveis quando
praticados depois de anunciado o início do processo, mas apenas após a decisão
final e caso se mostrem prejudiciais ao acompanhado. Há anulabilidade, mas esta
é condicionada ao prejuízo do acompanhado, portanto, o negócio tem de ter sido
prejudicial.
- A decisão final tem que ser sujeita a registo, sendo que a sentença de
acompanhamento tem que ser sujeita a registo por afetar o estatuto pessoal do
indivíduo (registo civil). Após o registo, o maior está em situação de
acompanhamento e se a sentença determinar que não pode praticar aquele ato em
concreto, o que acontece é a anulabilidade nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo
154.º.

 Mandato com vista a acompanhamento (artigo 156.º):


- É uma outra novidade introduzida por este regime. No sistema anterior, o incapaz
nunca era determinante para a conformação do âmbito da incapacidade, isto é, ele
podia ser ouvido, os seus interesses eram atendidos, mas ele não tinha uma palavra
a dizer sobre o modo de conduzir a situação de incapacidade. Isto altera-se com a
introdução deste mandato, que nos diz que o maior pode, prevenindo uma eventual
necessidade de acompanhamento, celebrar um mandato para a gestão dos seus
interesses com ou sem poder de representação (o mandatário pode ser o
representante ou não).
- É aplicado o regime geral do mandato (artigos 1157.º ss).
- É livremente revogável pelo mandante, podendo ser cessado quando necessário.

O regime da incapacidade protege os declaratários. O direito só destrói os


efeitos do negócio jurídico quando está convencido que não há realmente forma de
aproveitar aqueles efeitos, porque isso é sempre devastador e atinge sempre outras pessoas
para além dos intervenientes no negócio. É uma medida de último recurso.

Além das incapacidades em sentido estrito, temos as ilegitimidades conjugais,


que se estabelecem não no interesse de quem pode agir, mas no interesse de terceiros (v.g.
restrições que se fazem nos artigos 1682.º ss). São condicionamentos à possibilidade de
alienar determinados bens pelos cônjuges sem o consentimento do outro. O suprimento
da ilegitimidade conjugal é feito pelo consentimento do outro cônjuge e se o cônjuge que
está obrigado a obter esse consentimento e não o fizer e continuar com a celebração do
negócio, o ato é anulável (prazos do artigo 1687.º)

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Situação de insolvência
A situação de insolvência é uma situação que é regulada pelo Código da Insolvência
e da Recuperação de Empresas, no qual no artigo 3.º se encontra descrita a situação. Em
determinadas situações, nomeadamente no caso de insolvência culposa, a sua margem de
atuação jurídica e negocial fica reduzida porque, de acordo com o artigo 189.º nº 2, o
insolvente fica inibido para o comércio, para a administração do património de terceiros.
Assim, fica naturalmente com a extensão máxima da sua atuação jurídica comprometida.
Por que é que esta restrição advinda desta insolvência não é uma incapacidade própria?
Porque as restrições não são estabelecidas no interesse do próprio insolvente, mas no
interesse de terceiros (que poderiam ser atingidos por atos do insolvente) ou até
mesmo no interesse público.
Por isso, não há realmente uma incapacidade propriamente dita, há sim uma restrição
à capacidade de exercício em função de interesses de terceiros ou de interesses gerais.
Nota: a insolvência não diz apenas respeito a pessoas coletivas; pessoas individuais
também podem ser objeto de insolvência.

Encerra-se aqui o estudo da personalidade e da capacidade, nomeadamente na sua


faceta negativa (as incapacidades).

O domicílio: o centro normal da vida da pessoa


Há uma série de implicações que acabam por determinar que tenhamos a nossa vida
organizada num determinado local. Referimo-nos, portanto, às questões que se prendem
com o domicílio.
As pessoas encontram-se radicadas em determinados lugares, e nestes lugares,
organizam a sua vida, e o direito não pode deixar de atribuir relevância a essa organização.
Na verdade, o domicílio tem uma relevância positiva e uma relevância negativa.

o Relevância positiva:
- De acordo com o Código de Processo Civil, a determinação do foro geral é feita
no tribunal do domicílio do réu. Quando não há regra especial do ponto de vista
processual, determina-se o tribunal competente para apreciação de determinada
questão no domicílio do réu, de modo a permitir que a defesa não se faça longe
do centro normal da sua vida.
- No âmbito do Direito das Obrigações, de acordo com o artigo 772.º: na falta de
disposição da lei, a prestação deve ser efetuada no lugar do domicílio do devedor.
- Da mesma forma, artigo 774.º: a prestação deve ser prestada no domicílio do
credor.
- No âmbito sucessório, artigo 2031.º: a sucessão abre-se no momento da morte do
seu autor e no lugar do último domicílio dele.
- São, portanto, inúmeros os aspetos que são determinados pelo domicílio da
pessoa.

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o Relevância negativa:
- Há consequências que se ligam com o facto de se quebrar a ligação da pessoa
com o lugar em que constrói o centro normal da sua vida. É o caso da ausência.
- Do ponto de vista procedimental, se alguém quer notificar ou interpelar
alguém, tem de o fazer para o domicílio. O domicílio é o ponto legal de
contacto com a pessoa.

o Domicílio voluntário geral:


- Artigo 82.º: coincide com a residência habitual. Se residir alternadamente em
diversos lugares, tem-se por domiciliada qualquer deles (há vários
domicílios voluntários gerais possíveis).
- Não se confunde com o paradeiro, que é o local em que se encontra a pessoa
em qualquer momento. Pode ter repercussão jurídica, nomeadamente como
consta no artigo 225.º.
- Diferente destas noções é também o conceito de residência ocasional. Na falta
de domicílio, pode funcionar como tal, de acordo com o nº 2 do artigo 82.º.
- Além disso há, de acordo com o artigo 83.º, um domicílio profissional, no
lugar onde a profissão é exercida.
- Pode haver também domicílio eletivo, de acordo com o artigo 84.º, para
determinados negócios jurídicos.
- Finalmente, temos as hipóteses de domicílio legal, que é fixado
independentemente da vontade do sujeito. É o caso do domicílio legal dos
menores e dos maiores acompanhados, nos termos e para os efeitos do artigo
85.º, e do domicílio legal dos empregados públicos, nos termos do artigo 87.º.
- Há ainda uma regra específica para os agentes diplomáticos, disposta no
artigo 88.º. Consideram-se domiciliados em Lisboa.

 Situação de ausência:
- É principalmente a relevância negativa que importa para o Direito, nomeadamente
a situação de ausência, que não se confunde com o desaparecimento. Em sentido
técnico, é a situação de ignorância do paradeiro de uma pessoa física, e, portanto,
a impossibilidade de contacto com ela.
- Porque é que o Direito tem de se ocupar destas situações? Pois há que prover a
administração dos bens dessa pessoa. Se alguém se ausenta do domicílio sem
notícias, com desconhecimento do paradeiro, mais cedo ou mais tarde, vai tornar-se
necessário prover à organização da esfera jurídica daquela pessoa. Para que o
exercício dos direitos e o cumprimento das obrigações não se venha a paralisar, a lei
prevê determinados meios de suprimento da ausência. Compreendem três
escalões:
- Curadoria provisória: constante do artigo 89.º. Quais são os requisitos? O
desaparecimento de alguém sem notícias (não há um prazo), que gere a
necessidade de prover acerca da administração dos bens, e tem que inexistir um
representante legal ou um procurador. Se o ausente deixa procurador ou
representante legal, essas pessoas podem tomar providências relativamenteà

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administração dos bens. Equipara-se à inexistência de procurador ou representante


legal a recusa do procurador atuar nos termos do nº 2 do artigo 89.º. Quem pode
requerer? De acordo com o artigo 91.º: o Ministério Público ou qualquer
interessado. Quem pode ser curador provisório é normalmente quem está mais
dentro dos assuntos do ausente, normalmente no nº 1 do artigo 92.º. A haver
conflito de interesses, será designado um curador especial. Este meio é pensado
e desenhado para o regresso do ausente.

- Curadoria definitiva: termos do artigo 99.º, que tem como epígrafe “justificação
de ausência”. Decorridos dois anos sem se saber do ausente, se este não tiver
deixado representante ou procurador, ou cinco anos no caso contrário, pode o MP
ou os interessados requerer a justificação de ausência. A instauração da
curadoria provisória não é pressuposto da curadoria definitiva, embora quando
houve curadoria provisória, quando se intente curadoria definitiva, encerra-se o
processo da primeira e abre-se o novo. Distribuem-se os bens do ausente pelos
sucessores mortis causa: isto não é uma partilha porque eles não os recebem como
proprietários, mas para os administrarem, não podendo aliená-los. A probabilidade
de regresso do ausente começa aqui a esfumar-se. A lei atribui os bens do ausente
aos sucessores. Termina pelo regresso do ausente, pela notícia da existência do
local onde reside, pela certeza da sua morte ou pela declaração de morte
presumida. No caso do regresso do ausente, o que acontece aos bens que já
estavam com os sucessores? Nos termos do artigo 113.º: ser-lhe-ão entregues
logo que o requeira (portanto, a iniciativa é da pessoa que regressa).

- Morte presumida: termos do artigo 114.º e ss. Requisitos: dez anos sobre a data
das últimas notícias ou cinco anos se, entretanto, o ausente houver completado 80
anos de idade. A partir daí, podem os interessados requerer a declaração de
morte presumida. A declaração só pode ser requerida 5 anos após o agente atinja
a maioridade. Quanto aos efeitos: artigo 115.º; a morte presumida produz os
mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento. Abre-se uma
sucessão mortis causa, mas o ausente permanece casado. No entanto, para obviar
situações de indefinição do estatuto pessoal, o artigo 116.º permite que o cônjuge
do ausente contraia novo casamento. Mas, se o ausente regressar ou se houver
notícia de que estava vivo na data da celebração das segundas núpcias, não há
bigamia: há dissolução do primeiro casamento por divórcio à data da morte
presumida (ou seja, retroativamente). Quanto às responsabilidades parentais, a
declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte. O artigo
119.º prevê o regresso do ausente e a regra geral é que ele tem direito à devolução
dos bens. Porém, essa devolução varia consoante as circunstâncias dos sucessores,
nomeadamente consoante a sua boa ou má fé. Se os sucessores estão de boa fé, se
requereram a declaração e receberam esses bens de boa fé, eles devolvem o
património no estado em que este se encontrava, portanto, conforme ele esteja
no momento do regresso, compreendendo os bens diretamente sub-rogados (a sub-
rogação pode ser real ou pode ser pessoal; pode ser direta ou

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indireta). Os bens indiretamente sub-rogados não, pois não é possível fazer uma
equivalência patrimonial e pecuniária. Se os sucessores estão de má fé, isto é, se
eles têm conhecimento que o agente estava vivo quando requereram a declaração:
o ausente tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, nomeadamente
a privação do seu património.

(Não há uma relação hierárquica entre estes três meios, nem um escalonamento
gradativo)

IV (III) – AS PESSOAS COLETIVAS


São titulares de direitos e obrigações, podendo ser titulares de património,
independente do património dos seus membros, mas não têm existência naturalística. São
pessoas que atuam no tráfego jurídico de forma autónoma, através dos seus órgãos,
embora não tenham capacidade de autodeterminação. Estão sujeitas ao princípio da
tipicidade: só se podem constituir pessoas coletivas admitidas como tipos legais, embora
haja uma grande variedade de tipos.

Quanto à estrutura básica das pessoas coletivas, podem-se reconduzir a duas


modalidades, sendo com base nessa estrutura que o CC se ocupa das pessoas coletivas:
- Pessoas coletivas de substrato pessoal, que dão origem às corporações. São,
portanto, organizações de pessoas.
- Pessoas coletivas de substrato patrimonial, que dão origem às fundações.
Correspondem a uma massa de bens organizada.

É uma personalidade jurídica instrumental, havendo mesmo quem diga que é uma
personalidade ficcional. Justificam-se pela função económica e social que desempenham.
Há objetivos que transcendem a capacidade individual, e, portanto, só através de
congregação de pessoas ou bens é que é possível alcançar esses fins.
É necessária a reunião de dois elementos para que se dê o surgimento de uma pessoa
coletiva. Apenas mediante a junção destes dois elementos é que temos personalidade
jurídica coletiva.
a) O substrato;
b) O reconhecimento. Consiste na atribuição, pela ordem jurídica, de personalidade
ao substrato.

 É precisamente pelo caráter instrumental que se discute o alargamento da


personalidade a outras realidades, que apenas podem ter objetivos para além da
existência física. É o caso das e-persons, nomeadamente a personalidade de robots ou
mecanismos de inteligência artificial. A função social destes justificaria em
determinadas circunstâncias a sua personificação.

 O substrato
- É o elemento de facto, constituído pelo conjunto de pessoas ou pela massa
patrimonial, consoante o tipo de pessoa coletiva.

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- Decompõe-se em vários elementos:


1. O primeiro dos elementos tem que ser um elemento pessoal ou elemento
patrimonial. Ou temos um conjunto de pessoas, ou uma massa de bens.
2. O segundo elemento é o elemento teleológico. Ou seja, o fim ou o objetivo
que a pessoa coletiva vai prosseguir. Nas corporações, esse fim pode visar ou
não lucro. Nas fundações, o fim tem que ser sempre de índole social (caráter
altruístico). Tratando-se do fim da pessoa coletiva, tem que obedecer aos fins
gerais do objeto do negócio, com as limitações impostas pelo artigo 280.º. do
CC.
3. A personalidade jurídica da pessoa coletiva seja comum a todos os seus
membros. O artigo 994.º estabelece uma regra muito importante: a proibição
do pacto leonino. É a cláusula que exclui um sócio da comunhão dos lucros
ou que o isente de participar nas perdas da sociedade. Não pode haver
membros mais favorecidos que outros.
4. Elemento intencional. Tem que haver animus personificanti.
5. Elemento organizatório. Finalmente, temos o elemento organizatório. É
preciso que a pessoa coletiva seja dotada do mínimo de organização, com
órgãos capazes de assegurar a realização do objetivo proposto.

 Reconhecimento:
- Elemento de Direito que atribui personalidade jurídica ao substrato. O
reconhecimento pode ser normativo ou por concessão. O primeiro é aquele que
não é feito para uma pessoa jurídica em concreta, mas para uma categoria de
pessoas jurídicas para as quais a lei estabelece requisitos. O segundo é aquele em
que a personalidade jurídica é concedida através de um ato administrativo que
manifesta a vontade da autoridade.
- O reconhecimento normativo condicionado é a regra no nosso sistema. Na maior
parte dos casos, o reconhecimento é feito pelo preenchimento de condições
legais. As associações seguem o artigo 158º. Mas também há situações em que é
requerido o reconhecimento por concessão. As fundações têm um
reconhecimento por concessão / individual (158º/2). É um sistema baseado no
reconhecimento normativo, mas também temos situações de reconhecimento
individual.

 Classificação de pessoas coletivas:


A distinção entre corporações e fundações:
- Nas primeiras, o substrato é pessoal e a vontade da pessoa coletiva é imanente a
esse grupo de pessoas.
- Nas segundas, o substrato é patrimonial (chama-se de dotação), são instituídas
por ato unilateral e há uma afetação de bens ao fim de interesse social (estabelece
a finalidade da fundação e as regras que respeita). A sua vontade é transcendente
à pessoa coletiva. Apesar de ser instituída por ato unilateral, não quer dizer que
o fundador não possa ser uma pessoa coletiva.

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A distinção ente pessoas coletivas de Direito Público e de Direito Privado:


- As primeiras são aquelas que têm, em alguma medida, um ius imperium e que
exercem algumas funções próprias do Estado. As pessoas coletivas de Direito
eclesiástico são associações, corporações e institutos da Igreja católica
constituídas em conformidade com o Direito Canónico e de acordo com a
liberdade organizativa da igreja conferida pela concordada com a Santa sé.
- As pessoas coletivas de Direito Privado podem gozar de utilidade pública, que
é um estatuto de interesse público ou de relevância social. Podem haver pessoas
de utilidade pública administrativa, executiva e de mera utilidade pública. O que
nos importa são as pessoas coletivas de utilidade particular, que são as que
permitem aos sujeitos a realização dos objetivos ditados pela sua autonomia
privada. Estas têm por objetivo o lucro (ex: sociedades comerciais).
 Sociedades em nome coletivo: o socio responde individualmentepelas
obrigações sociais subsidiariamente
 Sociedades por quotas: só o capital social responde pelas dividas da
sociedade. Todos os sócios são responsáveis pela entrada de capital.
Responsabilidade limitada.
 Sociedades anónimas: ações. Responsabilidade limitada.
 Sociedades em comandita.

 Existem também as cooperativas, que não são sociedades porque não visam
maximizar o lucro, embora procurem um excedente entre receitas e despesas.
Importância do Código Cooperativo. São pessoas coletivas de livre constituição, de
capital e composição variáveis e de se organizarem com base nos princípios
cooperativos. Visam a satisfação de necessidades económicas, sociais e culturais,
sem fins lucrativos. Adquirem personalidade jurídica por registo. O Direito
Comercial é aplicável a estas pessoas coletivas.

Tipos de pessoas coletivas de acordo o seu regime jurídico (157º):


- Sociedades comerciais: têm um regime jurídico próprio. Há que ter em atenção
as sociedades civis em forma comercial, que são aquelas que tem por objeto a
prática de atos não comerciais e também as sociedades civis, que não têm
personalidade jurídica (não são pessoas coletivas). O regime destas últimas não
está contigo no regime das pessoas coletivas, mas sim nos contratos em especial
(980º).
- Associações (art. 167º e ss e na lei 40/2007): são pessoas coletivas que resultam
do negócio jurídico plurilateral feito por escritura pública. Tem que ter um
âmbito mínimo de forma legal, especificado no 167º/1. Caso contrário, há nulidade
no ato de constituição da associação, pelo que a personalidade não se adquire. Só
por registo é que os estatutos da associação são oponíveis a terceiros (168º).
Distinguem-se, segundo o 182º, por ato de vontade dos associados, por disposição
da lei ou por decisão judicial. A vontade desta forma-se de forma

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imanente e exterioriza-se através de órgãos (órgão deliberativo – Assembleia


Geral -, executivo - Administração e de fiscalização – Conselho Fiscal).
- Fundações (185º e ss e lei 24/2012): provém de um negócio unilateral que pode
ser realizado entre vivos (feita por escritura pública) e por testamento. É preciso
dar publicidade aos atos de instituição da fundação. Este é revogável pelos
herdeiros do fundador. Neste ato deve ser indicado o fim e os meios destinados ao
cumprimento desse fim. O reconhecimento só é concedido se for observado o
princípio da suficiência (os meios devem ser suficientes para o cumprimento do
fim). Distinguem-se das corporações por resultarem de negócio unilateral, por
terem uma finalidade social e obedece à regra da suficiência dos meios. O
reconhecimento resulta de um ato discricionário por parte da Administração
Pública. Se for recusado, não há fundação. As regras do reconhecimento estão
contidas no artigo 188º. Extinguem-se quando a sua finalidade se esgota.

 Sobre a personalidade das pessoas coletivas:


- As pessoas coletivas, porque têm personalidade, têm direitos de personalidade
embora o catálogo destes seja mais restrito do que o das pessoas singulares. Isto
porque são direitos de personalidade instrumentalizados à natureza da pessoa em
causa. Elas têm também capacidade. Ao contrário do que acontece com as
pessoas singulares, há uma incidência entre a extensão da capacidade de gozo e da
capacidade de exercício, porque não há incapacidades naturalísticas. A regra
central é o principio da especialidade do fim que consta no artigo 160º. Todos os
direitos com dimensão física estão vedados à pessoa coletiva. A sua capacidade
está demarcada por três limites:
 Só compreende os direitos e obrigações necessários e convenientes à
prossecução dos seus fins;
 Só direitos e obrigações que não sejam vedados por lei;
 Direitos e obrigações que não sejam inseparáveis da personalidade
humana.
- Se não respeitar estes limites, o ato da pessoa coletiva é nulo, porque lhe falta a
legitimidade para atuação (capacidade de gozo).
- Também têm responsabilidade - é uma responsabilidade contratual e
extracontratual.
- O modo de participação da pessoa coletiva no tráfego negocial está no artigo 173º.
- Esta personalidade jurídica é análoga à personalidade das pessoas singulares. É
o caso da importância do domicílio. Correspondendo ao domicílio das pessoas
singulares, temos a sede das pessoas coletivas. As pessoas coletivas têm
denominação social (tem regras apertadas), que equivale ao nome das pessoas
singulares.

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