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Aulas teóricas
Professora Doutora Regina
Redinha
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Nota introdutória:
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Não existe já uma barreira absoluta entre os dois setores do direito; há uma área de
interseção cada vez maior.
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com as suas conveniências e só não o podem fazer caso seja ilegal. Já o Direito
Público rege-se pelo “princípio da competência” - só é lícito o que for permitido
(daí os regimes de autorização, licenciamento, etc), pois à partida está-nos vedada
a iniciativa de determinados atos.
- O Direito Privado é, em certa forma, um direito “geral” em relação ao direito
público, tendo uma vocação muitíssimo mais alargada. Quando as regras de direito
público regulam dada matéria, não a regulam em termos exclusivos, apenas em
termos especiais, dado que é o Direito Privado que regula o regime base. Por
exemplo: os bens do Estado pertencem por regra ao seu domínio privado, estando
isto disposto no artigo 1304.º do CC.
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SISTEMA EXTERNO:
- Divisão do Código em livros, que por sua vez se dividem em títulos, capítulos,
secções, subsecções e divisões.
- O critério de exposição e sistematização do Direito que está na base da
sistematização do atual Código Civil é o da noção de relação jurídica.
Estabelece-se uma parte geral que engloba os temas relativos aos elementos
comuns às outras quatro partes especiais e estas, por sua vez, correspondem ao
direito aplicável a quatro espécies ou modalidades diversas de relações jurídicas.
- Esta sistematização é conhecida por sistematização germânica ou plano de
Savigny, por ter sido consagrada no Código Civil alemão (BGB) de 1896, que
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entrou em vigor em 1900, no seguimento da sua adoção, várias décadas antes, por
aquele autor da mesma nacionalidade.
- A relação jurídica é utilizada nela como meio técnico de arrumação e exposição
do direito, por se considerar esse conceito um quadro adequado para exprimir a
realidade social a que o ordenamento jurídico se aplica.
- Tendo o Direito a pretensão de disciplinar os interesses contrapostos no
entrecruzar de atividades e interesses dos homens, são criados enlaces, nexos entre
os homens, nos termos dos quais a uns são reconhecidos poderes e a outros
impostas vinculações – precisamente essa relação entre os homens, traduzida em
poderes e vinculações, constitui a relação jurídica.
- A relação jurídica é, portanto, um conceito operativo, que permite dividir e
estabelecer um método de compreensão do Direito Civil. É uma relação social
juridicamente relevante.
Como referido previamente, integram-se então aqui as quatro grandes áreas, que
compõem relações jurídicas estruturalmente diferentes:
- Direito das Obrigações: são as relações de crédito; os direitos de crédito (são
direitos relativos); os vínculos jurídicos através dos quais fica obrigada à
realização de uma prestação em benefício de outrem. Artigo 397.º. Ativo – credor;
passivo – devedor.
- Direitos Reais: a relação do titular do direito com os outros é uma relação mais
indeterminada. Não se apõe só a um sujeito determinado, mas a todos os outros
que estão excluídos daquele direito. Por força deste direito, A tem um poder direto
e imediato sobre dada coisa. Direitos reais têm eficácia erga omnes.
Podem ser direitos reais:
De gozo (como a propriedade);
De garantia (direitos que se destinam a garantir direitos de crédito);
De aquisição (direito de preferência, de contrato promessa, veículos de
acesso preferencial ao direito real).
- Direito da Família: relações eminentemente pessoais, mas isso não exclui que a
par delas haja relações de natureza patrimonial.
- Direito das Sucessões: transmissão mortis causa.
- Críticas:
o Caráter incompleto desta classificação. Há partes muito importantes do direito
civil sem sede própria, por exemplo direitos de personalidade;
o Despersonalização que esta classificação comporta, contrariamente ao outro
Código que continha uma perspetiva antropocêntrica;
o Incoerência;
o Utilização de conceitos indeterminados e cláusulas gerais*;
o Linguagem demasiado técnica.
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Artigo 66.º
(Começo da personalidade)
1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.
2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento.
Ser sujeito de direito, ser pessoa, significa, aliás, desde logo, ser sujeito de direitos. A
suscetibilidade de direitos e obrigações implica a titularidade real e efetiva de alguns
direitos e obrigações. A pessoa é sempre titular de um certo número de direitos absolutos,
que se impõem ao respeito de todos os outros, incidindo sobre os vários modos de ser
físicos ou morais da sua personalidade. São os chamados direitos de personalidade
(artigo 70.º e seguintes do Código Civil).
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Artigo 70.º
(Tutela geral da personalidade)
1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua
personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida
pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a
consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa jácometida.
Incidem os direitos de personalidade sobre a vida pessoa, a sua saúde física, a sua
integridade física, a sua honra, a sua liberdade física e psicológica, o seu nome, a sua
imagem ou a sua reserva sobre a intimidade da sua vida privada. É este um círculo de
direitos necessários; um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada
pessoa. Têm caráter inato, excetuando o direito ao nome.
O direito civil protege os vários modos de ser físicos ou morais da personalidade. A
violação de alguns desses aspetos da personalidade é até um facto ilícito criminal, que
desencadeia uma punição estabelecida no Código Penal (por exemplo, homicídio, ofensas
corporais, difamação, calúnia, injúria, etc.). Independentemente das reações penais,
qualquer violação dos direitos de personalidade desencadeia uma reação civil. Nessas
hipóteses, a violação não corresponde a um ilícito criminal, existe antes um facto ilícito
civil. Este facto ilícito civil, traduzido na violação de um direito de personalidade,
desencadeia a responsabilidade civil do infrator (obrigação de indemnizar pelos
prejuízos causados).
Artigo 81.º
(Limitação voluntária dos direitos de personalidade)
1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, sefor
contrária aos princípios da ordem pública.
2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigaçãode
indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outraparte.
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Artigo 457.º
(Princípio geral)
A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.
Artigo 405.º
(Liberdade contratual)
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos
contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas
que lhes aprouver.
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2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou
parcialmente regulados na lei.
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Dever de informação (artigo 6.º + artigo 8.º, b): não basta que o
predisponente nos entregue um impresso com centenas de cláusulas em letras
pequenas, há um dever de informação. Este dever tem sido muito debatido,
nomeadamente por causa das operações bancárias dos depositantes que viram
os seus depósitos afetados pela crise. O aderente nem sempre conhece a
terminologia técnica usada nos contratos, nem sempre está ciente das
implicações que advêm dos produtos e serviços. Há que haver claridade. Não
basta comunicar, para a cláusula ser oponível tem de ser esclarecido o
conteúdo sempre que haja necessidade de tal - como é que se afere esta
necessidade? É o predisponente que tem de avaliar a necessidade de aclarar
eventuais pontos obscuros do contrato;
Proibição de cláusulas surpresa (artigo 8.º, c) e d)): cláusulas surpresa são
cláusulas que aparecem quando há um problema, quando o contrato
“descarrila”. Estas cláusulas são proibidas e muitas vezes passam
despercebidas (ex. letras pequenas);
Redução automática do contrato (artigo 9.º): a redução quer dizer aqui
que o contrato é expurgado das cláusulas que não possam nos termos
anteriores ser incluídas.
- Controlo de conteúdo:
Princípio da boa fé: art. 15.º. A boa fé é novamente um padrão geral de
conduta.
Catálogo de proibições: é definido em função da qualidade das partes no
contrato e em função da gravidade da proibição (artigos 17.º-22.º). Quanto
às relações entre empresários, temos cláusulas absolutamente proibidas
(artigo 18.º) e cláusulas relativamente proibidas (artigo 19.º). Quanto às
relações com consumidores, temos cláusulas absolutamente proibidas
(artigo 21.º) e cláusulas relativamente proibidas (artigo 22.º),
acrescentando-se-lhes o artigo 20.º e também os 18.º e 19.º. As cláusulas
relativamente proibidas são relativamente proibidas consoante o quadro
negocial padronizado em que se encontram, para as absolutamente
proibidas são sempre inadmissíveis, não há contexto que lhes valha.
Normas processuais
- Controlo incidental: apreciação da validade das CCG no contexto de um
conflito concreto instalado entre um predisponente e um aderente.
- Controlo abstrato: ação inibitória (artigo 25.º). Tem caráter coletivo. Tem
eficácia “ultra partes”. A legitimidade ativa para ação inibitória está regulada
- artigo 26.º + artigo 13.º da Lei n. º24/96 de 31.07.
Interpretação do contrato:
- Regra geral: remissão para as regras previstas no CC;
- Cláusulas ambíguas: “contraente indeterminado normal, colocado na posição
de aderente real”. É este o padrão a utilizar nas cláusulas ambíguas.
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3. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE
Na vida social os comportamentos – ações ou omissões – adotados por uma pessoa
causam muitas vezes prejuízos a outrem. Coloca-se então o problema de saber quem
deve suportar o dano verificado. Deverá o prejuízo ficar a cargo da pessoa em cuja
esfera jurídica ele foi produzido ou deverá, antes, impor-se a obrigação do seu
ressarcimento à pessoa cujo comportamento provocou uma lesão na esfera de outrem?
Quando a lei impõe ao autor de certos factos a obrigação de reparar os danos
causados a outrem, por esses factos, depara-se-nos a figurada responsabilidade
civil. A responsabilidade civil atua, portanto, através do surgimentoda obrigação
de indemnização. Esta tem precisamente em vista tornar indemne, isto é, sem dano
o lesado. Visa restituir a normalidade jurídica, colocando a vítima na situação em que
estaria sem a ocorrência do facto danoso.
A responsabilidade civil consiste, por conseguinte, na necessidade imposta pela
lei a quem causa prejuízos a outrem de colocar o ofendido na situação em que
estaria sem a lesão.
Artigo 483.º
(Princípio geral)
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado
pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na
lei
Artigo 562.º
(Princípio geral)
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se
tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Artigo 566.º
(Indemnização em dinheiro)
1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja
possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para odevedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como
medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puderser
atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissemdanos.
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3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente
dentro dos limites que tiver por provados.
Artigo 564.º
(Cálculo da indemnização)
1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o
lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam
previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será
remetida para decisão ulterior.
O direito civil português manda atender ainda à fixação de indemnização aos danos
não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Estes danos não
patrimoniais – tradicionalmente designados por danos morais – resultam da lesão de bens
estranhos ao património do lesado. A sua verificação tem lugar quando são causados
sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de
ordem psicológica, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime de direitos de
personalidade. A lógica é que apesar de a dor não ser quantificável, ela poderá ser mitigada
através de uma compensação, dando possibilidade ao lesado, através de uma quantia
pecuniária, ter acesso a bens e serviços que lhe permitam minorar a sua dor.
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3) Culpa:
Juízo de censura e de reprovação relativamente à conduta que dirigimos ao
agente. O ato deve ser passível de uma censura ético-jurídica ao sujeito
atuante. Referência à culpa, em sentido jurídico, do agente. O autor da lesão,
em face das circunstâncias, devia e podia ter agido de outro modo. Este
apuramento é difícil, pois sindicamos algo que se passa no domínio da
subjetividade de outrem. Este procedimento torna-se então um pouco obscuro.
A culpa, traduzida numa reprovação ou censura da conduta desrespeitadora da
existência de uma intenção de causar um dano violando uma proibição (dolo)
ou da omissão dos deveres de cuidado, diligência ou perícia exigíveis para
evitar o dano (negligência ou mera culpa).
Como fazê-lo de forma objetiva? Primeiro, estabelecendo gradações da culpa
- a culpa pode existir de duas formas distintas: o dolo (modalidade mais
grave, a conduta do agente torna-se mais censurável pois é mais estreita a
ligação da vontade e do facto - delitos) e a mera culpa (corresponde à
neglicência - quase-delitos).
Temos ainda três espécies de dolo:
- Dolo direto: o agente representa, na sua mente, o resultado da conduta e
quer que o efeito se produza, havendo uma adesão completa ao resultado
- ex. agente incendeia uma casa com intenção de assassinar quem lá estava.
- Dolo necessário: o agente prevê que o facto aconteça necessariamente por
causa da conduta que vai tomar. Quer outro resultado, mas sabe que o
resultado ilícito se vai necessariamente produzir - ex. agente não quer
matar o ocupante, quer pois destruir a casa, mas lança o fogo mesmo
sabendo que vai matar o ocupante por ser um mal necessário para
completar a conduta.
- Dolo eventual: o agente prevê o facto ilícito como um efeito da sua
conduta, mas tem menor adesão ao seu resultado - ex. o indivíduo quer
incendiar a casa, mas não sabe que estão pessoas dentro de casa, a morte
do ocupante é um efeito eventual/possível. Há indiferença do agente
quanto às consequências.
Mera culpa (artigo 483.º):
- Não há aderência ao resultado. Há ligeireza, distração, etc. - há
neglicência, que pode ser consciente ou inconsciente. É consciente se o
agente prevê a produção do facto ilícito como possível, mas acredita que
ele não se vai verificar. Na neglicência inconsciente o agente nem sequer
concebe a possibilidade do facto se verificar, não há representação mental
prévia das consequências do ato.
Qual é o interesse da gradação da culpa? Em Direito Civil é uma questão
importante pois auxilia na questão da passagem do dolo para a mera culpa. A
questão em Direito Civil não é distinguir os tipos de dolos, estamos
dispensados de prefigurar o que pensou o sujeito relativamente a um incêndio
- só nos interessa saber se aderiu ou não ao resultado. Na vida real, a
distinção entre ambos é muito difícil.
4) Dano:
É o primeiro a ser visto e sem ele não podemos averiguar a existência dos
demais pressupostos. É produzido pelo facto. Para a existência de uma
indemnização, é necessária a existência de um dano, de uma perda. A lesão é
o interesse jurídico tutelado e pode assumir as mais diferentes formas -
destruição, subtração, deterioração de um determinado bem, ferimento,
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estrago, afetação do bom nome de um sujeito, etc. Por isto, distinguimos entre
danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
Natureza dos danos:
- Danos patrimoniais: reflete-se sobre a situação patrimonial do lesado.
Reflexo que o dano patrimonial tem no património do lesado. Temos aqui
danos emergentes (prejuízo causado no bem ou direito já existente na
titularidade do lesado ou ofendido) e lucros cessantes (benefícios que um
lesado deixou de obter por causa de facto lesivo, mas esses benefícios
ainda não estavam na esfera jurídica, mas porque intercede a conduta
lesiva deixou de os obter, ou seja, desaparecem benefícios que o lesado
ainda não possuía até à data da lesão);
- Danos não patrimoniais/morais: o bem jurídico atingido é um bem não
patrimonial no caso dos danos morais (ex. vida, liberdade, reputação).
Todos os danos que incidam sobre a personalidade dão sempre origem a
danos não patrimoniais. Isto não significa que associado a esse dano não
patrimonial não surjam danos patrimoniais, mas o que importa aqui é o
primeiro dano.
5) Nexo de causalidade: é preciso um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
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Distinguimos ainda:
Responsabilidade extracontratual: funda-se no artigo 483.º.
Responsabilidade contratual: emerge da falta de cumprimento das obrigações,
nomeadamente dos contratos, ou dos negócios unilaterais. Regime plasmado nos
artigos 798.º e seguintes.
Outros institutos:
- Propriedade: tem proteção constitucional. É um direito real, e como tal é um
direito absoluto, tendo eficácia erga omnes. É um direito subjetivo de ordem
patrimonial. O direito à propriedade tem condicionamentos no nosso
ordenamento jurídico: primeiro, devido à existência de outros direitos de
propriedade (relações de vizinhança); mas também condicionamentos que lhe são
impostos por motivo de organização social e proteção da comunidade (por
exemplo, constrangimentos que advêm da regulamentação ambiental).
- Família: conceito em permanente mutação. Tem uma importância matricial para
o estabelecimento das relações pessoais. Aqui encontramos também uma
incidência constitucional.
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Abuso do direito:
Doutrina que considera que o exercício do direito subjetivo deverá obedecer a uma
norma implícita de correção de lealdade, honestidade, moralidade (como que
obedecer a uma lei que estaria até acima da lei). Constituiria o instituto do abuso de
direito.
Crítica: esta ideia, de que a existência do direito está sujeita a limites deste género,
introduziria uma relativização do direito objetivo, tornando-o vulnerável a intromissões
que iriam limitar uma liberdade individual, acarretando uma abusiva administração da
vida cívica como consequência do agigantamento do Estado.
Exemplo: se A tem um determinado direito, e lhe é imposto por um tribunal um
determinado limite, A é colocado na dependência da conceção do poder pelo tribunal
relativamente à justiça e ao exercício desse mesmo direito. O tribunal chamaria assim a
si o poder de legislar, rejeitando um direito consagrado.
O uso do direito seria ilegítimo se o titular, em vez de prosseguir um interesse próprio,
só quisesse lesar o interesse de outrem. Dado que é um limite externo ao direito
subjetivo, o abuso de direito é a última possibilidade que o sistema oferece para correção
das desconformidades estruturais. Artigo 334.º.
O que é típico do controlo do abuso de direito é a desconformidade entre a imagem
estruturalmente correta do direito subjetivo e a missão a que este último
funcionalmente se assinou.
Distintos do instituto do abuso de direito, temos estes princípios regulativos, que são
ainda expressão da disciplina da lei. Constituem o “deverser”:
Bons costumes:
Os ditames da moral pública ou externa que prevalece em certa sociedade e que,
salvo quando a lei expressamente a derrogue, é um limite à liberdade de cada um (haja
ou não haja lesão direta de alguém e sendo a sua sanção sempre a nulidade dos atos e, por
consequência, a irrelevância do exercício dos direitos, para lá da responsabilidade a que
dê ocasião). Observa-se não só nas relações intersubjetivas, mas também no
comportamento individual. Artigo 280.º.
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- DIREITOS POTESTATIVOS
São aqueles que, por um ato livro da vontade, se vão produzir consequências na
esfera jurídica de outrem. Podem valer per si ou necessitar de serem integrados numa
decisão judicial.
Constitutivos: permitem a constituição de uma nova relação jurídica.
Modificativos: modificam uma relação jurídica pré-existente.
Extintivos: extinguem uma relação jurídica.
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AS FACULDADES JURÍDICAS
Os direitos potestativos são faculdades atribuídas a pessoas específicas,
pressupondo uma relação jurídica pré-existente. O conceito de faculdades jurídicas não
se confunde com o conceito de direitos potestativos, dado que as faculdades
correspondem a momentos posteriores ou subsequentes, ou seja, poderes em que se
desdobra o poder de autodeterminação, permitindo a alguém tornar-se sujeito de uma
determinada relação jurídica.
Faculdades primárias:
Antecedem a efetiva relação jurídica. São, portanto, faculdades inerentes ao estatuto
de sujeito de direito, mas que não têm potenciação numa concreta relação jurídica. A
abstrata possibilidade de exercício do direito é uma faculdade jurídica primária e é, no
fundo, uma emanação do poder de autodeterminação. O sujeito tem o poder mesmo antes
de o efetivar numa concreta relação jurídica. Por ex., o poder de perfilhar, mesmo que não
se tenha filhos, o poder de vender, o poder de casar, etc. Funcionam como um prius
relativamente ao direito.
DIREITO SUBJETIVO
Faculdades secundárias:
São irradiadas da existência de um direito subjetivo. Essa relação jurídica vai
refletir-se numa série de faculdades jurídicas secundárias que, assim, surgem como um
posterius relativamente ao direito subjetivo.
O direito subjetivo é uma situação de prevalência, de poder, mas essa situação traduz-
se num feixe de faculdades. Suponhamos um direito de crédito, A credor de B. Este
direito de crédito pode decompor-se em inúmeras faculdades secundárias, incluindo por
ex. o poder de interpelar o devedor para cumprir (ART. 805.º).
EXPECTATIVAS JURÍDICAS
As expetativas são antecâmaras de direitos subjetivos, protegidas pelo
ordenamento jurídico. Por exemplo, quando falta algum dos elementos dos quais depende
o surgimento do direito, mas temos já um embrião do direito que irá surgir, existe uma
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situação intermediária mais ou menos consistente que não produz os seus efeitos normais,
mas que já é regida pelo direito, aguardando a produção da totalidade dos seusefeitos
- corresponderá isto às expetativas.
Há teorias que definem as expetativas como direitos em formação, portanto, o
direito não se forma imediatamente, admitindo-se a formação em estratos sedimentares e
sendo possível que haja proteção sem ainda estar completamente formado o direito. Por
outro lado, existem teorias que se referem às expetativas como estados de
indeterminação quanto à titularidade do direito, portanto, situações transitórias que se
destinam a ser rapidamente ultrapassadas. O certo é que as expetativas não são direitos
subjetivos, embora se associem aos mesmos.
Exemplos:
- Posição do herdeiro antes de receber a sua herança, previsto no artigo 2047.º. Não
há nomeadamente um direito de propriedade, no entanto, já pode ser exercido um
direito subjetivo que caberia antes apenas ao proprietário;
- Usufruto sucessivo no artigo 441.º. É uma situação muito frequente na qual os pais
reservam determinados bens para os filhos, mas reservam para si o usufruto e
reservam-no sucessivamente para que o usufruto persista ao longo da vida de ambos.
Com sucessivamente, queremos dizer que primeiro o usufruto é de A e depois é de B,
no entanto, a posição jurídica de B não é indiferente para com D, uma vez que D tem
expetativa de vir a ser proprietário.
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facto jurídico (é o facto jurídico relevante que dá origem à relação, ex. contrato
e morte). O contrato é que gere a relação jurídica, não é uma relação jurídica.
Singulares ou plurais: consoante temos uma única pessoa ou mais
pessoas a ocupar o lugar de sujeito ativo ou passivo;
Bilaterais ou plurilaterais: dois ou mais feixes de interesse na relação.
Um exemplo será a relação de sociedade - temos só dois ou mais feixes
de interesse na relação (ex. relação jurídica que surge com um contrato de
compra e venda, temos a posição do comprador e a do vendedor, dois
sujeitos ativos e dois sujeitos passivos, dois interesses), no entanto, se
pensarmos numa relação jurídica relativa a uma sociedade comercial por
quotas, temos presente vários feixes de interesse.
Instantâneas ou duradouras: relacionado com o tempo, na medida em
que temos relações jurídicas que se esgotam e outras que se prolongam
por um período de tempo indeterminado. Por exemplo, num contrato de
compra e venda temos uma relação instantânea, mas no caso do direito de
propriedade sobre um bem temos uma relação jurídica duradoura. Se no
contrato de compra e venda o preço fosse pago em meses, a relação
passaria a ser duradoura.
Simples ou complexas: as simples são as que têm
de deveres:
sujeições com o mesmo facto jurídico ou com a mesma *Tipos - De veres princip ais d e pres ttação;
finalidade, enquanto as complexas são perspetivadas - Deveres acessórios;
- De veres lattera is de con du tta:
com feixes de direitos ou deveres/sujeições com deveres que decorrem de observância
origem no mesmo facto jurídico ou com a mesma do princípio da boa fé. Não se ciframna
prestação principal, mas pautam a
finalidade. As relações jurídicas por norma não são conduta das partes.
relações simples, nãosão
posições perfeitamente lineares. Na generalidade, as relações jurídicas
são complexas.
o As relações jurídicas podem aparecer combinadas entre elas (combinação
entre as RJ):
Pode ser numa relação de acessoriedade: uma relação jurídica é
instrumental em relação a outra, uma depende da outra. Ex. garantias
relativamente aos créditos; penhor, hipoteca – esta relação depende de uma
relação creditícia anterior, ou seja, se o crédito se extingue a garantia
também se vai extinguir, ou se a relação de crédito não é válida a
constituição da garantia também não é válida. V.g. Art 627.º, 730.º, a);
Pode ser numa relação de pertinência: pela convergência que todas as
relações apresentam relativamente a um polo comum. Cada uma das
relações converge num polo comum. É o que acontece com a esfera
jurídica, que mais não é do que uma forma de combinação de pertinência
- a forma mais ampla que pode existir - e todos os sujeitos têm uma esfera
jurídica. Outra forma de pertinência é o património, que não é um
conjunto de bens, é antes uma sub-esfera da esfera jurídica, é um conjunto
das relações jurídicas de índole patrimonial de que um sujeito é titular.
Quando falamos do património de A, falamos do conjunto de relações
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ÓNUS
Não é um dever. Não está obrigado à adoção de um comportamento positivo ou
negativo derivado de uma obrigação. Concede a possibilidade de realização de um
interesse próprio se se o onerado adotar um determinado comportamento. Se o
onerado não adotar esse comportamento, ele não incumpre qualquer norma, simplesmente
deixa de poder usufruir de um benefício. É então uma situação que se traduz na
necessidade de adotar determinado comportamento para obter uma vantagem ou para não
sofrer uma desvantagem. Por exemplo, se uma pessoa cumpre o ónus de comunicação nas
cláusulas contratuais gerais, essas mesmas cláusulas são aplicadas.
A sua concretização mais conhecida é o ónus da prova - artigo 342.º. Caso não
adote certo comportamento consideram-se provados factos contrários à sua invocação.
Ele deixa de obter uma vantagem, que é a prova.
Combinação das relações jurídicas (as relações jurídicas entre si podem compor-se
segundo determinados modos):
Relação de acessoriedade: acontece quando alguém constitui uma garantia
sobre o direito de crédito. Por exemplo, A é credor de B – por força de um
contrato mútuo existente entre ambos, na quantia de 500 mil euros (elevada na
ótica desta relação). Hipoteca; credor. Extinguindo-se o crédito, extingue-se a
hipoteca. Caso em que uma relação jurídica aparece como instrumental ou
dependente de uma outra.
Relação de pertinência: pela convergência que todas elas apresentam
relativamente a um polo comum. Aqui a relação pode ser graficamente
representada como circular. É o que acontece com a esfera jurídica,
nomeadamente a titularidade de direitos. É a forma de combinação mais ampla
que pode existir.
Outra forma de pertinência é o património: conjunto das relações jurídicas de
índole patrimonial de que o sujeito é titular. Podemos referir-nos ao património
global (conjunto do ativo e do passivo); património ilíquido (ativo do sujeito,
sendo sempre igual ou superior a 0) e património líquido (expressão
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- Pode haver coincidência entre constituição e aquisição, por via da regra. No entanto,
pode haver relações jurídicas em que o sujeito ainda não existe como tal ou que o
sujeito ainda não está determinado. Tal acontece com as doações feitas a nascituros.
Formas de aquisição:
- Aquisição originária:
o O direito surge ex novum na esfera do titular. Surge não dependendo de
qualquer direito anterior, depende apenas do facto aquisitivo.
o Um exemplo é a usucapião. Por exemplo, A, proprietário de um terreno,
emigra e o seu vizinho começa a tomar conta do seu terreno num espírito de
entreajuda. Com o passar dos anos, o indivíduo apercebe-se que toma conta do
terreno há um longo tempo e o seu vizinho não retornará, muito
provavelmente, a usar o terreno, começando então a tratá-lo como se fosse seu.
Assim se passam décadas, até que o vizinho se acha de facto proprietário do
terreno por usucapião, porque efetivamente assim se tornou, pela prática de
entrada de atos de posse, que conduziu à aquisição do direito - uma aquisição
originária. É originária pois o direito de propriedade que o vizinho adquire não
depende do direito anterior, forma-se apesar da existência do direito do outro
proprietário. Não há um vínculo genético entre o direito adquirido e o direito
anterior.
o Outro exemplo será a ocupação, que não diz respeito a bens imóveis, diz
apenas respeito a bens móveis (ART. 1318.º).
- Aquisição derivada:
o Constitutiva: é constitutiva, mas não constitui o direito pois a aquisição é
derivada, logo, o direito já existe. O direito adquirido filia-se no direito
anterior, mas não é tão amplo como o direito anterior, o direito adquirido tem
um conteúdo que é diferente e absorvível pelo direito anterior. Ao contrário da
atitude de inércia que conduz à usucapião, aqui, por exemplo, constitui-se
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Regra nemo plus iuris: a regra fundamental é que ninguém pode transferir mais do que aquilo que tem. Só se pode
validamente transmitir o que está na sua titularidade. É uma limitação à aquisição. Esta regra exprime a essência
da aquisição derivada.
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declarativo, uma vez que o registo não é uma condição de validade da transmissão nem
é uma formalidade - é um averbamento subsequente à transmissão do bem. É uma mera
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condição de eficácia face a terceiros. Um contrato de compra e venda é válido sem registo,
o direito continua a ser válida. *Temos pequenas exceções à natureza deste registo
declarativo: ex. a hipoteca, na qual o regime é constitutivo. A segunda característica é o
registo ser semi-obrigatório/semi-facultativo, na medida em que o registo constitui um
ónus, uma vez que se o adquirente não regista, ele deixa de beneficiar da oponibilidade
face a terceiros. A terceira característica é termos um regime de aquisições, sendo que o
que se regista não são bens, mas sim a mudança da titularidade dos bens.
o Exceções: caso da hipoteca. O registo é aqui constitutivo. Sem ele, nãohá
constituição válida e eficaz de hipoteca.
O registo é hoje semi-obrigatório. Durante muito tempo foi facultativo. Por força de
alterações legislativas relativamente recentes, o sistema passou a ter algumas notas de
obrigatoriedade, na medida dos nos termos do artigo 8.º a), b) e c). Constitui um ónus: se
o adquirente não regista, ele deixa de beneficiar da oponibilidade face a terceiros.
O registo é um registo de aquisições. O que se regista são as mudanças da titularidade
dos bens.
o Efeitos do registo:
- O registo tem um efeito imediato ou automático, constituído pela presunção iuris
tantum da existência do direito, de acordo com o disposto no artigo 7.º. A par
deste efeito, temos também um efeito central, que é o mais importante, e se
traduz na inoponibilidade dos factos sujeitos a registo enquanto ele não ocorrer
- enquanto B não regista, não pode opor o seu direito a A. Por fim, temos os
efeitos laterais, que são os efeitos que ocorrem a partir do registo, mas de forma
lateral ou incidental. De acordo com estes efeitos, por exemplo, se A vende a B
e B regista, B pode opor o seu direito a quem quer que seja. Se A vender o
mesmo bem a C, B pode opor o seu direito a C. Se A vender a B, B não registar
e A vender a C e C registar, C pode opor o seu direito a terceiros. B e C são
então terceiros para efeitos de registo, são aqueles que recebem do mesmo
transmitente ou causante direitos total ou parcialmente conflituantes sobre o
mesmo objeto. Há uma prioridade de inscrição no registo. Se fosse válida aqui
a regra nemo plus iuris, A vendia a B, logo, já não podia dispor do mesmo bem
para C. No entanto, por força da conjugação do efeito central do registo de efeito
imediato, o que nós temos é um desvio a essa regra, uma vez que a prioridade
de inscrição no registo vai conduzir à consolidação do direito naquela esfera
jurídica. Suponhamos, por exemplo que A vende a B e C e ambos registam e
ambos têm oponibilidade do seu direito face a terceiros - haverá prioridade de
inscrição, portanto, quem terá o direito sobreposto ao do outro será quem
registou primeiro. Outra hipótese seria B e C não registarem, aplica- se
integralmente a regra da aquisição derivada, porque quando A aliena a C, excede
aquilo que tem (não pode transmitir aquilo que não tem).
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Terceiros de boa fé são aqueles que, inserindo-se numa cadeia de transmissões, veem
o seu direito afetado por uma validade anterior ao negócio em que participam. Veem o
seu direito em risco porque o causante perecia de legitimidade para o transmitir. A
vende a B, mas B não adquire validamente; B vende a C, assim sendo C vê o seu direito
comprometido.
A regra fundamental levaria a aplicações estritas, sem flexibilização pelo desvio, e,
portanto, seria inibidora do comércio jurídico. Há então um desvio da regra para proteger
terceiros em duas situações:
Simulação:
- É uma divergência intencional entre a vontade e a declaração. As partes
declaram aquilo que não querem. Define-se nos termos do artigo 240.º. O
negócio jurídico tem uma feição que não corresponde à realidade.
- Por exemplo, alguém pretende vender um filho (sendo proibido), pelo que o faz
por intermédio de uma doação, pretendendo obviar à proibição legal.
- O negócio simulado é nulo. Se há uma simulação entre A e B, vai ditar uma
nulidade subsequente de todos os negócios jurídicos.
- Nos termos do artigo 243.º, paralisa-se a regra fundamental. C está de boa fé
se desconhecia no momento da aquisição a existência de um negócio
simulado. Todavia, considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu
posteriormente ao registo da ação de simulação, mesmo que se desconheça, há
uma presunção, pois como vimos o registo serve para publicitar os atos.
- Esta proteção também só opera se não houver nenhuma causa de invalidade
adicional à ilegitimidade de B, sendo um exemplo o caso da venda do filho. O
negócio deve ser perfeito, para além da ilegitimidade de alguém, para haver um
terceiro de boa fé.
- A simulação pode ser absoluta (quando as partes declaram que querem realizar
determinado negócio, mas na verdade não querem fazer negócio nenhum, por
exemplo quando as partes simulam dado negócio para subtrair os bens à esfera
jurídica de alguém em risco de ser executado) ou relativa (por detrás do negócio
simulado há um negócio real).
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- Modificação objetiva:
O elemento que se altera é o conteúdo ou objeto. Dá-se por alteração do
conteúdo, nos casos dos artigos 1470º e 1482º. Nestes casos, os direitos
reais (nomeadamente o usufruto) tinham um determinado conteúdo
inicialmente, passam a ter um conteúdo distinto, por falta de pagamento.
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Em suma:
Modificação de direitos:
Consideramos modificação quando se mantém a identidade do direito, mas ocorre uma
mudança num qualquer dos seus elementos.
Pode ocorrer:
- Modificação subjetiva (nos sujeitos). Ou seja, na titularidade do direito.
o Por substituição. Um sujeito é substituído por outro, por intermédio de cessão
de créditos, por exemplo, ou através da compra e venda.
o Por multiplicação. Quando a um sujeito ativo se substituem vários.
a) Sucessão inter vivos ou mortis causa.
b) Adjunção: o primitivo sujeito agrega à sua titularidade outro ou outros.
Por exemplo, A vende ½ da sua propriedade a B. Há um fracionamento da posição
jurídica.
o Concentração: a vários sujeitos ativos sucede um único titular. Porexemplo,
A e B (comproprietários) vendem a C.
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o Alteração do objeto
Extinção de direitos:
O direito deixa de existir na esfera jurídica de uma pessoa, desliga-se do seu
titular.
- Subjetiva ou perda: o direito sobrevive, apenas muda o titular. Coincide coma
aquisição derivada translativa e com a sucessão.
1. Por vontade do titular: A vende a B.
2. Sem a sua vontade: sucessão intestada
3. Contra a usa vontade: expropriação, execução de bens, sucessãolegitimária.
Sujeitos:
A relação jurídica é um enlace, um vínculo, entre dois polos, nos quais se encontram
os sujeitos. Em princípio, um sujeito em cada polo (A vende a B), mas também pode ser
ocupado por uma pluralidade de sujeitos.
Os sujeitos são titulares de interesses contrapostos, mas que se harmonizam de
acordo com as estipulações da lei ou de acordo com o arranjo que a autonomia privada
conforma. Assim sendo, numa relação há sempre pelo menos dois sujeitos. Esses sujeitos
podem ser pessoas físicas ou pessoas coletivas ou jurídicas (por exemplo uma sociedade
ou associação): têm uma personalidade funcionalizada à suscetibilidade de ser titular de
direitos e obrigações.
Objeto:
Corresponde àquilo sobre que incide o direito subjetivo, em que se traduz a situação
de prevalência do titular do direito subjetivo. Não é o direito nem o correspondente poder
(isto é o conteúdo da relação).
O objeto pode ser constituído por diferentes realidades; a sua variedade é muito
grande.
Não falamos só de coisas, nem só de coisas corpóreas: há também coisas que não
têm uma materialidade objetiva (por exemplo, a propriedade intelectual). O objeto
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pode ser, por exemplo, uma prestação, quando A tem o poder de exigir de B um
comportamento positivo ou negativo. Também as pessoas podem ser objeto (caso dos
direitos de personalidade).
Até os próprios direitos podem ser objeto de direitos, dando origem à figura “direitos
sobre direitos”. Ex: para a obtenção de crédito o usufrutuário dirige-se a um banco e dá
como garantia o seu direito. É constituído sobre ele uma hipoteca, portanto, temos uma
hipótese de direito sobre direito (direito sobreposto/sotoposto). Há uma formação
sucessiva de direitos. Ligada à titularidade do direito sotoposto, há uma situação
economicamente vantajosa. Ser titular do direito de usufruto é uma situação vantajosa,
permitindo a constituição de um direito.
Só os direitos subjetivos em sentido estrito é que têm objeto: os direitos potestativos
não têm propriamente objeto, pois ele confunde-se com o conteúdo. Não é possível
distinguir o resultado real e o resultado jurídico.
Facto jurídico:
Todo o facto comum que produz consequências ou efeitos de direito. Se tem
relevância para o direito, é um facto jurídico. As consequências podem ser a constituição,
a modificação ou a extinção de uma relação jurídica. O facto jurídico é o elemento
causante da relação, sempre.
Garantia:
É o conjunto de providências coercitivas que tornam efetivos os poderes do titular
do direito subjetivo: é aquilo que permite que ele faça valer o seu direito face à contraparte
e face a terceiros.
A garantia abrange a responsabilidade civil, que se traduz tanto na reconstituição
natural como na compensação ou indemnização do dano.
Embora este seja o instituto primordial, há outros institutos coadjuvantes da
efetividade da relação jurídica. É o caso das providências, previstas no nº 2 do artigo 70,
destinadas a evitar ou atenuar ameaça ou ofensa aos direitos de personalidade.
A par delas, temos ainda outro meio, previsto no artigo 829.º a), denominada sanção
pecuniária compulsória. A finalidade desta não é a reintegração do direito, como
acontece com a responsabilidade ou com as providências adicionais, mas sim constranger
o devedor ao cumprimento (meio de pressão sobre o devedor inadimplente). Por cada dia
de atraso ou por cada dia de infração, o dever tem que pagar.
Também há espaço para a admissão da autotutela dos direitos, que constituem uma
forma de garantia. Nomeadamente, a ação direta (artigo 336.º) e a legítima defesa (artigo
337.º).
Falamos também de outras obrigações que não funcionam exatamente nesse modelo
de acordo com a garantia (caraterísticas anómalas), que são as obrigações naturais. Alguns
autores dizem que estas obrigações são desprovidas de garantia, porém, isso quase que lhes
retira o caráter da obrigação.
Há direitos que têm garantia pelo simples facto de o serem, como é o direito
potestativo. A sua efetividade está assegurada quase de modo infalível.
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Artigo 67.º
(Capacidade jurídica)
As pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em
contrário: nisto consiste a sua capacidade jurídica.
Artigo 130.º
(Efeitos da maioridade)
Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos,
ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens.
Artigo 138.º
Acompanhamento
O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de
exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir
os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.
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Início da personalidade:
- Dá-se aquando do nascimento completo e com vida - artigo 66.º nº 1. Até aí, a
vida não é autónoma. Exclui-se assim da personalidade os nados mortos.
- A condição jurídica dos nascituros:
Podem receber doações, nos termos do artigo 952.º.
Não são pessoas, de acordo com a letra do artigo 66.º. Isso não invalida, no
entanto, que tenham proteção. A existência humana não é instantânea, antes
envolve um fenómeno formativo que é a gestação. O Direito reconhece
proteção da vida, mas não proteção da personalidade. Por exemplo, se uma
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Fim da personalidade:
- A personalidade cessa com a morte – artigo 68.º. Temos situações que parecem
desmentir esta afirmação, como é o caso da proteção dos bens da personalidade
– artigo 71.º nº 1.
- A morte extingue então os direitos de natureza pessoal e transmite para os
sucessores os direitos de natureza patrimonial. No entanto, há determinados
aspetos da personalidade que continuam a ter proteção após a morte, como
referido no parágrafo anterior. Um exemplo será o respeito pela memória do
indivíduo.
- O óbito é um facto sujeito a registo.
- A morte conjunta de várias pessoas pode suscitar problemas jurídicos,
nomeadamente a nível sucessório. Dispõe o nº 2 do artigo 68.º - presunção da
comoriência. Deixa de haver devolução sucessória entre as pessoas. Ocorre
quando duas ou mais pessoas morrem ao mesmo tempo, e quando não é possível
deduzir qual delas morreu primeiro, presume-se como se tivesse morrido no
mesmo instante. Por exemplo, A e B (pai e filho), num desastre de carro. É uma
presunção relativa: admite prova em contrário. Se A fosse o primeiro a falecer, o
fenómeno sucessório ocorria no sentido de A para B; se fosse B, o herdeiro seria
C, por força da sucessão legitimária.
- O desaparecimento também produz efeitos jurídicos relevantes. É uma presunção
de falecimento. 68.º nº 3. O que acontece se o desaparecido volta?
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o Tutela descentralizada:
- Apenas aspetos específicos ou concretos da personalidade são tidos em conta.
Pela própria natureza do objeto tutela, é um catálogo aberto. Hoje entendemos
estes bens da personalidade protegidos. Também no Direito Laboral.
- Tem expressão positiva num elenco de direitos, como por exemplo a
integridade física e moral, o nome, o pseudónimo, a honra, a reserva sobre
intimidade da vida privada, a reserva de carta-missiva, memórias familiares e
pessoais e outros escritos de caráter confidencial ou de natureza privada, a
imagem.
No plano da organização dos bens jurídicos protegidos nesta tutela, nós podemos
organizá-los de acordo com várias sistematizações. É possível organizar de acordo
com a prioridade dos bens jurídicos tutelados:
Direito à vida: direito à conservação da vida. Artigo 496.º/1: ocupa-se da
reparação do direito à vida.
Direito à integridade física: tem tutela constitucional, penal e civil. Tem uma
abrangência que inclui a integridade física propriamente dita (no seu sentido
mais estrito) mas também a integridade físico-psíquica. Tutela
constitucional: artigo 25.º. Há uma série de crimes no Código Penal, inclusive.
Para o Direito Civil, o corpo é um espaço de inviolabilidade e, portanto,
qualquer intervenção não consentida nesse espaço corresponde a uma violação
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- Projeção vital:
Caráter: direito a não se ser sujeito a meios de indagação de caráter, a
não ser objeto de análise do caráter sem consentimento, por exemplo,
no caso dos testes psíquicos;
História pessoal: não tem conformação positiva, mas tem tutela
jurídica na mesma. Direito a dados de percurso pessoal do indivíduo.
É ainda uma manifestação do direito à reserva individual. Esta questão
é de particular relevância para legitimidade de biografias não
autorizadas e até onde se pode ir na indagação do percurso pessoal sem
transpor este espaço pessoal.
Intimidade da vida privada: três esferas concêntricas. A esfera
privada engloba aspetos pessoais, mas também aspetos que a pessoa
escolhe como sendo pessoais. É o direito à informação sobre outrem
(ex: gostos pessoais, animais de estimação). É aquilo que não é público
(ex: que não se passa na profissão). Pode até nem ser reservado, mas
que não faz parte da interação social. A espera pessoal diz respeito,
exclusivamente, à pessoa. É uma esfera mais restrita que a anterior (ex:
orientação sexual). Esta esfera impõe-se a todos, mesmo os que têm
uma relação de proximidade com a pessoa. Mesmo a proximidade não
autoriza essa devassa. Ainda mais restrita que esta é a esfera de
segredo, que pode não ser pessoal, mas que é o círculo mais íntimo de
reserva do sujeito. Dentro desta, há coisas que são secretas (ex: palavra
passe do mail). São coisas que, naturalmente, têm que ser secretas. Mas
há coisas que são secretas por determinação da pessoa (ex: escritos
inéditos). A distinção entre coisas naturalmente secretas e coisas
secretas por determinação é importante no âmbito do ónus da prova. Se
a coisa é naturalmente secreta, o ónus da prova recai sobre quem divulga
a coisa secreta (há uma presunção do caráter secreto, pelo que esta
presunção tem que ser destruída). Se a coisa é determinada secreta pelo
sujeito, o ónus da prova recai sobre o titular. Isto é retirado dos
princípios gerais do ónus da prova. Os elementos integrantes da esfera
de segredo são impenhoráveis, insuscetíveis de execução específica e
não podem ser objeto de preterição (o sujeito não é obrigado a justificar
o caráter secreto). O direito ao esquecimento também se encontra no
âmbito da intimidade da vida privada. Não há prescrição do direito à
reserva, mesmo que passe muito tempo. O direito à verdade profunda
é importante nesta matéria. É o direito que a pessoa tem de gerir a sua
própria verdade. É um direito à liberdade negativa relativamente aos
aspetos confidenciais da pessoa.
- Projeção moral:
Honra (projeção do nosso “eu” nos outros, reputação).
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Limitação da finalidade;
Minimização dos dados;
Limitação da conservação;
Integridade e confidencialidade;
Responsabilidade.
Consentimento do lesado/ofendido:
A tutela geral e a tutela especial admitem, em determinados casos, a
disponibilidade do direito de personalidade para, através do consentimento, poder retirar
a ilicitude à lesão do direito. O consentimento é uma questão muito relevante nesta
matéria, pois é através dele que se pode paralisar a ilicitude da lesão ao direito.
Esta margem do consentimento só opera entre o limite da atuação social e o
limite do direito à vida. O direito à vida é o direito mais indisponível. O consentimento
tem que se conformar com os princípios da ordem pública e dos bons costumes. Os artigos
81º/1 e o 280º são importantes. O consentimento é uma causa de exclusão ou de
justificação da lesão e é justificado por estes princípios.
As formas do consentimento têm vários efeitos. Podemos reconhecer 3 formas essenciais
de consentimento:
Consentimento vinculante – aquele que confere ao lesante um poder jurídico de
agressão. Pressupõe que entre ofendido e lesante há um acordo que permite a lesão
do direito. Há um contrato. Por efeito de um contrato, o lesante fica legitimado a
violar o direito de personalidade. O consentimento é vinculante porque resulta
de um negócio jurídico. A outra parte fica com o direito de agressão. A contraparte
pode exigir o cumprimento do contrato. Há responsabilidade contratual.
Consentimento autorizante – aqui não há um facto jurídico que possibilite a
lesão. Há um poder de facto de agressão que pode ser revogado a qualquer altura.
Essa revogação não tem os efeitos da primeira. A única obrigação que depende do
titular se arrependa do consentimento é a obrigação de indemnizar os prejuízos
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Questões particulares:
Intervenções cirúrgicas:
A questão do consentimento põe-se em situações de intervenções cirúrgicas. Estas
pressupõem um consentimento tolerante, por norma. Justifica-se a ação em função do
resultado que se propõe a alcançar. Isto quando a intervenção se dá em benefício
próprio. Mas há intervenções que não se dão em benefícios próprios, que são sujeitos
a intervenções para benefício alheio (ex: doações de órgãos). O espaço de
inviolabilidade é mais intenso neste caso. Aqui há um consentimento autorizante, pois
implica a concessão aos médicos de um poder fáctico de agressão. Mas isto não é
uma regra absoluta. Pode haver a necessidade de um consentimento autorizante
quando está em causa um interesse próprio (ex: cirurgias estéticas).
Menores:
O menor tem que ter capacidade. O consentimento autorizante tem que ser
prestado pelo próprio. Mas há menores com menos capacidade que outros. No caso
de os menores terem capacidade de entendimento das consequências do
consentimento, ele pode ter intervenção no procedimento que leva à agressão dos seus
bens da personalidade. Isto significa que os pais não podem autorizar que o seu filho
seja dador de órgão.
O consentimento dos menores coloca-se no consentimento tolerante, porque
neste pode haver consentimento do representante legal. Se o menor ainda não tem
capacidade para entender os efeitos dos seus atos, deve ser o representante a
consentir. Nesta matéria, o DC segue princípios do DP. Admite que os maiores de 16
anos, mesmo quando os representantes possam consentir, possam ser ouvidos (ex:
intervenções técnico cirúrgicas). No consentimento tolerante não se exige capacidade.
Pode ser prestado pelo representante, mas maiores de 16 anos devem ser ouvidos.
Colheita de órgãos:
Há uma lei que regula a colheita de órgãos, que é a lei 12/93, que exclui a dádiva
de óvulos e esperma, transferência de embriões e dadiva de sangue e outras para fins de
investigação. Isto baseia-se no princípio de gratuitidade, pelo que estas operações não
podem ser remuneradas. Os órgãos referidos são coisas fora do comércio. Existe a colheita
em vida e a colheita em cadáveres. A colheita em vida só é admitida de substâncias
regeneráveis. Mas são admitidas as colheitas de substâncias não regeneráveis se houver
uma relação de parentesco até ao 3º grau. São sempre proibidas estas colheitas em
menores ou incapazes e se envolverem a diminuição grave e permanente da integridade
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física. O consentimento deve ser esclarecido e livre e o dador deve ser o beneficiário.
Este consentimento deve ser prestado perante um médico (independente, não envolvido
na operação). Há uma responsabilização objetiva neste domínio, pelo que o dador tem
que ser indemnizado pelos danos sofridos. Por isso, os hospitais devem ter um seguro
obrigatório.
A colheita em cadáveres é aquela que tem como dadores todos os que não
manifestem a vontade de não o serem. Todos são potenciais dadores post mortem. Há um
registo nacional de não dadores, que são os que expressam a vontade de não o ser.
IV (II) – AS INCAPACIDADES
Como já anteriormente foi visto, a capacidade pode ser de gozo ou de exercício.
No caso de incapacidade negocial de gozo, conduz-se à nulidade dos negócios
celebrados por quem não a tem. É uma incapacidade insuprível.
No caso de incapacidade negocial de exercício, temos por consequência a
anulabilidade dos negócios, sendo uma incapacidade suprível (os negócios podem
ser celebrados por intermédio de certas pessoas).
Assim, anteriormente, as incapacidades apareciam como estados em que a privação da
capacidade era determinada pela própria proteção da personalidade. A existência de
incapacidade só se justificaria enquanto mecanismo de tutela da personalidade. Isto
alterou-se porque se entendeu que o estado de menor capacidade é um estado
gradativo. Não é possível traçar uma fronteira entre estas situações, porque as pessoas
podem ter diferentes graus de autonomia.
(In)Capacidade de gozo:
Antes, a privação da personalidade era determinada pela própria proteção da
capacidade, portanto, um estatuto de proteção especial - a incapacidade de exercício. Isto
alterou-se recentemente, porque se entendeu que o estado de menor capacidade é um
estado gradativo, ou seja, não podemos traçar uma fronteira rígida entre uma situação e
outra, porque, do ponto de vista naturalístico, também há pessoas que podem ter graus
diferentes de autonomia e, então, essa alteração levou, por força de instrumentos
internacionais principalmente, a criação do estatuto de maiores acompanhados
introduzidos pela lei 44/2018, da qual falaremos mais adiante.
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Como nos diz o artigo 67.º, a regra geral para todos os sujeitos é capacidade a
partir do momento em que têm personalidade. No entanto, há exceções a esta capacidade
- por ex., o caso dos menores que de acordo com o artigo 1601.º tem incapacidade
negocial e a incapacidade de constituir matrimónio (impedimento do casamento, que é
uma exceção à capacidade de gozo, como visível no artigo 1602.º). Não são só as
incapacidades negociais que temos como exceções à capacidade, temos também no
âmbito sucessório - incapacidades de testar (artigo 2189.º, menores não emancipados não
podem testar), a incapacidade de perfilhar (artigo 1850.º).
(In)Capacidade de exercício:
Falemos de incapacidades de exercício no nosso OJ. Antes, tínhamos pessoas com
autonomia naturalística a quem se concediam a possibilidade de atuar no mundo jurídico
por intermédio de outras pessoas. Hoje, isto alterou-se, pois passou-se a entender que o
estatuto jurídico tem de ser relativo ao grau de autonomia de individual. Não pode
haver capazes e incapazes totais, tem de haver graus de autonomia intermédios. Hoje,
quando falamos de estados de incapacidade, só podemos falar da menoridade, pois é a
única situação em que há uma incapacidade geral, porque abrange quaisquer negócios
jurídicos (pessoais ou patrimoniais) sem atender às caraterísticas do indivíduo. Artigo
123.º - salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício
de direitos. Os menores podem praticar válida e eficazmente por si determinados atos,
quer isto dizer. É o que nos diz o artigo 127.º.
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Vimos que os menores com idade superior a 16, como sabemos, podem constituir
casamento, podendo haver um impedimento impediente (artigo 1604.º a)). Isto quer
dizer que se o casamento se celebrar, mesmo com oposição dos pais, não é nulo - as
consequências da falta de autorização prendem-se com o indivíduo continuar a ser
considerado menor no que diz respeito à administração de bens e o que advém a título
gratuito até à maioridade (artigo 1649.º).
Interdição e inabilitação:
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E quando o próprio nem tem condições para autorizar alguém? Aí, pode ser o
Tribunal a suprir autorização do beneficiário.
Pode ser instaurado no ano anterior à maioridade, para produzir efeitos mal se inicie
a maioridade.
Escolha do acompanhante:
- O acompanhante pode ser escolhido pelo acompanhado, passando a
designação no processo pelo cônjuge, unido de facto, pais, pessoa designada pelos
pais, filhos maiores, avós, pessoa indicada pela instituição de integração,
mandatário, pessoa idónea.
- Na falta de designação, o acompanhado é acompanhado pela pessoa que melhor
passa salvaguardar o seu interesse, dentro das que estão enumeradas.
Atuação do acompanhante:
- Âmbito de atuação do acompanhante é limitado pelo artigo 145.º. Atua sempre
no interesse do acompanhado, no estrito limite danecessidade.
- Quem determina o que o acompanhante deve fazer, em nome do acompanhado,
é o tribunal.
- Há ainda uma autorização judicial prévia específica para atos de disposição de
bens imóveis (nº3 do artigo 145.º).
- Quando houver representação geral, o acompanhante acaba por exercer poderes
semelhantes aos do tutor.
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Situação de insolvência
A situação de insolvência é uma situação que é regulada pelo Código da Insolvência
e da Recuperação de Empresas, no qual no artigo 3.º se encontra descrita a situação. Em
determinadas situações, nomeadamente no caso de insolvência culposa, a sua margem de
atuação jurídica e negocial fica reduzida porque, de acordo com o artigo 189.º nº 2, o
insolvente fica inibido para o comércio, para a administração do património de terceiros.
Assim, fica naturalmente com a extensão máxima da sua atuação jurídica comprometida.
Por que é que esta restrição advinda desta insolvência não é uma incapacidade própria?
Porque as restrições não são estabelecidas no interesse do próprio insolvente, mas no
interesse de terceiros (que poderiam ser atingidos por atos do insolvente) ou até
mesmo no interesse público.
Por isso, não há realmente uma incapacidade propriamente dita, há sim uma restrição
à capacidade de exercício em função de interesses de terceiros ou de interesses gerais.
Nota: a insolvência não diz apenas respeito a pessoas coletivas; pessoas individuais
também podem ser objeto de insolvência.
o Relevância positiva:
- De acordo com o Código de Processo Civil, a determinação do foro geral é feita
no tribunal do domicílio do réu. Quando não há regra especial do ponto de vista
processual, determina-se o tribunal competente para apreciação de determinada
questão no domicílio do réu, de modo a permitir que a defesa não se faça longe
do centro normal da sua vida.
- No âmbito do Direito das Obrigações, de acordo com o artigo 772.º: na falta de
disposição da lei, a prestação deve ser efetuada no lugar do domicílio do devedor.
- Da mesma forma, artigo 774.º: a prestação deve ser prestada no domicílio do
credor.
- No âmbito sucessório, artigo 2031.º: a sucessão abre-se no momento da morte do
seu autor e no lugar do último domicílio dele.
- São, portanto, inúmeros os aspetos que são determinados pelo domicílio da
pessoa.
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o Relevância negativa:
- Há consequências que se ligam com o facto de se quebrar a ligação da pessoa
com o lugar em que constrói o centro normal da sua vida. É o caso da ausência.
- Do ponto de vista procedimental, se alguém quer notificar ou interpelar
alguém, tem de o fazer para o domicílio. O domicílio é o ponto legal de
contacto com a pessoa.
Situação de ausência:
- É principalmente a relevância negativa que importa para o Direito, nomeadamente
a situação de ausência, que não se confunde com o desaparecimento. Em sentido
técnico, é a situação de ignorância do paradeiro de uma pessoa física, e, portanto,
a impossibilidade de contacto com ela.
- Porque é que o Direito tem de se ocupar destas situações? Pois há que prover a
administração dos bens dessa pessoa. Se alguém se ausenta do domicílio sem
notícias, com desconhecimento do paradeiro, mais cedo ou mais tarde, vai tornar-se
necessário prover à organização da esfera jurídica daquela pessoa. Para que o
exercício dos direitos e o cumprimento das obrigações não se venha a paralisar, a lei
prevê determinados meios de suprimento da ausência. Compreendem três
escalões:
- Curadoria provisória: constante do artigo 89.º. Quais são os requisitos? O
desaparecimento de alguém sem notícias (não há um prazo), que gere a
necessidade de prover acerca da administração dos bens, e tem que inexistir um
representante legal ou um procurador. Se o ausente deixa procurador ou
representante legal, essas pessoas podem tomar providências relativamenteà
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- Curadoria definitiva: termos do artigo 99.º, que tem como epígrafe “justificação
de ausência”. Decorridos dois anos sem se saber do ausente, se este não tiver
deixado representante ou procurador, ou cinco anos no caso contrário, pode o MP
ou os interessados requerer a justificação de ausência. A instauração da
curadoria provisória não é pressuposto da curadoria definitiva, embora quando
houve curadoria provisória, quando se intente curadoria definitiva, encerra-se o
processo da primeira e abre-se o novo. Distribuem-se os bens do ausente pelos
sucessores mortis causa: isto não é uma partilha porque eles não os recebem como
proprietários, mas para os administrarem, não podendo aliená-los. A probabilidade
de regresso do ausente começa aqui a esfumar-se. A lei atribui os bens do ausente
aos sucessores. Termina pelo regresso do ausente, pela notícia da existência do
local onde reside, pela certeza da sua morte ou pela declaração de morte
presumida. No caso do regresso do ausente, o que acontece aos bens que já
estavam com os sucessores? Nos termos do artigo 113.º: ser-lhe-ão entregues
logo que o requeira (portanto, a iniciativa é da pessoa que regressa).
- Morte presumida: termos do artigo 114.º e ss. Requisitos: dez anos sobre a data
das últimas notícias ou cinco anos se, entretanto, o ausente houver completado 80
anos de idade. A partir daí, podem os interessados requerer a declaração de
morte presumida. A declaração só pode ser requerida 5 anos após o agente atinja
a maioridade. Quanto aos efeitos: artigo 115.º; a morte presumida produz os
mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento. Abre-se uma
sucessão mortis causa, mas o ausente permanece casado. No entanto, para obviar
situações de indefinição do estatuto pessoal, o artigo 116.º permite que o cônjuge
do ausente contraia novo casamento. Mas, se o ausente regressar ou se houver
notícia de que estava vivo na data da celebração das segundas núpcias, não há
bigamia: há dissolução do primeiro casamento por divórcio à data da morte
presumida (ou seja, retroativamente). Quanto às responsabilidades parentais, a
declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte. O artigo
119.º prevê o regresso do ausente e a regra geral é que ele tem direito à devolução
dos bens. Porém, essa devolução varia consoante as circunstâncias dos sucessores,
nomeadamente consoante a sua boa ou má fé. Se os sucessores estão de boa fé, se
requereram a declaração e receberam esses bens de boa fé, eles devolvem o
património no estado em que este se encontrava, portanto, conforme ele esteja
no momento do regresso, compreendendo os bens diretamente sub-rogados (a sub-
rogação pode ser real ou pode ser pessoal; pode ser direta ou
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indireta). Os bens indiretamente sub-rogados não, pois não é possível fazer uma
equivalência patrimonial e pecuniária. Se os sucessores estão de má fé, isto é, se
eles têm conhecimento que o agente estava vivo quando requereram a declaração:
o ausente tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, nomeadamente
a privação do seu património.
(Não há uma relação hierárquica entre estes três meios, nem um escalonamento
gradativo)
É uma personalidade jurídica instrumental, havendo mesmo quem diga que é uma
personalidade ficcional. Justificam-se pela função económica e social que desempenham.
Há objetivos que transcendem a capacidade individual, e, portanto, só através de
congregação de pessoas ou bens é que é possível alcançar esses fins.
É necessária a reunião de dois elementos para que se dê o surgimento de uma pessoa
coletiva. Apenas mediante a junção destes dois elementos é que temos personalidade
jurídica coletiva.
a) O substrato;
b) O reconhecimento. Consiste na atribuição, pela ordem jurídica, de personalidade
ao substrato.
O substrato
- É o elemento de facto, constituído pelo conjunto de pessoas ou pela massa
patrimonial, consoante o tipo de pessoa coletiva.
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Reconhecimento:
- Elemento de Direito que atribui personalidade jurídica ao substrato. O
reconhecimento pode ser normativo ou por concessão. O primeiro é aquele que
não é feito para uma pessoa jurídica em concreta, mas para uma categoria de
pessoas jurídicas para as quais a lei estabelece requisitos. O segundo é aquele em
que a personalidade jurídica é concedida através de um ato administrativo que
manifesta a vontade da autoridade.
- O reconhecimento normativo condicionado é a regra no nosso sistema. Na maior
parte dos casos, o reconhecimento é feito pelo preenchimento de condições
legais. As associações seguem o artigo 158º. Mas também há situações em que é
requerido o reconhecimento por concessão. As fundações têm um
reconhecimento por concessão / individual (158º/2). É um sistema baseado no
reconhecimento normativo, mas também temos situações de reconhecimento
individual.
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Existem também as cooperativas, que não são sociedades porque não visam
maximizar o lucro, embora procurem um excedente entre receitas e despesas.
Importância do Código Cooperativo. São pessoas coletivas de livre constituição, de
capital e composição variáveis e de se organizarem com base nos princípios
cooperativos. Visam a satisfação de necessidades económicas, sociais e culturais,
sem fins lucrativos. Adquirem personalidade jurídica por registo. O Direito
Comercial é aplicável a estas pessoas coletivas.
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