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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
esse ano de 2005, decretado tuam o firmamento. Ao observar
Rogério Rosenfeld
o Ano Mundial da Física, mais atentamente, percebemos uma Instituto de Física Teórica, UNESP
celebramos o centenário do faixa leitosa que atravessa o céu. Essa e-mail: rosenfel@ift.unesp.br
ano miraculoso de 1905, quando um faixa nada mais é que a nossa galáxia, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

então desconhecido físico de apenas a Via Láctea. Ela tem uma forma
26 anos chamado Albert Einstein pu- achatada como uma “panqueca”, com
blicou seus trabalhos que tiveram um as estrelas distribuídas em braços es-
profundo impacto no futuro desen- pirais (ver Box 1). Ela contém dezenas
volvimento da Física. Em seu annus de bilhões de estrelas, nosso Sol sendo
mirabilis, Einstein mostrou que mas- apenas uma delas, localizado em um
sa é equivalente a energia, luz é feita dos braços a uma distância do centro
de partículas e mo- da galáxia corres-
Cosmologia é a Ciência que
léculas são uma pondente a aproxi-
estuda a estrutura, evolução e
realidade. Sua car- madamente 2/3 do
composição do universo.
reira decolou a par- seu raio. Quando
Ciência é o método científico
tir daí, culminando olhamos perpendi-
para criar e testar modelos;
com o desenvolvi- cularmente ao plano
estrutura é o problema da
mento de sua teoria de nossa galáxia,
forma e da organização da
da gravitação, de- para cima ou para
matéria no universo;
nominada relativi- baixo da panqueca,
evolução são as diferentes
dade geral, onde o não vemos tantas
fases pelas quais o universo
espaço é encurvado estrelas. A faixa lei-
passou; composição é
pela presença de tosa no nosso céu
daquilo que é feito o universo
matéria e as partí- nada mais é que a
culas seguem trajetórias nesse espaço projeção de um grande número de
curvo. Essa teoria foi confirmada no estrelas na direção do plano galático.
eclipse solar de 1919, com a análise Tal concentração de estrelas não per-
de fotografias tomadas por 2 expedi- mite a identificação individual delas,
ções britânicas, uma delas a Sobral, resultando na aparência leitosa que dá
no Ceará. Tornou-se uma figura tão origem ao nome de nossa galáxia, que
influente que foi eleito a personalidade é apenas uma entre as bilhões de
do século XX pela revista Time. A galáxias que existem no nosso uni-
teoria da relatividade geral é a base de verso. Mas, afinal, o que vem a ser
Várias questões sobre nosso Universo têm ins-
um modelo para descrever o universo cosmologia? tigado a mente de muitas pessoas por muito
como um todo, denominado Modelo Cosmologia é a Ciência que estuda tempo. Do que é feito o Universo? Ele é finito
Cosmológico Padrão, que será o tema a estrutura, evolução e composição do ou infinito? Ele terá um fim? Ele teve um início?
central desse artigo. universo. Por Ciência, nos referimos ao Estamos vivendo uma época excitante com
novos dados observacionais revelando surpre-
uso do método científico para criar e
O que é cosmologia? testar modelos; por estrutura, entenda-
sas sobre o nosso Universo, onde essas questões
estão começando a ser respondidas. Apesar dos
Ao olhar o céu em uma noite sem se o problema da forma e da organiza- grande avanços recentes, não sabemos do que
nuvens e longe das luzes da cidade, é ção da matéria no universo; por evolu- é feito 95% do Universo. Novos instrumentos
no céu e na Terra devem ajudar os cientistas a
inevitável a sensação de vastidão do ção, as diferentes fases pelas quais o responder essas questões fundamentais. Nesse
cosmos. Inúmeras luzinhas, que hoje universo passou; por composição, que- artigo faremos uma breve introdução à Cos-
sabemos ser estrelas distantes, pon- remos saber do que é feito o universo. mologia, a Ciência que estuda o Universo.

Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005 A Cosmologia 31


o seu passado. Por exemplo, a luz
Box 1: Nossa galáxia, a Via-Láctea que observamos hoje de Andrômeda
e que imprime sua imagem em uma
chapa fotográfica levou 2 milhões
de anos para chegar até nós e, por-
tanto, mostra como era essa galáxia
há 2 milhões de anos atrás.
Observações indicam que o uni-
verso é organizado de uma maneira
hierárquica até uma escala de tama-
nho de 300 milhões de anos-luz: es-
trelas formam galáxias (tipicamente
com dezenas de bilhões de estrelas),
galáxias formam aglomerados de
galáxias e aglomerados de galáxias
Concepção artística de nossa galáxia, a Via-Láctea. Nosso sol é uma das bilhões de estrelas formam superaglomerados de galá-
que existem nela... e nossa galáxia é uma das bilhões que existem no universo (fonte:
xias. Existem projetos dedicados a
http://solarsystem.nasa.gov/multimedia/gallery.cfm?Category=Planets&Page=15).
fazer um mapa do universo. O mais
completo desses projetos, denomi-
Devemos nos considerar privi- cia entre duas cidades em unidades nado Sloan Digital Sky Sur vey
legiados, pois somos a primeira menores, como o centímetro, mas (SDSS), está fazendo um levanta-
geração a ter capacidade tecnológica certamente não é conveniente. Da mento com cerca de 1 milhão de
para estudar cientificamente o mesma maneira, quando estudamos galáxias (ver Box 2). O resultado é
universo, graças ao desenvolvimen- distâncias entre objetos no universo, que nessas escalas de até 100 mi-
to de instrumentos de alta precisão, a unidade mais apropriada é o ano- lhões de parsecs, o universo parece
desde os grandes telescópios dos luz, definido como a distância que um queijo suíço, com estruturas
montes Wilson e Palomar, ambos a luz percorre em um ano. A velo- que parecem paredes onde há uma
nos Estados Unidos, ao telescópio cidade da luz no vácuo é de 300 mil grande concentração de galáxias
espacial Hubble e aos satélites COBE quilômetros por segundo e, portan- cercando regiões praticamente
(Cosmic Background Explorer) e to, um ano-luz equivale a cerca de vazias.
WMAP (Wilkinson Microwave Ani- 10 trilhões de km. Outra unidade Em escalas bem maiores de 100
sotropy Probe). Sem o avanço tec- relacionada ao ano-luz e também milhões de parsecs, há evidências de
nológico dos últimos 50 anos, seria muito usada é o que o universo é
impossível formular e testar teorias parsec, que equi- Paradoxalmente, ao mesmo homogêneo ou
sobre o universo. Esses instrumen- vale a 3,26 anos- tempo que alcançamos um uniforme, isto é,
tos trouxeram e alguns ainda tra- luz. estágio de grande não apresenta, na
zem muitas informações acerca do Para se ter conhecimento, sabemos que média, regiões
universo. uma noção de dis- a maior parte do universo é muito diferentes.
Paradoxalmente, ao mesmo tâncias usando a feita de algo que ainda não Isso significa que
tempo que alcançamos um estágio velocidade da luz, compreendemos: a matéria não seria possível
de grande conhecimento, sabemos vamos citar al- escura e a energia escura distinguir ou privi-
que a maior parte do universo é feita guns exemplos: o legiar uma dada
de algo que ainda não compreen- perímetro da Terra é de aproxima- região. Lembrando que estamos
demos: a matéria escura e a ener- damente 0,1 segundo-luz; a distân- olhando para o passado, o universo
gia escura, que abordaremos mais cia da Terra ao Sol vale cerca de oito primitivo foi muito mais homogê-
adiante. minutos-luz; a estrela mais próxi- neo do que é hoje. De fato, como
ma de nós (Alfa Centauro) está a 4,2 veremos mais adiante, as galáxias
A estrutura do universo anos-luz, enquanto uma das galá- ainda não haviam sido formadas no
Antes de discutirmos a estrutu- xias mais próximas (Andrômeda) passado. Mais ainda: o universo pri-
ra do universo temos que introduzir encontra-se a cerca de 2 milhões de mitivo também foi isotrópico, ou
a unidade de distância apropriada a anos-luz. O tamanho do universo seja, ao observá-lo em diferentes
seu estudo. Quando lidamos com o que podemos em princípio observar direções, os resultados são seme-
tamanho de uma sala, usamos o é de cerca de 13 bilhões de anos-luz. lhantes.
metro (m) como unidade. Quando É importante notar que, quando Concluímos, portanto, que não
olhamos em um mapa das estradas olhamos para um objeto muito dis- existe uma posição privilegiada no
brasileiras, a unidade mais apro- tante, estamos vendo como ele era universo, pois todas elas são equiva-
priada é o quilômetro (km). Obvia- quando emitiu a luz que nos chega lentes. Isso equivale a dizer que não
mente podemos expressar a distân- hoje, ou seja, estamos olhando para há um “centro” do universo.

32 A Cosmologia Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005


vão se afastando umas das outras.
Box 2: A estrutura do universo De fato, formiguinhas posicionadas
em cada mancha veriam todas as
outras manchas se afastando dela.
Cada formiguinha pensaria que está
no centro da expansão do balão.
Mas, como já vimos, não existe um
centro.
Se o universo não é estático, isto
é, evolui, então ele possui uma
história. Podemos pensar na evolu-
ção atual do universo como um fil-
me. Rodando o filme de trás para
frente, percebemos que no passado
as galáxias estavam mais próximas
umas das outras. Conseqüente-
mente houve, portanto, um mo-
mento em que todas as galáxias
O estudo da estrutura do universo realizada pelo SDSS é feita em duas etapas: galáxias
são identificadas em imagens bi-dimensionais (à direita) e, com a determinação de
estavam juntas (na verdade, as galá-
suas distâncias, um mapa tri-dimensional com profundidade de 2 bilhões de anos- xias não existiam no passado, ten-
luz é criado (à esquerda), onde cada galáxia é representada por um ponto e a cor do sido formadas durante a evolu-
representa sua luminosidade. Essa figura mostra “apenas” 66.976 das 205.443 galá- ção do universo, a aproximadamen-
xias identificadas pelo SDSS (fonte: http://www.sdss.org/news/releases/ te 1 bilhão de anos após o início),
20031028.powerspectrum.html). quando o balão estaria totalmente
murcho (temos que imaginar que o
A evolução do universo formigas, daquelas espécies muito balão se reduz a um ponto nesse
pequenas. Imaginemo-nos, agora, caso). Esse seria o instante inicial do
Uma das maiores descobertas do movendo-nos sobre a superfície de filme, e o tempo decorrido a partir
século passado foi, sem dúvida, o um balão de borracha, desses co- daquele início até o presente é o que
fato de que o universo está em muns em festas infantis, no qual te- chamamos de idade do universo.
expansão. Por muito tempo, pen- nhamos pintado, com uma caneta, Conhecendo-se a velocidade das
sou-se que, descontado o movimen- manchas com o mesmo tamanho e galáxias e as distâncias delas até
to aparente das estrelas devido à formato para representar as galá- nós, podemos estimar o tempo que
órbita da Terra ao redor do Sol, o xias. Para nós, em nossa nova for- elas levaram para que chegassem
universo seria estático, imutável. ma (seres achatados ou formigui- onde estão hoje. Com base na teoria
Mesmo Einstein acreditava nisso, nhas), não existe nenhum ponto da relatividade geral de Einstein,
pois não havia evidências experi- privilegiado ou centro na superfície complementada com dados obser-
mentais do contrário. Porém, em do balão. Seria a mesma coisa que vacionais, foi possível chegar a uma
1929, o astrônomo norte-ameri- nos perguntar qual é o centro da su- boa estimativa da idade do universo:
cano Edwin Hubble (1889-1953) perfície do planeta Terra. Lembre- cerca de 13 bilhões de anos.
observou que as galáxias estão se se de que, pelo fato de agora sermos À medida que rodamos o filme
afastando de nós, achatados, o espa- da história do universo ao contrá-
ou seja, que o uni- Conhecendo a velocidade
ço em que pode- rio, notamos que, como as galáxias
verso está em ex- das galáxias e as distâncias
mos nos mover é ficam mais próximas umas das ou-
pansão. delas até nós, podemos
apenas a superfície tras, o universo fica cada vez mais
Mas será então estimar o tempo que elas
curva do balão, ou denso. Também, devido a essa com-
que estamos no levaram para que
seja, não temos pressão, o universo fica mais quente
centro do univer- chegassem onde estão hoje.
acesso ao seu inte- — quem já encheu um pneu de bici-
so? Afinal de con- Uma boa estimativa para a
rior. Essa analogia cleta com uma bomba manual tal-
tas todas as galá- idade do universo é de cerca
bi-dimensional é vez já tenha verificado que a bomba
xias estão se afas- de 13 bilhões de anos
mais fácil de ima- se aquece devido à compressão do
tando de nós! Para responder a essa ginar do que um espaço curvo de ar. Levando essa contração ao extre-
pergunta, vamos imaginar o se- três dimensões, que é o caso do nos- mo, concluímos que o universo
guinte caso, que é análogo ao que so universo. começou sua evolução a partir de
acontece no universo: suponha que Nessa analogia, a expansão do um estado extremamente quente e
tenhamos nos transformado em universo é representada pelo enchi- denso. Por esse motivo, a teoria que
pessoas “chatas” (no sentido de mento do balão. À medida que o ba- descreve essa evolução é denomina-
achatadas ou bidimensionais) ou em lão enche, as galáxias (manchas) da de big bang, desenvolvida princi-

Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005 A Cosmologia 33


palmente pelo físico teórico russo nética (luz). Assim, o universo era mais pomposo para o big bang.
George Gamow (1904-1968), que opaco antes dessa época. Depois de
fez importantes trabalhos na área 400.000 anos, os átomos desses Fósseis do big bang
de cosmologia. elementos leves puderam se formar Uma das diferenças entre ciência
Quando esquentamos o gelo, ele e o plasma se neutralizou, tornando e mitologia consiste justamente no
derrete, formando água e, se conti- o universo transparente, pois os fó- fato de que modelos científicos
nuamos a esquentar a água, ela eva- tons não interagem diretamente devem ser verificados experimental-
pora. O gelo, a água e o vapor são com matéria eletricamente neutra. mente para serem comprovados ou
diferentes fases da água. Da mesma Chamamos a esse fenômeno de rejeitados. Caso nossos modelos não
maneira, o universo passou por recombinação. possam ser verificados, ou seja, caso
diferentes fases, dependendo de sua Ainda mais no passado (mais eles não façam previsões passíveis
temperatura em um dado momen- próximo ao início do universo), a de teste, então estamos fazendo filo-
to. Lembrem-se que temperatura e temperatura e densidades eram sofia.
densidade aumentam à medida que ainda muito maio- O Modelo Cos-
olhamos cada vez mais no passado res, de modo que Somente 400.000 anos após
mológico Padrão
do universo. Uma das conseqüên- em seus primeiros o início do universo sua
faz previsões sobre
cias mais interessantes é a de que, momentos o uni- temperatura ficou menor
fenômenos que
somente depois de aproximada- verso era consti- que alguns milhões de
ocorreram bilhões
mente 400.000 anos após o início tuído por uma graus, correspondente à
de anos atrás. Co-
do universo, sua temperatura ficou “sopa” quentíssi- energia de ligação do
mo podemos veri-
menor que alguns milhões de graus, ma de partículas hidrogênio. Foi então que os
ficá-las? Felizmen-
correspondente à energia de ligação elementares. A átomos puderam se formar,
te, a evolução do
do hidrogênio. Foi apenas depois teoria da relativi- em um fenômeno que foi
universo deixou
dessa época que os átomos puderam dade geral, suple- batizado recombinação
traços desses fenô-
se formar. Antes disso o universo mentada pela teo- menos que podemos detectar hoje e
era um plasma de núcleos atômicos ria da física das partículas elemen- assim testar o modelo. Pode-se dizer
leves (hidrogênio e hélio, principal- tares, fornece um modelo para a que encontrar os fósseis deixados
mente) e elétrons, fortemente aco- evolução do universo, o chamado pela evolução do universo é um tipo
plados pela radiação eletromag- Modelo Cosmológico Padrão, nome de arqueologia cósmica. Aqui, nos

Box 3: A radiação cosmológica de fundo


Em 1964, os físicos norte-americanos Robert Wilson e Arno Penzias estavam trabalhando no laboratório da Companhia Telefônica
Bell (Estados Unidos) com uma grande antena para detectar sinais fracos de rádio usados para comunicação telefônica. Com esse
equipamento, eles captaram um ruído que não desaparecia, apesar de todos os esforços. Eles verificaram também que o ruído vinha
de todo o espaço com a mesma intensidade, independentemente da direção para onde eles apontassem a antena.
Sem a menor idéia sobre a origem do ruído, Wilson e Penzias foram conversar com físicos da Universidade de Princeton. Os colegas
imediatamente reconheceram na descoberta o sinal do ‘calorzinho’ que denominamos radiação cosmológica de fundo, um tipo de
reverberação do big bang, prevista em 1948 por George Gamow e colaboradores. Penzias e Wilson receberam o prêmio Nobel em
1979 por sua descoberta acidental.

Pequenas flutuações na radiação cósmica de fundo medidas pelo satélite WMAP.


O espectro da radiação cosmológica de fundo medida As cores artificiais são geradas de maneira que os pontos vermelhos são mais
pelo satélite COBE comparada com um ajuste da quentes e os azuis são mais frios. Essa luz capturada pelo experimento foi
fórmula de Planck com uma temperatura de 2,74 K emitida quando o universo tinha apenas aproximadamente 400.000 anos,
(fonte: http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/ há mais de 13 bilhões de anos atrás, sendo um verdadeiro fóssil da história
hbase/bkg3k.html). do universo (fonte: http://map.gsfc.nasa.gov/m_mm.html).

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concentraremos em dois desses tros elementos, como nossos áto- croscópico. A madeira é feita de mo-
“fósseis”, que foram decisivos para mos de carbono, oxigênio, etc., fo- léculas e estas são compostas de
determinar o sucesso do Modelo ram sintetizados no interior de átomos. Os átomos, apesar do no-
Cosmológico Padrão: a radiação estrelas, onde as altíssimas tempe- me de origem grega que significa
cosmológica de fundo e a abundân- raturas permitem produzi-los atra- indivisível, são de fato formados por
cia de elementos vés de reações nu- um núcleo pesado contendo prótons
leves. A radiação cosmológica de cleares. Esses ele- e nêutrons e com elétrons orbitando
O Modelo Cos- fundo é extremamente mentos são ejetados ao seu redor. A estrutura do átomo,
mológico Padrão homogênea, mas suas das estrelas quando que começou a ser desvendada por
descreve o univer- pequenas variações de uma estas explodem em Lord Rutherford nos anos de 1910,
so iniciando sua parte em 10.000, detectadas eventos chamados é o que geralmente aprendemos na
evolução a partir no início da década de supernovas. Esse escola. Hoje sabemos que os prótons
de um estado 1990, deram origem às processo de forma- e nêutrons são formados por outras
extremamente galáxias, estrelas e, ção de elementos é partículas, denominadas quarks e
quente e denso. O ultimamente, a nós denominado nu- gluons, mas isso não será relevante
universo, então, cleossíntese. para nosso propósito. Portanto, ao
se expande e esfria. O que restou O Modelo Cosmológico Padrão invés de responder que a mesa é feita
hoje desse grande calor inicial equi- prevê que aproximadamente a de elétrons, quarks e gluons, aqui
vale a uma temperatura de apenas quarta parte de toda a matéria do será suficiente responder que a me-
270 graus celsius negativos, muito universo foi convertida em hélio. sa é feita de átomos.
próxima do chamado zero absoluto Cálculos sofisticados também resul- Aumentando um pouco nosso
de temperatura. Portanto, todo o tam em previsões para a abundân- escopo, vamos atentar para o mun-
espaço é permeado por esse “calor- cia no universo de deutério e lítio. do que nos cerca, como o nosso pla-
zinho” ou radiação que sobrou do Esses números fo- neta. Do que é feito
big bang. Essa é uma previsão do ram verificados O Modelo Cosmológico o planeta Ter ra?
modelo, realizada em 1948 por Ga- observacional- Padrão descreve o universo Sem dúvida, toda a
mow e colaboradores. Pouco menos mente nos últimos iniciando sua evolução a diversidade de
de duas décadas mais tarde, esse 20 anos (não é partir de um estado nosso planeta pode
“eco” do big bang foi detectado por simples realizar extremamente quente e ser reduzida a áto-
uma grande antena de comunicação essas medidas) e denso mos. Mas não é só
nos laboratórios Bell, nos EUA. Hoje seu acordo com o isso. Por exemplo,
em dia ela representa o melhor es- Modelo Cosmológico Padrão repre- caso não houvesse luz ao nosso
pectro de corpo negro já medido (ver sentam mais um sucesso a seu fa- redor, não conseguiríamos enxergar
Box 3). O estudo experimental e teó- vor. nada. A luz é apenas um exemplo
rico dessa chamada radiação cos- particular do que chamamos de
mológica de fundo tem sido funda- Do que é feito o universo? radiação eletromagnética, que
mental para o desenvolvimento da Perguntas simples de serem for- abrange desde a radiação de nossos
cosmologia. A radiação cosmológica muladas geralmente possuem res- fornos de microondas até os raios-
de fundo é extremamente homogênea, postas complexas. Por exemplo, se X usados para fazermos radiogra-
mas suas pequenas variações de uma me perguntassem do que é feita a fias. Sabemos desde o início do sécu-
parte em 10.000, detectadas no início mesa que estou usando para escre- lo passado que a luz é feita de uma
da década de 1990, ver esse texto po- torrente de partículas elementares
deram origem às Núcleos atômicos, como o deria responder denominadas fótons.
galáxias, estrelas e, carbono e ferro, também simplesmente de Um outro ingrediente que temos
ultimamente, a foram (e são) sintetizados que a mesa é feita ao nosso redor mas que não nota-
nós. através de reações de madeira. A res- mos são partículas de um tipo dife-
Um outro fós- nucleares no interior de posta é cor reta rente produzidas em reações nuclea-
sil do início do estrelas e ejetados quando mas pode não sa- res, como as que ocorrem no Sol ou
universo está na estas explodem em eventos tisfazer totalmente em reatores aqui na Terra. São os
presença de alguns chamados supernovas. Esse a curiosidade de chamados neutrinos, que interagem
elementos leves, processo de formação de uma mente inqui- tão fracamente que bilhões deles
como o deutério e elementos químicos é ridora. “Mas do podem passar por nossos corpos
o hélio, formados denominado nucleossíntese que é feita a madei- sem que percebamos. Eles foram
na fornalha cós- ra?” seria a próxi- detectados apenas na década de
mica que era o universo três minu- ma pergunta. Uma seqüência de 1950, com o desenvolvimento dos
tos depois de seu surgimento, situa- perguntas deste tipo nos leva primeiros reatores nucleares para
ção na qual a temperatura atingia rapidamente à fronteira do conhe- geração de eletricidade. Podemos en-
cerca de um bilhão de graus. Os ou- cimento científico no mundo mi- tão responder simplificadamente

Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005 A Cosmologia 35


que no nosso planeta temos áto-
mos, fótons e neutrinos. Box 4: Evidências para a existência da matéria escura
Vamos agora iniciar nossa A teoria da gravitação de Newton prevê que a velocidade de rotação (v) de um corpo
tentativa de responder à pergunta: ao redor de outro de massa M como função do raio (r) é dada por:
do que é feito o universo? Primei-
ramente, temos que enfatizar algo
óbvio: o universo é muito grande. Essa relação é satisfeita com grande precisão no nosso sistema solar (ver Figura 1).
Como podemos tentar responder a Para galáxias, a massa como
essa pergunta se nunca consegui- função do raio inicialmente
mos sequer enviar espaçonaves para cresce com M(r) ∝ r3, o que im-
as redondezas do nosso sistema so- plica em v ∝ r (assumimos
uma densidade constante por
lar? Certamente temos que inferir
simplicidade) até sua borda
a composição do universo a partir
(onde não deveria haver mais
de observações realizadas por ins- muita matéria) e depois per-
trumentos aqui na Terra ou em sua manece constante. Portanto, a
órbita. curva de rotação em uma ga-
Como primeira tentativa, pode- láxia deveria inicialmente au-
ríamos pensar que o universo é feito mentar linearmente e depois
das mesmas coisas que estão no decrescer com o inverso da raiz
nosso planeta: átomos, fotons e quadrada da distância. Porém,
neutrinos. De fato, por muitos anos o que se observa de fato é algo
esse foi o paradigma científico. Esse como o que mostra a Figura
paradigma começou a ruir quando 2, onde a curva de rotação
observações iniciadas na década de permanece praticamente cons-
1930 pelo astrônomo suiço Fritz tante mesmo para distâncias
Zwicky, realizadas no observatório Figura 1: Curvas de rotação para os 10 planetas de maiores que a borda visível da
americano do Monte Wilson, mos- nosso sistema solar (fonte: http://bustard. phys.nd.edu/ galáxia. Esse comportamento
Phys171/lectures/dm.html). indica que a massa da galáxia
traram que o peso das galáxias (ou, cresce com M(r) ∝ r além da
mais precisamente, a quantidade de borda visível da galáxia, indi-
massa), é cerca de 100 vezes maior cando a presença de matéria
que o de todas as estrelas da galáxia escura. Essa matéria escura
somadas. Portanto, existe na galáxia estaria presente em um halo
um tipo de matéria que não irradia invisível esfericamente simé-
luz, que ficou conhecida pelo nome trico ao redor da galáxia, como
de matéria escura (matéria trans- mostrado em azul na Figura 3.
parente seria mais apropriado) (ver Existem muitas outras evidên-
Box 4). Na década de 1970, avanços cias da existência de matéria
em cosmologia mostraram como escura: dinâmica de galáxias
calcular a quantidade de átomos de em aglomerados de galáxias,
Figura 2: Curva de rotação para a galáxia de Andrô- efeitos de lentes gravitacionais,
elementos leves, como o hélio e o meda (fonte: http://bustard.phys.nd.edu/Phys171/lec-
efeitos na curvatura do uni-
deutério, que teriam sido produzi- tures/dm.html).
verso e outros.
dos nos três primeiros minutos do
universo. Para explicar as quanti-
dades observadas desses elementos Figura 3: Concepção artística de uma
leves em galáxias distantes, apenas galáxia de matéria visível (a parte
uma fração muito pequena do central, mais avermelhada) envolta
universo, aproximadamente 5%, em um halo esférico de matéria
seria composta de átomos. Uma escura (mostrada em azul). Note que
fração ainda muito menor corres- a presença de matéria escura se es-
tende muito além das estrelas e poei-
ponderia a fótons e neutrinos. Por-
ra que formam a matéria visível e
tanto, a maior parte do universo
que identificamos, efetivamente, co-
não é feito do mesmo material que mo nossa galáxia. A matéria escura
nós somos feitos, de átomos. Mas na realidade é invisível (por isso a
então qual a composição dos outros figura é apenas uma imagem artís-
95% do universo? tica), mas suas propriedades são
Não temos ainda uma resposta determinadas indiretamente através
definitiva. Chegamos à fronteira do de seu efeito gravitacional no movimento das estrelas e nuvens de gás da galáxia.
conhecimento macroscópico. A

36 A Cosmologia Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005


dinâmica das galáxias indica que que o universo seria estático, que era fascinante e efervescente no estudo
25% do universo é composto por o paradigma do início do século XX. em cosmologia. Temos informações
um novo tipo de partícula elemen- Com a descoberta da expansão do uni- detalhadas e precisas sobre o uni-
tar responsável pela matéria escura. verso, Einstein reconheceu nessa cons- verso. Essas informações produzi-
Essa matéria, que não emite luz, tante seu maior erro. Talvez Einstein ram resultados surpreendentes: o
compõe grande estivesse certo, afi- universo está em expansão acele-
parte das galáxias A composição do universo: nal. Outros modelos rada, é aproximadamente plano e
no universo. Pos- 5% de átomos, alternativos existem não conhecemos 95% dele! Eis a
síveis candidatos 25% de uma partícula para esse meio, com receita de universo: 5% de átomos,
são postulados elementar ainda não nomes exóticos e 25% de uma partícula elementar
por várias teorias, descoberta e... apelativos como ainda não descoberta e 70% de um
mas ainda não fo- 70% de um meio difuso com quintessência, mas meio difuso com propriedades exó-
ram produzidos propriedades exóticas ainda estamos t i c a s ( p re s s ã o n e g a t i v a ) , c u j a
ou detectados no (pressão negativa), cuja aguardando por origem não conhecemos ainda.
laboratório. Exis- origem não conhecemos mais fatos experi- Certamente essas conclusões apon-
tem vários experi- ainda! mentais para confir- tam para a necessidade de novos
mentos tentando mar ou excluir mo- modelos em física de partículas ele-
capturar uma dessas partículas que delos. Novos instrumentos de obser- m e n t a re s e t e o r i a d e c a m p o s .
circulam em nossa galáxia. A vação na Terra e no espaço, alguns já Novos instrumentos planejados ou
dificuldade é que essas partículas em operação, serão fundamentais já em atividade testarão esses novos
devem interagir muito fracamente para elucidar esses mistérios. modelos. Uma verdadeira revolu-
e possuir uma densidade pequena, ção está em curso, da qual resul-
tor nando sua detecção proble- Conclusão tará um novo paradigma para as
mática. Há também a possibilidade Estamos vivendo uma fase futuras gerações.
fascinante de criar essas partículas
nos grandes anéis de colisão. Em
particular, o Large Hadron Collider,
Sugestões para leitura Novo livro de divulgação do renomado
que vai entrar em operação em físico britânico em uma edição primo-
2007 no laboratório CERN, na S. Weinberg, Os Três Primeiros Minutos (Editora rosa. Os primeiros três capítulos são
Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1980). excelentes mas o restante do livro é
Suíça, poderá finalmente resolver o Excelente livro de divulgação escrito por extremamente especulativo.
mistério da matéria escura. Eis aí um ganhador do prêmio Nobel em
uma conexão entre o macro e o Física e pesquisador da área de cosmo- Na Internet
microcosmo. logia. Concentra-se na discussão dos http://www.nap.edu/readingroom/books/
primeiros instantes do universo, prin-
Mas a Natureza tinha ainda uma cosmology/index.html. Excelente
cipalmente na época da formação de descrição sobre cosmologia desen-
outra surpresa guardada para os elementos leves. volvida pela Academia Americana de
cientistas. Graças a uma descoberta M. Gleiser, A Dança do Universo, (Editora Ciência.
em 1998, considerada pela revista Companhia das Letras, São Paulo, http://hepwww.rl.ac.uk/pub/bigbang/
Science como uma das mais impor- 1998). Exposição feita por um pesqui- part1.html. Páginas sobre cosmologia
sador brasileiro especialista em cos- e física de partículas elementares
tantes do século XX, sabemos hoje que mologia e de caráter mais geral que o desenvolvidas pelo Conselho Britânico
cerca de 70% do universo é composto livro de Weinberg, discutindo a história de Pesquisa em Astronomia e Física de
de algo difuso, que não se concentra e desenvolvimento da Física desde os Partículas.
em galáxias e que provoca a expansão gregos até a cosmologia moderna. http://www.stsci.edu. Nessas páginas, do
H. Cooper e N. Henbest, Big Bang: A História Space Telescope Science Institute (Esta-
acelerada do universo. Como a gravi-
do Universo, de (Editora Moderna, São dos Unidos), pode-se encontrar fotogra-
dade é sempre atrativa, todos espera- Paulo, 1998). Livro com várias ilustra- fias tomadas pelo Telescópio Espacial
vam que a expansão do universo ções excelentes e com muita infor- Hubble e ter acesso aos resultados mais
estivesse desacelerando! Podemos mação. É divertido e informativo, mas recentes obtidos por este projeto.
sem grande aprofundamento. http://www.sdss.org/. O Sloan Digital Sky
imaginar então a presença de um meio
B. Greene, O Universo Elegante: Supercordas, Survey é um projeto americano para
extremamente tênue que permeia Dimensões Ocultas e a Busca da Teoria mapear o nosso universo com as
todo o universo. Esse meio, porém, Definitiva, de (Editora Companhia das posições de um milhão de galáxias.
tem propriedades diferentes de um Letras, São Paulo, 2001). Texto de Nessas páginas, pode-se encontrar os
meio material: apresenta uma pressão divulgação escrito por um pesquisador avanços realizados por esse projeto.
da área de supercordas que descreve o http://www.astro.ucla.edu/~wright/
grande e negativa, o que causa um desenvolvimento da Física no século XX, cosmolog.htm. Curso de cosmologia da
efeito de anti-gravidade, resultando na partindo da teoria da relatividade Universidade da Califórnia, em Los An-
expansão acelerada observada. A esse restrita e chegando até as supercordas. geles (Estados Unidos), pode ser feito
meio foi dado o nome de energia escura. Porém não dedica muito espaço para a por qualquer pessoa com nível de estu-
cosmologia. dante de graduação em ciências exatas.
Esse meio poderia ser formado pela S. Hawking, O Universo Numa Casca de Noz Possui também notícias atualizadas
chamada constante cosmológica, pro- (Editora Mandarim, São Paulo, 2001). sobre pesquisas em cosmologia.
posta por Einstein para explicar por-

Física na Escola, v. 6, n. 1, 2005 A Cosmologia 37

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