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ASSÚ/RN
2018
LUÍS GOMES NETO
ASSÚ/RN
2018
LUÍS GOMES NETO
Aprovado em ____/____/____.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Prof. Me. Vagner Silva Ramos Filho (Orientador)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
_________________________________________________________
Prof. Me. Hidelbrando Maciel Alves (Avaliador Externo)
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
_________________________________________________________
Prof. Me. Rosenilson da Silva Santos (Avaliador Interno)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
ASSÚ/RN
2018
Dedico este trabalho a todos os amigos e colegas que, em tempos nos
quais as ideias da força e da violência ameaçam, seguem sendo
resistência.
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Esta pesquisa tem como objeto de estudo as histórias em quadrinhos (HQs) desse período da
história republicana brasileira. O problema central é a indagação das disputas da memória do
acontecimento forjadas entre lembranças e esquecimentos em diferentes momentos. A principal
análise de fonte dirigiu-se a HQ "Notas de tempos silenciados", de Robson Vilalba, ilustrador e
sociólogo brasileiro, publicado em 2014, um ano após o 50º aniversário do golpe de Estado
instaurado em 1964. O trabalho busca, sequencialmente, analisar narrativas da ditadura com base
na historiografia, percebendo como os quadrinhos inserem-se nas suas batalhas de sentido;
problematizar memórias subalternas do período através da supracitada fonte em destaque,
analisando como a ditadura é retratada pelos elementos da linguagem quadrinística construída por
Vilalba; enveredar-se no campo do ensino de história, a fim de compreender como os quadrinhos
contribuem para uma nova abordagem desse assunto nas escolas, levando em consideração a
memória incrustada no conhecimento prévio de estudantes e professores. O estudo é baseado em
diálogos historiográficos em que se destacam os seguintes autores: Michel Pollak (1989), Marcos
Napolitano (2015), Mariana Joffily (2018), Circe Bittencourt (2008), Luís Fernando Cerri (2011)
e Waldomiro Vergueiro (2004). A pesquisa tem como fontes, além de diferentes tipos de
linguagem tidas como histórias em quadrinhos – charges, cartuns, tirinhas – questionários
aplicados a alunos e professores acerca da temática da ditadura e do uso de HQs como ferramenta
pedagógica.
ABSTRACT
The study object of this research is the comics of this period of Brazilian republican history. The
central problem is the inquiry about the battles of memories of the Civil-military Dictatorship
which a forged among remembrances and forgetfulness in different moments. The main source
analysis turns to the comic book “Notes of silenced times” by Robson Vilalba, a Brazilian
sociologist and illustrator. It was published in 2015, a year after the 50th anniversary of the coup
d’état held in 1964. Sequentially the research aims to analyse the narratives about the Dictatorship,
basing on historiography of the period, observing how comics fit in its battles of meanings;
problematize subaltern memories of the period through the source cited up above, analysing how
Dictatorship is depicted through the elements of comics language constructed by Vilalba; takes the
path into History Teaching field in order to comprehend how comics contribute to a new approach
to this topic in the schools, considering the memories embedded in the background knowledge of
students and teachers. The study is based on historiographical dialogues of authors such as Michel
Pollak (1989), Marcos Napolitano (2015), Mariana Joffily (2018), Circe Bittencourt (2008), Luis
Fernando Cerri (2011) and Waldomiro Vergueiro (2004). In addition to the different genres
classified as comics – cartoons, comic strips and comic books – other search sources include
questionnaires about the Dictatorship topic, as well as the use of comics as pedagogical tools,
which was applied to students and teachers.
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................86
FONTES................................................................................................................................88
REFERÊNCIAS..................................................................................................................89
12
INTRODUÇÃO
O panorama nacional dos últimos três anos tem sido marcado por uma crise profunda nas
esferas política, social e econômica. Os desdobramentos desse atribulado contexto vêm sendo
sentidos em meio à sociedade brasileira através da ameaça à garantia de direitos historicamente
conquistados e se reflete na descrença e insatisfação em relação ao funcionamento das instituições
democráticas, postas em cheque devido às suas grandes contradições internas e problemas,
expostos por um estado de constante deterioração e sucateamento dos serviços oferecidos à
sociedade, bem como de descoberta de casos de uso da máquina e dos recursos públicos para
interesses privados.
A insatisfação geral com o atual sistema político e a sua ineficiência no enfrentamento de
questões que afetam a vida dos cidadãos, como a precariedade da saúde, da educação e da
segurança, costuma dar espaço a ideias que contrárias ao regime democrático. Manifestações de
pedidos de intervenção militar e a evocação por parte de setores reacionários e conservadores da
sociedade de uma memória nostálgica do período ditatorial como uma época de prosperidade e de
ética na política encontram cada vez mais espaço, contestando uma memória crítica do período.
Em virtude disso, evidenciou-se a existência de disputas de memória da Ditadura, na medida em
que o debate ganha, mais uma relevância especial.
Refletir sobre a memória requer encará-la como um processo complexo, sobre o qual pesam
diversas variáveis. Entre os autores que nos ajudam a pensa-la, estão James Fentress e Chris
Whickhan (1992)1, que apontam que a memória possui uma dimensão social e individual. O
intercruzamento entre as duas se dá quando recordações e vivências pessoais se mostram
relevantes ao grupo, ou quando a memória do grupo incide sobre como o indivíduo a ele
pertencente atribui significado ao passado. Dessa forma, tanto a experiência do vivido como
representações e discursos construídos a posteriori e que se refletem através de datas
comemorativas, eventos cívicos, cerimônias oficiais, influenciam a formação do que Carolina
Bauer2 chama de “comunidade de memórias”.
Em uma sociedade diversa, pode-se falar da existência de várias dessas comunidades, nas
quais se observa diferentes maneiras de apropriação do passado, que não raro estão na base das
demandas reclamadas por esses sujeitos. As divergências que daí surgem fazem (especialmente
em momentos de grande polarização e divisão) acalorarem-se conflitos que, durante os quais
1
FENTRESS, James; WICKHAN, Chris. Memória Social: Novas perspectivas sobre o passado. Lisboa:
Teorema, 1992.
2
BAUER, Caroline Silveira. Qual o papel da história pública frente ao revisionismo histórico? In: MAUD, Ana
Maria. Que história pública queremos? / What public history do we want? São Paulo: Letra e Voz, 2018. p.
195-203.
13
reinterpretações e reatualizações sobre passado são reivindicadas. Bauer diz ser o ano de 2013,
marcado por manifestações, bem como o impeachment de Dilma Roussef, ocorrido três anos
depois, como marcos iniciais de um movimento, em que setores conservadores dão vazão a uma
leitura nostálgica do período ditatorial. A declaração do futuro ministro da educação de que os
acontecimentos de 1964 devem ser motivos de comemoração também é um exemplo desse
movimento.
Tem-se, assim, um revisionismo histórico que confronta a memória crítica da Ditadura, e
que cuja peculiaridade (quando comparado ao caso de outras ditaduras latino-americanas do século
XX) não é a de negar o que ou como aconteceu, mas sim a de exaltar, comemorar o período iniciado
com a ruptura democrática de 1964, da maneira como ela ocorreu. Notícias como essas fazem com
que, no contexto atual, que as discussões sobre o que representou a ditadura civil-militar para a
nossa história são fundamentais em meio à escalada do ódio e do elogio à violência e do
autoritarismo como possível alternativa de resolução para questões que nos atingem enquanto
sociedade.
Diante desse quadro em que disputas de memória se apresentam de forma especialmente
evidente, não há como não pensar no papel do ensino de História, dada a relação, por muitas vezes
imbricada entre o conhecimento histórico científico e outros discursos sobre o passado que
atualmente ganham espaço no meio digital. Em muitos deles procura-se dar ênfase a uma visão
revisionista da Ditadura, na medida em que possuem um certo teor de pós-verdade, ou seja, muito
mais pautados na emoção, no idealismo e em distorções. Ao pensar no grande acesso dos jovens
às redes sociais ou quando se vê alguns deles endossando narrativas que exaltam o período
ditatorial, indagamo-nos sobre que fatores contribuem para a formação da cultura histórica dos
alunos. Luis Fernando Cerri (2011) 3 nos auxilia nesse sentido ao mostrar que esse processo se dá
em diversas instâncias sociais para além do espaço escolar, as quais devem ser levados em
consideração.
Mas além das redes sociais, diversos outros veículos também se mostram como difusores
de discursos sobre a realidade, como as Histórias em quadrinhos. A escolha dessa mídia como
lente para o estudo das disputas de memória da Ditadura vem do meu interesse por esse tipo de
arte. O meu interesse pelo universo das HQs existe desde a infância, quando costumava ler revistas
de super-heróis e personagens nacionais e internacionais. Ao longo dos anos, enquanto eu também
desenvolvia a habilidade do desenho, fui tendo contato com produções de temáticas de teor social
3
CERRI, Luis Fernando. O que é consciência Histórica. In: Ensino de História e Consciência Histórica. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2011. Cap. 1. p. 19-47.
14
Fonte: https://www.instagram.com/explore/tags/quadrinistasantifacistas/
4
MOSSE, François. Renascimento do Acontecimento. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
15
Por fim, o terceiro e último capítulo tem como foco o debate teórico-metodológico acerca
dos quadrinhos e suas possibilidades de uso em sala de aula, percebendo como a HQ “Notas de
um tempo silenciado” pode trazer contribuições para o ensino de História, mais especificamente
16
sobre a Ditadura Civil-militar, encarando-a não apenas como um recurso didático e pedagógico,
mas sim como um documento. Em seguida, são apresentados os resultados de uma pesquisa de
campo realizada no âmbito deste trabalho. Seu objetivo foi perceber como alunos e professores
enxergam a temática, assim como o uso de quadrinhos no ensino de História.
17
A história política brasileira, em especial o seu período republicano, tem alguns dilemas
e desafios constantes, cuja maior parte diz respeito à construção da democracia. Nessa dimensão,
ressalta-se a recorrente intervenção dos setores ligados ao exército em importantes acontecimentos
no país, em várias circunstâncias nas quais questões ligadas à suposta defesa da ordem ou da
soberania nacional foram colocadas no primeiro plano, a fim de expurgar quaisquer forças que
5
identificavam como ameaça externa ou interna. Sendo um dos setores mais articulados da
sociedade brasileira, os militares atuaram no meio político defendendo seus interesses
institucionais sob diferentes justificativas, tais como “o reparo da moralidade política, da
prosperidade e da integridade nacional”. O período que contempla os anos de 1964 a 1985, no qual
instaurou-se uma ditadura civil-militar no país, constitui um desses longos episódios.
Autores importantes trazem grandes contribuições para o debate que se seguirá nas
próximas páginas. Marcos Napolitano, em seu artigo “Recordar é vencer: as dinâmicas e
vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro” permite-nos entender a
complexidade do forjamento da memória do período, sobre o qual pesa a influência do contexto
político e social brasileiro, sempre em constante transformação. Mariana Joffily, em seu artigo
“Aniversários do golpe de 1964” realiza percurso semelhante ao problematizar como o debate
sobre o que teria sido viver nos vinte e um anos de regime militar aflora em datas “redondas”,
consideras das marcos comemorativos. Vale citar também a o volume 4 da coleção O Brasil
5
Essa tendência foi inaugurada nos fins do século XIX, quando dos últimos anos do regime monárquico. As forças
armadas haviam adquirido grande importância e força política após a Guerra do Paraguai, tendo protagonizado o
golpe que instalou o sistema republicano no país.
18
Republicano e “O golpe e a ditadura militar 40 anos depois” trazem uma visão panorâmica. Sobre
o assunto.
A conjuntura da metade do século XX no Brasil foi marcada por um conjunto de fatores
que teceram um cenário de instabilidade política no país. Na virada da década de 1950 para 1960,
a saber, alguns dos principais sintomas foram: as tensões relacionadas ao conflito ideológico entre
o capitalismo e o socialismo da Guerra Fria; a preocupação dos Estados Unidos da América (EUA)
em não permitir o avanço do comunismo nos países da América Latina, visto que era sua principal
zona de influência; um panorama político marcado pelo recrudescimento da atividade sindical e o
surgimento de novos movimentos sociais de esquerda; o temor de setores da elite diante de uma
ameaça do comunismo e as fragilidades enfrentadas pelo governo de João Goulart, que despertava
desconfiança em virtude de uma política socioeconômica dúbia, que ora flertava com os anseios
da elite empresarial, ora com as reivindicações populares, e que gerava considerável insatisfação
de ambos os lados. 6
Os problemas de ordem social e econômica enfrentados pelo Brasil acirravam o clima de
tensão, que chegou ao ápice com o discurso realizado por Goulart, na Central do Brasil, localizada
no Rio de Janeiro, em março de 1964, no qual o então presidente anunciava as Reformas de Base
- um conjunto de ações voltadas a combater grandes e históricas injustiças sociais, estruturadas
nos eixos da reforma agrária, estímulo à indústria nacional, além de reformas administrativas,
bancárias e universitárias. O nacionalismo presente no discurso de Jango e a natureza das reformas
assustaram sobretudo as elites do país que, receosas com possíveis perdas de privilégio passaram
a corroborar com a ideia de combate à dita ameaça do comunismo, representada pelo governo.
Contra esse espectro, diferentes segmentos sociais que identificavam-se com os pressupostos do
pensamento liberal, tais quais algumas elites, classes empresariais e o próprio exército, ganharam
a cena através da articulação de um golpe de Estado que derrubaria o então presidente eleito.
O golpe de 1964 conduzido pelos militares obteve, portanto, um suporte social e político
de vários lados, internos e externos. Sabe-se que, internamente, contou com o respaldo da elite
econômica brasileira, que os viam como garantidores de seus interesses e, externamente, a ação
orquestrada teve o apoio comprovado do governo norte-americano em termos de financiamento e
provimento de armas. Como foi ressaltado, a participação dos EUA fazia parte da política de
combate ao comunismo, caracterizada pela intervenção em vários países na América Latina.
6
Joffily (2018)
19
Embora o temor da ameaça comunista costume ser atribuído à dubiedade das ações do
governo Jango, que hora pendia para um lado ou outro do espectro político, a tensão era
compartilhada também pelos setores da esquerda, receosos de que o golpe seria levado acabo pela
oposição à direita, ao passo em que esta temia que, se uma reação não fosse levada adiante, seria
a esquerda a protagonizar um golpe com vistas à implantação do comunismo no Brasil. Por essa
razão, houve setores da sociedade que defendem que os acontecimentos de 1964 consistiram em
uma reação a uma ameaça real da expansão do comunismo, tendo sido a intervenção dos militares
um anseio de todos os brasileiros, chamado de revolução e não golpe, desprezando, assim, toda a
produção do conhecimento histórico fundada a partir de extensa documentação acerca do período.
A controvérsia tem figurado no seio de disputas no campo da memória e da história sobre o seu
significado.
O período que demarcou as décadas de 1960, 1970 e 1980 foi perpassado por um regime
de exceção encabeçado pelas forças armadas. Nos vinte e um anos que durou, cinco militares
estiveram à frente do executivo, impondo à sociedade uma agenda política marcada por um
autoritarismo que foi aumentando gradativamente, através de dispositivos jurídicos conhecidos
como Atos Institucionais (AI). Editados pelo presidente da República e respaldados pelo Conselho
de Segurança Nacional9, eram constituídos por normas que estavam acima de todas as outras,
incluindo até mesmo a Constituição. Os atos institucionais foram mecanismos de legalização e
legitimação das ações dos militares, proporcionando a eles poderes extraconstitucionais.
O governo de Castelo Branco (1964-1967) deu início às cassações políticas de opositores,
suspendeu as eleições diretas para a presidência, decretou o bipartidarismo (Arena e MDB),
suspendeu a imunidade parlamentar e limitou os direitos constitucionais. Durante o mandato de
Costa e Silva (1967-1969), a censura aos órgãos de imprensa, e a manifestações populares, teatro,
música, rádio e televisão, a proibição do direito ao habeas corpus e a concessão, para o presidente,
da prerrogativa de suspensão de direitos políticos por dez anos.
7
A Central Intelligence Agency, mais conhecida pela sigla CIA, é uma agência de inteligência civil do governo
dos Estados Unidos responsável por investigar e fornecer informações de segurança nacional para os senadores
daquele país.
8
(Valle, 2014, p.18)
9
O Conselho de Defesa Nacional (CDN) é um órgão consultivo do Presidente do Brasil em assuntos de segurança
nacional, política externa e estratégia de defesa. O Conselho foi criado em 29 de novembro de 1927 pelo Presidente
Washington Luís. Ele é composto de ministros importantes e comandantes militares e presidido pelo Presidente
do Brasil.
20
10
Mariana Joffily destaca que essas diferentes visões confrontar-se em embates que tomam fôlego, especialmente,
no que ela denomina “aniversários redondos”, eventos políticos caracterizados pela ativação da memória e por
debates e balanços historiográficos.
21
como forma de oposição ao regime implantado em 1964. A narrativa revestida de certo heroísmo,
que ressalta a luta de guerrilheiros contra a opressão do Estado, por vezes, se sobrepõem ao fato
de que nem sempre as pretensões desses grupos eram democráticas, estando mais próximas de
ideais revolucionários, de implantação do comunismo do Brasil. Muitos desses grupos
demonstravam certo desprezo pela via democrática de luta contra a ditadura, defendendo que
adotar essa via equivalia a deixar-se corromper por um sistema burguês em que apenas a elite
liberal saía ganhando.
O emprego da violência pelos grupos armados foi utilizado pelo Estado para justificar uma
resposta semelhante ao que ele via como uma evidência sólida da ameaça do comunismo no país.
A Política de Segurança Nacional teve como uma de suas a princípio ações o combate às milícias
e grupos organizados que se utilizavam de táticas como assaltos, depredações e sequestro de
embaixadores estrangeiros a fim de obrigar o governo a libertar prisioneiros políticos. O
argumento utilizado pelo Estado para o uso da repressão aparece frequentemente no
posicionamento dos que defenderam o regime como algo necessário frente a uma ameaça
supostamente maior, que justificaria a suspensão de direitos, a prática sistemática da tortura e
também as várias prisões arbitrárias.
No que diz respeito à condução da economia, os governos adotaram uma agenda liberal. A
abertura do Brasil para o capital externo propiciou um alto crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB), durante o mandato de Costa e Silva, que tomou medidas para a contenção do então
crescimento inflacionário, como as políticas de arrocho salarial que atingiram as classes mais
pobres da sociedade. Por outro lado, o financiamento de megaprojetos de infraestrutura, como a
Transamazônica e a Hidrelétrica de Itaipu foram possíveis com a injeção de capital internacional
obtido através de enormes empréstimos. Esse modelo econômico tão dependente logo revelaria
sua fragilidade com a volta da inflação durante o governo Geisel, mostrando as suas contradições,
as quais encorajariam ainda mais os movimentos de contestação ao governo que vinham ganhando
fôlego em meio ao abrandamento da repressão.
início um processo gradual de abertura política. Embora as medidas adotadas pelo então governo
parecessem uma reação aos anseios cada vez mais insuflados do povo por democracia, o processo
de abertura foi conduzido de forma a atender os propósitos do governo: 11
11
, Rezende (2013),
23
entre os anos de Geisel e Figueiredo. A autocrítica realizada pelos grupos liberais sobre seu apoio
ao regime ditatorial e a participação de movimentos sociais na construção da memória da ditadura
foram determinantes para essa ressignificação. A construção de um discurso hegemônico de crítica
ao regime ditatorial de 1964 acontece, portanto, através da aliança entre liberais e setores da
esquerda, com a tutela e peso majoritário dos primeiros.
Além deste aspecto, este mesmo autor, assim como Jofilly (2018) atenta também para o
esforço dos setores liberais na construção da memória hegemônica de crítica ao regime autoritário
encabeçado pelas forças armadas, como parte de sua estratégia política para não ter a sua imagem
a ele associada. De fato, políticos que deram apoio à Ditadura também estiveram na dianteira da
transição negociada pra o regime democrático. Esses pontos são apenas alguns dos que estão entre
os objetos de reflexão da historiografia do período ditatorial. Interpretações e discussões iniciaram-
se nos anos 1980. Jofilly, ao discorrer sobre as controvérsias públicas e acadêmicas da ditadura
militar em meio à relevância crescente do regime civil-militar e a constante renovação das
discussões, apresenta-nos o percurso dos debates acerca do tema.
A autora estrutura a sua reflexão a partir dos aniversários “redondos” de eventos políticos
importantes, pois “são momentos de ativação da memória que conclamam a debates, ‘des-
comemorações’ e balanços historiográficos.” (JOFFILY, 2018, p .205). Nessas datas redondas,
eventos e discussões sobre a ditadura ganharam espaço. Historiadores, contudo, demorariam um
tempo para inserirem-se nas discussões sobre a ditadura, tendo as reflexões e debates iniciais
24
despontado através do meio jornalístico, da ciência política, e também por outras entidades. Ainda
assim, seu impacto na historiografia posterior seria considerável, uma vez que pavimentou o
caminho para futuras análises no campo da ciência histórica. Segundo Joffly, as primeiras obras
De acordo com esse ponto de vista, a defesa dos interesses das elites empresariais do Brasil
estaria na base da conspiração que culminou com o golpe contra o presidente João Goulart. A
incompatibilidade dos interesses desses grupos com os anseios populares pelas reformas de base
insere-se no contexto da Guerra Fria, marcado pelo temor provocado pela ameaça comunista,
utilizado para legitimar a sucessão de golpes ocorridos na América Latina. O caráter do golpe e da
ditadura também esteve no centro dos debates. Jofflily cita a obra A conquista do Estado de
Armand Dreifuss, em que o autor confronta a tese de que o aspecto mais notável á tomada de poder
pelos militares em 1964, o que seria suficiente para classificar o golpe como militar. Assim,
Existe ainda outra corrente que afirma ter sido o golpe de 1964 fruto de transformações de
grande porte: “desenvolvimento econômico e mudanças sociais que gerariam a necessidade de
modificações profundas no edifício social brasileiro” (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO apud.
JOFILLY, 2018, p. 211). Desta corrente é representativa a obra Brasil: nunca mais, montado por
uma equipe multidisciplinar de ativistas políticos, que leva em conta as vicissitudes do cenário
político e social do período, e também a “tradição de intervenção política por parte dos militares,
seja em golpes, seja na supressão de movimentos rebeldes.” (JOFFILY, 2018, p. 211). Para a
autora, as linhas de análise e interpretação coincidem em apontar o papel da elite civil na base de
sustentação política e também ideológica da ditadura. Contudo, ao longo do processo de abertura
política, marcado pelo movimento Diretas Já, e a promulgação da chamada Constituição Cidadã
de 1988, houve o alargamento das pautas em discussão.
Uma delas diz respeito à atuação dos grupos armados clandestinos que faziam oposição ao
regime, em sua maioria de esquerda, que tomou espaço em meio ao surgimento do novo
sindicalismo e de grupos como clube das mães de desaparecidos e movimentos de favela.
Há, porém, mais de uma linha de análise da ação armada das esquerdas no período: “Outro
marco interpretativo [...] foi produzido justamente em um intento de “desvendar o significado e as
raízes sociais da luta dos grupos de esquerda, especialmente os armados, entre 1964 e 1974”
(RIDENTI apud JOFFILY 2018, p. 15)”. No cerne das discussões destas correntes estão questões
como os objetivos almejados pela luta armada de esquerda e a dinâmica do contexto de seu
surgimento recrudescimento, marcado pela utilização por parte do Estado ditatorial com vistas a
legitimar as políticas baseadas no terror, colocando-os como ameaça à segurança nacional. Além
disso, a relação desses movimentos com a sociedade civil também é objeto de discussões na
historiografia desse período, ainda bastante incipiente. Esse quadro viria a mudar com a
consolidação do campo da História do Tempo Presente, fundada na França na década de 1980.
26
Nos anos 1990, quando dos 30 anos após o golpe civil-militar de 1964 e em pleno contexto
do fim da Guerra Fria e da onda neoliberal que dominou o continente, os debates em torno da
ditadura ainda permaneciam relevantes, em virtude da conjuntura política. “A derrocada do
chamado socialismo real e a nova perspectiva política da esquerda criaram uma espécie de fosso
em relação às experiências dos grupos armados clandestinos, que denunciavam os estreitos limites
da democracia liberal e tinham a revolução em sua agenda política.” (JOFFILY, 2018, p. 218).
Com isso, os debates em torno da ditadura giravam em torno das causas e da natureza do regime,
incluindo aí, também, a ação dos movimentos de esquerda armados que a ele faziam oposição.
Havia, contudo, em algumas obras como “21 anos de regime militar” a preocupação com uma
interpretação de viés mais analítico e menos político.
Haviam discordâncias no campo de análise que diziam respeito ao peso da participação dos
militares no golpe frente ao apoio de setores da sociedade civil. Autores como Soares d’Araújo e
Dillon Soares defendem, por exemplo, o caráter militar do regime, a despeito da base civil que o
sustentou. Além disso, procurou-se levar em conta novos elementos até então desconsiderados na
compreensão das causas do golpe:
Nesta década, houve o aumento no interesse pelo tema da ditadura civil-militar, com
acadêmicos dividindo espaço com militares e ex-militares, muitos deles dispostos a contestar a
narrativa hegemônica que coloca presos políticos como protagonistas, e criticando o que chamam
de “revanchismo” que guiou a construção da memória do período. Por outro lado, a abertura de
arquivos, o advento de produções culturais voltadas à temática e a eleição de um presidente ligado
ao sindicalismo caracterizam esse contexto marcado pelo fomento ao interesse pelo debate. “[...]
um dos pontos‐chave do debate historiográfico foi o tema da relação das esquerdas com a
democracia, seja na conjuntura que levou ao golpe de 1964, seja na atuação dos grupos da esquerda
armada.” (JOFFILY, 2018, p. 224). Teses como a da resistência democrática são confrontadas com
as que defendem que as intensões da esquerda eram antes de tudo revolucionárias e não
democráticas.
Outro debate foi aberto pela obra de Elio Gaspari, lançada em quatro volumes, referente à
periodização:
Esse debate ganharia ainda mais força no contexto dos 50 anos do golpe civil-militar, em
2014. A intensidade dos debates acerca do tema aumentou ainda mais, especialmente diante das
políticas de Estado voltadas à memória, como a criação da Comissão Nacional da Verdade, voltada
ao esclarecimento de crimes cometidos pelo Estado durante os anos ditatoriais do período
republicano. Além disso, o cinquentenário coincidiu com o início da crise política e econômica
que teve como um de seus desdobramentos o Impeachment da presidente Dilma Rousseff, do
Partido dos Trabalhadores (PT). A conjuntura marcada pela polarização política em meio à
sociedade brasileira, na qual historiadores enxergaram muitas semelhanças com o cenário nacional
de 1964, o fato de ter sido a ex-presidente uma guerrilheira presa e torturada pelo regime autoritário
e a impunidade dos envolvidos em crimes de tortura contribuíram também para avivar ainda mais
a relevância dos debates em torno da ditadura.
28
No embate, entram em cena correntes que procuram diminuir o peso do caráter autoritário
do regime civil-militar, chamando-o de “ditabranda”. O cerne do debate historiográfico é a
problematização dessa linha interpretativa, de modo a levantar os interesses por trás dos grupos
que com ela corroboram, em especial os setores militares, para os quais a chamada “revolução” de
1964 foi uma demanda necessária da sociedade civil diante da ameaça do comunismo. Além disso,
a violência foi um meio utilizado tanto pelo Estado quanto pelos grupos de oposição armada,
considerados uma ameaça à segurança nacional, o que corrobora com as correntes de crítica à
esquerda armada e suas ações durante os anos de chumbo de combate ao regime.
Sobre isso, Napolitano (2017) acrescenta que o atual momento da historiografia da
memória da ditadura tem sido marcado por uma revisão e problematização de afirmações e visões
consagradas, havendo, assim, dois movimentos nesse sentido, porém de naturezas diferentes. Um
deles é a revisão historiográfica sobre o que se entende por “resistência” e “oposição”. Para o autor,
no processo histórico brasileiro, a categoria “resistência” acabou por “incluir algumas atitudes
formas de oposição, à medida que ia se cristalizando como memória social.” (NAPOLITANO,
2017, p. 339), em meio à aliança entre liberais democratas e as esquerdas contra o inimigo comum.
O outro movimento de questionamento acerca da natureza democrática ou não da resistência.
A memória da ditadura civil-militar é o resultado de um processo histórico em que as
diferentes visões e sentidos do passado foram condicionados pelo calor dos acontecimentos ao
longo dos anos, assim como pelo lugar social dos mais diversos sujeitos. Ter em conta as condições
29
construção de conteúdos destinados ao público, do qual se espera sempre uma determinada reação
que condiciona a interpretação acerca do que está sendo dito.
No seio dessa dinâmica, as produções em quadrinhos aparecem como um recurso
diferenciado, através do qual grandes veículos da imprensa podem propagar o seu ponto de vista,
dada a variedade de aspectos que caracterizam a sua linguagem, como a expressividade dos
personagens conferidas pelo artista através da sua fisionomia, da forma como expressam seus
sentimentos, seja através das suas falas ou de gestos em diversas situações. Essa variedade de
recursos expressivos da qual o artista lança mão torna os quadrinhos chamativos e convidativos ao
leitor, na medida em que provoca nele efeitos psicológicos (PIGOZZI, 2013). Pode-se também
dizer que, diante disso:
Rodrigo Pato Sá Motta, em seu trabalho Jango e o Golpe de 1964 na caricatura, discute a maneira
como se dá construção da imagem de João Goulart por parte da grande mídia impressa da época.
Em meio as circunstâncias políticas que marcaram o cenário pré-golpe, as ações do então
presidente eram vistas com desconfiança, em especial por setores mais inclinados à direita da
sociedade brasileira.
No campo conservador, a perspectiva dominante era que Goulart seria uma figura
perigosa. Por um lado, era malvisto dada sua condição de herdeiro do legado
varguista, com tudo o que esse título implicava, ou seja, a defesa de posturas
populistas, nacionalistas e simpáticas ao intervencionismo estatal. Goulart surgiu
no cenário nacional graças ao apadrinhamento de Vargas, que o nomeou ministro
do Trabalho em 1953, quando tinha 35 anos. Com a morte de seu patrono, João
Goulart herdou o comando do PTB e procurou atrair o apoio da grande massa de
seguidores de Vargas e do trabalhismo. Na perspectiva da direita, além do fato de
ser o herdeiro político do varguismo/trabalhismo, o que já seria bastante para torná-
lo persona non grata, Jango tinha outra característica particularmente ameaçadora:
os laços que nutria com grupos de esquerda, notadamente o Partido Comunista.
(MOTTA, 2006, p.45)
[...] tentaram captar traços de caráter atribuídos a Goulart, como certo retraimento
e timidez, associados à amabilidade. Dizia-se que o presidente dificilmente
encarava os interlocutores nos olhos, preferindo fixar a atenção em algum objeto
ou olhar para o chão enquanto conversava, quase sempre sorrindo. Muitas
caricaturas apresentam-no exatamente assim: olhos fechados, ou voltados para o
chão, com um rosto sorridente. Essa personalidade tímida, que alguns explicavam
como fruto da modéstia, combinava-se com malícia política e talento para
negociação. Dessa malícia atribuída a Goulart derivaram muitos dos ataques que
recebeu, parte deles retratando-o como homem sem escrúpulos na busca de seus
objetivos. Podemos notar aqui a presença de um paradoxo: ora Jango era retratado
como ingênuo e trapalhão, um político incapaz de conduzir o país em meio a crise
tão grave, fazendo papel de tolo e joguete nas mãos de forças superiores, ora o
criticavam por ser malicioso e ardiloso. (MOTTA, 2006, p. 44).
produções de veículos de imprensa como a Folha de São Paulo, Estadão, O Estado de São Paulo,
Jornal do Brasil, O Globo, as quais datam de meses que antecederam ao acontecimento, são
voltadas a ironizar ações do governo, enfraquecido em virtude dos ataques recebidos tanto à
esquerda como à direita. Consumado o golpe, os diários glorificaram o que para eles foi a garantia
da defesa da democracia frente à ameaça do comunismo, representada supostamente por Goulart.
Contudo, a escalada do autoritarismo, representada pelo decreto dos Atos Institucionais, começou
a incomodar setores de pensamento liberal, o que se refletiu no posicionamento da mídia. O
emprego da violência e antes vista como necessária para a manutenção da ordem, agora passa a
ser alvo de críticas, assim como a censura, que passou a influenciar na postura dos diários em
virtude da perseguição.
Fonte12
Fonte13
12
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2006.
13
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A ditadura nas representações verbais e visuais da grande imprensa: 1964-1969.
Topoi, Belo Horizonte, p.62-85, 26 mar. 2013.
33
A charge exposta na sequência, publicada pela Folha, tem caráter de denúncia contra a
prática de tortura por parte do estado brasileiro. A escalada do autoritarismo ao longo dos
sucessivos governos militares se originava da expectativa que a imprensa e os setores liberais da
sociedade brasileira de que a o novo regime enfrentaria toda e qualquer ameaça a seus interesses,
porém garantiria também os princípios liberais, como a liberdade de imprensa. Segundo Motta, o
próprio O Globo defendia que a sociedade civil seria favorável ao poder de coerção do Estado
apenas até certa medida. Em outras palavras, o jornal mostrou-se, na verdade, disposto a adaptar-
se ao regime autoritário. Durante o milagre econômico, período de vertiginoso crescimento da
economia brasileira, as críticas ao governo por parte da imprensa tornaram-se mais brandas.
A postura crítica de jornais como a Folha de S. Paulo, assumida de forma gradativa ao
longo dos anos de chumbo, é emblemática do esforço dos setores de pensamento liberal de
desvincular-se do regime autoritário que ajudaram a implantar. Esse movimento tornou-se ainda
mais evidente em meio às contradições do modelo econômico do governo. Foi durante a década
de 1970 que as contradições originárias do caminho para o crescimento econômico tornaram-se
objeto de ironia por parte de chargistas como Ziraldo. O artista realizou um notável trabalho de
resistência à ditadura através das suas publicações, tendo sido o seu material alvo da censura
estatal.
Fonte:
http://www.blogdofariasjunior.com
por toda a sociedade brasileira. A riqueza produzida não circulava de maneira igualitária, de modo
que aos setores sociais mais desfavorecidos foi reservado uma dura política de arrocho salarial, a
qual sustentava em parte o financiamento dos megaprojetos do governo federal, assim como a
grande entrada de capitais estrangeiros, em relação aos quais o país passou a ter grande
dependência. Com a crise do sistema capitalista da década de 1970, logo ficaria evidente que o
gigante no qual os militares defendiam ter transformado o Brasil tinha pés de barro.
A frase “Brasil, ame-o ou deixe-o”, tão difundida pelo governo, resumia o discurso
legitimador do autoritarismo, e foi objeto de outra charge de Ziraldo. O slogan, carregado de um
sentido nacionalista e, portanto, de modo a enaltecer os grandes feitos do governo, é ressinificado
pelo artista de modo a ressaltar o fato de que não se podia questionar as contradições do momento
de euforia e prosperidade vivido pelo Brasil, o qual não era usufruído de fato por toda a sociedade,
mas sim apenas pelas elites ligadas ao capital estrangeiro. Externar questionamentos a partir desse
fato poderia significar, inclusive, a expulsão do país, faceta do autoritarismo ressaltada por Ziraldo
em sua charge, publicada na década de 1980 (figura 5), em que um personagem bem vestido que
representa o governo aparece em uma postura impositiva em relação a outro, que está caído ao
chão, e em seguida receber um chute, que representa a sua expulsão, caso não aceite as imposições
do Estado.
Além
de seus trabalhos
ligados a nona arte, Ziraldo foi um dos que em 1969 fundou o jornal Pasquim, semanário que se
tornou conhecido por sua forte oposição à ditadura. 14 O jornal chegou obviamente a sofrer com a
censura da época, mas manteve as suas atividades até 1991. Outros fundadores do Pasquim foram
14
A obra do artista também inclui obras infantis carregadas de temas sociais e políticos, como é o caso da Turma
do Pererê, lançada na década de 1960, porém interrompida com o avanço da censura. A história do personagem
Pererê é cheia de referências ao folclore brasileiro e animais típicos da nossa fauna. Tudo aparece com um humor
leve e ingenuidade em assuntos como a inclusão social e valorização do meio ambiente. Apesar de ter sido criada
há cerca de cinquenta anos, a sua atualidade ainda é evidente.
35
Jaguar, Cabral e Tarso de Castro. Também houve grandes colaboradores entre cartunistas,
escritores e jornalistas para o semanário. Um desses notáveis nomes colaboradores foi, sem sombra
de dúvidas, o cartunista mineiro Henfil. Toda a sua obra foi produzida durante o período ditatorial,
mostrando-se como uma arma de luta pela redemocratização do país, a anistia aos presos políticos
e a volta das eleições diretas para presidente da república. Uma das bandeiras de luta abraçadas
por Henfil é representada na Figura 4, uma de suas produções mais conhecidas. Aqui, várias
pessoas são retratadas portando faixas de protesto pelo seu direito ao voto, enquanto a sua frente
um policial os ordena a voltarem, chamando-os de ilegais.
Fonte: http://www.zonacurva.com.br
comumente em situações de humor, em que sempre está implícita uma mensagem de cunho
político e social. Uma das características marcantes do trabalho de Henfil é seu traço simples, ágil
e sintético, distanciando-se da riqueza de detalhes frequentemente observadas na caricatura. Seus
personagens costumam ser construídos estereótipos, como é o caso dos Fradinhos. Dois dos cinco
personagens nasceram durante a ditadura: Baixinho e Cumprido, inspirados em Henfil, segundo
ele próprio. O primeiro é insolente, violento e pornográfico, e combatia a hipocrisia do mundo. O
segundo era um artista que pretendia se libertar da educação católica. É medroso, religioso, careta,
romântico e sonhador.
Figura 6 - Personagens do Fradim
Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/entretenimento/2013/11/lancamento-
traz-colecao-completa-de-fradim-do-henfil-3224.html
considerável. Por outro lado, os usos políticos dessa mídia ocorreram em diversos momentos ao
longo da história, exemplo do qual se pode citar as HQ do Capitão América, cuja figura foi
utilizada em oposição ao nazi fascismo durante a Segunda Guerra Mundial.
Durante as décadas de 1970 e 1980 esses temas estiveram particularmente presentes em
muitas produções em quadrinhos. A HQ inglesa V de Vingança, do roteirista Alan Moore e do
desenhista David Lloyd, foi lançada em 1982 em pleno governo de Margareth Thatcher, cujo
desrespeito às diferenças individuais está presente nas entrelinhas desta narrativa que se passa em
uma Inglaterra despótica, dominada por um regime ditatorial. Temas similares também ocorreram
em produções nacionais, inclusive contemporâneas. A ditadura civil-militar é o pano de fundo para
diversas narrativas sequenciais desenhadas. Ao menos grande parte delas corrobora com uma visão
crítica do regime implantado em 1964.
Fonte: http://www.zonacurva.com.br
Uma delas é Subversivos, de André Diniz e José Aguiar. Dividida em três volumes e
publicada de 1999 a 2001, nas proximidades dos 40 anos do golpe de 1964, a história ficcional é
centrada em três integrantes de uma companhia de teatro, a qual enfrenta a perseguição e a censura
do governo. O enredo da história divide-se entre o enfrentamento, pelos personagens, e a
persistência dos laços de amizade entre os mesmos
Lançada em 2008, a história em quadrinhos 1968 – Ditadura abaixo, de Teresa Urban e
Guilherme Caldas também se insere nesse contexto, e é escrita a partir das experiências da autora
e também jornalista no movimento estudantil em Curitiba, durante a perseguição do governo. A
ideia inicial por trás da produção veio da necessidade da autora de contar a história a seus netos,
razão pela qual a HQ é escrita de forma a possibilitar a compreensão para crianças.
38
Fonte: http://brunortiz.blogspot.com
Por sua vez, Brasil – Ditadura Militar – Um livro para os que nasceram bem
depois…(Figura 9) é uma obra independente destinada ao público jovem, contando a história de
Clarice, uma menina que cresceu durante o regime militar no Brasil. A partir de sua vida, são
narrados alguns momentos marcantes desse período no nosso país, especialmente aqueles
relacionados à repressão e à perseguição política.
Por sua vez, Brasil – Ditadura Militar – Um livro para os que nasceram bem
depois…(Figura 10) é uma obra independente destinada ao público jovem, contando a história de
Clarice, uma menina que cresceu durante o regime militar no Brasil. A partir de sua vida, são
narrados alguns momentos marcantes desse período no nosso país, especialmente aqueles
relacionados à repressão e à perseguição política.
39
Fonte: www.resistenciaemarquivo.wordpress.com
indígenas, foram vítimas do projeto de desenvolvimento levado a cabo pelos governos militares,
o qual teve apoio da elite empresarial, especialmente em meio ao Milagre Econômico. Seu modo
de vida foi ameaçado por uma marcha para o progresso que provocou a retirada forçada de suas
terras e a violenta repressão a qualquer tipo de resistência. O exemplo dos povos indígenas é
ilustrativo de algo que é característico do processo de construção da memória: a escolha daquilo
que se quer lembrar ou ocultar.
Fez parte do trabalho dos membros da CNV trazer a tona um passado ainda silenciado, em
meio à efervescência do debate entre diferentes enquadramentos de memória, ou seja, as diversas
formas de interpretar, combinar e modificar o passado em função dos combates do presente e do
futuro. (POLLAK, 1989). As produções no campo da nona arte, como se viu anteriormente,
também podem ser interpretadas enquanto formas de enquadramento do passado. Particularmente,
há uma entre elas que é construída em torno de passados subalternos, referentes a indivíduos cujas
experiências não lograram estar na memória hegemônica, constituída em sua boa parte pelos
setores liberais da sociedade. “Notas de um tempo silenciado”, lançada em 2012 será objeto de
estudo no próximo capítulo.
41
Este capítulo consiste na análise da HQ escolhida como fonte principal de análise, “Notas
de um tempo silenciado”. Em um primeiro momento, uma visão geral da obra é apresentada,
balizada em uma pequena discussão teórica. Em seguida, uma análise crítica dos treze capítulos
da HQ, com o objetivo de perceber como a história da ditadura é contada, levando em conta
elementos constitutivos da linguagem dos quadrinhos, ou seja, elementos verbais e não verbais. A
análise das narrativas, as quais giram em torno de temáticas diversas, permite perceber como as
memórias da ditadura são ressignificadas nesta produção.
Fonte: http://www.universohq.com
de Jornalismo, a escolha do tema teve o peso de sua formação acadêmica 15, assim como é guiada
por uma pergunta: Qual a importância de continuarmos a falar sobre a ditadura? A pertinência da
indagação se deve ao atual momento da história política brasileira, em que uma crise de
representatividade acabou por dar espaço à radicalização e à polarização em meio a uma sociedade
acometida pelas consequências do esgotamento do sistema político e a sua forma de
funcionamento.
O caminho escolhido por Vilalba para tentar responder a essa pergunta destoa do que
costuma fazer a historiografia tradicional do período, na qual líderes e figuras consideradas
importantes ganham destaque. Em vez disso, o ilustrador paranaense preferiu dar voz a sujeitos e
grupos marginalizados ou silenciados, e para tanto dividiu a obra em diferentes e breves enredos,
compondo um mosaico de vozes. Por outro lado, essas mesmas histórias revelam aspectos e
sutilezas da época do regime autoritário, e assim apresentando um panorama complexo e as ações
desses indivíduos e segmentos da sociedade em meio a ele, em oposição a uma visão binária que
pauta narrativas que trazem a voz de heróis e vilões. Para o autor, trata-se de pessoas vivendo em
um tempo difícil.
Optando por contar a história do período dessa forma, o sociólogo e desenhista curitibano
dá vazão ao que Pollak (1989) denomina memória subterrânea, conceito esse que pressupõe a
existência de uma memória dominante. Nessa relação de forças que se desenha ao ritmo e ao sabor
dos processos históricos, dinâmicas de escolhas sobre o que lembrar, silenciar ou esquecer são
observados. Na capa da HQ, o autor afirma que “nem toda a história foi contada. Muitas
permanecem silenciadas ou esquecidas.” Entender as razões por trás do silenciamento ou do
esquecimento passa pela compreensão das condições históricas que influenciam a construção de
narrativas sobre o passado.
Ao refletir sobre esse ponto, Pollak aponta que “o longo silêncio sobre o passado, longe de
conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de
discursos oficiais” (POLLAK, 1989, p. 6). Essa compreensão se encaixa consideravelmente no
caso do processo de reabertura política e o seu caráter de transição negociada e não de ruptura,
como o caso de outras ditaduras na América Latina. O fato de o processo ter sido conduzido em
grande medida por nomes políticos ligados ao regime militar deu espaço para uma visão do
passado marcada pela necessidade de se deixar para trás toda a obscuridade do período autoritário,
15
Robson Vilalba é mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná. Como ilustrador, teve trabalhos
selecionados para a III Bienal do Humor de Luís d’Oliveira Guimarães em Portugal, 2012 e para o 22° Salão
Internacional de Desenho para a Imprensa, em Porto Alegre (RS), 2014. Venceu o prêmio Vladmir Herzog 2014,
um dos principais prêmios do jornalismo brasileiro. Trata-se de um prêmio de Anistia e Direitos Humanos, dado
a personalidades e profissionais e veículos de comunicação que se destacam pela defesa de valores fundamentais.
44
alegando-se um risco ao clima de liberdade democrática que se construía aos poucos. Isso teve
início com o advento da Lei da Anistia, a qual concedeu perdão a membros do Estado que
cometeram crimes durante a ditadura. Vilalba é movido por essa necessidade de lembrar o que se
quer esquecer.
Combinando a pesquisa jornalística como elementos da história oral, Notas... não é fruto
de um trabalho historiográfico, em que a crítica documental é essencial, mas sim uma articulação
entre a linguagem dos quadrinhos e as informações obtidas pelo autor mediante pesquisa e
realização de entrevistas. Diversos temas e questões estão no cerne dos treze enredos, porém todos,
de alguma maneira, relacionam-se com a sobrevivência ao regime de exceção. Entre os
personagens, postos em um cenário hostil como sujeitos ativos estão negros e índios, silenciados,
deixados à margem pela historiografia tradicional. É o silêncio deles que dá título à HQ, em alusão
ao fato de que muito sobre o que ocorreu à época ainda permanece obscuro.
É a necessidade de manter vivo o debate que Robson Vilalba afirma ter movido a produção
e divulgação de seu trabalho, trazendo-o como um alerta em meio à escalada de ideias autoritárias
no atual cenário político e social. Como artista, Vilalba tem consciência do alcance dos quadrinhos
jornalísticos, os quais atingem um público amplo. Boa parte dele é jovem, mas a HQ também
chamou a atenção de professores de jornalismo, acadêmicos e pessoas que não costumam discutir
temas dessa natureza ou não tenham contato com a literatura de não ficção, livros jornalísticos o
qualquer outro tipo de pensamento social. Entendendo o alcance e a importância de seu trabalho,
o artista gráfico o vê como uma maneira de mostrar a importância de se falar sobre um passado
sobre o qual ainda pouco se fala.
A visão do autor chama a atenção para o fato de que os olhares sobre o passado estão em
constante mudança, e que frequentemente novas nuances são acrescentadas. Em entrevista ao blog
Itiban sobre o seu livro realizada em 2015, Robson Vilalba ressaltou a importância de se revisitar
constantemente o passado. Afirmou ser inegável que só após pouco mais de trinta anos desde a
redemocratização, mais informações sobre o que ocorreu durante a ditadura, as quais são trazidas
em seu livro, o qual e embora não contenha todas as peças que faltam nesse sombrio quebra-
cabeça, é exemplo de como nem toda a história foi contada, estando em constante reescrita.
Alguns aspectos interessantes acerca da estrutura e dos recursos estilísticos usados por
Vilalba merecem destaque. Um deles é a ausência do discurso direto, ou seja, as narrativas contam
com poucos balões que indicam a fala dos personagens, ainda que, em alguns momentos da obra,
isso se observe. Em vez disso, a figura do narrador aparece de forma mais expressiva, uma escolha
feita pelo autor com o provável intuito de dar ênfase ao fato de que se tratam de histórias que,
45
durante muito tempo, estiveram em silêncio, ou relegadas ao esquecimento, e que, agora, vêm à
luz através de sua voz. De fato, alguns desses sujeitos sequer sobreviveram à repressão do período,
o que fez com que a construção do roteiro se desse através de outras evidências presentes nas
fontes pesquisadas pelo autor.
afirma ser a história mais confortável de ler na tela luminosa de um suporte eletrônico. Algo
diferente acontece quando é lida de dentro, “do olho do furacão”, pois se mostra mais tortuosa.
A introdução dessa primeira história merece algumas observações. No que diz respeito à
tortuosidade que a história apresenta, ela se mostrará ao longo de toda a obra, e pode-se dizer, com
isso, que esteve presente no trabalho de pesquisa de Robson Vilalba. Logo nas primeiras páginas
da HQ, o clima de tensão é evidenciado de forma a mostrá-la como algo presente no cotidiano e
de insegurança às vésperas dos acontecimentos de 1964. O leitor é apresentado a um personagem
chamado João Lessa, que anda pelas ruas da cidade portando uma grande quantia em dinheiro. Ele
caminha em direção a dois homens com os quais pretende fazer uma transação, e logo em seguida,
porém, sabemos que o que João Lessa carrega são papéis sem valor.
Através dessa situação, Vilalba ilustra o panorama de incerteza que caracterizou o início
da década de 1960 no Brasil, e que esteve tão presente no cotidiano, como é evidenciado ao longo
do enredo. Na página seguinte (p. 10), a cena de diversos cartazes de filmes à frente de um cinema
curitibano parece ser uma maneira poética de mostrar como a tensão política e social pairava sobre
o país. O narrador chama a atenção para os títulos dos filmes nos cartazes. Na mesma página, o
narrador faz uma contraposição entre o binarismo do mundo em plena Guerra Fria e a pluralidade
de pensamentos e orientações políticas presentes no país: comunistas, integralistas, nacionalistas,
legalistas, liberais, conservadores. Seis vieses que são representados por seis rostos diferentes,
cada um em um quadro, possivelmente para ilustrar a pluralidade de visões e projetos de país.
Vê-se aqui a intensão de Vilalba de contrapor o binarismo esquerda x direita evidenciando
as diferentes matizes políticas, muito embora a tensão entre os dois grandes espectros existisse de
fato, estando refletida no medo sobre quem daria o golpe primeiro. Na página 11 a preocupação
com a situação política é mostrada através das ocorrências que saem nos programas de rádio. Nos
quadros, balões contendo diálogos das radionovelas alternam com outros contendo notícias sobre
políticas ou ocorrências. O recurso gráfico da diferenciação da cor dos balões é utilizado visando
o efeito de contraste entre a tranquilidade representada pelo entretenimento das telenovelas,
cortado pelo medo da instabilidade trazido pelos noticiários.
Na última página do capítulo, tem-se o que pode ser visto como o que lhe dá título. Um
quadro em cor escura, no interior do qual diferentes quadros pequenos estão contidos, nos quais
militares e o prefeito de Curitiba são mostrados a enaltecer o movimento que visa “recolocar o
país em clima de ordem e progresso”. O presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzili, que
assumia a presidência da República na ausência de Jango, é mostrado apenas em sua silhueta negra
em um quadro branco. Ao seu lado, um balão de fala do narrador afirma que Mazzili nem
47
imaginava que, após ele, levaria muito tempo até que um civil assumisse a cadeira do presidente.
A escuridão do quadro corrobora com a áurea sombria ilustrada ao longo do capítulo.
O segundo enredo de Notas... assim como o anterior, foca no panorama geral do período
pré-golpe, porém, agora traz as agitações e movimentos que tomaram as ruas. Nas primeiras
páginas estão personagens que participaram, no início da década de 1960, de movimentos que se
diziam contra os desajustes nacionais. Um deles é a “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade”, organizado pela classe média, como reação ao discurso de João Goulart na Central do
Brasil. Os dois eventos são retratados no capítulo, também sob a ótica de indivíduos que não
costumam ter destaque na história política, como a jovem atriz Vera Gertel, que fazia parte do
centro popular de cultura ligado União Nacional dos Estudantes (UNE).
Vera deixa o discurso e vai de encontro ao seu marido Carlos Lyra, descrita como estando
efervescente diante das palavras inflamadas de Jango. Lyra a aconselha a tomar cuidado, alertando
que aquilo poderia ser perigoso para ela. A fala do personagem é reflexo da tensão política
crescente da época, agravada ainda mais após a Marcha da Família. Por outro lado, Jango aparece
em uma das páginas sendo aconselhado sobre as consequências de seu discurso, por Tancredo
Neves e Doutel de Andrade. O presidente, contudo, preferiu ouvir o General Assis Brasil, o qual
garantiu existir meios para evitar um possível golpe.
A formação da Marcha da Família é abordada no início do capítulo. Os quadros mostram
a reunião de membros da elite. Membros da União Democrática Nacional (UDN) e da União
Cívica Feminina estiveram envolvidos na elaboração do evento. No capítulo, alguns quadros são
dedicados a retratar a manifestação. Faixas que pediam um governo cristão e contra símbolos como
a foice e o martelo ilustram o medo da ameaça comunista, representada por uma possível guinada
de João Goulart à esquerda após o seu discurso carregado de teor nacionalista e defesa das
Reformas de Base.
O enredo divide-se entre a articulação do movimento organizado pela classe média e o
evento ocorrido na Central. A narrativa traz o temor de Jango diante da iminência de um golpe
contra ele, ao passo em que a Marcha é mostrada como uma reação ao discurso de Jango, visto
como um forte sinal de uma guinada em direção ao comunismo. Trabalhadores, estudantes e
artistas no comício de Jango, mães de família de classe média na Marcha. A polarização das
vésperas de 1964 é retratada pelo autor, e ambos os eventos aparecem como seus catalizadores. O
título do capítulo é uma referência a essas vozes tão destoantes no embalo das tensões de um
mundo dividido entre o comunismo e o capitalismo liberal.
48
Fonte: http://blog.geekeriashop.com.br/2016/04/25/notas-de-um-tempo-silenciado/
As cenas também não são descritas em detalhes, preferindo o autor trazer, logo em seguida,
o que se sucede com o personagem durante a sua prisão. De acordo com o narrador, o
encarceramento deixou o personagem em luta constante contra o desespero. Para isso ele montou
uma biblioteca com livros de autores que iriam influenciá-lo por toda a vida. Lia em voz alta por
horas para diminuir a solidão. Via presos morrerem ou serem esquecidos nas celas. Não é dito no
49
enredo como ele logrou obter os livros para montar a biblioteca. A história foi construída a partir
da entrevista com o próprio Walmor Weiss, e também seu biógrafo Milton Ivan Heller, além de
Francisco Camargo, que trabalho no “Última Hora”.
Trazer a história de Weiss para o corpo do trabalho faz parte da intensão de Vilalba de
dar espaço a memórias que ainda permanecem em silêncio. O enredo vai contra uma narrativa
hegemônica que põe os setores militares sempre em posição de algoz e perseguidor. A afronta à
hierarquia militar através da luta por melhorias e a repressão ao movimento é um exemplo de como
50
a caça ao comunismo também fez seus alvos dentro da instituição, o que é ressaltado em uma
passagem do narrador que enfatiza que Weiss e seus companheiros eram mais nacionalistas do que
comunistas, e que ainda assim sofreram a represália. A repressão que viria a ser a marca dos
próximos anos teria como alvo do fogo militar qualquer um que fosse considerado suspeito
suficientemente, ainda que suas ações não fossem balizadas pelo pensamento comunista.
2.2.4. O DUPLO
O ano a que faz referência ao título é 1968. Nos primeiros quadros, o autor traz movimentos
de caráter contestatório ao redor do mundo, como a Primavera de Praga na República Tcheca, o
Maio de 68 na França, a Contracultura nos EUA e, aqui no Brasil, o assassinato do estudante Edson
Luiz de Lima Souto no Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro. Esse primeiro momento do capítulo é,
no entanto, apenas uma contextualização de um outro acontecimento que tomará o restante de suas
páginas. Trata-se do movimento estudantil contra a proposta de Universidade paga, ocorrido em
52
Curitiba, em pleno calor dos movimentos de contestação à repressão que ocorreram, inflamados
pela insatisfação dos estudantes em relação aos acordos firmados entre o Ministério da Educação
(MEC) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
dia da realização do vestibular, o qual precisou ser remarcado. Nesse dia, os estudantes foram
surpreendidos pelo batalhão destacado para retira-los a força do campus, ação que resultou em
várias prisões, contra as quais, não muito depois, foram contestadas por um movimento ocorrido
em frente ao batalhão da polícia. Em seguida, houve uma tentativa de acordo entre os estudantes
e reitoria, contudo, nenhum acordo foi firmado. Os estudantes decidiram, então, ocupar a reitoria,
ocasião na qual a quebra do busto do reitor pelos estudantes é apresentado como um ato simbólico.
A reação do reitor, por sua vez, foi enérgica. Flávio Suplicy publicou no jornal uma carta
da reitoria rotulando os estudantes de vândalos. Os estudantes procuraram o líder do governo na
câmara para pressionar o reitor a retirar as ofensas do jornal. Em seguida, uma reunião é realizada
pela reitoria com vistas a dar fim ao projeto de universidade paga. A pressão dos estudantes, assim,
acabou por atingir seu objetivo. Contudo, o capítulo se encerra com o narrador afirmando que a
força do movimento estudantil daria combustível ao Ato Institucional n° 5, conhecido dispositivo
legal que jogou o país na época mais dura do regime civil-militar.
É interessante perceber como o capítulo leva a pensar sobre uma narrativa que condiciona
a escalada do autoritarismo da ditadura à intensificação de movimentos como o estudantil nas ruas
do país. A suspeita de que os ideais comunistas estivessem por detrás desses movimentos, ou
simplesmente o temor de que eles viessem a estimular a ação de grupos dissidentes de esquerda,
era usada como justificativa para as ações repressivas do governo, amparado na Doutrina de
Segurança Nacional. A chamada teoria dos dois demônios, que se sustenta pelo uso da violência
dos dois lados, se mostraria forte especialmente nos “Anos de Chumbo”, e seria utilizada também
posteriormente em prol de um discurso que legitimador do regime ditatorial.
2.2.6. A GUERRILHEIRA
seu contato com as ideias de Trotsky e estudos sobre o exemplo de Fidel Castro. O acampamento
era uma forma de os estudantes garantirem o seu ingresso na universidade. E, com o seu fim, Sônia
foi convidada para integrar a guerrilha urbana, a qual realizava assaltos a bancos, roubos de carro
e sequestros.
As duas ações narradas no capítulo são a invasão da casa do ex-governador de São Paulo
Ademar de Barros, à época já falecido. Os integrantes do grupo armado pretendiam roubar o cofre
que supostamente estava guardado na residência. Em seguida veio o sequestro de um embaixador
alemão, ação após a qual Sofia abandonou a guerrilha, decisão que tomou ao descobrir que estava
grávida, ver o aumento da repressão e violência por parte do governo através do número crescente
de presos e desaparecidos. Sofia exilou-se no Chile até o momento em que logrou sucesso o golpe
militar liderado por Augusto Pinochet, tendo viajado em seguida para a França. Somente anos
depois veio a regressar, finalmente, ao Brasil.
Durante a história, a personagem Sofia é apresentada como uma jovem de ideais tão fortes
e inabaláveis a ponto de até mesmo utilizar a sua beleza em prol da causa guerrilheira e
revolucionária, em vez de investi-la em algo que a proporcionasse uma vida de riquezas. Além
disso, assim como no capítulo anterior, não se percebe nada que possa sugerir um julgamento de
valor sobre as escolhas e ações da personagem, mas apenas aquilo que os levou até elas. As facetas
de heroína ou criminosa não são especialmente ressaltadas. As memórias de Sofia sobre os seus
tempos de guerrilha são perpassadas pela tristeza e a saudade que sentiu de regressar ao país.
Lembra que aqueles foram tempos nos quais tudo era incerto e provisório a não ser os sonhos.
Narrativa em certos momentos dolorosa e que contrapõe a visão branda dos anos de regime militar
O título do capítulo sugere uma direção em certa medida oposta ao que é observado nos
enredos anteriores. Logo no início, o narrador assemelha a história a um romance do escritor
colombiano Gabriel Garcia Marques e o realismo fantástico carregado de teor político e denúncia
social que caracteriza a sua obra. A história de Osvaldo, (Osvaldão ou ainda Vadico, como também
era chamado) tem elementos de heroísmo em sua participação na resistência armada à ditadura.
Há, contudo, outro elemento especial em sua trajetória, e que não raro não é evidenciado na
historiografia tradicional: o racismo no contexto dos anos de repressão.
Osvaldo é um homem negro nascido e criado em uma região pobre de Passa Quatro, Minas
Gerais. É descrito como alguém temido por seus inimigos por suas dotes e habilidades físicos para
a luta e a sobrevivência, mas também como alguém de personalidade tenra, e disposto a ajudar os
outros. Esses atributos são mostrados como consequência do estigma do racismo, o qual perpassou
toda a sua vida e ao qual ele tentava resistir. Ao formar-se em geologia pela Universidade de Praga
(não é explicitado por quais meios ele o havia conseguido), chegou a participar da organização de
centros acadêmicos da universidade, onde teve contato diversas ideias e correntes políticas.
De fato, a história de Osvaldão tem diversos elementos de heroísmo: um sujeito
marginalizado, pertencente a uma classe oprimida, com ideais revolucionários e que luta contra
um governo repressivo em prol da igualdade e da democracia. Esses aspectos costumam estar em
consonância com a construção da memória de partidos e movimentos armados que lutaram contra
a ditadura, muito embora nem sempre a democracia fosse vista como um fim em si mesmo por
alguns deles, que pregavam especialmente a revolução fora dos limites da democracia liberal vista
como falha e voltada aos interesses da elite, com vistas à implantação do comunismo no Brasil.
O que pode ser destacado também é que o capítulo, de acordo com as intensões do autor
da HQ, estruturado em torno de memórias silenciadas e com pouco ou nenhum espaço nas
narrativas tradicionais, mostra que a repressão não tinha como alvo apenas indivíduos brancos de
classe média. O racismo no contexto da ditadura e a atuação da parcela negra da sociedade
brasileira ainda ocupam, na historiografia sobre período, uma posição de subalternidade, havendo,
também, um silenciamento de suas vozes no campo de batalha da memória. A resistência negra
em tempos de autoritarismo é também tema de outro capítulo que será posteriormente analisado.
Fonte:
“Notas de um tempo silenciado”, página 49
extermínio, alguns índios trabalhavam na construção de estradas e uma parte da terra foi oferecida
a eles como “compensação pelo trabalho”
Durante a ditadura civil-militar, a terra foi novamente invadida em prol dos interesses
econômicos do governo, ocorrendo outro processo violento e conturbado de desapropriação e
também de indenização que deslocou os índios para áreas onde as condições de vida eram mais
difíceis. Toda a área, atualmente, está submersa nas águas de Itaipu, gerando parte da energia
elétrica consumida no Brasil. O projeto integrava a agenda econômica do governo federal, marcada
pela execução de megaprojetos em diversas áreas como região de Ocoí-Jacutinca e também a
Floresta Amazônica.
Fonte: http://bahianalupa.com.br/em-quadrinhos-fragmentos-da-ditadura-militar/
vida. Contudo, a questão da atuação dos índios à época é mostrada com mais complexidade na HQ
nos capítulos seguintes.
O capítulo inicia-se com algumas passagens sobre a criação da FUNAI e seus princípios
norteadores. Um desses princípios é destacado no início da página 62, e que consiste no exercício
do poder da polícia nas áreas reservadas e matérias que dizem respeito à proteção dos índios.
Introduzir o capítulo através da origem dessa instituição, destacando uma das suas formas de
atuação, tem como objetivo contextualizar a origem da Guarda Rural Indígena em Minas Gerais,
um destacamento da Polícia Militar de Belo Horizonte, movida por esse mesmo princípio
norteador.
O capítulo destaca, em seguida, todo o simbolismo envolvendo a Guarda, do qual as cores
da farda (verde e amarelo), o hino e a bandeira nacionais fazem parte. Percebe-se um forte teor
nacionalista que permeava o destacamento formado por índios. As cenas de como se dava o
treinamento e a ação dos integrantes da Guarda foram reproduzidas com base no filme “Arara”,
descoberto pelo ex-presidente do grupo “Tortura Nunca Mais” de São Paulo. Uma das cenas às
quais se dá um destaque especial na HQ é a de soldados índios carregando um homem preso em
um “pau de arara”.
Ao longo de suas operações os integrantes da Guarda foram alvos de várias acusações,
como tortura, espancamento, além de casos de insubordinação e arbitrariedades. A história da
Guarda Rural Indígena dá lugar, então, a um de seus antigos participantes, o índio Turié Potiguara
(José Umberto da Costa), o qual se tornou um ativista político após a descoberta, nos arquivos da
FUNAI, de documentos que mostravam o favorecimento de interesses de latifundiários por terras
indígenas. Foi torturado, sequestrado e fugiu para o Canadá, onde foi reconhecido como refugiado
político. Sua anistia no Brasil demorou 20 anos para ser concedida. O seu caso chama atenção para
uma importante questão que cerca a Lei da Anistia e o seu alcance.
61
O capítulo inicia-se com uma música do cantor norte-americano James Brown, símbolo da
resistência negra nos EUA das décadas de 1960 e 1970, e como o Black Power influenciou os
movimentos negros no Brasil. O combate ao racismo e à exclusão social se deu através da
64
resistência cultural, por meio da música e do cinema. Em meio a essa efervescência que tomava
espaço nas periferias da cidade do Rio de Janeiro, Asfilófio de Oliveira Filho (ou Dom Filó)
despontou como um dos grandes nomes. Fazia parte do Clube Renascença, por onde passaram
nomes importantes como Bete Carvalho e João Nogueira.
65
gentes das comunidades. Tudo isso é descrito, durante o capítulo, como parte de uma cultura de
outra cidade que existia no interior do Rio, uma cultura de resistência e subversão, que não incluía
o uso de armas. Mesmo assim, como está explícito no título, despertava o medo e estimulava a
repressão do regime autoritário.
Percebe-se que a memória social do movimento negro durante a ditadura civil-militar é
construída de modo a associa-la à luta contra o racismo e os problemas sociais que afligem esse
segmento. Cenas de repressão são mostradas no capítulo e de tentativas de desviar a atenção dos
militares, que utilizavam a justificativa de que aqueles espaços e eventos eram pontos de venda de
drogas para, na verdade, retaliar a ousadia de seus participantes, a qual incluía diversos gestos de
contestação, como no caso do cantor Elron Chaves, que durante o Festival Internacional de Canção
Popular, beijou duas mulheres loiras, razão pela qual foi preso e torturado.
O orgulho negro, assim, esteve atrelado à memória do movimento, tendo ganhado
repercussão nacional nos últimos anos da década de 1970. Na última página do capítulo, trechos
de uma matéria publicada no Jornal do Brasil destacam uma população que evita conflitos, que
não bebe ou usa drogas, e que era movida por um ideal, uma ideologia. É válido considerar que o
destaque dado pelo periódico ao pacifismo do movimento aponta para a crítica que se fazia no
meio à luta armada como forma de combate à opressão, forma essa que costuma aparecer revestida
de certo heroísmo nas memórias de organizações como o PC do B e a guerrilha do Araguaia, da
qual o personagem Osvaldão, do capítulo VII fez parte.
ciado-
68
Algumas das personalidades históricas citadas são retratadas no capítulo, bem como é
ressaltada a influência do pensamento positivista que marcou os governos militares, seja nos
primeiros anos da República, no governo de Vargas em sua fase ditatorial, ou durante o regime
instaurado em 1964 com a queda de João Goulart. A intensão do autor é destacar as várias vezes
em que ocorreram golpes de caráter militar no país, sempre que uma ameaça surgia e comprometia
a ordem, a integridade e a soberania da nação, atestando uma fragilidade institucional.
Os ideais nacionalistas e de respeito à ordem e à hierarquia são simbolizados através da
figura de uma caserna (página 81) em cujo centro encontra-se a bandeira nacional. A ideia de que
a melhor alternativa para os grandes problemas do país é que ele seja guiado através de princípios
que sempre pautaram as forças armadas, segundo o autor, sempre despertou fascínio em meio à
sociedade brasileira, e, de tempos em tempos, em especial em momentos de crise, soluções
autoritárias tornam a ser cogitadas como caminhos possíveis (ou como únicos caminhos).
A rejeição à classe política e ao sistema da qual ela faz parte e que não atende aos
principais anseios da sociedade é o que faz brotar o desejo de um salvador da pátria. A negação da
atividade política como um mal em si e o flerte com caminhos autoritários diante de tempos difíceis
criam condições que facilitam o surgimento de governos ditatoriais que tomam para si a tarefa de
preservar uma ordem que, na verdade, serve apenas a setores acima da pirâmide social. A partir
desse panorama histórico, Robson Vilalba pinta o retrato de nossos tempos, em que o extremismo
tem ganhado cada vez mais espaço.
69
EUA. Esse quadro só seria revertido a partir da década de 1970, quando estudos interdisciplinares
nas áreas de psicologia e educação realizados em universidades da Europa refutaram as afirmações
de Werthan, iniciando uma guinada a favor dos quadrinhos. Desde então, o prestígio dessa mídia
voltou a crescer. No Brasil, foi na década de 1990 que as barreiras para o seu uso para fins didáticos
foram consideravelmente derrubadas a partir de uma avaliação realizada pelo Ministério da
Educação (MEC), estimulando muitos autores de livros didáticos a diversificarem sua linguagem
incluindo a linguagem dos quadrinhos em suas produções (VERGUEIRO, 2010)
Em 1996, as HQs passaram a ser contemplados na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Esse reconhecimento dos quadrinhos como recurso
didático e pedagógico vem de seus atributos que auxiliam o processo de ensino e aprendizagem,
como a sua linguagem que combina imagens e textos, o nível de informação que algumas
produções possuem, além do estímulo à leitura, em virtude da sua presença no cotidiano dos
jovens. O Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) passou a realizar a seleção de alguns
títulos em quadrinhos para a sua inclusão no catálogo de obras a serem autorizadas e distribuídas
às escolas de ensino fundamental e médio em diversos componentes curriculares.
Não existem regras. No caso dos quadrinhos, pode-se dizer que o único limite para
o seu bom aproveitamento em qualquer sala de aula é a criatividade do professor
e a sua capacidade de bem utilizá-la para atingir seus objetivos de ensino. Eles
tanto podem ser utilizados para introduzir um tema que será depois desenvolvido
por outros meios, para aprofundar um conceito já apresentado, para gerar uma
discussão a respeito de um assunto, para ilustrar uma ideia, como forma lúdica de
tratamento de um tema árido ou como contraposição ao enfoque dado a outro meio
de comunicação (VERGUEIRO, 2010, p. 26).
ou seja, a fala e a descrição de cenas, personagens e situações, assim como recursos estilísticos e
expressivos que tem por objetivo retratar ruídos, emoções, o que se dá através da exploração, por
parte do artista, da textura, espessura e cor dos fonemas. Por sua vez, a linguagem icônica consiste
no espaço, as cores, a escolha de planos de projeção (PALHARES, 2009), os quais se articulam
com os elementos linguísticos de modo a formar a mensagem a ser transmitida ao leitor, processo
esse que é condicionado historicamente pelas convenções sociais em constante mudança.
Esse aspecto relacionado às condições de produção da HQ faz dela, também, uma fonte
histórica, visto que convenções, tradições e visões de mundo nelas são refletidos e/ou construídos,
seja para reforçá-los ou questioná-los. Sendo assim, os quadrinhos se configuram como um artefato
cultural. Este conceito, para Fronza
Cintando Jörn Rüsen, Cerri (2011) apresenta o conceito de cultura histórica como a maneira
pela qual uma determinada sociedade lida com a experiência do tempo. Diferentes formas de lidar
com a temporalidade implicam a existência de diferentes processos de significação do passado e a
construção de narrativas que atendem às necessidades do tempo presente. Assim, no âmbito da
aprendizagem histórica, muitos fatores estão em jogo na constituição de uma cultura histórica dos
alunos, os quais, deve-se dizer, não estão limitados apenas ao ambiente escolar ou acadêmico, mas
sim presentes também nas experiências cotidianas e no contato com diferentes tipos de mídia, as
quais são difusoras e até mesmo fortalecedoras de certos discursos.
experiência do passado na sociedade, sua relação com outras experiências históricas e também
culturais.
Os fatores que condicionam a significação histórica do sujeito são também os que ajudam
a forjar a sua consciência histórica. Cerri (2011), ao discutir as diferentes definições desse conceito
acaba por sustentá-la como um atributo inerente a todos os seres humanos e à sua experiência de
estar no mundo, a qual se expressa através da atribuição de sentido ao passado conforme as
necessidades do presente, e também das suas ações. Entender que a consciência histórica do aluno
é moldada por um processo complexo e que está intimamente ligado à cultura histórica de seu
meio social para a construção de pressupostos metodológicos que permitam ao professor propiciar
a formação do pensamento histórico em sala de aula. (FRONZA, 2009)
Esse é o caso de muitas HQs com temática histórica que possuem um viés ficcional bastante
forte, ao qual é comum que os alunos acabem se detendo. Assim, o seu conteúdo deve ser
confrontado com outras fontes históricas, a fim de que haja um grau de plausibilidade científica
na utilização desse gênero em sala de aula. No caso da HQ de Robson Vilalba, os documentos da
Comissão Nacional da Verdade são um exemplo, assim como muitas das fontes utilizadas por ele
para compor as narrativas. Em uma seção da HQ dedicada à comentários do autor sobre a sua
pesquisa e o processo criativo, ele afirma:
Percebe-se, pela sua fala, que o ilustrador se apropriou das fontes de modo à imprimir nos
capítulos um certo toque de dramaticidade e medo que refletisse a atmosfera do período em que
os enredos se passam. Esses elementos, ele notou nos relatos de seus entrevistados e os fez aparecer
no roteiro. Além de entrevistas, reportagens, notícias e outras fontes de informações sobre os
personagens do livro são referenciadas em sua seção de créditos, intitulada “Desvendando o
Notas”, e podem ser acessadas, para que se perceba de que maneira Vilalba ressiginficou as
memórias que embasam as tramas por ele construídas.
Essa confrontação está de acordo com a forma defendida por Fronza, para quem deve se
dar com fontes que estejam relacionadas ao contexto que os quadrinhos representam. Contudo,
apesar dessas limitações, as HQs conservam o seu valor como fonte histórica e ferramenta de
ensino, uma vez que
O autor apresenta uma redefinição das bases do ensino de história a partir do estímulo ao
espírito racional e investigador do aluno. No âmbito da educação histórica, isso implica adentrar
na questão de como o documento se insere na prática de ensino: como ilustração e ou como
problema. No primeiro caso, tem-se uma visão complementar de sua inclusão na prática de ensino,
ou então extraordinária, de inserção paralela e suplementar, como os paradidáticos (KNAUSS,
2001). No segundo caso, vai-se no caminho oposto à visão do documento enquanto espelho fiel
75
do passado, e por consequência à sacralização de determinadas narrativas. Esse método tem por
objetivo retirar o aluno de uma posição passiva em relação ao conhecimento para uma posição
ativa, questionadora.
Notas de um tempo silenciado possui uma temática que tem se mostrado, especialmente,
em voga em virtude dos recentes acontecimentos do cenário político brasileiro, os quais deram
espaço a uma disputa acirrada entre diferentes visões e apropriações do passado. Através do
contexto de sua publicação, o livro revela-se enquanto documento produzido em tempos
conturbados por uma crise de desconfiança em relação ao funcionamento do regime democrático
do país e a emergência de grupos que defendem o autoritarismo como solução para as questões
que afligem a sociedade. A intensão do autor em promover a reflexão acerca das consequências
da opção por esse caminho apresenta-se como um fio condutor interessante para uma abordagem,
em sala de aula, do tempo presente.
Além disso, os capítulos que tratam sobre personagens que participaram da resistência
armada à ditadura, como a história da guerrilheira estudante Sônia e o Osvaldão podem trazer um
76
novo olhar sobre como certos grupos sociais reagiam ao autoritarismo do regime. Algo interessante
sobre esses enredos é a ausência, nas narrativas, de julgamentos acerca das ações e das escolhas
dos personagens, mostradas pelo autor da HQ, principalmente, como meios encontrados por eles
para sobreviver a um período que, para eles, desenrolou-se de forma cruel, obscura. É interessante
que o professor esteja atento à forma como as memórias são construídas ao longo dos quadrinhos,
sabendo valer-se dos recursos utilizados pela linguagem que o caracteriza.
“Notas de um tempo silenciado”. é uma determinada leitura do que se passou com esses
personagens, o que está presente em diversos outros elementos da HQ, como a escolha de planos
de projeção em determinadas cenas, algo feito para dar ênfase a certos elementos. Exemplo disso
está em uma das cenas do capítulo “A domesticação dos selvagens”, em que a figura de um índio
aparece em uma posição de subjugo em frente à silhueta de um homem dividida em duas metades:
em uma delas, ele veste roupas de militar, e em outra, roupas campestres, em provável alusão aos
fazendeiros e proprietários de terra que, ao longo da história, entraram em conflitos como povos
tradicionais.
[...] o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí
detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento
permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo
77
É interessante que em uma aula de história que se pretenda fora dos moldes tradicionais
que se limitam à memorização de eventos, datas e nomes considerados “importantes” e vise uma
abordagem histórica que estimule o pensamento crítico e o espírito investigativo do aluno. Pode
ser valoroso também ao professor enfatizar a dinâmica da relação entre a história e a memória,
apresentando esta última como uma construção cultural livre, e a primeira como uma operação
intelectual guiada por convenções científicas. (MENESES apud. NAPOLITANO, 2015). A
fronteira entre as duas, por outro lado, dificilmente apresenta-se como bem demarcada:
A pesquisa de campo que será apresentada a seguir teve por objetivo perceber de que
maneira os alunos e professor percebem a temática da Ditadura Civil-militar, através de sua
opinião sobre a mesma. Além disso, procurou-se também investigar como as histórias em
quadrinhos e a ideia de sua utilização em sala de aula são vistas por eles. A realização da pesquisa
consistiu na aplicação de questionários aplicados em uma turma de terceiro ano do ensino médio
da Escola Estadual Juscelino Kubistchek, localizada no município de Assú, Rio Grande do Norte.
A escolha desse espaço para a realização desta etapa do trabalho mostrou-se interessante
por ter sido, também, o campo de atuação durante a disciplina de Orientação Teórico-metodológica
e Estágio Supervisionado II16. As atividades da disciplina tinham como o objetivo a observação
do cotidiano da instituição, com a fim de perceber como a cultura escolar é tecida e vivida por
todos os que dela fazem parte, ou seja, alunos, professores e funcionários, coordenadores, diretores
e também familiares. Aqui, contudo, pretende-se pensar questões relacionadas à consciência
histórica do aluno e do professor, mais especificamente no que diz respeito à Ditadura Civil-militar
e a sua visão sobre utilização de quadrinhos no ensino.
Para Cerri e Janz (2018), a consciência histórica, enquanto certa maneira própria de um
sujeito ou grupo social de conferir sentido à experiência do tempo, é o resultado de um processo
de aprendizagem histórica que abrange não apenas a aprendizagem escolar histórica, mas sim
também outros fatores que estão para além da sala de aula. Os dois autores apresentam esse
processo como um dos fundamentos da Didática da História, a qual reconhece que o conhecimento
do aluno não se limita apenas ao que é formalmente ensinado em sala de aula, mas constitui-se de
uma síntese de vários conhecimentos adquiridos para além desse espaço. As narrativas construídas
pelos alunos acerca da Ditadura como resultado desse processo é o que se pretende analisar
mediante a aplicação dos questionários.
Metodologia semelhante é adotada por Ramos Filho (2013) em sua pesquisa ‘Valente
mesmo é quem não briga’: histórias em quadrinhos do cangaço e o ensino de história”, sobre
representações do cangaço nas histórias em quadrinhos. Em parte os caminhos adotados aqui
tiveram como inspiração a pesquisa de campo na escola realizada pelo autor, com o objetivo de
refletir sobre as contribuições das HQs do cangaço no ensino, percebendo quais as representações
construídas pelos alunos de ensino fundamental II e professores sobre o tema, assim como outros
a ele comumente ligados, como o da valentia.
16
Disciplina ministrada no sexto período do curso de Licenciatura em História
79
A realização dessa etapa se deu durante o mês de dezembro de 2018, no turno matutino.
Foi algo previamente planejado com o professor da disciplina de História da E.E.J.K, tendo havido
um encontro para a escolha da data, o horário e da turma em que seria realizada a atividade. Em
virtude do recorte temático do trabalho, a turma escolhida foi a do terceiro ano do ensino médio.
Além disso, devido a uma maior adequação da obra trabalhada nesta pesquisa a um público juvenil
e adulto, também teve grande influência na escolha. Antes da aplicação do questionário, foi feita,
para os estudantes e o professor uma breve explanação sobre o trabalho aqui desenvolvido. Em
seguida, eles tiveram contato com a HQ “Notas de um tempo silenciado”, o qual a maioria afirmou
não conhecer.
Foram estruturados dois tipos de questionário, um com perguntas para os alunos e outra
para o professor. O do primeiro tipo continha um campo destinado à identificação do estudante
(nome, idade, série e turma). Das cinco perguntas, duas são relacionadas à temática da Ditadura:
O que você já ouviu falar sobre a Ditadura Civil Militar? Qual a sua opinião sobre o tema? Em
seguida, há perguntas sobre as HQs e a opinião deles sobre a sua utilização nas aulas de História,
além, claro, de uma última sobre as impressões da obra de Robson Vilalba: Você gosta ou costuma
ler Histórias em quadrinhos? Você acha interessante a ideia de usar HQs nas aulas de História?
Por quê? Qual a impressão que você tem sobre a HQ Notas de um tempo silenciado?
Ao todo, foram obtidas trinta e dois questionários, a contar com o respondido pelo
professor. Para este trabalho, contudo, foram selecionadas algumas amostras que permitem melhor
perceber qualitativamente os elementos que se pretende analisar aqui. A seguir, será feita uma
análise das respostas de alguns alunos, de acordo com as perguntas feitas a eles.
Percebe-se, que as respostas dos estudantes vão por caminhos diferentes. É visível que a
fala de Mateus José Rodrigues apresenta uma inclinação para a memória hegemônica da ditadura,
marcada pela crítica ao regime autoritário. Ele chama a atenção para a censura e a repressão que
caracterizou o período, durante o qual, segundo ele, houve muito derramamento de sangue de
inocentes que se posicionavam contra o governo. Percebe-se, aqui, uma narrativa que apresenta a
Ditadura como um período violento na história brasileira, defendida por setores sociais que se
opuseram a um regime de exceção, sejam eles os liberais ou de esquerda.
Indo por uma direção um tanto diferente, José Luiz da Silva afirma ter sido a Ditadura algo
importante para conter a violência e os vários conflitos do período. Tem-se aqui uma visão
destoante em relação a uma memória crítica, a qual costuma ser defendida por grupos sociais
inclinados ao revisionismo histórico sobre a os tempos do regime comandado pelos militares. Certa
atenção deve ser dada à presença da palavra “ditadura” na resposta do aluno. Bauer (2018) afirma
que uma das características do revisionismo acerca do regime de 1964 não é a sua negação, mas
sim a sua legitimação enquanto algo necessário naquele momento. Ao mesmo tempo, porém, é
perceptível certa tendência à crítica na resposta do aluno ao dizer que os problemas econômicos
do Brasil não foram solucionados com o regime.
Por sua vez, a resposta de Amélia Mendes da Costa deixa transparecer uma forma de
conhecimento sobre Ditadura em que não se percebe uma inclinação necessariamente para a crítica
ou para o revisionismo legitimador, mas sim para o entendimento construído a partir de diferentes
narrativas, sejam elas de teor favorável ao regime e suas ações, ou desfavorável, apresentando-o
como um período marcado pela repressão e pela perseguição. Aqui, é perceptível que a sua visão
sobre o tema é influenciada por discursos divergentes, que podem refletir diferentes vivências e
atribuições de sentido ao passado.
81
A opinião de Igor Medeiros Fernandes, por sua vez, mostra o entendimento de que há
diferentes formas de apropriação e construção de significados sobre a experiência temporal. Sua
resposta dá mais ênfase a uma narrativa destoante da memória crítica do período ditatorial, em que
o mesmo é visto como um período em que a violência era menor e a economia brasileira estava
crescendo. “Os mais antigos”, como diz em sua fala, podem ser entendidos como aqueles que
viveram a Ditadura, o que significa que a compreensão de seu real significado está ligada ao vivido.
Ainda assim, ao discorrer sobre os seus conhecimentos sobre o tema na pergunta anterior, a tortura
e a falta de liberdade ganham ênfase.
Assim, que ele tenha ressaltado em sua resposta à segunda pergunta o conhecimento de
uma visão nostálgica do período, não quer dizer que ele compartilhe dela. Seu comentário parece
ter como intento alcançar certa isenção sobre uma temática cujo caráter polêmico ele mesmo
ressalta. Por último, Flávio Manoel Medeiros parece seguir um caminho semelhante, com a
82
particularidade de afirmar explicitamente que não possui opinião sobre o tema, mas por outro lado
saber que existem visões diferentes acerca.
Quando perguntados sobre o seu gosto pelos quadrinhos e com que frequência costumam
ler esse tipo de material, um total de dezenove alunos responderam de forma afirmativa, frente a
doze que responderam negativamente. Entre os que responderam sim, as respostas variavam:
alguns afirmaram de fato gostar, outros afirmaram gostar, mas que apenas o faziam às vezes ou
com pouca frequência; além disso, um dos alunos afirmou gostar de HQs, mas não possuía muito
acesso a elas. Apesar disso, a escola possui uma biblioteca em cujo acervo há um número
considerável de HQs. Além disso, há também uma “cordelteca”, espaço dedicado à atividades de
leitura e à exposição de produções dos alunos. Nesse espaço, há também alguns livros em
quadrinhos. Durante as atividades de observação da disciplina de Estágio II, constatou-se que
poucos estudantes frequentam esses espaços.
Por outro lado, no que diz respeito da utilização desse tipo de mídia em sala de aula, apenas
dois responderam que de maneira negativa, o que significa que, até mesmo entre os alunos que
disseram considerar uma maneira de tornar as aulas mais atrativas.
- Sim, muito. Pois acredito nessa forma diferente e bem mais atrativa de
aprendizagem, principalmente para os jovens (Tiago Mendonça Júnior,
17 anos).
- Sim, por que com desenhos é mais fácil a compreensão dos conteúdos
estudados (Ana Carolina Oliveira, 17 anos).
- Sim, se torna mais dinâmico (Maria Luiza Gouveia, 17 anos).
Analisando os comentários acima, é possível perceber opiniões que corroboram com o que
Fronza apontou, através de Hobsbawm, ou seja, o fato de que fazem parte de uma cultura juvenil,
o que os torna atrativos enquanto ferramenta metodológica no ensino. Além disso, o dinamismo
dessa linguagem em virtude da combinação entre imagem e texto que a caracteriza, faz com que
ela seja vista pelos alunos como uma forma de facilitar a aprendizagem de determinado conteúdo,
como visto nas respostas de Ana Luiza e Ridsielly.
Contudo, alguns outros possuem uma visão diferente, ou seja, não muito
favorável: - Não, não acho muito prático (Hugo Teles da Costa, 17 anos).
83
Ambos não explicitaram o que significa um método prático e preciso. Ainda assim, pode-
se pensar que o caráter lúdico dos quadrinhos, ao mesmo tempo em que é uma das razões de seu
atrativo, acaba por ser também fonte de uma resistência considerável. De fato, algumas questões
sobre o uso de HQs no ensino precisam ser levantadas, em especial no que diz respeito a produções
de temática histórica. Vergueiro (2004) chama a atenção para o anacronismo e as incongruências
históricas. Muitos desses materiais, voltados a atender fins muito mais comerciais do que
educacionais acabam por colocar em primeiro plano a ludicidade, razão pela qual é necessário um
cuidado especial ao trazê-los para a sala de aula.
Após a análise dos questionários aplicados aos alunos, passemos agora para as perguntas
feitas ao professor José Alberto Lima, 51 anos. Sobre como os alunos veem ou percebem o tema,
ele afirma: “a maioria não tem noção alguma desse período. Eles nasceram depois e seus pais
também não tiveram um contato com a história”. Em seguida, quando se pergunta sobre a
importância do estudo da Ditadura no atual contexto, ele diz: “É de suma importância, pois
precisamos conhecer a história desse período para criarmos uma consciência nas pessoas, e não
corrermos o risco de repetir esse grave erro histórico”.
Percebe-se, mais uma vez, a noção do tempo como experiência (noção do que foi o período,
que, segundo ele, a maioria dos alunos não tem), e como ação (a preocupação em se falar sobre o
tema, algo que pôde ser notado na fala do estudante Jorge Marinheiro, quando diz que a história
tende a repetir-se, e daí a necessidade de discussão da temática). A relação feita pelo professor e
pelo aluno entre o contexto político brasileiro atual e as circunstâncias que levaram aos
acontecimentos de 1964 apresenta-se como uma determinada maneira de atribuição de sentido ao
84
No que se refere ao uso de quadrinhos nas suas aulas, o professor afirma já ter
desenvolvido um trabalho nestes moldes, e considera a ideia interessante. Entretanto, ele não
descreveu em detalhes como essa experiência se deu (qual o assunto trabalhado, a metodologia, os
resultados, etc.). Limitou-se, assim, apenas a defender o uso de HQs no ensino como uma forma
de informar e educar. Fazendo-se isso, admite-se que esse tipo de mídia, bastante presente na
cultura juvenil, acaba por influenciar a leitura de mundo dos alunos, e insere-se em um espaço de
embates que é o campo da História Pública. Isso porque diferentes setores da sociedade,
organizações e veículos de mídia podem integrar isso que Bauer (2018) denomina comunidades
de memórias e práticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Índios, negros, mulheres, grupos que costumam estar à margem da sociedade (ou em notas
de rodapé da história) aqui aparecem em primeiro plano. É plausível dizer que a formação do autor
enquanto sociólogo, a qual o proporcionou uma bagagem que o permite compreender as relações
e jogos de força que operam na sociedade, tenha influenciado a escolha dos temas dos enredos nos
quais a HQ é estruturada. Por outro lado, esse aspecto também o faz entender o alcance e a
importância de seu trabalho, dado o espaço que esse formato de mídia ainda tem entre o público
que faz parte de uma geração que não viveu o contexto histórico retratado nas páginas de “Notas
de um tempo silenciado”.
É preciso considerar que, embora seja um trabalho que se aproxime muito mais da
investigação jornalística do que de uma metodologia própria da ciência histórica, a HQ pode nos
levar, ainda assim, a repensar o conhecimento sobre a Ditadura. Por outro lado, embora não a obra
não tenha sido pensada para ser um recurso didático e pedagógico a ser utilizado pelos professores,
esse aspecto torna válido pensar as possibilidades de aplicação nesse campo. Uma prova disso
encontra-se em nas respostas às perguntas do questionário aplicado em uma turma de terceiro ano
do ensino médio da Escola Estadual Juscelino Kubitscheck. Quando perguntados a respeito suas
impressões sobre a HQ, alguns afirmaram ser ela interessante por trazer histórias que não aparecem
nos livros didáticos.
Apresentar aos alunos novos olhares é ajuda-los a entender que o conhecimento histórico
está em construção permanente, assim como abrir portas para um pensamento questionador acerca
do mesmo. No que diz respeito a uma temática sobre a qual ainda há muitas coisas por serem
aclaradas e que se mostra, hoje, de extrema relevância, isso é fundamental. Entretanto, a HQ do
sociólogo paranaense, por si só, não resolverá essa questão. Ainda assim, tem-se com ela um bom
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caminho a ser trilhado, para uma maneira diferente de se ensinar a história período ditatorial,
através da reflexão de acerca de um passado autoritário, cujo fascínio que ainda exerce em certos
segmentos sociais torna essencial a formação de uma consciência histórica na formação cidadã e
na defesa da democracia, uma missão que advém de nosso lugar social enquanto historiadores, e
que se dá através de uma postura crítica e analítica dentro do debate da História pública, frente às
versões do passado que se constroem nas diversas comunidades de memória sobre a Ditadura
Civil-militar.
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FONTES
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Cartuns de Henfil
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