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Publicado em RABOSSI, F. Como pensamos a Tríplice Fronteira?

In: Lorenzo Macagno, Silvia


Montenegro e Verónica Giménez Belivau (orgs.) A Tríplice Fronteira: espaços nacionais e
dinâmicas locais. Curitiba : Editora UFPR, 2011, p. 39-61.

Como pensamos a Tríplice Fronteira? 1


Fernando Rabossi - IFCS/UFRJ

São vários os lugares do mundo em que três limites internacionais se encontram. O local
preciso do encontro é chamado ponto de trijunção na linguagem dos especialistas em
fronteiras – demarcadores, administradores e pesquisadores (punto trifinio ou punto
tripartito na linguagem técnico-diplomática que se expressa em espanhol). Assim como as
fronteiras, estes pontos também são assinalados com marcos construídos pelo homem e,
nos locais onde os acidentes geográficos o permitem, os próprios lugares transformam-se
em marco de tijunção: o Cerro Zapaleri entre Argentina, Chile e Bolívia ou o Monte
Roraima, entre Venezuela, Guiana e Brasil.2
Os espaços onde tais pontos estão localizados são nomeados de formas diversas.
Região ou área de três fronteiras ou tríplice fronteira são as mais comuns. Em geral, a
utilização destes termos está associada à presença de população; do contrário, esses espaços
só adquirem significado como pontos cartográficos singulares. Em outras palavras, sua
transformação em espaços considerados como regiões depende de sua ocupação. No caso
da América Latina, a presença de população nestes lugares é decorrente da própria
existência dos limites internacionais: é por sua causa que cidades são fundadas, geralmente
dentro de um contexto mais amplo de ocupações e conexões. Ainda que existam
localidades relativamente antigas, a ocupação dos três lados − que está por trás da

1
Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no Painel “La Triple Frontera: Diversidades, flujos y
conflictos en la construcción social de un espacio de fronteras”, organizado por Lorenzo Macagno e Paulo
Hilu da Rocha Pinto, no IX Congreso Argentino de Antropología Social, realizado de 5 a 8 de agosto de 2008,
em Posadas. Alguns dados e ideias foram apresentados em outras ocasiões, especialmente em Rabossi, 2004.
Algumas reflexões incorporadas a esta versão emergiram do diálogo com os colegas que participaram do
Seminário “Investigando desde la ‘Triple Frontera’: Temas y perspectivas”, coordenado por Verónica
Giménez Belivau e Silvia Montenegro, de 4 a 6 de março de 2009, em Buenos Aires. Elementos apresentados
neste artigo foram desenvolvidos em outros trabalhos, especialmente em Rabossi, 2008.
2
O que não significa que o pico destes montes seja “naturalmente” reconhecido como marco de trijunção. O
Cerro Zapaleri, por exemplo, tem dois picos de altura exatamente igual, sendo um deles o ponto de trijunção.
O Monte Roraima é um elevado cujo cume é um platô de 90 km2 no qual se encontra o marco de trijunção.

1
utilização das categorias que designam tais espaços como região – é, em todos os casos,
relativamente recente.3
De todas as tríplices fronteiras da América Latina, aquela abordada nesse livro é a
que tem as maiores cidades e articuladas mais precocemente – começando em finais da
década de 50 com a fundação da última cidade que compôs a ocupação dos três lados,
Puerto Presidente Stroessner (mais tarde, Ciudad del Este). Em várias publicações da
região, é possível observar de que modo pessoas distintas começam a se referir àquele
espaço como algo que pode ser englobado em um conceito. A forma mais comum é tríplice
fronteira (ou triple frontera em espanhol), embora não sejam poucas as menções à “área
das três fronteiras”.
A utilização desta primeira fórmula como substantivo próprio para nomear aquela
tríplice fronteira específica ocorre paulatinamente após o atentado à Asociación de
Mutuales Israelitas Argentinas, em 1994.4 De modo distinto as outras formas de
denominação em minúscula, a categoria Tríplice Fronteira é proposta e imposta por atores
externos à região, estando associada à determinada forma de conceber a área, caracterizada
pela falta de controle do movimento através dos limites internacionais que favoreceu o
desenvolvimento de uma ampla gama de atividades ilícitas. Ao pressupor a existência de
uma área particular caracterizada de determinada maneira, esta forma de denominação
participa da criação desta área, possibilitando a emergência de um lugar (a partir de então,
com um nome próprio que o identifica), ali onde estão em contato mais de três cidades,

3
Os povoados mais antigos localizados em áreas onde os limites internacionais de três países se encontram
são o povoado de São Francisco Xavier de Tabatinga (Brasil), que data de finais do século XVIII; o porto de
San Antonio (Peru), fundado em 1867, renomeado como Leticia, pouco tempo depois, e Paso de Higos,
fundada em 1829, primeira fundação do que mais tarde seria Monte Caseros (Argentina).
4
No Acuerdo de los Ministros del Interior de la República Argentina, de la República del Paraguay y de
Justicia de la República Federativa del Brasil, assinado em Buenos Aires, em março de 1996, é possível
observar a convivência dos substantivos comum e próprio, refletindo um processo de nominação ainda em
construção. Assim, o documento parte do interesse de “acordar medidas comuns, na zona da tríplice fronteira,
que une os países participantes nas Cidades de Puerto Iguazú, Foz de Iguaçu e Ciudad del Este”,
estabelecendo, ao final do documento, uma série de medidas para o controle de veículos e pessoas a ser
aplicada na “Zona da Tríplice Fronteira”. Em janeiro de 1998, com a assinatura do Plan de Seguridad para la
Triple Frontera – o qual estabelece a criação de uma série de comissões e ações específicas a ser
implementadas na área – esse processo de nominação já estava consolidado.

2
inseridas em tramas políticas, culturais, econômicas e demográficas interligadas, mas
diferentes.5
Historicizar e desconstruir a categoria Tríplice Fronteira é o ponto de partida
necessário de uma investigação sobre a área que pretenda basear-se em outros pressupostos
que aqueles estruturantes de tais retratos.6 Para aqueles que comigo compartilham esta
perspectiva, a pergunta que formularia seria a seguinte: com base em que pressupostos
estamos pensando nossas pesquisas? O presente trabalho tem por objetivo refletir sobre
esses pressupostos, a partir de algumas observações e situações registradas durante minha
pesquisa.7
Se tivesse que fazer uma descrição geral da região que constituísse um mínimo
denominador comum presente nos trabalhos acadêmicos e nas matérias da imprensa, diria
que a mesma é uma região interconectada, caracterizada pela diversidade cultural
decorrente da presença de pessoas com origens distintas, articulada transnacionalmente e
movida por uma economia comercial baseada em fluxos de produtos e pessoas, que muitas
vezes se inscrevem fora da legalidade. Algumas dimensões derivadas dessa descrição geral
são as que me interessa analisar a seguir. A primeira delas é a percepção da região como
unidade urbana. A segunda é a passagem do reconhecimento da diversidade de origens de
seus habitantes ao postulado de uma interação harmoniosa entre eles. A terceira, a idéia de
que as imagens sobre os outros são produto das interações com eles. Me interessa explorar
tais dimensões como forma de chamar a atenção para alguns aspectos que, a meu ver,
devem ser levados em conta na hora de se falar sobre aquela região.

Unidades

5
Além de Puerto Iguazú, na Argentina, Foz do Iguaçu, no Brasil e Ciudad del Este, no Paraguai, dentro da
Tríplice Fronteira também estão as cidades de Ciudad Presidente Franco e Hernandarias, em território
paraguaio.
6
Ver Rabossi, 2004. O livro de Silvia Montenegro e Verónica Belibau explora especificamente a forma como
a Tríplice Fronteira foi construída por alguns meios de comunicação, seja em sua versão hegemônica ou na
versão alternativa dos chamados alter-mídia (Montenegro & Bélivau, 2006).
7
Realizei trabalho de campo na região por mais de dez meses, entre 1999 e 2001, ano em que passei mais de
oito meses vivendo em Ciudad del Este, trabalho este que se materializou em minha tese de doutorado. Em
2006 e 2008, voltei por curtos períodos à região para dar continuidade a outras investigações.

3
Alguns autores caracterizaram o espaço no qual se encontram os limites internacionais de
Brasil, Paraguai e Argentina como constituindo uma unidade urbana singular. Reinaldo
Penner fala de “uma única área urbana das Três Fronteiras” (PENNER, 1998, p.5). Carmen
Ferradás fala de um “complexo espaço urbano trinacional” (FERRADÁS, 1998, p. 12) e,
mais adiante, como uma “cidade mundial incomum” (idem, p. 18). A expressão mais clara
desta forma de retratar aquela região aparece em um trabalho de pesquisadores do Instituto
Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), “à revelia das causas
institucionais e/ou econômicas que provocam alterações nas oportunidades e reforçam a
demarcação das fronteiras, o cotidiano das relações estabelece um pacto, ainda que
informal, de cooperação e parcerias, não propriamente entre os três países, mas sim entre as
três fronteiras. Um espaço que não pertence a nenhum país, um espaço do Mundo. Isso
significa a própria negação da fronteira” (KLEINKE ET. AL., 1997, p.160).
Há vários elementos que poderiam ser citados para fundamentar essa caracterização.
Desde o movimento pela Ponte da Amizade, as compras mensais realizadas pelos
habitantes de uma cidade nos supermercados da cidade vizinha, ou a presença de membros
das forças armadas de um país no desfile de independência de seu vizinho. No entanto, tais
relações assentam-se precisamente na existência da fronteira. Assim ocorre com as compras
no supermercado da cidade vizinha: dependem das conjunturas econômicas que fazem com
que, em um determinado momento, os preços no país vizinho sejam vantajosos. Os
membros das forças armadas que participam em desfiles de seus vizinhos são convidados
em cerimônias e não forças de segurança que operam em um espaço contínuo. O
movimento pela Ponte da Amizade – e as atividades que tal movimento supõe – é para mim
o principal motivo por trás dessa caracterização da TF como unidade. Por este motivo, vale
a pena analisá-lo mais detidamente.
Em 2001, ano em que realizei o maior período de trabalho de campo, o movimento
pela ponte era intenso. De acordo com os cálculos da Direção Nacional de Estradas e
Rodagem (DNER)8 – a agência brasileira encarregada de rodovias e pontes – em média,
18.500 veículos e 20.000 pedestres a atravessavam diariamente. O diretor do escritório da

8
Em 2003, a DNER mudou de nome para Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT),
integrando o Ministério dos Transportes do governo federal. Para uma análise do movimento pela ponte de
uma perspectiva comparativa – histórica e geográfica – ver Rabossi, 2004:42-ss. Para uma descrição dos
dados utilizados em tal comparação, ver idem, p. 310.

4
DNER em Foz de Iguaçu me indicava que o movimento registrado na ponte corresponde
àquele de uma ponte urbana e não ao de uma rodovia – o corredor conformado pela
Rodovia Internacional VII (PY) e a BR-227 (BR), que conectam o centro do Paraguai à
costa atlântica brasileira. “O movimento que tem aqui, de fato, é o movimento de uma
ponte urbana, como aquela de Recife. A existência da fronteira é o que torna este lugar
diferente. Já com a Argentina a coisa é diferente. Antes tinha muito movimento também,
mas depois do problema do peso argentino, deixou de ser atrativo para os compristas”.9
É claro que tal movimento não corresponde a 18.500 veículos ou a 20.000 pessoas
diferentes, sendo possível desmembrá-lo a partir de situações distintas. Por um lado, há os
que cruzam uma única vez e não voltam mais naquele dia – minoritariamente –, os que vão
e voltam uma vez ao dia – os que trabalham em Ciudad del Este ou em Foz do Iguaçu e
vivem do outro lado – e, os que passam várias vezes por dia, seja comprando, carregando,
transportando ou conduzindo. O que todo esse movimento revela é uma profunda inter-
relação entre as áreas comerciais conectadas pela ponte: o micro-centro de Ciudad del Este
com sua oferta de produtos importados de diversas partes do mundo e os bairros de Vila
Portes e Jardim Jupira de Foz do Iguaçu com sua oferta de produtos brasileiros
(industrializados – novos e usados – e frutas e verduras). Os compradores presentes em
cada um desses espaços comerciais vêm principalmente do outro lado da fronteira,
existindo toda uma infra-estrutura de transporte e passagens para levar as mercadorias ao
outro lado. Além disso, muitos vendedores – donos e empregados – vivem na cidade
vizinha.10
Em termos de comerciantes, empregados, vendedores, compradores, transportadores
e interesses comerciais, as inter-relações entre ambos os lados são tantas que o limite
internacional pode parecer uma abstração em um espaço urbano contínuo. No entanto, não
podemos nos esquecer que é precisamente pela presença de tal limite que este movimento
acontece. Em outras palavras, é pelo fato de cada cidade pertencer a estados diferentes –
ergo espaços econômicos diferentes – que os comerciantes vendem o tipo de mercadoria

9
A mesma descrição é fornecida no trabalho de Kleinke, Cardoso, Ultramari e Moura, “... a Ponte da Amizade
que, para Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, é como uma avenida de um mesmo espaço urbano” (Kleinke et. al.
1997:151).
10
Muitos libaneses, chineses, brasileiros e hindus que têm seus negócios em Ciudad del Este vivem em Foz
do Iguaçu, bem como o grosso dos empregados, que são brasileiros. Apesar de configurar um número
pequeno quando comparado com o anterior, muitos dos donos das exportadoras de comestíveis em Foz do
Iguaçu são paraguaios e vivem em Ciudad del Este, bem como seus empregados.

5
que vendem, que os compradores vão comprá-la e que milhares de pessoas trabalham
possibilitando as passagens que permitem ao comprador chegar em seu país com o que
comprou.
Ainda que se aceite que o movimento ocorre pela presença do limite, poderíamos
postular a possibilidade de que, para as pessoas, tal limite seja insignificante. Formulando-o
como hipótese: o limite está ali, abre possibilidades de negócios e trabalho (faz uma
diferença), mas do ponto de vista social é irrelevante. Será? Como poderíamos avaliar essa
proposição? Em primeiro lugar, teríamos que analisar se, na tomada de decisões vitais tais
como lugar de residência, casamento ou educação dos filhos, a variável “nacional” é
irrelevante ou, ao menos, secundária. Em segundo lugar, no caso de as decisões serem
tomadas independentemente da variável nacional – que meu companheiro seja de outra
nacionalidade, que minha casa ou a escola de meus filhos estejam do outro lado da ponte –
deveríamos avaliar como as pessoas experimentam essa situação.
Até onde sei, ainda não temos os dados que nos permitam estabelecer com precisão
esta avaliação. No entanto, a partir da experiência de mais de dez meses de trabalho de
campo e de algumas visitas posteriores, não duvidaria em afirmar que a variável nacional
continua sendo fundamental na vida dos habitantes da região. As pessoas tendem a viver no
território nacional em que nasceram e, no caso de viverem do outro lado da ponte, a
experiência é a de um imigrante e não a de um vizinho de um bairro da mesma cidade que
seus conterrâneos do outro lado da fronteira. Com os casamentos ocorre algo similar. É
claro que há mais casamentos cruzados em termos de nacionalidade que em outras áreas.
No entanto, não se trata de algo generalizado. E nos casos de casamentos mistos, a
nacionalidade do cônjuge não é algo irrelevante para familiares, amigos ou vizinhos.
É bem verdade que se trata de um lugar profundamente inter-relacionado. No
entanto, no que diz respeito à dinâmica social e às trajetórias históricas não é a similitude o
que caracteriza seus habitantes, nem a continuidade o que caracteriza suas experiências de
vida. Mesmo ali onde as inter-relações são constitutivas – como é o caso do movimento
comercial operado pela Ponte da Amizade – elas ocorrem a partir de distinções e diferenças
que se inscrevem em terrenos de sociabilidade particulares, algo que veremos em detalhe na
seção seguinte.

6
Ainda que se aceite a importância da fronteira para a existência de certas atividades
que parecem negá-la e admitindo que parte importante da experiência das pessoas ainda
esteja ancorada em distinções nacionais, poderíamos sugerir como hipótese que a trama
urbana é o que confere certa unidade à região. Tendo como base uma imagem de satélite,
ficamos tentados a confirmar essa hipótese.11 Em cada lado do rio há uma mancha urbana
interconectada com a outra por pontes que garantem o fluxo entre elas. No entanto,
conhecendo a região do plano em que a maior parte dos sujeitos a experimentam – no plano
terrestre – a perspectiva e as distâncias são outras. A distância entre Puerto Iguazú e suas
vizinhas fronteiriças é suficientemente grande a ponto de haver uma área não-urbana antes
de se chegar à Ponte Tancredo Neves, que permite atravessar até o Brasil. De fato, o
movimento por esta ponte pouco tem de urbano: não há movimento de pedestres e, em
2001, 5.040 veículos em média a atravessavam diariamente.
A Ponte da Amizade tem outra dinâmica e conecta duas áreas urbanas intensamente
interligadas. No entanto, o lugar que cada área ocupa em sua cidade é bem distinto, revelando
os diferentes processos históricos que operaram na origem de cada uma delas e a orientação que
ainda hoje têm em termos de atividades e de espaços. Em Foz do Iguaçu, a área próxima à
ponte é periférica dentro da cidade, sendo que o centro que concentra a maior quantidade de
serviços − as repartições centrais dos serviços públicos e privados e o centro comercial da
cidade − está localizado a alguns quilômetros dali. Por outro lado, a área de Ciudad del Este
próxima à ponte é o centro da cidade, onde se concentram os serviços privados (a maior

11
A utilização de imagens de satélite é muito comum nos trabalhos sobre a região e nas matérias da imprensa.
A primeira imagem de meu trabalho é precisamente uma dessas (Rabossi, 2004:7). É interessante notar que a
utilização de tal imagem é paralela ao uso da categoria Tríplice Fronteira. Em alguma medida, é a forma de
representação que torna visível a região. É verdade que a disponibilidade desse tipo de imagem é
relativamente recente. Outras possibilidades de representação aérea incluindo os três lados da fronteira
existiam, contudo foram pouco utilizadas. É interessante que quando o foram, não representavam a região.
Por exemplo, no livro que narra a fundação de Puerto Presidente Stroessner, escrito por seu fundador, o então
ministro do interior do Paraguai, Edgar Ynsfran, aparece uma imagem aérea da área que inclui os três lados
da fronteira (YNSFRAN, 1990:189). O título do anexo que tal fotografia inicia é “O que era e o que é Ciudad
del Este”. Abaixo da foto, a legenda diz: “Esta era a conformação florestal antes da fundação da Ciudad del
Este”. As fotos aéreas de tal anexo que mostram Ciudad del Este e Foz do Iguaçu apresentam, em suas
legendas, exclusivamente, o crescimento da primeira. Até onde sei, a utilização de imagens abarcadoras
explicitamente representando “a região” apareceram na década de 90, com as fotografias de satélite. Seria
preciso explorar estas impressões sistematicamente, historicizando as formas de se retratar as cidades e a
região e sua relação com as formas de nominação. Esta problematização das imagens de satélite como
naturalmente retratando a região surgiu nas discussões no seminário realizado em Buenos Aires (ver nota 1),
especialmente em diálogo com Lindomar Coelho Albuquerque.

7
quantidade de entidades bancárias e comércios) e em cujo limite se encontram os principais
órgãos públicos.
Foz do Iguaçu foi fundada como colônia militar, em 1889, e seu centro administrativo e
comercial cresceu ao redor do lugar de sua fundação. As terras próximas à Ponte da Amizade
permaneceram marginais a seu desenvolvimento urbano. Logo após a inauguração da ponte, na
década de 60, tal área começou a urbanizar-se, desenvolvendo-se os bairros de Vila Portes e
Jardim Jupira, orientados ao comércio com o Paraguai. Por sua vez, a fundação de Puerto
Presidente Stroessner, em 1957, esteve vinculada à futura conexão com o Brasil. O primeiro
edifício de importância construído em Puerto Presidente Stroessner reflete a centralidade de tal
conexão no desenvolvimento da cidade: o edifício da Alfândega, ao lado da estrada que leva à
Ponte da Amizade. No entorno desta rodovia, desenvolve-se a área comercial de produtos
importados que se transformaria no grande fator de desenvolvimento da cidade.
As diferenças que estruturam o espaço daquela fronteira são fundamentais para
entendê-lo. Explorar as diferenças e as distinções que operam na estruturação daquele
espaço nos permite, precisamente, concebê-lo de forma mais precisa e sutil. Observemos,
por exemplo, o transporte coletivo urbano que opera entre as cidades. Em 2001, havia
quatro linhas paraguaias, duas brasileiras e duas argentinas que operavam
internacionalmente. As mesmas atuavam por meio de um convênio internacional que
garantia a possibilidade de funcionamento sem restrições nas cidades vizinhas.12 Os ônibus
urbanos internacionais − tal como são conhecidos legalmente − constituem um indício do
grau de inter-relação entre as cidades. Não obstante, é interessante observar atentamente os
percursos que realizavam até 2001. As quatro linhas urbanas internacionais paraguaias
cruzavam Foz do Iguaçu: duas partiam de Ciudad del Este, uma de Ciudad Presidente
Franco e outra de Hernandarias. Havia duas empresas brasileiras que faziam o percurso Foz
− Ciudad del Este, uma empresa argentina que ligava Puerto Iguazú a Ciudad del Este
(atravessando Foz do Iguaçu) e outra, Puerto Iguazú até Foz. Diferentemente de todas as
demais que iam de terminal em terminal de ônibus, esta última era uma linha circular que
começava e terminava seu percurso no terminal de ônibus argentino, adentrando em Foz até

12
Para operar, as mesmas deviam ter um seguro internacional e eram obrigadas a trabalhar com moedas dos
países que atravessavam. O preço era estabelecido com a concordância dos organismos de controle de cada
lado. Quando ocorriam flutuações no valor das moedas de cada país, o reajuste devia ser aprovado por tais
organismos. Por esse motivo, em momentos de desvalorização de alguma moeda, convinha pagar em uma ou
outra até que o reajuste correspondente fosse aprovado.

8
a entrada da Ponte da Amizade e aí empreendendo o retorno. A trajetória das linhas urbanas
internacionais ilumina a centralidade da Ponte da Amizade no movimento das cidades da
fronteira: todas a atravessam, exceto a última mencionada, que passa a seu lado. Em
comparação, a Ponte Tancredo Neves, que une Brasil e Argentina, somente é atravessada
por linhas argentinas e nenhuma das linhas brasileiras ou paraguaias dela se aproxima.
Os ônibus internacionais que circulam entre as cidades dessa tríplice fronteira
constituem um exemplo interessante do tipo de exercício que o material daquela região nos
exige. Se, por um lado, a presença das linhas de ônibus demonstra o grau de inter-relação
existente entre as cidades, nos contentarmos com esta conclusão suporia encerrar a
investigação justamente no ponto em que ela se torna interessante. A análise dos circuitos
que tais linhas recorrem nos mostra a organização diferencial dessas relações, revelando de
que modo, junto a espaços não-conectados, existem espaços de conexão privilegiados. Essa
constatação não faz outra coisa senão impor outra série de perguntas, que vai desde o uso
cotidiano dessas linhas até as experiências dos trabalhadores que nelas trabalham, entre
muitas outras.
Se, até agora, tentei enunciar algumas hipóteses sobre como conceber aquele
espaço, os elementos que fui incorporando para testá-las tiveram como objetivo
complexificar nosso entendimento sobre a região. Pensando em termos mais gerais, a
constatação das inter-relações é o disparador de uma série de perguntas. Que inter-relações
são essas? Articuladas a partir de quais atividades? Que atores participam delas?
Constituem coletivos sociais? Em que circunstâncias? Uma localização fundamental para
responder a estas perguntas é a vida cotidiana naquela região, sobretudo a partir das
experiências daqueles que vivem ou circulam por ali. A essas experiências me dedicarei a
seguir.
Dizer que a experiência que as pessoas têm de uma cidade é heterogênea é uma
obviedade. No entanto, no caso que nos importa aqui, é uma obviedade que deve ser
repetida pelos pressupostos que informam nossa imagem da região. Fluxos intensos e
cruzamentos recorrentes não se traduzem necessariamente em uma experiência ou
conhecimento homogêneo da mesma. Se cada cidade – imaginada como uma totalidade – é
vivida de forma parcial, de acordo com recortes de classe, de gênero, de idade e de origem,
o são ainda mais a experiência e o conhecimento das outras cidades da fronteira.

9
Apesar de muitas pessoas trabalharem nas cidades vizinhas – especialmente
brasileiros em Ciudad del Este – outras jamais cruzaram a fronteira. Uma das coisas que me
chamaram profundamente a atenção durante meu trabalho de campo em Ciudad del Este foi
conhecer pessoas que nunca haviam estado em Puerto Iguazú, e mesmo algumas que jamais
haviam cruzado até Foz do Iguaçu.13
Ter cruzado tampouco significa que se tenha um conhecimento abarcador e
homogêneo da cidade. Muitas vezes, quando os cruzamentos são por trabalho, esse
conhecimento inscreve-se de forma restrita nos espaços em que as atividades são
realizadas. A experiência de muitos dos paraguaios, que trabalhavam nas exportadoras de
produtos brasileiros localizadas no bairro de Vila Portes (Foz do Iguaçu) e que atendiam
clientes paraguaios, restringia-se a esse espaço e seu mundo de interações articulava-se
principalmente em torno de seus compatriotas − algo que também é particularmente visível
na relação estabelecida por muitos brasileiros que trabalham em Ciudad del Este. Em um
deles me concentrarei a seguir.14

Interações

Baixinho era empregado em um comércio de eletrônicos de Ciudad del Este, cujo dono era
libanês. Em 2001, no negócio trabalhavam o dono – que costumava estar presente a maior
parte do tempo – e quatro empregados: três deles brasileiros e o restante de origem
libanesa, recém-chegado à região. Baixinho vivia em Foz do Iguaçu. Todas as manhãs, de
segunda a sábado, chegava na entrada da ponte de ônibus, a atravessava a pé e ia
caminhando até a loja, na qual trabalhava até as quatro ou cinco da tarde – dependendo do
movimento do dia – quando então voltava à Foz do Iguaçu. Baixinho era o empregado mais

13
Para dar alguns exemplos: Alberto, 21 anos, trabalhava em um hotel no centro da cidade. Tinha uma
experiência cosmopolita, em algum sentido, interagindo com os estrangeiros que passavam pelo hotel,
interação que não se limitava a meramente atender os clientes, mas com eles compartilhar horas e horas em
frente à televisão do hall de entrada. No entanto, ele nunca havia estado na Argentina. Carla tinha 17 anos.
Nasceu em Ciudad del Este e era a mais nova de dez irmãos. Trabalhava em um bar. Nunca havia estado na
Argentina e somente por duas vezes estivera em Foz do Iguaçu, no bairro vizinho à ponte. Letícia, a mulher
de Antônio – um mesitero (camelô) que trabalhava há 12 anos no centro de Ciudad del Este – não conhecia
nem a Argentina, nem o Brasil. Havia chegado em Ciudad del Este há 22 anos e tinha três filhas, a mais velha
com 21 anos. Nenhuma delas tampouco conhecia os países vizinhos. Seria interessante fazer um estudo
específico sobre localização e circulação na região.
14
Os nomes utilizados no texto são fictícios.

10
antigo e mantinha uma boa relação com os mesiteros – os vendedores de rua paraguaios –
que se localizavam na entrada da loja em que trabalhava.
Há mais de oito anos trabalhava como vendedor nos comércios de Ciudad del Este.
Nos primeiros anos, ganhou muito dinheiro e, assim como ganhava, gastava. Além das
saídas em Foz do Iguaçu, gastava com as viagens que fazia a Florianópolis: praia, bebida e
mulheres. Ficou noivo de uma moça de Foz do Iguaçu e, após economizar por cinco anos,
conseguiu comprar uma casa nessa cidade e se casou.
Um sábado à tarde, já escurecendo e apesar da loja em que trabalhava estar fechada,
Baixinho ainda estava por ali. Com uma lata de cerveja Skol na mão, esperava por um
grupo de brasileiros que pesquisava preços junto aos mesiteros. Neste dia, comemorava seu
primeiro aniversário de casado e ainda não sabia o que fazer. Não tinha carro, algo que a
seu ver dificultava qualquer saída. Pensando na logística do assunto, lhe perguntei se tinha
filhos. Uma menina de sete meses, me respondeu. César, o mesitero que tinha sua banca de
CD’s em frente à loja em que Baixinho trabalhava, ao escutar a resposta, interveio:

- Ela pode namorar com meu filho, é gostosão como eu. Podemos fazer
brasiguaios.
- (Baixinho) Mas você não sabe o linda que é a minha filha. Mas não é
por ser minha filha que eu falo...
- (César) O problema é que meu filho tiene seis años
- (Eu) Mas isso aí não é problema, César. Quando ele tiver 26 anos, a
filha dele vai ter 20, aí já dá.
- (César) É certo.15

Os outros brasileiros se juntaram e começaram a ir embora. Baixinho, sem cumprimentar,


também. César era uma das pessoas com quem Baixinho mais interagia. No entanto, como
ele próprio me confirmaria, César não sabia que ele tinha uma filha. É claro que, depois de
sabê-lo, a “futura relação” entre seus filhos passou a ser um dos motivos de piadas entre
eles.
O que me interessa destacar com essa história é o tipo de relação que ela permite
entrever. E ter escolhido de Baixinho não foi por acaso. Há mais de dois anos trabalhava
naquela loja e, de todos os que ali trabalhavam, ele era quem mais tempo passava fora do

15
O uso do português por parte dos trabalhadores de rua paraguaios – muitos dos quais têm por língua
materna o guarani –.é bastante apurado, ainda que muitas vezes utilizem palavras em espanhol ou partes das
frases sejam completadas nesta língua.

11
local e que maior relação mantinha com os mesiteros e os outros paraguaios que
trabalhavam na rua: se cumprimentavam, comentavam algumas notícias, falavam de como
iam os negócios. Compartilhava algo mais que o espaço. Mas o que mais, além disso? Em
todos os meses em que estive por ali, só por duas vezes o vi jogar damas com os mesiteros,
nunca cartas; jogos estes que eram cotidianos entre os paraguaios. Não conhecia a casa de
nenhum dos colegas paraguaios nem eles a sua. Sabia como se compunha a família de dois
ou três camelôs, do resto tinha somente alguma referência ou menos do que isso. Mantinha
uma relação de cotidianidade, marcada por certa cordialidade. No entanto, não havia
intimidade. Às vezes, ao final do trabalho, tomava cerveja brasileira ou caipirinha de
mesma origem, daquelas que se compram prontas. Às vezes, bebia junto aos paraguaios,
mas não com eles. Os trabalhadores paraguaios tomavam cerveja em garrafa – geralmente
paraguaia – e o faziam de uma forma singular: compartilhavam o mesmo copo, que
circulava entre os que estivessem bebendo juntos. Baixinho não bebia com eles.16
O tempo de descontração equivalente ao tempo depois do trabalho dos mesiteros –
especialmente sextas e sábados – Baixinho passava em um pequeno mercado em Vila
Portes, o bairro localizado em Foz do Iguaçu, na saída da ponte, onde muitas vezes se
encontrava com um amigo brasileiro – também empregado no comércio em Ciudad del
Este – como quem tomava cerveja enquanto jogavam individualmente nos caça-níqueis do
bar. Nas sextas e sábados, as ruas do centro de Ciudad del Este se transformavam em um
espaço de descontração: os aparelhos de som continuavam a tocar, as pessoas bebiam,
conversavam ou jogavam. Na medida que os empregados e compradores brasileiros
voltavam para Foz, as ruas de Ciudad del Este tinham uma freqüência que contrastava com
a diversidade observada durante o dia: em geral, eram homens, adultos e paraguaios os que
ali estavam.
Um dia, perguntei a Baixinho por que os brasileiros que trabalhavam em Ciudad del
Este não ficavam por ali para tomar algo. Ele me respondeu: “É difícil que um brasileiro
fique bebendo aqui. Se bebe muito... Lá [em Foz do Iguaçu] também, mas... Aqui você
nunca sabe se vai dar briga ou não. Lá é mais tranquilo.” Em outro trabalho, explorei a
socialização mediada pela bebida e pelos jogos nas ruas do centro de Ciudad del Este e o

16
Para uma análise das formas de se beber entre os mesiteros paraguaios, ver Rabossi, 2004:167ss.

12
lugar ocupado pelas brigas.17 O que me interessa destacar aqui é a diferenciação que ocorre
nas práticas de pessoas que interagem cotidianamente. Diferenciação esta que mostra o
grau de compromisso que tais relações supõem; algo que apareceu de forma taxativa após
os conflitos de setembro de 2001, como veremos a seguir.
Em setembro de 2001, as obras na Ponte da Amizade que reduziram seu movimento
durante os quatro meses seguintes detonaram uma violenta manifestação em ambos os
lados da fronteira. Primeiro, do lado paraguaio, solicitando a postergação das obras e
melhores condições para o comércio da região. Em seguida, do lado brasileiro, pedindo a
interrupção da expulsão dos empregados brasileiros sem documentos − uma das medidas
implementadas pelo governo paraguaio depois do protesto ocorrido daquele lado da
fronteira visando aumentar o emprego e pressionar o governo brasileiro a diminuir os
controles fronteiriços. Como forma de sair do impasse instaurado pelo protesto brasileiro, o
governo paraguaio comprometeu-se a suspender as expulsões sumárias dos brasileiros sem
documentos e concedeu um período de um mês para que os trabalhadores regularizassem
sua situação.18
Em outubro, um homem, agenda na mão, chegou na loja em que trabalhava
Baixinho, que começou a falar com ele, chamou o dono e juntos ficaram vendo papéis que
17
Como tentei mostrar, elas estão inscritas em formas de sociabilidade marcadamente masculinas que
caracterizam as interações nos espaços públicos de Ciudad del Este (Rabossi, 2004:175ss). Formas que, longe
de se conformarem ao que poderia ser interpretado como uma realidade violenta de Ciudad del Este e
tranqüila em Foz de Iguaçu, está ancorada em diferentes formas de violência, de resolução de conflitos e de
sociabilidade. Se em Ciudad del Este, a possibilidade da violência interpessoal é o resultado de certas formas
de compartilhar coletivamente, são essas mesmas formas que estabelecem uma presença no espaço público
que inibe outro tipo de violência mais impessoal, como os assaltos violentos, por exemplo. É precisamente
nesta dimensão comparativa que se inscrevem os discursos sobre a “tranqüilidade” de Ciudad del Este,
discursos estes compartilhados não somente pelos trabalhadores paraguaios do centro de Ciudad del Este, mas
também por muitos brasileiros, especialmente dos setores mais populares, entre os quais há uma distinção
mais sutil entre distintas violências. Uma, entendida como problema social − impessoal e imprevisível – e a
outra, como parte do funcionamento social normal − pessoal (não-anônima) e sujeita a determinadas regras
que definem espaços e tempos para que ocorra.
18
O protesto canalizou anos de retração comercial, produto de uma série de fatores − entrada em vigência do
MERCOSUL, redução de tarifas de importação no Brasil, desvalorização do Real − ainda que um deles fosse
cotidianamente observado por todos aqueles envolvidos no comércio de fronteira: o endurecimento dos
controles exercidos pela Receita Federal brasileira. O pedido de postergação das obras feito por todas as
organizações e sindicatos paraguaios, unidos em uma coordenação que aglutinou o descontentamento,
transformou-se em um protesto generalizado contra a política econômica do governo paraguaio e a política de
fiscalização do governo brasileiro. A polícia paraguaia conseguiu recuperar a ponte após violentas
confrontações com os manifestantes, mas a medida foi suspensa após um acordo com os ministros, que
contemplava, entre outras coisas, a expulsão dos trabalhadores brasileiros sem documentos. Esse foi o
detonador do protesto do lado brasileiro, que durou vários dias, incluindo também violentas confrontações
com a Polícia Federal brasileira.

13
Baixinho lhe tinha entregue. O chefe o olhava com desconfiança, escutava o que dizia e, em
seguida, deixou-os para ir atender uns clientes. Baixinho entrou na loja e, pouco tempo
depois, voltou para lhe entregar 60 mil guaranis − equivalentes, na época, a pouco menos
de U$15. Baixinho estava regularizando sua situação em Ciudad del Este e aquele era seu
gestor. Como o restante dos brasileiros que trabalhavam sem documentos, tinha que
declarar seu domicílio na cidade, empregador e documentos em dia.
A sensação que Baixinho me passava nesses dias, quando eu falava com ele, era a
de uma grande solidão. Estava cuidando de seus papéis e como ele próprio dizia: “Eu tenho
a sorte de ter quase tudo em dia”. Mas os outros brasileiros que não tinham a mesma sorte
já não estavam ali para compartilhar o momento.19 Os colegas paraguaios com os quais
interagia cotidianamente, tampouco. Muitos tinham participado da manifestação que tivera
como resultado a fiscalização dos comércios do centro e, por mais sentidos que pudessem
estar pela dispensa de algum empregado em particular, essa era uma medida que
consideravam justa. Com as dificuldades econômicas que todos estavam enfrentando,
consideradas em grande parte responsabilidade do governo brasileiro diante das medidas
cada vez mais restritivas ao comércio de fronteira, não era justo que os postos de trabalho
no comércio da cidade fossem para os paraguaios?
Nesses dias, as relações entre brasileiros e paraguaios pareciam congeladas.
Baixinho chegava e olhava para o interior da galeria que ficava ao lado da loja em que
trabalhava. Os colegas brasileiros de outras lojas eram cada vez menos numerosos. Nesse
momento, a briga de Baixinho era uma briga individual. No entanto, para ele, a causa não o
era. Tal como me diria repetidas vezes, “É a política, cara, é a política”.
Foram despedidos muitos brasileiros, contratados menos paraguaios e, após alguns
meses, quando a fiscalização mais intensa passou, os comerciantes começaram a contratar
novamente empregados brasileiros para atender ao fluxo de compradores brasileiros que
chegaria antes das festas de final de ano.
Se as disputas entre brasileiros e paraguaios somente explodiram de forma relativa e
contida durante os conflitos, contrariamente ao que se podia esperar durante esses dias de
dispensas e contratações, não houve conflitos entre eles. O período instaurado para

19
Como veremos, essa “sorte” dependia, basicamente, do interesse do patrão em querer manter o empregado
em seu negócio.

14
regularizar a situação dos empregados brasileiros transformou uma situação que começou
sendo coletiva em uma questão individual: cada um devia conseguir seus papéis e tentar
ordenar sua situação. A importância da nacionalidade na estruturação do conflito perdeu
peso não somente pela individualização das soluções, mas também porque a decisão de
manter ou despedir um empregado irregular estava nas mãos daqueles que os haviam
contratado, muitos dos quais não eram nem paraguaios nem brasileiros, mas libaneses,
chineses ou coreanos, entre outros. Assim, o conflito desmembrou-se em diferentes linhas.
Marwan, o libanês dono da loja em que Baixinho trabalhava, decidiu apoiá-lo para
que continuasse ali. Marwan o contrataria formalmente como empregado, e Baixinho tinha
de conseguir um domicílio na cidade. Seus companheiros brasileiros não tiveram a mesma
sorte e perderam o trabalho. A relação de Baixinho e Marwan era meramente de trabalho.
Ele era um vendedor com experiência, valorizado por seu patrão. Apesar do tempo que
trabalhava para ele, Baixinho pouco sabia sobre sua vida, a interação entre eles centrando-
se exclusivamente no trabalho.20 Baixinho queixava-se, sobretudo, do trato dispensado por
seu patrão. Certa vez, o encontrei com a cara amarrada na frente da loja. “Meu chefe me
pediu para ajudá-lo a carregar umas caixas. Tive que ir até ali em cima, quase chegando a
Oásis... Você acha que o cara me agradeceu? Não disse nada. Eu disse a ele: “Nunca mais
me peça esse favor”.
A raiva de Baixinho transformou-se em uma queixa generalizada. Pouco depois,
começou a contar sua briga com um libanês quando trabalhava em outra loja. Estava na rua
carregando um televisor, a caixa estava suja; um libanês – tal como o descrevera Baixinho
– passou e sujou a calça com a caixa. O homem se aborreceu e o insultou. Ele não deu
importância. Esperando o ônibus na volta para casa, o homem apareceu na parada. Quando
Baixinho passou pela catraca, o libanês, que ainda não havia passado, lhe deu um tremendo
empurrão para dentro do ônibus.

Nessa época, usava coturnos, camiseta até aqui (passando o joelho)... era a
moda. Me pendurei nas barras e pá! Uma patada na cara, e o seu nariz era
todo sangue. O outro era bem grande, mas estava do outro lado da roleta, e
seguraram ele. “Eu vou te matar Baixinho!” “Vem, vem...” Seguiu me

20
Marwan era originário do sul do Líbano e vivia com sua família em Ciudad del Este. Em geral pessoa de
poucas palavras, nunca consegui estabelecer um diálogo com ele. Baixinho comentou comigo que ele tinha
uma grande desconfiança em relação a mim: essa história de estar fazendo uma pesquisa para uma
universidade brasileira não o convencia.

15
xingando, até que falei: “Para com isso, cara! Vou te denunciar na Polícia
Federal para ver se você tem documentos”. O cara ficou quieto. No dia
seguinte, apareceu na loja, tinha o nariz quebrado. Ele veio se queixar com
meu patrão que também era árabe, queria bater em mim. Aí, todos os
companheiros, que eram brasileiros, pararam na minha frente. Riam na
cara dele. Riam, e eu também.

Carlos, um mesitero paraguaio que tinha se inserido na conversa, concluiu: “Árabe é


muito prepotente. Agora, inclusive, estão muito mais tranqüilos”. Passado um mês do 11 de
setembro de 2001, este “agora” tinha um referencial bem específico.
A história contada por Baixinho é interessante pelo contexto no qual foi narrada.
Uma história na qual o fato de quebrar o nariz do outro estava em sintonia com a raiva que
sentia. Em certa medida, era uma forma de resolver discursivamente a falta de trato que
ressentia na relação com seu chefe. Mas, para além disso − e independentemente de a
história ter ou não existido, de fato, ou de ele ter agido da forma como narrou − o que
importa é o tipo de relações que ela apresenta e os imaginários colocados em jogo. A
imagem singular de Baixinho era construída em referência a um quadro mais amplo no qual
os caracteres se subsumiam, quadro este compartilhado por muitos dos brasileiros e
paraguaios que trabalhavam no centro de Ciudad del Este: libaneses prepotentes e
agressivos cuja posição como donos de lojas e casas importadoras os revestia de poder
efetivo nas relações. Poder que era contrabalançado – nas situações sociais que assim o
permitiam – com mais agressividade ou com a manipulação da possível irregularidade legal
na qual se encontravam os árabes. No entanto, junto aos comerciantes de outras origens,
eram eles que podiam garantir a permanência no trabalho ou ter de haver-se com a
dificuldade em consegui-lo. Os conflitos e as tolerâncias eram pautados por essas posições.
Em 2001, todas as lojas de artigos eletrônicos nessa quadra pertenciam a libaneses.
A forma como eram retratados por seus empregados brasileiros ou pelos mesiteros
paraguaios era similar: considerados um conjunto com características similares. Claro que
cada um individualmente não somente era distinto como mantinha distintas relações com
todos eles. O que mais interagia com os empregados e com os trabalhadores de rua era
Rida. Falava bem espanhol e português, algo que lhe permitia uma interação fácil − o que
fazia utilizando a linguagem das brincadeiras e das zombarias que, muitas vezes, primava
nas ruas, agressiva e provocadora. Ele sabia o que se passava com as pessoas que estavam

16
por perto, brincava com isso ou fazia um comentário mais sério se fosse o caso. Quando
havia algum jogo no horário de trabalho ou imediatamente depois, era ele quem emprestava
a televisão para colocá-la em cima de alguma mesinha ou caixa dos mesiteros. Apesar das
claras diferenças entre Marwan e Rida aos olhos de todos, quando se falava dos “árabes” da
quadra, nem as características deste último nem a dos demais que não se encaixavam no
retrato conseguiam desarmá-lo.21
Baixinho, Cesar, Marwan, Carlos e Rida são somente alguns personagens que
ganhavam suas vidas em Ciudad del Este. Escolhi apresentar algumas interações e
situações centradas em Baixinho como forma de abrir uma janela para o tipo de relações e
conflitos ali vivenciados, que considero fundamental começar a registrar de forma
sistemática para entender aquela região.
A primeira questão que poderíamos colocar é que todas elas são interações que
ocorrem no espaço do mercado, espaço privilegiado das relações impessoais ou
interessadas, tal como retratado por vários autores clássicos como Tönnies, Simmel,
Durkheim ou Weber. É verdade. No entanto, apesar desta característica atravessar todas
essas relações, elas não deixam de estar inscritas em matrizes sociais e quadros culturais
nos quais se realizam e significam e nos quais relações personalizadas e desinteressadas
também são a regra. Mas antes disso, e é o que me interessa destacar aqui, me atreveria a
dizer que a imagem da diversidade, dos cruzamentos e das interações que temos da Tríplice
Fronteira deriva do espaço do mercado. É ali que árabes, paraguaios, chineses, brasileiros,
coreanos, hindus e turistas de todas as partes do mundo se encontram e interagem. É ali que
a imagem que contrastamos com a dos meios de comunicação é forjada; por isso é
fundamental analisá-la detalhadamente.
Apesar de que para muitos dos que ali participam as relações com pessoas de outras
origens limitem-se a esse espaço, para outros elas continuam em outros lugares ou
atividades que é fundamental analisar. A vida cotidiana em alguns bairros é um desses
lugares. As atividades religiosas é outro, tal como vem sendo demonstrado nos trabalhos de
vários pesquisadores. Me interessa destacar, contudo, dois lugares estratégicos nos quais
analisar as dinâmicas de interação da região: a noite e a educação. Os circuitos de diversão

21
Em Rabossi (2008), realizei uma análise deste caso à luz do jogo de representações e estereótipos a partir
do comércio de fronteira, especialmente centrado nos árabes da região.

17
noturna – lugares para se dançar, bares e restaurantes – são locais especialmente relevantes
para se observar as interações entre pessoas de diversas origens, onde limites são traçados e
outros apagados. A educação, especialmente locais de educação não-formal – cursos de
idiomas e de computação – e de formação universitária são espaços nos quais pessoas de
diferentes origens convivem e nos quais relações e distinções são produzidas e
reproduzidas. Se destaco estes dois lugares – a noite e a educação – é pela percepção que
tive dos mesmos durante meu trabalho de campo como espaços sociais que se inserem em
outra lógica que aquela que rege o dia a dia do mercado, e porque são espaços nos quais
quem se encontra são principalmente os jovens. Precisamente, aqueles cuja experiência
social está sendo modelada naquela região e que estão modelando formas possíveis de
serem assumidas pela mesma no futuro.

Imagens
Na seção anterior, privilegiei algumas interações como forma de assinalar certos elementos
que nos ajudam a repensar a imagem que temos daquela região. Interações que, muitas
vezes, estão guiadas por imagens sobre os outros – como a de Baixinho sobre os libaneses –
as quais são construídas a partir de estereótipos sobre como são eles, bem como na própria
dinâmica das interações. É claro que a experiência dos “outros” não necessariamente deriva
da relação com os outros do outro lado ou com aqueles com quem interagem
cotidianamente. Dois exemplos situados em Ciudad del Este são bastante interessantes para
pensar este deslocamento referencial na formação de imagens sobre os outros.
O primeiro deles está vinculado ao Brasil. Jorgito, de cinco anos, o caçula de
Ramona e Gregorio – o mesitero que me convidou para viver com sua família durante meu
trabalho de campo − às vezes me convidava para ver televisão com ele. Um de seus
programas favoritos era Chaves e quando o assistia, ria especialmente dos problemas de
Seu Madruga, o pai de Chiquinha. Na primeira vez em que ouvi Jorgito chamando o Chavo
del Ocho, Don Ramón e a Chilindrina pelos nomes que são usados na versão brasileira da
série mexicana, fiquei muito surpreso. Jorgito tinha o guarani como primeira língua, mas
apesar das dificuldades, sabia se expressar em espanhol. O fato de que usasse os nomes em
português de personagens cujos nomes originais eram em espanhol nunca deixou de me

18
chamar a atenção. E eis que o que se via em sua casa eram os canais de televisão
brasileiros.
Em toda fronteira, uma das marcas do poder relativo que cada país tem, pode ser
medida pelo alcance das transmissões de rádio e televisão. É claro que, em tempos de TV a
cabo e via satélite, essa marca não é tão exclusiva. No entanto, para aqueles que não têm
acesso a essas possibilidades, ela se mantém. Esse era o caso na casa de Gregorio.
Naquela ocasião, fazia pouco mais de dois anos que eu vivia no Brasil, e não estava
muito familiarizado com a televisão, nem com algumas realidades brasileiras. Porém, meus
próprios anfitriões paraguaios me iniciaram nesse universo através, precisamente, dos
programas de televisão brasileira que, na época, faziam grande sucesso, também, no outro
lado da fronteira: a primeira edição da Casa dos Artistas, Ratinho, os programas de fofoca
sobre os famosos, as novelas e, claro, O Jornal Nacional, o noticiário da Rede Globo.
Vendo televisão com eles, uma das coisas que começou a revelar-se de forma clara
foi que tanto o conhecimento do português como do Brasil em geral – de seu dia a dia
retratado na televisão, que também incluía os conflitos na fronteira – passava por algo mais
que as interações cotidianas com os milhares de sacoleiros – os revendedores brasileiros
que se abasteciam de mercadorias em Ciudad del Este – e com os empregados e laranjas –
os que passam as mercadorias para os sacoleiros – que estavam nas ruas e nas lojas da
cidade. Transcendia, inclusive, as relações que mantinham com Foz do Iguaçu.
Algo similar ocorria com a música. Os vendedores de CD’s copiados vendiam muita
música brasileira, desde axé, forró, melódicos, funk carioca, rap paulista, brega, sertanejo e
música gaúcha até os evangélicos de todos os ritmos e os hits infantis. De modo distinto a
muitos compradores brasileiros de mesma posição social, o conhecimento dos vendedores
paraguaios era, em muitos casos, mais abarcador. Em algum sentido, se a música brasileira
se expressava em todos esses ritmos, seu conhecimento abrangia uma totalidade mais
compreensiva.
O segundo exemplo de Ciudad del Este está vinculado à Argentina. Quase todas as
pessoas que conheci nesta cidade durante meu trabalho de campo tinham um parente ou um
amigo próximo que vivia ou tinha vivido na Argentina, se não eram eles próprios que lá
haviam estado como imigrantes. Por outro lado, nos dez meses de trabalho de campo, só

19
conheci dois paraguaios que tinham vivido no Brasil fora de Foz do Iguaçu, cidade na qual
residiam muitos paraguaios.
Sabendo da minha origem, as referências que me davam para contarem suas vidas
na Argentina eram espaciais: bairros, ruas, linhas de ônibus que pegavam. E eis que a
Argentina era mais que uma imagem: havia sido uma experiência para muitos deles. Uma
experiência que, antes de estar localizada na fronteira, ancorava-se principalmente em
Buenos Aires ou em sua periferia. A imigração paraguaia na Argentina é muito importante.
O censo de 2001 registrou 325.046 paraguaios/as vivendo no país, constituindo o maior
grupo de imigrantes residente na Argentina. Destes, 70,6% concentravam-se na área
metropolitana que inclui a cidade de Buenos Aires e o denominado conurbano bonaerense
(SANTILLO, 1999). Para aqueles que não viajavam cotidianamente a Puerto Iguazú – a
maioria – a imagem que tinham dessa cidade era projetada a partir dessa experiência
migratória.
Durante meu trabalho de campo, o lugar ocupado por Ciudad del Este para aqueles
que voltavam da Argentina era diferente daquele que havia tido para aqueles que
começaram a chegar na década de 70 com a construção de Itaipu e a consolidação do
mercado de artigos importados. Em geral, a maior parte chegava porque suas famílias já
estavam instaladas na região. Essa transformação de um lugar “para onde ir” em um lugar
“para onde voltar” assinala a consolidação de uma população local para a qual Ciudad del
Este deixou de ser exclusivamente um espaço de oportunidades – trabalho e dinheiro –
passando a ser um espaço de responsabilidades com a família e a casa.22
O impacto que este movimento tinha no dia a dia de Ciudad del Este sempre me
chamou profundamente a atenção. Apesar dos milhares de brasileiros que estavam
diariamente na cidade e da importância da televisão brasileira, a Argentina estava presente
de uma forma muito mais imbricada na vida das pessoas.
Observadas de Ciudad del Este, as relações que seus habitantes têm com o Brasil e a
Argentina transcendem as interações locais do contexto fronteiriço. Claro que elas são
fundamentais, mas o que me interessa chamar a atenção é uma questão de ordem mais

22
As trajetórias migratórias dessas diferentes gerações mostram igualmente as transformações ocorridas na
Argentina e nas formas de inserção dos grupos imigrantes. As pessoas com mais de 40 anos que viveram na
Argentina, em sua maioria, trabalharam como operários industriais ou na construção. Os mais jovens que lá
tinham vivido e que trabalharam durante a década de 90, o haviam feito no comércio ou em serviços.

20
geral. Se a diversidade que compõe a Tríplice Fronteira assenta-se nos diferentes grupos ali
presentes, as relações entre eles são mais complexas que o quadro que imaginamos. Para
entender as relações dos habitantes paraguaios da fronteira com seus vizinhos, devemos
incorporar todas estas dimensões, assim como muitas outras: seus lugares de origem −
majoritariamente do interior do Paraguai, imigrantes rurais em uma cidade em formação − a
presença de brasileiros no Paraguai − os chamados brasiguayos − a relação com mercados
simbólicos em espanhol, especialmente o musical (argentino, mexicano, colombiano, entre
outros).
Mas esta complexidade não é uma característica dos paraguaios de Ciudad del Este,
e sim constituinte da diversidade que caracteriza a região. A importância do Centro de
Tradições Gaúcha em Foz do Iguaçu é tão somente um desses elementos na hora de pensar
Foz do Iguaçu. E o mesmo exercício torna-se necessário ao pensar nos grupos imigrantes
de fora da região, inclusive de forma mais urgente pela facilidade com que são
objetificados − com que os objetificamos − em categorias genéricas como chineses, árabes
ou coreanos. As regiões de procedência, suas experiências rurais ou urbanas, suas
trajetórias migratórias e os imaginários sobre o lugar de chegada − seja o genérico América
do Sul, os países ou as próprias cidades em que vivem − são elementos básicos para
compreender aquilo que se coloca em jogo na fábrica social e cultural da região.
Apesar de a descrição em categorias étnico-nacionais ser necessária na hora de se
apresentar um quadro da região, elas não podem ser a matriz a partir da qual pensá-la
culturalmente. Tais categorias nos fornecem alguns dos elementos necessários para encarar
esse trabalho, mas devemos incorporar outras distinções e dinâmicas na hora de pensar
seriamente sobre a mesma. As formas de apropriação dos meios de comunicação ou as
experiências particulares de cada grupo que tentei apresentar nessa seção, são alguns dos
elementos que nos ajudarão nessa tarefa.

Conclusões

Como para muitos dos que trabalham na e sobre a região de confluência dos limites
internacionais de Argentina, Brasil e Paraguai, uma das primeiras questões que se colocou
em meu trabalho foi tentar pensá-la fora dos retratos produzidos por certas agências

21
governamentais e meios de comunicação. Esforço igualmente compartilhado por diversos
atores locais. As respostas que muitas vezes construímos produzem outras imagens,
ancoradas em visões particulares daquela região. Algumas delas enfatizam sua unidade,
outras sua harmonia, outras sua auto-referencialidade. O exercício que tentei realizar ao
longo deste artigo foi o de levantar uma série de elementos que colocam em questão tais
imagens. Meu interesse não é descartá-las, e sim chamar a atenção para elementos que
devem ser considerados e analisados mais profundamente na hora de se produzir nossos
retratos dessa região.
Cada uma das seções deste artigo poderia ser um artigo em si mesmo. Muitos dos
elementos levantados poderiam ter sido tratados a partir da bibliografia específica e das
discussões teóricas que estão por trás da forma de abordar cada tema. Nominação e
representação, urbanização e regionalização, interações e produção de estereótipos,
objetificação e grupos sociais, diversidade cultural e organização social das diferenças são
alguns desses temas. No entanto, preferi apresentar uma série de questões que foram
surgindo em distintos momentos de meu trabalho. Por isso, resolvi adotar aqui um tom
explicitamente ensaístico e etnograficamente ancorado. Se ajudar a visualizar aquela região
de forma mais sutil e informada, então terá servido para alguma coisa. Se, para além disso,
ajudar a formular novas perguntas e caminhos de investigação, terá valido a pena.

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