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PROPOSTA DE ESTUDO DIRIGIDO -

COM BASE NO ARTIGO:


“ESPAÇO E NAÇÃO NA
PROPAGANDA POLÍTICA DO
MILAGRE ECONÔMICO”
De Luis Fernando Cerri

POR PRÁXIS REVOLUCIONÁRIA


ESPAÇO E NAÇÃO NA PROPAGANDA POLÍTICA
*
DO "MILAGRE ECONÔMICO"

**
Luis Fernando Cerri

Alargando o campo da pesquisa no ensino da história

Muito de uma sociedade pode ser dito pela forma pela qual ela
representa o tempo e transmite essa representação às gerações seguintes.
Por isso, a pesquisa sobre o ensino da história, para além de subsidiar o
aperfeiçoamento da disciplina escolar, constitui-se como uma fecunda
vertente para inquirir sobre a identidade coletiva nas sociedades
contemporâneas. Desta forma, este campo de investigação deixou de ser a
tentativa de resposta tecnicista à questão de como ensinar um conteúdo
dado, e assumiu a tarefa de refletir sobre a consciência histórica dos
povos, como por exemplo na célebre obra de Marc Ferro, Comment on
raconte l’Histoire aux enfants à travers le monde entier1, que tornou-se
um modelo de temática de estudos sobre o material didático de história
bastante explorado nos anos 80. No Brasil, os estudos sobre a História do
ensino de História também avançaram, e via de regra concentraram-se
nos aspectos da disciplina inserida na educação formal, abordando e

*
Este artigo é, com modificações, parte da tese de doutorado do autor, intitulada Ensino
de história e nação na propaganda do milagre econômico, defendida na Faculdade de
Educação da Unicamp sob a orientação da Profa. Dra. Ernesta Zamboni. Este texto foi
debatido em comunicações no XX Simpósio Nacional de História (UFSC, 1999) e na
Semana de Geografia (UEPG, 1999), e em outras ocasiões, bem como na banca de defesa
da tese, propiciando críticas e sugestões às quais o autor agradece.
**
Doutor em Educação (Metodologia do Ensino de História). Professor do DEMET -
Universidade Estadual de Ponta Grossa e membro do Grupo Memória – Pesquisa do
Ensino da História, da Faculdade de Educação da Unicamp.
1
Traduzida no Brasil sob o título de Manipulações da História na escola e nos meios de
comunicação, pela Editora Ibrasa, sendo que o original francês é de 1981.
114

consagrando temas como o livro didático, currículos e programas e a


prática pedagógica, sempre cruzando-os com os dados sobre as
exigências sociais (e suas contradições) na formação dos alunos
confiados aos professores da disciplina.
O presente texto é parte de um estudo que tem entre seus
objetivos estender este campo de pesquisa específico da Didática da
História, de modo a contribuir para a compreensão e para a análise das
diversas manifestações da cultura referentes ao ser humano ( e ao grupo
ao qual considera pertencer) no tempo como experiências não formais e
assistemáticas de ensino de História, e portanto como campo privilegiado
destas preocupações de investigação. Tal alargamento é necessário, tanto
em termos de melhor compreender a formação da consciência histórica
das pessoas, num momento em que os meios de comunicação de massa
ultrapassam a escola em abrangência e profundidade desta formação,
quanto para melhor subsidiar a metodologia do ensino entendida
estritamente, uma vez que o aluno que se coloca diante do professor de
história hoje já traz consigo uma formação em história composta por
informações, impressões, sensibilidades, conceitos e preconceitos2. É com
esta preocupação que este estudo debruça-se sobre a propaganda em
revistas do e a favor do regime militar entre os anos de 1969 a 1973,
buscando em especial o tema da nação e da identidade nacional
ensinadas. Dentro desta preocupação, destacamos o papel educativo da
imagem publicitária na formação de uma identidade espacial, fundindo o
indivíduo, o grupo e o espaço para criar noções como "o nosso país",
"nosso lugar", "pátria", "nação", "território".

Representações espaciais da nação

Uma comunidade política, reunida na totalidade dos seus


membros, concretamente visível, no desenvolvimento de um ato coletivo,
é algo que não se encontra mais na modernidade. Cristian Meier lembra

2
A rigor, se considerarmos que a História é "o inventário das diferenças", a busca da
diversidade e da mudança, a reflexão crítica, então o que ensina a família, a igreja e a
mídia tendem muito mais para as características da memória (busca da identidade, da
permanência, em um procedimento afetivo e governado pela dialética da lembrança e do
esquecimento) do que da História. Entretanto, se assim procedermos excluiremos também
a escola ensinada na disciplina escolar, cujo sentido histórico tem sido muito mais o de
uma "memória histórica" que de um percurso crítico característico da História. Por isso,
quando se usa neste texto o termo História referindo-se aos conteúdos e valores ensinados
em geral pelas diversas instituições sociais, deve-se levar em conta esta nota.
115

que a última delas que tenha sido possível de abarcar inteira com a vista
foi provavelmente a polis grega, que o cidadão podia enxergar na
totalidade durante uma assembléia ou reunida em armas. A comunidade
não precisava ser representada, não precisava ser trazida ou sintetizada
em uma imagem, por ser assim imediatamente visível. As nações,
entretanto, mesmo as menores, são comunidades políticas impossíveis de
se perceber na totalidade: "[...] com exceção, talvez, em grandes partidas
de futebol por ocasião do gol, quando os torcedores, em frente do
espetáculo televisivo ou no estádio de futebol, irrompem em júbilo"3.
Por menor que seja a nação, dificilmente poderemos ver todos os
seus membros reunidos, ou vislumbrar seu território sem que ele se
estenda para além do horizonte, e a multidão que se junta nas praças
públicas ou nos eventos esportivos é uma pálida referência aos milhões
que compõem o grupo; também por isso, a nação precisa ser representada
por símbolos que traduzam o grupo todo e seu lugar. Meier indica o hino,
a bandeira e os brasões como os símbolos que possibilitam apreender a
nação. Seguindo a pista dada por Audigier e outros 4, a imagem do mapa
do território sobre o qual o Estado-nação exerce sua soberania é um outro
símbolo de representação do grupo e de sua identificação que
pretendemos analisar a seguir.
A representação espacial da nação é elemento, para cada
indivíduo, na representação de si mesmo. Ela torna-se uma das condições
a prior da comunicação entre os cidadãos e os grupos sociais, não
suprimindo todas as diferenças, mas relativizando-as e subordinando-as,
de forma que a diferença simbólica entre "nós" e os estrangeiros seja a
diferença que mais importa e que seja reconhecida como irredutível. É o
que se pode chamar de transformação imaginária das fronteiras exteriores
do Estado em fronteiras interiores, as primeiras sentidas como projeção e
proteção de uma personalidade coletiva interior, que permite a cada um
habitar o tempo e o espaço do Estado como um lugar onde sempre se
esteve e sempre se estará "consigo"5. Se considerarmos a nação como um
tipo especial de massa, a integração com ela se opera por meio de

3
MEIER, Cristian. Sobre o conceito de identidade nacional. História: Questões &
Debates. Curitiba, v. 10, n. 18-19, p. 329-347, 1989, p. 338.
4
AUDIGIER, François, et. al. La place des Savoirs scientifiques dans les didactiques de
l’histoire et de la géographie. Revue Française de Pédagogie. Paris, n. 106, jan-mar.
1994.
5
BALIBAR, Etienne. La forme nation: histoire et idéologie. In: BALIBAR, Etienne;
WALLERSTEIN, Immanuel. Race, nation, classe: les identités ambigües. Paris: La
Découverte, 1990, p. 129.
116

símbolos, e, quando se completa, o indivíduo "ultrapassa as fronteiras de


sua pessoa"6.
O mapa da nação é um instrumento cuja importância na formação
cívica dos estudantes e demais indivíduos tem proporções tão grandes
quanto a ausência de estudos e consciência sobre essa importância. A
história é pródiga em trazer exemplos nos quais o mapa é desenhado ao
sabor de interesses geopolíticos e constitui-se como um item essencial na
educação de um cidadão disposto a comportamentos desejáveis para o
poder, como o famoso "morrer pela pátria". Isto pode ser constatado, por
exemplo, nos mapas da Argentina desenhados e autorizados pelo Instituto
Cartográfico Militar, que incluem as Malvinas e boa parte da Antártida,
ou nos mapas produzidos pelos chineses no período dos conflitos sino-
soviéticos, em que os territórios soviéticos reivindicados pelo Estado
simplesmente aparecem como integrando o território chinês. Nesse casos,
o que está posto é a cartografação do desejo de Estados Nacionais com
tendências imperialistas, e a educação desse desejo nos cidadãos, de
maneira que o território representado apareça como natural, óbvio, pelo
qual quaisquer sacrifícios (inclusive o da própria vida) são admissíveis.
Compreensível, entretanto, porque o primeiro passo da definição das
fronteiras de um Estado nacional7 é exatamente esse: o da projeção do
território que se reivindica. O segundo passo é a obtenção do direito de
ocupá-lo, o que pode ocorrer de maneira pacífica, após um processo de
colonização, por exemplo, e um acordo entre as partes adversárias, ou
através do conflito militar em que a vontade de integrar um pedaço de
terra ao território nacional é imposto ao adversário pela força das armas.
E o último momento, então, é o processo de demarcação das díades, em
que os Estados em questão estabelecem os pontos geográficos por onde
passam as linhas que os separam.
Pelo menos oficialmente, e malgrado uma velada rivalidade com
a Argentina na liderança da América do Sul, o Estado brasileiro sob os
militares não manifesta uma política exterior de expansão do território,
mas nem por isso é menos válido o significado da representação espacial
da nação na educação dos cidadãos, estejam eles na escola ou não.
Assimilar o mapa até considerá-lo como uma emanação e um direito
natural faz parte essencial do trabalho educativo para a obtenção de um
determinado comportamento cívico, conjunturalmente considerado como

6
CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 18.
7
Cf. MAGNOLI, Demétrio. O Corpo da Pátria. Imaginação geográfica e política
externa no Brasil (1808-1912). São Paulo: Unesp, 1997.
117

imprescindível para a existência e continuidade do grupo enquanto tal8,


até porque uma série de questões sobre a garantia da posse do território
está posta neste momento.
A compreensão das formas espaciais como produtos históricos,
como espaço humanamente produzido, é cara à Geografia contemporânea
9
. Entretanto, agindo também sobre a consciência do espaço, a ideologia
nacionalista produz o inverso desta compreensão, pondo o espaço
ocupado pela nação como um dado natural.
O desenho formado pelo mapa político-administrativo está
inscrito na consciência coletiva, é facilmente reconhecido pela ampla
maioria das pessoas como indicativo do país, da nação, do povo, do
governo. A utilização da imagem deste mapa para fins de incremento da
identidade nacional não passa despercebida. Por exemplo, a metonímia
que faz a figura do hexágono designar a França, e que é utilizada dentro
do discurso nacionalista do período de Charles de Gaulle, é o objeto de
estudo de Marie-Claire Robic10, e seu papel na educação do cidadão é
comentado por Yveline Fumat11. Sua caracterização como "Lugar de
memória" é feita por E. Weber12. Fenômeno recente, em torno da década
de 1960, o recrudescimento da representação (e do reconhecimento) da
identidade nacional francesa sob a figura do hexágono está ligado a
eventos diversos, como o processo de descolonização (que demandava
um nacionalismo "para dentro" do território) e a diminuição da
importância das fronteiras numa conjuntura em que já se preparavam as
bases para a união européia. Na década de 70, o hexágono converte-se
plenamente num logotipo, e é assumido pela publicidade tanto estatal
quanto privada. Mais que um logotipo ou uma simplificação cartográfica,

8
Para Paulo KNAUSS, estamos diante de uma perversão, que transforma o espaço, que é
um fato conceitual, num fato sensível: "A perversão reside na assimilação pelo
conhecimento comum da imagem do espaço como dado e não como construção. Procede-
se assim, a dissimulação da operação socialmente demarcada. Em sendo imagem do
espaço, mapas e plantas são produtos de sua circunstância histórica e complexa".
KNAUSS, Paulo. Imagem do espaço, imagem da história. A representação espacial da
cidade do Rio de Janeiro. Tempo. Niterói, v. 2, n. 3, p. 135-148, jun. 1997, p. 135.
9
No Brasil pode-se citar, por exemplo, MORAES, Antonio Carlos R. Ideologias
geográficas. São Paulo: Hucitec, 1991.
10
ROBIC, Marie Claire. Sur les formes de l’Hexagone. Mappe Monde. Montpellier, v. 4,
p. 18-23, out-dez, 1989.
11
FUMAT, Yveline. L’éducation du citoyen à partir de quelques cartes de France. Mappe
Monde. Montpellier, v. 4, p. 29-33, out-dez, 1989.
12
WEBER, E. L’Héxagone. In: NORA, Pierre (dir). Les Lieux de Mémoire II. La
Nation. Paris, Gallimard, 1986. t. 2, p. 97-116.
118

porém, o hexágono, construído lentamente como uma das possibilidades


de modelização do mapa político francês pela cartografia, passa a
significar uma malha de soberania nacional, passando a significar um
"lugar particular de interação espacial com o exterior".
Podemos, sem sombra de dúvida, incluir entre as imagens que se
prestam estruturalmente à ideologia nacional, o mapa habitual dos
contornos do Brasil, reproduzido e ensinado incansavelmente, inclusive
através de um molde plástico vazado do qual todos guardamos alguma
lembrança, junto com as memórias de nossa educação primária13. Este
desenho é formado a partir de dois critérios: pelo desenho das costas
litorâneas e pelo das fronteiras terrestres. O significado de cada um
desses critérios não é o mesmo: em tese, as fronteiras terrestres, que só
tardiamente consolidam-se14, são criação gradual do Estado brasileiro e
dentro delas este estabelece sua soberania. Formam um desenho histórico
e "abstrato", na medida em que envolvem a seleção arbitrária de marcos
cartográficos e acidentes naturais para representar as díades, ou seja,
linhas que delimitam o encontro do território de dois Estados. Só existem
nos mapas, nos tratados, na abstração.
Se o critério fosse somente as delimitações históricas de
território, deveriam figurar, a partir do 1º de junho de 1971, o contorno
das 200 milhas de mar territorial, reivindicadas pelo governo Médici, que
originaram um conflito diplomático com os Estados Unidos e outros
países, a apreensão de barcos pesqueiros de outras nacionalidades dentro
deste território reivindicado. Ou seja, um símbolo poderoso do
nacionalismo e da afirmação do poder e da soberania do Estado
governado pelo general Médici curiosamente não é utilizado na
propaganda do regime, ou melhor, não aparece graficamente representado
nos mapas do Brasil usados na propaganda. É claro que referências a esse
ato de soberania não deixam de aparecer, como na propaganda da
Petrobrás na Figura 1, providencialmente publicada na revista Veja

13
A utilização desta imagem não data deste período. Referindo-se a um outro momento
de ditadura, o Estado Novo e a campanha da "Marcha para o Oeste", Alcir LENHARO
defende que "Não é meramente casual o recurso de mostrar um visual definitivo da
Nação, um desenho geográfico que se repete constantemente nos mapas, uma geografia
do Poder que só pode ser apreendida e interiorizada por todos a partir do sentimento de
comprometimento e de participação em um só e memorizando espaço territorial
nacional". LENHARO, Alcir. A Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986, p.
57.
14
Cf MAGNOLI, op. cit., cap. VI, em que o autor descreve o processo de definição das
fronteiras como estendendo-se até o início do século XX, e a sua demarcação (que é a
conclusão da horogênese) ainda em curso em alguns pontos.
119

comemorativa do 7 de Setembro de 1972, Sesquicentenário da


Independência do Brasil, mas o mapa - símbolo não inclui esta porção
marítima do território, o que transmite a sensação de que ela não existe na
prática, apenas nos tratados e acordos. Este mapa - símbolo é um mapa
das terras brasileiras emersas, e não exatamente do território sobre o qual
a soberania é exercida.

Figura 1 - Revista Veja n. 209 de 6/09/1972, p. 59.

E o mar territorial, poderoso evocador de um ato político de


soberania, que colocou o governo brasileiro a discutir na mesma estatura
com os países desenvolvidos como Japão, França e Estados Unidos, não é
incorporado ao mapa que se vê nas escolas, na publicidade, na
propaganda ideológica do regime. O mar, um significativo símbolo de
massa, como adiante veremos, sem deixar de ser explorado
ideologicamente no período, não pode se integrar ao símbolo constituído
pelo mapa das terras emersas, exatamente porque, se isso ocorresse,
romper-se-ia o aspecto canônico deste símbolo, introduzindo um
estranhamento capaz de levar a uma reflexão que, ocorrendo em cada
cabeça, dificilmente poderia ter suas conclusões controladas.
120

Neste mapa-símbolo, o desenho das costas evoca a idéia de


perenidade da nação remetendo ao tempo geológico, ao desenho fixo,
ainda que os territórios litorâneos tenham sido palco de disputas durante o
período colonial (França Antártica e Equinocial, "Invasão" Holandesa e
Confederação dos Tamoios, por exemplo) e o período imperial
(notadamente a Confederação do Equador), em que a soberania sobre o
conjunto do litoral não estava consolidada. A referência a um desenho
esculpido pela natureza é um mecanismo de naturalização na
representação nacional, pois, recordemos, o recurso à natureza constrói
uma forte legitimidade, já que liga a construção histórica da nação a um
desígnio que independe dos partidarismos e interesses particulares da
história humana, bem como confere-lhe uma aura de ancestralidade que
torna mais sólidas e respeitáveis as tradições inventadas.
Por outro lado, o contorno ocidental do mapa "canônico"15 é o
resultado da ação militar, diplomática e geográfica do Estado Nacional.
Entretanto, isso não impede a "naturalização" dessas linhas. O expoente
desse processo é Jaime Cortesão, citado por Golbery do Couto e Silva 16,
que argumenta que boa parte das fronteiras ocidentais resultam de
acidentes geográficos "intransponíveis" que já prenunciavam, antes
mesmo da presença humana na América, um grande Estado sul-
americano, que o surgimento do Brasil concretizou (Figura 2), idéia
claramente imune ao fato de que um obstáculo natural, longe de ser uma
fronteira pronta, não tem o seu significado histórico dado pela natureza,
isto é, a conformação do espaço não decide pelos homens o significado
que terá para sua sociedade. Desta maneira, um rio profundo pode
significar um obstáculo intransponível, uma possibilidade de
desenvolvimento, uma defesa contra o inimigo, etc., dependendo da
especificidade do grupo humano que com ele entra em contato.

15
Segundo Elias Thomé SALIBA, no texto As imagens canônicas e o ensino de
história, as imagens canônicas são aquelas marcadas pela sua condição de estereótipos e
pelo caráter coercitivo, que resulta da sua intensa aparição e repetição: "[...] começamos a
perceber como a imagem com a qual nos acostumamos – a imagem canônica – era
coercitiva. Coercitiva porque nos impunha uma figura reproduzida infinitamente em série,
tão infinitamente repetitiva que não nos provocava mais nenhuma estranheza, bloqueava
nossa possibilidade de uma representação alternativa, ou seja, não nos levava mais a
distinguir, a comparar – em suma, não nos levava mais a pensar". SALIBA, Elias Thomé.
As imagens canônicas e o ensino de história. In: SCHIMIDT, Maria Auxiliadora;
CAINELLI, Marlene Rosa (orgs.) III Encontro Perspectivas do Ensino de História.
Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p. 438.
16
COUTO E SILVA, Golbery do. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio,
1967, p. 66.
121

Figura 2. Apud Golbery do Couto e SILVA. Geopolítica do Brasil.

Enraizada no imaginário medieval e colonial da Ilha - Brasil, esta


compreensão do Estado nacional e de seu território contamina o mapa
usual do país e é transmitida juntamente com ele e suas variações.
O mapa do Brasil, exaustivamente visto, copiado e estudado
pelos escolares, é também continuamente projetado na retina do conjunto
dos brasileiros, e remete à identidade única dos que partilham o mesmo
espaço. Esta insistência no desenho compósito das fronteiras "naturais" e
históricas termina por naturalizar a construção política da nação. O mapa
assim constituído projeta-se no tempo e ganha ares de antigüidade,
parecendo ser eterno, resultante de forças geológicas, anterior à sua
conformação atual, que data do início do século17.

17
Magnoli esclarece: "Qual é a origem das fronteiras brasileiras? Como vimos, o discurso
nacional virtualmente rejeita essa indagação, isentando o corpo da pátria de qualquer
condicionamento histórico e fazendo-o emanar da natureza. Esta noção, não importa o
quão absurda pareça quando assim posta, encontra-se profundamente enraizada no
imaginário geográfico nacional." MAGNOLI, op. cit., p. 139.
122

Tão forte é esta noção que não é absolutamente estranho


encontrar nos livros didáticos, e mesmo nas questões de vestibular, o
contorno que o Brasil adquire no século XX ilustrando o território
brasileiro durante o império ou o território colonial português (por
exemplo, por trás da linha de Tordesilhas). Este uso reforça a idéia da
nação brasileira como destino da comunidade nacional, desígnio da
natureza, e o espaço entre o ponto onde estamos e a fronteira ocidental
como "espaço vazio" a ser preenchido pela colonização.
Esta utilização do mapa político significando a nação foi
largamente utilizada pelos governos militares, por exemplo, nas peças
para a televisão produzidas pela Presidência da República nos mandatos
de Médici e Geisel. Peças como as sobre o consumo de petróleo e
derivados (em desenho animado), os filmes sobre as cidades do interior,
os videoclipes com mensagem de final de ano ("Hoje, eu quero paz no
meu coração..."), o desenho animado sobre Pindorama ou com o jingle
"Este é um país que vai pra frente", e outras, tinham como "assinatura" ao
final não um símbolo que evidenciasse a sua origem (o Estado), mas um
mapa político do Brasil que se formava após a projeção das cinco pontas
de uma estrela, que dirigiam-se às cinco regiões do país, com a estrela
posicionando-se na localização da capital, Brasília. O mapa, carregando a
idéia de nação, é interposto entre o espectador e a assessoria da
Presidência, verdadeira criadora dos filmes; parece que quem fala ao
espectador por meio das peças de propaganda é o próprio Brasil
representado no mapa: a estrela em Brasília lembra apenas vagamente a
idéia de um governo central.
A forma desse desenho usual do território pode recortar outras
imagens, conferindo a estas as qualidades e características que se atribui
àquele (Figura 17), de forma a identificar coisas, pessoas e idéias com a
idéia geral de nação. Essa figura ganha portanto a concretude de um
limite que nos circunscreve, e portanto nos une: nesse sentido, o mapa
amplifica seu caráter identitário, estabelecendo mais uma vez a ligação
entre território - nação - nós. O mapa torna-se o continente, e é como se a
imagem que assume a forma dele dissesse ao observador que ela constitui
o conteúdo da nação, que o que ali aparece recortado diz, faz e é o Brasil.
123

Figura 3 – Veja 104, de 2/09/70, p. 51

O movimento de identificação através do mapa é explícito na


Figura 3. Neste anúncio, referente ao Censo Populacional de 1970,
financiado por uma série de empresas particulares, podemos observar a
identificação da coletividade nacional ao mapa do Brasil, utilizando como
reforço a popularíssima frase de canção alusiva à copa mundial de futebol
daquele ano. É interessante notar que os quadrinhos (pela própria
característica estrutural desse meio de comunicação que pode também ser
chamado de arte seqüencial, aparentada do cinema) estabelecem um
movimento, uma evolução, que vai do mapa como pequena parte de uma
interrogação ao mapa como supressor da dúvida a partir de seu
crescimento. Subliminarmente, temos a idéia de que as dúvidas ou
resistências ao governo, à capacidade de superação do
subdesenvolvimento do Brasil estão se dissipando conforme superam-se
os prognósticos negativos e se revelam os dados do "milagre econômico":
124

no fim desse caminho, quando o país tornar-se rico e existirem condições


para "dividir o bolo", os pontos de interrogação serão irrelevantes,
principalmente se levamos em conta que cada brasileiro a ser recenseado
é um elo de uma "corrente (símbolo por excelência da união e da
ausência de divergências) pra frente". Nessa imagem conjugam-se,
portanto, imaginários de identificação coletiva, de representação do
espaço nacional e sobre o futuro do Brasil.

Figura 4 - Revista Veja n. 154, de 18/08/1971, p. 8-9.

A Figura 4 atesta a capacidade do mapa usual do território


nacional em simbolizar a identidade entre Estado, nação, povo, território
e conceitos correlatos, a figura. Nela, o presidente e seu povo são
representados pelo mapa, e travam um diálogo imaginário com a empresa
Villares, representada por seu logotipo. O mapa passa a equivaler, nesta
peça, a um logotipo da nação, a um signo que remete a uma determinada
coletividade. Esta imagem contribui ainda para a identificação entre povo
e governo como constituintes de uma única entidade, tema caro ao do
regime e muito visado pela Aerp18 pelo seu potencial de legitimação da

18
Cf. FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo - Ditadura, propaganda e imaginário
social no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 127.
125

ordem imposta pelos militares no poder. O governo, mais


especificamente o chefe do Executivo, são representados através do mapa
como interlocutores legítimos do povo para o diálogo com a empresa; se
considerarmos que quem emite essa mensagem é a Villares, temos aí uma
indicação importante sobre os pressupostos do relacionamento entre
Estado e iniciativa privada neste momento. Não basta, entretanto, que o
mapa seja visto. É preciso que ele seja experimentado e vivenciado pela
população, e isto se faz através do ritual comemorativo da grande data
nacional, o 7 de setembro, amplificado pelo seu Sesquicentenário em
1972. Os festejos incluíram o repatriamento dos restos mortais de D.
Pedro I e sua peregrinação cívica por todas as regiões do Brasil. Assim,
simbolicamente, o libertador vai ao encontro de toda a nação, e neste
movimento colabora com outra idéia muito cara ao imaginário nacional
inovado pelos militares, o tema da integração e da unidade nacionais. Na
figura 5, podemos acompanhar o mórbido trajeto que traça uma linha de
identificação e de unidade, como um fio que costurasse a integração das
diversidades nacionais, ou contornasse simbolicamente o perímetro do
território, concretizando linhas naturais (o litoral) e "um pouco menos
naturais" (as fronteiras com outros países)19.
Esta peregrinação também tem um outro signiticado
complementar, que é o de unificar as múltiplas histórias e possibilidades
de história sob o manto de uma só narrativa, a da história nacional tal
como se define na perspectiva oficial. Assim, o ato central da biografia da
nação, a Independência, é experimentado de alguma forma por todas as
histórias pessoais, familiares e regionais que ate então não tinham
nenhum contato direto com aquele momento histórico, exceto pela
história ensinada nos livros didáticos e cerimônias cívicas. D. Pedro I e a
Independência são incorporados por exemplo ao Acre, que ainda não
participava do território nacional em 1822, ou ao Nordeste, que em parte
formou a Confederação do Equador como uma alternativa de
Independência mais popular que a proclamada pelo Imperador. A
similaridade com o imaginário cristão, com a idéia de relíquia, com a

19
A "volta ao mapa" é um recurso bastante usado como prática de nacionalização
simbólica de movimentos, como a afirmar, pelo ritual em si, que o movimento ou
comemoração é relativo a todos, e não apenas às pessoas e regiões que o organizaram. Ao
percorrer aproximadamente as "fronteiras exteriores", busca participar das "fronteiras
interiores" às pessoas que participam da nação. No Brasil, outros dois casos em que essa
"volta ao mapa" ocorre é durante a série de comícios da campanha das Diretas Já, e a
planejada volta da chama do descobrimento, nas comemorações do "Brasil 500",
organizada pela Rede Globo de Televisão.
126

idéia de peregrinação, são patentes, evidenciando mais um exemplo que


confirma a tese de que o nacionalismo ocupa os espaços de exercício da
identidade do grupo deixado pela religião durante a modernidade, como
uma religião pagã do Estado nacional20.
O desenho do mapa político-administrativo, enquanto símbolo -
expressão da nação, remete a um imaginário de grandeza construído
desde o império21, onde a monarquia é associada à manutenção da
unidade territorial e à criação de um país continental22 vista como um
valor em si. Grandeza que se associa à riqueza e à condição de terra
prometida, que destaca o Brasil das demais nações do mundo, que é o
fator de orgulho da história nacional, tal como a vê o grupo de
intelectuais ligado à Revista do Brasil, iniciativa da família Mesquita (O
Estado de São Paulo) depois encampada por Monteiro Lobato. O estudo
de Tânia de Luca coloca em cena alguns dos nomes desse grupo, para os
quais "não parecia suficiente exaltar as dimensões do país, eles achavam
necessário torná-lo o maior do mundo."23. Esta autora estuda a maneira
pela qual a integridade e o gigantismo do território nacional tornaram-se
uma referência obrigatória no processo de educação dos cidadãos, pela
sua potencialidade de erigir uma perspectiva positiva em relação à
nacionalidade, sua história e seu espaço. E dessa maneira essas
considerações integraram-se no projeto pedagógico das elites para as
massas, que se efetivou progressivamente, conforme novos estratos da
população chegavam à escola.

20
BALIBAR Etienne; WALLERSTEIN, Immanuel. Race, nation, classe: les identités
ambigües. Paris: La Découverte, 1990, p. 130.
HOBSBAWN, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780 - programa, mito e realidade.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 108.
21
Ou, para maior rigor, desde a colônia, período em que portugueses e espanhóis
inoculam suas expectativas de encontrar o Jardim do Éden, evocado pela exuberante
natureza americana, cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. 6. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1994.
22
MAGNOLI, op. cit., p. 85
23
LUCA, Tania Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São
Paulo: Unesp, 1999, p. 87.
127

Figura 5 - Box em reportagem da revista Veja n. 190, de 26/4/1972, p. 23.

O mar e a floresta: símbolos da massa nacional

Se pensamos o regime militar como o momento em que a


educação praticamente se generaliza para a população, tanto no sistema
escolar quanto através dos meios de comunicação de massa, é possível
afirmar que as falas desse período sobre o gigantismo e as virtudes do
espaço ocupado pela nação tiveram um papel bastante relevante na
constituição dos padrões de identidade nacional que perduram até hoje. Já
se mencionou uma das linhas dessas falas, que é a questão do mar
territorial. Outra, com um apelo igualmente poderoso, é a fala que se
refere à Amazônia e sua integração.
128

Assim, não só nos discurso e na propaganda política, mas


também nos grandes planejamentos e na ação governamental cotidiana, a
ditadura do período em estudo ataca a temática do componente espacial
da identidade nacional: o mapa é vivenciado e internalizado pelo
noticiário que coloca em foco, dia a dia, as ações em torno do mar
territorial de 200 milhas e do desbravamento da Amazônia, posta como
grande desafio, como última fronteira a ser integrada à nação. Não por
acaso, o mar e a floresta são dois importantes símbolos de massa. Ambos
são compostos por pequenas unidades que, sozinhas, pouco significam,
mas reunidas às suas semelhantes, formam massas gigantescas, na exata
dimensão do gigantismo que se propõe para o sujeito coletivo da
identidade brasileira.
Canetti tem uma belíssima imagem que destaca o imenso abismo
que há entre a importância da gota, débil, frágil e a imponência do mar,
que entretanto só existe da união de todas as gotas:
Mergulhe-se a mão na água, erga-se a mão novamente e contemplem-se
as gotas escorrendo isoladas e débeis por ela. A compaixão que se sente
é como se elas fossem pessoas desesperadamente sós. As gotas só
contam quando não se pode mais contá-las, quando se dissolvem
totalmente no todo.24

O mar é o modelo de toda massa, e a força desse símbolo está


presente no significado propagandístico do estímulo à pesca e ao ato de
ampliação do mar territorial: a coesão das ondas do mar expressa a
sensação de condescendência com os outros quando se está reunido na
massa: uma sensação de que todos compõem um, como se não existissem
mais individualmente, como se todas as coisas que separam um do outro
se desfizessem, compondo uma dependência mútua da qual emana uma
sensação formidável de força. Despertar essa sensação e mantê-la sob
controle é uma situação bastante interessante para qualquer poder,
principalmente para um Estado autoritário que sustenta-se em grande
parte na restrição e manipulação dos canais de participação efetiva no
poder.
O símbolo de massa do mar passa a participar mais intensamente
da propaganda política do regime, e, mesmo não sendo representado no
mapa usual do território nacional, confere um sentido novo ao desenho
das costas litorâneas, envolvendo-as com um sentido de união, de força,
de pertencimento, de integração, transferidos do significado do mar

24
CANETTI, op. cit., p. 80.
129

enquanto um símbolo da massa que é a nação. "O Brasil começa no mar",


afirma o anúncio da Petrobrás, atribuindo esse sentido de uma fronteira
dinâmica e integrada ao sentimento de um espaço que "nos" pertence, que
faz parte do que somos enquanto coletividade; conquistar e manter esse
espaço é dignificar o conjunto, e especialmente a classe dirigente,
tradutora e executora firme e competente dos anseios do grupo, tanto no
aspecto moral, quanto econômico, e também no identitário, unindo o mar
simbólico da massa nacional ao mar físico que lhe pertence.
No outro extremo do território que se entende como corpo da
nação, as fronteiras são em sua maior parte "preenchidas" pela presença
de uma floresta densa e desafiadora, que é outro símbolo de massa, que
cumpre costurar definitivamente ao conjunto formado pela nação, para
que dele não se dissocie. A floresta amazônica adensa o significado da
fronteira oeste, mas aparece não como algo a ser passivamente incluído,
mas como um desafio a ser vencido e subjugado, e para isso é necessário
que esse símbolo de massa seja reduzido a algo familiar e dominável.
Esse é o sentido de "civilizar" a Amazônia, tomando-a às feras, aos
índios, às doenças, à mata fechada.
Antes de mais nada, é preciso torná-la aparente para a nação, para
que esta se conscientize de sua existência e significado. A decisão
governamental de cortar a região com uma rede de estradas, bem como
tomar uma série de medidas civilizadoras/colonizadoras, naturalmente
acaba atraindo a atenção da sociedade civil, e a representação da floresta
vai tomando forma na propaganda.
Para Canetti, a floresta pode aparecer como um símbolo da
devoção, já que é o modelo do templo que envolve a pessoa com as suas
colunas e convida a olhar para cima e louvar a proteção que se estabelece,
ou então como o símbolo do exército, o conjunto de unidades que não
cede terreno, que não pode ser movido, que para derrotar é preciso ceifar
suas unidades uma a uma. Ninguém foge, ninguém cede terreno, só é
possível destruir, e não é possível fazer recuar. A floresta sombria,
desconhecida e ameaçadora é um exército adversário a ser vencido, e isso
é feito pelas estradas que rompem a unidade maciça das florestas e
semeiam vilas de colonização, queimadas e pastagens. A preocupação
preservacionista não se faz presente, porque não estava colocada na
agenda da época25, em que a natureza ainda aparecia como recurso

25
Segundo o noticiário de então, a obra começa com uma cerimônia em 9 de outubro de
1970, em que uma castanheira árvore de 50 metros de altura é derrubada, perante presença
do presidente e de todo o ministério, sob os aplausos da população e de vários meios de
130

inesgotável, pelo menos no imaginário brasileiro, mas também porque a


floresta, apesar de significar a riqueza, não era aliada, mas obstáculo a
vencer, igualar à identidade do restante do país, abrir clareiras nas
planícies para que a luz pudesse invadir tudo e permitir ao homem
civilizado o exercício do seu trabalho, como nas outras regiões, enfim,
em uma palavra (muito cara à propaganda da época): integrar.

Figura 6 - revista Veja n. 213, de 4/10/72, p. 45-6

Cumpre recordar que essa temática da ocupação dos "espaços


vazios" não é original, embora o seja o toque dado pelo governo Médici.
Já no Estado Novo, a identidade nacional era trabalhada em conjunto com
um projeto geopolítico, que teve na "Marcha para o Oeste" o seu grande
lema e em Cassiano Ricardo o seu maior ideólogo. Já neste momento, o
mapa das fronteiras e da costa aparece como um símbolo de caráter
educacional26.
Tratava-se, nos dizeres da propaganda da Figura 6, de aumentar
o Brasil, tomando espaço à floresta, que aparece derrotada, tombada, com
o chão nu predominando as tímidas árvores que margeiam o tema central
da foto. "Mais Brasil para o homem ocupar" é uma frase que trai o
pensamento de seus elaboradores, no qual os índios e sertanejos que

comunicação de massa, ainda que sob as críticas da oposição parlamentar e de alguns


empresários.
26
LENHARO, op. cit., principalmente o Capítulo 2: A Nação em marcha.
131

vivem embrenhados nas entranhas do inimigo (a floresta) não são


homens, ou pelo menos não são homens "como nós", no mesmo patamar
de humanidade. Por outro lado, a foto recorta, em primeiro plano, a
estrada; logo a seguir, um grupo de pessoas que são caracterizadas pelas
suas roupas como humildes, gente do povo, e por fim os remanescentes
da floresta, como uma moldura da composição. A mensagem conotativa
aí é a de que os principais beneficiários da construção da Transamazônica
seriam as pessoas de renda mais baixa, o que está em consonância com a
apresentação que o governo Médici fazia da obra, evocando seu aspecto
social de distribuição de terras, e consequentemente de diminuição do
problema da superpopulação das grandes cidades e dos seus problemas
correlatos.
Trata-se do desafio do século, para a peça reproduzida na Figura
7, que necessita de coragem (como qualquer batalha) e de capital (idem).
Em ambas as imagens, o papel da estrada é central: ela quebra a
monotonia das árvores entrelaçadas, rompe o seu denso tecido, e faz
presente a ação do coletivo nacional sobre a floresta inimiga, como um
adversário que é cortado de feridas por onde esvai a sua força, o que
permite subjugá-lo. Para esse imaginário, a floresta amazônica não tem
serventia como está: só presta pelas suas riquezas, e para fazê-las vir à
tona é preciso destruir – ou ao menos subjugar – a imponente arrogância
e indiferença com a qual a floresta nos olha.
Por quê a propaganda do e a favor do governo do general Médici
dá atenção a estas questões? Primeiramente, porque são postas na ordem
do dia pelas próprias políticas governamentais relativas ao espaço, e isso
se dá como um capítulo da utilização de um momento da ideologia em
seu aspecto geográfico ( cristalizada no "Brasil Grande" e na "integração
nacional"). Trata-se de fazer saber – ou então lembrar - às consciências
dos nacionais, que o território, embora gigantesco e com todas as virtudes
costumeiramente assinaladas, está ainda em construção, e portanto sob
virtual ameaça de esfacelamento. Ora, entre outros autores, Moraes já
afirmou o caráter significativo desta idéia de território em construção
para a finalidade de obter elementos para o controle social e a legitimação
de políticas que atendem aos interesses da classe dominante, no geral ou
de partes dela:
A imagem de país em construção, com uma formação territorial ainda
inconclusa, estimula em muito os expedientes de controle social.
Historicamente, sempre que a população aparece como empecilho à
acumulação, a solução implementada se dá pela eliminação do elemento
de atrito. [...] Assim, vai sedimentando-se uma ótica, ao nível das
132

classes dominantes, de claro conteúdo anti-humano, onde o país é


identificado com o seu espaço, sendo a população um atributo dos
lugares.27

A defesa intransigente da ‘integridade territorial’ do país ilustra


bem esta concepção. Garantir o espaço é objeto aglutinador dos
interesses, e a manutenção do território geralmente se fazendo contra o
povo. Claramente, o interesse de classe identificado com o bem comum
nacional centrado na terra, e não na população28.
Chamar a atenção dos brasileiros para o Oceano Atlântico ("O
Brasil começa no mar") e para a floresta amazônica, é momento
essencial, portanto, da composição dos argumentos para o controle do
Estado ocupado pelos militares e seus apoiadores sobre o restante da
sociedade, a partir do convencimento da necessidade suprema, prioritária,
de garantir a unidade e a integração nacionais. A partir da premissa inicial
que se considera comum a todos os brasileiros (é preciso garantir a
existência e a continuidade da nação), avança-se com o argumento que
propõe o que é preciso fazer para garantir essa premissa (declarar o mar
territorial de 200 milhas e vigiá-lo, ocupá-lo com a exploração de
petróleo, pesca, etc. / ocupar a Amazônia) e as vantagens decorrentes
destes atos. No que se refere à Amazônia, a propaganda da Figura 6
informa que as estradas são o "traço de união entre os brasileiros e o
Brasil do futuro", e para a da Figura 7, investir na Amazônia significa
participar da história (ou seja, a história vai aonde a iniciativa
governamental está). Para além dessas peças, a Transamazônica aparecia
na propaganda governamental como uma alternativa capaz de, de uma só
tacada, resolver o problema da distribuição de terras do país, do inchaço
das grandes cidades e da migração da região Nordeste para a região
Sudeste. Os colonos abandonados no meio da floresta e isolados por uma
estrada intransitável na época das chuvas foram a imagem que
rapidamente erodiu este grande e coordenado ato de propaganda
governamental. A conseqüência prática, dada a "comprovação" da
incapacidade do pequeno proprietário em dar conta da colonização da
Amazônia, foi a rápida ocupação da mesma por latifúndios de empresas
agropecuárias ligados a grandes grupos nacionais e multinacionais.

27
MORAES. op. cit., p. 98.
28
Ibid., p. 98-9.
133

Fig.7 - Revista Veja n. 165, de 3/11/71, p. 16-17

Por fim, o uso das ideologias geográficas do regime militar, bem


como o seu nacionalismo em geral, pode ser compreendido também como
ferramenta de ajustamento social, pois reforça o sentimento de pertencer
a uma nação no sentido de "estar no seu lugar". Assim, a pessoa que
deixa o campo e vem para a cidade, ou que saem das pequenas e vão para
as grandes cidades, ou para os que participam dos projetos de colonização
como na Transamazônica, ou para os que vêem suas cidades se tornarem
irreconhecíveis pela ação do progresso, tudo isso é amenizado pela
sensação de que não se saiu do próprio lugar, porque esse lugar não é
onde se nasceu ou cresceu, mas é, genericamente, o Brasil. O mesmo vale
para aqueles que ficam de fora deste crescimento e têm seus direitos
subtraídos. Sua compensação imaginária é pertencer a um Estado- nação
do qual nada – ou quase nada – se recebe enquanto direito...
134

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

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MAGNOLI, Demétrio. O Corpo da Pátria. Imaginação geográfica e política externa no


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MORAES, Antonio Carlos R. Ideologias geográficas. São Paulo: Hucitec, 1991.

ROBIC, Marie Claire. Sur les formes de l’Hexagone. Mappe Monde. Montpellier, v. 4,
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SALIBA, Elias Thomé. As imagens canônicas e o ensino de história. In: SCHIMIDT,


Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene Rosa (orgs.) III Encontro Perspectivas do
Ensino de História. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999.

WEBER, E. L’Héxagone. In: NORA, Pierre (dir). Les Lieux de Mémoire II. La Nation.
Paris, Gallimard, 1986. t. 2, p. 97-116.

RESUMO
ESPAÇO E NAÇÃO NA PROPAGANDA POLÍTICA
DO "MILAGRE ECONÔMICO"
Este texto discute a publicidade como fonte para a pesquisa do ensino
de História e da consciência histórica, a partir do caso dos anúncios referentes à
nação brasileira e seu espaço durante o "Milagre Econômico" (1969 – 73).

Palavras–chave: Ensino de história; publicidade; consciência histórica; regime


militar; milagre econômico.

ABSTRACT
SPACE AND NATION IN THE POLITICAL PROPAGANDA
DURING THE "MILAGRE ECONÔMICO"
This paper discusses the advertisement as source for the history teaching
and historical consciousness research, from the case of the annoucements that
were related to the Brazilian nation and its space during the "Milagre
Econômico" (1969 – 73).

Key-words: History teaching; propaganda; historical consciousness; brazilian


military regime; economic miracle.

Revista de História Regional 5(2): 113-135. Inverno 2000.


PROPOSTA DE ESTUDO DIRIGIDO -
COM BASE NO ARTIGO:
“ESPAÇO E NAÇÃO NA
PROPAGANDA POLÍTICA DO
MILAGRE ECONÔMICO”
De Luis Fernando Cerri

POR PRÁXIS REVOLUCIONÁRIA


Figura 1: Charge sobre o período de
milagre econômico e de subsalários

Figura 2: charge sobre o governo médici

propaganda institucional – crédito -


história da ditadura

Figura 3: outdoor em um estádio de futebol – crédito


– medium.com

Figura 4: Propaganda
Institucional do Milagre
Econômico - crédito -
história da ditadura

Proposta:
O que é nacionalismo? O que é ufanismo?
DO TRATADO DE TORDESILHAS AO TRATADO DE MADRI – FRONTEIRA E A
POPULAÇÃO DO GUAYRÁ

Figura 5: mapa-da-divisao-de-acordo-com-o-tratado-
de-tordesilhas crédito - pensarreflectiresentir.blogspot

Figura 6: tordesilhas - crédito revista piauí

Figura 7: tratado-tordesilhas -
crédito cola web
Figura 8: guayra-guaira-Republica_del_Guayra - crédito
jws.com.br
Figura 9: OCUPAÇÃO DE TERRITÓRIO DE POVOS ORIGINÁRIOS -
MAPA DE 1640 - CRÉDITO NÁDIA MOREIRA CHAGAS

ARTIGO SOBRE AS RELAÇÕES INTERCULTURAIS NO GUAYRÁ NOS SÉC. XVI E XVII


Figura 11: GUERRA DO PARAGUAI -
Figura 10: TRATADO DE MADRI - TERRITÓRIO ARGENTINA-BRASIL-
CRÉDITO BRASIL ESCOLA PARAGUAI APÓS 1870 - CRÉDITO COLA WEB
Trecho do texto estudado:
“A referência a um desenho esculpido pela natureza é um mecanismo de naturalização
na representação nacional, pois, recordemos, o recurso à natureza constrói uma forte
legitimidade, já que liga a construção histórica da nação a um desígnio que independe
dos partidarismos e interesses particulares da história humana, bem como confere-lhe
uma aura de ancestralidade que torna mais sólidas e respeitáveis as tradições
inventadas. Por outro lado, o contorno ocidental do mapa "canônico"é o resultado da
ação militar, diplomática e geográfica do Estado Nacional. Entretanto, isso não impede a
"naturalização" dessas linhas.”

Figura 12: sete quedas - crédito angelo rigon

Figura 13: sete quedas - crédito flickr


Figura 14: canal-foz explosão - Crédito uol

Figura 15: construção itaipu - crédito


itaipubinacional

Proposta:
Há alegoria no conceito de
fronteira? Se sim, qual objetivo
deste símbolo atualmente?
Figura 16: itaipu - crédito - Gdia
Figura 17: manifestantes pró bolsonaro com camiseta da
seleção e bandeira do brasil

Figura 18: bolsonaro com a bandeira do


brasil

Figura 19: "caras pintadas" no fora Collor

Proposta:
O que são símbolos? Pra que serve um símbolo?
Já declarou Paulo Freire (1996) que qualquer texto necessita que seus leitores se
entreguem a ele de forma crítica e constantemente crescente e, a respeito da
leitura e do seu ensino, Britto (2015) afirma que “enquanto forma de ser e estar na
história, de indagá-la e de querer fazê-la, deve ser compreendida como
posicionamento político diante do mundo” (BRITTO, 2015, p. 72).

---Práxis Revolucionária 2020


MATERIAIS DE APOIO
PODEMOS ENTENDER UMA ÉPOCA
PRESTANDO ATENÇÃO EM SUA PRODUÇÃO CULTURAL

SEGUE CHARGES DA ÉPOCA DA DITADURA MILITAR


E DO MILAGRE ECONÔMICO BRASILEIRO

A história da charge teve início na Europa no princípio do século XIX, quando


pessoas que se opunham ao governo atreveram-se a criar uma nova forma
de expressão para criticar a tirania e os desmandos de seus representantes.
Essa nova forma aliou imagem e texto, além de, por meio de uma linguagem
irreverente, conquistar a simpatia da população e fazer desse gênero um
dos mais apreciados até os dias de hoje. No Brasil, temos grandes
chargistas, inclusive, muitos foram alvos de censura na época da ditadura
militar, quando fazer uma crítica social por intermédio de qualquer
expressão artística podia ser muito perigoso!
Governo Costa e Silva
A Lei Falcão é uma lei brasileira criada em 1976 durante o Regime Militar de 1964, no governo
de Ernesto Geisel e tem este nome por causa do seu criador Armando Falcão, cujo tinha como
objetivo principal evitar o fortalecimento de uma oposição. Com essa lei a propaganda política
foi limitada por meio de um sistema igualitário de apresentação dos candidatos políticos na
televisão e na rádio.

Segundo o governo militar, a Lei teria como objetivo dar igualdade aos candidatos e partidos
políticos no tempo de sua apresentação aos brasileiros, já que nem todos os partidos proviam
do dinheiro necessário para conseguir, na televisão e no rádio, o mesmo tempo que os demais.
Desse modo, a Lei Falcão restringia o tempo de todos os partidos a um padrão, de modo que,
na versão oficial, nenhum fosse prejudicado. Candidatos mais abonados ou de partidos políticos
mais ricos seriam apresentados ao público votante de forma exatamente igual a candidatos mais
pobres ou de partidos com menor capacidade econômica - embora, na época, existissem apenas
dois partidos (a ARENA, que dava sustentação à ditadura militar, e o MDB, oposição ao regime).
O formato restringia as possibilidades de exposição de ideias, já que não permitia a veiculação
de qualquer ideal, e era uma maneira considerada "lenta, gradual e segura”[3]de uma abertura
política proposta pelo então presidente.

A opinião dominante é que a lei fora implementada para tentar diminuir a simpatia do público
para com o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), já que este era um partido oposto à
Ditadura, na época, e vinha cada vez mais ganhando o apoio da população. Dessa forma, a crítica
ao regime militar seria evitada nos horários políticos eleitorais.[4]

O Movimento Democrático Brasileiro, com a intenção de criticar a Lei Falcão, saiu às ruas com
um "TV-MDB", um programa apresentado na carroça de um caminhão Chevrolet 51 que
percorria as ruas. No programa, entre os convidados havia candidatos e atrações como
repentistas. Sílvio Sebastiani, então presidente do diretório municipal do MDB, declarou sobre
a TV-MDB: "Com isso, atraímos público e mantemos uma crítica constante à 'Lei Falcão'. Essa
televisão, ninguém nos tira".[5]

A partir de 1984, a propaganda eleitoral voltou a ser liberada na televisão e, em 1985, as


disposições sobre propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão passaram a ser dadas
pela legislação regulamentadora de cada eleição. A Lei nº 9.504/97, art. 107, revogou o artigo
250 do Código Eleitoral e atualmente regulamenta a propaganda eleitoral brasileira. [4]

FONTE: WIKIPEDIA
A Lei da Anistia, no Brasil, é a
denominação popular dada à
lei n° 6.683,[1] sancionada pelo
presidente João Batista Figueiredo
em 28 de agosto de 1979, após uma
ampla mobilização social, ainda durante
a ditadura militar.
Em sua redação original dada pelo
Projeto de lei n° 14 de 1979-CN,[2]
dizia-se o seguinte:
“ Art. 1º É concedida anistia a todos quantos,
no período compreendido entre
02 de setembro de 1961 e 15 de
agosto de 1979, cometeram crimes
políticos ou conexo com estes,
crimes eleitorais, aos que tiveram
seus direitos políticos suspensos e
aos servidores da Administração Direta e Indireta,
de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e
Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com
fundamento em Atos Institucionais e Complementares e outros diplomas legais. ”
Embora esta tenha sido a redação original, o trecho final onde se lê "e outros diplomas legais"
foi vetado por orientação do então presidente João Batista Figueiredo em mensagem
apresentada à sessão conjunta do congresso nacional em 22 de agosto de 1979.

A ditadura militar de 1964, instaurada no Brasil após a deposição do presidente João Goulart,
ampliou ainda mais os seus poderes depois de 1968, com a promulgação do Ato Institucional n°
5 (AI-5), que permitiu ao Poder Executivo decretar o recesso do Congresso Nacional - na prática,
dissolver o parlamento. [3]

Na primeira metade dos anos 1970, surgiu o Movimento Feminino pela Anistia, liderado
por Therezinha Zerbini. Em 1978 foi criado, no Rio de Janeiro, o Comitê Brasileiro pela Anistia,
congregando várias entidades da sociedade civil, com sede na Associação Brasileira de
Imprensa. A luta pela anistia aos presos e perseguidos políticos foi protagonizada por
estudantes, jornalistas e políticos de oposição. No Brasil e no exterior foram formados comitês
que reuniam filhos, mães, esposas e amigos de presos políticos para defender uma anistia
ampla, geral e irrestrita a todos os brasileiros exilados no período da repressão política.

Em junho de 1979, o governo João Batista Figueiredo encaminhou ao Congresso Nacional o seu
projeto, que atendia apenas parte dos interesses, porque excluía os condenados por
atentados terroristas e assassinatos, segundo o seu art. 1º. Favorecia também os militares e os
responsáveis pelas práticas de tortura.
E SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE 1888
LOGO APÓS O TÉRMINO DA DITADURA
MILAGRE ECONÔMICO BRASILEIRO
Milagre econômico brasileiro é o nome dado à época de crescimento econômico elevado
durante a ditadura militar brasileira, entre 1969 e 1973, também conhecido como "anos de
chumbo". Nesse período de desenvolvimento brasileiro, a taxa de crescimento do PIB saltou de
9,8% a.a. em 1968 para 14% a.a em 1973 [1][2][3], e a inflação passou de 19,46% em 1968, para
15,6% em 1973. O Ministro da Economia Delfim Netto deixou o cargo em 15 de março de 1974.
Não ocorreu a privatização da Petrobrás no momento da crise do Petróleo, de acordo com
Delfim Netto, quando Geisel, como presidente da Petrobrás naquele ano de 1973, e histórico
varguista, recusou a ideia da privatização indo contra a vontade de Delfim Netto, ministro da
fazenda, e Antonio Dias Leite, ministro da Energia, note-se que a inflação vinha em queda desde
1964, depois de um aumento galopante pós-Kubitscheck[4]. Concomitantemente, houve no país
o aumento da concentração de renda e da desigualdade social[5].

Durante o milagre instaurou-se um pensamento ufanista de "Brasil potência", que se evidenciou


com a conquista da terceira Copa do Mundo em 1970 no México, quando se criou o mote:
"Brasil, ame-o ou deixe-o". Durante o milagre, a alta nas bolsas de valores brasileiras iniciada ao
final da década de 1960[6] resultou em um clima de euforia generalizada – incentivado por
canções como Pra frente Brasil –, apelidado pelo autor Elio Gaspari de "patriotada". Segundo
Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ e economista, o período do milagre econômico foi o que
gerou maior crescimento econômico desde a Proclamação da República. [7]

Foi, porém, um período paradoxal da História do Brasil. Ainda de acordo com Elio Gaspari, em
sua obra A Ditadura Escancarada[8]:

O Milagre Brasileiro e os Anos de Chumbo foram simultâneos. Ambos reais, coexistiam


negando-se. Passados mais de trinta anos, continuam negando-se. Quem acha que
houve um, não acredita (ou não gosta de admitir) que houve o outro.

INICIO

No governo de Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1961, o Brasil passou por um acelerado
crescimento econômico baseado no Plano de Metas, a partir do qual se pretendia dar conta de
cinquenta anos de progresso em apenas cinco. O ideal desenvolvimentista defendido por
Kubitschek assentava-se na política de substituição de importações sob a inspiração da CEPAL e
resultou, entre outras coisas, na construção de Brasília. Ao final do governo, uma forte pressão
inflacionária começou a ser sentida no país, agravando-se com a renúncia de Jânio Quadros e
com os impasses institucionais que marcaram o período de João Goulart (1961-1964). Tais fatos
fizeram com que se elevassem os déficits do governo de tal forma que o resultado foi uma forte
inflação de demanda.[9]
Logo após o Golpe Militar, que se seguiu em abril de 1964, no início do governo Castelo Branco,
foi criado um primeiro Programa de Ação Econômica do Governo - PAEG,[10] com dois objetivos
básicos: formular políticas conjunturais de combate à inflação, associadas a reformas
estruturais, que permitiram o equacionamento dos problemas inflacionários causados pela
política de substituição de importações e das dificuldades que se colocavam ao crescimento
econômico; o que requeria, agora, que fosse dado um segundo passo no processo: a expansão
da então pequena indústria de base (siderurgia, energia, petroquímica) para evitar que o
aumento da produção de bens industriais de consumo final, ampliada pela política de
substituição de importações, provocasse um aumento insustentável nas importações brasileiras
de insumos básicos, que a indústria nascente consumia de forma crescente.

Após um período de ajuste inicial recessivo, de março de 1964 até fins de 1967, marcado pela
reorganização do sistema financeiro do Brasil, pela recuperação da capacidade fiscal do Estado
e maior estabilidade monetária, iniciou-se em 1968 um período de forte expansão econômica
no Brasil dos incentivos fiscais do Estado[11]

De 1968 a 1973 o PIB brasileiro cresceu a uma taxa média acima de 10% ao ano, a inflação oscilou
entre 15% e 20% ao ano e a construção civil cresceu, em média, 15% ao ano. Antônio Delfim
Netto é considerado o principal arquiteto e executor das políticas econômicas dessa fase,
reconhecido por alguns como "superministro". Foi o momento de formação de grandes
conglomerados no Brasil.[12]

Em análises posteriores justifica-se esse grande crescimento afirmando que os mercados em


que os investimentos se concentraram eram todos (usando a expressão inglesa) Green Field
Market, ou seja, novas áreas para se investir. O mesmo ocorre nos dias atuais na República
Popular da China. Mais do que uma consequência de política econômica bem planejada, o
crescimento chinês é fruto do fato de muitos novos setores estarem se abrindo, possibilitando
um rápido e vertiginoso aumento da atividade econômica.

O PAPEL DAS ESTATAIS NESSE PROCESSO

Delfim Netto.

Em 1967, assume o comando da economia Antônio Delfim Netto e seu interino José Flávio
Pécora. Para Delfim, o PAEG teria provocado uma queda da demanda indesejada, causando
recessão e redução do nível de empregos. Segundo Delfim, o desenvolvimento interno do
mercado brasileiro poderia por si só gerar crescimento. Nesse contexto de recessão, o governo
adotou medidas de inspiração keynesiana, aumentado o investimento nas empresas estatais,
agora recapitalizadas graças à política da chamada verdade tarifária (isto é, fixação das tarifas
sem influências políticas), que as tornavam lucrativas e competitivas - conceito esse que foi
amplamente defendido pelos economistas e intelectuais brasileiros da época.
OBRAS REALIZADAS

Durante o milagre econômico, com intuito de romper a estagnação que se seguira ao governo
Kubitschek, e visando estimular o crescimento econômico, além de promover a integração
nacional, o governo militar tratou de implementar vários programas nas áreas de transportes,
energia e de estratégia militar..[13] A imprensa na época, que, em razão da censura vigente, não
podia criticar diretamente o governo, referiu-se a alguns desses projetos como "faraônicos",[14]
aludindo a infraestruturas enormes e de pouca importância útil. Porém, ao longo dos anos, a
maioria dessas obras, a exemplo da Itaipu e da Ponte Rio-Niterói, revelou-se importante e
necessária. A construção de Usinas Hidrelétricas por todo o pais deu condições de
desenvolvimento para uma série de regiões brasileiras[15]. No início da década de 70 o Brasil
construía a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira representando a maior Hidrelétrica do Mundo
Ocidental que junto com a Usina de Jupiá e Três Irmãos formavam o complexo energético de
Urubupungá com capacidade de 4.600.000 kW o maior do planeta na época superando a maior
usina americana a de Grand Coulle com 1.975.000 kW e sendo quase o dobro da famosa Assuã
no Egito com 2.160.000 kW, sendo superada apenas pelo complexo de Krasnojarsk na URSS que
também estava em construção na época com 6.000.000 kW.[16][17]

O motor desse rápido crescimento foram os dois Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs).
O primeiro era mais simples e visava a aproveitar a capacidade ociosa da indústria. O segundo
(1974-1979) tinha uma visão mais estratégica do país. O objetivo era investir na fabricação de
insumos básicos e bens de capital, calcanhar de Aquiles da industrialização brasileira, focada em
bens de consumo.[18] Francisco Eduardo Pires de Souza lembra que o II PND e as grandes obras
foram a forma de enfrentar a nova realidade internacional com o choque do petróleo.[19]

O Estado investiu muito na indústria pesada, siderurgia, petroquímica, construção naval e


geração de energia hidrelétrica. O sucesso dessa política econômica logo se tornou evidente: o
crescimento da produção de bens duráveis de consumo no Brasil daquele período alcançou a
taxa média de 23,6% ao ano, e o de bens de capital 18,1%. As empresas estatais cresceram e,
bem administradas, obtiveram lucros imensos.

PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO

Em 1972, é iniciada a construção de Angra 1 através da aquisição de um reator nuclear dos


Estados Unidos[20]. Para os militares da época, o domínio da tecnologia nuclear era
indispensável para soberania nacional.[21]

USINA HIDRELÉTRICA DE ITAIPU

Por meio de negociações com o Paraguai no início da década de 1970 que pretendia melhorar
os laços de cooperação entre os dois países e o aumento da capacidade de geração de
eletricidade do país, a usina hidrelétrica é iniciada em 1975 e finalizada em 1982, sendo a maior
usina hidrelétrica do país até a atualidade.[22]
INTEGRAÇÃO ECONÔMICA DA REGIÃO NORTE

Rodovia Transamazônica, Projeto Radambrasil e Zona Franca de Manaus

Visando a integração da Região Norte do Brasil com o resto do país, o governo tomou uma série
de medidas que permitiriam sua ocupação e desenvolvimento.[23] Para isso, o antigo Projeto
Radam fora retomado - cujo objetivo seria mapear e monitorar a vasta região amazônica - e uma
zona especial de incentivo fiscal foi criada em Manaus (Zona Franca de Manaus), para romper
com a estagnação econômica da cidade vivenciada na época. Também construiu-se uma extensa
rodovia não pavimentada, que partia do Nordeste e cruzava a maior parte da Amazônia Legal.
A estrada hoje se resume a trechos isolados de terra, sendo que as dificuldades em se mantê-la
em um ambiente equatorial e devido a maior praticidade do transporte hidroviário na área
também colaboraram para tal.[24]

PROJETOS HABITACIONAIS

O milagre econômico brasileiro ajudou o Estado brasileiro a executar planos de infraestrutura


urbana e desenvolver programas de habitação, consolidando projetos como os atuais bairros
planejados da cidade de Salvador: Castelo Branco, Narandiba, Mussurunga e Cajazeiras.[25]
Estes projetos e o aumento dos custos das terras aceleraram o crescimento das periferias, com
a má distribuição de renda que seguiu na época.[25]

"Este tipo de crescimento urbano é recente, caótico e extremamente expressivo e


corresponde ao mecanismo que ocorre nas grandes cidades do mundo
subdesenvolvido. Estamos falando da expulsão dos pobres, imigrantes ou nascidos na
cidade, dos centros urbanos para áreas mais distantes. O processo de formação da
periferia é um reflexo espacial da atual articulação entre agentes financeiros,
econômicos, políticos, sociais, institucionais e ideológicos tanto na escala local como na
global, articulação esta que expressa as relações entre as distintas classes sociais. É a
necessidade de satisfação do problema da habitação que gera o processo de formação
da periferia. (...) Vale a pena ressaltar que o próprio governo impulsiona este tipo de
crescimento urbano quando, como no caso de Salvador por exemplo, constrói grandes
conjuntos habitacionais através do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) em lugares
distantes e quase sem infraestrutura." – Rosali Braga Fernandes, professora da UEFS,
UNEB e UCSal[25]

CONCENTRAÇÃO DE RENDA

Apesar do equilíbrio obtido nas contas externas, a dívida nacional cresceu exponencialmente
nesse período, o que se tornou possível pelo elevado grau de liquidez internacional que então
prevalecia. Os países produtores de petróleo, com a elevação ocorrida em seu preço a partir de
1971 e, sobretudo, após a crise do petróleo em 1974, dispunham de grande liquidez e estavam
acumulando bilhões de dólares em seus caixas, que ofereciam, sob forma de empréstimos a
juros relativamente baixos, aos países importadores de petróleo, seus clientes. O Brasil se
utilizou amplamente desses financiamentos para consolidar seu crescimento e para aumentar
suas reservas internacionais.
Como o Brasil necessitava - para crescer - de aumentar sua poupança interna, prevaleceu um
conceito segundo o qual não se deveria adotar políticas econômicas de distribuição de renda já
que as classes de renda mais elevada poupavam mais que as de baixa renda. Assim, segundo
essa teoria, se a renda nacional fosse dirigida aos mais pobres, a poupança interna cairia
(baseado no princípio econômico de que a propensão para consumir é maior nas classes de
renda mais baixa).

Ficaram famosas as explicações dadas por Delfim na televisão, em que defendia: "É preciso
primeiro aumentar o 'bolo' (da renda nacional), para depois reparti-lo".[26]

Com isso adotou-se uma política salarial que os sindicatos apelidaram de "arrocho salarial" (ver:
Salário no Brasil). O salário mínimo real, apesar de cair menos do que no período entre 1964 e
1966, quando sofreu uma diminuição de 25%, baixou mais 15% entre 1967 e 1973.

Dessa forma, as vantagens do crescimento econômico não foram igualmente distribuídas pelas
diversas camadas da população e ficaram concentradas, principalmente, nos capitalistas e nas
classes sociais de renda mais alta. O salário mínimo continuou a ser achatado; graças à situação
de "pleno emprego", que havia no período, os operários mais especializados conseguiram, na
sua maioria, "descolar" seus salários do salário mínimo oficial e foram, assim, parcialmente
beneficiados pelo crescimento econômico ocorrido.

A correção monetária das poupanças protegia contra os efeitos da inflação a classe média e
média alta - que tinham contas bancárias -, mas não as classes baixas [que dificilmente tinham
contas bancárias], que viam sua renda ser transferida para as classes altas, aumentando a
concentração de renda.

Os dados de 1970 mostram que os 5% mais ricos da população aumentaram sua participação na
renda nacional em 9% (em relação a 1960) e detinham 36,3% da renda nacional. Já a faixa dos
80% mais pobres diminuíra sua participação em 8,7% no período, e ficara com 36,8% da
renda..[27]

Apesar do rápido crescimento econômico e da condição de pleno emprego que isso provocou,
houve um "empobrecimento dos mais pobres": eles simplesmente não aumentaram sua renda,
que era corroída em valor real pela inflação.

O crescimento econômico foi vigoroso: o consumo de energia elétrica crescia 10% ao ano,[28]
as montadoras de veículos produziram, em 1970, 307 mil carros de passeio, o triplo do número
produzido em 1964.[29] Os trabalhadores tinham em casa 4,58 milhões de televisores, contra
1,66 milhão em 1964..[30]
Viveu-se um ciclo inédito de desenvolvimento no Brasil; o governo divulgava estes números pela
publicidade na TV, que constituíam a viga mestra da política de sustentação publicitária do
governo militar; criavam-se motes de "Brasil Potência", "Brasil Grande" e o mais famoso deles,
"Brasil, ame-o ou deixe-o" ("slogan político" amplamente divulgado, sob o patrocínio do Centro
de Informações do Exército (CIE), que distribuía gratuitamente os adesivos nas cores verde-
amarela, para serem exibidos, com orgulho, nos para-choques de muitos carros particulares. Os
opositores ao regime viam nesse mote mais uma "patriotada").

Segundo dados divulgados pelo IPEAData, o coeficiente de Gini brasileiro era de 50,0 em 1960,
tendo piorado para 57,0 em 1970 e para 62,0 em 1977, oscilando em torno desses números até
hoje (2008), quando atingiu 52,0, o que revela uma lenta melhora, não tendo retomado aos
patamares da década de 60.

Contudo, há uma corrente de pesquisadores que aponta a comparação dos coeficientes de Gini
do início e do fim do milagre econômico como método insuficiente para análise da distribuição
de renda no período. Para eles, é preciso considerar outro fator. Na época de maior crescimento
econômico do país, ocorreu um intenso fluxo migratório do campo para a cidade decorrente da
expulsão dos trabalhadores rurais de suas propriedades amparada na promulgação do Estatuto
do Trabalhador Rural de 1963, alterado em 1973.[31]

Parte dessa imensa massa migratória foi absorvida pela indústria, sobretudo, não só de
construção civil, mas também pelas indústrias pesadas que não exigiam escolaridade e, em
menor número, pelo comércio. Os migrantes foram habitar as favelas no entorno das grandes
cidades, onde tiveram de lidar com uma série de novos encargos monetários aos quais não
estavam habituados: aluguel, água, luz, gás, transporte coletivo etc. A situação social e
econômica desse contingente migratório agravou-se devido à baixa escolaridade média, que os
impedia de disputar melhores cargos no mercado de trabalho, e à estrutura ineficiente de
serviços públicos.

O trabalho regular, "com carteira assinada", chegou a cobrir mais de 2/3 da população de São
Paulo [com salários baixíssimos por causa do arrocho salarial]. O subemprego - os que trabalham
nas ocupações de menor produtividade - sofreu queda marcante ao longo daqueles anos de
crescimento. A mera transferência de contingentes expressivos de mão de obra ocupada na
agricultura para empregos na indústria, na construção civil e nos serviços funcionais teve
impacto significativo no grau de pobreza.[32]

Houve uma única tentativa do governo militar no sentido de cuidar do problema de distribuição
de renda que, além de se revelar insuficiente, atendia apenas à zona rural: em 1971 foi criado,
pela Lei Complementar nº 11 de 25 de maio de 1971, durante o governo Médici, o Prorural, que
concedia meio salário mínimo mensal[achatado pela inflação] a todo lavrador ou pequeno
proprietário que completasse 65 anos.
O "milagre econômico" evidenciou a má distribuição de renda, conforme afirmado em O
MILAGRE ECONÔMICO BRASILEIRO de 30 de agosto de 2003, escrito por Carlos Frederico Pereira
da Silva Gama:

Em 1979, apenas 4% da população economicamente ativa do Rio de Janeiro e São Paulo


ganha acima de dez salários mínimos. A maioria, 40%, recebe até três salários mínimos.
Além disso, o valor real do salário mínimo cai drasticamente. Em 1959, um trabalhador
que ganhasse salário mínimo precisava trabalhar 65 horas para comprar os alimentos
necessários à sua família. No final da década de 70 o número de horas necessárias passa
para 153. No campo, a maior parte dos trabalhadores não recebe sequer o salário
mínimo.[33]

Este fenômeno de concentração de renda é uma consequência direta do próprio


desenvolvimento econômico.

Para evitar que distorções indesejáveis na distribuição de renda tivessem ocorrido o governo
precisaria ter adotado, políticas econômicas específicas para corrigir a concentração de renda,
o que não fez, sem as quais ela aumenta, naturalmente, ainda mais, durante os períodos de
crescimento.

A concentração de renda no Brasil permaneceu praticamente inalterada - seus índices oscilando


dentre as piores posições do mundo - durante as últimas quatro décadas. Uma análise desse
problema, que perdura até os tempos atuais, se encontra no artigo sobre distribuição de renda.

CRASH DE 1971

O crash que se iniciou em junho de 1971, foi o "estouro" da segunda maior bolha especulativa
da história brasileira em termos relativos, referente ao número de participantes do processo,
em relação à população total, e diversidade de classes sociais, às quais pertenciam. Embora,
nem de longe tenha causado os efeitos políticos, econômicos e sociais devastadores de seu
antecessor, ocorrido 80 anos antes.

A alta ocorrida nas bolsas de valores brasileiras, notadamente as do Rio e a de São Paulo, durante
o final da década de 1960, estava dentro do panorama de euforia econômica do período, não
sendo portanto um fenômeno isolado. Ao final do ano de 1970 não havia indícios do estouro da
bolha que ocorreria meses mais tarde. Mesmo ocorrendo altas de até 400% registradas em
algumas ações nas Bolsas, a euforia geral induzia a se acreditar que tais valorizações refletiriam
à real situação e potencial das empresas. Poucos perceberam à época a iminência do crash que
ocorreria.[34]

Não houve um dia específico de queda. As condições presentes nos mercados de capitais no
Brasil na época ajudaram a impulsionar a queda de liquidez que este então sofreu. Queda esta
que prosseguiu até 1973, e cujos efeitos psicológicos se fariam sentir por muitos anos, para a
grande massa que então começava a participar ativamente no mercado de capitais e que, a
exemplo da geração do encilhamento, foi pega na queda, tanto por não se encontrar preparada
do ponto de vista educacional-financeiro, para atuar nos mercados, quanto pelo próprio
mercado não estar preparado para recebê-la, já que não dispunha à época (para esta massa de
pequenos investidores e especuladores), de quaisquer mecanismo de atuação em relação a um
crash.[34]

Do sentimento de desconfiança que se gerou após sua ocorrência, agravado pelas crises do
petróleo na década de 1970, e da dívida externa no início da década seguinte, o mercado
brasileiro só iria se recuperar paulatinamente nos anos '80.[34]

O FIM DO MILAGRE

Após a prolongada queda do Crash de 1971, a partir de 1973 o crescimento da economia


brasileira diminuiu e em 1974 ocorreu o primeiro choque do petróleo, quando seu preço foi
elevado abruptamente de US$3,37 para US$11,25 por barril. A crise do petróleo provocou uma
aceleração da taxa de inflação no mundo todo e principalmente no Brasil, onde passou de 15,5%
em 1973 para 34,5% em 1974.[35] O corte nas importações foi uma das medidas adotadas para
a diminuição do gasto. Isso prejudicou o Brasil em dois sentidos: na perda de mercado externo
e em não poder restringir suas próprias importações. O crescimento diminuiu no período 1974-
1979 passando a 6,5% em média; na época do "milagre" as taxas de crescimento eram, em
média, superiores a 10% anuais, tendo alcançado picos de 13% anuais.

A balança comercial brasileira, a partir de 1974,[36] apresentou enormes défices causados


principalmente pela importação de petróleo, que ultrapassaram os 4 bilhões de dólares ao ano.
A capacidade de geração de divisas tornou-se insuficiente para sustentar o ritmo do
crescimento. Houve dois tipos de inflação, a oficial, que servia de índice, e a verdadeira, que se
deduzia pela alta taxa de juros, chegando a superar em 50% os índices governamentais. No final
dessa década, a inflação chegou a 94,7% ao ano; em 1980 já era de aproximadamente 110% e
em 1983 alcançou o patamar de 200%.

A chegada de Jimmy Carter à Casa Branca em 1977 também dificultou a sustentabilidade


político-econômica da ditadura militar brasileira, visto que Carter foi o primeiro presidente
desde o assassinato de John Kennedy em 1963 que não deu pleno apoio norte-americano a
regimes anticomunistas e autoritários na América Latina.

Além disso, houve a alta internacional dos juros, em 1979, o que levou ao aumento da dívida do
país. Isso tornou o Brasil mais dependente dos empréstimos do exterior. Os juros dos Estados
Unidos subiram de 6,7% ao ano para 15,5% no período de 1970 a 1982. Uma recessão foi
provocada pelos desacertos da política econômica do ministro Delfim Neto, aumentando o
endividamento e refletindo em taxas negativas no PIB.[37]

A dívida externa brasileira chegou a US$ 90 bilhões. Para pagá-la, eram usados 90% da receita
oriunda das exportações, e o Brasil assim entrou numa fortíssima recessão econômica que
duraria até a década de 1990 e que tem como maior fruto o desemprego, que se agravou com
o passar dos anos.

Ver também

• Década perdida

• Hiperinflação no Brasil

• Crise político-econômica no Brasil desde 2014

• História econômica do Brasil

• Anos de chumbo (Brasil)

• História da industrialização no Brasil

REFERÊNCIAS

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2. ↑ MUNHOZ, Décio Garcia (jan/jun/1997). «Inflação Brasileira: os ensinamentos desde


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3. ↑ MARQUES, Maria Silva Bastos (1985).


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5. ↑ HAMMOUD, Ricardo H. Nahra. Crescimento, desenvolvimento e desigualdade de


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Paraná.

6. ↑ Azevedo, Simone/Barcellos, Marta "Histórias do Mercado de Capitais no Brasil"


Elsevier Ed. Ltda 2011 ISBN 9788535239942 Capítulo 4 Visualização Google Livros
7. ↑ Gomes, Wagner (4 de Março de 2011). «Lula fica na 19ª posição entre presidentes do
país». O Globo. senado.leg.br. Consultado em 23 de Dezembro de 2013

8. ↑ GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo:Cia. da Letras, 2002; ISBN


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9. ↑ Kurt Rudolf Mirow, A ditadura dos cartéis, anatomia do subdesenvolvimento, p 203

10. ↑ A Crise dos Anos 60 e o PAEG Gênio da Lâmpada.

11. ↑ Kurt Rudolf Mirow, A ditadura dos cartéis, anatomia de um subdesenvolvimento, p


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12. ↑ POSSAS, Mario Luiz. Empresas Multinacionais e Industrialização no Brasil. In:


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13. ↑ admin. «Ditadura Militar». Portal São Francisco. Consultado em 18 de abril de 2019

14. ↑ «Como er a a ditadura militar após o golpe de 1964 ? -


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15. ↑ «Complexo Energético de Urubupungá»

16. ↑ «Construção UHE Ilha Solteira»

17. ↑ «Museu da Energia» (PDF)

18. ↑ «Obras do Regime Militar»

19. ↑ «Obras Regime Millitar»

20. ↑ VASCONCELOS CRUZ, Eduardo Lucas (junho de 2015). «ANTECEDENTES DO ACORDO


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21. ↑ «O Submarino Atômico e a Bomba Brasileira». www.nuctec.com.br. Consultado em


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22. ↑ «Acordos e desacordos de Itaipu - Infográficos». Estadão. Consultado em 18 de abril


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23. ↑ «Cópia arquivada». Consultado em 13 de junho de 2012. Arquivado do original em 10


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24. ↑ «Amazônia Legal - Transamazonica». www.amazonialegal.com.br. Consultado em 18


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25. ↑ Ir para:a b c Rosali Braga Fernandes (20 de julho de 2004). «Processos Recentes de
Urbanização / Segregação em Salvador: O Miolo, Região Popular e Estratégica da
cidade». Universidade de Barcelona. www.ub.edu. Consultado em 9 de maio de
2019. Cópia arquivada em 7 de maio de 2019

26. ↑ Adriano Carneiro Giglio & José A.S. Nogueira "Contextos Brasileiros" IESDE Brasil S.A.
2008 ISBN 9788538720201 Pág. 32, penúltimo parágrafovisualização Google
livros descer a Barra de rolagemlateral para chegar ao trecho
27. ↑ SINGER, Paul. O Milagre Brasileiro - Causas e Conseqüências, Caderno Cebrap, nº 6,
1972, São Paulo.

28. ↑ Anuário Estatístico do Brasil - 1971, Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1972.

29. ↑ SHAPIRO,Helen. A primeira migração das montadoras: 1956-1968, em De JK a FHC- a


Reinvenção Dos Carros; organizado por ARBIX, Glauco e ZILBOVICIUS, Mauro (orgs.). São
Paulo: Scritta, 1997, p. 66

30. ↑ MATTOS, Sérgio. A Televisão No Brasil: 50 Anos de História Salvador: Editora


Paz/Edições Ianamá, 2000, p. 95

31. ↑ «Lei Nº 4.214 de 2 de março de 1963.MARÇO DE 1963 Dispõe sobre o "Estatuto do


Trabalhador Rural"». Consultado em 16 de janeiro de 2007. Arquivado do original em 9
de janeiro de 2007

32. ↑ SALM, Cláudio. Estagnação Econômica, Desemprego e Exclusão Social. , in: SICSÚ,
João; PAULA, Luiz Fernando; e RENAUT, Michel; organizadores. Novo-
desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social.
Barueri:Manole; Rio de Janeiro:Fundação Konrad Adenauer, 2005. ISBN 85-98416-04-
5 (Manole) pp. 200-201

33. ↑ Retirado de Usina de Letras Teses, Monólogos.

34. ↑ Ir para:a b c Ibidem Azevedo & Barcellos, 2011

35. ↑ Kurt Rudolf Mirow, A ditadura dos cartéis, anatomia do subdesenvolvimento, p 204

36. ↑ Celso Furtado, Análise do "Modelo" Brasileiro, 1982, 7ª edição, Editora Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, "O verdadeiro milagre" -Trecho: "Em 1974 o volume físico das
importações aumentou em 33,5 por cento, enquanto o das exportações declinava em
1,4 por cento. O saldo negativo da conta corrente da balança de pagamentosalcançou 7
por cento do PIB nesse ano".

37. ↑ A Política Econômica do Regime Militar - Os Choques do Petróleo e dos Juros, em


CHIAVENATO,J. Jose. O golpe de 64 e a Ditadura Militar

Ligações externas

• Políticas Económicas de Desenvolvimento - (para entender mais sobre o assunto)

• Artigo: A política econômica do governo Médici: 1970-1973. publicado na revista Nova


Economia

• "Milagre" explicado

FONTE: WIKIPEDIA

https://pt.wikipedia.org/wiki/Milagre_econ%C3%B4mico_brasileiro
UFANISMO

Slogan Brasil, ame-o ou deixe-o, onde


“amar" é sinônimo de aceitar as leis
constitucionais, e "deixe-o" um termo
figurativo para aqueles que não
concordavam com o regime militar.

O ufanismo (jactância ou autovangloriação de um país) é uma expressão utilizada no


Brasil em alusão a uma obra escrita pelo conde Afonso Celso cujo título é Porque me
Ufano do Meu País.

O adjetivo ufano provém da língua espanhola e significa a vanglória de um grupo


autoenaltecendo fatos e feitos. Portanto, no caso do Brasil, pode-se afirmar que o
ufanismo é a atitude ou posição tomada por determinados grupos que enaltecem o
potencial brasileiro, suas belezas naturais e riquezas.

Na verdade os ufanistas acabavam por extrapolar ao se vangloriar desmedidamente das


riquezas brasileiras, muitas vezes expondo a si e ao país a uma situação que seria
interpretada por outros como jactância, bazófia e vaidade.

O governo militar brasileiro iniciou um período de campanhas ufanistas para conquistar


simpatia da população.[1] Assim, surgiram os slogans "Ninguém segura este país" e
"Brasil, ame-o ou deixe-o", e as músicas com refrão "Eu te amo, meu Brasil, eu te amo;
ninguém segura a juventude do Brasil", “Este é um país que vai pra frente (…)".[1] O hino
da Copa de 1970 era cantado pelo país: "noventa milhões em ação, pra frente, Brasil do
meu coração (…) Salve a seleção".[1][2] A euforia gerada na população pela vitória na
primeira transmissão ao vivo de uma Copa levava-a às ruas para cantar versinhos
patrióticos, misturando governo e futebol em um carnaval fora de época.[1][2][3]
REFERÊNCIAS

1. ↑ Ir para:a b c d «Classificação Indicativa no Brasil: desafios e


perspectivas» (PDF). Ministério da Justiça. Ministério Público do Estado de Goiás.
2006. 87 páginas. Consultado em 9 de dezembro de 2011. Empenhados em
reforçar as boas intenções do regime, os militares inauguram um período de
campanhas ufanistas. Época do “Brasil Grande”. Surgem slogans como
“Ninguém segura este país”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, onde “amar” era
sinônimo de aceitação do arbítrio institucionalizado e “deixe-o”, justificativa para
as prisões e o exílio - forçado ou voluntário - a que centenas de pessoas foram
submetidas. A dupla Dom e Ravel explodia em rádios e programas de televisão
com o refrão: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo; ninguém segura a juventude do
Brasil”. Nas escolas, as crianças cantavam “Este é um país que vai pra frente (…)”.
O hino da Copa de 1970 brandia “Noventa milhões em ação, pra frente Brasil do
meu coração”.
2. ↑ Ir para:a b «"TODOS JUNTOS VAMOS, PRA FRENTE BRASIL" - O FUTEBOL, OS
MEIOS DE COMUNICAÇÃO, O PÚBLICO E O PRIVADO» (PDF). Revista Extraprensa.
764 páginas. Consultado em 9 de dezembro de 2011. Elio Gaspari […] Narra
assim a conquista do Tri: "O país cantava: noventa milhões em ação, pra frente,
Brasil do meu coração (…) Salve a seleção. Nunca se vira algo igual. Fora a
primeira Copa transmitida ao vivo, e as multidões vitoriosas iam às ruas com os
versinhos patrióticos que empanturravam as transmissões dos jogos. […] Falava-
se de um 'Brasil Grande', 'Brasil Potência'. Distribuíam-se adesivos com a
inscrição 'Brasil, ame-o ou deixe-o'. País, futebol, Copa, seleção e governo
misturavam-se num grande Carnaval de junho".[ligação inativa]
3. ↑ «O Futebol na Telinha: A Relação Entre o Esporte Mais Popular do Brasil e a
Mídia» (PDF). Intercom. Maio de 2010. 9 páginas. Consultado em 9 de dezembro
de 2011. O sentimento de integração nacional continua e atinge seu apogeu na
ditadura militar. O Brasil é exaltado como um país integrado através do futebol
e o tema musical da Copa de 70 mostra bem essa mistura ufanista com
progressista e integracionista: “noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do
meu coração […] De repente é aquela corrente pra frente parece que todo o Brasil
deu a mão. Todos unidos na mesma emoção, tudo é um só coração. Todos juntos
vamos, pra frente Brasil, salve a seleção”.
Ver também
• Publicidade do regime militar de 1964
• Samba-exaltação
FONTE: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ufanismo
GUAYRÁ

Guayrá foi uma grande região geográfica no Brasil meridional em grande parte coincidente com
o atual estado do Paraná. Fazia parte do Império Espanhol como um território pertencente ao
Governo do Rio da Prata e do Paraguay até divisão em 1617, data em que foi incluída no governo
do Paraguai, o qual foi, inicialmente, chamado de Gobernación del Guayrá.

TOPONÍMIA

A palavra Guayrá vem do nome de um cacique da região chamado Guayrá ou Guayracá. Também
recebe o nome La Piñería (expressão espanhola para "o pinheiral") porque grande parte da terra
era coberta com o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia), também conhecido pelo nome
da língua geral paulista curi (donde provém o nome da atual capital paranaense, Curitiba).[1]

Com a mesma origem, grafa-se, no português atual, Guaíra, e no espanhol moderno, Guairá.

LIMITES

O Guairá tinha, como limites, o rio Iguaçu (ao sul), o rio Paraná (a oeste), a linha do Tratado de
Tordesilhas (a leste) que a separava do Brasil (deste modo o Oceano Atlântico, acabou por ser o
limite natural a leste de Guairá nestas latitudes), e o rio Tietê (ou Anhembi; rio que separava os
guaranis dos tupis) ao norte. A área de atuação dos Jesuítas foi desenvolvida em um território
mais reduzido entre os rios Paraná, Iguaçu, Tibaji (ou Tibajiva, que era o limite efetivo com os
portugueses) e Paranapanema.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS

A região consiste, em sua maior parte, em planaltos com cadeias montanhosas e serras cobertas
por densas florestas de coníferas, sobretudo (dado o clima razoavelmente temperado na maior
parte do território) pela Mata de Araucária. O território é atravessado por muitos rios, como o
Paraná, Paranapanema, Iguaçu, Tibaji, Piquiri, Pirapó, Iapó etc.

HISTÓRIA

A descoberta pelos europeus

Em 1522, Aleixo Garcia cruzou a região. Em 1533, Domingo Martínez de Irala percorreu o vale
do rio Paraná. O limite sul do Guayrá foi explorado por Álvar Núñez Cabeza de Vaca, que a
partindo da Ilha de Santa Catarina, percorrendo o Caminho do Peabiru, descobriu as Cataratas
do Iguaçu e chegou a Assunção em primeiro de março de 1542. Em 1551, Diego de Sanabria fez
o mesmo percurso a partir de San Francisco de Mbiaza (Mbiaza= saída, que era a região costeira
do Guairá e corresponde à atual São Francisco do Sul, SC).

POPULAÇÕES ESPANHOLAS

A cidade de Ontiveros foi fundada pelo capitão García Rodríguez de Vergara, por ordem de Irala
em 1554, na margem esquerda do rio Paraná, entre a foz do rio Iguaçu e o rio Piquiri no atual
noroeste do Estado do Paraná, cerca de 50 quilômetros ao norte da cidade de Salto del Guairá
(Sete Quedas), nas terra do cacique Canindeyú com o objetivo de servir como elo de ligação com
o Brasil.

A Ciudad Real del Guayrá foi fundada em 1556 pelo capitão Ruy Diaz Melgarejo, na margem
esquerda do rio Paraná, sob a foz do rio Piquiry a 3 léguas de Ontiveros, no local onde onde
existia a aldeia do cacique Guahyrá[2], nas imediações da atual cidade de Guaíra (Paraná).

Rui Díaz de Melgarejo fundou Villa Rica del Espíritu Santu, 14 de maio de 1570, 350 quilômetros
a leste das Sete Quedas e 60 léguas de Ciudad Real, no atual município de Nova Cantu. Em 1575,
foi transferida por Ruy Diaz Guzman à confluência dos rios Ivaí e Corumbataí (atual município
de Fênix (Paraná)).
MISSÕES

Aproveitando-se de densas florestas e selvas, a região do Guayrá pelo início dos anos 1600 tinha
se tornado um lugar de refúgio para aqueles Guaranis que fugiam dos encomenderos do
Paraguai, e comerciantes de escravos portugueses que, aproveitando do período da "união
dinástica aeque principaliter" de Portugal e Castela, atravessavam a linha de Tordesilhas em
busca de ouro e escravos para as plantações de cana-de-açúcar na Capitania de São Vicente.

Reduções Jesuíticas do Guairá no século XVI.

Os jesuítas Manuel Ortega e Thomas Fields, conhecedores da Língua tupi, semelhante ao


Guarani, pois já haviam missionado anteriormente no Brasil, passaram a explorar o Guayrá e
depois se estabeleceram em Villa Rica del Espíritu Santu em 1588. Em 1593, exploraram a região
os jesuítas Juan Saloni e Martial Lorenzana, mas logo após as missões do Guayrá foram
abandonadas e os jesuítas se mudaram para Tucumán.

Logo após os jesuítas foram direcionados às áreas mais remotas de Assunção. Um decreto real
de 16 de março de 1608 ordenou que o governador do Paraguai, Hernando Arias de Saavedra,
direcionasse os jesuítas para o Paraná, Guayrá e para a região dos Guaicurus, onde os indígenas
estariam isentos das “encomiendas”.
Os padres jesuítas José Cataldino e Simon Mazet partiram de Assunção em 8 de dezembro de
1609 enviados pelo bispo Lizárraga e pelo governador Hernandarias sob as instruções do jesuíta
Diego de Torres Bollo de missionar no Guayrá. Estes padres fundaram as reduções de Nuestra
Señora de Loreto e San Ignacio Miní (I), em 1610 nas margens do Paranapanema, próximo ao
Pirapó, a primeira, e na área chamada Itambaracá, a segunda.

Em 1612, foram enviados, para o Guayrá, os jesuítas Antonio Ruiz de Montoya e Antonio de
Moranta, que adoeceu e retornou a Assunção. Ruiz de Montoya continuou até Guayrá e, em
seguida, juntou-se o padre Xavier Martín Urtaner (ou Urtazu). Em 1622, Ruiz de Montoya foi
nomeado Superior da missão de Guayrá como sucessor de Cataldino.

Entre 1622 e 1628, os jesuítas fundaram mais de onze reduções no Guayrá. Instaladas no Vale
do Paranapanema estavam as reduções de Nossa Senhora de Loreto e San Ignacio. No vale do
Tibaji: San Jose, San Francisco Xavier, Encarnación e San Miguel. Nas margens do Ivaí estava:
Jesus Maria, San Antonio e San Pablo e no rio Corumbataí: São Tomé e Sete Arcanjos. Nas
cabeceiras do rio Piquiri estavam: San Pedro e Concepcióni e no médio Piquiri o santuário de
Nossa Senhora de Copacabana.

Assim, além das cidades "brancas" Ontiveros, Ciudad Real del Guayrá e Villa Rica del Espíritu
Santu, existiram as seguintes reduções ou "pueblos" sob a soberania espanhola e sob a
administração Jesuíta:

Nas margens do Paranapanema:

Nossa Senhora de Loreto do Pirapó (1610)

San Ignacio Mini (I) (1612)

Pelo rio Tibaji e seus afluentes:

San Francisco Xavier (1622)

Nuestra Señora de la Encarnación (1625)

San Jose (1626)

San Miguel (1627)

Pelo rio Ivaí:

Sete Arcanjos (1627)

San Pablo del Ivagy (1627)

Santo Tomé (1628)

Nas margens do Piquiri:


Jesus Maria de Guaraverá (1628)

San Pedro de los Piñares (1627)

Nossa Senhora da Conceição (1627)

INVASÃO PORTUGUESA

A partir de 1627, começaram os ataques bandeirantes em busca de indígenas fora das reduções
e a partir de 1629 começaram a atacar também as reduções do Guairá. Em 1628, os
bandeirantes Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto construíram um forte na margem
esquerda do Tibaji. Os indígenas sobreviventes concentrados nas duas únicas reduções
restantes intactas (Loreto e San Ignacio Mini), no final de 1631, conduzidos pelo padre Antônio
Ruiz de Montoya protagonizaram o Êxodo Guairenho, onde cerca de 12 mil indígenas e 700
embarcações viajaram rio abaixo pelo Paranapanema e, em seguida, pelo Paraná. Perto das Sete
Quedas, "encomenderos" da Ciudad Real tentaram impedir a expedição, mas tiveram que
desistir, pois os índios passaram as quedas por terra onde perderam muitos de suas
embarcações. Ali, se uniram, a eles, cerca de 2 000 Guaranis provenientes das reduções de
Tayaoba guiados pelo padre Pedro Espinosa. Após grandes dificuldades divididos em grupos que
avançaram por terra e pelo rio, conseguiram atingir as reduções de Natividad del Acaray y Santa
María del Iguazú e onde receberam ajuda para continuar pelo o Paraná até que em março de
1632 refundaram San Ignacio Miní e Nossa Senhora do Loreto, nas margens do córrego
Yabebyry. Apenas 4 000 guaranis conseguiram chegar.

Os bandeirantes atacaram, em 1631 e 1632, a Ciudad Real del Ciudad Guayrá e Villa Rica do
Espírito Santo. Villa Rica foi cercado por três meses em 1632 e, em seguida, mudou-se para oeste
do rio Paraná. Finalmente, em 1638, a Ciudad Real Guayrá foi arrasada, terminando com o
domínio espanhol no Guayrá.

O avanço sistemático dos bandeirantes pelo leste e a passividade das autoridades espanholas -
pois tentavam evitar conflitos dentro da "união dinástica aeque principaliter" – obrigou os
espanhóis do Guayrá a recuar para a margem direita do rio Paraná, transferindo suas aldeias.

Em 1750, o Tratado de Madri estabeleceu os limites entre Espanha e Portugal, abolindo a linha
do Tratado de Tordesilhas, reconhecendo o território de Guayrá como Português.

Artigo V: Subirá desde a boca do Ibicuí pelo álveo do Uruguai, até encontrar o
do rio Peipiri ou Pequiri, que deságua na margem ocidental do Uruguai; e
continuará pelo álveo do Pepiri acima, até a sua origem principal; desde a qual
prosseguirá pelo mais alto do terreno até a cabeceira principal do rio mais
vizinho, que desemboque no rio Grande de Curitiba, por outro nome chamado
Iguaçu. Pelo álveo do dito rio mais vizinho da origem do Pepiri, e depois pelo do
Iguaçu, ou rio Grande de Curitiba, continuará a raia até onde o mesmo Iguaçu
desemboca na margem oriental do Paraná; e desde esta boca prosseguirá pelo
álveo do Paraná acima; até onde se lhe ajunta o rio Igurei pela sua margem
ocidental.

CONSOLIDAÇÃO BRASILEIRA

A ocupação brasileira da região do Guayrá se afirmou em 1870 com o final da Guerra da Tríplice
Aliança. Mais tarde, foi nomeado de "Departamento de Guaira" uma pequena província
localizada no centro leste do Paraguai, para onde foi transferida Villa Rica do Espírito Santo, em
um território que não estava incluído no Guairá original. Durante a ocupação Portuguesa e
durante grande parte da história brasileira do século XIX, o Guayrá fazia parte da província de
São Paulo, depois de 1853 se tornou o estado (então província) do Paraná. A consolidação
brasileira não se concretizou completamente até as primeiras décadas do século XX, quando os
limites atuais foram estabelecidos com a Argentina através da "Questão de Palmas" ou "das
Missões" e quando terminou a Guerra do Contestado.

FILMES

• A Missão (The Mission, Grã Bretanha 1986) dirigido por Roland Joffé e com trilha sonora
de Ennio Morricone.

Elenco principal: Robert De Niro (Rodrigo Mendoza), Jeremy Irons (Padre Gabriel), Liam
Neeson (Fielding), Ray McAnally (Altamirano), Aidan Quinn (Felipe Mendoza), Cherie
Lunghi (Carlotta), Ronald Pickup (Hontar), Chuck Low(Cabeza)

REFERÊNCIAS

1. ↑ NAVARRO, E. A. Dicionário da língua tupi. São Paulo. Global. 2013. p. 559.

2. ↑ A REDUÇÃO DE NUESTRA SEÑORA DE LA FE NO ITATIM: ENTRE A CRUZ E A ESPADA


(1631-1659), acesso em 22 de outubro de 2017.

BIBLIOGRAFIA

• ASSUMPÇÃO, T. Lino de. História geral dos Jesuítas. Lisboa: Moraes Ed., 1982.

• CORTESÃO, Jaime. Jesuítas e Bandeirantes no Guiara (1549-1640). (manuscritos da


Coleção de Angelis, 1). Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951.

• España en Europa: estudios de historia comparada : escritos seleccionados de John


Huxtable Elliott, Rafael Benítez Sánchez-Blanco

• MONTOYA, Pe. Antonio Ruiz de. Conquista Espiritual del Paraguay. Madri: S.E., 1639.

• NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil, 1549-1560. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.

FONTE: WIKIPEDIA https://pt.wikipedia.org/wiki/Guayr%C3%A1


TRATADO DE MADRID (1750)

O Tratado de Madrid foi um tratado firmado na capital espanhola entre os reis João V
de Portugal e Fernando VI de Espanha, em 13 de Janeiro de 1750, para definir os limites
entre as respectivas colônias sul-americanas, pondo fim assim às disputas.[1] O objetivo
do tratado era substituir o Tratado de Tordesilhas, que já não era mais respeitado na
prática.[2] Pelo tratado, ambas as partes reconheciam ter violado o Tratado de
Tordesilhas na América e concordavam que, a partir de então, os limites deste tratado
se sobreporiam aos limites anteriores.[3] As negociações basearam-se no chamado
Mapa das Cortes, privilegiando a utilização de rios e montanhas para demarcação dos
limites. O diploma consagrou o princípio do direito privado romano do uti possidetis, ita
possideatis (quem possui de fato, deve possuir de direito), delineando os contornos
aproximados do Brasil de hoje.[4]

UNIÃO IBÉRICA

Filipe, rei de Espanha e Portugal.


Com a União Ibérica (1580-1640), embora os respectivos domínios ultramarinos
continuassem separados teoricamente, é certo que tanto espanhóis entravam sem
grandes problemas em territórios portugueses, quanto lusitanos entravam em terras
espanholas, estabelecendo-se e com isso obtendo títulos de propriedade que seriam
respeitados pela diplomacia posterior. Esta ótica da questão de fronteiras durante a
União é inexata já que continuou existindo uma rivalidade entre os dois povos, porém
isso explica em parte esta expansão. Iam se estabelecendo, assim, algumas das futuras
fronteiras terrestres do Brasil.[5] Pela orla marítima os portugueses estenderam seus
domínios da Baía de Paranaguá ao Rio Oiapoque (antes os extremos no litoral eram
Cananéia e Itamaracá). Nesse período conquistaram-se muitas regiões do Nordeste e do
Norte (da Paraíba ao Grão-Pará e quase toda a Amazônia).[4] Também houve grande
expansão ao Sul (onde bandeiras de caça ao índio destruíram assentamentos jesuíticos
espanhóis nos atuais oeste paranaense, no centro do Rio Grande do Sul e no Mato
Grosso do Sul, o que contribuiu para incorporar esses territórios ao atual Brasil).[5]

Durante a União Ibérica, o Brasil continuou a ser alvo de estrangeiros como os franceses,
porém os maiores inimigos foram os holandeses - que até 1571 tinham seu território
dominado pela Espanha, o que motivou sua ação contra os espanhóis e seus aliados.
Apesar da força com que invadiram o Brasil e aí se estabeleceram, principalmente na
faixa litorânea que hoje vai do Espírito Santo ao Maranhão e de modo peculiar em
Pernambuco, eles foram definitivamente expulsos em 1654, 14 anos após a Restauração
de Portugal como reino independente.

A COLÔNIA DE SACRAMENTO

Antiga muralha erguida pelos portugueses na Colônia do Sacramento.


Após a restauração em 1640, a paz entre Portugal e Espanha foi firmada em 1668.
Portugal ainda não havia desistido de estender seus domínios até a foz do Prata, razão
pela qual o rei ordenou em 1678 a fundação de uma colônia naquela região para
sustentar e afirmar seus direitos sobre a localidade. O limite vigente, definido pelo
Tratado de Tordesilhas, não era claro, e cada parte tinha a sua interpretação. Para os
portugueses, as 370 léguas deveriam ser medidas a partir da Ilha de Santo Antão, em
Cabo Verde, mas para os espanhois, o ponto de partida seria a ilha de São Nicolau. De
posse de um mapa, elaborado por João Teixeira, os portugueses afirmavam que a linha,
se medida a partir da ilha de São Nicolau, passaria a 19 léguas a leste da região, que
estaria sob domínio espanhol, mas se medida a partir da ilha de Santo Antão, passaria a
13 léguas a oeste, e a região seria de domínio português. Em 1679, o governador da
capitania do Rio de Janeiro Manuel de Lobo partiu, com apoio dos comerciantes
interessados em ampliar seus negócios com a América espanhola, para fundar o que
seria o primeiro assentamento europeu no território que viria a formar o Uruguai. Em
frente à cidade de Buenos Aires, na margem oposta do Prata, a colônia se tornaria um
centro de contrabando para comerciantes portugueses e ingleses terem acesso a
Buenos Aires, durante a proibição do comércio de gêneros do Brasil, como açúcar,
tabaco e algodão.
Tão logo tomou ciência da ocupação portuguesa, o governador espanhol mobilizou
tropas e desalojou os portugueses da região e prendeu Manuel de Lobo. Após protestos
de Portugal que levaram à intervenção do papa Inocêncio XI, a colônia foi devolvida aos
portugueses em 1683, o que foi ratificado nos tratados de Lisboa (1701) e de Utrecht
(1715). Em 1714, durante a negociação deste último, Alexandre de Gusmão tomou
conhecimento dos sentimentos envolvidos. Para os espanhóis, o controle do estuário
do Prata, e da navegação da prata oriunda do Peru, era indispensável à segurança do
seu império, ameaçado pelos britânicos aliados dos portugueses. A posse exclusiva
daquela região representava condição de vida ou morte. Por outro lado, para os
portugueses, abandonar a região à nação que haviam derrotado na última guerra era
motivo de desonra.[6] Após alguns atritos, o soberano espanhol concedeu o inteiro
domínio da margem setentrional do rio da Prata e em 1715, confirmou que o Prata era
o limite ao sul do Brasil.

A definição geral dos limites ocorreria em 1750 com o tratado de Madrid.[1] Os Sete
Povos das Missões foram deixados em paz até 1750. Pelo tratado, a área dos Sete Povos
das Missões passaria a pertencer a Portugal e em troca a Colônia do Sacramento (no sul
do atual Uruguai) passaria ao domínio espanhol. Porém os portugueses exigiam a
expulsão dos povos missioneiros.

O TRATADO

O Tratado de Madrid foi a primeira tentativa de pôr fim ao litígio entre Espanha e
Portugal a respeito dos limites de suas colônias na América do Sul.[1]

Com as epopeias dos bandeirantes, desbravando o interior do Brasil, criando pequenos


povoamentos, a validade do antigo Tratado de Tordesilhas estava em xeque. O novo
Tratado tinha por objetivo "que se assinalassem os limites dos dois Estados, tomando
por balizas as paragens mais conhecidas, tais como a origem e os cursos dos rios e dos
montes mais notáveis, a fim de que em nenhum tempo se confundissem, nem dessem
ensejo a contendas, que cada parte contratante ficasse com o território que no
momento possuísse, à exceção das mútuas concessões que nesse pacto se iam fazer e
que em seu lugar se diriam".[5] Assinado em 1750, o tratado não usava as linhas
convencionais, mas outro conceito de fronteiras, introduzido neste contexto por
Alexandre de Gusmão, a posse efetiva da terra (uti possidetis) e os acidentes geográficos
como limites naturais.[4]
Com trabalhos apresentados à Corte espanhola, Gusmão comprovou que as usurpações
luso-espanholas em relação à linha de Tordesilhas (1494) eram mútuas, com as
portuguesas na América (parte da Amazônia e do Centro-oeste) sendo compensadas
pelas da Espanha na Ásia (Filipinas, Ilhas Marianas e Ilhas Molucas).

Apesar de Tomás da Silva Teles (Visconde de Vila Nova de Cerveira) ter representado
Portugal,[5] Alexandre de Gusmão foi o redator do Tratado e o idealizador da aplicação
do uti possidetis.

Em 1746, quando começaram as negociações diplomáticas a respeito do Tratado,


Alexandre de Gusmão já possuía os mapas mais precisos da América do Sul, que
encomendara aos melhores geógrafos do Reino. Era um dos trunfos com que contava
para a luta diplomática que duraria quatro anos.

Alexandre sabia que os espanhóis jamais deixariam em paz uma colônia (Colônia do
Sacramento) que lhes prejudicava o tesouro. Além disso, descobrira-se ouro no Brasil,
não sendo preciso entrar em conflitos por causa da prata peruana. Para a compensação,
já tinha em vista as terras convenientes à coroa portuguesa: os campos dos Sete Povos
das Missões, a oeste do Rio Grande do Sul, onde os luso-brasileiros poderiam conseguir
grandes lucros criando gado.

Finalmente, em Madrid, a 13 de janeiro de 1750, firmou-se o tratado:[4] Portugal cedia


a Colônia do Sacramento e as suas pretensões ao estuário do Prata, e em contrapartida
receberia o atual estado do Rio Grande do Sul, partes de Santa Catarina e Paraná
(território das missões jesuíticas espanholas),[5] o atual Mato Grosso do Sul, a imensa
zona compreendida entre o Alto-Paraguai, o Guaporé e o Madeira de um lado e o
Tapajós e Tocantins do outro, regiões estas desabitadas e que não pertenceriam aos
portugueses se não fossem as negociações do tratado.[4]

Foi meio continente assegurado a Portugal pela atividade de Alexandre de Gusmão. Para
a região mais disputada, o Sul, o santista já enviara, em 1746, casais de açorianos para
garantir a posse do terreno.[5] Era uma nova forma de colonização que Alexandre
preconizava, através de famílias que produzissem, sem precisar de escravos. Os
primeiros sessenta casais fundaram o Porto dos Casais, mais tarde Porto Alegre.
O tratado foi admirável em vários aspectos. Determinou que sempre haveria paz entre
as colônias americanas, mesmo quando as metrópoles estivessem em guerra.[3]
Abandonou as decisões tomadas arbitrariamente nas cortes europeias por uma visão
mais racional das fronteiras, marcadas pelos acidentes naturais do terreno e a posse
efetiva da terra. O princípio romano de uti possidetis deixou de se referir à posse de
direito, determinada por tratados, como até então tinha sido compreendido, para se
fundamentar na posse de fato, na ocupação do território: as terras habitadas por
portugueses eram portuguesas.

Entretanto, o tratado logo fez inimigos: os jesuítas espanhóis, expulsos das Missões, e
os comerciantes impedidos de contrabandear no rio da Prata. Seus protestos
encontraram um inesperado apoio no novo homem forte de Portugal: o Marquês de
Pombal.

Um novo acordo — o de El Pardo —, firmado em 12 de fevereiro de 1761, anulou o de


Madrid. Mas as bases geográficas e os fundamentos jurídicos por que Alexandre tanto
lutara em 1750 acabaram prevalecendo e, em 1777, aqueles princípios anulados em El
Pardo ressurgiram no Tratado de Santo Ildefonso.[5] A questão foi ainda objeto de um
novo tratado do Pardo, a 11 de março de 1778.[1]

Devido ao sucesso obtido por Gusmão no Tratado de Madrid, mais tarde o historiador
paraguaio padre Bernardo Capdeville se referiria a este como "a vergonha da diplomacia
espanhola".

CONSEQUÊNCIAS

Com o tratado, o território dos Sete Povos das Missões passou a domínio de Portugal e,
posteriormente, do Brasil.
O Tratado de Madrid trouxe como consequências imediatas: a revogação do Tratado de
Tordesilhas; a consagração do princípio do uti possidetis (quem tem a posse tem o
domínio); a mudança da Colônia do Sacramento pelo território dos Sete Povos das
Missões; e a definição do rio Uruguai como fronteira oeste do Brasil com a Argentina.

São apontadas como consequências indiretas deste tratado: a concessão à Espanha da


navegação exclusiva do Rio da Prata; a criação da Capitania D’El Rey de São Pedro do Rio
Grande do Sul; o aumento do poderio militar português no Sul do Brasil; a concessão de
parte da Amazônia aos portugueses; a construção do Forte Príncipe da Beira, do Forte
do Macapá e do Forte de Tabatinga, entre outros. É também parcialmente responsável
pela mudança da capital do Vice-Reino de Salvador (BA) para o Rio de Janeiro.

As demarcações das fronteiras impostas pelo Tratado de Madrid sofreram resistência,


particularmente por parte dos índios guaranis, insuflados pelos jesuítas. A reação
indígena guarani do cacique José (Sepé) Tiaraju deu início à Guerra Guaranítica (1752-
1756). Sepé foi morto três dias antes da última batalha, a de Caibaté, onde morreram
combatendo mais de 1500 índios.

O resultado final desses tratados e de outros que viriam foi fruto da colonização
portuguesa desde o século XVI até o XIX que ao penetrar o território, seja por motivos
econômicos (mineração na região mais central – Minas, Mato Grosso e Goiás –, pecuária
no sertão nordestino e no sul do Brasil e coleta de produtos da floresta,[1] associado à
facilidade de navegação da Bacia Amazônica ) ou religiosos (como é o caso das missões
jesuítas, franciscanas e carmelitas que estiveram em diversas partes do Brasil), expandiu
os domínios portugueses de norte a sul e pelo uti possidetis adquiriu terras que antes
não lhes pertenciam.

Para a historiografia brasileira, o Tratado de Madri representa a base histórico-jurídica


da formação territorial do país, por ser o primeiro documento a definir com precisão
suas fronteiras naturais. Para historiadores argentinos, no entanto, este tratado teria
sido extorquido ao governo espanhol, por incapacidade ou por influência da rainha da
Espanha, filha do rei português.[7]

Referências
1. ↑ Ir para:a b c d e Miriam Ilza Santana (12 de março de 2008). «Tratado de Madrid
de 1750». InfoEscola. Consultado em 13 de janeiro de 2013
2. ↑ «Um Governo de Engonços: Metrópole e Sertanistas na Expansão dos
Domínios Portugueses aos Sertões do Cuiabá (1721-1728)». www.academia.edu.
Consultado em 24 de abril de 2016
3. ↑ Ir para:a b Del Priore 2001, p. 164.
4. ↑ Ir para:a b c d e Rainer Sousa. «Tratado de Madri». Brasil Escola. Consultado em
13 de janeiro de 2013
5. ↑ Ir para:a b c d e f g Antonio Gasparetto Junior (4 de dezembro de 2010). «Tratado
de Madrid». História Brasileira. Consultado em 13 de janeiro de 2013
6. ↑ Cortesão 1950, p. 167.
7. ↑ Cortesão 1950, p. 7-8.

Bibliografia
• Cortesão, Jaime (1950). Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Parte I
Tomo I (1695-1735). Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco. 560 páginas
• Del Priore, Mary; Venâncio, Renato Pinto (2001). O Livro de Ouro da História do
Brasil 2 ed. Rio de Janeiro: Ediouro. 397 páginas. ISBN 9788500008061.
Consultado em 24 de janeiro de 2013
• Waisberg, Tatiana, "The Treaty of Tordesillas and the (Re)Invention of
International Law in the Age of Discovery" Journal of Global Studies, No 47, 2017.
• Terra Gaúcha, Tratado de Madrid
• Educa Terra, Tratado de Madrid
• Texto integral do Tratado de Madrid em português
• Tratado de Madrid de 1750, Fonte: José Ferreira Borges de Castro, Colecção dos
tratados, convenções, contratos e actos públicos celebrados entre a coroa de
Portugal e as mais potências desde 1640 até ao presente, tomo III, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1856, págs. 8 a 43, Portal da História, Manuel Amaral, 2000-
2012
• Texto Integral do Tratado de Madrid em espanhol

FONTE: WIKIPEDIA https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Madrid_(1750)


“OS TESTES DE GRAU DE INDIANIDADE”
CONSTRUÇÃO DE ITAIPU PROVOCOU GRAVES
VIOLAÇÕES DE DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS,
APONTA PGR
Relatório apontou fraudes na identificação étnica das comunidades com intuito de
subestimar população indígena e, consequentemente, o impacto social da obra para a
região
25 de abril de 2019

Jornal do Brasil
RUBENS VALENTE
A construção da usina hidrelétrica de Itaipu durante a ditadura militar (1964-1985)
gerou graves violações de direitos indígenas, com adulteração de procedimentos para
subestimar o número de índios que habitavam a região.
É o que diz relatório produzido ao longo de três anos pela PGR (Procuradoria Geral da
República) e divulgado nesta quinta-feira (25) pela procuradora-geral, Raquel Dodge. O
relatório poderá embasar ações judiciais para a responsabilização da União e de
demarcação de terras indígenas no Paraná.
Produzido ao longo dos últimos três anos, o relatório aponta que o governo militar
fraudou documentações com o intuito de adulterar procedimentos identificatórios e
subestimar o número de indígenas na região e, consequentemente, o impacto social que
a obra da usina traria. Segundo a PGR, o relatório poderá embasar ações judiciais para
a responsabilização da União e de demarcações na região Oeste do Paraná.
Para criar o lago artificial, a obra inundou cerca de 135 mil hectares e transferiu 40 mil
pessoas entre índios e não índios no Paraná. Na área afetada estavam diversos
territórios considerados sagrados pelos índios guaranis, como as Sete Quedas.
O estudo concluiu que apenas uma pequena parcela da comunidade indígena de Ocoy
foi reconhecida como indígena pela Funai, na época gerida por um general do Exército,
e depois reassentada "em condições piores do que as que enfrentava antes".

"Todas as demais localidades existentes entre Foz do Iguaçu e Guaíra foram


completamente ignoradas e as famílias indígenas que nelas viviam foram
tratadas como posseiros e invasores (porque não tinha documentos das terras),
sendo delas expulsas sem nenhum ressarcimento", diz o relatório organizado
pelos procuradores da República Gustavo Kenner, João Akira Omoto, Julio José
Araujo Junior e pela antropóloga Luciana Maria de Moura Ramos, nomeada
analista pericial da PGR.

Para estabelecer o número de indígenas que viviam na região na época da obra, a Funai
recorreu a um método abolido nos anos seguintes e, segundo o relatório, usado
somente naquele empreendimento, a fim de “testar o grau de indianidade” de cada uma
das pessoas que habitavam a região de Ocoy. Na época da ditadura, testes para
identificar uma suposta “indianidade” eram estimulados por um coronel do Exército que
atuava na Funai.

“Esse era um procedimento que a maioria dos antropólogos não aceitaria realizar
por fugir aos parâmetros antropológicos e por violar os procedimentos que
eram, já naquela época, internacionalmente reconhecidos no que tange ao
autorreconhecimento e ao reconhecimento pelos demais membros do grupo.
Ocorre que [o antropólogo] era filho de criação de Ernesto Geisel e estava
profundamente vinculado ao regime militar”, continua o relatório. O
antropólogo e o coronel já faleceram.
A apuração da PGR se estendeu por cerca de 30 meses com a tomada de depoimentos
de indígenas, viagens à região, uma perícia antropológica em diversas comunidades
indígenas e acesso a mais de duas centenas de documentos e relatórios, dos quais oito
produzidos por Itaipu, 13 pela Funai, sete em conjunto pela Funai e Itaipu e quatro
documentos de entidades indigenistas, além da análise de mais de uma centena de
pesquisas acadêmicas realizadas ao longo dos anos.
Todo o impacto da construção da usina aponta no relatório desmente a história oficial
ainda hoje usada pela Itaipu de que havia um “vazio demográfico” na região. O relatório
aponta o contrário e ainda confirma que a construção provocou danos que se
estenderam por toda a comunidade indígena ao longo dos anos e que hoje são raiz dos
problemas atuais que vivem as comunidades indígenas do Oeste do Paraná, como a
fome, o desemprego, desnutrição e a discriminação por seguirem lutando por terra
região.

"Isso colocou o grupo numa situação de marginalidade e discriminação.


Produziu uma imagem negativa a partir da perda do território e da busca
permanente por um espaço para sobreviver. Gerou uma imagem
negativa do grupo guarani perante toda a sociedade envolvente na
região. Nós estamos falando de violações que foram sedimentadas e
construídas num processo histórico que se inicia ainda no final do século
19 e se acentua muito a partir das décadas de 60 e 70 com o processo de
instalação da usina de Itaipu, que efetivamente consolida esse processo",
disse o procurador Akira.
Para o procurador Gustavo Kenner, "O primeiro e maior efeito desse relatório é o
reconhecimento, talvez pela primeira vez pelo Estado brasileiro, de que houve ali uma
violação grave dos direitos dos povos guaranis. E reconhecer que ali havia uma
identidade e uma territorialidade, que não foi renunciada em nenhum momento pelos
índios guaranis. Esse trabalho não é fruto de voluntarismo. Os índios guaranis nunca
desistiram, nunca abandonaram essas áreas, embora tenham sofrido sérios processos
de violência", disse.

A procuradora-geral, Raquel Dodge, afirmou na entrevista que o estudo poderá


"iluminar essa realidade difícil que o povo guarani enfrenta hoje". "É um conflito
presente, permanente, e que o relatório sirva de base para atuação que o Ministério
Público pode empreender em favor deles", disse Raquel. "A realidade dos guaranis no
território brasileiro é uma realidade de conflito, de exclusão, de fome, de necessidades
e de extrema vulnerabilidade."
OUTRO LADO
Por meio de nota pública, a Itaipu Binacional afirma que todo o processo de
reassentamento que diz respeito às populações indígenas identificadas foi
acompanhado por entidades “legalmente competentes envolvidas com a questão”.
A nota afirma que não houve laudo atestando a “inexistência de indígenas nas áreas
alagadas, numa ação deliberada que tornou as comunidades invisíveis”. A usina
continua apresentando sua versão que em 1977 foram identificadas apenas 11 famílias
indígenas compostas por 27 pessoas, que viviam em aproximadamente 30 hectares às
margens do rio Paraná, entre os rios Ocoy e Jacutinga, na área de abrangência onde se
formaria o reservatório da Usina de Itaipu.
Em sua resposta, a Itaipu aponta que atua com recursos financeiros e humanos, por
meio de convênios com municípios, na melhoria das três comunidades indígenas hoje
regularizadas na região. A Usina disse que está colaborando com a Justiça para o
esclarecimento dos fatos.

BULLYING
A procuradora-geral disse que há relato de que o bullying escolar levou ao suicídio de
uma criança guarani na mesma região. "Essa fricção entre as populações e comunidades
é preciso ser relatada e superada porque todos nós queremos para crianças que
convivem numa mesma escola é a convivência harmônica e pacífica. E isso resulta muito
da visão externa que a sociedade tem dos povos indígenas e que ainda é uma visão que
ainda precisa superar aspectos de discriminação, de exclusão, de enfrentamento", disse
Dodge.
A morte foi confirmada pelo tio da criança, Crídio Medina, guarani da aldeia de Ivyraty
Porã, no município de Terra Roxa (PR), também presente ao evento na PGR. Ele disse
que seu sobrinho Gabriel Morales, de 12 anos, matou-se enforcado com a própria
camisa na época do Natal do ano passado.
Crídio disse que o menino vinha se queixando e às vezes chorava porque estava sendo
discriminado na escola que frequentava na cidade de Terra Roxa. Segundo o tio, a
criança disse aos líderes indígenas da aldeia que estava sendo humilhada na escola
porque usava apenas chinelos, seria "sujo" e com roupas mal lavadas e não tinha
recursos que as outras crianças tinham, como telefone celular. A fonte de água mais
próxima da aldeia fica a cerca de 8 km, por isso as dificuldades das famílias com lavagem
das roupas.
Segundo Crídio, os índios relataram o bullying à escola, mas não sabe se alguma
providência foi tomada. De acordo com o índio guarani, o pai do menino estava
tentando melhorar sua renda para adquirir calçados e roupas melhores para o filho,
quando ocorreu o suicídio.
"Disseram para o Gabriel que ele não podia estudar no meio dos brancos, que tinha que
ficar na aldeia. Ele estava sentindo vergonha. Isso ele contou para as irmãs pequenas
dele", disse o tio. Ele reivindica a criação de uma escola indígena dentro da aldeia para
evitar a repetição do bullying com outras crianças indígenas.
O cacique da aldeia Ocoy, Celso Jopoty Alves, disse que os guaranis necessitam da
demarcação de terras na região para sua sobrevivência. Ele afirmou que o discurso do
governo de Jair Bolsonaro contra demarcação de terras indígenas "estava previsto antes
da eleição".
"Muitas vezes no governo, na fala deles, tem muita cosa que a gente não gosta. Porque
diz que a gente está tomando terra, que [o Brasil] está perdendo terra para indígena.
Mas na verdade é totalmente diferente. Quando sai a demarcação da terra, a gente está
ganhando, porque está reflorestando e vai cuidar do meio ambiente", disse Jopoty.
Júlio Garcia, da Comissão Guarani Yvyrupá, disse que a maioria da população brasileira
"bate palma" para as declarações do governo de que as demarcações de terras indígenas
"vão ter um fim, nenhum centímetro de demarcação de terras indígenas".
"Quando se fala 'não, vai ter que acabar os povos indígenas'. Olha, o que você sente se
nós indígenas falarmos assim para vocês: 'Nós temos que acabar com os não indígenas'.
O que você sentiria nessas palavras? Mas nós recebermos [isso] do governo federal
brasileiro dizendo que os povos indígenas têm que acabar... Mas nós estamos aqui,
sempre resistiremos e lutaremos pela demarcação", disse Garcia.

FONTES: https://porem.net/2019/04/26/construcao-de-itaipu-provocou-graves-
violacoes-de-direitos-dos-povos-indigenas-aponta-pgr/
https://www.jb.com.br/pais/2019/04/996914-construcao-de-itaipu-provocou-graves-
violacoes-de-direitos-indigenas--diz-pgr.html
USINA HIDRELÉTRICA DE ITAIPU
Usina Hidrelétrica de Itaipu (em castelhano: Itaipú, em guarani: Itaipu) é uma usina hidrelétrica
binacional localizada no Rio Paraná, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. A barragem foi
construída pelos dois países entre 1975 e 1982, período em que ambos eram governados por
ditaduras militares. O nome Itaipu foi tirado de uma ilha que existia perto do local de construção.
Na família linguística tupi-guarani, o termo significa "pedra na qual a água faz barulho", através
da junção dos termos itá (pedra), i (água) e pu (barulho).[3] Quando foi concluída, era a maior
barragem do mundo, título que manteve por 21 anos até a construção da Hidrelétrica das Três
Gargantas, na China, em 2003.

A Itaipu Binacional, operadora da usina, é a líder mundial em produção de energia limpa e


renovável, tendo produzido mais de 2,5 bilhões de megawatts-hora (MWh) desde o início de sua
operação.[4][5][6][7][8] Três Gargantas produziu cerca de 800 milhões de MWh desde o início
de sua operação, com uma potência instalada 60% maior do que a de Itaipu (22.500 MW contra
14.000 MW).[9][10]

Em termos de recorde anual de produção de energia, a usina de Itaipu ocupa o primeiro lugar
ao superar seu próprio recorde [11] que era de 98,6 milhões de MWh.[12][13] Em 2016, a usina
de Itaipu Binacional realizou um feito histórico ao produzir, em um único ano calendário, mais
de 100 milhões de MWh de energia limpa e renovável. No total, em 2016, foram produzidos
103.098.366 MWh de energia.[14][13]

O seu lago possui uma área de 1.350 km2, indo de Foz do Iguaçu, no Brasil e Ciudad del Este, no
Paraguai, até Guaíra e Salto del Guairá, 150 km ao norte. Possuindo 20 unidades geradoras de
700 MW cada e projeto hidráulico de 118 m, Itaipu tem uma potência de geração (capacidade)
de 14.000 MW. É um empreendimento binacional administrado por Brasil e Paraguai no rio
Paraná na seção de fronteira entre os dois países, a 15 km ao norte da Ponte da Amizade. A
Usina de Itaipu fazia parte da lista oficial de candidatas para as Sete Maravilhas do Mundo
Moderno, elaborada em 1995 pela revista Popular Mechanics, dos Estados Unidos, mas não
ganhou o título.[15]

HISTÓRIA

A usina hidrelétrica de Itaipu começou a ser pensada ainda na década de 1960, quando foram
assinados os primeiros acordos de cooperação entre Brasil e Paraguai.[20] Em 22 de julho de
1966,[21] os ministros das Relações Exteriores do Brasil, Juracy Magalhães, e do Paraguai,
Sapena Pastor, assinaram a "Ata do Iguaçu", uma declaração conjunta de interesse mútuo para
estudar o aproveitamento dos recursos hídricos dos dois países, no trecho do Rio Paraná "desde
e inclusive o Salto de Sete Quedas até a foz do Rio Iguaçu".[22]

As primeiras pesquisas de campo para a elaboração do projeto foram feitas em pequenas balsas
por técnicos brasileiros e paraguaios. O local escolhido para a construção foi um ponto do rio
conhecido como Itaipu, que em tupi quer dizer "a pedra que canta". As dimensões do projeto
também foram traçadas desde o início: a área da hidrelétrica vai de Foz do Iguaçu, no Brasil, e
Ciudad del Este, no sul do Paraguai, até Guaíra e Salto del Guairá, no norte deste país.[20]

A formalização do empreendimento se deu com a assinatura do Tratado de Itaipu em 1973, que


estabeleceu os pontos para o financiamento da obra e a operação da empresa, num modelo de
sociedade binacional, pertencente às duas nações em partes iguais. Pelo documento, cada um
dos países tem direito a 50% da energia produzida. Caso uma das partes não use toda a cota,
deve vender o excedente ao parceiro a preço de custo.[20][23]

[Para fins do presente material – iremos considerar apenas os


Impactos Econômicos, Ambientais e Sociais da Usina de Itaipu –
Para saber mais informações básicas sobre a Construção,
Acordo Tripartite, Inauguração e Expansão, Renegociação do
Tratado de Itaipu e Blecaute, Administração, Barragem e Vazão,
Geração de Energia, Produção Anual, Sistema de Transmissão,
Subestações, Interligação com Sistema Brasileiro de
Transmissão, Interligação com o Sistema Paraguaio, verificar no
link
https://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrel%C3%A9trica_de_It
aipu]

IMPACTO

ECONÔMICO

Nos 170 km de extensão, entre Foz do Iguaçu e Guaíra, o Reservatório de Itaipu atinge áreas de
16 municípios brasileiros, dos quais 15 no estado do Paraná e um em Mato Grosso do Sul. Como
compensação, Itaipu paga royalties a esses municípios, proporcionalmente à área de terra
alagada. No Paraguai, os recursos dos royalties são repassados ao Ministerio de Hacienda
(Ministério da Fazenda), que já recebeu, desde 1985, mais de 4,5 bilhões de dólares. No Brasil,
o Tesouro Nacional recebeu em royalties mais de 4,8 bilhões de dólares, sendo que a divisão, de
acordo com a Lei dos Royalties em vigor desde 1991,[50] é: 10% para órgãos federais; 45% da
compensação repassada aos Estados e 45% aos municípios. Os royalties são aplicados na
melhoria da qualidade de vida da população, nas áreas de educação, saúde, moradia e
saneamento básico.[51]
A grandiosidade da usina contribui para que Foz do Iguaçu seja mundialmente conhecido como
um dos mais importantes destinos turísticos do Brasil. Desde que foi aberta à visitação, Itaipu já
recebeu mais de 16 milhões de visitantes.[52] Para receber os visitantes, o Complexo Turístico
Itaipu oferece opções de visitas pelas áreas internas e externas da usina.

AMBIENTAL

O Salto das Sete Quedas ficou submerso a partir de 1982,


com a construção da hidrelétrica de Itaipu.

Lago formado pela construção de Itaipu.

Com o fechamento das eclusas da barragem de Itaipu, uma área de 1.500 km2 de florestas e
terras agriculturáveis foi inundada. A cachoeira de Sete Quedas, uma das mais fascinantes
formações naturais do planeta, desapareceu. Semanas antes do preenchimento do reservatório,
foi realizada uma operação de salvamento dos animais selvagens, denominada Mymba kuera
(que em guarani quer dizer "pega-bicho"). Equipes de voluntários conseguiram capturar mais de
4.500 bichos[quantos não morreram?], entre macacos, lagartos, porcos-espinhos, roedores,
aranhas, tartarugas e diversas espécies. Esses animais foram levados para as regiões vizinhas
protegidas da água.[53] No total, mais de 35 mil animais que viviam na área a ser inundada pelo
lago precisaram ser removidos.[20]

O município de Guaíra foi o mais afetado devido à perda das Sete Quedas, um dos pontos
turísticos mais conhecidos do país na época e responsável por parte importante da receita local.
A construção do lago de Itaipu inundou o salto em 1982. A cidade recebeu 80 milhões de dólares
a título de compensação financeira entre 1985 e maio de 2016, mas alega que o ressarcimento
não foi condizente ao prejuízo causado.[54]
SOCIAL

Vila A, bairro de Foz do Iguaçu criado para abrigar os


trabalhadores da usina.

Durante a instalação da Itaipu, foi necessária a desapropriação de 42.444 pessoas, das quais
38.440 eram trabalhadore(a)s do campo, o que gerou inúmeros problemas sociais.[55] Parte
dessas famílias viviam às margens do Rio Paraná e foram desalojadas, a fim de abrir caminho
para a represa. Algumas se refugiaram na cidade de Medianeira, uma cidade não muito longe
da confluência dos rios Iguaçu e Paraná. Algumas dessas famílias vieram, eventualmente, a ser
membros de um dos maiores movimentos sociais do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra.[56][57]

O espelho d'água da usina alagou diversas propriedades de moradores do extremo oeste do


Estado do Paraná. As indenizações foram suficientes para que os agricultores comprassem novas
terras no Brasil. Sendo as terras no Paraguai mais baratas, milhares emigraram para esse país,
criando o fenômeno social dos brasiguaios - brasileiros e seus familiares que residem em terras
paraguaias na fronteira com o Brasil.[58]

Segundo um relatório produzido ao longo de três anos pela Procuradoria Geral da República, a
construção da usina hidrelétrica gerou graves violações de direitos dos povos indígenas, com
adulteração de procedimentos para subestimar o número de índios que habitavam a região.
Para criar o lago artificial, por exemplo, a obra inundou cerca de 135 mil hectares e transferiu
40 mil pessoas entre índios e não índios no Paraná. Na área afetada estavam diversos territórios
considerados sagrados pelos índios guaranis, como os Salto de Sete Quedas.[59]

O estudo concluiu que apenas uma pequena parcela da comunidade indígena de Ocoy foi
reconhecida como indígena pela Funai, na época gerida por um general do Exército, e depois
reassentada "em condições piores do que as que enfrentava antes". "Todas as demais
localidades existentes entre Foz do Iguaçu e Guaíra foram completamente ignoradas e as
famílias indígenas que nelas viviam foram tratadas como posseiros e invasores (porque não
tinha documentos das terras), sendo delas expulsas sem nenhum ressarcimento", diz o relatório
organizado pelos procuradores da República Gustavo Kenner, João Akira Omoto, Julio José
Araujo Junior e pela antropóloga Luciana Maria de Moura Ramos, nomeada analista pericial da
PGR.[59]

Ver também

• Salto de Sete Quedas

• Lago de Itaipu

• Fronteira Brasil-Paraguai

• Milagre econômico brasileiro

• Regime militar no Brasil

• Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta

• Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira

• Usina Hidrelétrica Engenheiro Sousa Dias

• Hidrelétrica de Três Gargantas

• Tratado de Itaipu

• Principais hidrelétricas a montante da Usina Hidrelétrica de Itaipu

• Alcantara Cyclone Space

• Entidade Binacional Yacyretá

• Lista de usinas hidrelétricas do Brasil

Referências

1. ↑ Ir para:a b MONTEIRO, Nilson. Itaipu, a luz. Itaipu Binacional, Assessoria de Comunicação


Social. Curitiba, 2000. 2ª edição. Pp. 98. CDU 621.331.21

2. ↑ Ir para:a b ITAIPU BINACIONAL. Itaipu: 30 anos de operação. Uma usina de recordes. Foz
do Iguaçu, 2014. Edição própria. Pp. 28. CDD 621.312134

3. ↑ NAVARRO, E. A. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros


séculos. 3ª edição. São Paulo. Global. 2005. p. 69.

4. ↑ Ir para:a b [1] Exame. Visualizado em 30 de janeiro de 2017

5. ↑ Ir para:a b «Brasil e Paraguai comemoram a marca de 2,5 bilhões de MWh produzidos


por Itaipu». Canal Energia. Consultado em 10 de dezembro de 2017

6. ↑ Ir para:a b «Itaipu comemora marca de 2,5 bilhões de MWh de energia limpa e


renovável». EBC Agência Brasil. Consultado em 10 de dezembro de 2017

7. ↑ Ir para:a b «Em 33 anos de funcionamento, Itaipu chega à marca de 2,5 bilhões de


megawatts de energia gerada». Portal G1. Consultado em 10 de dezembro de 2017
8. ↑ Ir para:a b «Itaipu comemora 2,5 bilhões de MWh de energia limpa e renovável». CATVE
Portal Terra. Consultado em 10 de dezembro de 2017

9. ↑ Comparações Itaipu Binacional. Visitado em 18 de novembro de 2015

10. ↑ Produção de Itaipu atinge nova marca histórica: 2,4 bilhões de MWh Itaipu Bi-
nacional - acessado em 18 de novembro de 2015

11. ↑ [2] G1. Acessado em 30 de janeiro de 2017.

12. ↑ [3] G1

13. ↑ Ir para:a b c d [4] G1. Acessado em 30 de janeiro de 2017.

14. ↑ Ir para:a b c d e f g h i j k «Geração de Energia». Itaipu Binacional. Consultado em 12 de


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15. ↑ Pope, Gregory T. (dezembro de 1995), «The seven wonders of the modern
world», Popular Mechanics: 48–56

16. ↑ Vocabulário Arquivado em 9 de agosto de 2012, no Wayback Machine. FFICH -


acessado em fevereiro de 2015

17. ↑ Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu. «Itaipu Binacional»

18. ↑ NAVARRO, E. A. Método moderno de tupi antigo. Terceira edição. São Paulo. Global.
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19. ↑ Escolha da Barragem Site Itaipu - acessado em fevereiro de 2015

20. ↑ Ir para:a b c d e f g Ipea, ed. (28 de maio de 2010). «História - Usina Hidrelétrica de Itaipu».
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21. ↑ Águas furtadas Jornal Gazeta do Povo - n° 30.000 - acessado em 8 de dezembro de


2012

22. ↑ NotíciasSite Itaipu Arquivado em 29 de junho de 2009, no Wayback Machine.

23. ↑ Águas furtadas Jornal Gazeta do Povo - edição comemorativa de n° 30.000 - acessado
em 8 de dezembro de 2012

24. ↑ «Quem é Quem - Serviços - Terra» (em Portguês). Terra.com.br. 22 de Agosto de 2014.
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Itaipu? Revista Mundo Estranho

26. ↑ JIE, ed. (13 de outubro de 2011). «Lago de Itaipu Completa 29 Anos». Jornal de Itaipu
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27. ↑ JIE, ed. (14 de maio de 2007). «Inauguração de duas unidades geradoras marca início
de nova fase de Itaipu». Jornal de Itaipu Eletrônico. Consultado em 2 de julho de 2015

28. ↑ Nickson, Andrew, (2008) Paraguay: Lugo versus the Colorado Machine, Open
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29. ↑ «Itaipu: entenda como é a negociação entre Brasil e Paraguai». O Globo. 12 de maio
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31. ↑ Energy Deal With Brazil Gives Boost to ParaguayNew York Times, 27 de julho de 2009

32. ↑ Problema em Itaipu causa apagão em 10 Estados do País, Terra Notícias, 10/11/2009

33. ↑ Sobre apagão Jornal JB - acessado em fevereiro de 2015

34. ↑ Após apagão em parte do país, Itaipu diz que opera normalmente, Globo Com,
11/11/2009

35. ↑ Ministérios de Minas e Energias diz que apagão atingiu estados brasileiros G1.
Acessada em 15 de junho de 2012.

36. ↑ «ITAIPU, UM "TRABALHO DE HÉRCULES", CHEGA AOS 40 ANOS». Itaipu Binacional.


Consultado em 30 de outubro de 2018

37. ↑ «Itaipu completa 40 anos». Acervo Estadão. Consultado em 30 de outubro de 2018

38. ↑ Luiz Felipe de Matos. Empresas binacionais Brasil-Argentina – Um tipo de sociedade


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39. ↑ IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 227-5 - empresa binacional

40. ↑ «DefesaNet - Especial Espaço - Exclusivo – Brasil Rompe com a Ucrânia na


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41. ↑ Randolpho Gomes. Indicação 073/2011. Rio de Janeiro: Instituto dos Advogados
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43. ↑ «Vertedouro de Itaipu». Itaipu Binacional. Consultado em 2 de julho de 2015

44. ↑ Hidrelétrica de Itaipu: Aspectos de Engenharia. [S.l.: s.n.] 2009. ISBN 9788561885021

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56. ↑ Branford, Sue and Jan Rocha. Cutting the Wire: The Story of the Landless Movement
in Brazil. London: Latin American Bureau, 2002.

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58. ↑ Estrada, Marcos (8 de setembro de 2014). «The impact of land policies on


international migration: The case of the Brasiguaios». International Migration Institute:
University of Oxford. Consultado em 20 de setembro de 2014

59. ↑ Ir para:a b Folha de S.Paulo, ed. (25 de abril de 2019). «Construção de Itaipu provocou
graves violações de direitos indígenas, diz PGR». Consultado em 2 de junho de 2019

Ligações externas

• Sítio oficial

• Tratado de Itaipu

• Imagem de satélite da barragem no Google Maps

FONTE: WIKIPEDIA

https://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrel%C3%A9trica_de_Itaipu

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