Você está na página 1de 140

O Mistério

de Israel

Jacques B. Doukhan

1
2
O Mistério
de Israel

Jacques B. Doukhan

3
4
CONTEÚDO
Introdução......................................................................... 7
Seção I: A Teoria da Rejeição-Substituição ................ 11
1. Falha de Israel do Antigo Testamento ......................... 14
2. A Parábola da Vinha .................................................... 15
O contexto histórico do Novo Testamento
O contexto teológico da nova aliança
A visão bíblica de Deus
O embaraço étnico
A consideração antropológica/sociológica
3. O Crime de Deicídio .................................................... 20
4. A Maldição .................................................................. 22
6. O “Israel de Deus” ....................................................... 25
7. A Oliveira (Romanos 11:1-36) .................................... 27
O argumento dos cristãos judeus (vv. 1-10)
O argumento dos gentios “salvos” (vv. 11-25)
O argumento do povo de Israel (vv. 25-36)
8. A Profecia das 70 Semanas (Daniel 9:24-27) .............. 34
“Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo” (v. 24)
“Para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados”(v. 24)
“Mas não por Ele mesmo” (v. 26)
“Ele fará firme aliança” (v. 27)
“E o povo de um príncipe... destruirá a cidade e o santuário” (v. 26)
Excursus: Uma maldição rabínica sobre Daniel
Seção II: A Teoria Dispensacionalista.......................... 48
1. Israel e a Igreja ............................................................. 50
2. A Septuagésima “Sétima” ............................................ 54
3. O Reajuntamento de Israel ........................................... 60
As profecias de retorno
A reconstrução do Templo
Dispensacionalismo e Antissemitismo
4. A Salvação de Israel ..................................................... 67
Seção III: A Teoria das Duas Testemunhas ................ 73
1. Israel e a Igreja ............................................................. 76
5
2. A Torá e o Messias....................................................... 78
Seção IV: A Função Profética de Elias......................... 85
1. Reconciliação com os Judeus ....................................... 87
2. A Face do Antissemitismo ........................................... 89
História
Antissemitismo Psicológico
Antissemitismo Teológico
3. Missão aos Judeus ........................................................ 94
4. Israel na Profecia .......................................................... 98
O Que, Então, É Israel? ............................................... 106
Conclusão ...................................................................... 111
Apêndice: Ellen White e os Judeus ............................. 113

6
Introdução

O
rei Frederico II, da Prússia, perguntou um dia a seu
médico pessoal: “Poderia dar-me ao menos uma
única evidência da existência de Deus?” O homem
respondeu: “Os judeus, Vossa Majestade.” Essa clássica
estória conta-nos algo sobre o “mistério de Israel”.
Todas as grandes civilizações antigas, tais como
Egito, Roma e Grécia, têm desaparecido. Somente os
judeus têm sobrevivido como uma identidade cultural
apesar dos pogroms, perseguições e todas as outras
tentativas de exterminá-los, inclusive o Holocausto. Desde
os tempos bíblicos, com Moisés, Isaías, Jesus e Paulo, até a
era moderna, com Marx, Freud e Einstein, os judeus sempre
têm sido proeminentes na história. E ainda estão nos
noticiários, mais do que nunca, devido ao estado de Israel.
Os judeus são menos de 0,5 por cento da população
mundial, contudo eles captam um grande espaço na atenção
da humanidade. “Estão os não-judeus sendo vítimas de uma
alucinação?” Admira-se o teólogo cristão Fadiey Lovsky.1
Um mistério real, que de fato, intriga e incomoda muitos
cristãos. A palavra “mistério” em relação a Israel perturba
a muitos. O conceito pode sugerir um significado oculto e
bizarro além do nosso entendimento. Pode também implicar
em suspeitas e temores para com o desconhecido, assim

7
inspirando mitos e teorias antissemíticas. Muitos têm,
significativamente, empregado a expressão “mistério de
Israel”, no contexto da teologia da rejeição e maldição sobre
Israel. Todavia, para Paulo, quem primeiro aplicou a
expressão a Israel, significa algo positivo. Romanos 11:25
o associa com a necessidade de dissipar a ignorância:
“Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério.” A
palavra “mistério”, então, aponta para uma revelação
especial. De fato, a maioria das vezes que a palavra
“mistério” aparece no Novo Testamento está “associada
com palavras de manifestação e divulgação.”2 Pesquisar o
“mistério de Israel” significa mais do que um exercício
intelectual de tentar decodificar o intrigante fenômeno
histórico de Israel. Pertence à revelação de Deus e portanto
torna-se tarefa da Teologia. Desde que essa expressão
pertence a uma passagem que está relacionada com a
profecia e missão que afeta Israel, escrever uma teologia
sobre Israel implica, por necessidade, estudar sobre
profecia e missão.
Muitos estudiosos têm escrito sobre Israel, mas têm
feito muito pouco sobre a teologia de Israel como tal.
Frequentemente o que eles têm produzido é pouco mais que
uma oportunidade de indulgência sensacionalista, ou um
esboço, perigosamente superficial, recheado de confusão
histórica, teológica e problemas éticos. As poucas teologias
adventistas do Sétimo Dia sobre Israel3 até então
apresentadas, têm falhado em três áreas:
1. Essas teologias de Israel têm frequentemente
adotado a tradicional teoria da rejeição e substituição sem
prover uma exegese séria, de fontes bíblicas, para apoiar
tais teorias.
2. O forte interesse apologético de alguns teólogos e
evangelistas adventistas do sétimo dia contra a teoria
dispensacionalista os têm levado a enfatizar a ideia da
8
rejeição de Israel por Deus e até uma maldição sobre os
Judeus. Às vezes implicitamente, outras explicitamente
antissemíticas; essa posição promove muito pouco, e se o
faz, sem qualquer sensibilidade para com a realidade
humana do povo Judeu, e falha em não levar em
consideração as lições da história, tais como o Holocausto.
3. O ensino da rejeição e da substituição de alguma
forma é inconsistente com a perspectiva eclesiástica
específica adventista do sétimo dia. Ele não é compatível
com o reconhecimento e condenação adventista, da falha e
apostasia teológica da igreja histórica (sua opressão com os
dissidentes, e rejeição da lei de Deus e do Sábado); e, no
final das contas, com a identidade profética e função
escatológica adventista do sétimo dia para com a igreja e
Israel como “reparador de brechas.”4
De fato, essas deficiências teológicas são tão graves
que geram a necessidade de promover estudos e reflexões
no assunto. O propósito desta obra é empenhar-se em uma
direção que seja mais bíblica, exegeta e teologicamente
correta; e que forneça uma maior sensibilidade da visão
adventista de Israel.
Procederei em quatro passos. Primeiramente,
discutirei sucessivamente sobre duas tradicionais teologias
de Israel: a teoria da rejeição-substituição e a teoria
dispensacionalista, citando os principais textos bíblicos
usados como base para as respectivas teorias. A abordagem
será essencialmente exegética para assegurar que os dados
bíblicos5 norteiem ambas nossas teologias de Israel e nossas
interpretações proféticas. Então, baseado nessa discussão,
irei sugerir uma terceira teoria, a qual levará em
consideração o acidente histórico da apostasia cristã
relacionada com o cisma judaico-cristão. Examinarei a
questão em relação à identidade profética, escatológica e
missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia para com a
9
igreja cristã em geral e Israel em particular. E no final, à luz
de todos dados abordados, seremos capazes de desvendar o
mistério de Israel. E dessa perspectiva, poderemos aprender
nossas lições e avaliar nossa jornada espiritual como Israel.
1
La déchirure de l`absence: Essai sur lês rapports entre l`Église du
Christ e le peuple d`Israël (Paris: Calmann-Lévy, 1971), p.8. Tradução
do autor.
2
The Interpreter`s Dictionay of the Bible, vol. 3, p. 480.
3
Este ensaio não identificará aqueles trabalhos porque (1) não pretendo
colocar esta reflexão e esta pesquisa no nível de disputa pessoal e (2)
porque não quero deturpar suas posições. Afinal de contas, cada um
deve ser capaz de reconhecer a si mesmo nesta descrição e então
responder adequadamente.
4
Is. 58:12; Ver Testemunhos para Igreja vol. 1, p. 76,77.
5
Considerando a importância do impacto de Ellen White na teologia
adventista do sétimo dia, também a consultei nessa jornada quando
julguei necessário, para apoiar ou orientar nossa interpretação. Minhas
referências aos escritos de Ellen White aparecerão apenas
ocasionalmente nesse estudo, já que separei um apêndice para o estudo
de Ellen White e os Judeus.

10
Seção I

A Teoria da Rejeição-Substituição

A
mais antiga tese, a teoria da rejeição-substituição
é, no mínimo, a mais persistente. Ela aparece, pela
primeira vez, nos escritos dos pais da igreja e os
teólogos cristãos de variadas linhas teológicas a tem
elaborado agressivamente. De Justino Mártir, Agostinho e
Tomás de Aquino até Martinho Lutero e Rudolf Bultmann,
seus proponentes têm baseado essa tradicional teoria num
simples raciocínio: Israel falhou.1 Ela ensina que a
desobediência do povo de Israel no Antigo Testamento e a
rejeição e crucificação do Messias no Novo Testamento,
levou Deus a rejeitar Israel e firmar uma “nova aliança”
com um novo povo. O Israel do Antigo Testamento foi
substituído pela igreja cristã, a qual tem herdado todos os
privilégios e bênçãos divinas dadas a Abraão e aos profetas
hebreus, deixando aos judeus apenas a maldição e os juízos.
Hoje, refletindo sobre Auschwitz, mais e mais
pessoas têm reconhecido o estrago feito pela teoria da
rejeição. Sabe-se, agora, que essa tese tem consciente e
perigosamente nutrido o “ensino do desprezo” e inspirado
o ódio antissemítico que levou ao Holocausto nazista.2 De
um modo monstruoso, alguns têm aplicado essa teologia
como uma justificativa do sofrimento dos judeus. Ainda
pior, alguns a têm visto como uma justificativa religiosa
para o sofrimento dos judeus (a propósito, sempre

11
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
perpetrada pelos cristãos) e até para os horrores dos campos
de concentração e câmaras de gás.
A ideia da substituição ou supersessionismo,3 um
conceito implícito na teoria da rejeição, tem também sido
usada para justificar distorções teológicas (i.e, substituição
teológica) e abusos eclesiásticos e políticos (i.e.
substituição eclesiástica) empregada contra os judeus.
A Teologia da Substituição, encontrada
especialmente no protestantismo europeu, favorece a ideia
que o Novo Testamento substituiu o Antigo. Ainda mais, a
graça substituiu a lei, e, o Deus espiritual de salvação do
Novo Testamento substituiu o Deus carnal da criação no
Antigo Testamento. Domingo, a celebração da libertação
espiritual do mal da natureza e do corpo, substituiu o
Sábado do sétimo dia, a instituição bíblica da celebração da
criação. Enquanto essas opiniões encontram suas origens na
heresia de Marcião no segundo século, elas continuam
persistindo no pensamento tradicional cristão.
A Substituição Eclesiástica, encontrada
especialmente no catolicismo, primeiro inspirou as
Cruzadas que acreditavam que Jerusalém, agora, era
herança dos cristãos, assim como a destruição de sinagogas
medievais e a construção de igrejas cristãs em seus lugares.
Assim, o mecanismo psicológico da Substituição
Eclesiástica tem potencial para o assassinato. Ainda mais,
reivindicar que nós, cristãos, substituímos os judeus é
sugerir que os judeus não têm o direito de existir de uma
perspectiva espiritual, ou seja, que eles são espiritualmente
supérfluos. Alguns cristãos, como Franklin H. Littel, têm
sido levados a decretar este conceito como “genocídio
espiritual.”4 Conforme historiadores do antissemitismo, a
substituição eclesiástica combinada com a indiferença geral
dos cristãos foi a maior motivação por trás da destruição
dos judeus durante o Holocausto.
12
O MISTÉRIO DE ISRAEL
O desenvolvimento no terceiro século do
Maniqueísmo, uma forma de dualismo religioso que dizia
que tudo o que é material e sensual é mau e deve ser
superado, propôs ainda uma outra forma de substituição. A
teoria propôs que a igreja cristã era o verdadeiro “Israel
espiritual”, representando Deus e o bem, em oposição ao
falso “Israel carnal”, o qual representava Satanás e o mal.
Essa visão não apenas encorajou perigosos estereótipos
antissemitas sobre o “Judeu carnal e cheio de engano”, mas
também promoveu o contraste dualista e, portanto,
biblicamente suspeito, entre o que é carnal e transitório e o
que é espiritual e duradouro.
Até mesmo a abordagem tipológica, a qual
representa a mais positiva variação da teoria da
substituição, pode, às vezes, levar à confusão quando ela
ignora ou menospreza a realidade histórica e teológica de
Israel. Por exemplo: se Israel é apenas um “tipo” da igreja
cristã – um exemplo a ser ou não seguido – Israel é reduzido
ao status vazio de uma sombra, a realidade a qual floresce
apenas com a igreja. Uma outra fraqueza desta abordagem
tipológica é a identificação de Israel com Jesus. Embora a
bíblia aponte para uma visão holística, que associa Israel
com o Redentor (e.g. Is 53; Dn 7; 9), a distinção entre os
dois é clara e deve sempre estar presente de modo a
salvaguardar uma tensão adequada. De outro jeito, a
criatura é erradicada à custa do Criador, ou, como ilustrado
nos escritos de Teillard de Chardin, um sutil panteísmo é
introduzido de forma que a distância entre Deus e a criatura
tem desaparecido, com o resultado que Israel, a igreja, tem
se tornado o ômega, Jesus, o próprio Deus.
Os defensores da Teoria da Rejeição-Substituição
usam um número de textos-chave e/ou temas do Antigo e
do Novo Testamento para apoiá-la. E esses textos serão
discutidos aqui.
13
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO

1. Falha de Israel do Antigo Testamento


Dois textos do Antigo Testamento têm sido
tradicionalmente usados como argumento para mostrar que
Deus rejeitou Israel. O primeiro é a história dos israelitas
que pediram um rei.5 Deus diz: “foi a mim que rejeitaram”
(1 Sm. 8:7 [NVI]). Dessa declaração divina os
“recepcionistas” e “substitucionistas” têm concluído que
Deus abandonou Israel. Mas o restante da história – a unção
de um rei pelo profeta enviado por Deus, a promessa do
Messias, do Ungido, descendente do rei Davi – claramente
demonstra que Deus não abandonara seu povo naquele
tempo.
O outro texto favorito dos teóricos da rejeição é o da
profecia de Oséias, que identifica Israel com a prostituta
cultual canaanita cujo filho recebeu o novo nome de Lo-
Ami (“não-meu-povo” [Oséias 1:9]). Eles também afirmam
que o Israel da história, agora a prostituta, não era mais
esposa de Deus e tinha sido rejeitada por Ele. O profeta
Oséias, contudo, ainda permaneceu marido da prostituta
Gômer e retornou para ela apesar de sua infidelidade – um
sinal da grande fidelidade de Deus para com o seu povo
infiel. Ironicamente, os textos que Deus pretendia
demonstrar seu grande amor e misericórdia, têm sido
usados para mostrar a rejeição de Deus. Tais intérpretes
enfatizaram o estado pecaminoso da prostituta, enquanto
ela pertencia, de fato, a Deus, o qual continuou a ser o
marido amoroso apesar do que sua esposa fizera. Na
história de Israel, Deus continua com seu amor a procurar
por seu povo. Profetas surgiram (e.g. Jeremias, Ezequiel,
Ageu) e Deus continuou a proteger o povo6 (Ester, Daniel),
finalmente reconduzindo-o a Jerusalém (Esdras, Neemias)
apesar da infidelidade do povo e das advertências e juízos
de Deus.
14
O MISTÉRIO DE ISRAEL
Portanto, o fato de que Israel ainda é o povo
escolhido de Deus, apesar de sua infidelidade, não significa
que sua totalidade será fiel e que todos serão salvos não
importa como. Devemos distinguir entre a noção de eleição
e salvação. Os infiéis não podem ser salvos, mas eles ainda
fazem parte do povo escolhido que testemunhou o plano de
salvação de Deus. Além do mais, a noção de
“remanescente”, desenvolvida especialmente pelos profetas
do século oitavo, não necessariamente implica “rejeição”
do resto do povo. O remanescente ainda é parte do povo
escolhido e é, de fato, um sinal de que Israel continua sendo
o povo escolhido. Os remanescentes são os fiéis, que dentre
o povo escolhido, sobreviverão ao teste do juízo de Deus e
os que, finalmente, gozarão a recompensa escatológica da
salvação. Não devemos, portanto, identificar o
“remanescente” com o “povo escolhido”. Nem todos os
israelitas fizeram parte do remanescente (1 Rs 19:18) e nem
todo remanescente pertencera ao povo escolhido de Israel
(Is 46:3; 45:20; 66:19).

2. A Parábola da Vinha
De todas as histórias que Jesus contou, a parábola
da vinha (Mt 21:33-46) é uma das mais frequentemente
mencionadas. Muitos têm interpretado a rejeição dos
lavradores da vinha, que não cuidaram dela e até mataram
o filho do dono, e a reação do dono, que arrendou “a vinha
para outros lavradores” (Mt 21:41), como a destituição e a
substituição do povo de Israel. Contudo, devemos notar
que, quando Jesus explica que “o reino de Deus vos será
tirado e será entregue a um povo que lhe produza os
respectivos frutos” (verso 43), Ele está dirigindo-se
especificamente aos líderes que estavam presentes, os
principais sacerdotes e os fariseus, que claramente
entenderam que Ele os tinha em mente. “Os principais
15
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
sacerdotes e os fariseus ouvindo esta parábola, entenderam
que era a respeito deles que Jesus falava” (verso 45). Usá-
la para defender a ideia de que Deus tem rejeitado o povo
Judeu e os substituiu pela igreja cristã não faz justiça à
própria explanação de Jesus da parábola. De fato, quando
Ele faz referência ao “reino de Deus” que seria tirado deles,
Ele, Jesus, não tinha em mente a eleição de Israel. Em vez
disso, está falando do assunto de salvação, como a
expressão “reino de Deus” sugere (ver Mt 19:23,24). Seu
ponto não é que Deus tenha rejeitado Israel e o substituído
por outro. Levando isso em consideração, John Brigth
comenta em seu livro O Reino de Deus, que a expressão
“reino de Deus” nos lábios de Jesus, envolve “toda a noção
da lei de Deus sobre seu povo, e particularmente, a
vindicação da lei e do povo em glória no final da história.
Aquele fora o Reino que os Judeus esperaram.”7 A
mensagem do reino de Deus é a mensagem de salvação. A
questão de Jesus para os principais chefes e fariseus
relaciona-se não com a eleição, mas com a salvação deles.
Quando Jesus fala-lhes do “reino de Deus” sendo tirado
deles e dado a outros, quer dizer que Ele teve que tirar a
salvação que eles estavam desprezando e oferecê-la a
outros.
Quem são esses outros para quem a salvação tem
sido dada? A palavra grega, ethnos, aqui traduzida como
“nações”, equivale à palavra hebraica goy, a qual designa
Gentios (ver Mt 4:15, 6:32; At 26:17; Rm 3:29; 11:11;
15:10)8 ou cristãos gentios (Rm 11:13; 15:27; 16:4; Gl 2:12,
14; Ef 3:1). É, também, significante que a primeira epístola
de Pedro aplica ethnos à profecia de Oséias (Os 2:1-23) e
usa-a exatamente com o mesmo significado de gentios:
“vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo
de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas,
agora, alcançastes misericórdia” (I Pe 2:10). Tanto quanto
16
O MISTÉRIO DE ISRAEL
a parábola abrange, “pode bem ser”, diz Jesus “que vós nãos
sereis salvos – não entrareis no reino de Deus, enquanto os
gentios, os goy [ethnos], serão salvos.” Na parábola
anterior dos dois filhos (Mt 21:28-31), Jesus
especificamente refere-se aos chefes dos sacerdotes:
“Declarou-lhes Jesus: em verdade vos digo que publicanos
e meretrizes vos precedem no reino de Deus” (vs 31). A
linguagem retórica em Mateus 21:43 (“portanto eu lhes
digo que o reino de Deus será tirado de vocês e será dado a
um povo que dê os frutos do Reino” [NVI]) não sugere que
todos os judeus, como tais, estão perdidos (ou tenham sido
divinamente rejeitados como povo escolhido) e substituídos
por uma outra “nação” gentia. Nem estes textos sugerem
que apenas os publicanos e meretrizes serão salvos ou
eleitos. Nesta parábola, Jesus dirige suas declarações aos
chefes dos sacerdotes, os “arrendatários” ou “lavradores”,
que são a liderança corrupta do templo. Ele não refere-se
aqui à rejeição ou perda do resto do povo de Israel. De fato,
poderia não ser o caso, desde que o verso 46 descreve o
povo Judeu como “multidões” a quem os líderes “temeram
as multidões porque estas o consideravam como profeta”9
(Mt 21:46). Devemos, contudo, fazer uma distinção clara
entre aqueles líderes (que, a propósito, não inclui todos os
líderes religiosos, tanto que, alguns foram simpáticos ao
evangelho, e muitos deles, posteriormente, aceitaram a
Jesus)10 e o povo judeu.11 Fontes como Flavio Josefo,12
Talmude13 e Qumran14 confirmam essa distinção e
enfatizam que a população em geral odiava os líderes
judeus nessa época, especialmente os sacerdotes, e não
consideravam-lhes seus representantes legais ou nem
mesmo espirituais.15
Assim o argumento de “personalidade
incorporada”, que algumas vezes é usado para dar apoio à

17
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
ideia da responsabilidade do povo Judeu pelos pecados de
seus líderes, erra em importantes considerações.
O contexto histórico do Novo Testamento. O povo
Judeu esteve então sob ocupação de um poder estrangeiro
(os romanos), e seus líderes não eram aceitos pelos judeus
(ver acima). Os romanos tinham estabelecido alguns deles
ou permitido que eles adquirissem poder.
O contexto teológico da nova aliança. A perspectiva
da nova aliança, em Jesus Cristo, não funciona mais como
uma incorporação de categoria étnica. E é irônico, também,
que aqueles que enfatizam a ideia de punição de
incorporação étnica contra Israel insistem, por outro lado,
no contraste entre a natureza individual-universal da nova
aliança e da natureza incorporada da antiga aliança. Em
outras palavras, quando argumentando pela punição de
Israel, eles apelam para o princípio de personalidade
incorporada, mas quando eles discutem de salvação dos
gentios, rejeitam aquele princípio e abraçam o princípio
individual-universal. Tais contradições e inconsistências
falam por si mesmas.
A visão bíblica de Deus. A Bíblia testemunha de um
Deus que não pune o justo com o mal. (Gn 18:23; Mt.
13:29).
O embaraço étnico. A ideia de culpa coletiva e de
punição teria terríveis implicações em nossa interpretação
da história. Isso não apenas implica na justificação do
Holocausto (Judeus europeus contemporâneos sendo
punidos pelo crime de crucificação), como seria, também,
culpar e responsabilizar, todos os europeus (especialmente
a Alemanha e Áustria) pela iniquidade nazista. Ou, mais
recentemente, isto demandaria a responsabilidade de todos
os adventistas ruandeses (se não de todos os adventistas)
pelo holocausto de Ruanda, desde que alguns líderes
adventistas participaram do massacre.
18
O MISTÉRIO DE ISRAEL
A consideração antropológica/sociológica. De fato,
o princípio de personalidade incorporada opera em uma
sociedade tribal, como atestado no antigo Oriente Médio16
e na Bíblia (Js 7; I2 Sm 24:1-7). Seria, contudo, altamente
inapropriado elevar o axioma a um princípio, absoluto e
universal, que “deveria” aplicar-se a qualquer sociedade, a
qualquer tempo. Já, nos tempos do Novo Testamento, a
cultura Israelita não tem sido mais sociedade tribal como
fora no Israel antigo. A grande maioria do povo judeu agora
morava na Diáspora (Dispersão). Muitos dos judeus
palestinos perderam traços da sua identidade tribal e o mais
importante: a sociedade israelita não era mais unida sob a
lei “teocrata” de um rei. De fato, o exemplo de Ananias e
Safira mostra claramente que o princípio de personalidade
incorporada não estava mais em uso. Enquanto que, no
Israel antigo, a iniquidade de um indivíduo – Acã, por
exemplo – pôde afetar a nação toda, o pecado de Ananias e
Safira, e o julgamento divino que isso resultou, não teve
impacto na nação de Israel como um todo, mas afetou
apenas eles mesmos e o especifico grupo (a igreja) a qual
eles pertenciam.
Ao associar o crime dos fariseus com os crimes de
Caim e do rei Joás em Mateus 23:35, Jesus não expressa a
personalidade incorporada. Caim não foi ancestral dos
escribas e fariseus e nem do rei Joás. Jesus coloca esses
indivíduos juntos, apenas na base da semelhança de suas
iniquidades, pela associação de ideias, não pelo princípio de
personalidade incorporada. Por outro lado, se o conceito de
personalidade incorporada, ou, “a noção de solidariedade
comum,”17 estava implícita nas palavras de Jesus, sugeriria
que os fariseus e o povo judeu que eles representam, podem
ser contabilizados pelos crimes de Caim, e então, por todo
crime na história humana, em qualquer tempo e em
qualquer lugar. De fato, a ideia de punição coletiva que
19
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
afetaria o inocente junto com o réu, viola os princípios
divinos (ver Ex 23:7). Interpretar essa passagem em apoio
à punição coletiva é essencialmente uma reação humana de
vingança, que nada tem a ver com o princípio da
“personalidade incorporada”, e, portanto, pertence à cultura
pagã e bárbara como exemplificado pelo rei Dario da Pérsia
(Dn 6:24).
Ainda que Deus tivesse direcionado seu julgamento
para o povo judeu daquele tempo como um todo, não apenas
por causa dos pecados de seus líderes, mas também por
causa de seus próprios pecados; não significa
necessariamente que essa rejeição incorporada tomou lugar.
Jamais em toda história de Israel o juízo resultou em
exclusão coletiva. Pelo contrário, resultou na atenção à
fidelidade e no amorável interesse de Deus, em seu povo,
quando Ele os chamou ao arrependimento (e.g. Os 5; 6; Is
1:18). Todavia, no final dos tempos, o povo de Deus
identificado como Laodiceia (que significa “julgamento do
povo”), é julgado por causa de sua própria justiça e
mornidão. Não significa que Deus rejeitá-los-á
incorporadamente. Pelo contrário, Ele dá a eles este
julgamento de modo a habilitá-los a entenderem que “Eu
[Deus] repreendo e disciplino a todos quantos amo” (Ap
3:19) com o incentivo de ter zelo e arrependimento (ver
verso 19).
A narrativa da vinha é uma parábola, e, como tal, ela
é estilisticamente destinada a permitir uma variedade de
interpretações. O mínimo que podemos deduzir de nossa
discussão é a necessidade de exercitar cuidado. Não seria
sábio construir uma teologia dogmática nessa história.

3. O Crime de Deicídio
É, primariamente, a acusação de deicídio que serviu
como principal justificativa para a teoria da rejeição. De
20
O MISTÉRIO DE ISRAEL
acordo com essa visão, a maioria dos judeus fora
responsável pela crucificação e rejeição de Jesus como o
Messias, e, por isso, Deus os abandonou. Tal argumento
ignora o testemunho explícito e abundante dos Evangelhos:
desde o início até o final de Seu ministério, multidões
entusiasmadas admiraram e seguiram Jesus (Lc 4:14, 15;
19:48; 21:38);18 tanto assim que os lideres “temeram as
multidões,” e tiveram toda razão de acreditar que toda
população voltar-se-ia para Jesus: “se o deixarmos assim,
todos crerão nele” (Jo 11:48). Até Caifás, o sumo sacerdote
daquele ano, pôde argumentar que “convém que um só
homem morra pelo povo e que não venha perecer toda a
nação” (v. 50). O autor bíblico nota, significativamente, que
Caifás disse essa frase sob inspiração profética (v. 51).
A interpretação da rejeição também passa por cima
do contexto histórico e das circunstâncias da crucificação.
A evidência bíblica sugere que apenas um pequeno grupo
de judeus participou do evento (considerando, por exemplo,
o espaço restrito do pretório, onde o julgamento de Jesus
ocorreu) e que muitos deles não tinham ideia do que eles
estavam fazendo (Lc 23:34). Além disso, devemos ter em
mente que Seus seguidores sabiam o que estava
acontecendo, mas mantiveram o silêncio (Mt 26:69-74),
assim como os romanos, que foram os reais executores.19 A
teoria da rejeição não apenas repudia a verdade histórica
que envolve os judeus, “cristãos” e também romanos, como
também omite a verdade teológica que “a iniquidade de
todos nós” (Is 53:6) matou-O. Portanto, quando João (1:11)
diz: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam”
(outra referência clássica da teoria da rejeição), ele não está
referindo-se a “os seus” como exclusivamente Israel – os
judeus –, mas a todo o mundo, a todos os humanos no tempo
e no espaço, a toda criação num senso cósmico (vv. 1-5,

21
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
10). E o Evangelho explicitamente afirma que “o mundo
[kosmos] não o conheceu” (vs. 10).

4. A Maldição
A pequena população de judeus, reunida para o
julgamento de Jesus, declarara aquelas palavras fatídicas:
“Caia sobre nós o seu sangue e sobre nossos filhos” (Mt
27:25). Esta declaração é um elemento importante da teoria
da rejeição porque ela torna o desprezo aos judeus, além do
evento da crucificação, contínuo através dos séculos
seguintes; incluindo as Cruzadas, a Inquisição, o
Holocausto e assim para sempre. Mas o argumento da
maldição ignora não somente o contexto histórico imediato
do evangelho, mas também o contexto bíblico geral de
maldição e a visão bíblica da teodiceia.
Conforme o testemunho das Escrituras, esta
declaração de culpa e punição, viera apenas de um pequeno
grupo de judeus sob a iniciativa e pressão dos chefes dos
sacerdotes que eram os verdadeiros responsáveis20 por isso
(Mt 27:20). O livro de Atos confirma essa versão dos fatos,
desde que o sumo sacerdote, respondendo ao testemunho de
Pedro sobre Cristo, alude a essa maldição sobre eles
mesmos: “Quereis lançar sobre nós o sangue desse
homem!” (At 5:28). Somente os chefes dos sacerdotes
foram (ou seriam) afetados pela maldição que eles
começaram, desde que somente eles estavam
“politicamente” ameaçados por este Messias que iria “pôr
fim aos sacrifícios” e, assim, a legitimidade de sua
liderança. O restante do povo, de acordo com o próprio
Jesus, não sabia o que estava acontecendo. Este é o porquê
o próprio Jesus implorou o perdão de Deus: “Pai, perdoa-
lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23:34).21
Frequentemente nos esquecemos desta súplica final quando
nos referimos à maldição sobre os judeus. E ainda, qual
22
O MISTÉRIO DE ISRAEL
dessas duas orações fora a mais merecedora de ser ouvida e
respondida – a “oração” daqueles poucos ignorantes e
iludidos judeus, ou a oração do Filho de Deus na cruz?
De fato, a ideia de maldição, que persegue os judeus
através das eras, contradiz o ensino bíblico sobre as
maldições, e, coloca em questão o caráter do Deus histórico
e sua compaixão: “O Senhor é longânimo, e grande em
misericórdia, que perdoa a iniquidade e a transgressão”
(Nm 14:18). Isso não significa que Deus não leva a sério a
iniquidade ou que simplesmente a tolera: “Ainda que não
inocenta o culpado, e visita a iniquidade dos pais nos filhos
até a terceira e quarta geração” (v. 18). Em outras palavras,
a maldição de Deus, no mínimo, não vai além da quarta
geração.22 Ainda assim os defensores da teoria da rejeição,
mais zelosos que o próprio Deus (portanto, substituindo-O),
levaram a maldição até às câmaras de gás de Awschwitz.
A ideia que o sofrimento dos judeus é evidência da
maldição e de seus pecados contradiz a visão bíblica da
teodiceia, que é mais branda e “humana”. De acordo com
as maldições encontradas no livro de Deuteronômio, que
traça uma clara definição da estrutura da aliança – se você
obedece você será abençoado e feliz; se você desobedece,
você será amaldiçoado e infeliz – a Bíblia também contém
o livro de Jó e a história da Crucificação no Novo
Testamento. Esses exemplos nos alertam contra qualquer
tipo de teologia que use o sofrimento pessoal como uma
prova do juízo de Deus e como evidência de culpa. A defesa
de Jó contra seus amigos e o clamor de Jesus na cruz deve
ajudar-nos a entender que o sofrimento, o Holocausto, a
AIDS, acidentes trágicos e a crucificação de Jesus, não são
necessariamente provas de que as vítimas sejam pecadoras.
Se é verdadeiro o princípio que o pecado leva ao sofrimento
e à reprovação de Deus, o reverso não é automaticamente
válido: o sofrimento de uma pessoa não indica que um
23
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
indivíduo tenha cometido um crime e sido rejeitado por
Deus. O sofrimento dos judeus não significa que eles são
culpados e divinamente abandonados. Simplesmente pelo
fato dos judeus terem sido vítimas do Holocausto não
significa que eles estiveram sob a maldição porque eles
rejeitaram Jesus. De fato, um bom número também
daqueles judeus tornou-se cristão e aceitou a Jesus em seus
corações.23 Eles foram vitimados não “por causa de suas
crenças, sua política ou sua ameaça militar ou social, mas
simplesmente por causa de quem ou o que os outros
imaginaram que eles eram.”24 De fato, o veredicto da culpa
dos judeus, tendo como resultado os seus sofrimentos, é
mais do que suspeito quando impulsionado por professos
cristãos que têm perpetrado aquele sofrimento. Outros usam
isso como uma justificação divina para seus crimes ou
indiferença.25 Evocar a Deus neste contexto é imoral. Como
diz Jules Isaac: “A iniquidade humana é suficiente; não
envolva Deus nisso.”26

5. Voltando-se Para os Gentios


O fato de que Pedro chama os cristãos gentios de
“geração eleita, sacerdócio real, nação santa” (1 Pd 2:9),
linguagem que Deuteronômio 7:6 aplica a Israel, não
significa que os gentios têm substituído o outro Israel, ou,
porventura, resultado na rejeição deste último. Pedro está
simplesmente dizendo que, tais gentios, agora fazem parte
do povo escolhido. Pertencendo à casa de Israel, eles são
agora “geração escolhida”, igual e dentro, não em lugar de,
Israel.
Similarmente, Atos 13:46 (entre outros textos no
mesmo livro), que relata Paulo e Barnabé pregando para os
gentios, não implica que Deus tem agora rejeitado os
judeus. Os versos 43-45 esclarecem que, de fato, muitos dos
judeus ainda receberam o evangelho: “muitos dos judeus e
24
O MISTÉRIO DE ISRAEL
dos prosélitos piedosos” (v. 43), “quase a cidade inteira” (v.
44), e “as multidões” (v. 45). É apenas uma minoria,
chamada, no verso 45, de “os judeus,”27 que “vendo as
multidões tomaram-se de inveja e, blasfemando
contradiziam o que Paulo estava dizendo”. Além disso, os
capítulos seguintes de Atos claramente mostram que Paulo
continuou pregando para os judeus e com grande sucesso.28

6. O “Israel de Deus”
A expressão “Israel de Deus” aparece em Gálatas
6:16: “e, a todos quantos andarem de conformidade com
esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o
Israel de Deus.” Os substitucionistas têm tradicionalmente
entendido essa expressão, “Israel de Deus,” nesta
passagem, como referindo-se aos cristãos gentios,
implicando assim que a igreja cristã tem tomado o lugar do
povo judeu como “o verdadeiro Israel espiritual.”29 Para os
dispensacionalistas ou futuristas (ver Seção II), a
designação de “Israel de Deus” descreve os descendentes
de Abraão que foram convertidos ao cristianismo. Esse
grupo baseia seu argumento na conjunção grega kai , a qual
é lida por ele com o sentido de “e,” implicando dois povos
distintos: o “Israel de Deus” (os judeus) e a igreja (aqueles
que “andam de acordo com esta regra”).
Contudo, nenhuma das interpretações acima leva
em consideração o contexto e sintaxe da passagem.
Gostaria de sugerir duas interpretações alternativas, que não
apoiam nem as pressuposições teológicas substitucionistas,
nem dispensacionalistas.
Richard Longenecker sugere que “Paulo está usando
uma designação própria de seus oponentes judeus cristãos
na Galácia.”30 Os cristãos legalistas estavam argumentando
que sua estrita observância da lei como meio de salvação
faria deles ainda mais “o Israel de Deus.” A própria frase é
25
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
única e não aparece em outro lugar no Novo Testamento,
nem na literatura helenística ou rabínica. Alguém pode
postular que estes judaizantes criaram a expressão como
uma parte de sua doutrina especifica. Além do mais, a
incomum e de qualquer forma ilógica ordem “paz e
misericórdia,” denuncia a intencionalidade. Por outro lado,
no Novo Testamento quando bênçãos associam
misericórdia com “paz”, misericórdia é sempre a causa que
precede “paz.”31 É também o caso para a clássica bênção
“graça e paz,”32 a qual “graça,” como a causa que precede
a “paz,” como resultado. Considerando a sintaxe da frase,
alguns intérpretes, contudo, têm sugerido a seguinte leitura
de Gálatas 6:16: “Paz sobre aqueles que obedecem esta lei,
e misericórdia ao Israel de Deus.” De acordo com esta
leitura, a bênção de paz é em benefício dos gentios
conversos da Galácia que obedecem à lei do verso 15 como
um resultado de já terem experimentado misericórdia.
Ironicamente, a bênção da misericórdia adicional está nos
cristãos judaizantes legalistas que ainda necessitam dessa
misericórdia.33
Outros, inclusive Gerhard Hasel e Leonard Goppelt,
interpretam Gálatas 6:16 de uma segunda maneira.
Observando que “kai é contextualmente melhor entendido
para ser explicativo,”34 essa posição aplica “o povo
escatológico de Deus,”35 ou “o verdadeiro, o escatológico,
povo de Deus,”36 para o “Israel de Deus”. Neste caso, a
expressão estaria então referindo-se à mesma entidade
como “todo Israel” de Romanos 11:26 que inclui ambos,
judeus e não-judeus (comparar com 1 Pe 2:9, 10), e, este é
o mesmo Israel ideal. A passagem não se aplica nem à
igreja, nem a Israel como entidade política, religiosa, ou
cultural terrenas; mas em vez disso, a um povo que existe
na mente de Deus, o Israel que por fim herdará o reino dos
céus.
26
O MISTÉRIO DE ISRAEL
Muitas outras interpretações têm sido sugeridas: um
remanescente judeu crente, um grupo de judeus cristãos
não-judaizante ou a igreja no tempo de Paulo. Estudiosos
não conseguiram chegar a um consenso nesse texto. A
variedade de opiniões e o uso excepcional da frase “Israel
de Deus” deveria alertar-nos de construir teorias
dogmáticas baseadas nesta passagem. A evidência é, de
fato, muito vacilante para interpretar\ a ideia de um novo
Israel, que substitui o Israel antigo rejeitado por Deus.

7. A Oliveira
Em nenhuma parte do Novo Testamento nós
encontramos a rejeição de Israel. De fato, a única vez que o
texto bíblico fala sobre qualquer rejeição de Israel, ele
enfaticamente afirma que Deus não os tem rejeitado. Paulo
pergunta: “Terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo?”
(Rm 11:1). Sua resposta é clara e não deixa dúvida: “de
modo nenhum!” E sua resposta “de modo nenhum!” é da
maior importância porque ocorre depois da crucificação, até
mesmo depois da primeira resistência “judaica” à
proclamação cristã.
Não existe qualquer razão exegética para crer que,
em Romanos 11:3-6, Paulo tenha em mente outro Israel
espiritual que seja distinto do “povo” sobre o qual ele acaba
de falar em Romanos 10:21. Ambos, Romanos 10:21 e
11:2, empregam a palavra “Israel” em termos negativos.
Israel é infiel. Mesmo assim Paulo ainda refere-se a Israel
como “Seu povo.”37
O perigo a que Paulo está referindo-se surge em
grande parte da expulsão dos judeus de Roma em 49 D.E.C,
que agora retornam depois da morte de Claudius I em 54
D.E.C. Muitos daqueles que retornaram eram judeus
cristãos (como Priscila e Áquila), que devem ter causado
atrito entre gentios e judeus. Por um lado está a maior
27
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
vulnerabilidade desses judeus, e por outro lado o
crescimento da autoconfiança dos gentios cristãos que pode
explicar o porquê Paulo sentiu ser necessário animar seus
leitores gentios contra qualquer sentimento de
superioridade e da ideia substitucionista, de que eles tinham
substituído os judeus, não apenas na liderança política, mas
também teologicamente. Assim, de acordo com Paulo,
cristãos gentios são ainda dependentes da herança da raiz
de Abraão através dos judeus.38 Para provar sua posição que
Deus não rejeitou Israel,39 nem o substituiu pelos gentios,
Paulo estrutura seu discurso em torno de três argumentos:
O argumento dos cristãos judeus (Romanos 11:1-
10). “Porque eu também sou Israelita da descendência de
Abraão, da tribo de Benjamim” (v. 1). Aqui Paulo não usa
uma linguagem espiritual, mas refere-se à concreta
linhagem histórica de sua genealogia. Até a referência a
Elias no verso 2-4 não é espiritual, mas é, também, um
apelo pessoal a seus próprios ancestrais (cp. Fp. 3:5), desde
que Elias também era benjamita (cp. 1 Cr 8:27). “Aqui
estou eu,” ele diz aos gentios cristãos (Rm 11:18) daquele
tempo, que estavam sendo tentados por uma versão da
teoria da rejeição-substituição.40 O fato de que Paulo, um
judeu, tenha recebido Cristo em sua vida, foi uma evidência
clara de que Deus não rejeitou seu povo, o povo judeu. O
fato de haver judeus cristãos foi o sinal claro da prova que
Deus não abandonou o povo judeu. “Eu conheço em minha
carne”, argumentou Paulo, na realidade de minha pessoa,
da minha existência, que Deus ainda está com seu povo. Eu
sou a confirmação, a certeza de que o que vocês dizem
sobre meu povo – que eles são amaldiçoados, rejeitados por
Deus, enganosos e todos as afirmações que vocês fazem em
seus “ensinos de desprezo” – não é verdade. Eu estou diante
de vocês como uma parte do remanescente, evidência
visível de que Deus não tem rejeitado o seu povo.
28
O MISTÉRIO DE ISRAEL
O profeta Isaías empregou o mesmo raciocínio41
quando referiu-se ao remanescente, cuja presença garantiu
a sobrevivência e seleção do povo escolhido: “Se o Senhor
dos Exércitos não nos tivesse deixado alguns sobreviventes,
já nos teríamos tornado como Sodoma e semelhantes à
Gomorra” (Is 1:9). Note que o texto não diz que é por causa
da infidelidade de Israel que o povo fora agora rejeitado e
substituído por um remanescente. Aqui, também, o
remanescente serve como um sinal (a evidência histórica)
de que Israel continuou a ser o povo de Deus. O fato de
haver um remanescente em Israel impedira a Deus de
destruir o povo e torná-lo igual à Sodoma e Gomorra.
Provavelmente, Isaías apela deliberadamente para Sodoma
e Gomorra no contexto que o relato bíblico nos diz que,
naquele caso, nenhum remanescente ainda era possível. (Is
1:9; Gn. 18:32, 33).
Em outras palavras, se Paulo refere a si mesmo
como cristão, não é para sugerir a ideia de que um Israel
“espiritual” é um remanescente, substituindo um Israel
étnico, físico. O “remanescente” permanece uma parte do
Israel étnico ainda que ele não seja todo o Israel. E o fato
de que ainda existe um remanescente em Israel e “eu sou
parte desse remanescente,” declara Paulo, dá a entender que
a rejeição e substituição não existem e que Deus não tem
desprezado seu povo.
O argumento dos gentios “salvos” (Romanos
11:11-25). Mesmo quando os judeus “tropeçam”, Paulo
comenta: isso ajuda na salvação dos gentios. O texto
original grego não usa a palavra “queda” ou “rejeitado”,
mas “falha” ou “transgressão” (eptisan, paratomati, de
ptaio), implicando que eles ainda permanecem e
sobrevivem. Paulo diz explicitamente: “tropeçaram para
que caíssem? De modo nenhum” (v. 11). Note que Paulo
usa o mesmo “de modo nenhum” (me genoito) como no
29
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
verso 1, em ambos os casos relacionando à ideia de Paulo
de “rejeição” da “queda” de Israel. Mas através de sua
“transgressão,” observa ele, “a salvação chegou aos
gentios” (verso 11).
A referência de Paulo sobre “o tropeço” de alguns
judeus, isto é, a resistência deles ao evangelho, deve ser
entendida no contexto. Paulo responde àqueles gentios que
se gabavam de sua superioridade sobre os judeus, o porquê,
como cristãos, eles viam algo que os judeus ainda não viam.
Ainda que os judeus tropecem, Paulo argumenta, esse
grande tropeço é bom para vocês, os gentios. Isso é uma
bênção para vocês porque por eles terem sido cortados,
permitiu a vocês serem enxertados. Aqui Paulo traz toda a
implicação do propósito de Deus, de abençoar as nações
através da descendência de Abraão. Ele interpreta Gênesis
12:3 (“Em ti [Abraão] serão benditas todas as famílias da
terra” [nibrekhu]) empregando a palavra brk, que a
literatura do Segundo Templo usava com o significado
secundário de “enxertado.” A interpretação de Paulo de
“enxerto” dos gentios é similar a daquela do Rabino Eleazar
como relatado no Talmud: “Qual o significado do texto ‘em
ti serão benditas todas as famílias da terra’ (Gn 12:3)? O
Kadosh Baruch Hu (Santo, bendito seja Ele) disse a
Abraão, ‘Eu tenho duas bênçãos [brakhot; benção] para
enxertar [lehabrikh; abençoar] em você: Rute, a moabita e
Naaman, o sírio. Todas as famílias da terra, até as outras
famílias que vivem na terra.’”42 Em outras palavras, Paulo
fala aos gentios que sua bênção não é devida a seus próprios
méritos (vocês são a oliveira selvagem e portanto
improdutiva), porém é o resultado de seu enxerto à boa e
produtiva oliveira.43 Assim, em lugar de enfatizar a “queda”
dos judeus, teorizando a teologia da rejeição, e vangloriar-
se da superioridade do gentio espiritual, vocês devem
regozijar-se e serem gratos e humildes, porque vocês devem
30
O MISTÉRIO DE ISRAEL
a eles sua salvação, até em sua transgressão. O ponto do
argumento de Paulo não é o tanto o tropeço daqueles judeus,
mas a arrogância e a vanglória dos gentios. O apóstolo não
necessariamente argumenta que ele crê que Israel como um
povo – todos os judeus (ou ainda a maioria) – têm
tropeçado. Paulo fala apenas de “alguns dos ramos” (Rm
11:17). Também a conexão literal e temática entre os versos
15 e 17 favorece a interpretação que “rejeitados” no verso
15 tem a mesma aplicação que no verso 17, a saber, apenas
“alguns” do Israel.
“Se o fato de terem sido eles rejeitados [...]” (v. 15).
“Se, porém, alguns dos ramos foram quebrados [...]”
(v. 17).
É importante notar que o verbo traduzido como
“rejeitados” (v. 15) não é a mesma palavra daquela usada
em Romanos 11:1, a qual temos apotheo, significando
“rejeitado” e implicando uma pessoa como acusativo (At
7:27; 13:46; I Tm 1:19), enquanto em Romanos 11:15 nós
temos apoballo, significando “jogar fora”, “deixar ir”, e
implicando um objeto como acusativo (e.g. Mc 10:50). É
também interessante notar que o texto de Isaías 1:30 da
Septuaginta emprega o mesmo termo grego apoballo
também em associação com uma árvore.
E mesmo quando Paulo fala dessa “rejeição”, não é
uma parte natural de seu argumento pessoal. Ele
simplesmente segue com a argumentação daqueles gentios
(“dirás” [Rm 11:19]; “bem” [v. 20]) e então responde a eles
em um modo tipicamente rabínico.
O argumento do povo de Israel (versos 25-36). Na
perspectiva de Paulo, mesmo se os judeus tropecem e
alguns ramos naturais tenham sido cortados da oliveira, o
enxerto deles na mesma oliveira é mais do que esperado, e
trabalhará mais naturalmente que os enxertos dos ramos da
oliveira selvagem. Ele direciona essa observação contra os
31
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
gentios cristãos que vangloriavam-se de sua superioridade
sobre os judeus que tropeçaram. Embora vocês estejam
salvos, Paulo diz, e eles não, e embora vocês tenham algo
que eles não têm, lembrem-se de que, se a salvação fora
possível a vocês, aos ramos selvagens, será ainda mais
possível (a forma rabínica de argumentar, qal wahomer: a
fortiori)44 para os judeus, ramos naturais, serem salvos.
Paulo focaliza em Israel e esboça duas razões de
uma realidade histórica que Deus não rejeitou o seu povo.
A primeira razão pertence às raízes de Israel e diz respeito
à “eleição” deles. Insistindo no fato de que eles são “amados
por causa dos patriarcas” (Rm 11:28), ele baseia seu
discurso em um princípio rabínico, Zekhut Avot (“mérito
dos patriarcas”).45 Não que Paulo acreditava que os judeus
seriam salvos automaticamente através do mérito de seus
patriarcas. Antes, sua eleição, não sua salvação, ainda
permanece por causa de seus patriarcas. Assim, neste
processo, ele reafirma a eleição apesar do tropeço deles. A
tristeza de Paulo, que nem todos os judeus estão aceitando
a Jesus, não o impede de reconhecer-lhes como povo
escolhido (ver Rm 9:1-5).
A tristeza de Paulo, assim como de Jesus, que
chorou sobre Jerusalém (Lc 13:34), não deve ser usada
como um argumento para justificar a rejeição de Israel.
Aqueles sentimentos e exortações revelam o amor e
preocupação que ambos, Paulo e o Filho de Deus, têm por
Israel, o qual ainda é precioso ao coração deles.
A segunda razão pertence ao fruto de Israel (o
Messias em si mesmo; veja Rm 9:5) e os ramos que Deus
enxertará, algum dia, de volta à árvore. É dessa perspectiva


N. do T.: “a fortiori” é uma expressão latina que significa “por causa
de uma razão mais forte”, comumente usada para fortalecer e/ou
enfatizar uma convicção ou consequência em um argumento.
32
O MISTÉRIO DE ISRAEL
que o apostolo direciona o argumento contra a ideia da
rejeição de Israel. Novamente usando o raciocínio rabínico
(qal wahomer: a fortiori), Paulo mais uma vez descreve a
eleição de Israel. Até mesmo os ramos que foram cortados
continuam na sua natureza como uma “oliveira”. Os ramos
naturais não perdem sua característica de ramos
“escolhidos”. Paulo considerou os israelitas, que não
aceitaram a Jesus, de ainda ser o povo escolhido e, assim,
merecedores de respeito por causa de sua eleição passada e
das raízes que os trouxeram. Eles são também testemunhas
da revelação divina (ver vv. 4-5) – “porque os dons e a
vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11:29) – e a
esperança escatológica de ramos re-enxertados. Então,
dentro dessa perspectiva escatológica, Paulo elabora o
argumento na esperança da salvação final deles: “e, assim,
todo o Israel será salvo” (v. 26). Este novo contexto
escatológico de salvação investe a entidade de Israel com
um novo significado. Mas mesmo aqui Paulo não fala sobre
um Israel “espiritual” – os cristãos, os judeus cristãos, os
gentios ou a igreja que teria substituído o Israel infiel. Nem
faz também referência ao Israel judeu. Mas ele vê além dos
sonhos e das realidades terrenas presentes: o Israel “salvo”.
O “novo” Israel é parte da “Nova Jerusalém” – o Israel
celestial, os 144.000 de Apocalipse 14:3, “que foram
comprados da terra”. De acordo com Paulo, neste “Israel”
serão encontrados todos os povos redimidos. É o mesmo
“todo Israel” contido em Romanos 9:6, o qual inclui judeus
(os ramos naturais [Rm 11:24]) e gentios (os ramos
selvagens [v. 25]). A expressão “todo Israel” a qual é de
estilo típico do Livro de Deuteronômio, refere-se à
totalidade do povo, exatamente antes deles entrarem na
Terra Prometida (Dt 34:12, conf. 27:9, 31:1, 7). É uma
linguagem bem conhecida de tonalidade apocalíptica-

33
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
criacionista (Is 45:18, 24, 25; Dn 9:7,8; Lv 16:21, 22; conf.
Gn 2:1-3) em referência à visão cósmica da salvação.

8. A Profecia das 70 Semanas


Daniel 9, apesar de ser um texto do Antigo
Testamento, lida profeticamente com os eventos do Novo
Testamento: a vinda do Messias, o fim dos sacrifícios do
Templo, a destruição de Jerusalém e a universalização da
aliança. Desde que ele fala sobre a crucificação de Jesus, da
destruição de Jerusalém e do nascimento do Cristianismo,
ele tem se tornado uma referência clássica na teoria da
rejeicionista-substitucionista, bem como tem sido o texto
favorito da apologética adventista.
“Setenta semanas estão determinadas sobre o teu
povo” (Daniel 9:24). Muitos entendem que a passagem
implica que Deus deu setenta semanas como a “última
chance para Israel”, seu “teste” ou “provação,” o ultimato
de Deus para Seu povo escolhido. Mas isso ignora todo o
contexto e estrutura da profecia das setenta semanas dentro
de Daniel 9 e a construção sintática da sentença. A estrutura
literária do texto sugere que a palavra “povo” pertence à
mesma linha do Messias.46 Em outras palavras, a menção
de “povo”, em virtude da associação literária com o
Messias, traz um significado de esperança e salvação,
porque o Messias viria deste povo e para este povo. Assim
sendo, boas novas para o povo, novidades de libertação e
redenção, em vez de advertências de morte e rejeição. Essa
perspectiva de esperança encaixa-se no contexto teológico
geral do capitulo, que descreve Daniel como tendo
esperança e orando a Deus pela salvação de seu povo. Como
resultado, veio esta profecia, como uma resposta positiva de
Deus para o pedido de Daniel (v. 21).
Também a construção da passagem sugere que o
verbo passivo “determinado” (nechtak) esteja conectado ao
34
O MISTÉRIO DE ISRAEL
que segue: “para fazer cessar a transgressão, para dar fim
aos pecados.” As setenta semanas estão “determinadas”
sobre o povo para “fazer cessar a transgressão”47 (note a
mesma construção na frase “lembra-te do dia de Sábado,
para o santificar” [Ex 20:8]).
“Para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos
pecados” (Dn 9:24). Alguns interpretam essa passagem
significando que o povo de Israel está agora “determinado”
a pôr um fim ao pecado. Mas tal leitura é blasfema, porque
somente Deus pode trazer um fim ao pecado. Outros têm
entendido a passagem como significando a “consumação do
pecado,” isto é, “dentro desse período os judeus encheriam
a taça de sua iniquidade.” Mas, tal significado do verbo kl’
dificilmente é justificável em vista das considerações
textuais e linguísticas, como com o contexto geral e
imediato do livro.48 E ainda que existisse qualquer dúvida,
a estrutura sintática e literária, definitivamente, sugere outra
direção.
De fato, o verbo nechtak (“determinado”) não deve
ser ligado a “seu povo e sua cidade,” fazendo desse modo
“seu povo” o sujeito do verbo “fazer cessar a transgressão.”
Uma construção assim, implicaria que o povo seria também
o sujeito de outros verbos, “fazer a reconciliação para
iniquidade, trazer justiça eterna, selar a visão e a profecia, e
ungir o Santo dos Santos” (v. 24), palavras que têm somente
Deus como sujeito. De fato, a forma passiva técnica para
nechtak (“determinado”) sugere Deus como o sujeito, uma
forma também chamada de “passivo divino.”49 É Deus
quem realiza a operação de salvação. Devemos, contudo,
ler: “as setenta semanas foram determinadas [por Deus] [...]
para pôr um fim à transgressão”. A associação de três
noções específicas – expiação (kpr), unção (masach), e
Santo dos Santos (qodesh qodashim) – implica que o sujeito
é Deus ou o Messias. Esses três elementos também
35
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
aparecem em Êxodo 29:36, 37, a única referência bíblica
que combina todas essas noções e lida com a consagração
de Aarão e seus filhos, ao sacerdócio israelita. A associação
partilhada entre os dois textos sugere que a profecia das
setenta semanas está sugerindo a consagração de um novo
sumo-sacerdócio.
Desde o início, a profecia das setenta semanas
conduz ao objetivo final, a raison d’être, do período das
setenta semanas. As setenta semanas não foram
“determinadas” contra os judeus, para marcar seu destino
ou implicar a rejeição de Israel. O objetivo das 70 semanas
é, pelo contrário, as boas novas de salvação, dos judeus e
do mundo, através do trabalho do novo Sumo-Sacerdote.
Esse evento, que ocorreu em 31 D.E.C, como relatado por
Pedro, descreve Jesus estando sentado ao lado direito do Pai
depois de sua ascensão (1 Pe 3:22). Após isso, o evento é
confirmado em 34 D.E.C, precisamente no fim das setenta
semanas, por Estevão, que viu naquele exato momento “os
céus abertos e o Filho do Homem em pé, à destra de Deus”
(At 7:56). Note, que ambas as passagens, incidentalmente,
localizam o Messias “à destra de Deus,” o termo real usado
no Salmo 110, o qual também profetiza o estabelecimento
do Messias Davídico, como “um sacerdote eterno segundo
a ordem de Melquisedeque” (v. 4): “Disse o SENHOR ao
meu Senhor, ‘assenta-te à minha direita’” (v. 1), e “O
Senhor, à tua direita” (v. 5).
“Mas não por Ele mesmo” (Dn 9:26 [NKJV]). Os
rejeicionistas e os substitucionistas interpretam essa frase
para implicar que Deus tem abandonado a Israel. Esta
expressão eyn lo (literalmente “ninguém por ele”) é, de fato,
pouco comum. Normalmente a frase aparece com um
objeto complementar para expressar o benefício de uma
posse (ver Is 55:1; Et 2:7) ou com um particípio para indicar
a consequência de uma ação (ver Gn 41:8; Lm 1:2, 9, 17).
36
O MISTÉRIO DE ISRAEL
A ausência de ambos os elementos gramaticais sugere que
a frase está numa forma contracta de uma mais longa. Desde
que a outra única ocorrência da frase eyn lo no livro de
Daniel está na frase mais longa ‘ozer lo (“ninguém o
[socorrerá]” [Dn 11:45 (NVI)]), nós podemos inferir que
eyn lo é a forma contracta de eyn ‘ozer lo.
Agora, considerando o fato que o verbo ‘azar
(ajudar) implica Deus como o sujeito em Daniel 11:45 (ver
também Dn 10:13) e que a bíblia muitas vezes usa o verbo
‘azar para referir-se a obra salvífica de Deus (ver 1 Cr
12:18; 2 Cr 18:31; 1 Sm 7:12; Sl 30:10, 11; 86:17; 118:13;
119:173; Is 41:14; 49:8), é razoável concluir que a
expressão pouco usada eyn lo (“ninguém por ele,”
significando “ninguém o [socorrendo]”) pode referir-se ao
total abandono de Deus ao Messias, em Sua morte futura.
A propósito, é interessante notar que o Salmo 22:11
emprega a frase eyn ‘ozer (“ninguém para socorrer”) para
descrever o total afastamento de Deus na morte do
Messias.50
“Ele fará firme aliança” (Daniel 9:27). Aqui a
teoria rejeicionista-substitucionista argumenta que este
verso ensina que a vinda do Messias será a ocasião de uma
“nova aliança” com um “novo povo,” anulando a antiga
aliança e rejeitando o antigo povo. Mas de fato, a palavra
hebraica higbir (“confirmar,” da raiz gbr denotando força)
sugere a ideia de uma confirmação, um fortalecimento, uma
restauração da aliança já existente em vez de sua anulação.
Além do mais, esta aliança está ligada a rabbim (“muitos”),
um termo técnico que dá a conotação de ideia de
universalidade.51 Refere-se a “todos os salvos” (ver Dn
12:2; Is 53:12). Essa aliança é, portanto, não apenas
“fortalecida” com “muitos” judeus, mas também com
“muitos” gentios, algo que ocorrerá no fim da semana
profética (34 A.D.). Um evento importante para a salvação
37
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
da civilização humana é o ano no qual a mensagem do Deus
de Israel eclodiu além das fronteiras da Palestina e alcançou
os gentios (At 8). Esse não é apenas o ano da conversão e
comissão apostólica de Paulo (At 9); é também o ano que
Deus derramou seu Santo Espírito sobre “muitos”, um
momento determinante que cumpre a profecia de Jesus
sobre a troca da teocracia visível, que teve seu clímax na
encarnação, para o regime invisível, do Espírito (Jo 16:7).
Essa profecia não fala da rejeição dos judeus, mas da
adoção dos gentios, que não são vistos substituindo os
judeus, mas juntando-se a eles (estes são enxertados neles).
É interessante notar que o livro de Daniel realmente
contém a ideia de reposição ou substituição, um tema chave
que o livro sempre associa com o chifre pequeno ou o rei
do norte (Dn 7:25; 11:7, 20). Essa entidade representa o
poder substitucionista que reivindica ter tomado o lugar de
Israel e do próprio Messias. Os defensores da teoria
substitucionista encontram-se, de fato, em companhia
duvidosa.
“E o povo de um príncipe... destruirá a cidade e o
santuário” (Daniel 9:26). Os expositores do
substitucionismo têm interpretado esse trecho como
declarando que foram os judeus os “verdadeiros” agentes
da destruição de Jerusalém. Nessa visão, o “povo do
príncipe” (‘am nagid) não são os romanos, mas o povo
judeu. A propósito, um modo idêntico de pensamento foi (e
ainda é) usado nos clássicos slogans antissemíticos e mais
recentemente nos argumentos viciosos revisionistas, que
procura culpar os judeus e não os nazistas pelo Holocausto.
Contudo, esses ensinos sobre os textos bíblicos erram em
sérias evidências exegéticas e históricas.
1. O significado evidente do texto e seu real cumprimento
histórico, contradiz o argumento. O povo judeu não destruiu
a cidade, porém eles foram vítimas da destruição. O Império
38
O MISTÉRIO DE ISRAEL
romano foi o agente dessa destruição, e, portanto, o poder
descrito no oráculo profético. Não é apenas injusto, mas
historicamente incorreto culpar os judeus pela destruição de
Jerusalém, simplesmente porque se rebelaram contra Roma.
Afirmar que, se os judeus não tivessem se rebelado, o
exército Romano jamais teria interferido e Jerusalém teria
sido poupada, é somente especulação. A erupção da guerra
em 66 D.E.C que levou à destruição de Jerusalém por Tito
em 70 D.E.C fora a culminação de uma longa série de
conflitos que começaram com a conquista da Pompéia em
63 BC. De fato, essa corrente de abusos fora tão grande, que
levou o historiador romano Tácitus a culpar somente os
procuradores romanos pela revolta dos judeus. “A
resistência dos judeus durou até que Gressius Florus tornou-
se procurador.”52 Até Flavio Josefo reconhece que “Florus
forçou-nos [os judeus] a iniciar guerra contra os
romanos.”53 Não é de admirar-se que o historiador
moderno, Emil Schurer, conclui: “deve ser entendido, do
registro dos procuradores romanos a quem [...] foram
incumbidos os serviços públicos na Palestina, que todos
eles, como por um acordo secreto, sistemática e
deliberadamente incitaram os ânimos do povo à revolta.”54
2. O raciocínio que identifica os judeus como o sujeito do
verbo “destruir” (Jerusalém) vai contra a prática normal de
Daniel, que explicitamente denuncia o verdadeiro agente,
político e físico, da destruição (Dn 1:1; 2:37-44; 5:30, 31;
7:17-25; 8:20-22; 11:2-45).
3. O livro de Daniel associa a frase ‘am nagid (“povo do
príncipe”) com o verbo ba’ (“vir”), um verbo que pertence
à linguagem militar do livro e sempre descreve a marcha de
um exército em um ato de agressão. O capítulo 11 usa este
verbo, 17 vezes e todas com esta conotação particular.55

39
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
4. É, também, significante, que a mesma forma verbal
yashchit (“destruir”) em Daniel 9:26 é, também, usada em
Daniel 8:24, 25 com o chifre pequeno como seu sujeito.56
5. Desde que a palavra ‘am (“povo”) é usada aqui sem o
sufixo pronominal, ela não pode ser “Israel.” Todas as vezes
que Daniel refere-se ao povo de Israel, é sempre com o
sufixo pronominal, ‘amkha (“teu povo” [Dn 9:15, 16, 19,
24; 10:14; 11:14; 12:1]) ou ‘ami (“meu povo” [Dn 9:20]).57
6. A estrutura da profecia das setenta semanas claramente
coloca o verbo yashchit na seção lidando com a cidade de
Jerusalém com sua palavra chave chrts (ver seção B2 na
tabela da página 56), e, não permite, portanto, a associação
entre yashchit e a linha temática do “Messias,” uma
conexão que está implicada se interpretarmos o “povo”
como sendo o povo judeu (i.e., povo do Messias) no lugar
dos romanos.
7. Outra implicação dessa observação é que o nagid
(“príncipe”) de Daniel 9:26 não pode ser o mesmo
personagem que o nagid qualificando o Messias no verso
25. De fato, o segundo nagid está contra o primeiro – como
seu adversário e usurpador. Encontramos essa interpretação
da palavra nagid posteriormente confirmada,
intertextualmente, em Ezequiel 28:2, que aplica a palavra
nagid ao príncipe de Tiro, a personificação do poder de
usurpação cósmica (Satanás). Esse oráculo não apenas
refere-se explicitamente ao nosso Daniel (Ez 28:3),58 mas,
também, compartilha um significante número de palavras-
chave comuns59 com Daniel 9:24-27. É importante destacar
que esta é a única passagem na qual Ezequiel usa a palavra
nagid referindo-se a príncipes. Em outros lugares ele
sempre emprega o sinônimo nasi’60 (e.g., Ez 7:27; 12:10;
26:16; 27:21; 44:3). Portanto, uma exceção assim deve ser
intencional. Nele Ezequiel se refere a outro tipo de príncipe
e significa sugerir aqui o mesmo poder cósmico e usurpador
40
O MISTÉRIO DE ISRAEL
(ver Ez 28:2, 5, 9, 17) como o nagid de Daniel 9:26 e o
chifre pequeno de Daniel 7:8, 25 e especialmente Daniel
8:10-12, 25.
8. Note que uma interpretação que traz com ela o segundo
nagid contra o poder salvador do Messias, o primeiro nagid
(Dn 9:25, 26), é consistente com o modelo do grande
conflito que corre através de todo livro de Daniel. De fato,
todas as visões proféticas sistematicamente trazem o
mesmo cenário de dois poderes antagônicos. Em Daniel 2
os reis da terra (i.e., o ferro misturado com barro) se opõem
à pedra e a montanha celestial (vv. 44, 45). Em Daniel 7 o
chifre pequeno se opõe ao Altíssimo e o Filho do Homem
(v. 25). Em Daniel 8, novamente, o chifre pequeno se opõe
ao Altíssimo o Príncipe dos príncipes (vv. 11, 25). Em
Daniel 10, príncipes humanos se opõem a Miguel (v.
13,20). Em Daniel 11 o rei do norte, seguido pelo rei do sul,
fica contra o glorioso monte santo (v. 45). Deste modo, se
não temos o poder do mal se opondo ao Messias na visão
de Daniel 9 isso seria uma exceção incomum.

######

Excursus: Uma maldição rabínica sobre Daniel.


Precisamos retificar a concepção errada (e uma calúnia)
sobre a tão falada maldição rabínica em relação ao estudo
da profecia das setentas semanas. Alguns cristãos têm
sugerido que rabinos proferiram uma maldição especifica
contra o judeu que ler o livro de Daniel, procurando assim,
desencorajá-los a estudar suas profecias e precavendo-lhes
de concluir que Jesus é o Messias. De fato, a maldição
simplesmente tenta precaver os judeus contra especulações
sobre o tempo do fim e da vinda do Messias, a fim de que
não sejam desencorajados se o Messias não vier e assim cair
em descrédito. De modo a apreciar e entender a verdadeira
41
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO
intenção dessa maldição, o texto inteiro e exato da maldição
segue então:
“Rabino Sh’muel bar Nahmani disse em nome do
Rabino Yohanan: ‘Possam os ossos daqueles que calculam
o fim [messiânico] sejam arrancados para fora! Assim que
o tempo [calculado por eles] chega e o Messias não vem,
eles dizem: “Ele já não virá mais mesmo.” Portanto,
esperem por ele, porque assim está escrito: se tardar,
espera-o (Hc 2:3).’”61
1
Ver especialmente Bultmann´s Theory of Scheitern in Claus
Westermann, Essays on Old Testament Hermeneutics, ed. James
LKuther Mays (Rochmond, V.A.: John Knox Press, 1963), p. 73.
2
Ver Jules Isaac, The Teaching of Contempt: Christian Roots of Anti-
Semitism, trans. Helen Weaver (New York: Holt, Rinehart and Winston,
1964); Clark M. Williamson, Has God Rejected His People? Anti-
Judaism in the Christian Church (Nashville: Abingdon, 1982), p. 105.
3
Para a história da Teoria Substitucionista, ver John T. Pawlikowski,
Jesus and the Theology of Israel (Wilmington, Del.: Michael Glazier,
Inc., 1989), pp 10-11; cp. Jacques B. Doukham, Israel and the Church:
two voices for the Same God (Peabody. Mass. Hendrickson Publishers,
2002), pp 55-72
4
Ver a afirmação muito citada de Franklin H. Littell d que “a pedra de
esquina do antissemitismo cristão é o consequente ou desordenado
mito, o qual já ressoa como uma nota genocida” (The Crucifixion of the
Jews:The Failure of Christians to Understand the Jews Experience
[Macon, Ga.: Mercer University Press, 1986], p. 2). Ver também a
definição de Darrel J. Fasching da doutrina “substitucionista”: “Isto
pode simplesmente ser definido como a crença de que cristãos
substituíram os judeus como povo escolhido de Deus, e, assim eles são
os verdadeiros judeus. Isso significa que os judeus não têm o direito de
continuar existindo. Este é um ‘genocídio espiritual’ – o ato de definir
um povo sem existência pela apropriação para si próprio de sua
identidade espiritual. É esse ato que estabelece o palco e criou os
precedentes para os programas pseudo-religiosos seculares do
genocídio físico contra os judeus pelos nazistas. Realmente, as palavras
têm poder para matar.” (The Jewish People in Christian Preaching, ed
Darrel J. Fasching [New York: E. Mellen Press, 1984]), p. x).

42
O MISTÉRIO DE ISRAEL

5
Alguns são mais imaginativos e começam ainda cedo com os
patriarcas referindo-se ao comportamento enganoso de Abraão, Isaac e
Jacó. Um caso interessante é Jacó, que tornou-se Israel e revestiu-se da
tese substitucionista: o Israel espiritual substituiu Jacó, o enganador
carnal. Tais raciocínios negligenciam o fato que as escrituras continuam
a usar o nome de Jacó depois desse evento, e, ele ainda recebe
significado espiritual positivo (Gn 46:2,5; 48:2; Nm 23:23; Is 48:20; Jr
30:7; Ez 28:25; etc.).
6
Ver comentários de Ellen White sobre estes eventos: “Muito embora
tivessem eles [os israelitas] sido levados cativos para Babilônia, Deus
não os abandonara. Ele lhes enviou os Seus profetas.” Profetas e Reis,
p. 582.
7
John Bright, The Kingdom of God: The Biblical Concept and Its
Meaning for the Church (Nashville: Abbingdon-Cokesbury Press,
1953, p. 18.
8
Das 15 ocorrências da palavra “nação” (ethnos) no livro de Mateus,
sete referem-se apenas aos gentios (Mt 4:15; 6:32; 10:5,18; 12:18,21;
20:19).
9
Ver Ellen White, The Desire of Ages, p. 232.
10
Ver Jo 19:39; At 5:34-40; 6:7.
11
Ver comentários de Ellen White nesta parábola onde ela também
identifica os lavradores da vinha como os “líderes judeus” em distinção
clara do povo. Parábolas de Jesus, pp. 293-294.
12
Jewish Antiquities 28.8.
13
Ver Joseph Klausner, Jesus of Nazareth: His Life, Times, and
Teaching, trans. Herbert Danby (New Yourk: Macmillan Co., 1929), p.
357.
14
G. Vermes, The Dead Sea Scrolls in English, 3rd ed. (New York:
Penguim Books, 1987), p. 30.
15
Ver Ellen White: “Os romanos pretendiam o direito de indicar ou
destituir o sumo sacerdote, e o cargo era muitas vezes obtido pela
fraude, o suborno e até pelo homicídio. Assim o sacerdócio se tornava
mais e mais corrupto. Todavia os sacerdotes ainda os tentavam grande
poder, e o empregavam para fins egoístas e mercenários. O povo estava
sujeito a suas desapiedadas exigências, e era também pesadamente
onerado pelos romanos. Esse estado de coisas causava geral
descontentamento. Os levantes populares eram frequentes. A ganância
e a violência, a desconfiança e apatia espiritual estavam corroendo o
próprio âmago da nação.” O Desejado de Todas as Nações, p.30.
16
No conceito de “personalidade incorporada”, ver H. Wheeler
Robinson, The Christian Doctrine43 of Man (Edimburgo: T. & T. Clark,
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO

1911); cp. Joshua R. Porter (que argumenta contra o conceito de


personalidade incorporada na esfera legal do Antigo Testamento), “The
Legal Aspects of the Concept of ‘Corporate Personality’ in Old
Testament,” Vetus Testamentum 15. no.3 (Julho 1965): 379, nº 5.
17
W. D. Davies and Dale C. Allison, Jr., Matthew, International
Critical Commentary (Edimburg: T. & T. Clark, 1997), vol. 3, p.318;
cp. Léon Poliakow, The History of Anti-Semitism: From the Time of
Christ to the Court Jews, trans. Richard Howard (New York: Vanguard
Press, 1965) vol. 1, p. 29-30.
18
Jules Isaac, Jesus and Israel, ed., e com um prefácio, por Claire
Huchet Bispo, trans Sally Gran (New York: Holt, Rinehart e Winston,
1971), cp. Ellen G. White: “Ao viajar Jesus pela Galiléia ensinando e
curando, multidões a Ele se juntavam das cidades e vilas. Muitas vezes
Se via obrigado a ocultar-Se do povo. O entusiasmo subia a tal ponto,
que se tornavam necessárias precauções, não fossem despertados os
receios das autoridades romanas quanto a qualquer insurreição. Nunca
dantes houvera um período assim para o mundo. O Céu baixara aos
homens. Almas famintas e sedentas que haviam longamente esperado a
redenção de Israel, deleitavam-se agora na graça de um misericordioso
Salvador.” Desejado de Todas as Nações, p. 232.
19
Ver Jacques Doukhan, Drinking at the Sources: An Appeal to the Jew
and the Christian to Note Their Common Beginnings, trans. Walter R.
Beach e Robert M. Johnston (Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub.
Assn., 1981), pp. 89-91.
20
Ver também Ellen White, que identifica especificamente os
“sacerdotes e escribas” como aqueles que rejeitaram o Salvador. O
Desejado de Todas as Nações, pp. 618-619.
21
Note que a oração de Jesus incluiu não apenas a multidão de judeus
que estavam acompanhando o evento, alguns deles até lamentando
sobre isso (v. 27), mas também aos dois criminosos (v. 32) e até para os
soldados que repartiram suas vestes (v. 34).
22
Falando sobre o pecado dos “dirigentes judeus” que rejeitaram a
Jesus, Ellen White, contudo, adverte: “Os filhos não foram condenados
pelos pecados dos pais.” O Grande Conflito, p. 28.
23
Ver Johanna-Ruth Doschiner, Selected to Live (Old Tappan, N.J.:
F.H. Revell Co. 1973); Rose Warmer e Myrna Grant, The Journey: The
Story of Rose Warmer’s Triumphant Discovery (Wheaton, Ill.: Tyndale
House Publishers, 1978); etc.
24
Rabi Lester Bronstein, “Belief in the Human Spirit,” em Sacred
Intentions, ed. Kerry M. Olitzky e Lori Forman (Woodstock, Vt.:
Jewish Lights Publishing, 1999), p.44137. (Itálicos acrescentados).
O MISTÉRIO DE ISRAEL

25
Como Ellen White disse: “Pagãos e os chamados cristãos juntamente
têm sido seus inimigos. Os cristãos professos, em seu zelo por Cristo, a
quem os judeus crucificaram, acharam que quanto mais sofrimentos
levassem sobre eles, mais agradariam a Deus.” Primeiros Escritos, pp.
212-213.
26
Jules Isaac, Gênese de L’Antisemitisme (Paris: Calmann-Lévy, 1956),
p.192. Tradução do Autor.
27
Sobre o uso da palavra “Judeus” no Novo Testamento, ver
Explorations 9, nº 2 (1995).
28
Ver At 14:1, 4; 17:1-5; 19:19-21; 28:17, 22, 24, 31.
29
Ver Justin Martyr Dialogue 11. 5; cp. John Chrisostom, Commentary
on the Epistle to the Galatian and Homilies on the Epistle to the
Ephesians (Oxford: Parker, 1840).
30
Richard N. Longenecker, Galatians, World Biblical Commentary
(Dallas Word Books, 1990) vol. 41, p. 298.
31
Ver 1 Tm 1:2; 2 Tm 1:2; Jd 2; etc.
32
Ver Rm 1:7; 1 Co. 1:3; 2 Co 1:2; Gl 1:3; Ef 1:2; etc.
33
Peter Richardson: Israel in the Apostolic Church. Society for New
Testament Studies monograph series, no. 10 (London: Cambridge
University Press, 1969), pp. 74-84.
34
Gerhard F. Hasel: “Israel in Bible Prophecy” (unpublished paper,
n.d.), p. 12.
35
Leonhard Goppelt, Theology of the New Testament, ed. Jurgen
Roloff, trans. John E. Alsup (Grand Rapids: Erdmans, 1982), vol. 2. p.
145.
36
Werner G. Kümmel, The Theology of the New Testament According
to Its Major Witnesses: Jesus-Paul-John, trans John E.Steely
(Nashville: Abingdon Press, 1973), p. 211.
37
Comentando sobre essa passagem, Ellen White observa que “Muito
embora houvesse Israel rejeitado Seu Filho, Deus não os rejeitou.” Atos
dos Apóstolos p. 375. Está claro para Ellen White que as palavras de
Paulo, “Seu Povo”, aplicam-se ao Israel infiel, o povo que ele acaba de
referir-se como “desobediente” (citando Rm 10:21 e Is 65:2) e não a um
remanescente ideal.
38
Ver James D.G.Dunn, Romans, Word Biblical Commentary (Dallas:
Word Books, 1988) vol. 38A, p. liii, e vol. 38B, p. 662.
39
A posição de Paulo em Romanos 11 é consistente com todo o
argumento de Romanos que pressupõem a fidelidade de Deus a Seu
povo (ver Rm 1:16; 3:1-8); ver Cristina Grenholm e Daniel Patte, ed.,
Reading Israel in Romans: Legitimacy and Plausibility of Divergent
45
A TEORIA DA REJEIÇÃO-SUBSTITUIÇÃO

Interpretations (Harrisburg, Pa.: Trinity Press International, 2000), pp.


206-208.
40
Ver comentários de William S. Campbell sobre esta passagem:
“Porventura Paulo encontrou aqui pela primeira vez uma forma
substitucionista de cristianismo que sua própria missão, ao menos como
ela foi contada, ajudou a produzir” (Grenholm and Patte, pg. 206). Isto
não é, todavia, uma evidência do antissemitismo gentio (ver Paul S.
Minear, The Obedience of Faith: The Purposes of Paul in the Epistle to
the Romans [London: SCM, 1971], p.79). De fato, a ideia de um
antissemitismo gentio para apoiar o mito cristão de um antissemitismo
eterno não se mantém em face da realidade histórica (ver Isaac, Gênese
de L’Antisémitisme). Também, o cristianismo não era ainda claramente
distinto do judaísmo. Os cristãos gentio foram, portanto, recrutado entre
os gentios já atraídos ao judaísmo (os prosélitos “tementes a Deus”).
41
Os textos de Isaías estão na mente de Paulo e são diversas vezes
mencionados por ele (ver Rm 10:21; 11:8, 26, 27, 34).
42
Yebamoth 63a.
43
A imagem da oliveira representa Israel tanto na Bíblia quanto na
tradição judaica, ver Jr 11:16; Sal. 52:8; Menahot 53b; Perikta de-Rab
Kahana 21.4.
44
Sanhedrin, 6:5 cp. Gênesis Rabbah 92.7. Para o uso de Paulo, dessa
forma clássica hermenêutica, ver também Rm 5:15, 17; 11:12, 15.
45
Shabbath 55a.
46
Ver Jacques Doukhan, “The Seventy Weeks of Daniel 9: An
Exegetical Study,” Andrews University Seminar Studies 17, nº 1
(1979): 12.
47
A preposição “para” é um lamed intencional.
48
A palavra klh que significa “cessar,” “chegar ao fim.” (ver Ludwig
Köhler e Walter Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the
Old Testament [New York: E.J.Brill, 1995), pp. 476’ 477) é preferível
sobre kl’ (“consumar,” “encher”). Ver BHS Apparatus, ad loc. Esta
ocorrência de kl’ é única aqui no livro de Daniel, que por sua vez apenas
a raiz relacionada klh (9:27); 11:16, 36; 12:7). Também a associação
com pecado é atestada apenas com klh e não com kl’.
49
Joachim Jeremias, New Testament Theology: The Proclamation of
Jesus (New York: Scribner, 1971), p. 13, cunhou a expressão
“passivum divinum.”
50
Comparar também com a expressão eyn matsil miyado (literalmente
“ninguém livrando-se de Sua mão.” Em Daniel 8:4, 8); cp. Doukhan,”
“The Seventy Weeks of Daniel 9,” pp. 18-19.
51
Ver Douckan, “The Seventy Weeks 46 of Daniel 9,” p. 13. n. 8.
O MISTÉRIO DE ISRAEL

52
Tacitus Histories 5.10.1.
53
Jewish Antiquities 20, 257.
54
Emil Schürer, The History of the Jewsh People in the Age of Jesus
Christ (175 B.C.-A.D. 135), trans. T.A. Burkill et al., rev and ed. Geza
Vermes and Fergus Milar (Edinburgh: T. & T. Clark, 1973), vol. 1, p.
455.
55
Ver especialmente a mesma forma habba’ em Daniel 11:16, que tem
o “rei do norte” como sujeito, que “estará na terra gloriosa, e tudo estará
em suas mãos” (note a mesma associação com klh e no verso 12 com
hashchit).
56
A forma Hif‘il (causativa) de yashcit, não implica uma intenção
particular para sugerir que os judeus “causaram” a destruição da cidade
de Jerusalém. O verbo shcht jamais ocorre no Pu‘al e é usado na bíblia
primariamente na forma Hif‘il com o significado direto de “destruir”,
sempre implicando o real sujeito do verbo como o agente físico de
destruição direto (no livro de Daniel, ver, por exemplo, Dn 8:24-25 e
Dn 11:12, já mencionados). Quando isso ocorre (muito raramente) em
Pi‘el, Nif‘al, e Hof‘al, “não há diferença discernível.” Ver R. Laird
Harris, Gleason L. Archer, Jr., Bruce K. Waltke, ed., “Shachat, destroy,
corrupt”, no Theological Wordbook the Old Testament (Chicago:
Moody Press, 1981), vol. 2, p. 917. Note que a mesma forma é atestada
na linguagem egípcia: a palavra ski significando “destruir, aniquilar”, é
também uma forma causativa, sem implicar uma intenção causativa.
57
Cp. Martin Pöbstle, “A Text-oriented Study of Daniel 8:9-14” (ph.D.
diss., Andrews University, forthcoming).
58
Para uma discussão sobre o nome Daniel nesta passagem, ver Jacques
Doukhan, Daniel: The Vision of the End, 2nd ed., ver. (Berring Springs,
Mich.: Andrews University Press, 1989) p. 121, n. 20
59
Shachat, “Destruição” (Ez 28:8, 17); chtm, “selar” (v. 12); mshch
“ungir” (v. 14); qdsh, (vv. 14, 16); miqdash, “santuário” (v. 18); shmm,
“desolado” (v. 19); ‘awon, (v. 18).
60
Ezequiel é o livro em que a palavra nasi’ aparece o maior número de
vezes.
61
B. Sanhdrin 97b

47
Seção II

A Teoria Dispensacionalista

O
dispensacionalismo originou-se entre os Plymouth
Brethren na Inglaterra, nos primórdios da década de
1830. O pai do dispensacionalismo, John Nelson
Darby (1800-1882), foi um dos fundadores-chefes do
movimento Plymouth Bethren, o qual surgiu em reação ao
formalismo das igrejas da Inglaterra. A teologia
dispensacionalista centraliza-se sobre o conceito de que a
história da salvação, desde a Criação até o reino de Deus,
está dividida entre várias “economias,” ou “dispensações”
que implicam em diferentes revelações e condições, pelas
quais Deus testará a humanidade. O número de
dispensações varia dependendo dos teólogos: sete para
Darby; oito, dez ou até doze para outros; e três para o
dispensacionalista contemporâneo Charles Ryrie. Esta
última inclui a velha dispensação sob a lei de Moises, a
presente sob a graça, e a futura durante o milênio.
As reuniões proféticas populares (i.e., As
Conferências Bíblicas do Niagara), a difusão ampla da
Bíblia Anotada de Scofield, o impacto de evangelistas
midiáticos como Pat Robertson e Hal Lindsey, e, os livros,
e, filmes como a série Deixados Para Trás, têm levado a
uma larga aceitação do dispensacionalismo nos Estados
Unidos.
Neste livro não entraremos em todos os debates
sobre a teoria dispensacionalista, mas vamos discuti-la tão

48
O MISTÉRIO DE ISRAEL
somente quando relacionada a “Israel,” um tema central no
sistema dispensacionalista.
A teoria dispensacionalista de Israel advoga que,
desde que os judeus rejeitaram a Jesus como Messias, o
preenchimento do reinado terreno, que Deus inicialmente
lhes prometeu, Ele o adiou para o fim dos tempos. Em lugar
disso, Ele estabeleceu a forma “misteriosa” do reino – a
igreja – como um “parêntesis” que durará até o fim. Cristo
virá, invisível, para recolher os cristãos e levar ao céu (o
arrebatamento), onde eles celebrarão a “Festa das Bodas
com o Cordeiro,” por um período de sete anos. Durante os
sete anos, enquanto a igreja permanece no céu, o programa
de Deus se resumirá na terra para os judeus. O anticristo
reinará e fará uma aliança com Israel, mas então quebrará o
pacto e os oprimirá durante os últimos três anos e meio (a
tribulação). No final do período dos sete anos, Cristo
voltará visivelmente, em glória, e, todos os judeus vivos
então, irão reconhecê-lo como o Messias. Cristo salvá-los-
á então do anticristo e destruirá seus inimigos na Batalha do
Armagedom. Então Ele estabelecerá Seu trono davídico em
Jerusalém; o Templo será reconstruído (no Monte Sião), e
serão oferecidos sacrifícios (pelos pecados). Ele reinará
sobre os judeus (os cidadãos naturais) e muitos gentios (os
cidadãos adotados) por 1.000 anos. Depois do milênio
Cristo destruirá Seu último inimigo, Satã e seus seguidores.
Concluindo o julgamento final, Ele estabelecerá o novo Céu
e nova terra, onde Israel e os redimidos gentios, alegrar-se-
ão eternamente, hoje e sempre, distintos um dos outros.
Para apoiar sua teoria e todo o cenário que isso
implica, os teólogos dispensacionalistas creem plenamente
no princípio teológico de absoluta distinção entre as
diferentes dispensações, especialmente entre aquelas entre
Israel e a igreja. Eles também dependem de uma
interpretação literal dos textos chaves da profecia. Tais
49
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
como as profecias de retorno de Isaias, Jeremias e Ezequiel,
a profecia das 70 semanas de Daniel e a profecia da
salvação de Israel encontrada em Romanos 11.

1. Israel e a Igreja
As teorias dispensacionalistas começam com a
premissa que os judeus têm rejeitado a Jesus e, assim,
descumprindo o plano original de Deus como delineado nas
Escrituras. Assim Deus teve que postergar o reino
teocrático, prometido no Antigo Testamento, até o fim, e
então estabelecer a igreja, que não estava prevista nas
Escrituras Hebraicas. Nessa visão as funções do Novo
Testamento são como uma espécie de plano B, colocado em
prática por causa da falha A do plano do Antigo
Testamento. Para os dispensacionalistas, o Antigo
Testamento é o livro de Israel, o livro do reino terreno e da
lei, enquanto o Novo Testamento é o livro da graça e da
igreja. Como resultado, nós encontramos dois povos,
absolutamente separados um do outro: aquele natural e
terreno, e o outro espiritual e celestial.
De fato, a teologia dispensacionalista herdou essa
visão do protestantismo continental tradicional, visão esta
que o mesmo paradigma marcionita opôs à lei, o Antigo
Testamento e o Israel carnal da terra (os judeus). Em vez
disso, favoreceu a graça, o Novo Testamento e o Israel
“espiritual” (a igreja). Mas, este “novo” sistema1 já não
descreve mais o contraste entre as duas economias em
termos substitucionistas. Em vez disso, Deus deu a lei para
os judeus e a graça para os cristãos. E cada um responsável
perante Deus dentro de sua dispensação particular.
A primeira crítica que podemos fazer contra o
dispensacionalismo, refere-se ao próprio método. As
distinções entre as várias dispensações são, comumente,
artificiais e completamente arbitrárias. Frequentemente elas
50
O MISTÉRIO DE ISRAEL
se sobressaem, aquilo que caracteriza uma dispensação
também aparecerá em outra, e até os limites entre elas são
pouco claro, e muitas vezes variam, dependendo da grande
variedade de posições dispensacionalistas.
Esta classificação sistemática, dentro de
dispensações específicas, contradiz a visão bíblica/hebraica
da revelação. Isso não apenas racha a unidade das
escrituras, colocando o Novo Testamento em oposição ao
Antigo Testamento, mas também não corresponde à
revelação de Deus, de Si mesmo, na Bíblia. Com certeza
Deus não Se revela através de elaborados sistemas
teológicos ou categorias filosóficas. O Deus de Abraão,
Isaque e Jacó, assim como o Deus de Paulo, João e Pedro,
escolheu revelar-se a Si mesmo para a humanidade, através
da história. Os eventos da Criação, do Êxodo, da Entrega da
Lei no Sinai, e do Retorno do Exílio são exemplos. Além
disso, a pessoa de Jesus Cristo – seu nascimento
sobrenatural, sua vida extraordinária e ressurreição – todos
trazem lições teológicas da revelação de Deus. Dentro da
perspectiva bíblica, a teologia deriva de eventos, não por
outro método. Este princípio do pensamento2 de hebraico é
importante porque ele permite a revelação ser universal,
assim transcendendo várias culturas. Mais importante, ele
previne a extrapolação humana sobre Deus, que pode
afastar-nos de Seu caminho.
Vemos este último risco perfeitamente ilustrado na
teologia dispensacionalista, na qual a visão preconcebida
dualística/marcionita, que contrapõe a lei do Antigo
Testamento contra a graça do Novo Testamento, e carne
contra espírito, tem prevalecido sobre a real verdade da
Bíblia. De fato, a graça em si aparece no Antigo Testamento
(Sl 31:16; Os 2:19), e o Novo Testamento promove a lei
(Rm 7:22-25; Tg 2:10). O Antigo Testamento apresenta o
mesmo ideal de interiorização da lei, juntamente com o
51
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
chamado profético para a circuncisão do coração, que o
Novo testamento faz (Dt 6:4-6; cp. Jr 9:25, 26; Mt 5:21, 22,
27, 28; Rm 2:29). Jesus e Seus discípulos jamais
pretenderam criar uma nova dispensação, e muito menos
uma nova religião. A afirmação de Jesus como o Messias
não implicou em outra dispensação distinta daquela do
Antigo Testamento e a lei: “não penseis que vim revogar a
Lei ou os Profetas,” disse Jesus, “não vim para revogar, vim
para cumprir” (Mt 5:17). A palavra grega plerosai significa
literalmente “cumprir o completo”. Em vez de implicar na
anulação da lei, Jesus testificou que Ele veio “cumprir” a
lei e fazê-la desabrochar e amadurecer. Posteriormente,
Paulo argumentou neste mesmo ponto de vista: “anulamos,
pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes,
confirmamos a lei (Rm. 3:31). Mesmo quando os gentios
decidiram juntar-se à comunidade cristã, eles submeteram-
se à lei. As discussões acaloradas relatadas em Atos 15,
claramente testemunham da importância da lei no
pensamento teológico deles. Mesmo a conclusão do debate,
a qual à primeira vista pode parecer sugerir uma libertação
da lei, ainda permanece dentro do judaísmo tradicional. Nós
encontramos discussões similares entre os rabinos que
adotaram a mesma medida legal para os gentios que
queriam se unir à comunidade judaica.3
Permanecendo na mesma linha, os cristãos
primitivos entenderam a vinda de Jesus, o Messias, dentro
do contexto das profecias do Antigo Testamento, uma
interpretação que, a propósito, contradiz as pressuposições
dispensacionalistas, que o Antigo Testamento não tem
conexão com o Novo Testamento. Os primeiros cristãos
consideraram o Primeiro Advento como o cumprimento das
profecias do Antigo Testamento. Em verdade, os cristãos
judeus usaram as profecias messiânicas como seu principal
argumento para provar, para outros judeus, que Jesus era o
52
O MISTÉRIO DE ISRAEL
Messias Judeu prometido nas Escrituras Hebraicas. Para um
judeu tornar-se cristão não implicava rejeição ou ignorância
do Antigo Testamento. Pelo contrário. É baseado no Antigo
Testamento que alguém, como judeu, poderia reconhecer a
Jesus como o Messias.
O cristianismo primitivo permaneceu dentro dos
limites de Israel até depois que outros começaram a chamá-
los de “cristãos” (At 11:26), um nome que eles não
escolheram por eles mesmos. Essa designação parece ter
vindo de fora, aplicada a eles pelos pagãos, gregos ou
romanos, talvez como um apelido pejorativo. Os cristãos
preferiram usar outros nomes pra eles mesmos tais como
“discípulos”, “irmãos” ou “santos”. Os judeus não cristãos
usavam o nome hebreu Notzrim, ou Nazarenos (de Nazaré),
para designar os primitivos cristãos, a quem eles
consideraram ser uma seita judaica. (At 24:5). É somente
bem mais tarde, em torno do quarto século, depois da
separação judaico-cristã, que a palavra minim (“heréticos”)
viera a ser associada com a palavra notzrim (“cristãos”), em
uma maldição que pretendia distinguir cristãos de judeus.4
A história do cristianismo primitivo contradiz, portanto, a
sustentação dispensacionalista da necessidade da distinção
entre Israel e a igreja. Somente mais tarde, através de
tumultos políticos, e às expensas do compromisso
teológico, que a igreja se tornou uma entidade separada de
Israel.
Essa distinção, que resultou da rejeição pela igreja,
de suas raízes judaicas, tem se tornado no
dispensacionalismo uma doutrina teológica com algumas
claras tonalidades racistas. Considera Israel e a igreja como
dois povos diferentes, sem nenhuma conexão qualquer
teológica ou étnica. Mas tais ensinos ficam em flagrante
contradição com o testemunho das escrituras do Antigo
Testamento, que descreve o povo de Israel como uma
53
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
“multidão misturada” (Ex. 12:38) e vê o Israel escatológico
como uma comunidade aberta que vai finalmente unir
“muitos” povos, de todas as nações (Is 56:5, 6). Fazer parte
do Israel físico no Antigo Testamento, significava
simplesmente reconhecer o Deus de Israel como um Deus
pessoal.
O ensino dispensacionalista também ignora o
princípio do Novo Testamento de que através de Cristo os
gentios agora não estão mais separados e distintos dos
judeus, pois eles têm se tornado uma parte de Israel, não
apenas “espiritualmente,” mas também histórica e
fisicamente. Como diz Paulo em Efésios 2:12-15: Os
gentios que uma vez fora “estranho,” “distante,” são agora
“aproximados pelo sangue de Cristo,” porque o muro que
separava judeus e gentios está agora derrubado (ver também
Gl 3:28, 29). A dicotomia dispensacionalista entre Israel e
a igreja, e, o que estas entidades representam – a saber, lei
e graça, Antigo Testamento e Novo Testamento – portanto,
contradiz, abertamente, a realidade histórica de Israel no
Antigo Testamento ou da igreja primitiva no Novo
Testamento assim como os ensinos teológicos de toda a
Escritura Sagrada.

2. A Septuagésima “Sétima”
Outra implicação da rejeição dos judeus a Jesus
paradoxalmente aparece no reconhecimento profético
dispensacionalista do moderno Estado de Israel. Os
dispensacionalistas argumentam que, desde que os Judeus
rejeitaram a Jesus, Deus postergou seu plano inicial de dar
a eles o reino terrestre prometido até o tempo do fim,
quando Israel novamente desempenhará um papel
profético. Este último capítulo da história de Israel, eles
veem como profeticamente preordenada na profecia das
setenta semanas de Daniel 9:24-27, mais precisamente no
54
O MISTÉRIO DE ISRAEL
verso 27, o qual lida com a septuagésima sétima, a última
semana desse período profético. Tal interpretação
dispensacionalista separa esta última semana, das 69
semanas anteriores, e a adia até os tempos finais.
Imediatamente após o arrebatamento, de acordo com o
cenário dispensacionalista, os eventos desta última semana
tomarão lugar na terra, enquanto os cristãos salvos estarão
no céu.
1. No início da semana o anticristo forçará uma
aliança com Israel.
2. No meio da semana o anticristo cancelará a
aliança e começará a opressão à Israel, a tribulação que
durará até o fim da septuagésima semana.
A teoria toda se baseia em uma exegese especial de
Daniel 9:27: “Ele fará firme aliança com muitos, por uma
semana”. Para os dispensacionalistas o pronome “ele” se
refere ao “príncipe” do verso 26, identificado como o
anticristo ou o chifre pequeno de Daniel 7, que fará uma
aliança com Israel no tempo do fim. Contudo, essa divisão
da passagem, que separa a última semana das outras
semanas, e faz o príncipe de Daniel 9:26 o sujeito da
aliança, não é apoiada nem pela estrutura de toda a
passagem e nem pela conexão léxico/teológica entre versos
26 e 27. A estrutura literária do texto profético (ver abaixo)
mostra um movimento de vai-e-vem entre os dois temas,
aquele do Messias (A1, A2, A3) e aquele de Jerusalém (B1,
B2, B3). Cada tema está sistematicamente associado com
uma palavra chave comum. As três passagens lidando com
Jerusalém (B1, B2, B3) têm a palavra-chave chrts
(“determinar, cortar”) em comum, considerando que as três
passagens lidando com o Messias (A1, A2, A3) se referem
regularmente ao ‘tempo expressado em termos de
“semanas” (shavu‘).

55
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
“Desde a saída da ordem para restaurar e para
edificar Jerusalém.” verso 25).5

A1 A Vinda do Messias B1 Construção da Cidade


“até ao Ungido, ao Príncipe, sete “as praças e as circunvalações
semanas (shavu‘) e sessenta e duas [cortadas] (chrts), mas em tempos
semanas” (verso 25) angustiosos” (verso 25)

A2 Morte do Messias B2 Destruição da Cidade


“depois de sessenta e duas semanas “e o povo de um príncipe que há de
(shavu‘), será morto o Ungido e já não vir destruirá a cidade e o santuário, e
estará (verso 26) o seu fim será num dilúvio, e até o fim
haverá guerra; desolações são
determinadas (chrts)” (verso26)

A3 Aliança do Messias B3 Desolação da Cidade


“ele fará firme aliança com muitos, “sobre a asa das abominações virá o
por uma semana; na metade da assolador, até a destruição, que está
semana (shavu‘), fará cessar o determinada (chrts), se derrame sobre
sacrifício e oferta de manjares” (verso ele” (verso 27)6
27)

No desenrolar do texto profético os dois temas,


Messias e Jerusalém, aparecem alternadamente, dando a
esta seção sua construção entrelaçada:
A1 (verso 25) Messias
B1 (verso 25) Jerusalém
A2 (verso 26) Messias
B2 (verso 26) Jerusalém
A3 (verso 27) Messias (aqui implícito)
B3 (verso 27) Jerusalém
A estrutura literária do texto profético leva às
seguintes observações em relação à interpretação da aliança
no verso 27 (A3):
1. Desde que a “aliança” no A3 (verso 27) está
associada com a palavra-chave shavu‘ (“semana”), a qual é

56
O MISTÉRIO DE ISRAEL
constantemente ligada ao Messias, conclui-se que esta
aliança está relacionada com o Messias.
2. A construção alternativa (Messias-Jerusalém-
Messias-Jerusalém-Messias-Jerusalém) confirma a
presença implícita de Messias em A3.
A interpretação dispensacionalista que relaciona a
aliança ao príncipe, ou o anticristo do verso 26, contradiz a
estrutura literária desta frase que sugere que é o Messias o
agente da aliança e não o príncipe.
Associações teológicas e léxicas apoiam a evidência
da estrutura literária. A palavra krt (“cortado”), que
descreve a morte do Messias (verso 26), é o termo técnico
normalmente ligado à aliança (berit). A maioria das
ocorrências de krt (130 vezes) aparece relacionada à palavra
berit.7 O texto hebreu sempre descreve a aliança como
sendo cortada (krt), novamente confirmando que a aliança
(berit), discutida no verso 27, está relacionada à krt, que
descreve a morte do Messias no verso 26. Sendo assim,
identifica-se a morte do Messias como um sacrifício
levítico através do qual a aliança é cortada. A linguagem
sacrifical cultual da profecia das setenta semanas (e.g.,
“transgressão,” “pecado,” “expiação,” “sacrifício,” e
“ofertas”) dá apoio a essa interpretação. A aliança é de uma
natureza cultual que relaciona a morte sacrifical do Messias
e, portanto, não tem nada a ver com a visão
dispensacionalista de uma aliança política entre o anticristo
e o povo judeu.
O verbo hebraico higbir (“confirmar” na NVKJ) não
implica, como argumenta Joyce Baldwin, a ideia de “forçar
um acordo por meio de força superior.”8 Os
dispensacionalistas defendem tal interpretação9 para apoiar
o cenário profético deles, que o anticristo imporá sua
aliança aos judeus. A forma Hif‘il do verbo gbr
(“fortalecer”) sugere, em vez disso, um processo que
57
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
fortalece a própria aliança do que uma imposição. De fato,
a forma implica que o fortalecimento está antes na aliança
do que no agente da aliança. O uso dessa forma não permite
a ideia de uma aliança feita pela primeira vez, mas sugere,
em vez disso, que esta aliança está tornando-se mais forte,
assim implicando que ela já existia. É também significante
que a outra única ocorrência bíblica para esta forma do
verbo de higbir ocorre no Salmo 12:4, a qual associa este
verbo com o verbo gdl (“engrandecer”) em relação à língua
que “fala soberbamente [grande]” (Salmo 12:3). A aliança
torna-se mais forte ou maior, uma ideia confirmada pelo
objeto dessa aliança, os “muitos” (rabbim), que conota
universalidade e implica uma aliança ampliada além das
fronteiras de Israel, abrangendo a todas as nações.
Interessantemente, Isaías 53, o qual o servo sofredor
“justificará a muitos” (v. 11), também usa a mesma palavra
rabbim. A intenção universal desse berit (“aliança”)
também aparece na sintaxe da palavra que ocorre aqui sem
o artigo (“o”) como “Messias” em Daniel 9:26. De fato, a
omissão do artigo é uma ferramenta estilística empregada
no contexto de todo o texto da profecia das setenta semanas
para expressar a intenção universalista desta profecia.10
É também significante que a visão liga este acordo
não apenas com a morte do Messias, mas também com o
fim dos “sacrifício e ofertas” e está situada no tempo, “na
metade da semana” (v. 27), o momento exato que Cristo
morreu na cruz (31 D.E.C). A profecia retrata a morte do
Messias como um sacrifício de expiação, e, respondendo à
intenção teológica básica da profecia das setenta semanas,
ele é destinado “para expiar [kpr] a iniquidade” (v. 24). Este
último sacrifício cumprirá a profecia simbolizada pelo
sistema sacrifical. O antítipo encontrará o tipo e assim
“selar a visão e a profecia” (v. 24). A Epistola aos Hebreus
explica este processo quando interpreta a lei dos sacrifícios
58
O MISTÉRIO DE ISRAEL
como “sombra dos bens vindouros” (Hb 10:1) e declara que
Cristo veio “para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o
pecado” (Hb 9:26). Para o autor da Epistola aos Hebreus, a
lição desse evento é clara: o sacrifício de Cristo tornou os
sacrifícios de animais do sistema levítico obsoleto.
“Remove o primeiro para estabelecer o segundo” (Hb 10:9).
E, portanto, tanto quanto estamos envolvidos, somos agora
“santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo,
uma vez por todas” (v. 10). A morte do Messias implica o
fim dos sacrifícios que apontavam para Ele.
Como resultado, a aliança está ampliada. Desde que
não mais depende do Templo e do sacrifício, a aliança
torna-se universal. A história tem confirmado a veracidade
teológica. Para ambos, cristãos e judeus, a destruição do
Templo, apenas poucos anos mais tarde, mudou a
experiência religiosa fora do sacrifício em Jerusalém para
uma realidade mais espiritual e universal.
Todos os eventos descritos no final da profecia das
setenta semanas encontraram seu cumprimento na história.
Nada, no texto profético, autoriza a especulação
dispensacionalista que posterga a última semana para o
tempo do fim. Pelo contrário, as datas do texto, a estrutura
literária e a associação léxica e teológica apresentam fortes
evidências para a unidade da visão profética: a morte do
Messias está associada a uma aliança universal e com o fim
do sacrifício e das ofertas. Até o arranjo numérico de setenta
semanas sugere uma linha contínua. O número 7 introduz e
conclui o período profético: 7 (semanas), 62 (semanas), 7
(dias). É também significante que o mesmo acento
disjuntivo, o athnach, está colocado em ambos os períodos
de tempo, o primeiro 7 (Dn 9:24) e o último 7 (verso 27).
Isso não só aponta e enfatiza11 a significância do número 7,
mas também implica que, assim como o primeiro período
de “7” não está separado das outras semanas, portanto ele é
59
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
para o último período de “7”. A mesma observação vale em
consideração à relação entre os 70 anos da profecia de
Jeremias e da profecia das 70 semanas como relatada em
Daniel 9:2, 24-27. O eco entre os dois períodos proféticos
de 70 que estruturam a oração de Daniel (vv. 3-23) sugere
que as duas profecias interligam um evento da mesma
realidade histórica (ambas teriam lugar na história) e da
mesma natureza espiritual (a esperança do retorno do exílio
e a esperança da redenção messiânica). Este paralelo entre
os períodos de setenta também implica que assim como os
70 anos do exílio da Babilônia são contínuos, assim também
são as 70 semanas da profecia de Daniel.
De fato, todo o cenário dispensacionalista de uma
aliança entre o anticristo e Israel numa “posterior” última
semana da história humana, vai contra o plano e o
significado intencional do texto da profecia. Este fato por si
só deveria ser suficiente para questionar a validade da
interpretação profética dispensacionalista de Israel.

3. O Reajuntamento de Israel
Agora entendemos o porquê para os
dispensacionalistas é uma conclusão conveniente que
quando Israel tiver voltado à terra prometida será em
preparação para fim dos tempos. De fato, eles consideram
tal retorno “profeticamente necessário.” Desde que o sinal
de um acordo de sete anos entre o anticristo e Israel precede
a grande tribulação, “está claro que, para que tal aliança seja
cumprida, os filhos de Israel têm de estar na terra de seus
antepassados e têm de estar organizados dentro de uma
unidade política apropriada para um relacionamento que
firme tal aliança.”12 Desde que os judeus têm agora
reconquistado a terra de seus ancestrais, os
dispensacionalistas concluem que o tempo do fim está às
portas. Eles interpretam o retorno dos judeus à Terra Santa
60
O MISTÉRIO DE ISRAEL
como um sinal do fim, preparando para o estabelecimento
do postergado reinado terrestre de Israel. Os
dispensacionalistas baseiam sua interpretação
especialmente nas profecias sobre o retorno no Antigo
Testamento, de Isaías, Jeremias e Ezequiel.
As profecias de retorno. “Naquele dia o Senhor
estenderá o braço pela segunda vez para reivindicar o
remanescente do seu povo que for deixado na Assíria, no
Egito [...]” (Isaias 11:11 [NVI]). Os dispensacionalistas
enfatizam a frase “segunda vez” para implicar que o retorno
da Babilônia representou a restauração pela “primeira vez”,
enquanto que o retorno futuro para a Terra Santa
constituiria a “segunda vez”. Eles concluem que Isaías
previu o atual movimento sionista. Todavia, a declaração
conclusiva do texto profético de Isaías torna claro que este
retorno, pela segunda vez, refere-se àqueles levados cativos
para a Assíria: “haverá um caminho plano para o restante
do seu povo, que for deixado, da Assíria, como o houve para
Israel no dia que subiu da terra do Egito” (v. 16). O profeta
está aludindo a uma situação comparável à do exílio do
reino do norte. Assim como Deus providenciou um
caminho para Israel sair do Egito, então também ele
providenciará um caminho para Israel retornar do exílio
Assírio. A menção de lugares que parecem estar localizados
fora dos limites do império Assírio não é surpresa
considerando a extensão das conquistas assírias. Eles
conquistaram territórios como o Egito (e portanto Patros e
Cuxe), a costa da Fenícia (Hamate e as ilhas) e Elão (antiga
Pérsia) e Sinar (Babilônia). Também a lista segue um curso
diagonal desde o norte (Assíria) para o sul (Egito, Patros,
Cuxe)13 e do leste (Elão e Sinar) para o oeste (Hamate e as
ilhas),14 assim sugerindo e antecipando os “quatro confins
da terra” (v. 12), uma maneira estilística de descrever a
totalidade do exílio Assírio.
61
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
Como referência no verso 10, “a raiz de Jessé,” que,
como uma bandeira, atrairá tanto os gentios como os
judeus, aplica-se à vinda do Messias que estenderá a aliança
e salvação não apenas aos judeus, mas também aos povos
de muitas nações. Isto também conduz a perspectiva futura
da paz cósmica na terra escatológica quando “o lobo
habitará com o cordeiro” (v. 6) e não haverá mais dor, nem
destruição, “porque a terra se encherá do conhecimento do
SENHOR, como as águas cobrem o mar” (v. 9).
Posteriormente neste livro, o profeta Isaías associa
a promessa do retorno do exílio babilônico, através de Ciro,
rei da Pérsia (Is 44:26-28; 45:1-13; 52:8), à esperança
messiânica da “salvação final” (Is 45:17).15
Outros profetas confirmam o mesmo tipo de
associação e ligação. As profecias de Jeremias clara e
historicamente apontam para o retorno da Babilônia. Ele
explicitamente refere-se a um retorno tanto no espaço
(Babilônia [Jr 16:14, 15]) como no tempo (depois dos
setenta anos [Jr 25:12]). O profeta também associa a
expectativa para este retorno específico à esperança
messiânica e escatológica. Algumas passagens ligam a
antecipação do retorno da Babilônia com a esperança da
“nova aliança” que Deus colocará no coração (Jr 31:31, 32).
É a experiência que os escritores do Novo Testamento
aplicam à primeira vinda do Messias (Hb 8:8-12; 10:16, 17;
2 Co 3:3). Jeremias até usa a mesma imagem para descrever
a esperança da vinda escatológica do Senhor que trará juízo,
justiça e paz na terra (Jr 23:5, 6; 33:15,16).
Do mesmo modo, as profecias de Ezequiel referem-
se ao mesmo evento histórico do retorno do cativeiro
Assírio-Babilônico (ver Ez 1:1-3). Seu livro também
explicitamente menciona o exílio para Babilônia e o retorno
dele (Ez 11:24; 16:28; 33:21, 22). Profetiza o momento do
retorno da perspectiva dos Israelitas daquele tempo – como
62
O MISTÉRIO DE ISRAEL
um evento “prestes a vir” (Ez 36:8). A profecia está
claramente situada dentro da condição contemporânea dos
israelitas no exílio da Babilônia. O profeta ouvia-os dizer:
“Os nossos ossos se secaram, e pereceu a nossa esperança;
e estamos de todo exterminados” (Ez 37:11).
Assim como Jeremias e Isaías, Ezequiel descreve o
retorno do exílio da Babilônia como um grande momento
de esperança. O profeta usou isto como uma oportunidade
para descrever uma esperança ainda mais maravilhosa, a
esperança da primeira vinda do Messias, que iniciaria a
experiência da “nova aliança” (Ez 11:19, 20; 16:61-63;
36:24-30) e conduziria a uma paz sem fim e à efetiva
presença de Deus (Ez 37:24-27; 43:6, 7; 48:35).
Mas essa constante e sistemática associação entre as
profecias do retorno e messiânica, a libertação escatológica
não significa que este reajuntamento de Israel conduz
inevitavelmente à vinda do Messias e assim referindo-se a
uma unificação dos judeus no fim dos tempos. Também,
não significa que nós devemos interpretá-las como
“profecias condicionais” que não têm sido cumpridas, ou
jamais serão, por causa da infidelidade de Israel. Como nós
vemos, o claro e explicito sentido das passagens e de seus
contextos esclarecem-nos que tais passagens referem-se ao
retorno já acontecido, do exílio da Babilônia. A razão para
tal associação envolve o conceito hebreu do tempo estando
ligado ao seu contexto e ainda identificado com ele. Assim,
no pensamento hebreu, “assuntos que são largamente
separados com referência ao tempo podem, se seu conteúdo
coincidir, ser identificados e considerados simultâneos.”16
Podemos observar esta perspectiva nas festas judaicas que
ligam eventos passados e futuros. Os eventos passados da
Criação e do Êxodo estão associados ao Sábado (Êx 20:11;
Dt 5:15). Do mesmo modo, o evento futuro da salvação de
Deus identifica-se com o ano sabático ou do jubileu. (2 Cr
63
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
36:21; Is 61:1, 2; Lv 25:9). O mesmo princípio aparece nas
profecias bíblicas, que, por exemplo, invocam a grande
batalha de Jezreel (2 Rs 10:11) para falar sobre a batalha
escatológica futura (Os 1:4, 11). O evento de Sodoma no
passado serve como um veículo para descrever o destino
similar de uma cidade futura (Lm 4:6; Ap 11:8). Uma boa
ilustração deste conceito aparece no Novo testamento, na
qual Jesus une sua profecia relacionada à breve destruição
do Templo e de Jerusalém (Mt 24:1, 2) com os eventos
ainda distantes do fim e da destruição do mundo (vv. 3-31).
A reconstrução do Templo. As mesmas ponderações
aplicam-se às tão faladas predições da reconstrução do
Templo e da esperança de novamente oferecer sacrifícios
levíticos. Os dispensacionalistas usam as escavações do
muro do templo, pesquisas sobre a arca da aliança, e, acima
de tudo, as atividades do “Instituto do Templo” em
Jerusalém, como argumentos para apoiar sua tese que um
dia o Templo será reconstruído e Deus permitirá sacrifícios
a serem oferecidos para sempre sobre o altar. Mas tal
interpretação contradiz o ensino do Novo Testamento, que
os sacrifícios de animais não são mais relevantes em vista
do sacrifício definitivo de Cristo (Hb 10:1-4). A tradição
judaica também explica os sacrifícios como uma “Halakha
(“uma lei tradicional”) quando refere-se ao Messias.”17 De
fato, a restauração dos sacrifícios iria contradizer a
principal essência do judaísmo rabínico, que enfatiza a
superioridade da oração sobre o sacrifício;18 e afirma com
base em referências bíblicas (Sl 141:2; Os 14:2), que depois
da destruição do Templo em 70 D.E.C, orações
substituíram os sacrifícios.19 Este princípio, de fato, tem
inspirado toda a estrutura da liturgia judaica do período pós-
Templo. A oração do Sacharit tem substituído o tamid
matutino, e a oração Minchah, o tamid vespertino. Quando
um sacrifício adicional era necessário, os rabinos
64
O MISTÉRIO DE ISRAEL
introduziam a oração Musaf.20
Portanto, o desejo de ver novamente os sacrifícios
oferecidos sobre o altar, ignora a visão judaica sobre o
assunto. Na realidade, a maioria dos judeus e israelitas
rejeitam completamente esta ideia. Os judeus Reformistas
e Conservadores, que representam a maior parte do
judaísmo, têm abolido inteiramente quaisquer referências
litúrgicas ao sacrifício. Até a minoria Ortodoxa, que ainda
mantém a esperança de sua restauração, insiste que “o
reavivamento do serviço de sacrifícios deve [...] ser
sancionado pela voz divina de um profeta. A mera aquisição
do Monte do Templo ou de toda a Palestina pelos judeus,
através de guerra, ou por acordos políticos, não justificaria
o seu reavivamento.”21 Ainda mais, a perspectiva de “voz
divina de um profeta” é problemática, desde que a visão
dominante, no judaísmo tradicional, é que a profecia
terminou nos tempos bíblicos e o Shekinah partiu de
Israel.22 Tentativas esporádicas de grupos, como o do
Temple Mount Faithfull, que parecem promover a ideia da
reconstrução do Templo com a possível restauração dos
sacrifícios, não recebem apoio das autoridades israelenses e
estão longe de serem representativos nas variantes do
judaísmo tradicional. A imprensa israelense regularmente
caracteriza-os por epítetos como “um bando de loucos” ou
“lunáticos perigosos.”23 De fato, qualquer reivindicação
profética sobre o assunto, quer venha de judeus, palestinos
ou cristãos, é um argumento extremamente perigoso. A
história nos tem mostrado que tais pensamentos sempre
levaram ao fanatismo ou insanidade e inspirou os piores
crimes. Além disso, evocar o sobrenatural não abre espaço
para qualquer negociação por que “quem pode debater com
Deus?”.
Dispensacionalismo e Antissemitismo. A verdade é
que a maior parte dos israelenses e judeus esclarecidos
65
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
considera essa obsessão “cristã” por profecias, para
justificar o sucesso de Israel, ou qualquer futuro empenho
judeu, como suspeito. Por trás de tal aparente entusiástico
apoio a Israel, espreita o fantasma do antissemitismo. Este
modo de observar o judeu como “particularmente diferentes
porque Deus os fez diferentes,”24 revela o antigo
preconceito, e contém potencial para uma perigosa
especulação racista, com todos os tradicionais mitos e
estereótipos antissemitas. “Por que os judeus são tão
malignos e odiosos enquanto eles são tão produtivos e
necessários?” perguntou o tele-evangelista Jack Van Impe
em Israel’s Final Holocaust. “Só pode haver uma única
explicação – o cumprimento da profecia”. Com base em
certa passagem de Deuteronômio, Van Impe conclui: “em
resumo, apesar dos benefícios materiais trazidos pelos
judeus serem bons, o judeu em si é indesejado [...]. A
habilidade deles em lidar com dinheiro tem-lhes diversas
vezes trazido aflição.”25 Paul Boyer descreve a visão
dispensacionalista dos judeus como um “complexo sistema
[...] uma máscara teológica para o ódio ao judeu.” Embora
“incorpora muitos elementos da filosofia hebraica [...]
importantes componentes estruturais dessa teologia
encorajam uma preocupação obsessiva com os judeus como
um povo eternamente separado, sobre quem podem ser
feitas rotulações preconceituosas com a sanção da
autoridade bíblica.”26
O cenário imaginado pelos dispensacionalistas
confirma tal suspeita. O cumprimento profético, que parece
beneficiar os judeus atualmente, esconde um plano
diabólico que objetiva exterminá-los. Para os
dispensacionalistas, o retorno dos judeus à Palestina deveria
levar a uma onda sem precedentes de antissemitismo,
justificado por causa da culpa coletiva de Israel pela morte
de Jesus. “É claro que todos, no mundo inteiro, são culpados
66
O MISTÉRIO DE ISRAEL
de cravar o Filho de Deus,” escrevem os teólogos
dispensacionalistas, “mas os judeus foram o instrumento
principal nesse evento.”27 E por essa razão, observa outro
teólogo dispensacionalista, o antissemitismo “crescerá mais
e mais”, até à tribulação, quando “as nações juntar-se-ão
para entregar ao remanescente de Israel o cálice da graça.”28
Embora Hal Lindsey acende as “chamas insanas” do ódio
judeu, ele usa as Escrituras para justificar o antissemitismo
que alcançará “seu mais alto pico de efervescência no
tempo do fim.”29 Van Impe descreve este “Holocausto
final” tanto como uma expressão da vontade de Deus, como
motivada por Satanás.30 Para os dispensacionalistas, o mais
trágico capítulo da história judaica ainda está por vir.
Amaldiçoados por Deus, os judeus sofrerão tanto quanto
durar a história da humanidade, até a vinda de Cristo,
quando os judeus finalmente o reconhecerão como o
Messias e então serão todos eles salvos.

4. A Salvação de Israel
A posição dispensacionalista é que todos os judeus
vivos que retornaram à Palestina serão no fim salvos por
verem o retorno de Cristo. Como um proeminente autor
dispensacionalista diz: “O corpo total dos descendentes de
Jacó então vivendo sobre a terra, abraçarão a fé através da
visão do retorno do Messias.”31
Primeiramente, devemos reconhecer que este
conceito de salvação através da visão do retorno de Jesus
contradiz o ensino geral das Escrituras, que apresenta a
salvação mediante a fé (Rm 4:3) e questiona a validade da
fé baseada em manifestações visíveis (Jo 20:29; Mt 12:38,
39). Além do mais, nenhuma profecia bíblica apoia tal
ideia.
A tese que “todos” os judeus serão salvos não pode
ser defendida exegeticamente com base na declaração de
67
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
Paulo em Romanos 11:26: “todo Israel será salvo.” De fato,
uma análise mais acurada do contexto desse texto-chave
usado como prova, mostra que a conclusão da dissertação
de Paulo aqui, sobre Israel, aponta em outra direção.
Paulo acabara de explanar aos gentios convertidos,
que se vangloriavam de sua superioridade espiritual sobre
os incrédulos judeus, que seu comportamento era
inapropriado: “Não te glories contra os ramos” (v. 18). De
modo a destacar seu ponto de vista, o apóstolo relaciona a
salvação dos gentios com a salvação dos judeus. Se é
possível para os gentios serem enxertados à árvore e se
tornarem participantes “da raiz e da seiva da oliveira”
(v.17), é tão somente porque alguns ramos na árvore natural
foram cortados (v. 19). Paulo repete seu raciocínio
lembrando ao leitor daquilo que ele, a saber, denomina “este
mistério,” que “veio endurecimento em parte a Israel, até
que haja entrado a plenitude dos gentios” (v. 25).
Se, por outro lado, foi possível aos gentios serem
“enxertados em boa oliveira, quanto mais não serão
enxertados na sua própria oliveira aqueles que são ramos
naturais!” (v. 24). Devemos salientar que Paulo não está
sugerindo a salvação de todos os judeus, assim como ele
não sugere a salvação de todos os gentios. Em ambos os
casos, apenas “alguns” estão envolvidos; apenas alguns
ramos selvagens, o gentio será “enxertado em meio deles”,
alguns dos naturais, os “ramos [judeus] foram quebrados (v.
17). Da mesma forma, apenas “alguns” ramos naturais
serão re-enxertados. Significantemente, Paulo designa os
judeus re-enxertados com a palavra “aqueles,” assim
referindo-se novamente a “alguns ramos” que foram
cortados (vv. 17, 19, 22 [NVI]). Paulo é consistente nesta
restrição através de todo seu raciocínio; no verso 25 ele
qualifica este “endurecimento,” que afeta Israel, apenas
como “parcial.”
68
O MISTÉRIO DE ISRAEL
Essas “duas” salvações estão implícitas na
conclusão de Paulo: “e, assim, todo Israel será salvo” (v.
26). A frase “todo Israel” é uma expressão técnica que tem
uma conotação escatológica (ver acima). O “Israel” em
vista aqui é o povo salvo, judeus e gentios, que herdarão o
reino dos céus.
Vemos essa interpretação posteriormente
confirmada no verso 32, o qual novamente usa a mesma
palavra “todo”: “Porque Deus a todos encerrou na
desobediência, a fim de usar de misericórdia para com
todos.” O contexto desse verso é o mesmo do verso 26, e, o
argumento é também o mesmo, a saber, a conexão entre a
salvação dos gentios e a dos judeus.
Nos versos 26 e 27, Paulo começa com a salvação
dos judeus, incluídos em “todo Israel,” continuando assim
na linha de pensamento do verso 24, que lida com a
salvação dos judeus. Então nos versos 28-30, ele volta-se
para os gentios e argumenta, novamente, que eles são salvos
graças à infidelidade de alguns judeus: “quanto ao
evangelho, são eles inimigos por sua causa” (v. 28) [...] “vós
[...] agora, alcançastes misericórdia, à vista da
desobediência deles” (v. 30). No verso 31, Paulo volta sua
atenção aos judeus e argumenta, de modo inverso, que a
salvação dos judeus desobedientes está também relacionada
à salvação dos gentios desobedientes: “Através da
misericórdia mostrada a vós [gentios], eles [judeus]
também possam alcançar misericórdia [NKJV].”
Em conclusão, Paulo infere uma lição teológica
sobre a salvação de ambos os grupos de pessoas: “Deus a
todos encerrou na desobediência, a fim de usar de
misericórdia para com todos” (v. 32). Ele tem descrito
ambos os povos como desobedientes, os gentios, no verso
30, e os judeus no verso 31. O “todo” a quem Deus
“encerrou desobediência” aplica-se portanto a ambos,
69
A TEORIA DISPENSACIONALISTA
gentios e judeus, exatamente como com o “todo” para os
quais ele teve misericórdia.
O paralelismo do raciocínio, juntamente com o
palavreado comum e o contexto entre os dois versos (vv. 26
e 32), sugere que o “todo”, no verso 32, carrega o mesmo
significado do “todo” no verso 26. O “todo Israel” que será
salvo (v. 26) inclui ambos, gentios e judeus.
Da perspectiva da salvação, Paulo conclui: Os
gentios têm agora se unido aos judeus tornando-se Israel. O
conceito não é novo. Essa foi a experiência comum do Israel
histórico do Antigo Testamento (ver abaixo), e foi a
esperança dos profetas de Israel. Um deles, Isaías, refere-se
explicitamente aos “estrangeiros que se chegam ao
SENHOR, para o servirem e para amarem o nome do
SENHOR” (Is 56:6). Ele os descreve como guardando o
sábado e fazendo parte da mesma aliança (v. 4). Os versos
seguintes claramente delineiam o ideal profético:
“[...] porque a minha casa será chamada Casa de
Oração para todos os povos. Assim diz o SENHOR Deus,
que congrega os dispersos de Israel: Ainda congregarei
outros que já se acham reunidos” (Is 56:7, 8).
Este é um panorama que contradiz completamente o
eterno aparthaid teológico da visão dispensacionalista.
1
Para a história do pensamento dispensacionalista, ver. Arnold D.
Ehlert, A Bibliographic History of Dispensacionalism (Grand Rapids:
Baker Book House, 1965).
2
Ver Jacques Doukhan, Hebrews for Theologians: A Textbook for the
Study of Biblical Hebrew in Relation to Hebrew Thinking. (Lanham,
Md.: University Press of America, Inc., 1993), pp. 192, 193
3
Ver Sanhedrin 56a; Hullin 92a.
4
Ver especialmente David Flusser, “The Jewish-Christian Schism,
Parte II,” Immanuel 17 (Inverno 1983/1984): 32-38.
5
Esta frase pertence a ambas as linhas temáticas (A e B), desde que
dizem respeito tanto ao tempo da futura vinda do Messias quanto ao
destino futuro de Jerusalém. Ela também não contém nenhuma das
70
O MISTÉRIO DE ISRAEL

palavras chaves especificas (shavu‘ ou chrts) normalmente associadas


respectivamente com aqueles dois temas (Messias, Jerusalém).
Todavia, colocamos essa frase fora das linhas temáticas como um
modelo autônomo, o qual depende do desenvolvimento de ambas as
linhas.
6
Esta tradução mais apropriada leva em consideração a forma particípio
do verbo (uma tradução é sugerida em uma nota na NKJV).
7
Ver Êx 24:8; 34:27; Js 9:15; Os 2:18; Jr 34:13; etc.
8
Joyce G. Baldwin, Daniel: An Introduction and Commentary, Tyndale
Old Testament Commentaries (Downers Grove, Ill.: Inter Varsity Press,
1978), p.171.
9
Stephen R. Miller, Daniel, The New American Commentary
(Nashville: Broadman & Homan Publishers, 1994), p. 271.
10
Ver Doukhan, “Seventy Weeks.” pp. 20,21
11
Sobre função enfática do athnach, ver William Wickes, Two
Treatises on the Accentuation of the Old Testament (New York: Ktav
Publishing House, 1970), Parte I, pp. 32-35; Parte II, p.4; Ver também
Jacques Doukhan, Secrets of Daniel, (Hagerstown, Md.: Review and
Herald Pub. Assn., 2000), pp. 146-147.
12
John F. Walvoord, The Church in Prophecy, (Grand Rapids:
Zondervan Pub. House, 1964) p. 173.
13
Patros está associada com Egito (ver Ez 29:14; Jr 44:1, 15); Cushe -
isto é, Etiópia ou Núbia - sempre esteve associada ao Egito, mesmo
como poder subjugado ou dominante.
14
A palavra hebraica ’im, para “ilhas,” refere-se à costa Fenícia em vez
das ilhas do Mar Mediterrâneo (ver Eze. 26:15).
15
Do mesmo modo Isaías coloca a vinda do “Servo Sofredor”, que
expiará nossos pecados (Is 53), na perspectiva da salvação universal e
escatológica (Is 56:6-8; 65:17-25; 66:22-24).
16
E. Jenni, “Time,” no The interpreter’s Dictionary of the Bible, vol. 4,
p. 646.
17
Zebahim 44a; Sanhedrin 51b.
18
Ver Berakoth 32b.
19
Ver Yoma 86b; Megillah 31b, Ta’amith 27b.
20
Berakoth 4:1, 7; 26b.
21
Michael Friedlander, The Jewish Religion, (New York: Pardes Pub.
House 1946), p.417
22
Yoma 9b.
23
Ver, por exemplo, “Assault on the Mount,” Jerusalem Post, Nov 3,
1989, p.12.
71
A TEORIA DISPENSACIONALISTA

24
Frederic J. Miles, Prophecy, Past, Present and Prospective, (Grand
Rapids: Zondervan Pub. House, 1943), p. 30.
25
Jack Van Impe and Roger F. Campbell, Israel’s Final Holocaust,
(Troy, Mich.: Jack Van Impe Ministries, 1979), pp.77, 78 e 81.
26
Paul Boyer, When Time Shall Be No More: Prophecy Belief in
Modern American Culture, (Cambridge, Mass.: Belknap Press of
Harvard University Press, 1992), p. 224.
27
Ray C. Stedman, What’s This World Coming To? And Expository
Study of Matthew 24:25, the Olivet Discurse, seg. ed. (Ventura, Calif.:
Regal Books, 1986) p.101.
28
Louis S. Bauman, “Many Antichrists,” in Israel’s Restoration: A
Series of Lectures by Bible Expositors Interested in the Evangelization
of the Jews, ed. John W. Bradbury (New York: Iversen-Ford
Associates, 1959), p. 69.
29
Hal Lindsey, There’s a New World Coming: “A Prophetic Odyssey”,
(New York: Bantam Books, 1984), p. 170.
30
Van Impe and Campbell, pp. 27, 145.
31
Erich Sauer, From Eternity to Eternity: An Outline of the Divine
Purposes, Trans G. H. Lang (Grand Rapids: William B. Eerdmans,
1954), pp.159,160.

72
Seção III

A Teoria das Duas Testemunhas

C
ontra a teoria da rejeição-substituição, que exclui
Israel e a lei do plano da salvação, e, a teoria
dispensacionalista, que dissocia a igreja, graça e
Jesus de Israel e da lei, gostaria de sugerir uma terceira
opção que favorecerá a ideia de complementação entre os
dois povos e a revelação que eles representam. Nesta visão,
ambos os povos, a igreja e Israel, foram necessários como
povo de Deus, mas não no mesmo sentido que Deus firmou
duas alianças diferentes e paralelas (i.e.,
dispensacionalismo). E também não no sentido de que Deus
firmou duas alianças sucessivas: a segunda (a “nova”)
substituindo a primeira (a “antiga” [i.e. teoria da rejeição-
substituição]). Portanto o plano inicial de Deus fora,
realmente, ter apenas “um povo” para testemunhar dEle.
Mas um acidente histórico aconteceu, “o mistério da
iniquidade” (2 Ts 2:7), como Paulo o descreveu, que
impediu os Judeus de aceitarem a Jesus de um modo
dramático. Sendo assim, gerou a necessidade de duas
entidades separadas, Israel e a igreja, cada uma
reivindicando o direito de ser o povo de Deus. Mas, de fato,
cada uma testemunha da verdade que fora ausente na outra.
Israel tinha a lei, mas sem Jesus, e a igreja tinha Jesus, mas
incrivelmente deitou por terra a lei, assim cumprindo suas
missões, por necessidade, separadamente na cena da
história da salvação.

73
A TEORIA DAS DUAS TESTEMUNHAS
Esse cenário parece ser aquele apresentado na
passagem de Apocalipse 11:3, que fala de duas testemunhas
que receberiam a missão de “profetizar”, isto é, testemunhar
da revelação anterior. É interessante notar que isso associa
as duas testemunhas através dos milagres que elas realizam
com a duas figuras chaves das Escrituras Hebraicas, a saber,
Moisés e Elias. A transformação da água em sangue e as
pragas aludem a Moisés (Ap 11:6; cp. Êx 7:14-18). O fogo
que devora os inimigos e a chuva que não cai, apontam para
Elias (Ap 11:5,6; cp 1 Rs 19:10; 17:1). O único texto no
Antigo Testamento, juntando as duas figuras, aparece em
Malaquias, o último profeta das Escrituras Hebraicas:
“lembrai-vos da Lei de Moisés, meu servo, a qual lhe
prescrevi em Horebe para todo o Israel, a saber, estatutos e
juízos. Eis que vos enviarei o profeta Elias, antes que venha
o grande e terrível Dia do Senhor” (Ml 4:4,5).
A passagem tem uma dupla orientação.
Primeiramente, nos remete a Moisés – o passado. É um
chamado a “relembrar” e permanecer fiel à antiga aliança.
Portanto Moisés representa o Antigo Testamento. Os
cristãos no tempo de João associavam Moisés à Torá e à
revelação do Antigo Testamento (e.g. Mt 23:2; Jo 1:17; At
15:21). De acordo com a tradição judaica, a Torá originou-
se com Moisés no Sinai: “Moisés recebeu a Torá no Sinai e
transmitiu-a para Josué. Josué transmitiu-a aos anciãos, e os
anciãos aos profetas, e os profetas aos membros da
assembleia.”1
A segunda orientação, que refere-se a Elias, aponta
para o futuro. É a promessa da vinda do Messias e a chama
da esperança. Os cristãos no tempo de João associavam a
vinda do Messias ao profeta Elias (Lc 1:13-17; Mt 17:10-
13). Da mesma forma, a tradição judaica associa a pessoa
de Elias à esperança messiânica. Nela, Elias não é apenas
um precursor, mas um agente ativo do Messias.2 Histórias,
74
O MISTÉRIO DE ISRAEL
celebrações litúrgicas na véspera da Páscoa (o Seder), e as
canções no Sábado, associam Elias à expectativa do
Messias. Assim, Moisés remete-nos à Torá, no Antigo
Testamento; enquanto Elias guia-nos à esperança
messiânica do Novo Testamento.
Considerando a formação judaico-cristã de João,
esta alusão a Moisés e a Elias não é coincidência. É uma
forte lembrança das duas revelações de Deus recebidas
pelos primeiros cristãos, a saber, os tão falados Antigo e
Novo Testamento.3 Ambas as testemunhas estão presentes
e desempenham uma função crucial no cumprimento
profético. Essa dupla referência destaca a relevância de toda
a Bíblia, enfatizando a complementaridade e a necessidade
dessas duas testemunhas.
Mas além da alusão aos dois documentos inspirados,
também temos a referência dos dois povos que os têm
“transmitido”. De fato, o principal interesse do profeta está
nos homens e mulheres que profetizam e que sofrem (Ap
11:3, 7). As duas testemunhas podem então ser o tradicional
e histórico Israel (para o Antigo Testamento) e a tradicional
e histórica igreja (para o Novo Testamento). Por
“testemunhas”, não quero dizer comunidade santa “ideal”
(i.e., o “remanescente” ou o “redimido”), mas
simplesmente um povo, cuja existência e história baseia-se
no testemunho do fato histórico da revelação. Neste sentido,
apesar de suas respectivas deficiências, Israel e a igreja são,
na história, as testemunhas visíveis e tangíveis da revelação
de Deus. E ainda que discordássemos dessa interpretação
apocalíptica, ou dessa referência bíblica, ainda permanece
um fato histórico e inevitável de que possuímos a Sagrada
Escritura; revelação escrita de Deus, para o trabalho fiel de
transmissão e testemunho enraizado em ambos, Israel e a
Igreja. Esse fato histórico, por si só, deveria ser suficiente
para justificar o uso metafórico do conceito de “as duas
75
A TEORIA DAS DUAS TESTEMUNHAS
testemunhas”, a reinvindicação legal do Antigo Testamento
de estabelecer a verdade (Nm 35:30) e a prática reconhecida
pelo próprio Jesus: “o testemunho de duas pessoas é
verdadeiro” (Jo 8:17).

1. Israel e a Igreja4
Não precisamos relembrar o fato que o cristianismo
primitivo era judeu. Não só o Messias, mas também os seus
discípulos, os primeiros seguidores e missionários eram
judeus. O cristianismo surgiu dentro de Israel. Além do
mais, devemos também lembrar que, de acordo com o
testemunho dos evangelhos, a maioria da população judia
(do começo até o fim do ministério de Jesus) alegremente
recebeu a mensagem cristã. Além disso, estudos recentes5
têm demonstrado que, ao contrário do pensamento popular,
a missão cristã dos judeus foi altamente bem sucedida no
começo. Baseado em relatos do livro de Atos (At 4:4; 5:14;
6:7; 9:35; 21:20), análises sociológicas e estatísticas,
evidências arqueológicas e o testemunho da tradição etíope,
foi comprovado que muitos judeus – e em alguns lugares
quase todos eles – aceitaram a Jesus como o seu Messias.
Agora temos razão para crer que, apesar de algumas
tensões, a maioria da população judia, alcançada pelos
primeiros judeus cristãos, foi convencida pelo testemunho
deles. Podemos até supor que o fervor fora tão grande que
alguém pôde temer que todo o povo de Israel estivesse
prestes a aceitar a Cristo. Talvez possa soar exagerado, mas
não vamos nos esquecer de que este cenário já estava
previsto no tempo de Jesus, de acordo com a intuição
profética de Caifás (Jo 11:50).
A dificuldade que temos é que tendemos a ver a
história passada com os parâmetros da realidade presente.
A maioria dos judeus, hoje, não aceitam a Jesus, e tem sido
assim por séculos. É, por essa razão, que é difícil
76
O MISTÉRIO DE ISRAEL
imaginarmos um tempo quando as coisas foram diferentes.
De fato, fora somente mais tarde que esse cenário se
reverteu, e os judeus cessaram de estar abertos à mensagem
cristã. Surge, então, naturalmente a pergunta: se tantos
judeus aceitaram Jesus nos primórdios da igreja, o que
mudou a direção da história? O fato de que os “Judeus
continuaram como uma fonte significante de cristãos
convertidos até [...] por volta do quarto século,”6 um
período associado historicamente à rejeição formal da lei de
Deus7 e mais particularmente do Sábado, sugere que a
resistência dos judeus à mensagem cristã, foi
essencialmente por causa da rejeição da lei, pelos cristãos.
Como o historiador judeu Jules Isaac coloca: “A rejeição
judaica de Cristo foi motivada pela rejeição cristã da lei.”8
Ou nas palavras do historiador da igreja Marcel Simon: “A
rejeição de Israel [pela igreja] é a consequência inevitável
da revogação da lei.”9
Focalizando na questão do Sábado, o teólogo cristão
Marvin Wilson observa: “Esta mudança para a adoração do
domingo tornou extremamente difícil, se não virtualmente
impossível para um judeu considerar com seriedade a
mensagem cristã [...] Resumindo, tornar-se um cristão fora
considerado abandonar seu passado judaico, tornando-se
dificilmente uma opção válida para qualquer judeu fiel
considerar.”10 Para o teólogo judeu David Novak, é essa
diminuição “das normas obrigatórias da Torá,” que os
rabinos ofereceram “como a razão primária para sua
rejeição [...] do cristianismo [...] como uma forma aceitável
do judaísmo.”11 De fato, ao contrário do que muitas pessoas
pensam, ambos, judeus e cristãos, fora na lei, o ponto
crucial da identidade judaica, que judeus e cristãos se
separaram um do outro. Como nota o professor James D. G.
Dunn: “Enquanto o judaísmo considera a lei [...] parte
inseparável de sua identidade, e continuou sendo assim no
77
A TEORIA DAS DUAS TESTEMUNHAS
judaísmo rabínico que organizou-se a si mesmo em torno
da Torá [...] a divisão em caminhos diferentes fora
inevitável.”12 Fora na lei, e não na controvérsia messiânica,
que a separação entre judeus e cristãos aconteceu.
Significativamente, James Parks destaca “um estranho e
trágico fato” que os judeus cristãos foram excomungados
pelos gentios cristãos, “não por uma cristologia inadequada,
mas porque eles ainda observavam ‘a lei.’”13 Não foi o
Messias – a mensagem de Jesus – que causou problemas
para os judeus, mas a revogação da lei que veio com ela. De
fato, a tradição judaica e histórica mostra um grande
número de visões messiânicas e experiências que
obscureceram e até cruzaram os limites entre judaísmo e
cristianismo, visões messiânicas que são, às vezes, mais
arrojadas do que a cristã.14

2. A Torá e o Messias
O cisma entre o que alguns têm chamado de
“religião da mãe e suas filhas”15 não apenas separa e opõe
os dois grupos designados a ser um com Israel (ou a igreja),
mas também afetou o testemunho da verdade revelada.
Desde o tempo dessa separação, Israel não consegue
mais ouvir o testemunho cristão sobre Jesus porque tornou-
se associado à rejeição da lei. Do mesmo modo, a igreja tem
sido surda ao testemunho judaico da Torá porque ele está
associado à rejeição de Jesus. Essa é a tragédia! Mas ao
mesmo tempo, a sobrevivência destes dois grupos distintos,
cada um testemunhando da verdade ausente no outro, torna
claro que eles precisam um do outro para alcançar o
“evangelho pleno.” A rejeição cristã da Torá clama pelo
testemunho de Israel. Ironicamente, os cristãos têm,
tradicionalmente, reconhecido esta função providencial e a
missão dos judeus como guardiões da lei. Por exemplo, na
Idade Média, o papa Inocêncio III (1198-1217) argumentou
78
O MISTÉRIO DE ISRAEL
que os judeus “não deveriam ser mortos, para que o povo
cristão não se esqueça da lei divina.”16 Do mesmo modo, a
ignorância do Messias pelos judeus requer o testemunho da
igreja. Em outras palavras, a deficiência no testemunho de
um tornou necessária a preservação do testemunho do
outro, um tipo de raciocínio refletido na parábola da oliveira
de Paulo. O corte dos ramos naturais permitiu o enxerto dos
ramos selvagens: “Ora, se a transgressão deles redundou em
riqueza para o mundo, e o seu abatimento, em riqueza para
os gentios, quanto mais a sua plenitude!” (Rm 11:12).
Qualquer interpretação que possamos dar a esta passagem,
ela sugere, em princípio, algum tipo de dependência entre
as duas comunidades de fé. O tropeço de Israel fora
salvação para os gentios cristãos, e, por outro lado, a
salvação dos gentios era supostamente para provocar inveja
em Israel, de sua própria salvação. De modo similar,
podemos observar o mesmo tipo de relacionamento entre os
dois grupos em relação ao testemunho no que diz respeito à
Torá e ao Messias. É a falha da igreja em relação à Torá que
tem preservado a vocação de Israel. Também, é a ignorância
de Israel em relação a Jesus que tem salvaguardado a
vocação da igreja. Interessantemente, uma resolução
similar passou, há mais de 30 anos atrás, pelo Sínodo da
Igreja Protestante de Rhineland e chegou à mesma
conclusão: “Nós cremos que em sua vocação, judeus e
cristãos estão sempre testemunhando de Deus na presença
do mundo e um perante o outro.”17
A presença histórica de ambas as testemunhas não
significa que existem dois caminhos para a salvação (ou
duas alianças). Existe apenas um, a salvação providenciada
pelo próprio Deus através de sua encarnação e sacrifício (Jo
14:6). Mas esta salvação não exclui a fidelidade para com a
lei. Pelo contrário, ela a requer (Rm 6:1,2). Esta é a
mensagem de Deus para a humanidade – para a igreja e para
79
A TEORIA DAS DUAS TESTEMUNHAS
Israel – que Ele permitiu as duas testemunhas
sobreviverem.
A situação presente e o atual curso da história não
estavam no plano de Deus. A dicotomia existente entre a
Torá e o Messias (dispensacionalismo) não era vontade de
Deus. Nem era também o seu desejo a integração de Israel
dentro de uma igreja “apostatada” (rejeicionismo-
substitucionismo). Portanto, devemos considerar essa
separação como uma ferida trágica causada pela falha de
ambos os lados.
A descrição da oliveira por Paulo, em Romanos 11,
sugere que o plano de Deus era que Israel deveria ter
desabrochado na igreja, através de Jesus, e, que a igreja
deveria ter enraizado-se em Israel, através da lei revelada.
É esse o porquê de a proposta dispensacionalista não ser
satisfatória. Em vez de reconhecer a separação como um
produto da iniquidade, ela a justifica e a interpreta como um
fato eterno cuja obra é do próprio Deus.
A teoria rejeicionista-substitucionista não deve ser
aceita, pois implicaria que a igreja, que tem definido a si
própria pela rejeição de suas raízes judaicas, tem
substituído Israel; resultando assim em apostasia e queda.
A igreja tem manifestado sua apostasia através do abandono
da lei revelada por Deus; e tem demonstrado sua falha
através de uma história de opressão e antissemitismo,
atingindo seu clímax no Holocausto.
Este é o porquê de Paulo falar que “o tropeço de
alguns judeus”, que acontece enquanto a igreja ainda está
dentro de Israel; e ainda não tivera rejeitado suas raízes
judaicas e a lei, é de uma natureza diferente do que seria
aquela da acusação de rejeição que aconteceria em outro
tempo e diferentes circunstâncias. Depois da apostasia da
igreja, com sua natureza pagã e comportamento opressor, a
questão da rejeição judaica da mensagem cristã tomou outra
80
O MISTÉRIO DE ISRAEL
dimensão e significado. Pois, se no tempo de Jesus, de
Paulo e até de João ainda era possível para um judeu aceitar
a Cristo, depois da separação judaico-cristã (e tudo que se
seguiu) tornara-se quase impossível. O teólogo judeu David
Blumenthal declara: “Portanto, a história sangrenta dos
cristãos em relação aos judeus, que cobre dois milênios, não
permite ao judeu tradicional identificar-se com a doutrina
que é especificamente cristã, ainda que, a mesma, seja
verdadeira. O cristianismo tem simplesmente sido muito
cruel para com os judeus e o judaísmo, mesmo que, em
tempos recentes, alguns cristãos têm tomado uma atitude
diferente para conosco.”18
O que fora permitido ser dito e pensado no
cristianismo primitivo, sobre um tropeço dos judeus, não é
mais possível e permissível depois da tragédia da separação
judaico-cristã. Mesmo que Paulo, em seu contexto, teve a
razão e direito de falar do tropeço de alguns judeus, que
rejeitaram o evangelho naquele tempo; em nosso contexto
contemporâneo não temos o mesmo direito ou a mesma
razão. E mais, se Paulo em seu tempo recusou-se a endossar
a teoria rejeicionista-substitucionista, após a apostasia da
igreja, dois mil anos de antissemitismo e o Holocausto tem
se tornado o maior absurdo em afirmar a rejeição de Israel
e de sua substituição pela igreja. Tem até sido irônico
sugerir, de acordo com a linha de raciocínio de Paulo, que
os judeus ficariam invejosos do testemunho dado pelos
cristãos.
Agora, se, por alguma razão, ainda permanecer
alguma dúvida em nossa mente sobre esta linha de
interpretação, os argumentos de rejeição e não-rejeição, tal
como eles aparentam igual peso, deveriam ser decididos
pelo argumento de amor e ética. Por que é preferível
escolher a interpretação que leva ao amor àquela que resulta
em ódio e contenda. O fruto do amor e a orientação ética
81
A TEORIA DAS DUAS TESTEMUNHAS
devem servir como teste final para avaliar e adequar nossa
leitura da bíblia. De outro modo, estaríamos em grande
perigo de ler a bíblia, novamente, em um caminho que nos
levará – e de fato tem levado – ao Holocausto.19 Além do
mais, para uma cuidadosa análise exegética dos vários
textos, precisamos, seriamente, levar em consideração as
lições da história.
Da perspectiva Adventista do Sétimo Dia, a teoria
da rejeicionista-substitucionista é ainda mais problemática
porque, a Teologia Adventista do Sétimo Dia, claramente
identifica a rejeição da lei pela igreja como o sinal da
apostasia. Assim, para Ellen G. White, o abandono da lei
pelos cristãos é um pecado da mesma gravidade que a
rejeição de Jesus pelos judeus: “Quando os judeus
rejeitaram a Cristo, rejeitaram a base de sua fé. E, por outro
lado, o mundo cristão de hoje, que tem a pretensão de ter fé
em Cristo, mas rejeita a lei de Deus, comete um erro
semelhante ao dos iludidos judeus.”20 Além disso, o
paralelo de Ellen White entre “os judeus” e “o mundo
cristão” sugere que desde que ele não pudesse ser aplicado
a todo o mundo cristão (pois muitos cristãos guardaram a
lei), do mesmo modo ele não implica todos os judeus.
Devemos, contudo, entender sua diferença para com as duas
entidades em um senso limitado e genérico.
Os adventistas que ainda adotam a visão
substitucionista deveriam se perguntar: se a igreja
substituiu Israel, então qual igreja? Se respondermos, “a
igreja constituída dos primeiros cristãos no tempo de
Paulo,” devemos compreender então que naquela época a
igreja ainda não existia como uma entidade separada. O
cristianismo era ainda um fenômeno judaico tomando lugar
nos confins espirituais de Israel. Ou se nos referirmos a um
“remanescente” invisível, devemos então reconhecer que
este não é um substituto, desde que sempre houve um
82
O MISTÉRIO DE ISRAEL
remanescente. Este “novo” remanescente invisível é no
máximo uma continuação do antigo. Mas, qualquer que seja
a resposta que possamos dar a essa questão, ainda estaremos
com problemas por causa da longa extensão do tempo entre
aqueles primeiros cristãos e a Igreja Adventista.
1
Pirkey Aboth 1:1
2
Ver Sanhedrin 98a; Pesikta Rabbati 35.16; Leviticus Rabbah 34.8;
etc.
3
Ver Ellen White: “As duas testemunhas representam as escrituras do
Antigo e Novo Testamentos”. O Grande Conflito, p. 267.
4
Para maiores discussões nesse tópico, ver J. Doukhan, Israel and the
Church.
5
Ver especialmente Rodney Stark, The Rise of Cristianity: A
Sociologist Reconsiders History (Princeton, N.J.: Princeton University
Press. 1996). Cp. Jacob Jervell, Luke and the People of God: A New
Look at Luke-Acts (Mineápolis: Augsburg Pub. House, 1972), pp. 52,
53; David W. Pao, Acts and the Isaianic New Exodus (Tübingen: Mohr
Siebeck, 2000), p. 244.
6
Stark, p. 49.
7
É interessante que Ellen White associa a vinda “do mistério injustiça”
e manifestação do “homem do pecado” com a conversão de Constantino
no século quatro. Naquele tempo, ela diz, “Mas, em cessando a
perseguição e entrando o cristianismo nas cortes e palácios dos reis [...]
e em lugar das ordenanças de Deus colocou teorias e tradições humanas
[...] e o mundo, sob o manto de justiça aparente, introduziu-se na
igreja.”O Grande Conflito, pp. 49, 50.
8
J. Isaac, Gênese de l’Antisemitisme, p. 147.
9
Marcel Simon, Verus Israel: A Study of the Relations Between
Christians and Jew in the Roman Empire, 135-425, trans. H.
McKeating (Oxford University Press, 1986), p. 169.
10
Marvin R. Wilson, Our Father Abraham: Jewish Roots of the
Christian Faith (Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1989), p. 80.
11
David Novak, “Mitsvah,” in Christianity in Jews Temes, ed. Tikva
Frymer-Kensky et al. (Boulder, Colo.: Wetsview Press, 2000), p. 121.
12
James D. G. Dunn, The Parings of the Ways Between Christianity
and Judaism and Their Significance For the Character of Christianity,
(London, SCM Pres, 1991), p. 139.
13
James Parks, The Foundations of Judaism and Christianity,
(Chicago: Quadrangle Books, 1960), p. 222.
83
A TEORIA DAS DUAS TESTEMUNHAS

14
Ver Raphael Patai, The Messiah Texts, (New York: Avon, 1979), Dan
Cohn-Sherbok, The Jewish Messiah (Edimburgh: T. & T. Clark, 1979).
15
Naomi W. Cohen, ed., Essential Papers on Jewish-Christian
Relations in the United States: Imagery and Reality (New York: New
York University Press, 1990), p.2: Abraham Heschel, “No Religion is
an Island”, Union Seminary Quarterly Review 21, nº 2, parte 1 (1966),
pp. 124, 125.
16
Ver Martin A. Cohen e Helga Croner, eds., Christian Mission-Jewish
Mission (Nova York: Paulist Press, 1982), p. 26.
17
World Council of Churches, Geneva, Current Dialogue, (Whinter
1980/1981), p. 1.
18
David R. Blumenthal, “Tselem: Toward an Anthropopathic Theology
of Image,” in Christian in Jewish Tems, p. 347.
19
Neste assunto, ver Jacques Doukhan, “Reading the Bible After
Auschwitz,” em Remembering for the Future: The Holocaust in and
Age of Genocide, ed. John J. Roth and Elizabeth Maxwell, vol. 2,
Ethnics and Religion (Houndmills, Basingstoke, Hampshire, Eng, Eng.:
PALGRAVE, 2001), pp.683-699).
20
Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, p.229

84
Seção IV

A Função Profética de Elias

D e uma perspectiva adventista do sétimo dia, a


separação entre a Torá e Jesus, que resultara na
ruptura trágica entre Israel e a igreja, tem uma
importância particular. É um fato notável que a Igreja
Adventista do Sétimo Dia é o único movimento religioso
que ultimamente tem trazido o Messias e a Torá juntos. Pela
primeira vez na história, após dois mil anos de separação, a
Torá e o Messias “andam de mãos dadas”. De fato, essa
associação constitui a pedra angular da identidade teológica
da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Interessantemente,
transmite o mesmo tipo de tensão envolvendo a mensagem
dos três anjos1 sobre julgamento e criação. É uma tensão
que por fim unirá as duas verdades: a lei de Deus e a fé no
Messias; reconciliando assim a fidelidade e memória do
passado com a antecipação do futuro: “Aqui está a
perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos
de Deus e a fé em Jesus” (Ap 14:12). Esse testemunho
adventista não começou do nada. De fato, não devemos
ignorar o trabalho do Espírito Santo nesse processo. Ainda
assim é claro que a descoberta destas duas verdades – “Torá
e o Messias” – é histórica e existencialmente devida ao
duplo testemunho da igreja e de Israel. Sem o testemunho
histórico da igreja tradicional, a Igreja Adventista do
Sétimo Dia não teria sido capaz de receber a verdade de
Jesus e do Novo Testamento, incluindo a revelação
apocalíptica. E sem o testemunho de Israel, cristãos

85
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
adventistas não teriam sido capazes de encontrar seu
caminho para a lei, o Sábado, as leis de saúde e as Escrituras
Hebraicas.2
Por esse motivo que a Igreja Adventista do Sétimo
Dia não deveria aceitar o dispensacionalismo, que separa as
duas economias, ou o rejeicionismo-substitucionismo, o
qual separa o “novo” do “antigo.” A Igreja Adventista do
Sétimo Dia deveria, em vez disso, cumprir o papel profético
atribuído a ela como se fosse o Elias, o mensageiro
escatológico dos últimos momentos da história humana que
“converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos
filhos a seus pais” (Ml 4:6). Esta última profecia, do último
profeta canônico do Antigo testamento, contém mais que
uma alusão para o problema familiar, quer no tempo de
Malaquias ou em qualquer outro período. Creio que
caracteriza a dupla missão do mensageiro dos últimos dias,
o Elias escatológico.3 Por um lado, este Elias clamará à
igreja: “lembrai-vos da Lei de Moisés” (Ml 4:4) e prepara-
la-á para a vinda do Senhor (v. 5), uma missão já descrita
no próprio nome “Adventista do Sétimo Dia.”4 Por outro
lado, por causa dessa associação teológica trazendo juntas
a lei de Moisés e a esperança da vinda do Messias, este
“Elias” será capaz de promover a reconciliação entre os dois
povos, que personificam estas duas verdades. Estas são as
duas testemunhas que têm estado por tanto tempo
separadas: Israel e a igreja. Nesse sentido, a missão
representada pelo Elias escatológico confirma e transcende
a respectiva missão de Israel e da igreja. Deus une estas
últimas testemunhas, a serem a última e “completa”
testemunha, unindo, e, portanto, não substituindo as duas
testemunhas, que irão eventualmente imergir, não apenas
complementando uma a outra, mas também orientando e
controlando-se reciprocamente. A missão de Elias será
proclamar a verdade da lei para a igreja e a verdade de Jesus
86
O MISTÉRIO DE ISRAEL
como Messias para Israel; e, por fim, a verdade da lei e de
Jesus para o mundo inteiro.

1. Reconciliação com os Judeus


Mesmo que não partilhemos da aplicação acima de
Malaquias 4:6 sobre os pais e os filhos, o fato inegável que
a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem sido capaz de
reconciliar as duas verdades, existencial e historicamente,
representadas como separadas e em conflito, descreve essa
função. Portanto, a vocação primária e imperativa da Igreja
Adventista do Sétimo Dia deveria ser trabalhar em torno da
reconciliação entre a igreja e Israel.
Por “reconciliação” não quero dizer sorrisos
ecumênicos e palavras lindas de paz e vazias. Nem defendo
compromisso, sincretismo, e/ou manobras políticas apenas
para unir povos ou culturas. O trabalho de reconciliação que
se pretende aqui, é para ser entendido no sentido do que
Paulo chama de “ministério da reconciliação” (2 Cr 5:18).
O que obriga os “embaixadores de Cristo” (verso 20) a
testemunhar da verdade do evangelho, a saber, “a
reconciliação com Deus.” A obra de reconciliação que cabe
à Igreja Adventista do Sétimo Dia é, contudo, de natureza
religiosa – uma parte inerente de sua teologia. Tal
reconciliação não é de natureza política. Não é o resultado
de um simples processo horizontal de diálogo ecumênico;
antes, ele pertence essencialmente à revelação. A teologia
Adventista do Sétimo Dia já tem reconciliado a Torá e o
Messias, recebendo ambas as revelações dos céus. Para a
Igreja Adventista do Sétimo Dia, a questão da reconciliação
judaico-cristã deriva da revelação e implica, portanto, um
dever religioso. Ainda mais, é parte da missão profética que
a Igreja Adventista recebeu de Deus.
Eu duvido que os adventistas já compreenderam
este aspecto particular de sua função profética. De fato, não
87
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
estou certo se eles estão prontos para ouvir e regozijarem-
se com isso, pois essa função de reconciliação envolve um
programa inteiro que eu gostaria de delinear
resumidamente.
Primeiramente, significa trabalhar em um nível
espiritual e teológico. Não é suficiente proclamar que temos
a doutrina verdadeira da reconciliação por que temos a Torá
e o Messias. Devemos também fazer a reconciliação e
torná-la viva em nossa vida e em nossa identidade histórica.
O rigor e a beleza da Torá, o trabalho da ética em nossa vida
diária, não é incompatível com a graça e a verdade de Jesus
Cristo. Justiça (não legalismo) e amor (não
sentimentalismo) são ambos necessários. O Antigo
Testamento é tão vital quanto o Novo Testamento. Hebreu
é tão importante quanto grego. O estudo sério das escrituras
é tão fundamental quanto a missão. A criação física e
concreta e a sensação de alegria na vida são tão cruciais
quanto a santificação espiritual e escatologia. Devemos
descobrir que o grande Deus é tão importante quanto o
amoroso Pai e o querido Jesus. O dever de relembrar a
revelação passada é tão fundamental quanto esperar pela
salvação futura.
O adventismo do sétimo dia ainda não tem se
empenhado totalmente nesta reconciliação e difícil tensão
teológica, que é a essência de sua identidade. Tendemos a
ignorar ou enfatizar um em demérito do outro. Geralmente,
é o lado judaico – a Torá – que fica negligenciado, em plena
consciência, em prol do outro lado: os “cristãos.” Até
mesmo os adventistas comuns sentem-se mais confortáveis
sendo identificados como “cristãos” (i.e. eles vivem em
uma sociedade cristã e vêm de famílias tradicionalmente
cristãs). Ainda mais importante, eles não gostam de ser
rotulados como judeus ou serem suspeitos de judaizar. É
como se eles tivessem esquecido a história, a história que
88
O MISTÉRIO DE ISRAEL
eles foram chamados a mudar. Tal medo – essa repulsa
antissemítica – levou os cristãos de suas raízes naturais para
a apostasia.
Por esta razão, também precisamos trabalhar em
outra reconciliação, a que nos coloca diante desta exagerada
fobia. Estou me referindo à reconciliação com os judeus,
não somente numa teoria dentro de uma teologia própria já
formada, mas na realidade com a pessoa em carne e na
história. Isto significa reparar a brecha emocional e
histórica de dois milênios de antissemitismo e cicatrizar a
ferida, que ainda sangra. A tentação é evitar o problema e
recusar-se encarar a realidade – que clama que “nós não
temos pecado”; que “antissemitismo não existe em nossa
igreja.” O apostolo João alerta-nos contra esta justiça
própria e mentalidade enganosa: “Se dissermos que não
temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a
verdade não está em nós” (1 Jo 1:8; cp. Jr 2:35; Pv 28:13).
O pré-requisito fundamental para encarar o problema do
antissemitismo é ter a coragem, a honestidade e
humildemente reconhecer que a iniquidade do
antissemitismo poderia existir em nossa comunidade,
igreja, palavras e até em nossas mentes. Devemos aprender
a ser sensíveis e perceptivos o suficientemente para
identificar o antissemitismo quando ele se manifestar.

2. A Face do Antissemitismo
O agitador alemão Wilhelm Marr cunhou o termo
antissemitismo em 1879 para descrever a campanha anti-
judaísmo ocorrendo na Europa. Embora árabes e outros
povos também sejam semitas, a palavra rapidamente tomou
o significado de toda forma de hostilidade, contenda ou
preconceito especialmente direcionada contra os judeus.
Apresentaremos uma breve revisão da história e a
descrição das características religiosas e psicológicas do
89
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
antissemitismo com a finalidade de ajudar a detectar e lutar
contra o antigo demônio dentro de nossas próprias
concepções.
História. Começando no século IV e terminando no
século XX, a história do antissemitismo pode ser dividida
em quatro principais fases ou aspectos.
1. O quarto século registra o nascimento do antissemitismo5
em conexão com a rejeição da Lei e do Sábado, as primeiras
acusações de deicídio e os primeiros ensinos do
substitucionismo.
2. Durante a idade média, no tempo das cruzadas, o
antissemitismo tomou, pela primeira vez, a forma violenta.
Massacres e “pogroms” tornaram-se uma parte da vida
diária dos judeus. Depois disso, a sociedade medieval
forçou os judeus a praticar a agiotagem como a única
profissão permitida a eles. Desde então a sociedade
associou o judeu com dinheiro e até com o próprio diabo.
3. Os séculos XIX e XX acrescentaram um novo
ingrediente ao tradicional antissemitismo. Sob a influência
de estudos evolucionistas e antropológicos, o
antissemitismo desenvolveu uma teoria racista que
preparou o caminho para os campos de concentração e
finalmente levou ao Holocausto.
4. Desde o Holocausto, não tem mais sido moda ser
antissemita. O antissemitismo, diversas vezes, esconde sua
face por atrás de uma suposta justiça política e social, e
então ele é direcionado contra o Estado de Israel.
Esclarecendo: nem todos que discordam da política de
Israel são antissemitas, caso contrário, muitos judeus
seriam assim qualificados. Mas o conflito árabe-israelense
frequentemente tem se tornado um pretexto para liberar e
justificar o velho ódio. E têm reaparecido muitos traços do
antigo fantasma. No decurso da argumentação política,
alguns têm identificado os israelitas com os nazistas, uma
90
O MISTÉRIO DE ISRAEL
maneira muito sutil de minimizar, justificar, ou
simplesmente ignorar a realidade do Holocausto. Além do
antissemitismo tradicional cristão,6 um árabe ou pró-árabe
antissemitismo tem emergido e herdado a maior parte, se
não toda, dos mitos e estereótipos antissemitas cristãos.
Antissemitismo Psicológico. Uma imagem popular
do judeu, criada e cultivada nos círculos cristãos, inclui
aquela de um povo de avareza, riqueza e extensamente
materialista. Eles são retratados como tendo nariz grande,
orelhas caídas, inteligência intimidante, cobiçosos e
amantes do dinheiro. Mas ainda assim, a imagem do judeu
é sempre imprecisa, fora de foco e varia de acordo com os
indivíduos, grupos e países envolvidos. Tempo e lugar
também contribuem com sua parte na percepção da
sociedade.
Contudo, um ponto é constante: qualquer que seja a
qualidade ou defeito de um judeu, até quando tais
peculiaridades ocorrem entre os não-judeus, judeus têm
seus defeitos ou qualidades apenas porque eles são judeus.
A hostilidade é frequentemente irracional.
Essa determinação de ser separado do judeu parece
que fora implantada no subconsciente gentio. Uma terrível
marca tem sido colocada na testa dos judeus – a da culpa. A
diferença, no entanto, não é apenas no plano da psicologia.
O antissemitismo usa também a linguagem da teologia.
Antissemitismo teológico. Ao falar do
antissemitismo teológico, pode-se destacar a realidade do
antissemitismo cristão. Mas frequentemente isso deixa os
cristãos pouco confortáveis. Não querem pensar que eles,
que foram alimentados com o amor do evangelho, são
antissemitas ou promovam o antissemitismo. As discussões
ainda revelam, diversas vezes, conceitos que eles acreditam
em justificativas teológicas para o sofrimento e opressão
dos judeus. “Se os judeus têm sofrido tanto através do
91
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
antissemitismo é porque ---”. Segue então explicações,
argumentos teológicos e “justificativas racionais” que têm,
através dos séculos, enviado judeus a tribunais e a penas de
morte. Alguns também podem explicar crimes e
assassinatos como infortúnios necessários.
Resumindo: o judeu em todo esse tempo, e ainda
hoje, é considerado responsável pela morte de Deus –
simplesmente porque, há dois mil anos atrás, alguns de seus
prováveis ancestrais teriam sentenciado Jesus de Nazaré a
ser crucificado. O antissemitismo assim alimenta-se na
difamação teológica.
Isso ficou perfeitamente claro para Søren
Kierkegaard, que disse: “Conte [para a crianças] as
tribulações de Jesus durante Sua vida, a traição por um de
Seus companheiros íntimos, a negação por muitos outros,
os insultos e maldições de outros até no momento quando
eles finalmente O pregaram na cruz, como você pode ver
nas sagradas imagens, pedindo que seu sangue caísse sobre
eles e sobre seus filhos, enquanto Ele orava por eles e pedia
que assim não o fosse, e que o Pai celeste perdoasse o
pecado deles... Fale ao mesmo tempo como esse Amor
viveu, um infame ladrão sentenciado à morte foi preferido
pelo povo que saudava sua libertação com urras! [...]
enquanto eles gritavam diante do Amor: ‘Crucifica-o!,
Crucifica-o!’[...] Que impressão você acha que essa história
fará na criança? [...] Ela resolverá, decididamente, quando
tiver crescido, picar em pedaços os infiéis que agiram assim
para com o Amor.”7
Vi algo assim em um programa de televisão na
Áustria, durante a época da Páscoa, muitos anos atrás, que
me confirmou a observação de Kierkegaard. Um autor
nazista, agora “arrependido,” explicando como que tal
acusação dos judeus tinha-lhe sido ensinada repetidamente,
desde seus primeiros anos, e tinha contribuído grandemente
92
O MISTÉRIO DE ISRAEL
para instilar nele, até então um ateísta, tal ódio que o
qualificara como um futuro membro da Juventude de Hitler.
É claro que nem todos os cristãos alemães ou
austríacos caíram nas armadilhas do nazismo. Muitos deles,
mesmo quando eram antissemitas, combateram esse mal até
com o perigo de suas vidas. Até mesmo aqueles cristãos que
se opuseram à monstruosidade nazista, possivelmente
inconscientemente e sem entender as consequências de suas
atitudes, procuraram explicar, ao menos parcialmente, a
condição judaica.
Pior ainda é o engano que tal raciocínio pode fazer
na consciência. A perseguição contra os judeus realmente
torna-se a vontade de Deus; desse modo qualquer um pode
estar em paz tanto no ódio como na indiferença.
Sendo assim, a teoria deicida não apenas encoraja os
cristãos em seu ódio e desprezo, mas também pode explicar
a recusa dos judeus de engajar-se em qualquer diálogo.
“Quanto mais implacáveis são os cristãos em sua acusação,
mais obstinados os judeus permanecem em sua recusa.”8

#####

Todas essas informações servem a um propósito:


habilitar nossa mente e nosso coração a reconhecer e
descobrir os sentimentos e pensamentos antissemíticos e
neutralizá-los. Devemos aprender a purificar as nossas
palavras, as nossas brincadeiras, os nossos sermões e
também nosso serviço litúrgico de qualquer tipo de traço
antissemítico. O mais importante: devemos aprender a
trazer as boas novas ao mundo sem ter que torná-las más
para os judeus.
Primeiro, devemos começar com nossa teologia de
Israel, não pensando, ensinando ou pregando que Deus tem
rejeitado os judeus, que eles estão amaldiçoados e que eles
93
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
têm sido substituídos pela igreja, a igreja verdadeira
(incluindo a Igreja Adventista)9 que os perseguiu ou os teria
perseguido. Ess bwe dever se encontra até mesmo dentro da
retórica apologética contra o dispensacionalismo. Para
responder aos dispensacionalistas que gostam de enfatizar
as bênçãos de Israel e seu lugar central na profecia,
evangelistas e teólogos adventistas caem, diversas vezes,
em outro extremo e enfatizam a maldição contra Israel e
negam ao seu povo qualquer parte no plano da salvação.
Assim, em uma boa consciência religiosa, eles têm
reanimado a velha besta e todos os mitos antissemíticos que
produziram o Holocausto. Também, com o propósito de
ganhar os cristãos evangélicos do dispensacionalismo, eles
perdem ao longo do caminho os judeus que podem ouvir
sua retórica antissemítica. Tal abordagem relembra aquela
primeira apostasia da igreja, quando ela comprometeu-se
com a idolatria pagã com o objetivo de ganhar os gentios,
perdendo, assim, os judeus no processo.
Tal programa de desintoxicação espiritual e
reconciliação é pesado e difícil. É impossível? Eu não sei.
Eu apenas sei que a reconciliação judaico-cristã com o
adventismo, tanto teológica como humana, é parte da
função profética de Elias. É um pré-requisito absoluto de
sua missão aos judeus e, sou tentado a dizer, até a sua
missão ao mundo.

3. Missão aos Judeus


Precisamos relembrar que a primeira missão cristã
de sucesso aos judeus deteriorou-se essencialmente por
causa da separação judaico-cristã. Essa lição da história nos
ensina que a missão cristã aos judeus pode recuperar seu
caminho e sua eficiência somente quando os cristãos
portarem-se diferentemente aos judeus, somente quando

94
O MISTÉRIO DE ISRAEL
eles empenharem-se em ser “reparador de brechas” (ver Is
58:12) e trabalhar para curar a ferida de dois mil anos.
Enquanto os adventistas não entenderem sua função
missão profética que implica reconciliação e
arrependimento – isto é, uma nova atitude em relação aos
judeus – a missão aos judeus está sujeita a falhar. Às vezes,
uma rara conversão pode acontecer, mas nunca haverá uma
significante resposta judaica para a mensagem adventista,
tão verdadeira como ela possa ser, até mesmo com a Torá.
Não se pode trazer o evangelho do amor e testemunho de
Jesus a alguém quando o ódio e preconceito estão marcados
em sua mente e em seu coração. Nem se pode falar
convincentemente para um judeu (seja ele religioso ou
secular) se, em sua mente, você pensa dele ou dela como
parte de um povo “rejeitado” e “amaldiçoado”, uma atitude
que, a propósito, não se cogita quando se aborda um budista
ou um católico. Tal preconceito e forma de pensar
precederão o seu testemunho como bandeiras vermelhas em
suas palavras e na sua linguagem corporal.
Em outras palavras, o pré-requisito para a
reconciliação judaico-cristã sugere uma metodologia
específica na missão para com os judeus.
Em vez de trazer Jesus para os judeus com uma ideia
pré-concebida de que eles foram rejeitados e são culpados,
endurecidos e resistentes ao evangelho, partilhe o
evangelho dentro do contexto do amor, humildade e justiça.
Partilhe a mensagem de Jesus com os judeus com o
propósito de trazer a lei aos cristãos. Judeus serão mais
receptivos à verdade de Jesus se esta mensagem vier
acompanhada de um chamado aos cristãos a retornarem às
raízes judaicas que eles anteriormente rejeitaram. Isso
inclui um chamado aos cristãos a se arrependerem do
antissemitismo e restaurar a Lei divina, inclusive o Sábado,
em seus ensinos e em suas vidas.
95
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
O que está acontecendo hoje perante nossos olhos
parece confirmar essa estratégia. Quando muitos cristãos se
voltam para os judeus, interessados em restaurar suas raízes
judaicas, vemos em contrapartida, pela primeira vez, muitos
judeus desejando descobrir a herança judaica de Jesus.
É interessante, que após o Holocausto, muitos
teólogos cristãos, católicos e protestantes, têm iniciado um
trabalho de reconciliação entre a igreja e Israel. Os
primeiros efetivos diálogos judaico-cristãos e abordagens
sérias das relações judaico-cristãs começaram tão somente
após o Holocausto e da criação do Estado de Israel. Hoje,
organizações judaicas e cristãs patrocinam conferências e
publicações, mantêm atividades ecumênicas e encorajam
pesquisas que abordam interesses judaico-cristãos. Líderes
e teólogos cristãos já estão até prontos, no âmbito do
diálogo judaico-cristão, a reconsiderar sua teologia da
Lei.10 O movimento tem alcançado muitos interessados.
Mais e mais cristãos, de todas as denominações, encontram-
se a si mesmos fascinados e atraídos pela face judaica em
sua identidade cristã. Muitos querem guardar o Sábado do
sétimo dia (não estou aqui me referindo aos Adventistas do
Sétimo Dia), comer comida kosher, aprender hebraico, e
adorar no estilo judeu. A simpatia cristã para com os judeus
nunca foi tão grande.11
Por outro lado, um novo e interessante fenômeno
também está acontecendo em Israel. Paradoxalmente, desde
Awschwitz, e especialmente depois da criação do estado de
Israel, nunca na história tantos judeus têm estado tão
abertos ao evangelho como estão hoje.12 Mais e mais
judeus, incluindo líderes e teólogos, estão prontos a
reconsiderar sua teologia da encarnação13 e o mistério da
messianidade de Jesus.14 Mais e mais judeus – religiosos e
seculares; rabinos e leigos – estão desejando ler os
evangelhos e tornarem-se familiarizados com a pessoa de
96
O MISTÉRIO DE ISRAEL
Jesus. Nos últimos 40 anos, os judeus têm escrito mais
sobre Jesus do que escreveram durante os dois milênios
anteriores. O crescimento de judeus messiânicos ao redor
do mundo, especialmente nos Estados Unidos e Israel, é,
também, uma evidência significante desse movimento.
A razão para este novo fenômeno reside em uma
nova percepção judaica de Jesus, incluindo uma nova
ênfase cristã no judaísmo de Jesus e na experiência do
Estado de Israel. Essa nação é uma realidade histórica, que
testemunha através de sua terra, suas descobertas
arqueológicas, e através da visita de turistas cristãos à Terra
Santa. Pela primeira vez na história, os judeus estão
reconhecendo a Jesus como parte de sua herança cultural.15
Até então, a mensagem do evangelho vinha como algo
estranho para os judeus, ou contra eles. Não é de admirar-
se que nunca houvera uma opção para eles durante todo esse
tempo. A referência intrigante de Paulo ao fator do ciúme
no mecanismo da conversação dos judeus e dos gentios
(Rm 11:11, 14) faz sentido apenas dentro deste novo
paradigma. O ciúme só pode surgir quando o outro toma e
alegra-se de alguma coisa ou alguém que nós o
consideramos como nosso. O ciúme judaico de Jesus é
então possível à medida que Jesus está situado dentro da
herança judaica. Apenas quando judeus compreendem a
Jesus como parte de seu legado, e de acordo com valores
judaicos e da Torá herdada de Deus, serão neles provocados
ciúmes e, portanto, serem suscetíveis a responder ao
testemunho cristão.16
Eu, pessoalmente, tenho aprendido a mesma lição
de minha própria experiência como uma testemunha. Meus
escritos e conferências “evangelísticas” públicas, ao redor
do mundo, têm lidado basicamente com a reconciliação
judaico-cristã e não diretamente com a missão aos judeus.
O fervor de minhas mensagens, clamando os judeus a
97
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
reconhecer que Jesus é uma parte legítima de sua herança
judaica e apelando a cristãos a arrepender-se e voltar à lei
de Deus testemunhada pelos judeus; tem atraído muitos
judeus e cristãos igualmente. Desta perspectiva eu tenho
sido capaz de comunicar a verdade sobre o Messias aos
judeus e a verdade da Lei e do Sábado aos cristãos.
Tais movimentos, todos entre judeus e cristãos,
sugerem que, em certo sentido, a missão ao mundo é algo
conectado com a missão aos judeus. De fato, pode bem ser
que a missão aos judeus afetará o cenário missionário
mundial. Não sabemos como os eventos ocorrerão e como
a missão precederá. Nesse estágio, podemos, vagamente,
apenas sentir o curso da história. O resto pertence tão
somente à revelação da profecia.

4. Israel na Profecia
A mais explícita e extensiva profecia bíblica sobre o
futuro de Israel aparece em Oséias, um livro relacionado à
aliança de Deus com o seu povo Israel (Os 1; 2; 12:3, 4).
Quando abordada da perspectiva do cumprimento no Novo
Testamento, a profecia de Oséias sobre Israel sugere três
fases:
A primeira fase aplica-se à primeira vinda de Jesus
e o surgimento do cristianismo (Os 2:14-23; comparar com
Jo 17:3; Rm 9:25, 26). Primeiramente diz respeito ao
mesmo Israel histórico que “será obsequiosa como nos dias
da sua mocidade e como no dia em que subiu da terra do
Egito” (Os 2:15) e com quem Deus renovará Sua aliança (v.
18). O relacionamento é simbolizado como uma
experiência de “noivado” com Deus “em justiça, e em juízo,
e em benignidade, e em misericórdias” (v. 19). Sob esta
nova aliança, a humanidade “reconhecerá ao Senhor”
(verso 20 [NVI]). De fato, este texto contém a promessa
que, depois do cativeiro, Israel voltaria à Terra Prometida e
98
O MISTÉRIO DE ISRAEL
seria replantada lá (vv. 21-23). Mas, além de retornar do
exílio (o qual teria lugar no tempo de Israel do Antigo
Testamento), o Novo Testamento aplica esta profecia aos
eventos associados à primeira vinda de Jesus. Ela diz
respeito aos “muitos” judeus que aceitaram a Jesus durante
seu tempo na terra e nos primórdios do cristianismo.
Encontramos esta interpretação implicitamente na oração
de Jesus, descrevendo a experiência de Seus discípulos: “e
a vida eterna é esta: que te conheçam a ti” (Jo 17:3).
Também diz respeito as outras nações que então firmarão
aliança e tornar-se-ão povos de Deus, uma interpretação
explicitamente dada pelo apóstolo Paulo, que aplica a
profecia de Oséias, “E a Não-Meu-Povo direi: Tu és o meu
povo!” (Os 2:23), à integração dos gentios, “Os quais
somos nós, a quem também chamou, não só dentre os
judeus, mas também dentre os gentios” (Rm 9:24). Do
mesmo modo Pedro explanou: “Vós, sim, que, antes, não
éreis povo, mas agora, sois povo de Deus” (1 Pe 2:10).
A segunda fase, uma continuação do primeiro
evento, também focaliza no Israel “judaico” histórico, que
segue a renovação da aliança.17 O profeta descreve o
relacionamento de Deus com Israel nestes termos: “tu
esperarás por mim muitos dias; não te prostituirás, nem
serás de outro homem; assim também eu esperarei por ti”
(Os 3:3). Note que o profeta não retrata o relacionamento
entre Deus e o Israel judaico em termos de rejeição. Eles
ainda são o Seu povo - Ele não os rejeitou, nem os
substituiu. Em vez disso, Deus compromete-se, a Si mesmo,
com eles: “assim também eu esperarei por ti” (v. 3). Essa
fase aplica-se aos judeus durante os dois milênios, quando
eles não teriam acesso às boas novas do evangelho,
essencialmente por causa da apostasia e da opressão da
igreja. Durante este tempo, eles permaneceram sem um rei,

99
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
sem teocracia e sem profecia, mas sendo ainda testemunhas
escolhidas de Deus.
A terceira fase é escatológica e ainda envolve o
mesmo Israel “judaico” histórico dos últimos dias (acharit
ha-yammim): “depois, tornarão os filhos de Israel, e
buscarão ao SENHOR, seu Deus, e a Davi, seu rei; e, nos
últimos dias, tremendo, se aproximarão do SENHOR e da
sua bondade” (v. 5). O profeta vê nesse Israel, um
movimento de “retorno,” um teshuvah que tomará lugar no
tempo do fim. Paulo, em Romanos 11, parece endossar esta
profecia, desde que, também, prevê um futuro enxerto dos
“ramos naturais” (Rm 11:24).18
De fato, se aplicarmos a profecia de Oséias 2:14-23
ao surgimento do cristianismo, como os escritores do Novo
Testamento fazem, deveríamos ser coerentes e, também,
aplicar a profecia seguinte, de Oséias 3, para a história que
vem depois do surgimento do cristianismo até o fim dos
tempos. A conclusão da passagem mais adiante apoia tal
interpretação, desde que diz respeito precisamente ao tempo
do fim: “depois, tornarão os filhos de Israel, e buscarão ao
SENHOR, seu Deus, e a Davi, seu rei; e, nos últimos dias,
tremendo, se aproximarão do SENHOR e da sua bondade”
(Os 3:5). A linguagem é claramente messiânica (“Davi, seu
rei”) e escatológica (“nos últimos dias”; ver Is 2:2,3 Gn
49:1; Nm 24:14; Dn 10:14). Também, o texto paralelo de
Ezequiel 37, o qual usa a mesma associação léxica e
temática (“retorno de Israel” [ver verso 21] para “o futuro
rei David” [ver versos 24,25]) e traz a perspectiva da era
messiânica, quando uma aliança eterna de paz será firmada
(v. 26). “O tabernáculo [de Deus] estará com eles,” e “as
nações saberão que eu sou o Senhor” (vv. 27, 28) sob o
governo de David, “seu príncipe eternamente” (v. 25). Essa
observação intertextual provê, de dentro das Escrituras
Hebraicas, vestígios suficientes para apoiar a interpretação
100
O MISTÉRIO DE ISRAEL
messiânica e escatológica da passagem profética em Oséias
3.
Alguns podem surpreender-se exatamente pelo
quanto o Estado de Israel não desempenha, nem
desempenhará parte alguma no cenário profético. Teólogos
adventistas têm sido tão temerosos da tentação
dispensacionalista, que eles têm excluído, totalmente,
qualquer possibilidade de aplicação profética para Israel,
assim jogando fora o bebê com a água do banho.
Particularmente, penso que a evidência é tão fraca e tão
vaga para estarmos habilitados a estabelecer ou elaborar
uma hipótese teológica sólida e clara. Mas, no que dizem
respeito às interpretações proféticas, devemos aprender a
permanecer humildes, prudentes e abertos. Lembrem-se
que antes da criação do Estado de Israel, um grande número
de teólogos adventistas tinha especulado e feito eloquentes
declarações que os judeus jamais reocupariam a Palestina.
Sabemos agora, quão errados eles estavam.
A observação positiva, mas prudente de Abraham
Heschel é digna de nota: “O Estado de Israel não é o
cumprimento da promessa messiânica, mas torna a
promessa messiânica plausível.”19 De fato, o Estado Israel
não apenas criou uma sociedade livre de antissemitismo,
libertando assim o judeu do reflexo da desconfiança anti-
cristã, mas também tem exposto o judeu na Eretz Israel para
o judaísmo do Jesus da história. Alguém poderia interpretar
a criação do Estado de Israel como um milagre e até supor
que este evento pode ter um papel especial na profecia da
conversão dos judeus e ainda não cair na armadilha
dispensacionalista. Nossa simpatia (ou antipatia) por Israel,
não deveria interferir e afetar nossa interpretação profética
do texto bíblico. A necessidade de uma profecia não deve
inventar uma profecia.

101
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS
Contudo, uma coisa é certa: o fato que o progresso
final de conversão terá lugar nas cercanias do “movimento”
Adventista do Sétimo Dia. Por duas razões. A primeira, já
temos destacado: a identidade teológica da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, a única entidade religiosa formal
que reuniu a Lei e Jesus e apresenta o “evangelho [...] em
sua plenitude.”20 É a única, portanto, intitulada e capacitada
para alcançar as duas testemunhas. A segunda temos
implicitamente proclamado: a identidade profética desta
igreja. O movimento Adventista do Sétimo Dia não surgiu
meramente com o propósito de reconciliação para trazer
shalom [a paz] entre judeus e cristãos, e recuperar a conexão
original entre a Torá e Jesus. Nem é apenas a herança
natural de dois Israéis históricos, o produto cultural de um
processo histórico. Além de trabalhar na reconciliação e
aprender dessas duas testemunhas, nós, como Israel
escatológico, temos também recebido uma mensagem única
que não tem sido, e ainda não está sendo, testemunhada
pelas outras duas. O adventismo do sétimo dia é um
movimento “profético” não somente porque a profecia
bíblica anunciou seu surgimento e mensagem, ou porque
isto prova a experiência profética de Ellen G. White, mas,
sem excluir tudo o que já fora dito, porque carrega consigo
um testemunho que diz respeito ao futuro. A vocação da
Igreja Adventista do Sétimo Dia não é de uma finalidade
histórica apenas, ou relembrar-nos de eventos passados, ou
inspirar a existência presente. Ela também tem uma função
escatológica – proclamar o evento futuro da salvação e
desempenhar um papel decisivo “na proclamação final do
evangelho.”21 Nesse sentido, a Igreja Adventista do Sétimo
Dia identifica-se diferentemente de uma mera testemunha
que tem sido e relembra – em relação a si própria, como um
sinal apontando para algo além de si mesma, em outro lugar
e no futuro. Ela é profética por natureza.
102
O MISTÉRIO DE ISRAEL

1
Sobre isso, ver Jacques Doukhan, Secrets of Revelation: The
Apocalipse Through Hebrew Eyes (Hagerstown, Md.: Review and
Herald Pub. Assn., 2002), pp. 123-138.
2
Sobre a influência judaica nos movimentos reformistas cristãos, ver
Louis Israel Newman, Jewish Influence on Christian Reform
Movements, (New York: Columbia University Press, 1925).
3
Ver comentários de Ellen White: Neste tempo [...] Deus chama por
seus mensageiros a proclamar Sua lei [...] como João, o Batista, em
preparar um povo para o advento de Cristo, chamando a atenção deles
para os Dez Mandamentos, portanto nós estamos para dar, sem nenhum
sonido errado, a mensagem: ‘Temei a Deus, e dai-lhe gloria, pois é
chegada a hora do seu juízo.’ Com a seriedade, que caracterizou Elias
e João Batista, nós temos que nos empenhar a preparar o caminho para
a segunda vinda de Cristo (Southern Watchman, Mar 21, 1095)” (The
Seventh-day Adventist Bible Commentary, Ellen White comments, vol.
4. p. 1184).
4
Sobre o nome “Adventista do Sétimo Dia,” Ellen White comenta
baseado em Apocalipse 14:12 que ele é “um nome distintivo” que
adequadamente descreve o ideal do povo remanescente de Deus. Eles
têm ambos os Mandamentos de Deus e a fé em Jesus. “Esta é a Lei e o
Evangelho,” ela escreve (Mensagens Escolhidas, vol. 2, p. 385). Em
outra passagem, lidando novamente com a escolha do nome
“Adventista do Sétimo Dia,” ela explica que ele “exprime a nossa fé e
nos caracteriza como povo peculiar,” a saber, “a observância do sétimo
dia e a expectativa da volta de Cristo nas nuvens do céu,” (Testemunhos
para A Igreja, vol. 1, p. 223). Algumas poucas linhas depois, ela,
novamente, insiste que “O nome Adventista do Sétimo Dia exibe o
verdadeiro caráter de nossa fé,” a qual ela explicitamente identifica
como “lei divina” e “fé no Senhor Jesus Cristo” (p. 224).
5
Ver James W. Parkes, The Conflict of the Church and the Synagogue:
A Study in the Origins of Antisemitism (Cleveland: World Pub. Co.,
1961), pp. 153-195; Marc Saperstein, Moments of Crisis in Jewish-
Christian Relations, (Philadelphia: Trinity Press International, 1989).
pp. 7-13.
6
Ver Phyllis Chesler, The New Anti-Semitism: The Current Crisis and
What We Must Do About It (Jossey-Bass Pub. Co., 2003); comparar
com.Gabriel Schoenfeld, The Return of Anti-Semitism (San Francisco:
Encounter Books, 2004).
7
Søren Kierkegaard: Training in Christianity and the Edifying
Discurse Which “Acompanied” It, traduzido com introdução e notas
103
A FUNÇÃO PROFÉTICA DE ELIAS

por Walter Lwrie (Princeton, NJ.: Princeton University Press, 1944),


pp. 176-178. Para Kierkegaard, a Pedagogia Cristã deve fazer o
contrário: ensinar as crianças a entenderem sua própria culpabilidade
na Crucificação. Além disso, ele explicitamente diz: “esta geração atual
deve pensar que eles mesmo O crucificaram.”
8
Jules Isaac, Jesus and Israel, ed. Claire H. Bishop, trad. Sally Gran
(New York: Holt, Rinehart and Winston, 1971), p. 386.
9
Sobre a teologia adventista depois de Awschwitz e a parte da Igreja
Adventista durante o Holocausto, ver Jacques Doukhan, ed., Thinking
in the Shadow of Hell: The impact of the Holocaust on Theology and
Jewish-Christian Relations (Berrien Springs, Mich.: Andrews
University Press, 2002).
10
Ver Catholic Hans Küng, em Explorations, (Philadelphia: The
Institute, 1992), vol. 6 nº 2 e Protestant Clark M. Williamson, A Gest
in the House of Israel: Post-Holocaust Church Theology, (Louisville,
Ky.: Westminster/John Knox Press, 1993), pp.123-125. Ver também o
“Restore Movement” ou o Jewish Roots Movement, que afetam a todos
os ramos do cristianismo.
11
É um movimento a ser elogiado. Por outro lado, temos de ser
cuidadosos em relação os cristãos “gentios” que, de repente, acham que
eles são judeus quando, de fato, absolutamente não o são. Este curioso
e recente fenômeno tem surgido em ambos os círculos, adventistas e
dispensacionalistas, os quais ideias místicas sobre Jesus têm se
desenvolvido (se eles cumprem alguma profecia ou outra). Tais
“novos” judeus, portanto, geralmente são recrutados dentre místicos e
extremistas. Ambos, dispensacionalistas e adventistas, têm usado esta
mesma identificação, como estratégia missionária para atingir os
judeus. Não é preciso dizer que questões éticas, surgidas por tais casos,
devem impelir-nos a agir com cautela. Tais falsas reivindicações não
são apenas enganosas, elas, também, às vezes, evolvem
comportamentos estranhos e perigosos (exorcismo, síndrome de
Messias, exploração financeira, etc). Além do mais, tais práticas,
ultimamente, tm comprometido a verdadeira missão para aos
verdadeiros judeus e torna o chamado de Deus apenas uma farsa.
12
Ver Schalom Bem-Chorin, Bruder Jesus: Der Nazarener in
Jüdischer Sicht (Munich: List, 1967); Samuel Sandmel, We Jews and
Jesus (New York: Oxford University Press, 1973);Géza Vermès, The
Gospel of Jesus the Jew (Newcastle upon Tyne: University of
Newcastle upon Tyne, 1981); David Flusser, Jesus (New York: Herder
end Herder, 1969); Joseph Klauser and Herbert Danby, Jesus of
Nazareth: His Life, Times, and Teaching(New
104 York: Macmillan, 1943);
O MISTÉRIO DE ISRAEL

Pinchas E. Lapide, Der Rabbi von Nazaret: Wandlungen des Jüdischen


Jesusbildes (Trier: Spee-Verlag, 1974); Donald A. Hagner, The Jewish
Reclamation of Jesus: An Analysis and Critique of Modem Jewish Study
of Jesus (Grand Rapids: Academie Books, 1984).
13
Ver Michal Wyschogrod, “A Jewish View of Christianity,” in
Toward a Theological Encounter: Jewish Understandings of
Christianity, ed Leon Klenicki (New York: Paulist Press, 1991),
pp.106-119.
14
Ver Arthur W. Kac, ed. The Messiahship of Jesus: Are Jews
Changing Their Attitude Toward Jesus? (Grand Rapids: Baker Book
House, 1980).
15
Ver especialmente Hagner: The Jewish Reclamation of Jesus.
16
. Interessantemente, Ellen White confirma esta metodologia
missiológica e enfatiza que Paulo nunca proclamou “aos judeus um
Messias que veio destruir a velha dispensação, mas sim que veio
desenvolver toda a dispensação judaica de acordo com a verdade,”
Evangelismo, p. 554. Do mesmo modo, em relação a conversão futura
de muitos judeus no tempo do fim, ela destaca que eles verão “o Cristo
da dispensação evangélica retratado nas páginas das Escrituras do
Antigo Testamento,” Atos dos Apóstolos, p. 381.
17
Ver White, Profetas and Reis, p. 298.
18
Ibidem.
19
Abraham Heschel, Israel: An Echo of Eternity (New Your: Farrar,
Straus end Giroux,1969), p. 223.
20
“Quando este evangelho for apresentado em sua plenitude aos
judeus,” diz Ellen White, “muitos aceitarão Cristo como o Messias”,
Atos dos Apóstolos, p. 380.
21
Ibidem, p. 381.

105
O Que, Então, É Israel?

A
resposta para essa questão pode não ser simples. A
descrição complexa de Israel e sua identificação
teológica nos documentos proféticos, as flutuações
e surpresas da história, e a variedade de propostas
teológicas; têm tornado extremamente difícil formular uma
clara definição de Israel. Os dados sugerem, contudo, a
seguinte realidade: a multiplicidade de faces de “Israel”
como povo escolhido de Deus.
Primeiro, o “Israel bíblico” nasceu dos descendentes
do patriarca Jacó/Israel e juntou-se através de matrimônio,
ou adoção espiritual, a pessoas de outras nações: egípcios
(Ex 12:38, 39), midianitas (Ex 18:1), cusitas (Nm 12:1),
cananitas (Js 2:1, moabitas (Rt 1:16, 17), persas (Et 9:27),
arameus (Jó 1:1) e assim por diante. Como podemos ver,
não era um povo de linhagem pura ou sem mistura. A noção
de “linhagem pura” foi desenvolvida posteriormente na
consciência humana e inventada no decurso de teorias
racistas, do século XIX, e, posteriormente eclodiu na
ideologia nazista. O “Israel Bíblico” testemunhou de Deus
e da história da salvação, e, foi chamado “Israel” pelos
profetas e por Deus, que amou Seu povo, “com um amor
eterno” (Jr 31:2, 3). A situação continuou a mesma nos
tempos do Novo Testamento quando prosélitos juntaram-se
à comunidade de Israel através do testemunho dos fariseus

106
O MISTÉRIO DE ISRAEL
(Mt 23:15) e posteriormente os primeiros cristãos (At
13:43).
Segundo, o “Israel Judeu” consiste tanto na
comunidade de judeus que sobreviveram ao exílio na
Babilônia e se instalaram pela Europa Oriental e Ocidental
(provavelmente judeus Asquenazitas) quanto aqueles que
povoaram a Palestina depois da queda de Jerusalém e
estabeleceram-se em torno do Mediterrâneo
(provavelmente judeus Sefaraditas). Esses povos não são de
todo puros quanto a versão bíblica de Israel. Muitas pessoas
dos países da Europa e do Mediterrâneo, também, juntaram-
se a esta comunidade de fé (ver as histórias de conversão ao
judaísmo na França durante a Idade Média, na Rússia com
os czares e no continente Árabe pré-islâmico). Este “Israel”
sobreviveu de modo a testemunhar, na carne e no ensino, da
Torá de Deus, a expressão do desejo e caráter de Deus.
Este “Israel” tem preservado raízes culturais, assim
como espirituais; com o “Israel bíblico”, por manter a
língua e as Escrituras Hebraicas vivas através do estudo
regular e serviço litúrgico, preservando um relacionamento
físico com o “Israel bíblico” através da observância dos
rituais da circuncisão, continuando tais tradições culturais
como o Talit, antigas orações, ritos de comer e beber, e a
observação das festas. Junto com sua identidade cultural,
este Israel tem desenvolvido uma identidade psicológica,
como resultado dos sofrimentos e opressões comuns.
Antissemitismo tem também moldado a identidade
judaica.1 Portanto, por causa da “falha” do testemunho
cristão, o testemunho judaico não tem sido capaz de
aprender sobre o outro importante aspecto de sua legítima
herança, a saber: a pessoa, os ensinos e o ministério de
salvação de Jesus, o Messias. Deus não rejeitou o povo
judeu. Paulo é claro sobre isso (Rm 11:1) e Ellen White
enfatiza: “Muito embora houvesse Israel rejeitado Seu
107
O QUE, ENTÃO, É ISRAEL?
Filho, Deus não os rejeitou.”2 Desde a vinda de Cristo, este
Israel permanece sem rei, profeta, ou teocracia, e ainda
assim é testemunha de Deus da Torá. É significante que
Ellen White ainda descreve o povo judeu, daquela época em
relação a Deus, como “Seu povo que guarda os Seus
mandamentos.”3
Dentro desse contexto histórico e cultural, pertence
o Israel político, criado em 1948 sobre as cinzas do
Holocausto. Este Israel deve ser essencialmente
considerado como uma entidade política e cultural, sem
qualquer clamor teocrático ou profético no caso. Participa,
contudo, dentro da mesma vocação testemunhando como
“Israel judaico” – testemunhando historicamente da Torá,
do Sábado, das Escrituras Hebraicas, da cultura e da história
da salvação como ocorreu na Eretz Israel (a terra de Israel).
O Israel político é também um cenário complexo,
incorporando uma grande variedade de pessoas de
horizontes culturais, étnicos e geográficos: judeus
europeus, judeus árabes, judeus etíopes, judeus indianos,
judeus iemenitas, judeus russos-mongóis, judeus africanos;
e até judeus chineses, a quem novos conversos estão se
juntando continuamente de vários patamares.
Terceiro, o “Israel Cristão” é por nascimento,
descendente dos primeiros judeus cristãos, mas também, e
mais importante, por conversão através de intensas
atividades evangelísticas e políticas de cristãos por todo o
mundo. Este [Israel Cristão] tem testemunhado do evento
de Jesus Cristo, Seus ensinos e exemplo. Também, através
do testemunho sobre o Jesus nascido em Israel e sobre os
Evangelhos e o Novo Testamento, o Israel cristão tem
estado cultural e historicamente relacionado ao “Israel
bíblico,” sendo nutrido pelas mesmas histórias e ensinos.
Por esta razão, o Israel cristão também pode reivindicar um
lugar na casa de Israel, uma ideia ensinada na tradição
108
O MISTÉRIO DE ISRAEL
judaica.4 Como o teólogo judeu ortodoxo Rabino Irving
Greenberg observa: “Somente cristãos [...] poderiam ser
considerados membros do povo de Israel, mesmo que eles
pratiquem ritos de modo diferente do judaísmo.”5 O
enxerto, portanto, tem estado amputado desde que a igreja,
conscientemente, rejeitou a sua ligação com a sua
identificação judaica, assim como a Torá, e criou uma
identidade cultural própria, distinta do “Israel judeu.”
Portanto, é uma ironia e um paradoxo interessante que,
apesar da igreja trair suas raízes, é através do testemunho
“universalista” do “Israel cristão” que o povo de Israel, os
judeus, tornaram-se conhecidos no mundo. Se não fosse
pelo testemunho cristão, o judaísmo teria permanecido uma
pequena e obscura seita, que talvez pudesse ter
desaparecido. O “Israel cristão”, como o outro Israel, é,
também, um misto de pessoas, feito de todas as culturas e
nações com uma exceção – o povo judeu, que tem sido
excluído como resultado do fenômeno da rejeição, como
temos estudado neste livro.6
Quarto, o “Israel escatológico” tem se desenvolvido
de um movimento de retorno (Teshuvah) em direção ao
ideal representado pelo “Israel bíblico” e tem se separado
do tradicional “Israel cristão”, este que reivindica o
testemunho da Torá, juntamente com o testemunho de
Jesus. Portanto, este Israel está aberto não apenas aos
cristãos, mas também aos judeus e transcende ambas as
comunidades culturais. É um movimento comissionado no
tempo do fim a trazer “a luz da verdade presente” e preparar
o mundo para o reino de Deus.7
1
Jean-Paul Sartre, Anti-Semite and Jew, trans. George J. Becker (New
York: Schocken Books, 1972), pp. 95, 143.
2
Atos dos Apóstolos, p. 375.
3
Profetas e Reis, p. 299.

109
O QUE, ENTÃO, É ISRAEL?

4
Ver, por exemplo, o ensino de Maimônides sobre cristandade no final
de seu grande código Mishneh Torah, o qual ele reconhece que apesar
de seus erros, os cristãos são o instrumento da Providência, desde que
eles trouxeram toda a humanidade à adoração do Deus único e
verdadeiro (ironicamente, os censuradores cristãos da versão impressa
do Mishneh Torah forçaram os editores a remover a passagem). Além
do mais, em uma resposta escrita depois da publicação do Mishneh
Torah, Maimonides declara que cristãos são a única comunidade de fé
a quem os judeus podem ensinar a Torá, pois judeus e cristãos partilham
uma revelação comum, em uma única forma (diferente dos
muçulmanos, cujo principal texto é o Corão). Ver David Novak, “The
Mind of Maimonides,” First Things 90 (February 1999): 27-33.
5
Irving Greenberg, “Judaism and Christianity: Covenants of
Redemption,” in Christianity in Jewish Terms, ed. Tikva Frymer-
Kensky et. al., p.158.
6
Ainda que a teologia cristã não aceite esta exclusão, permanece um
fato histórico que os judeus não têm respondido ao evangelho. As
conversões têm sido raras durante a história da igreja.
7
Evangelismo, p. 578.

110
Conclusão

D everíamos concluir com o sonho de Deus para


Israel – Sua teologia de Israel.
Pois há ainda outro Israel a considerar, o
único que conta – o “Israel celestial” na Nova Jerusalém. O
único Israel que sobreviverá da poeira da história humana é
o “Israel salvo,” o “remanescente” encontrado em todos os
Israéis citados, mas que também transcende a todos eles, o
“todo Israel.” Este é o “novo Israel,” o “Israel espiritual,”
os “144.000,” a “grande multidão”. Nenhum grupo
atualmente na terra tem o direito de chamar a si próprio por
este novo nome. Apenas Deus identificará e selará o “novo
Israel” (Gn 32:28; Ap 2:17; 3:12; 21:10). E apenas Ele tem
o direito e o poder de decidir e julgar quem é rejeitado e
quem não é (Dn 7:9, 10). Ele decidirá baseado em Sua
misericórdia e baseado naquilo que Ele sabe, e, também,
baseado no que temos sido capazes de ouvir (Rm 10:14). É
o Israel que está na mente de Deus, porventura no sentido
de “Israel de Deus.” Todos os outros “Israéis” são Israéis
históricos, que cumprem uma missão particular. Sendo
assim, nenhum deles podem ou devem reivindicar ser mais
Israel – mais o “Israel de Deus” – que qualquer outro.
Pertencer a uma comunidade religiosa, ou a um povo, não
dá a ninguém o direito de superioridade espiritual ou étnica
e não é suficiente pertencer a tal comunidade para, desse
modo, reivindicar pertencer ao “novo Israel” “salvo.”

111
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
Também, de acordo com a visão bíblica da antropologia,
deve ser dito que os membros de todos aqueles “Israéis” são
Israéis da carne, incluindo aqueles que têm se juntado,
espiritual ou culturalmente, a esta comunidade. Ainda
embora somos da carne, somos intitulados a ser também do
Espírito, e reciprocamente, quando somos do Espírito, nós
existimos em nossa carne. Não existe dissociação entre
carne e Espírito. E no céu, o novo Israel será Israel em
Espírito e em carne, mas somente nesse tempo em sua
magnitude.
Apenas então, “o mistério” cumprirá seu real
significado e tornar-se-á revelação. “Porque, agora, vemos
como em espelho, obscuramente; então, veremos face a
face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como
também sou conhecido” (1 Co 13:12). Enquanto isso, a
conclusão essencial, esboçada a nós desta humilde
averiguação, é a seguinte: “agora, pois, permanecem a fé, a
esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o
amor” (v. 13).

112
Apêndice

Ellen White e os Judeus

Introdução
Problemas e Métodos

O
impacto dos escritos de Ellen White na teologia
Adventista do Sétimo Dia é significante o
suficiente para justificar um exame cuidadoso de
seus escritos e, assim, desenvolver uma saudável teologia
adventista do sétimo dia sobre Israel.
É interessante e certamente muito significante que a
maioria, (se não todas) as obras, dos tópicos devotados a
Israel ou aos judeus nos escritos de Ellen White tem
focalizado, principalmente, a missão aos judeus. Temos
negligenciado, de modo geral, questões que dizem respeito
ao significado de Israel e dos judeus, questões éticas e
filosóficas, envolvendo antissemitismo cristão e questões
práticas relacionadas a essa importante missão.
Além do mais, temos observado que os adventistas
do sétimo dia frequentemente usam de seus escritos para
sustentar suas próprias interpretações ou até mesmo seus
preconceitos em relação aos judeus e Israel, especialmente
sua teologia da rejeição.
Certamente o presente estudo não porá um fim a
essa discussão. Textos – especialmente os sacros – tão
rotineiramente estão sujeitos a uma variedade de

113
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
interpretações, dependendo do aspecto que alguém queira
enfatizar. E provavelmente nossa investigação não escapará
de um forte criticismo. Mas isto não deve nos desencorajar.
Nossa intenção não é forçar essa interpretação sobre uma
outra, todavia, humildemente, mostrar que existem outros
textos e outras perspectivas a considerar – outras leituras
que necessitam de um manuseio mais equilibrado e
nuançado de seus escritos.
Com esse propósito, não nos contentaremos
simplesmente em coletar todas as passagens que lidam com
o assunto. Tão frequentemente as pessoas têm selecionado
e usado os escritos de Ellen White fora de seus respectivos
contextos, sem se dar ao trabalho de examinar e analisar o
que ela realmente queria dizer.
Vamos, antes de tudo, conduzir nosso estudo como
uma tentativa reflexiva e exegética acerca do que Ellen
White escreveu sobre Israel e os judeus. Não será apenas
levar em consideração o contexto literário e histórico das
variadas passagens, mas, também, decifrar suas palavras e
linguagem para que possamos entender, o tanto quanto
possível, o significado que ela mesma pretendia transmitir.
Parece que o pensamento de Ellen White sobre
Israel gira em torno de quatro principais questões (1)
rejeição de Israel por Deus; (2) rejeição de Deus por Israel;
(3) profecias escatológicas sobre Israel e os judeus; e (4) a
missão para aos judeus. Nossa exposição e discussão dos
escritos de Ellen White se desenvolverá em torno dessas
quatro questões e extrairemos delas as lições teológicas,
proféticas e missiológicas que precisamos aprender sobre
Israel e os judeus.

A Rejeição de Deus
A primeira e mais importante questão refere-se a
natureza da responsabilidade dos judeus na crucificação de
114
Cristo e, consequentemente, a questão se os judeus como
povo, no caso, são culpados de terem rejeitado a Deus. Para
essa questão básica, Ellen White dá, consistentemente, a
mesma resposta clara e não ambígua:
1. Os Líderes Judeus Foram Responsáveis pela
Crucificação.
“O pecado dos sacerdotes e principais era maior que
o de qualquer geração anterior. Por sua rejeição do
Salvador, estavam-se tornando responsáveis pelo sangue de
todos os justos mortos desde Abel até Cristo. Estavam
prestes a fazer transbordar sua taça de iniquidade.”1
Note que o termo responsáveis não se aplica ao
povo em um sentido coletivo. Em vez disso, refere-se,
especificamente, “aos sacerdotes e líderes.” É também
interessante e, de fato, significante, que ela não mais associa
aqueles “sacerdotes e líderes” à categoria particular de
Israel – eles agora pertencem à classe geral daqueles que
assassinaram os justos, incluindo aqueles que existiram até
mesmo antes de Israel (“desde Abel [...]”). Ela não os
condena como “judeus iníquos”, mas como “homens
iníquos,” que desde o início da história humana têm
perpetrado assassinatos e iniquidades. Encontramos a
intenção dessa associação confirmada em outra passagem,
na qual Ellen White identifica os mesmos lideres judeus
com os “professos seguidores de Cristo” de hoje:
“Permanecerão desatendidas as advertências
divinas? Continuarão desaproveitadas as oportunidades
para o serviço? Serão os professos seguidores de Cristo
impedidos de servi-Lo pelo escárnio do mundo, o orgulho
da razão, a conformação aos costumes e tradições
humanos? Rejeitarão a Palavra de Deus, como os guias
judeus rejeitaram a Cristo?”2
Sobre as consequências deste crime, a saber, a
rejeição do próprio Deus, Ellen White não é menos clara:
115
ELLEN WHITE E OS JUDEUS

2. Os Sacerdotes e os Líderes Foram Aqueles que


Rejeitaram a Deus
“Os maiorais judeus não amavam a Deus. Por isso
romperam com Ele e rejeitaram todas as propostas para uma
reconciliação justa.”3
Comentando, então, sobre a parábola da vinha, Ellen
White desenvolve a mesma lição e claramente identifica os
sacerdotes e líderes judeus como os lavradores da parábola
da vinha que “rejeitaram O Santo de Israel”:
“Cristo, o Amado de Deus, veio para reivindicar os
direitos do Proprietário da vinha; mas os lavradores O
trataram com declarado desprezo, dizendo: Não queremos
que este reine sobre nós. Invejavam a beleza do caráter de
Cristo. Sua maneira de ensinar era muito superior a deles e
temiam Seu êxito. Argumentava com eles desmascarando-
lhes a hipocrisia, e mostrando-lhes a consequência certa de
seu procedimento. Isso lhes provocou a ira ao extremo.
Torturavam-se ante as repreensões que não podiam
silenciar. Odiavam o alto padrão de justiça que Cristo
constantemente apresentava. Viam que Seus ensinos
acabariam revelando seu egoísmo, e resolveram matá-Lo.
Odiavam Seu exemplo de fidelidade e piedade, e a elevada
espiritualidade revelada em tudo quanto fazia. Toda a Sua
vida lhes era uma reprovação do egoísmo, e ao chegar a
prova final, prova que significava obediência para vida
eterna ou desobediência para morte eterna, rejeitaram o
Santo de Israel. Ao ser-lhes pedido escolherem entre Cristo
e Barrabás, exclamaram: "Solta-nos Barrabás." (Lc 23:18).
E ao perguntar Pilatos: "Que farei, então, de Jesus?"
gritaram: "Seja crucificado!" (Mt 27:22). "Hei de crucificar
o vosso Rei?" interrogou Pilatos; e dos sacerdotes e
maiorais veio a resposta: "Não temos rei, senão o César"
(Jo 19:15).”4
116
De fato, para Ellen White, os lavradores da vinha
são os líderes, não o povo, desde que ela referiu-se a eles
como aqueles que ensinavam e estavam invejosos do
sucesso de Jesus entre o povo. Depois desta identificação
explícita, “os líderes judeus”, no começo da citação,
tornaram-se “os lavradores” que eram desde então,
referidos como o simples pronome pessoal “eles.” Ela usa
o pronome durante a passagem como o sujeito do ato de
rejeição. “[Eles] invejavam a [...] Cristo,” “[eles]
torturavam-se ante as repreensões [...]” “[eles] não podiam
silenciar [...]” “[eles] odiavam o alto padrão de justiça [...]”
“[eles] viam que Seus ensinos [...]” “[eles] resolveram
matá-Lo,” “[eles] odiavam Seu exemplo [...]” “[eles]
rejeitaram o Santo [...]” “[eles] exclamaram [...]” E por
último, no final da citação, ela explicitamente identifica-os
novamente: “dos sacerdotes e maiorais veio a resposta [...].”
De fato, em outra citação, exatamente uma página anterior,
Ellen White identifica os lavradores da parábola da vinha
como os líderes e os sacerdotes. “Os lavradores, a quem
Deus colocara como guardas de Sua vinha, foram infiéis à
missão a eles confiada. Os sacerdotes e mestres não eram
fiéis instrutores do povo.”5 E novamente, ela repete a
mesma identificação: “Na parábola da vinha, depois de
retratar aos sacerdotes, o ato culminante de sua impiedade
[...]” “[Eles] viram nos lavradores seu próprio retrato [...]”6
Em vista disso, vemos que Ellen White fazia a distinção
lógica entre o povo judeu, como tal, e seus líderes.

3. Os Líderes Judeus eram Distintos do Povo


Judeu.


N. do T.: a tradução oficial, em português, da passagem aqui citada,
ocultou o pronome “eles”.
117
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
Essa distinção já está implícita no modo como Ellen
White descreve a “turba ignorante” acompanhando os
líderes judeus quando eles gritaram juntos: “O Seu sangue
caia sobre nós e sobre nossos filhos.”7 Além do mais, é
significante que na sentença em seguida ela especificou que
“Desse modo os guias judeus fizeram a escolha”8 como se
fossem apenas eles a arcar com a culpa. Assim, aos poucos
judeus comuns presente com os lideres judeus, ela refere-se
a eles como ignorantes, desinformados, e enganados pelos
seus superiores. Em uma outra passagem, ela comenta que
“Pedro levou ao íntimo do povo convicto o fato de que
haviam rejeitado a Cristo por terem sido enganados pelos
sacerdotes e príncipes.”9
E em mais uma outra passagem que lida com o
mesmo assunto, Ellen White apresenta o povo judeu
envolvido na crucificação como as vítimas de uma trama
orquestrada pelo próprio Satanás, que usou os líderes para
este propósito. É interessante que ela ainda faz uma clara
distinção entre os dois lados: Cristo e o povo comum de um
lado e satanás e os lideres judeus de outro.
“Como Cristo procurou expor a verdade diante do
povo em prol da salvação deles, Satanás trabalhou através
dos líderes judeus, e inspirou-os com inimizade contra o
Redentor do mundo. Eles determinaram fazer tudo que
estivesse em seu alcance para impedi-lo de ter alguma
influência sobre o povo.”10

A Rejeição de Israel
A declaração de Ellen White sobre a rejeição de
Israel é clara: “Muito embora houvesse Israel rejeitado Seu
Filho, Deus não os rejeitou.”11 Note que a frase “Deus não
os rejeitou” aplica-se ao mesmo Israel que tinha “rejeitado
Seu Filho” e não refere-se, portanto, a um remanescente
espiritual ideal, a saber, os “bons” cristãos. Refere-se aos
118
“maus” judeus; Deus não os lançou fora apesar de sua
rejeição. Ela ainda faz uma observação umas poucas linhas
depois: “Devido à incredulidade e à rejeição do propósito
do Céu para eles, Israel como nação perdera sua ligação
com Deus.”12
Da mesma forma ela comenta sobre a parábola da
figueira: “A parábola da árvore infrutífera representava o
trato de Deus para com a nação judaica. Fora dada a ordem:
‘Corta-a; por que ocupa ainda a terra inutilmente?’”13 Como
podemos conciliar estas duas declarações aparentemente
contraditórias? Por um lado, Ellen White afirma que Deus
não tem rejeitado Israel, os judeus como um povo, apesar
de seu “tropeço” na crucificação. Por outro lado, ela insiste
que a nação judaica foi o maior objeto da rejeição de Deus.
Encontramos a resposta para esta questão através da própria
terminologia de Ellen White, mais exatamente na
linguagem que ela usa quando refere-se aos judeus que
foram rejeitados. É uma obrigação para o intérprete que
deseja levar a sério sua mensagem, ir além da mera leitura
de seus escritos, para interpreta-los em seus respectivos
contextos e decodificar sua linguagem. Apenas então
seremos capazes de entender o que ela realmente quis dizer
e, assim, solucionar o que, à primeira vista, aparenta ser
uma contradição.

O Que Ellen White Quer Dizer com “Nação Judaica”?


Uma atenção cuidadosa nas passagens que contém a
expressão “nação judaica” revela que Ellen White tinha em
mente a liderança, o ente político com seu clamor
teocrático.
As passagens que citamos anteriormente já
implicam essa intenção. O contexto de nossa última citação
do Grande Conflito aponta para os dirigentes judeus. Ela,
explicitamente, menciona os “dirigentes judeus” no
119
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
parágrafo precedente, assim como no parágrafo seguinte,
no qual encontramos a expressão “os príncipes do povo.”14
É, também, significante que Ellen White aplica essa
rejeição divina (“corta-a”) para a “nação judaica.” Ela,
consistentemente, usa a expressão “nação judaica” como
equivalente, e até um sinônimo, para a liderança judaica.
Note, por exemplo, como ela faz um paralelismo com as
duas expressões na seguinte citação:
“‘Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas [Mt
27:37].’ [...] Essa foi a mais solene denúncia já proferida
contra Jerusalém. Depois de denunciar a hipocrisia dos
líderes judeus, que, enquanto eles adoravam no Templo,
estavam empenhando-se com um ódio inspirado por
Satanás para destruir Aquele que tornara o Templo sagrado,
Cristo deu um adeus àquele que uma vez fora o paço
sagrado [...] Assim com poder e autoridade nosso Senhor
reprovou a nação judaica. ‘Já não me vereis [Mt 23:39]’”15
“No filho que disse, “sim, eu vou [Mt 21:29
(NKJV)],’ e não foi, o caráter dos fariseus fora revelado.
Assim como esse filho, os líderes judeus foram
impenitentes e autossuficientes. A vida religiosa da nação
judaica tinha se tornado uma pretensão... Tivesse a
conversão dos judeus sido genuína, eles teriam recebido
esse testemunho de João, e aceitado Jesus com o Messias,
Aquele para quem todas as ofertas sacrificais apontavam, e
quem fora o fundador de toda a sua economia.”16
E imediatamente, logo após, ela é ainda mais
precisa: “mas os fariseus e os saduceus não produziram os
frutos de arrependimento, santificação e justiça. Eles foram
daquela classe que disse: ‘eu vou [Mt 29:30 (NKJV)]’, mas
não foi.”17
A identificação da nação judaica com a liderança
judaica torna-se clara quando ela fez uma nítida distinção

120
entre o povo de um lado e a nação em si e seus líderes de
outro.
“Enquanto mais se aproximava o tempo da
separação de seus discípulos, Seus ensinos se tornavam
ainda mais significantes e misteriosos para suas mentes. Ele
apresentou a si mesmo diante do povo como o pão da vida.
As multidões estavam impressionadas com os seus ensinos,
e milhares o seguiam, e preciosos raios de luz eram
derramados sobre elas; mas os discípulos já não tinham
mais a esperança de que os judeus, como nação, aceitariam
a Cristo.”18
“Quando Cristo vinha falar as palavras de vida, o
povo comum ouvia-o alegremente; e muitos, até mesmo dos
sacerdotes e líderes, creram nEle. Mas os chefes do
sacerdócio e os dirigentes da nação estavam determinados
a condenar e repudiar Seus ensinos [...] Fora a influência de
tais ensinos que levara a nação judaica a rejeitar a seu
Rendentor.”19
Quando Ellen White usava a expressão “nação
judaica”, ela tinha em mente os líderes judeus – as elites que
funcionavam como seus governadores coligados com a
ocupação romana. Quando ela fala de rejeição da nação
judaica, é apenas a entidade política, a liderança, que está
implicada. O restante, por outro lado, ainda permanece “o
povo escolhido.” Focalizando no evento que tivera lugar no
final das 70 semanas, no tempo do martírio de Estevão, ela
faz então uma clara distinção entre estas duas entidades:
“As setenta semanas, ou 490 anos, especialmente
conferidas aos judeus, terminaram, como vimos, no ano 34.
Naquele tempo, pelo ato do sinédrio judaico, a nação selou
sua recusa do evangelho, pelo martírio de Estêvão e
perseguição aos seguidores de Cristo. Assim, a mensagem
da salvação, não mais restrita ao povo escolhido, foi dada
ao mundo.”20
121
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
É importante destacar que Ellen White não descreve
o cumprimento da profecia das 70 semanas em termos
negativos de rejeição, mas em termos positivos, como “a
mensagem da salvação,” e umas poucas linhas depois,
como “as alegres novas.” Não encontramos nenhuma
menção de uma aliança desfeita. Ela não apresenta esse
momento crucial como uma ameaça e um terrível
julgamento contra o povo judeu como um todo. De acordo
com Ellen White, a rejeição diz respeito apenas à liderança,
o “sinédrio judaico”, que é identificado como “a nação.” No
mais, ela registra este cumprimento como um grande
momento de esperança para a salvação de outros povos e
não em lugar do “povo escolhido.” A aliança continua com
o povo escolhido, mas agora estende-se ao mundo.

O Que Ellen White Quer Dizer com “Raça de Judeus”


Todos sabem agora que a ideia de uma raça judaica
é um mito perigoso e enganoso, encadeado no século XIX
pelas ondas das teorias evolucionistas. Não existe uma raça
judaica. E até mesmo Ellen White usa essa infeliz
expressão.
“Os judeus que a princípio despertaram a ira dos
pagãos contra Jesus não deviam escapar impunes. Na sala
de julgamento de Pilatos, ao hesitar este em condenar a
Jesus, os enfurecidos judeus clamaram: "O Seu sangue caia
sobre nós e sobre nossos filhos." O cumprimento desta
terrível maldição que haviam chamado sobre suas próprias
cabeças, a raça de judeus tem experimentado [...] Vi que
Deus havia abandonado os judeus como nação.”21
O contexto dessa passagem derrama luz no
significado desta particular expressão raça dos judeus. No
começo da citação, Ellen White claramente identifica os
judeus que ela tem em mente. “Os judeus que a princípio
despertaram a ira dos pagãos contra Jesus.” Eles são os
122
judeus localizados na “sala de julgamento” e que clamavam
a Pilatos, “O Seu sangue caia sobre nós [...]” Na página
seguinte, ela especificou que o julgamento de Deus diz
respeito aos “judeus como uma nação” e não “judeus” como
um povo, como a expressão raça de judeus pode sugerir. É
também de particular significância, que em seu livro,
Primeiros Escritos, compilado poucos anos mais tarde, ela
corrigiu a citação, substituindo a frase “a raça de judeus”
por “a nação judaica.”
“Os judeus que a princípio despertaram a ira dos
pagãos contra Jesus não deviam escapar impunes. Na sala
de julgamento de Pilatos, ao hesitar este em condenar a
Jesus, os enfurecidos judeus clamaram: "O Seu sangue caia
sobre nós e sobre nossos filhos." O cumprimento desta
terrível maldição que haviam chamado sobre suas próprias
cabeças, a nação judaica tem experimentado [...] Vi que
Deus havia abandonado os judeus como nação.”22
O fato que ela alterou a expressão “raça de judeus”
para ler-se “nação judaica” indica que a autora reconheceu
que outros poderiam interpretá-la mal. E o fato de que ela
mudou a expressão para “nação judaica” e que julgou
necessário corrigir, em tudo sugere que em sua mente as
duas expressões referem-se a duas entidades diferentes.
O problema torna-se ainda mais complexo quando
Ellen White frequentemente usa geralmente o termo judeu
em um sentido negativo, tendo em mente mais
especificamente os líderes judeus. O contexto de nossa
passagem implica esse sentido. Do mesmo modo, na
passagem seguinte os “escribas e fariseus” são distintos de
“o povo” (outros judeus), ainda embora ela descreva-os
também como “os judeus.”
“Ai de vós escribas e fariseus hipócritas!” [...] Essas
temíveis advertências foram feitas aos judeus, porque,

123
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
enquanto ensinando a lei de Deus para o povo, eles não
eram cumpridores da Palavra.”23
Nessas passagens a autora empregou o termo judeu
não em um sentido étnico, mas em um sentido genérico para
descrever aqueles que a princípio incitaram a crucificação,
aqueles que conscientemente O rejeitaram, a saber, a
liderança judaica de Jerusalém.

A Maldição Sobre os Judeus


A passagem mais importante sobre a maldição,
aparece em Primeiros Escritos. Embora já a tivéssemos
examinado, merece nossa atenção especial porque este é o
texto-chave frequentemente citado para apoiar a ideia de
uma maldição eterna sobre os judeus.
“Os judeus que a princípio despertaram a ira dos
pagãos contra Jesus não deviam escapar impunes. Na sala
de julgamento de Pilatos, ao hesitar este em condenar a
Jesus, os enfurecidos judeus clamaram: "O Seu sangue caia
sobre nós e sobre nossos filhos." O cumprimento dessa
terrível maldição que haviam chamado sobre suas próprias
cabeças, a nação judaica tem experimentado […] Foram
degredados, enxotados e detestados, como se a marca de
Caim estivesse sobre eles. Todavia vi que Deus tinha
maravilhosamente preservado este povo e o espalhado
sobre o mundo, a fim de que pudessem ser olhados como
um povo especialmente visitado pela maldição de Deus. Vi
que Deus havia abandonado os judeus como nação.”24
Primeiro, o contexto da passagem revela que o foco
é a liderança judaica. Em acréscimo, ela usa a expressão
“nação” duas vezes no texto. A passagem começa com
referência aos judeus que “não deveriam escapar impunes”
e que clamavam “Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos
filhos.” A próxima sentença explica o alvo da maldição: “O
cumprimento desta terrível maldição que haviam chamado
124
sobre suas próprias cabeças, a nação judaica tem
experimentado.” Portanto a maldição refere-se aos líderes
judeus, em outras palavras, o que ela chama de “nação
judaica.” Encontramos essa interpretação confirmada em
uma outra passagem, a qual Ellen White associa à
condenação da “nação judaica,” com a impiedade dos
sacerdotes e outros líderes da nação.
“Na parábola da vinha, depois de retratar aos
sacerdotes o ato culminante de sua impiedade.” “Eles viram
nos lavradores a imagem deles mesmos.”
“Inconscientemente pronunciaram sua própria condenação
[...] Cristo teria mudado o destino da nação judaica, se o
povo O houvesse recebido. Inveja e ciúme os tornaram
implacáveis […] A predita ruína veio sobre a nação
judaica.”25
Essa passagem refere-se à liderança judaica – os
sacerdotes e líderes. A palavra “sacerdotes” ocorre em
nossa passagem, em conexão com a expressão técnica
“nação judaica”. Além do mais, a alusão à inveja e ciúme
deste grupo, mostra que ela tem em mente os sacerdotes e
os líderes (a nação).
Também, referindo-se à parábola de Jesus da
figueira estéril, Ellen White implica que a “nação judaica”
fora cortada exatamente como a árvore. Aqui também a
maldição e rejeição, especificamente, referem-se aos
dirigentes judeus, como o contexto claramente indica:
Assim os dirigentes judeus edificaram a "Sião com
sangue, e a Jerusalém com injustiça" (Mq 3:10 [ACF]) [...]
Durante quase quarenta anos depois que a condenação de
Jerusalém fora pronunciada por Cristo mesmo, retardou o
Senhor os Seus juízos sobre a cidade e nação. Maravilhosa
foi a longanimidade de Deus para com os que Lhe
rejeitaram o evangelho e assassinaram o Filho. A parábola
da árvore infrutífera representava o trato de Deus para com
125
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
a nação judaica. Fora dada a ordem: "Corta-a; por que
ocupa ainda a terra inutilmente?" (Lc 13:7 [ACF]). Mas a
misericórdia divina poupara-a ainda um pouco de tempo.”26

Foram Os Judeus Amaldiçoados para Sempre?


A questão parece absurda 2.000 anos após o evento
da crucificação. Mesmo assim, devemos discuti-la, desde
que alguns cristãos, e entre eles alguns adventistas do
Sétimo Dia, apoiem tal ideia. Ellen White é clara no
assunto. Assim como ela reconhece o juízo de Deus sobre a
“nação judaica,” (ver citação anterior de O Grande
Conflito, pg. 27) ela posteriormente explica o porquê Deus
esperou (“misericórdia divina [...] poupara-a”). Ela dá a
seguinte razão:
“Muitos havia ainda entre os judeus que eram
ignorantes quanto ao caráter e obra de Cristo. E os filhos
não haviam gozado das oportunidades nem recebido a luz
que seus pais tinham desprezado. Mediante a pregação dos
apóstolos e de seus cooperadores, Deus faria com que a luz
resplandecesse sobre eles; ser-lhes-ia permitido ver como a
profecia se cumprira, não somente no nascimento e vida de
Cristo, mas também em Sua morte e ressurreição. Os filhos
não foram condenados pelos pecados dos pais; quando,
porém, conhecedores de toda a luz dada a seus pais, os
filhos rejeitaram mesmo a que lhes fora concedida a mais,
tornaram-se participantes dos pecados daqueles e encheram
a medida de sua iniquidade.”27
Devemos aqui notar, que “os filhos não foram
condenados pelos pecados dos pais.” A relutância de Deus,
em aplicar seus juízos fundamenta um importante princípio
ético: a maldição não é efetiva sobre eles enquanto eles não
serem “conhecedores de toda a luz.” Em outras palavras, os
filhos daqueles que crucificaram a Cristo – e por extensão
todos os judeus - não estão rejeitados, eles não estão sob a
126
maldição, enquanto a mensagem cristã em toda a sua luz
permanece indisponível a eles.
Surge então a questão: tem alguém apresentado a
mensagem cristã aos judeus em “toda a luz”? O que dizer
sobre a apostasia cristã em relação à lei? Aqui Ellen G.
White é inequívoca. Ela ainda faz um paralelismo
significante entre a rejeição de Cristo pelos líderes judeus e
da lei pelos cristãos.
“Quando os judeus rejeitaram a Cristo, rejeitaram a
base de sua fé. E, por outro lado, o mundo cristão de hoje,
que tem a pretensão de ter fé em Cristo, mas rejeita a lei de
Deus, comete um erro semelhante ao dos iludidos judeus.”28
É também significante que ela usa o mesmo termo
técnico (o grande pecado) para designar ambas as rejeições:
de Cristo pelos judeus (os líderes) e a rejeição da lei pelos
cristãos. O grande pecado dos judeus foi sua rejeição a
Cristo; o grande pecado do mundo cristão seria sua rejeição
à lei de Deus, o fundamento de Seu governo no Céu e na
terra. Para Ellen White, que associa Cristo com a lei,
desprezar a lei equivale a renunciar a Cristo.
“A igreja cristã, por outro lado, que professa a
máxima fé em Cristo, desprezando o sistema judaico,
virtualmente nega a Cristo, que foi o originador de toda a
economia judaica.”29
A igreja cristã, como um todo, tem abandonado a
lei, portanto, a Cristo. Assim, desde que a igreja não tem
apresentado aos judeus a verdade em “toda a luz”, segue-se
então que, como um todo, os judeus ainda não foram
rejeitados.

Como Foi Cumprida a Maldição?


Todavia, o crime dos líderes judeus não permaneceu
impune. Ellen White vê um duplo cumprimento da
maldição que eles pronunciaram sobre si mesmos. Ela já
127
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
fora cumprida na queda de Jerusalém, portanto, a
desintegração da nação e, como consequência, a dispersão
dos judeus. Este cumprimento refere-se à “nação judaica”
como uma entidade teocrática, que perdera então sua
unidade política.
“Terrivelmente se tem manifestado na condição do
povo judeu durante dezoito séculos [...] De terra para terra
através do mundo, de século em século.”30
O mais importante, será aplicada no céu, no dia do
juízo, e envolverá especificamente os líderes judeus.
“Terrivelmente será aquela súplica atendida no
grande dia do Juízo. Quando Cristo volver de novo à Terra,
não como Preso rodeado pela plebe, hão de vê-Lo os
homens. Hão de vê-Lo então como o Rei do Céu. Cristo virá
em Sua própria glória, na glória do Pai e na dos santos
anjos. Milhares de milhares de anjos, os belos e triunfantes
filhos de Deus, possuindo extrema formosura e glória, hão
de acompanhá-Lo. Então Se assentará no trono de Sua
glória, e diante dEle se congregarão as nações. Então todo
olho O verá, e também os que O traspassaram. Em lugar de
uma coroa de espinhos, terá uma de glória - uma coroa
dentro de outra. Em lugar do velho vestido real de púrpura,
trajará vestes do mais puro branco, "tais como nenhum
lavandeiro sobre a Terra as poderia branquear" (Mc 9:3
[ACF]). E nas vestes e na Sua coxa estará escrito um nome:
"Rei dos reis, e Senhor dos senhores" (Apo 19:16 [ACF]).
Os que dEle zombaram e O feriram, ali estarão. Os
sacerdotes e príncipes contemplarão novamente a cena do
tribunal. Cada circunstância há de aparecer diante deles,
como se escrita com letras de fogo. Então os que rogaram:
"O Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos" (Mt
27:25 [ACF]) receberão a resposta a sua súplica.”31

Por que os Judeus Sofreram?


128
Se os judeus não estão sob uma maldição, como
podemos explicar as tragédias que eles tiveram que suportar
através dos séculos? Para Ellen White, esse sofrimento não
tem nada a ver com Deus.
“O cumprimento dessa terrível maldição que haviam
chamado sobre suas próprias cabeças, a nação judaica tem
experimentado. Pagãos e os chamados cristãos juntamente
têm sido seus inimigos. Os cristãos professos, em seu zelo
por Cristo, a quem os judeus crucificaram, acharam que
quanto mais sofrimentos levassem sobre eles, mais
agradariam a Deus [...] a fim de que pudessem ser olhados
como um povo especialmente visitado pela maldição de
Deus.”32
O problema está, de fato, no nível de interpretação
humana da alegada maldição divina. A humanidade deu à
maldição o tamanho que ela tomou – como uma
manifestação de seu próprio ódio – para outorgar sobre os
seus feitos o selo da justificação “divina.”

Profecia e Israel
Para Ellen White, não apenas Deus não tivera
rejeitado os judeus, mas eles estavam ainda participando de
um papel ativo na história da salvação da humanidade. Ela
deu uma profecia que refere-se ao futuro de Israel e dos
judeus, uma caracterizada por um número de aspectos
específicos.

1. É Uma Profecia Sobre o Israel Judeu.


Primeiramente, é importante notar que a profecia de
Ellen White sobre os judeus esteja situada dentro de uma
profecia sobre o Israel histórico.
“Às dez tribos33, desde muito, rebeldes e
impenitentes, não foi dada nenhuma promessa de completa
restauração de seu anterior domínio na Palestina. Até o fim
129
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
do tempo eles deviam ser "errantes entre as nações". Mas
por intermédio de Oséias foi dada uma profecia que punha
perante eles o privilégio de ter uma parte na restauração
final, que deve ser feita para o povo de Deus no fim da
história da Terra quando Cristo aparecerá como Rei dos reis
e Senhor dos senhores.”34
Note que, em Ellen White, o texto de Oséias é uma
profecia real sobre o Israel judeu após o tempo de Cristo.
“Mas por intermédio de Oséias foi dada uma profecia [...]”
ela não está simplesmente citando um verso como texto-
prova, de um modo homilético. Em vez disso, ela descreve,
sob inspiração, que as palavras da profecia de Oséias serão
cumpridas na história e que aplica-se ao povo judeu em
geral, “às dez tribos, desde muito, rebeldes e impenitentes.”
Em um outro texto ela destaca a natureza preditiva
da profecia: “Haverá muitos conversos entre os judeus, e
esses conversos ajudarão a preparar o caminho do Senhor
[...] Cumprir-se-ão as predições da profecia.”35

2. Muitos Judeus Serão Convertidos.


Novamente, essa profecia não concorda com a visão
dispensacionalista. Não é todo o povo de Davi, como uma
nação, que responderá à aliança de Deus. Ainda que o
número de conversões seja significante o suficiente para ser
qualificado como uma “multidão” ou “muitos.”
“Pois haverá uma multidão convencida da verdade,
que tomará posição por Deus. O tempo está chegando,
quando haverá tantos convertidos em um dia, como se eles
estivessem no dia do Pentecostes, depois de os discípulos
terem recebido o Espírito Santo.”36
“Haverá muitos conversos entre os judeus [...]
Nascerá uma nação em um dia.”37

130
“Há entre os judeus muitos que serão convertidos e
por meio de quem veremos a salvação de Deus sair como
lâmpada ardente.”38
“Muitos dos judeus hão de, pela fé, aceitar a Cristo
como seu Redentor.”39

3. Este Movimento de Conversão Ocorrerá no


Tempo do Fim.
Para Ellen White, todavia, o período de tais
conversões ainda não tinha chegado no seu tempo. Quando
alguém perguntou-lhe sobre a necessidade de uma missão
aos judeus na Antiga Jerusalém, ela advertiu que isso
afastaria a mente e o interesse “da presente obra do
Senhor.”40 Embora ela considerasse que algum
evangelismo aos judeus já fosse possível e o encorajou, ela
definitivamente colocou a conversão dos judeus e o sucesso
do testemunho cristão entre eles, principalmente, no futuro,
no tempo do fim:
“Na proclamação final do evangelho, quando deve
ser feito um trabalho especial pelas classes de pessoas até
aqui negligenciadas, Deus espera que Seus mensageiros
tomem interesse especial pelo povo judeu, o qual poderá ser
encontrado em todas as partes da Terra.”41
“A obra da qual o profeta Zacarias escreve é um tipo
de restauração espiritual a ser trabalhado por Israel antes do
tempo do fim.”42
“Até o fim do tempo eles deviam ser “errantes entre
as nações.” Mas por intermédio de Oséias foi dada uma
profecia que punha perante eles o privilégio de ter uma
parte na restauração final, que deve ser feita para o povo de
Deus no fim da história da Terra.”43

4. Israel Ainda É O Povo de Deus.

131
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
É interessante notar, no contexto de suas
declarações sobre conversões em larga escala, que ela não
retrata o Israel Judeu como um povo rejeitado,
definitivamente banido de Deus. Em vez disso, Ellen White
descreve os judeus em uma situação de expectativa.
Novamente, referindo-se a profecia de Oséias, ela conclui:
“Por muitos dias”, o profeta declarou, as dez tribos
deviam ficar “sem rei, e sem príncipe, e sem sacrifício, e
sem estátua, e sem éfode ou terafim”. "Depois", continuou
o profeta, "tornarão os filhos de Israel, e buscarão ao Senhor
seu Deus, e a Davi, seu rei; e temerão ao Senhor, e a Sua
bondade, no fim dos dias.”44
Assim, o Israel Judeu pertence a um estágio
transitório, “por muitos dias [...] sem rei [...] ou terafim.”
Isto é, sem um governo teocrático e, ainda assim, exercendo
uma função como testemunha. A caracterização de Ellen
White, do povo judeu, durante aquele tempo é significante.
“Nos últimos dias da história da Terra, o concerto de Deus
com Seu povo que guarda os Seus mandamentos deve ser
renovado.”45

5. Judeus Convertidos Terão Uma Parte na


Restauração Final
Essa profecia sobre Israel não é somente sobre os
judeus. Ela também tem importantes aplicações para o
mundo em geral, porque estes judeus convertidos
desempenharão um papel significante na proclamação final
das três mensagens angélicas.
“Esses conversos ajudarão a preparar o caminho do
Senhor, e fazer no deserto caminho direto para nosso Deus.
Judeus conversos hão de ter parte importante a
desempenhar nos grandes preparativos a serem feitos no
futuro para receber a Cristo, nosso Príncipe. Nascerá uma

132
nação em um dia. Como? Por homens que Deus designou
se converterem à verdade.”46
“Há judeus por toda parte [...] Há entre eles muitos
que virão para a luz, e que proclamarão a imutabilidade da
lei de Deus com admirável poder.”47

Missão aos Judeus


Dessa profecia sobre Israel, Ellen White
consistentemente infere três subsequentes lições:
1. Ela tristemente observa que adventistas têm
negligenciado os judeus.
2. Ela incita o povo de Deus a engajar-se na missão
para com os judeus.
3. Ela dá conselhos específicos para a missão.
1. Uma Obra Negligenciada
Ellen White não só deplora a indiferença geral para
alcançar os judeus; mas também denuncia suas deficiências.
“Um pouco está sendo feito, mas é nada comparado com o
que poderia ser feito. Existe uma decidida falha em levar
avante essa obra como devemos.”48 Além do mais, ela
tristemente observa que “Entre os ministros cristãos há
poucos que se sentem chamados a trabalhar pelo povo
judeu.”49 Tamanha falta de interesse intrigava-a e
perturbava-a. “Tem sido para mim coisa estranha que tão
poucos se sintam preocupados com o trabalho pelo povo
judeu.”50
2. Um Chamado para O Evangelismo aos Judeus
Antes de tudo, Ellen White encoraja o povo de Deus
a tornar-se ciente de sua responsabilidade para com os
judeus. “Na proclamação final do evangelho [...] Deus
espera que Seus mensageiros tomem interesse especial pelo
povo judeu, o qual eles encontram em todas as partes da
Terra.”51 “Há judeus por toda parte, e a eles deve ser levada
a luz da verdade presente.”52
133
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
3. Conselhos para a Missão aos Judeus
Ellen White não afirma a si mesma com repreensão,
advertência e teorias. Ela é prática e presenteia-nos com
uma gama de recomendações e conselhos específicos para
fazer tal obra missionária.

Um Testemunho Completo
Para Ellen White, a conversão dos judeus está
sujeita à condição de uma apresentação inalterada do
evangelho. “Quando este evangelho for apresentado em sua
plenitude aos judeus, muitos aceitarão a Cristo como o
Messias.”53 Esta convocação para uma séria e completa
apresentação da verdade não é apenas um chamado para
responsabilidade. Implica que até agora aos judeus não tem
sido dada esta oportunidade, e confirma a falha do
testemunho cristão, descrevendo, novamente, a posição
antecipatória do Israel Judeu.

Uma Obra especial


“A obra para os judeus, como descrita no décimo
primeiro capítulo de Romanos, é uma obra a ser tratada com
especial sabedoria.”54 Considerando a condição particular
dos judeus hoje, após 2.000 anos de antissemitismo, Ellen
White conclui dramaticamente que “nossos ministros
precisam mais da sabedoria que Paulo possuía.”55 Ela então
apela para um “esforço especial.” “Que haja esforços
especiais para o esclarecimento dos judeus.”56 Como Ellen
White usa a palavra “especial” para qualificar
sistematicamente a missão aos judeus, sugere então a
necessidade por uma particular, diferente, e “melhor”
atenção a este ministério.

Uma Estratégia de Reconciliação e Amor – Não de


Rejeição e Desprezo
134
“Nós estamos plenamente convencidos que não
devemos desprezar os judeus; pois entre eles o Senhor tem
poderosos homens, que proclamarão a verdade com
poder.”57
“A obra que Cristo veio realizar em nosso mundo,
não foi a de erguer barreiras, e atirar constantemente sobre
o povo o fato de estarem errados [...] Tampouco proclama
Paulo aos judeus um Messias que veio destruir a velha
dispensação, mas sim um que veio para desenvolver a
economia judaica de acordo com a verdade.”58
“Paulo não se aproximava dos judeus de maneira a
despertar-lhes os preconceitos.”59
“Tampouco proclama Paulo aos judeus um Messias
que veio destruir a velha dispensação, mas sim um que veio
para desenvolver a economia judaica de acordo com a
verdade.”60
“Ao serem as Escrituras do Antigo Testamento
amalgamadas com o Novo numa explanação do eterno
propósito de Jeová, isto será para muitos judeus como o
raiar de uma nova criação, a ressurreição da alma. Ao verem
o Cristo da dispensação evangélica retratado nas páginas
das Escrituras do Antigo Testamento, e perceberem quão
claramente o Novo Testamento explica o Antigo, suas
adormecidas faculdades despertarão e eles reconhecerão a
Cristo como o Salvador do mundo.”61

Uma Explanação das Profecias Messiânicas


“Ao pregar aos tessalonicenses, Paulo recorreu às
profecias do Antigo Testamento concernentes ao Messias.
Cristo, em Seu ministério, tornara claras aos Seus
discípulos estas profecias; “começando por Moisés, e por
todos os profetas, explicava-lhes o que dEle se achava em
todas as Escrituras (Lc 24:27 [ACF]).” Pedro, ao pregar a
Cristo, tinha apresentado provas do Antigo Testamento.”62
135
ELLEN WHITE E OS JUDEUS

Uma Aproximação Progressiva


“Deve usar-se de grande sabedoria na apresentação
de uma verdade que fere diretamente as opiniões e práticas
do povo. O apóstolo Paulo costumava insistir nas profecias
quando se encontrava com os judeus, para levá-los passo a
passo, e então, depois de algum tempo, descerrar o assunto
de Cristo como o verdadeiro Messias.”63

Envolverá os Judeus “Conversos”


“Judeus conversos hão de ter parte importante a
desempenhar nos grandes preparativos a serem feitos no
futuro para receber a Cristo, nosso Príncipe. Nascerá uma
nação em um dia.”64
“Os judeus serão uma força na obra pelos judeus; e
veremos a salvação de Deus. Estamos de modo geral muito
limitados. Precisamos ter a mente mais aberta.”65

O Uso de Literatura
Respondendo a questão de seu filho perguntando
sobre os meios que devemos usar para a conversão dos
judeus, ela uma vez respondeu: “Eu vi literatura espalhada
em cada lugar entre os judeus, e quando o aperto chegar,
Deus agirá através de Seus mensageiros para ajuntá-los em
uma abundante colheita.”66

O Caso de Marcus Lichtenstein


É relevante mencionar a esta altura Marcus
Lichtenstein; um judeu que deixou a igreja por causa do
comportamento de algumas pessoas administrando as mais
altas posições na organização denominacional. O incidente
foi vergonhosamente uma das mais dolorosas pedras de
tropeço na missão aos judeus. A reflexão e reprovação de
Ellen White sobre o incidente é de suma importância.
136
“De um modo muito notável o Senhor atuou no
coração de Marcus Lichtenstein e encaminhou este jovem a
Battle Creek, para que lá fosse levado à influência da
verdade e se convertesse; que pudesse obter uma
experiência e ser ligado ao Escritório de Publicações. Sua
educação na religião judaica o teria qualificado para
preparar literatura. Seu conhecimento do hebraico teria sido
de ajuda ao Escritório na preparação de literatura pela qual
poderia haver acesso a uma classe que não seria alcançada
de outro modo. Não foi um presente sem valor que Deus
deu ao Escritório na pessoa de Marcus. Sua conduta e
consciência estavam de acordo com os princípios das
verdades maravilhosas que ele começava a ver e apreciar.
“Mas a influência de alguns no Escritório magoou e
desanimou Marcus. Aqueles jovens que não o estimavam
como ele merecia, e cuja vida cristã contradizia sua
profissão de fé, foram os instrumentos que Satanás usou
para afastar do Escritório o dom que Deus lhe dera. Ele saiu
perplexo, magoado e desanimado. Aqueles que tiveram
anos de experiência, e que deviam ter tido o amor de Cristo
no coração, estavam tão afastados de Deus por egoísmo,
orgulho e a própria tolice que não podiam discernir a obra
especial de Deus em ligar Marcus ao Escritório.
“Se as pessoas ligadas ao Escritório tivessem estado
despertas e não paralisadas espiritualmente, o irmão I teria
estado há muito ligado ao Escritório e poderia agora estar
preparado para fazer uma boa obra que precisa muito ser
feita. Ele devia ter estado envolvido em ensinar rapazes e
moças, para que fossem agora qualificados a tornar-se
obreiros nos campos missionários.”67

Conclusão
Os comentários de Ellen G. White sobre os judeus e
Israel devem ser empregados com cuidado. Como ela
137
ELLEN WHITE E OS JUDEUS
abordou esse assunto de uma perspectiva espiritual,
inclusive homileticamente, devemos tirar lições da história
passada ou profeticamente, dentro do cenário do tempo do
fim. Ela tratava de questões relacionadas a judeus reais
apenas ocasionalmente, quando encontrava judeus
convertidos como F. C. Gilbert ou M. Lichtenstein. É
importante compreender também o quanto a linguagem de
Ellen White refletia sua situação histórica. Por exemplo,
quando ela usava a expressão “Velha Jerusalém” em sua
declaração que a “Velha Jerusalém jamais seria
reconstruída”68, ela tinha em mente a Jerusalém bíblica
davídica com todo seu clamor messiânico e teocrático, “a
gloriosa cidade do Senhor durante o Seu reino milenial”69 e
não a “Velha Jerusalém” do moderno Estado de Israel. Do
mesmo modo, quando ela escreveu sobre o que chamou de
“Israel moderno,”70 não poderia ter se referido à nação
estabelecida anos depois, mas ela tinha em mente um
entendimento “espiritual” de Israel.
O modo como ela confrontou injustiças cristãs
contra os judeus e suas frequentes admoestações que “nós
não devemos desprezar os judeus”71 em adição a sua
prontidão corrigir a si mesma e mudar suas palavras para
ajustar-se a novos significados, sugere que hoje, depois do
Holocausto e da criação do Estado de Israel, ela teria
expressado a si mesma diferentemente nestes assuntos. Tal
observação torna imperativo que interpretemos seus
escritos no contexto e devemos nos precaver também de
uma interpretação literal e mecânica de seus escritos.
1
O Desejado de Todas as Nações, pp. 618, 619. (Itálicos acrescentados)
2
Parábolas de Jesus, p. 306. (Itálicos acrescentados)
3
Ibidem, p. 293
4
Ibidem, pp. 293, 294. (Itálicos acrescentados)
5
Ibidem, p. 292.
6
Ibidem, pp. 294, 295.
138
7
Ibidem, p. 294.
8
Ibidem.
9
A História da redenção, p. 246.
10
Review and Herald, 18 fev. 1890. (Itálicos acrescentados)
11
Atos dos Apóstolos, p. 375.
12
Ibidem, p. 377.
13
O Grande Conflito, p. 27.
14
Ibidem, p. 28.
15
Review and Herald, 13 dez. 1989. (Itálicos acrescentados)
16
Review and Herald, 20 fev. 1900. (Itálicos acrescentados)
17
Ibidem, (Itálicos acrescentados)
18
Review and Herald, 24 jan. 1899. (Itálicos acrescentados)
19
Review and Herald, 7 jun. 1906. (Itálicos acrescentados)
20
O Grande Conflito, p. 328. (Itálicos acrescentados)
21
Spiritual Gifts (Battle Creek, Mich.: James White, 1858), vol. 1, pp.
106, 107. (Itálicos acrescentados)
22
Primeiros Escritos, pp. 212, 213. (Itálicos acrescentados)
23
Review and Herald, 29 ago. 1899.
24
Primeiros Escritos, pp. 212, 213. (Itálicos acrescentados)
25
Parábolas de Jesus, pp. 294, 295.
26
O Grande Conflito, p. 27. (Itálicos acrescentados)
27
Ibidem, 27, 28. (Itálicos acrescentados)
28
Testemunhos Seletos, vol. 1, p. 229.
29
Ibidem, p. 232.
30
O Desejado de Todas as Nações, p. 739.
31
Ibidem (Itálicos acrescentados)
32
Primeiros Escritos, p. 212, 213.
33
O conceito das 10 tribos não deve ser empregado literalmente.
Quando o reino do norte desapareceu, muitas pessoas de lá juntaram-se
ao reino do sul. Já que a Bíblia relata que muitos israelitas, revoltados
pela infidelidade religiosa do norte, fugiram para o reino da Judéia (2
Cr 15). Assim, as 10 tribos sobreviveram na nova entidade representada
pelo reino do sul. E além destes sobreviventes físicos, as 10 tribos foram
também mantidas vivas de uma forma espiritual. As Escrituras usam
metaforicamente o tema da restauração das 10 tribos para expressar a
esperança dos profetas que sonhavam com a ressurreição da nação (Jr
31:3, 5, 19; Ez 37:15-28).
34
Profetas e Reis, p. 298.
35
Evangelismo, p. 579.
36
Review and Herald, 29 jun. 1905. (Itálicos acrescentados)
37
Evangelismo, p. 579. (Itálicos acrescentados)
139
ELLEN WHITE E OS JUDEUS

38
Ibidem, p. 578. (Itálicos acrescentados)
39
Ibidem, p. 579. (Itálicos acrescentados)
40
Primeiros Escritos, p. 75.
41
Atos dos Apóstolos, p. 381.
42
Manuscript Releases (Washington, D.C.: Ellen G.White Estate,
1981-1993), vol. 1, p. 315.
43
Profetas e Reis, p. 298.
44
Ibidem.
45
Ibidem, p. 299. (Itálicos acrescentados)
46
Evangelismo, p. 579.
47
Ibidem, p. 578.
48
Manuscript Releases, vol. 1, p. 137.
49
Atos dos Apóstolos, pp. 380, 381.
50
Evangelismo, p. 578.
51
Atos dos Apóstolos, p. 381.
52
Evangelismo, p. 578.
53
Atos dos Apóstolos, p. 380.
54
The Seventh Day Adventist Bible Commentary, Ellen G. White
Comments, vol. 6, p. 1079. (Itálicos acrescentados)
55
Evangelismo, p. 141.
56
Manuscript Releases, vol. 1, p. 138.
57
Ibidem, p. 137
58
Manuscript Releases, vol. 1, pp. 137, 138.
59
Obreiros Evangélicos, p. 118.
60
Evangelismo, p. 554.
61
Atos dos Apóstolos, p. 381.
62
Ibidem, p. 221.
63
Evangelismo, p. 246. (Itálicos acrescentados)
64
Ibidem, p. 579. (Itálicos acrescentados)
65
Review and Herald, 29 jun. 1905. (Itálicos acrescentados)
66
Relatado por S. A. Kaplan no “Report of the Jewish Work.”
67
Testemunhos para A Igreja, vol. 3 pp. 205, 206.
68
Primeiros Escritos, p. 75
69
Joseph Marsh, Advent Harbinger, 30 ago. 1851, p. 85
70
Testemunhos para A Igreja, vol. 2, p. 109
71
Manuscript Releases, vol. 1, p. 137

140

Você também pode gostar