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Boletim Observatório das Metrópoles

12 de dezembro de 2012.

http://observatoriodasmetropoles.net.br/wp/estatuto-da-metropole-onde-esta-
regiao-metropolitana/

Estatuto da Metrópole: onde está a região metropolitana?

Rosa Moura e Ilce Carvalho

A retomada das discussões pelo Congresso Nacional, por meio de uma Comissão
Especial, em torno do Estatuto das Metrópoles reavivou os debates que envolvem
as Regiões Metropolitanas, pois, embora previstas na Constituição Federal de 1988,
ainda carecem de definição mais precisa.

Em um Brasil cada vez mais urbano, são prementes as demandas por políticas
públicas de desenvolvimento, encontrando seu ápice de complexidade nas
chamadas Regiões Metropolitanas. As aglomerações urbanas, e entre essas as
regiões metropolitanas, pela complexidade e dimensão, abrigam de forma ampliada
os problemas de exclusão social, degradação do meio ambiente e mobilidade
urbana, entre outros que ultrapassam os limites municipais, e necessitam integrar
regionalmente o planejamento, a provisão de serviços públicos e a promoção do
desenvolvimento territorial.

Apesar dos avanços constitucionais, as regiões metropolitanas ainda não contam


com instrumentos e mecanismos compatíveis com as dinâmicas e problemas que se
configuram de forma contundente, desafiando as instituições e a pactuação
federativa em torno da questão.

Ao delegar aos Estados federados a responsabilidade para instituição de regiões


metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, o governo federal não
estabeleceu parâmetros mínimos que pudessem ser orientadores do processo em
nível nacional.
Ao agir dessa forma, os Estados ganharam autonomia para estabelecer seus
próprios critérios. Disso resultaram grandes disparidades em sua definição, pois os
estados priorizam suas realidades e suas demandas, prevalecendo, na
institucionalização de novas unidades, uma corrida na busca por recursos federais.

Acresce ainda o fato de que as aglomerações urbanas, categoria também prevista


na Constituição Federal, tiveram repercussão quase nula na política urbana nacional
e dos estados, não despertando, pois, interesse por parte dos municípios.
Consequentemente, a grande maioria das unidades criadas são regiões
metropolitanas, mesmo em áreas onde as dinâmicas da metropolização são apenas
incipientes.

Ressalta-se, assim, a necessidade de se constituir regulamentos para as metrópoles


e seus espaços aglomerados, assim como espaços aglomerados sem natureza
metropolitana, que se configuram por todo o país, e seguem órfãos de instrumentos
e mecanismos adequados para sua instituição e para a gestão de funções públicas
de interesse comum. Esse deveria ser o cerne de um Estatuto da Metrópole, que
teria como objeto o espaço aglomerado.

O Projeto de Lei nº 3.460/2004, denominado Estatuto da Metrópole, sem privilegiar o


nome que assume, estabelece as diretrizes para a Política Nacional de
Planejamento Regional Urbano e cria o Sistema Nacional de Planejamento e
Informações Regionais Urbanas. Em seu conteúdo define os fundamentos,
objetivos, diretrizes gerais, instrumentos e planos (natureza e conteúdo) de uma
Política Nacional de Planejamento Regional Urbano (desenvolvimento regional
urbano, desenvolvimento dos espaços urbanos e desenvolvimento institucional); os
fundamentos, objetivos gerais, composição e caracterização dos componentes do
Sistema Nacional de Planejamento e Informações Regionais Urbanas, assim como
oferece elementos para conceituação, identificação e atualização das “unidades
regionais urbanas” expressas na Constituição federal de 1988, quais sejam: regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.

O primeiro aspecto a considerar é a pertinência atual do projeto Estatuto da


Metrópole, nos moldes como foi concebido, perante a evolução da estrutura
administrativa referente à criação de instâncias, proposição de políticas e mesmo
legislações vigentes. Desde sua origem e primeiras discussões, foi criado o
Ministério das Cidades e desencadeado todo um processo de construção de um
sistema nacional de desenvolvimento urbano; o Ministério da Integração, além de ter
colocado em debate e dado início a estudos sobre uma política nacional de
ordenamento do território – lamentavelmente sem continuidade –, realizou estudos e
concluiu uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR).

Assim, o primeiro conjunto de disposições do projeto de lei Estatuto da Metrópole, a


política, conflita com a atual PNDR, formulada no âmbito do Ministério de Integração,
por um lado, e por outro, com a proposição da política urbana e do sistema nacional
de desenvolvimento urbano, em discussão no Ministério das Cidades e no Conselho
Nacional das Cidades.

Os termos não são exatamente os mesmos, como é o caso de “política de


planejamento”, no projeto de lei, e não “política de desenvolvimento”, como nos
casos da PNDR ou da política urbana, escolha que leva a apontar limitações no
projeto. Também a territorialidade se distingue, pois o projeto busca a associação
regional/urbano, ainda ausente nas políticas vigentes ou em construção. Paira a
dúvida se o projeto se refere às categorias regional e urbana ou se insere,
apropriadamente, a categoria urbano-regional, peculiar dos espaços aglomerados e
pouco compreendida conceitualmente nos meios técnicos e acadêmicos. De
qualquer forma, os objetivos das três vertentes em análise – o Estatuto da
Metrópole, a PNDR e a proposta política urbana – se aproximam, assim como nos
princípios e diretrizes há muito em comum.

O sistema de informações disposto no projeto, pelo grau de abrangência, também


deve ser reconsiderado, em função da posição do IBGE como órgão de coleta,
organização, fornecimento e análise de informações, e que oferece o material básico
para bases de dados específicos. Ademais, durante a tramitação do projeto, foi
proposto um sistema nacional de informações sobre as cidades e se encontra em
configuração o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, ambos no
âmbito do Ministério das Cidades.

Observa-se assim, a extemporaneidade do projeto em tramitação, posto que seus


dispositivos tratam de políticas e sistemas superados por outros e que, sem avaliar o
mérito, obtiveram participação da sociedade em seus enunciados.

Isso posto já bastaria para afirmar que esse projeto de lei não merece ser objeto de
ajustes, mas sim, de uma completa substituição, desde seu caput. Além disso, há
sucessivas falhas de construção, equívocos conceituais e proposições inaplicáveis
apontadas pela leitura atenta de participantes de debates sobre seu escopo.

Ao tratar a questão regional urbana o projeto de lei foca a sua abordagem na


organização do território, com poucas referências aos aspectos social e econômico.
Para o devido tratamento dos processos regionais, é preciso entendê-los e tratar
suas diversas dimensões, considerando que a organização espacial mantém uma
relação direta e constante com a economia e a sociedade, na qual os processos de
um repercutem nos demais, continuamente.

Quando o projeto conceitua regiões metropolitanas e aglomerações urbanas,


verificam-se as principais restrições no tratamento da questão metropolitana. Os
critérios discriminados se desenvolvem em torno de variáveis demográficas, o que
restringe muito a compreensão do fato metropolitano. Tal exigência, mais uma vez,
dá ênfase ao porte populacional, desconsiderando a dimensão do fenômeno
metropolitano em sua essência e amplitude. E mesmo quando define critérios
relacionados ao porte populacional, o projeto comete equívocos lamentáveis.

É o caso, conforme artigo 6º, do parâmetro do tamanho populacional proposto para


o núcleo de uma região metropolitana, que seria, no mínimo, de 5% da população do
país (9.537.789 habitantes em 2010) – critério no qual se enquadra, atualmente,
apenas São Paulo, com 11,3 milhões de habitantes –; e para os núcleos de
aglomerações urbanas, no mínimo, 2,5% da população (4.768.895 habitantes em
2010) – critério que enquadraria apenas o Rio de Janeiro, que conta com 6,3
milhões de habitantes. E ainda, ao referenciar a população da metrópole à nacional
cria um patamar móvel, ou seja, sempre que a população nacional aumentar, exige-
se uma população maior para enquadramento das metrópoles nacionais.

A defasagem no conhecimento atualizado sobre a matéria metropolitana, também


surge quando indica a exigência de urbanização contínua em, no mínimo, 50%
(cinquenta por cento) dos municípios componentes da região para a existência do
fenômeno metropolitano. Embora a conurbação possa ocorrer, observa-se,
descontinuidade na ocupação urbana dos municípios de aglomerações
metropolitanas, fato que, conforme relatado por Reis (2005), as caracteriza pela
“formação de áreas de urbanização dispersa, que se estendem por esse vasto
território, separadas no espaço, mas mantendo estreitos vínculos entre si, como
partes de um único sistema urbano”. Assim, a ênfase no tamanho e na continuidade
de ocupação desconsidera que, como já abordado pelo Observatório das
Metrópoles, “são as funções e as atividades os elementos que diferem a natureza
das categorias propostas (e inclusive apontam outras).” (MOURA; FIRKOWSKI,
2005).

Dessa forma, o projeto em apreciação não oferece elementos apropriados que


orientem a institucionalização de novas unidades regionais (RMs, AUs e RIDEs),
com pertinência na adoção do conceito que caracterize sua natureza (metropolitana
ou não), e até mesmo a redefinição de unidades instituídas, já que se configuram em
ato presente na maioria das UFs brasileiras, sem resultar de uma leitura criteriosa da
inserção das unidades instituídas no processo de metropolização. E o que propõe
para definir e caracterizar as unidades regionais, em seu artigo 5º, é a realização e
atualização a cada dez anos, pela União, de uma determinada pesquisa, identificada
por seu título, quando se deveria apenas estabelecer seus objetivos.

O projeto deveria, também, contemplar a delimitação dessas unidades, pois


atualmente constituem regiões extensas, heterogêneas, com grande número de
municípios pouco integrados às dinâmicas da metropolização, o que dificulta a
gestão, particularmente para a finalidade constitucional precípua à sua criação: o
exercício das funções públicas de interesse comum. A gestão metropolitana
pressupõe multiplicidade institucional o que exige coordenação, planejamento,
articulação, integração e execução de funções públicas orientadas pelo interesse
comum de região.

Assim sendo, enfatiza-se a importância e a urgência de um novo projeto que dê


centralidade às metrópoles, suas aglomerações e à dinâmica da metropolização que
vem transformando substancialmente o território brasileiro neste estágio avançado
da urbanização. Projeto esse que contemple a criação de unidades regionais (RMs,
AUs e RIDEs), a partir do reconhecimento do fato urbano/metropolitano e da
necessidade funcional dessa institucionalização para o desenvolvimento das ações
de gestão, assim como que oriente a redefinição das unidades já institucionalizadas,
posto que o Estatuto da Metrópole não absorve a complexidade e as especificidades
dessas categorias regionais. E, mais importante, que enfoque, com clareza, o
desafio da pactuação em torno das competências do Estado e do Município, de
forma a garantir o exercício das funções públicas de interesse comum nesses
espaços. É, portanto, necessário e urgente criar um instrumento federal que
regulamente, com rigor conceitual e estatístico, referências mínimas e critérios para
a institucionalização e gestão de unidades regionais, sua organização institucional,
fontes de financiamento e mecanismos de participação das instâncias de governo e
das representações da sociedade, para que o desenvolvimento – anunciado no
projeto atual – seja efetivamente assegurado.

Rosa Moura – pesquisadora do Instituto Paranaense de Desenvolvimento


Econômico e Social (IPARDES) e do Observatório das Metrópoles – INCT/CNPq

Ilce Carvalho – pesquisadora da Superintendência de Estudos Sociais e


Econômicos da Bahia (SEI)

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