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CRÓNICA DE D.

JOÃO I, DE FERNÃO LOPES

Fernão Lopes assumiu o cargo de cronista do rei D. João I. Nessa


função, investigou profundamente e contactou com pessoas que
vivenciaram aqueles tempos, sobretudo, os testemunhos vivos da
revolução de 1383-1385. É através do discurso narrativo e numa
linguagem sugestiva, capaz de captar a atenção, o pormenor, queo
autor nos apresenta “a nua verdade” da História de uma Nação,
enunciando esse princípio no prólogo da crónica estudada: Nem
entendaaes que certificamos cousa, salvo de muitos aprovada, e
per escrituras vestidas de fé; doutra guisa, ante nos calaríamos
que escrever cousas falsas. Assim, as suas crónicas, plenas de
vivacidade e observando o real, são o testemunho mais fiel do
passado, convidando-nos a ver e a recriar e não apenas a ouvir
ou a ler, como se depreende pelo excerto do capítulo 148 – E
ficados os geolhos, beijando a terra, braadavom a Deos que lhes
acorresse -, que faz presenciar e vivenciar o medo, o desespero
e o infortúnio a que estavam condenados o defensores da cidade
de Lisboa.

AFIRMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA COLETIVA E ATORES INDIVIDUAIS E


COLETIVOS

Para certificar que a história que conta, a única que tinha para
contar, não era simples, Fernão Lopes, com a sua extraordinária
art de narrarm inclui aventuras de personagens e de grandes
agrupamentos espontâneos de pessoas em cenas de interior e de
exterior, de grande alvoroço. Fê-lo com grande perícia narrativa
aliada a uma linguagem viva.

O cronista pessentiu o surgimento de uma consciência coletiva


que exprime os interesses de um povo que joga a sua
independência, ameaçada pelo avanço do rei de Castela na crise e
sucessão gerada com a morte de D. Fernando. Perscrutando os
ambientes e as figuras, notou comunidade de interesses e deu-
lhe uma voz coletiva (atores coletivos), integrando-se nesta
categoria os que, não sendo designados pelo nome, mas ela
função, são pessoas simples, representam o seu pensamento e agem
solidariamente. Estas são as figuras do povo que age, que fala,
que grita, qe comove, que cria dinamismo na ação, que se faz
ouvir, expressando emoções vigorosas e os intensos conflitos: As
gentes que esto ouviam, saíam aa rua veer que cousa era; e,
começando de falar uns com os outros, alvoraçavom-se nas
voontades, e começavom de tomar armas cada uum como melhor e
mais asinha podia.

A cidade de Lisboa, inclusive, para além de se constituir como


um espaço, ganha a dimensão de uma personagem coletiva, ao
inutir no leitor a ideia de união entre os habitantes e a cidade
quando receiam pla vida do Mestre. Nessa circunstância, o
narrador, testemunhando na união do povo uma consciência
coletiva, identifica a cidade como uma rainha viúva que tem um
novo marido, o Mestre de Avis: Soarom as vozes do arroído pela
cidade, ouvindo todos bradaar que matavom o Meestre; e, assim
como viúva que rei não tiinha, e como se lhe este ficara em logo
de marido, se moverom todos com maão armada, correndo à pressa
pera u deziam que se esto fazia, por lhe darem vida e escusar
morte.

O cronista, não ignorou, todavia, outros atores, os individuais,


cuja ação é preponderante no momento histórico a que obra se
reporta. Como atores individuais encontramos o protagonista da
crónica, D. João I (o Mestre de Avis), que se assume como líder,
Álvaro Pais, Nuno Álvares Pereira, o conde João Fernandes
Andeiro, a rainha Leonor Teles (designada como aleivosa), o
bispo, entre outros.

A interrogação retórica e a apóstrofe são processos utilizados


pelo cronista para se dirigir diretamente aos destinatários. A
primeira serve, por exemplo, para o cronista comover o
leitor/ouvinte, interpelando-o diretamente: Como nom querees que
maldissessem sa vida e desejassem morrer alguuns homeens e
passarom, que tanta deferença há d(e) ouvir estas cousas
aaquelas que as entom passarom, como há da vida e aa morte?; a
segunda visa, na maior parte das vezes interpelar o recetor (Óo
geeraçom que epois veo, dirigindo-se aos vindouros) e, noutras
vezes, serve para chamar a atenção do recetor, convidando-o a
viver e a sentir as emoções, recorrendo ao efeito de
visualização com uma expressão que ficou consagrada: Ora
esguardae como se fôs sees presente.

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