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EDUCAÇÃO DO CAMPO,

ARTES E FORMAÇÃO
DOCENTE

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EDUFT
Cícero da Silva
Cássia Ferreira Miranda
Helena Quirino Porto Aires
Ubiratan Francisco de Oliveira
(Orgs.)

EDUCAÇÃO DO CAMPO,
ARTES E FORMAÇÃO
DOCENTE

Palmas – TO
2016

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Reitora Capa
Isabel Cristina Auler Pereira Sings sunflower. 2017. Renata Lopes
Cipriano/ Tássia Martins Cipriano/ Clivia
Vice-Reitor Iasmim Lima de Souza/ Leidiane Gomes
Luis Eduardo Bovolato da Silva Lima/ Andreza Sousa de Castro/
Marilda Pereira da Silva
Pró-Reitor de Pesquisa e
Pós-Graduação
Raphael Sanzio Pimenta Projeto Gráfico e Diagramação
M&W Comunicação Integrada
Diretor de Pesquisa
Guilherme Nobre L. Nascimento Revisão Gramatical
Cícero da Silva / Neusa Teresinha Bohnen
Conselho Editorial
Waldecy Rodrigues (Presidente) Impresso no Brasil
Claudionor Renato da Silva Printed in Brazil
Jorge Luís Ferreira
Liliana Pena Naval
Milanez Silva de Souza
Renata Junqueira Pereira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Tocantins – SISBIB/UFT

E24 Educação do campo, artes e formação docente / Cícero da Silva, Cássia Ferreira
Miranda, Helena Quirino Porto Aires, Ubiratan Francisco de Oliveira (orgs). –
Palmas/TO: EDUFT, 2016.
244 p.:il.

ISBN: 978-85-60487-12-7

1. Educação do Campo. 2. Formação docente. 3. Artes. 4. Práticas pedagógicas.


I. Título.
CDD 370.71

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma


ou por qualquer meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos
direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

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DEDICAMOS ESTE LIVRO

Aos companheiros Flavio Moreira (in memoriam) e Claudemiro


Godoy do Nascimento (in memoriam), pelas lutas empreendidas em
prol da educação do campo, especialmente no estado do Tocantins.
A todo(a)s o(a)s camponeses (a)s e professores (a)s das escolas
do campo, vinculado(a)s aos cursos de licenciatura em Educação do
Campo, que lutam por uma formação de qualidade para o fortaleci-
mento do ensino básico no meio rural brasileiro.

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SUMÁRIO

Prefácio ...................................................................................................09

Introdução ..............................................................................................15

Parte I – Educação do campo, alternância e questões agrárias ................23

Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma


educação do campo no Tocantins............................................................ 25
Rejane Cleide Medeiros de Almeida

A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção


de conhecimento......................................................................................53
Helena Quirino Porto Aires

Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo.................87


Cássia Ferreira Miranda e Maciel Cover

Percurso metodológico para construções identitárias na formação de


professoras e professores do campo no norte do Tocantins: reflexões
a partir da experiência com o curso de Licenciatura em Educação
do Campo com habilitação em Artes e Música, da UFT, Câmpus
Tocantinópolis.......................................................................................105
Ubiratan Francisco de Oliveira

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial: um estudo sobre a região norte do estado
do Tocantins.......................................................................................... 123
Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus e Rosa Ana Gubert

Parte II – Artes e educação do campo...................................................145

Arte/educação no campo: algumas reflexões..........................................147


Gustavo Cunha de Araújo

Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de


audiovisuais no norte do Tocantins .......................................................169
Leon de Paula, Marcus Facchin Bonilla e Cícero da Silva

Música e educação do campo na UFT: reflexões sobre as matrizes


curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis .................................195
Mara Pereira da Silva e José Jarbas Pinheiro Ruas Junior

Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva


do outro..................................................................................................219
Anderson Fabrício Andrade Brasil

Informações sobre os organizadores e colaboradores da coletânea.........239

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PREFÁCIO

Com muita honra recebi o convite para prefaciar o livro


Educação do campo, artes e formação docente. As lembranças da luta
para criar o primeiro curso de Licenciatura em Educação do Campo,
na Universidade Federal de Minas Gerais em 2004, e o desafio de
registrar essa experiência em uma publicação semelhante em 2010,
voltaram à minha mente e passo a descrever algumas.
Em 2016, já foi possível avaliar os resultados pelos editais do
Ministério da Educação para a criação de novos cursos e a constatação
de que estávamos com cerca de 44 cursos em funcionamento.
Desafios, possibilidades, ousadia e ruptura são palavras que
marcaram essa caminhada. Em cada universidade houve grupos de
professores e estudantes que provocaram as estruturas acadêmicas ao
propor a inclusão de um curso de graduação no rol de formações já
consolidadas, em termos de conteúdos, na forma de organização dos
processos formativos e no perfil dos sujeitos atendidos.
E não foi diferente na Universidade Federal do Tocantins
(UFT), Câmpus de Tocantinópolis, microrregião do Bico do Papagaio,
na criação do curso de Licenciatura em Educação do Campo com
habilitação em Artes e Música, a partir da adesão ao Edital SESU/
SETEC/SECADI nº 02/2012. O curso é um ponto de referência
que marca a longa caminhada em torno do desenvolvimento de
projetos de formação continuada de educadores na perspectiva da
educação do campo, no envolvimento, na realização de eventos e no

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Educação do campo, artes e formação docente

desenvolvimento de pesquisas. Nessa experiência, pode-se ressaltar a


parceria da universidade com os movimentos sociais e sindicais.
Ao ler o livro, toma-se conhecimento de que o fator decisivo
para a concretização do curso foi a demanda dos trabalhadores e
trabalhadoras do campo, expressa por meio de organizações sociais
locais.
O livro também discute a concepção de artes e música
entendida como uma forma de linguagem que acessa a sensibilidade,
a imaginação, o poético e o estético na luta política, no fortalecimento
identitário e na ampliação das possibilidades de compreender o
mundo. Como registra Carvalho (2015, p. 47)1: “Uma proposta
de arte que se propõe a estimular o debate a respeito de questões
políticas e sociais em uma perspectiva de que a obra de arte é também
uma ação política do artista.”
Desafio considerável se levarmos em conta que o curso propôs
uma temática formativa que provocou pelo menos duas ousadias.
A primeira diz respeito ao direito de acesso, por parte da população
campesina, aos saberes e práticas de uma área do conhecimento que
tem sido historicamente ocupada por um pequeno grupo de pessoas.
A segunda coloca a arte para além da distração, do lazer, da fruição
ao reafirmar sua dimensão política, sua força como conhecimento
criativo e transformador das estruturas instituídas.

1
Em sua dissertação: CARVALHO, C. A. S. Práticas artísticas dos estudantes
do curso de licenciatura em educação do campo: um estudo na perspectiva das
representações sociais. Mestrado em Educação. Universidade Federal de Minas
Gerais. Belo Horizonte, 2015.

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Prefácio

Outra lembrança. Certa vez ouvi uma artesã do Vale do


Jequitinhonha, Minas Gerais, responder a um comentário de uma
pessoa que estava interessada em comprar bonecas de barro: “Você deve
ser uma pessoa feliz, pois fazer bonecas é como brincar a vida toda”. E
a artesã respondeu: “Eu moldo bonecas e neste fazer eu brinco, ganho
a vida e digo o que acho que é ser mulher”. Foi com essas palavras que
aquela artesã ensinou à outra mulher o sentido da arte como prática
concreta, produtora e produto da existência real das pessoas.
Nessa perspectiva, li a descrição do projeto feito com o tema
gerador Direito à memória e à verdade, trabalhado no curso como uma
forma de lidar com “[...] o silêncio relacionado a esses acontecimentos
que imperam na região [...]”, fazendo referência às consequências da
Guerrilha do Araguaia ocorrida na região no período da Ditadura
Militar.
A perspectiva da arte como prática política se anuncia na
estrutura do livro. Na Parte I, são abordados temas como movimentos
sociais do campo e práxis política, a pedagogia da alternância,
interdisciplinaridade, identidade e reforma agrária, princípios
estruturantes da educação do campo. O diálogo com a literatura
disponível sobre a formação de educadores do campo e a busca de
formatos metodológicos que buscam a participação dos sujeitos
e o tensionamento entre teoria e prática (seminários integradores,
temas geradores, oficinas pedagógicas) aparecem com centralidade
no curso. Por meio desses temas, a articulação entre projeto de
escola, de campo e de sociedade assume prioridade na formação
dos educadores. A ênfase na articulação entre tempo universidade

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Educação do campo, artes e formação docente

e tempo comunidade sinaliza para uma perspectiva formativa que


direciona o compromisso da superação do modelo social de produção
e reprodução da realidade que exclui os sujeitos do direito à vida.
Na Parte II, temos as práticas formativas com a produção de
vídeos, músicas e reflexões teóricas sobre as artes na formação de
educadores. Nelas identifica-se como é possível articular as práticas
artísticas com as questões concretas da realidade campesina bem como
as relações estabelecidas com outras áreas do conhecimento. Não
há como não se envolver na atividade de produção de vídeos ao ver
estudantes produzindo audiovisuais e registrando suas experiências
no Diário de processo criativo. Os sujeitos de direito são a referência
que articula essas práticas, que dá sentido aos diferentes percursos
e instrumentos pedagógicos utilizados na formação. Foi possível
entender o que significa a arte como práxis, como conhecimento e
técnica produtora de indignação e de esperança.
Enfim, é uma produção no e sobre o curso. Queremos ressaltar
que o livro deixa ver uma contribuição relevante por parte dos sujeitos
que estão construindo o curso de Licenciatura em Educação do
Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal
de Tocantins (UFT). Cada capítulo traz a marca e os sujeitos que
estão construindo a experiência.
Um ponto de destaque é a criação do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação do Campo (Gepec/UFT), em torno do qual se
discute, sistematiza, analisa e registra as atividades desenvolvidas. O que
se lê são descrições densas, análises consistentes, metodologias adequadas
e o compromisso com a produção de conhecimento como parte

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Prefácio

indissociável da formação. Há uma produção de conceitos, de categorias


e de metodologias que pode sinalizar para formas diferenciadas para
articular ensino, pesquisa e extensão no âmbito acadêmico.
Fico pensando que a tarefa desenvolvida pelo grupo do curso
de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e
Música pode se constituir como uma referência para todos que estão
envolvidos na construção das licenciaturas em Educação do Campo
em suas instituições. Registrar, sistematizar e analisar as práticas
formativas são ações que potencializam e fertilizam nossas lutas!
Esses aspectos sinalizados só assumem amplitude em função
de uma característica presente em todos os textos, da apresentação ao
currículo dos autores. Os sujeitos e o contexto campesino estão presentes
nas práticas cotidianas do curso. As temáticas relacionadas aos desafios
para produzir e reproduzir a vida são conteúdos trabalhados com o
uso de metodologias comprometidas com um conhecimento capaz de
gerar transformações na realidade. Os autores possuem trajetórias de
envolvimento com o campo e seus sujeitos. Por isso é que o livro é
pleno de vida, com suas contradições, desafios e possibilidades.

Maria Isabel Antunes-Rocha


Professora associada da FaE/UFMG. Coordenadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Nepcampo/UFMG).
Membro da Comissão Nacional do Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária e da Comissão Estadual de Educação do Campo
de Minas Gerais. Desenvolve pesquisas com as seguintes temáticas:
formação e prática docente, educação do campo, representações
sociais.

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INTRODUÇÃO

A obra Educação do campo, artes e formação docente, gestada


de pesquisas e trabalhos desenvolvidos no curso de Licenciatura
em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música
da Universidade Federal de Tocantins (UFT), Câmpus de
Tocantinópolis, traz reflexões a respeito das experiências na formação
inicial de educadores e educadoras do campo na microrregião do Bico
do Papagaio, estado do Tocantins. As investigações aqui relatadas
reforçam que a reflexão acerca da prática docente pode contribuir
significativamente para a implementação de práticas didático-
pedagógicas interdisciplinares na educação do campo.
Ao produzir esta obra, os autores assumiram o compromisso
de romper barreiras impostas a essa modalidade de educação. Os
trabalhos produzidos à luz das concepções teórico-metodológicas
da educação do campo, pedagogia da alternância e artes trazem críticas,
sugestões e reflexões de fundamental importância para a afirmação de
um projeto de educação condizente com a realidade dos camponeses,
seja no ensino básico ou superior.
Em sua maioria, as pesquisas que resultaram nos trabalhos que
compõem esta obra foram desenvolvidas no âmbito das atividades
científicas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo
– Gepec (UFT/CNPq). O grupo foi criado em agosto de 2015 e está
vinculado ao curso de Licenciatura em Educação do Campo com

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Educação do campo, artes e formação docente

habilitação em Artes e Música da Universidade Federal de Tocantins


(UFT), Câmpus de Tocantinópolis. Além de ser um espaço de debate
a respeito das tendências teórico-metodológicas que se vinculam,
principalmente, à educação do campo, as discussões realizadas no
Gepec também permitiram aos professores/pesquisadores refletir
acerca da própria prática didático-pedagógica.
Os capítulos do presente livro estão organizados em duas
partes, conforme escopo das pesquisas. A Parte I – Educação do
campo, alternância e questões agrárias traz cinco capítulos; a Parte
II – Artes e educação do campo apresenta quatro trabalhos.
A primeira parte inicia com o capítulo Movimentos sociais do
campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no
Tocantins, de Rejane Cleide Medeiros de Almeida. A autora discute a
trajetória de luta por uma educação do campo no estado de Tocantins,
sobretudo, a participação dos movimentos sociais nessa construção.
Explicita a concepção dessa modalidade de educação, de movimentos
sociais e suas características enquanto sujeitos do campo. O texto
traz também um breve histórico do Programa Projovem Campo –
Saberes da Terra, Experiências em Educação do Campo – UFT-TO,
bem como a trajetória do curso de Licenciatura em Educação do
Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal
de Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, para a formação de
professores.
Em seguida, no capítulo A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento, Helena Quirino
Porto Aires focaliza experiências formativas na educação básica em

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Introdução

uma escola família agrícola (EFA). O texto apresenta uma breve


contextualização da educação do campo no Brasil e enfatiza a
proposta da pedagogia da alternância como alternativa viável para
os povos que vivem no e do campo. Em seguida, são expostos os
caminhos percorridos para a realização da pesquisa e elucidados
os encaminhamentos metodológicos (escolha dos participantes,
instrumentos utilizados na coleta de dados e organização das
entrevistas).
Na sequência, apresenta-se um histórico da trajetória da
pedagogia da alternância e seus aportes teóricos. Discutem-se
também as concepções das propostas de educação por alternância,
com destaque à legislação que a respalda. Na análise dos dados, a
autora apresenta os registros verbais acerca do Projeto Político-
Pedagógico (PPP) da EFA de Porto Nacional, a caracterização da
referida escola, as percepções e os pontos de vistas expressos nos
relatos dos entrevistados. Com base em algumas considerações, a
autora retoma o tema, discute os resultados obtidos na pesquisa de
campo e reforça a necessidade da ampliação e do aprofundamento de
estudos que analisem a educação por alternância na perspectiva dos
estudantes, pais e comunidade.
No capítulo Interdisciplinaridade e licenciatura em educação
do campo, Cássia Ferreira Miranda e Maciel Cover apresentam
experiências do curso de Licenciatura em Educação do Campo com
habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal de Tocantins
(UFT), Câmpus de Tocantinópolis. Miranda e Cover mencionam as
estratégias utilizadas para efetivar a interdisciplinaridade com base

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Educação do campo, artes e formação docente

na proposta formativa do curso e analisam o Projeto Pedagógico


do Curso (PPC) e as experiências com a realização de atividades
vinculadas às disciplinas Seminários Integradores I, II, III e IV nos
tempos2 universidade e comunidade.
Em Percurso metodológico para construções identitárias na formação
de professoras e professores do campo no norte do Tocantins: reflexões a
partir da experiência com o curso de Licenciatura em Educação do Campo
com habilitação em Artes e Música da UFT – Câmpus Tocantinópolis-
TO, Ubiratan Francisco de Oliveira apresenta algumas reflexões sobre
a criação e o funcionamento, a partir das experiências metodológicas,
do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação
em Artes e Música da UFT, explicitando as características próprias
da educação, dos sujeitos e sujeitas do campo. Traz uma experiência
de atividade com os alunos do curso sobre a “História de Vida”,
desenvolvida no tempo universidade e tempo comunidade.
Para fechar a primeira parte, a obra traz o capítulo A reforma
agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção do
desenvolvimento territorial: um estudo sobre a região norte do Estado
do Tocantins, de Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus e Rosa Ana
Gubert. O trabalho apresenta resultados de um estudo a respeito da
importância da reforma agrária e da educação do campo no Brasil,

2 Inspirado na proposta formativa da Pedagogia da Alternância, o curso de


licenciatura caracterizado adota dois tempos e dois espaços formativos diferentes:
Tempo Universidade (período de aulas na universidade) e Tempo Comunidade
(período de permanência no meio socioprofissional ou comunidade, espaço social
em que os discentes desenvolvem suas pesquisas, isto é, estabelecem a relação
teoria/prática).

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Introdução

como meios para tentar resolver os confrontos pela posse de terra


entre latifundiários e camponeses.
É assumida na pesquisa a abordagem qualitativa, conduzida
a partir de levantamentos bibliográficos baseados em autores/
pesquisadores que têm se debruçado sobre essa temática nos últimos
anos. Fundamentam o trabalho autores como Oliveira (2007),
Fernandes (2008), Feliciano (2006), Guanziroli et al. (2001) e outros
das ciências sociais que acreditam que a estratégia para solucionar
a questão agrária atual seja a realização de uma reforma agrária de
forma justa. No contexto da educação do campo, Fernandes e Molina
(2004) e Rodo e Enderle (2012) são alguns dos autores utilizados para
discutir a importância da educação no campo para os movimentos
sociais campesinos.
Iniciando a segunda parte – Artes e educação do campo –, Gustavo
Cunha de Araújo, em Arte/educação no campo: algumas reflexões,
propõe-se a desenvolver algumas reflexões sobre a importância da
arte na educação do campo a partir de uma pesquisa teórica realizada
nesses dois campos de conhecimento. De abordagem qualitativa e
de caráter descritivo e interpretativo, as reflexões produzidas nessa
pesquisa teórica são frutos de leituras realizadas a respeito da história
do ensino de arte no Brasil dos últimos trinta anos, a estética
sociológica e a educação do campo, sendo esta última área recente
de pesquisa.
Araújo defende em sua pesquisa que a arte possibilita ao
estudante jovem e adulto do campo desenvolver um olhar crítico a
partir do contato com diversas manifestações artísticas, suas matrizes

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Educação do campo, artes e formação docente

teóricas e seus diferentes procedimentos técnicos. A arte tem papel


fundamental na educação do campo ao produzir novas ideias e
saberes. Pesquisar a temática arte/educação na educação do campo
é uma forma de contribuir para a produção de conhecimento nessa
área e para outros grupos de pesquisadores que se interessam por essa
temática.
Nesse sentido, o estudo pode contribuir de maneira significativa
para a área focalizada, pois há escassez de pesquisas no Brasil sobre
arte/educação no campo.
Em seguida, temos o capítulo Campo em vídeo: experiências
artístico-educativas na produção de audiovisuais no norte do Tocantins,
elaborado pelos autores Leon de Paula, Marcus Facchin Bonilla e
Cícero da Silva, que discute a produção de audiovisual realizada
por discentes do curso de Licenciatura em Educação do Campo
com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal de
Tocantins (UFT), nas disciplinas Seminário Integrador I e Seminário
Integrador II. As obras produzidas integraram a I e II Mostras de
Vídeos de 1 Minuto do curso de Educação do Campo, cujas temáticas eram
A comunidade (semestre 2014-2) e Vida em imagem e som (semestre
2015-2). Além de aspectos estéticos vinculados à música e às artes
visuais, os autores analisam a produção escrita do Diário de processo
criativo, gênero discursivo utilizado pelos educandos e educandas
como registro escrito do desenvolvimento das diferentes etapas ou
atividades, e o resultado final de suas obras de arte.
O penúltimo capítulo, Música e educação do campo na
UFT: reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e

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Introdução

Tocantinópolis, por Mara Pereira da Silva e José Jarbas Pinheiro


Ruas Junior, analisa as matrizes curriculares que constam no PPC
dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação
em Artes e Música, da Universidade Federal de Tocantins (UFT),
Câmpus Tocantinópolis, e Artes Visuais e Música, Câmpus Arraias,
dando ênfase às disciplinas da habilitação Música. Para tanto, partiu-
se da abordagem qualitativa e quantitativa para analisar o PPC de
ambos os cursos, levando-se em consideração posicionamentos de
autores da educação musical. Os resultados da pesquisa sinalizam a
necessidade de formular um currículo musical que fuja da tendência
conservatorial para atender as demandas da educação do campo.
Para fechar a obra, o capítulo Música e transformação social:
ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro, de Anderson
Fabrício Andrade Brasil, discute de que forma o ensino de música
pode contribuir para a formação de um profissional reflexivo, capaz
de dialogar e construir metodologias alicerçadas pela compreensão
e aceitação da subjetividade do outro. Por focalizar especificamente
fenômenos sociais, o autor enfatiza, desde a primeira seção do capítulo,
que a educação musical é tomada no estudo como área autônoma e,
por seguinte, as interfaces que ela estabelece com outras ciências para
responder a tais fenômenos.
Ainda de acordo com a pesquisa de Brasil, a utilização da
educação musical como instrumento de transformação social requer
um diálogo estreito com certas áreas do conhecimento para entendê-
la enquanto ciência. Nesse arcabouço teórico, precisaremos pensá-
la epistemologicamente, compreendendo-a como uma área de

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Educação do campo, artes e formação docente

conhecimento relativamente jovem, mas que apresenta elementos


capazes de potencializar a transformação social.
Por fim, esperamos que esta obra ajude a fortalecer as raízes da
educação do campo, de modo especial, a formação de educadores e
educadoras. A todos e a todas, desejamos boa leitura!

Tocantinópolis-TO, 26 de outubro de 2016.

O(A)s organizadores (a)s.

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Parte I
Educação do campo, alternância
e questões agrárias

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Movimentos sociais do campo e
práxis política: trajetória de luta
por uma educação do campo no
Tocantins
Rejane Cleide Medeiros de Almeida3

1 Introdução

Os movimentos sociais, tema deste capítulo, são ações coletivas


de caráter sociopolítico e cultural com variadas formas de organiza-
ção. Elaboram diagnósticos sobre a realidade social e desenvolvem
proposições para mudanças. Por isso é que se discute sua importância
na trajetória da luta por uma educação do campo. A reflexão sobre
educação do campo está na dimensão educativa das práxis política
e social, retomando a centralidade do trabalho, da cultura, da luta
social, enquanto matrizes educativas da formação do ser humano, e
observando a intencionalidade dessas práticas pedagógicas em um
projeto educacional que pretende ser emancipatório.
Este texto tem por objetivo refletir sobre a trajetória de luta por
uma educação do campo no estado do Tocantins, apresentando des-
de a trajetória dessas experiências até a identificação do protagonis-

3 Doutoranda em Sociologia. Professora do curso de Educação do Campo com


habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de
Tocantinópolis. E-mail: rejmedeiros@mail.uft.edu.br.

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Educação do campo, artes e formação docente

mo dos movimentos sociais do campo nessa construção. Discute-se,


também, o papel dos movimentos sociais do campo na condução do
processo de luta pela educação do campo no estado, por constituir
o campo material de resistência às práticas políticas conservadoras
que não identificam a realidade social e cultural desse espaço. Como
elemento relevante do processo de luta dos movimentos sociais, bus-
ca-se refletir sobre o aspecto educativo da luta política por uma edu-
cação do campo.
O capítulo é fruto de pesquisa desenvolvida junto ao Programa
Projovem Campo – Saberes da Terra, acompanhado pelos movimentos
sociais que, no seu primeiro momento (2010-2012), contribuiu para a
formação de professores do campo e potencializou o debate para a
organização do curso de Licenciatura em Educação do Campo com
habilitação em Artes e Música da Universidade Federal de Tocantins
(UFT), Câmpus Tocantinópolis, configurando-se como materialidade
de uma práxis política. A metodologia se embasou na análise de do-
cumentos do MEC/Secad, na leitura de autores que oferecem aportes
teóricos para as reflexões sobre o tema e no acompanhamento realiza-
do junto aos referidos programas e sua elaboração.
O resultado das reflexões apontou para o sentido que os mo-
vimentos sociais do campo apresentam na luta por uma educação do
campo no Tocantins, e têm na sua trajetória histórica a luta pela terra
e pela educação dos trabalhadores que nela vivem e trabalham.

2 Movimentos sociais: conceitos e características

Para Gohn (2011, p. 336), os movimentos sociais

[...] possuem identidade, têm opositor e articulam ou


fundamentam-se em um projeto de vida e de socieda-
de. Historicamente, observa-se que têm contribuído
para organizar e conscientizar a sociedade; apresentam

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

conjuntos de demandas via práticas de pressão/mobili-


zação; têm certa continuidade e permanência. Não são
só reativos, nem são movidos apenas pelas necessidades
(fome ou qualquer forma de opressão); podem surgir e
desenvolver-se também a partir de uma reflexão sobre
sua própria experiência. Na atualidade, apresentam um
ideário civilizatório que coloca como horizonte a cons-
trução de uma sociedade democrática.

Um aspecto relevante para este estudo é compreender a rela-


ção entre movimentos sociais e classes sociais, analisar a composição
social deles, a hegemonia no interior da sociedade. Viana lembra que
é indispensável o acompanhamento do conceito social, entendendo
que movimento social é um movimento de um grupo social. “Consi-
deramos mais adequado pensar essa categoria como sendo desloca-
mento no tempo e/ou no espaço. O deslocamento espacial significa
ir de um lugar para outro e o temporal significa sofrer alterações em
sua composição original” (VIANA, 2015, p. 22).
Nesse sentido, um movimento social só existe quando o con-
junto de pessoas que o constitui possui algo em comum, que vai desde
aspectos biológicos, por exemplo, raça e sexo, até aspectos culturais e
ideológicos, que, nesse caso, se constitui em projeto político ( JEN-
SEN, 2014).
Jensen (2014) elabora uma reflexão em que destaca que o movi-
mento social é importante para o seu grupo social, pois desenvolve um
processo de experiência e de consciência nos seus membros, sobretudo,
porque adquire unidade e organicidade política, modificando os seus
componentes, e, consequentemente, a sociedade, o que implicaria em
mudança social.
Partindo da premissa de que todo movimento social é provo-
cado pelas determinações das relações de produção, e que, por con-
seguinte, são relações de classes sociais, elencam-se alguns elementos
fundantes para o entendimento do que são movimentos sociais. O

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Educação do campo, artes e formação docente

primeiro elemento é entender a relação entre movimentos sociais e


classes sociais como formas de lutas, de resistências e de consciência.
O outro elemento é pensar no movimento do capital e a dinâmica
imposta pelo desenvolvimento desse modo de produção. E, sobretu-
do, no processo de mercantilização das relações sociais que esse sis-
tema promove e que provoca o surgimento dos movimentos sociais.
Sobrepostos a todos esses elementos destacados, têm-se a he-
gemonia e a cultura que se delineiam em todos esses processos. Isso
quer dizer que os movimentos sociais não podem ser entendidos fora
da totalidade, que é a sociedade (VIANA, 2015).
Um movimento social existe quando há um princípio de iden-
tidade construído coletivamente ou de identificação em torno de in-
teresses e valores comuns no campo da cidadania. Existe também
quando há a definição coletiva de um campo de conflitos e de adver-
sários centrais nesse campo, bem como a construção de projeto de
transformação ou de utopias comuns de mudança social nos campos
societário, cultural ou sistêmico.
No Brasil, em que a modernidade emergente trouxe consigo as
evidências de um sistema de desigualdades, projetadas por forças de
conflitos e lutas sociais no cenário público da sociedade brasileira, a
desigualdade social é trazida para o lugar em que a linguagem elabora
promessa de futuro. E sua ação se faz visível na sua capacidade de
interromper o ciclo da natureza e dar início a um novo começo.
Nessa perspectiva, a expressão movimentos sociais diz respeito
aos processos, não só aos institucionalizados e aos grupos que desen-
cadeiam as lutas políticas, mas também às organizações e aos discur-
sos que fomentam as manifestações e os protestos com a finalidade
de mudar, de modo frequentemente radical, a distribuição vigente
dos direitos civis, políticos e sociais, as formas de interação entre o
individual e os grandes ideais universais. Os movimentos sociais, por-
tanto, são parte constitutiva das tramas sociais e políticas modernas.
Os sujeitos que compõem os movimentos sociais desenvolvem

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

uma práxis que alimenta as ações políticas para a organização de suas


demandas e de seus repertórios políticos. Nesse sentido, faz-se neces-
sário conhecer as dimensões da práxis e de seus elementos norteadores.

3 As dimensões da práxis

A palavra práxis é de origem grega e foi empregada na Anti-


guidade como ação, atividade humana. Práxis designava uma ação
que tem um fim em si mesma e que não cria ou produz um objeto
alheio ao agente ou à sua atividade. O termo foi usado por Aristó-
teles, que lhe deu um significado de praxeis, no sentido de descrever
as atividades vitais dos animais e o movimento das estrelas, mas pro-
vocava reflexões a respeito do seu uso em relação aos seres humanos.
Aristóteles destacava que a práxis é uma das atividades importantes
do homem, seguida por theoria e a poiesis.
A sugestão é feita no contexto de uma divisão das ciências ou
do conhecimento, de acordo com o qual há três tipos básicos de co-
nhecimento: o teórico, o prático e da poiesis (“o produtivo”), que se
distinguem pela finalidade ou objetivo: para o conhecimento teórico,
o objetivo é a verdade; para conhecimento da poiesis, a produção de
alguma coisa, e, para o conhecimento prático a própria ação (BOT-
TOMORE, 2012, p. 431).
A práxis na perspectiva marxista é compreendida como a trans-
formação objetiva do processo social, isso quer dizer que é transfor-
mação das relações homem-natureza, portanto práxis produtiva, e
homem-homem, que significa práxis revolucionária. Nesse aspecto, a
práxis significa o elemento norteador do conhecimento, o critério da
verdade e a finalidade da teoria. A relação entre teoria e prática é um
movimento de unidade dialética, no qual a teoria não se reduz à práti-
ca, mas, sim, sua complementariedade e sua efetivação se dão por meio
da ação humana (VÁZQUEZ, 2007).
Como essência humana, dá-se socialmente, e a prática é o funda-

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Educação do campo, artes e formação docente

mento que torna possível a atividade humana, uma vez que o homem é,
essencialmente, um ser prático, produtor material. Nesse sentido, Váz-
quez (2007, p. 407) afirma que

Se o homem só tem essência como ser social, tem-na


também como ser que produz; mas, por sua vez, esse
processo de transformação da realiadade objetiva ao
longo do qual o homem se produz a si mesmo é um
processo que se desenvolve no tempo, o que impede
de fixar o homem – como ser social e prático – em
uma forma social determinada de sua atividade práti-
ca. Desse modo, a essência humana radicaria na natu-
reza social, prática (produtora) e histórica do homem.
O homem é um ser que produz socialmente, e nesse
processo se produz a si mesmo.

Ao usar a expressão atividade, explica Vásquez (2007), Marx


objetiva afirmar o caráter real e, sobretudo, objetivo da práxis, uma vez
que ela transforma o mundo exterior, que é independente da consci-
ência e existência humana. Por isso, o objeto da atividade prática são
os homens concretos. O fim dessa atividade é a transformação real
do mundo social e natural para atender às necessidades humanas. O
resultado é uma nova realidade social, que existe independentemente
da vontade dos sujeitos que as criaram, mas que só existe pela criação
do homem enquanto ser social (VÁZQUEZ, 2007).
Vázquez (2007) chama a atenção para o tipo de homens que
serão os mediadores entre a crítica teórica e prática, e assinala a partir
do que Marx define como relação entre a teoria e a práxis, destacando
que, por si só, a teoria não se realiza, e sua efetivação depende de uma
necessidade radical. Esta, por sua vez, se expressa como crítica radi-
cal, o que torna possível sua aceitação. Isso significa que a passagem
da teoria à prática, ou da crítica radical, é forjada pela história deter-
minada. Implica dizer que a passagem da teoria à práxis revolucioná-
ria, determinada pela existência de uma classe social, só libertará a si
mesma libertando a humanidade.

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

[...] o proletariado não pode emancipar-se sem passar


da teoria à práxis. Nem a teoria por si mesma pode
emancipá-lo, nem sua existência social garante por si
só sua libertação. É preciso que o proletariado adquira
consciência de sua situação, de suas necessidades ra-
dicais e da necessidade e condições de sua libertação.
[...] a filosofia – diz Marx – não pode chegar a reali-
zar-se sem a abolição do proletariado, e o proletariado
não pode chegar a realizar-se sem a abolição da filo-
sofia (VÁZQUEZ, 2007, p. 118).

Entre as várias formas de práxis, destaca-se a atividade prática


produtiva que o homem estabelece com a natureza, mediada pelo
trabalho. É devido ao trabalho que o homem resiste às matérias e
forças naturais e cria um mundo de objetos úteis para atender às suas
necessidades. Mas isso só ocorre porque, como ser social, realiza as
transformações através de um processo determinado por relações de
produção. Para Vázquez (2007, p. 227),

No processo de trabalho, o homem, valendo-se dos


instrumentos ou meios adequados, transforma um
objeto com relação a um fim. Na medida em que ma-
terializa certo fim ou projeto, ele se objetiva de certo
modo em seu produto. No trabalho – diz Marx – o
homem assimila “as matérias da natureza sob uma
forma útil para sua própria vida”, mas só pode assi-
milá-las objetivando-se nelas, isto é, imprimindo na
matéria trabalhada a marca de seus fins. Marx aponta
essa adequação a um fim como um dos fatores essen-
ciais do processo de trabalho: ‘Os elementos simples
do processo de trabalho são a atividade orientada a
um fim – ou seja, o próprio trabalho –, seu objeto e
seus meios’.

O autor afirma que a caracterização da forma e do conteúdo do


processo de trabalho revela as condições subjetivas (que são as ativi-

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Educação do campo, artes e formação docente

dades do trabalhador) e as objetivas (que são as condições materiais


do trabalho), representadas pelos instrumentos ou meios que operam
as transformações.

A práxis produtiva é, assim, a práxis fundamental por-


que nela o homem não só produz um mundo humano
ou humanizado, no sentido de um mundo de objetos
que satisfazem necessidades humanas e que só podem
ser produzidas na medida em que se plasmam neles
fins ou projetos humanos, como também no sentido
de que na práxis produtiva o homem se produz, forma
ou transforma a si mesmo (VÁZQUEZ, 2007, p. 229).

Quanto à práxis política, constitui uma atividade prática que


baliza e orienta para transformações na sociedade, que vão desde as
relações econômicas, políticas e sociais. A práxis social, por sua vez,
consiste em uma atividade de grupos e classes sociais que pode trans-
formar a organização, a direção da sociedade ou mesmo provocar
mudanças no Estado. Essa forma de práxis é a atividade política.
Nesse sentido, a política concebida enquanto atividade prática reali-
zada pelos grupos ou classes sociais está ligada à determinada orga-
nização de seus membros, como os movimentos sociais, instituições
e partidos.

A práxis política, enquanto atividade prática transfor-


madora, alcança sua forma mais alta na práxis revolu-
cionária como etapa superior da transformação prá-
tica da sociedade. Na sociedade dividida em classes
antagônicas, a atividade revolucionária permite mudar
radicalmente as bases econômicas e sociais em que se
assenta o poder material e espiritual da classe domi-
nante e instaurar, assim, uma nova sociedade (VÁZ-
QUEZ, 2007, p. 232).

Pode-se afirmar que os movimentos sociais são agentes de mu-


dança quando sustentados por uma luta consciente, organizada e

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

dirigida, com estratégias e objetivos definidos, e, especialmente, por


projetos que sejam capazes de transformar a sociedade. Nesse sentido,
se o homem existe enquanto ser prático, afirmando-se como prática
transformadora, a práxis revolucionária e a práxis produtiva constituem
dimensões indispensáveis de seu ser prático (VÁZQUEZ, 2007).
A práxis política dos movimentos sociais gesta um movimento
de educação do campo no país, surgindo como crítica à educação mar-
cada por exclusão dos camponeses dos processos de escolarização. Um
país no qual a maioria da população que vive no campo é considerada
como a parte atrasada e fora do lugar no projeto da modernidade no
modelo de desenvolvimento. “O Brasil Moderno parece um caleidos-
cópio de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos de ser e
pensar. Mas é possível perceber as heranças do escravismo predomi-
nando sobre todas as heranças” (IANNI, 1996, p. 61). No modelo de
desenvolvimento, predominantemente urbano, os camponeses, povos
tradicionais, quilombolas, são irrelevantes nesse processo.
Assim, as políticas públicas não eram necessárias, pois não con-
sideravam esses sujeitos. Mas, embora essa concepção política fosse
dominante, as contradições eram presentes. Sobre isso, Fernandes, Ce-
rioli e Caldart (2009) chamam a atenção para o processo migratório
campo-cidade em função da crise do emprego e concomitante com as
reações à condição de marginalização e exclusão sofridas por esses su-
jeitos que viviam no campo (os autores referem-se à década de 1980).
Com isso, esses sujeitos se organizam e buscam alternativas
e resistências econômica, política e cultural. Consequentemente, o
campo educacional vai ganhando contornos na luta por uma educa-
ção que atenda a essas demanadas. Realiza-se em 1998, a primeira
Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, fruto das re-
sistências de trabalhadores/as da educação, dos movimentos sociais
do campo, que tem como principal objetivo “[...] ajudar a recolocar
o rural, e a educação que a ela se vincula, na agenda política do país”
(FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2009, p. 22).
Entre os desafios, busca-se pautar uma educação do campo que

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Educação do campo, artes e formação docente

seja específica e diferenciada, quer dizer, alternativa. Uma educação


que possibilite um processo de formação humana, que construa refe-
rências culturais e políticas para a intervenção dos sujeitos sociais na
realidade. Que, sobretudo, seja pautada a partir de políticas públicas
para o campo, compreendendo e defendendo a reforma agrária e uma
política agrícola para a agricultura camponesa. Defende-se aqui uma
educação voltada aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e
econômico dos povos que moram e trabalham no campo, atendendo
às suas diferenças históricas e culturais (FERNANDES; CERIOLI;
CALDART, 2009).

4 Dimensões da educação do campo

A educação do campo está voltada ao conjunto da classe tra-


balhadora do campo (camponeses, quilombolas, povos tradicionais,
diversos tipos de assalariados), que está vinculada à vida e ao trabalho
no meio rural. Para Caldart (2009), a expressão campo e não rural
teve como objetivo na Conferência provocar o debate e a reflexão so-
bre o sentido do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos
grupos e sua diversidade. Nesse sentido, discutir a educação do cam-
po é, sobretudo, discutir a educação de trabalhadores/as do campo.
Como conceito em construção, a educação do campo não se
descola do movimento específico da realidade que a produz, “[...] já
pode configurar-se como uma categoria de análise da situação ou de
práticas e políticas de educação dos trabalhadores do campo, mes-
mo as que se desenvolvem em outros lugares e com outras denomi-
nações” (CALDART, 2012, p. 257). O termo educação do campo
busca incluir no seu sentido e significado a valorização da identidade
camponesa que possibilite a pluralidade das ideias e das concepções
pedagógicas do camponês. A educação do campo representa um pro-
jeto de sociedade e de educação contra-hegemônico dos trabalhado-
res/as do campo e vinculado às questões sociais e políticas próprias

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

do seu contexto.
E, enquanto análise, a educação do campo é compreensão
da realidade que ainda está por vir, mesmo que não tenha ocorrido
historicamente, porém indicada pelos seus sujeitos ou mesmo pelas
possibilidades de transformação em processo, constituída de práticas
educativas concretas e políticas públicas de educação (CALDART,
2012). Por isso, “[...] sempre é dificil datar uma experiência datando
um conceito, porém, quando aparece uma palavra – seja uma nova ou
um novo sentido de uma palavra já existente –, alcança-se uma etapa
específica, a mais próxima possível de uma consciência de mudança”
(CALDART, 2012, p. 257).
Assim sendo, os movimentos sociais camponeses são os pro-
tagonistas da educação do campo e das experiências que ocorrem
no percurso de sua trajetória. A educação do campo é resultado do
movimento social “Por uma Educação do Campo”, que faz crítica à
realidade educacional brasileira, em especial à dos povos que vivem
do/no campo.
O surgimento da expressão educação do campo nasce no con-
texto preparatório da I Conferência Nacional por uma Educação do
Campo, realizada em Luziânia, em julho de 1998, que passa a ser
chamada assim a partir do Seminário Nacional, realizado em Bra-
sília, em 2002. Depois, confirmada no I Encontro Nacional Edu-
cadores da Reforma Agrária (Enera) realizado pelo MST, em 1997,
e na II Conferência Nacional, em 2004. Outro desafio surgiu com
o Programa de Educação na Reforma Agrária (Pronera), instituído
pelo governo federal em 1998, que também recebe a denominação de
educação do campo nos documentos produzidos, mesmo com ten-
sões e contradições.

O argumento para mudar o termo Educação Básica


do Campo para Educação do Campo aparece nos de-
bates de 2002, realizados no contexto da aprovação do
parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE)

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Educação do campo, artes e formação docente

nº 36/2001, relativo às Diretrizes Operacionais para


a Educação Básica nas Escolas do Campo (Brasil,
2001) e com a marca de ampliação dos movimentos
camponeses e sindicais envolvidos nessa luta (CAL-
DART, 2012, p. 258).

O direito à educação só será garantido no espaço público. E os


movimentos sociais serão seus protagonistas e guardiões desse direito
e o Estado deve cumprir e organizar políticas públicas para o aten-
dimento das demandas dos povos do campo. Nessa perspectiva é que
nasce o Projovem Campo – Saberes da Terra, programa que atenderá
os jovens do campo no seu processo de retomada de escolarização.

5 Projovem Campo - Saberes da Terra - experiências em educação


do campo - TO

A construção de uma política educacional que reconheça as ne-


cessidades dos sujeitos do campo, atenda a diversidade e a realidade
diferenciada, conjugada a uma política pública para a juventude, em
que os sujeitos do campo são reconhecidos como sujeitos de direitos,
constituíram-se as demandas de pressão dos movimentos sociais do
campo ao governo federal.
Por esse motivo, a Secretaria de Educação Continuada, Alfa-
betização e Diversidade (Secad) implementou o Programa Saberes
da Terra – Programa Nacional de Educação de Jovens e Adultos in-
tegrada com a qualificação social e profissional para agricultores/as
familiares.
A primeira etapa de execução do Programa ocorreu em dezem-
bro de 2005, em 12 estados (BA, PB, PE, MA, PI, RO, TO, PA, MG,
MS, PR, SC), junto às secretarias estaduais de educação, representações
estaduais da união nacional (Undime), movimentos sociais do campo,
integrantes dos comitês e fóruns estaduais de educação do campo.
Entre 2005 e 2006, foi implantado o projeto piloto Saberes da

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

Terra nesses estados, que conseguiu:

• formar cinco mil educandos, com certificação correspon-


dente ao ensino fundamental e qualificação profissional;
• promover a formação continuada de seiscentos profissio-
nais da educação – professores, educadores, instrutores,
técnicos e gestores – durante a implementação e execução
do programa;
• produzir, em parceria com estados, municípios e movimen-
tos sociais, a metodologia, o material didático-pedagógico
e os cadernos pedagógicos que contemplavam os eixos te-
máticos do Programa;
• realizar os seminários nacionais de formação das equipes
pedagógicas estaduais (BRASIL, 2008).

Em 2007, o Ministério da Educação, por meio da Secad, parti-


cipou do processo de construção do programa integrado de juventude/
presidência da república, no qual foram integrados seis programas:

a) Agente Jovem, do Ministério do Desenvolvimento Social e


Combate à Fome;
b) Projovem, da Casa Civil;
c) Saberes da Terra, do Ministério da Educação;
d) Escola de Fábrica, do Ministério da Educação;
e) Consórcio Social da Juventude, do Ministério do Trabalho
e Emprego;
f ) Juventude Cidadã, do Ministério do Trabalho e Emprego.

Foi instituído pela medida provisória nº 411/07, o Progra-


ma Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM – que objeti-
va promover a reintegração de jovens ao processo educacional, sua
qualificação profissional e seu desenvolvimento humano e cidadão.

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Educação do campo, artes e formação docente

Implementado pelo Ministério da Educação por meio da Secad e


Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – Setec (BRA-
SIL, 2008).
Em 2009, a Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câm-
pus de Tocantinópolis, aprova um projeto de formação de professores
do campo, denominado curso de Pós-graduação Lato Sensu – Espe-
cialização e aperfeiçoamento em Educação do Campo, Agricultura
Familiar e Envolvimento Social no Tocantins, ministrado a educa-
dores/as e coordenadores/as pedagógicos/as vinculados ao Programa
ProJovem Campo – Saberes da Terra nos municípios do estado.
O Ministério da Educação (MEC/Secad) e a Secretaria de
Educação do Estado do Tocantins (Seduc) foram os parceiros na for-
mação de 116 professores que atuaram diretamente com os jovens do
campo. O programa foi proposto ao MEC pelos movimentos sociais
que estiveram presentes cotidianamente na condução do programa,
em que muitas lideranças também eram professores/as. A primeira
turma do programa concluiu a formação em dezembro de 2012. Já
na segunda turma, a formação contou com cerca de 60 professores.
Essas turmas estudaram, entre outras, as seguintes temáticas: a ju-
ventude camponesa, o envolvimento social, as políticas públicas, os
territórios, a agricultura familiar e cidadania.
Entretanto, a formação de educadores para atuar junto aos jo-
vens entre 18 e 24 anos contribuiu timidamente para o avanço da edu-
cação do campo no estado, devido às dificuldades encontradas, tanto
estruturais como na efetivação da nova metodologia. No processo de
formação dos educadores buscou-se um novo percurso formativo com
base na metodologia da alternância que traz como diretriz um fazer
pedagógico voltado para o exercício da política e um novo olhar sobre
o currículo.
E, como elemento articulador dessa formação, têm-se os mo-
vimentos sociais que, com sua experiência política contribuíram para
novas práticas educativas junto aos educadores/as do campo. A pro-
blemática da efetiva atuação docente ocorreu quando os professores

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

que receberam a formação para ministrar aulas no programa foram


dispensados em sua maioria, uma vez que eram apenas contratados
pelo Estado. E, em função da política local, entram e saem profes-
sores indicados por políticos, o que, na época, dificultou o avanço da
educação do campo no estado.
A metodologia utilizada centrava-se em experiências acumula-
das pelos movimentos sociais que tinha como eixo o percurso forma-
tivo da alternância – Tempo Escola e Tempo Comunidade, realizado
com os jovens em suas comunidades. A cada módulo, formadores
da universidade e professores do programa elaboravam instrumentos
para a pesquisa que seria desenvolvida com os alunos no Tempo Co-
munidade. O resultado – informações sobre a realidade desses jovens
– era discutido nos módulos seguintes.
Como práticas de alternância compreendem-se as experiên-
cias pedagógicas inovadoras na formação de jovens do campo. Esses
jovens são pequenos agricultores, muitas vezes à margem dos bene-
fícios sociais, na busca por alternativas educacionais que atendam às
suas necessidades e aos desafios colocados pelo momento histórico
familiar. A proposição da alternância ocorre no âmbito das relações
pedagógicas e visa a desenvolver na formação dos agricultores situa-
ções de interação entre o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria
e a prática, portanto, a práxis.
A alternância coloca em interação diferentes atores com iden-
tidades, preocupações e lógicas também diferentes, agrupando de
um lado a escola e a relação com os saberes científicos e, de outro, a
família e a pequena produção agrícola (MACHADO; CAMPOS;
PALUDO, 2008). É com base nessa proposta que se desenvolve a
metodologia no curso de especialização do Projovem Campo – Sa-
beres da Terra, oferecido pela UFT.
O percurso formativo do curso de especialização e/ou aperfeiço-
amento está ancorado na indissociabilidade pesquisa-ensino-extensão-
-práxis pedagógica, sintonizando-se com o projeto Político Pedagógi-
co do Programa Projovem Campo – Saberes da Terra, especialmente

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Educação do campo, artes e formação docente

com a proposta de formação continuada do referido programa. Nesse


sentido, os eixos temáticos e círculos epistemológicos foram elabora-
dos com base no desenho curricular do programa (UFT, 2010).
Na organização do processo educativo das escolas do campo,
há de se buscar princípios e itinerários pedagógicos que orientem o
desenvolvimento de processos formativos integrados e que articulem
áreas de conhecimento, saberes popular e científico, formação huma-
na e profissional, diferentes práticas, tempos e espaços pedagógicos.
O objetivo é permitir a superação da fragmentação e descontextu-
alização do currículo, além da afirmação de uma formação escolar
crítica e criativa.
Por essa perspectiva, é preciso assumir como princípios peda-
gógicos da escola do campo os seguintes pontos:

• formação escolar contextualizada, embasada pelo princípio


da indissociabilidade teoria-prática, privilegiando o diálo-
go entre os saberes científico e popular e a (re)construção
contínua do conhecimento;
• estímulo aos educadores/educandos para a realização de ati-
vidades pedagógicas voltadas à problematização, pesquisa
e estudo interdisciplinar sobre a realidade – local, regional,
nacional e mundial –, tendo como elemento principal a pro-
dução familiar e comunitária, suas demandas, desafios e pos-
sibilidades;
• incorporação da diversidade cultural como elemento educa-
tivo e provocação da vivência de novas práticas e valores de
solidariedade, cooperação e justiça;
• subsídio à intervenção coletiva e sistemática sobre a realida-
de e a construção de propostas de ação técnico-profissional
voltadas à transformação social e melhoria das condições de
vida dos povos do campo.

Com base no estudo da realidade imediata e cotidiana e no es-

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

tabelecimento de relações com elementos não cotidianos que impac-


tam a vida dos povos do campo, propõe-se um processo educativo que
possibilite o acesso a diversos saberes e à reflexão sobre questões de
diversas ordens (políticas, históricas, naturais etc.). Articuladamente,
esse acesso contribui para melhorar a compreensão e o aprendizado
sobre a cultura e a realidade vivida pelos camponeses no próprio lo-
cal, criando reais condições de propor ações técnico-profissionais que
ajudem a transformar e melhorar tal realidade (BRASIL, 2009).
Nesse movimento, assumir a pesquisa e o trabalho como prin-
cípios educativos significa assumir o compromisso com o desenvol-
vimento de um processo de escolarização que seja capaz de estimular
atitudes e aprendizagens crítico-reflexivas. O objetivo foi promover
entre os indivíduos a construção de saberes escolares por meio da
reflexão sobre sua própria existência e sobre o mundo em que vivem,
as relações que estabelecem, a cultura em que estão inseridos, o tra-
balho que desenvolvem. Além disso, propôs-se a alimentar o pensar
criativo na construção, desenvolvimento de projetos e de ações que
envolvessem novas práticas sociais, produtivas, culturais. Todas essas
ações foram voltadas à reinvenção da existência individual e coletiva,
e à formação do hábito da análise crítica, da autoavaliação, da avalia-
ção do processo para (re)planejar a ação, continuamente.

6 Práxis política dos movimentos sociais e educação do campo no


Tocantins: novos horizontes

Durante os encontros de formação de professores, as discus-


sões surgiam em torno dos eixos temáticos e indicaram a necessidade
de organização de uma mesa-redonda que posteriormente se reali-
zou. A mesa-redonda foi intitulada Políticas e Ações em Educação
do Campo e envolveu a participação das organizações sociais, movi-
mentos sociais, Seduc e UFT. O debate girou em torno da consta-
tação do descaso com a educação dos camponeses como uma nega-

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Educação do campo, artes e formação docente

ção de política social por parte do Estado. Defendeu-se, então, como


proposta, a construção de uma educação do campo como política
pública de educação.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Alternativas para
Pequena Agricultura do Tocantins (APA-TO), Pastoral da Juven-
tude Rural (PJR) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) participa-
ram dos processos de luta por uma educação de qualidade, voltados
para a formação de crianças, jovens e adultos. Por essa razão, eles
têm desenvolvido ações para cobrar do Estado oferta e qualidade
de educação do campo que tem como princípio norteador a defesa
da identidade e da diversidade cultural camponesa. São temas que
muitas vezes aparecem como apêndices na própria Seduc, como ficou
evidenciado no debate.
No Fórum de Educação do Campo do Estado (FEECT) foi
redigida uma carta em que se apresentou a intencionalidade edu-
cativa, política e formativa dos movimentos e organizações sociais.
O Fórum procurou articular sujeitos coletivos de sua composição,
norteado pelo princípio da autonomia em relação ao Estado. O seu
objetivo é exercer a análise crítica e a ação política independente,
desde a elaboração das políticas públicas de educação do campo até
a sua consolidação no Tocantins, em articulação com o movimento
nacional pela educação do campo (CARTA FEECT, 2012).
A criação do Fórum fundamentou-se nos seguintes pontos:

• desigualdades sociais e educacionais a que estão submeti-


das as populações do campo, o que é perceptível com base
nos dados do IDEB e outras pesquisas apresentadas no ce-
nário brasileiro;
• negação do direito à educação nas modalidades da educa-
ção infantil, fundamental, médio e superior às populações
do campo;

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

• formato da organização da educação do campo do estado


do Tocantins, o mesmo da cidade, desrespeitando a cultura
camponesa;
• aprofundamento da pedagogia dos tempos e espaços alter-
nados de trabalho com a terra e aprendizagem escolar;
• monitoramento do Decreto 7.352, de 4 de novembro de
2010, como política pública de educação do campo, como
contraponto ao rural.

Nesse sentido, as ações políticas conferem a esse Fórum um es-


paço potencializador da construção da educação do campo no estado.
E os atores sociais no Fórum decidiram organizar a I Conferência
Estadual de Educação do Campo no Tocantins, na qual os movi-
mentos e organizações sociais do campo (MAB, MST, Fetaet, PJR,
CPT), assim como a Seduc, a EFA de Porto Nacional e a Universi-
dade Federal do Tocantins - Câmpus de Tocantinópolis, organiza-
ram a I Conferência. Militantes dos movimentos sociais do campo e
da cidade e demais instituições públicas realizaram 12 conferências
regionais e a I Conferência Estadual entre os dias 09 e 10 de julho de
2012, para debater o tema “Por uma política de Educação do Campo
no estado do Tocantins”.

As conferências apontaram para uma realidade mar-


cada pelo fechamento das escolas e transferências
dos alunos para escolas urbanas, condições físicas e
pedagógicas de funcionamento das escolas, em todos
os níveis de ensino, que não atendem à realidade do
campo, currículo inadequado à educação do campo,
desconsiderando a cultura, identidade e saberes dos
camponeses.
(CARTA, 2013).

Afirmou-se nesse encontro uma agenda de luta pela imple-


mentação de uma educação do campo que de fato tenha relação com

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Educação do campo, artes e formação docente

a identidade e a cultura camponesas. Um documento foi apresentado


ao final da conferência propondo a criação de um grupo de trabalho
composto pela UFT, IFTO, Unitins, Movimentos sociais, Seduc e
Undime que, partindo das proposições da I Conferência, elaborasse
uma proposta de educação do campo para o estado. Aponta-se, tam-
bém, a partir desse encontro, para a organização do curso de Licen-
ciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música,
da Universidade Federal de Tocantins (UFT), em Tocantinópolis.

7 Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes


Visuais e Música: trajetória de educação e formação de professores
do campo

A partir do histórico de luta por uma educação do campo, o MEC


cria o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciaturas em
Educação do Campo (Procampo), com o objetivo de apoiar a imple-
mentação de cursos regulares nas instituições públicas de ensino supe-
rior, especificamente para formação de educadores para a docência em
escolas rurais nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio
(FREITAS, 2011). Quando pauta seu projeto pela escola e formação de
professores, o movimento que luta por uma educação do campo disputa
princípios, valores e práticas ao ocupar a esfera pública. Para Molina e
Antunes-Rocha (2014, p. 227),

Uma das principais características e diferenças das po-


líticas públicas de educação do campo pautadas pelos
movimentos sociais e sindicais refere-se à sua parti-
cipação e protagonismo, na concepção e elaboração
de tais políticas. Durante a primeira década de sua
história, dada a correlação de forças à época, o Movi-
mento da Educação do Campo foi capaz de garantir
este princípio, tendo forte participação na concepção
e elaboração do Pronera (MOLINA, 2003), no Resi-

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

dência Agrária (MOLINA, 2010), no Saberes da Terra


(ANTUNES-ROCHA, 2010), na construção e par-
ticipação em instâncias executivas, como a Comissão
Pedagógica Nacional do Pronera e consultivas como a
Comissão Nacional de Educação do Campo (Conec),
vinculada à Secretaria de Educação Continuada, Alfa-
betização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Minis-
tério da Educação.

Antes de implementar essa política, o MEC, através da Se-


cretaria de Educação Superior (SESU) e da Secad em 2006, com a
contribuição e o protagonismo dos movimentos sociais, desenvolveu
um plano de trabalho com algumas universidades federais (UFMG,
UFS, Unb e UFBA), para executar um projeto piloto de implemen-
tação dos primeiros cursos de Licenciatura em Educação do Campo
(LEdoC). Tal escolha se deu em virtude de essas universidades já
apresentarem um percurso de práticas de ensino, pesquisa e extensão
em educação do campo (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014).
O MEC consolidou, mesmo com as experiências piloto em
curso, outras ações voltadas para a educação do campo. Lançou o edi-
tal de Convocação nº 09, de 29 de abril de 2009, convocando outras
Instituições de Ensino Superior (IES) a apresentarem projetos de
cursos de LEdoC, visando, sobretudo, a

Estabelecer critérios e procedimentos para fomento


de cursos regulares de Licenciaturas em Educação,
para a formação de professores, para a docência nos
anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas
escolas localizadas em áreas rurais, mediante assistên-
cia financeira às Instituições Públicas de Ensino Su-
perior – IES (BRASIL, 2009, p. 1).

A partir dessa concorrência, 32 universidades ofertaram a Li-


cenciatura em Educação do Campo. Mas, por se tratar de um edital

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Educação do campo, artes e formação docente

que autorizava apenas o funcionamento de uma turma específica, ge-


rou-se o problema da continuidade e da permanência dos cursos nas
IES. Portanto, isso gerou conflitos com os movimentos sociais e as
IES que ofertavam os cursos.

Com a conquista dos movimentos da assinatura do


Decreto n. 7352/2010, que instituiu a Política Na-
cional de Educação do Campo, se impôs a exigência
da elaboração de um Programa Nacional de Edu-
cação do Campo (Pronacampo) para dar materiali-
dade às ações nele previstas, e institui-se então, em
2012, um outro grupo de trabalho para dar conta
desta tarefa, o qual também contou com a partici-
pação de membros dos movimentos sociais e sindi-
cais para conceber as ações que integrariam o refe-
rido Programa (MOLINA; ANTUNES-ROCHA,
2014, p. 238).

O MEC lançou o Edital SESU/SETEC/SECADI nº


02/2012, cujo objetivo era ampliar a oferta de vagas dos cursos já
existentes e selecionar outras 32 IES para 35 novos cursos, voltados
para a formação dos professores do campo. A proposta de matriz
curricular foi organizada de forma multidisciplinar com os compo-
nentes curriculares a partir de quatro áreas do conhecimento: Artes,
Literatura e Linguagens; Ciências Humanas e Sociais; Ciências da
Natureza, Matemática; e Ciências Agrárias.
Apesar da forma interdisciplinar, muitas contradições apare-
cem no edital de chamada pública para os novos cursos. As áreas de
conhecimento apresentam-se separadas, o que dificultou o entendi-
mento para elaboração do projeto. A UFT apresentou o projeto na
área de Códigos e Linguagens: Artes visuais e Música. Mas, devido
aos conflitos internos no câmpus – marcados por disputas em torno
da aprovação ou não do curso – dificultou-se a escolha do melhor
formato curricular para o curso. Curso aprovado, os movimentos so-
ciais comemoraram a ocupação do espaço público.

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

O fator relevante que contribuiu para a materialização do cur-


so no Câmpus de Tocantinópolis foi a demanda dos trabalhadores
e trabalhadoras do campo manifestada pelas organizações sociais
localizadas no Bico do Papagaio (que compreende 25 municípios),
especialmente os assentamentos da reforma agrária (364 projetos de
assentamentos com 24 mil famílias assentadas), com os quais tam-
bém há parcerias para a realização de projetos de pesquisa e extensão,
além de ter estudantes em cursos de graduação oriundos dessas e de
outras comunidades camponesas. E especialmente como síntese da
agenda criada a partir da I Conferência Estadual de Educação do
Campo em 2013 para construir o curso em Tocantinópolis.
A viabilização de formação superior específica teve como pre-
tensão promover a expansão da oferta da educação básica nas co-
munidades rurais; o atendimento à demanda apresentada no campo,
local em que há carência de professores qualificados para o ensino de
diversas áreas, incluindo-se artes visuais e música; auxílio à superação
das desvantagens educacionais, observando os princípios de igualda-
de e gratuidade quanto às condições de acesso.
O curso tem caráter regular e apoia-se em duas dimensões de
alternância formativa integradas: o Tempo Universidade e o Tempo
Comunidade. A organização curricular do curso prevê etapas pre-
senciais (equivalentes a semestres de cursos regulares) em regime de
alternância entre tempo-espaço universidade e tempo-espaço comu-
nidade, tendo em vista a articulação intrínseca entre educação e a
realidade específica das populações do campo. Outra preocupação
é facilitar o acesso e a permanência dos professores em exercício no
curso, na intenção de se evitar que o ingresso de jovens e adultos na
educação superior reforce a alternativa de que eles deixem de viver
no campo.

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Educação do campo, artes e formação docente

8 Considerações finais

Pensar em movimentos sociais é pensar na sua complexidade,


pois eles possuem uma dinâmica na qual sua existência imbrica não
no antagonismo, mas na oposição. As mazelas criadas pelo modo de
produção capitalista só serão resolvidas com a superação desse mo-
delo, e isso significa que o proletariado deve protagonizar sua tarefa
histórica, qual seja, criar novas relações de produção.
Portanto, os movimentos sociais terão uma tarefa histórica:
destruir a velha ordem. Remete-se aqui ao que Marx afirma na déci-
ma tese sobre Feuerbach, como síntese das reflexões aqui propostas:
“O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade “burguesa”;
o ponto de vista do novo é a sociedade humana, ou a humanidade
socializada” (MARX, 2009, p. 126). Com isso, defende-se que, para
participarem da realização da utopia, ou seja, da superação da velha
ordem burguesa, os movimentos sociais sejam capazes de aglutinar
forças à luta da classe trabalhadora e superar as contradições do sis-
tema capitalista.
Assim sendo, a práxis política desenvolvida pelos movimentos
sociais do campo busca, principalmente, a superação das desigualda-
des sociais, outro modelo de sociedade. Assim como a educação que
emancipe a classe trabalhadora e que possibilite a organização do
desenvolvimento humano pautado na práxis emancipadora.

No plano da práxis pedagógica, a educação do


campo projeta futuro quando recupera o vín-
culo essencial entre formação humana e pro-
dução material da existência, quando concebe a
intencionalidade educativa na direção de novos
padrões de relações sociais, pelos vínculos com
novas formas de produção, com o trabalho as-
sociado livre, com outros valores e compromis-
sos políticos, com lutas sociais que enfrentam as

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins

contradições envolvidas nesses processos (CAL-


DART, 2012, p. 263).

O modo de fazer da educação do campo, os desafios da formação


de professores e de ocupar a universidade pública como espaço de lutas
de classes e de disputas pela produção da teoria do conhecimento é que
se torna um projeto de utopia da classe trabalhadora. E a educação do
campo, por meio da práxis política dos movimentos sociais, continua e
pode revigorar velhas questões da educação emancipatória, formulan-
do novos questionamentos à política educacional e à teoria pedagógica.
Para Caldart (2009, p. 43),

Uma retomada que é também a recuperação de uma


visão mais alargada de educação, algo que já aparece
como tendência de muitas práticas e reflexões neste
novo século: não confundir educação com escola nem
absolutizar a educação escolar, como fez no discurso a
pedagogia moderna liberal, para que o capital pudesse
‘educar’ mais livremente as pessoas em outras esferas
(uma armadilha em que muitos pedagogos de esquer-
da também caíram). É preciso pensar a escola sim, e
com prioridade, mas sempre em perspectiva, para que
se possa transformá-la profundamente, na direção
de um projeto educativo vinculado a práticas sociais
emancipatórias mais radicais.

Ao potencializar a educação do campo, os movimentos sociais


reforçam as discussões sobre a dimensão educativa, provocam refle-
xões sobre uma pedagogia que afirma a luta social e a organização
coletiva como matrizes formadoras. Nesse sentido, o curso de Licen-
ciatura em Educação do Campo como matriz formativa e perspecti-
va política, nasce na UFT no Câmpus de Tocantinópolis, a partir das
lutas pela terra no Bico do Papagaio, pela educação dos sujeitos que
vivem no campo e por outra sociedade.

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Educação do campo, artes e formação docente

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licenciatura em educação do campo, na modalidade presencial. Disponível
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________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,


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29 de Abril de 2009. Disponível em: <http://portl.mec.gov.br>. Acesso em:
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________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,


Alfabetização e Diversidade – Secad. Cadernos pedagógicos Saberes da
Terra. Brasília: MEC/Secad, 2006.

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A proposta da pedagogia da
alternância:
uma possibilidade de construção de
conhecimento
Helena Quirino Porto Aires4

1 Introdução

Nas últimas décadas, o tema educação do campo vem conquis-


tando espaço nas discussões sobre as políticas públicas e suscitando
inúmeras pesquisas na tentativa de repensar essa modalidade de ensi-
no. No entanto, mesmo com esse crescente interesse na área, ainda há
muito a se pesquisar e discutir a respeito da real situação das escolas
do campo e do ensino nelas praticado.
Pensar em educação do campo exige a compreensão das carac-
terísticas do espaço cultural e as necessidades próprias do estudante
que vive no e do campo, sem abrir mão da pluralidade de saberes como
fonte de conhecimento prévio para a aprendizagem.
Brasil (2002) compreende que a educação do campo se cons-
titui em um espaço de lutas dos movimentos sociais, traduzida como
uma concepção político-pedagógica voltada para dinamizar a ligação
dos seres humanos com a produção das condições de existência social,
na relação com a terra e o meio ambiente, incorporando os espaços

4 Mestra em Educação. Professora do Curso de Licenciatura em Educação do


Campo da UFT, campus de Tocantinópolis. E-mail: hequirino.uft@mail.uft.edu.br

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Educação do campo, artes e formação docente

da floresta, da pecuária, das minas, da agricultura, dos pesqueiros, dos


caiçaras, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos indígenas e extrativistas.
A educação do campo consiste em uma modalidade de Edu-
cação Básica do Campo prevista na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), com ca-
racterísticas e estrutura singulares para atender as demandas dos po-
vos que vivem no e do campo. O artigo 28 da LDB preconiza que, na
oferta de educação básica para a população campesina, os sistemas de
ensino devem promover as adaptações necessárias às peculiaridades
da vida no campo e de cada região, especialmente no que se refere aos
conteúdos curriculares, às metodologias apropriadas, à organização
escolar própria e à adequação do trabalho no campo à natureza.
É nesse contexto de educação do campo que a pedagogia da al-
ternância se caracteriza como um modo de promover a educação com
características próprias para o atendimento da população do campo.
A proposta educacional da pedagogia da alternância contempla, res-
peita e valoriza os saberes em contextos socioculturais, considerando
escola-família-comunidade como espaços de produção, organização
e articulação de conhecimentos, por meio dos instrumentos pedagó-
gicos. Tal proposta tem sido idealizada por estudiosos como Bour-
geon (1979), Begnami (2003), Gimonet (2007), Silva (2012), dentre
outros, como uma possibilidade de educação que atende as especifi-
cidades da educação do campo.
Nesse sentido, a educação por alternância está vinculada à ideia
de um movimento pedagógico dinâmico, conforme assevera Gadotti
(2003, p. 48), para quem

[a] pedagogia da alternância se apresenta como meio


para atingir a finalidade de reflexão e ação no e com o
contexto do tempo. É o movimento alternado poten-
cializado por uma organização imbricada num con-
texto que se propõe a um processo de aprendizagem
pautado na relação que diagnostica, problematiza, re-
flete. Dialoga, planeja e age através do coletivo.

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

Sob o entendimento de que a dimensão da ação e da reflexão


acontece por meio do diálogo, em que o processo de ensino e apren-
dizagem busca a transformação da realidade (FREIRE, 1987), a al-
ternância deve ser pensada para além de uma proposta metodológica
de ensino.
Diante da importância dessa proposta, faz-se oportuno realizar
estudos sobre como ela se estrutura e se efetiva em diversos ambien-
tes educacionais. Nesse intento, o presente texto traz um recorte de
uma pesquisa de mestrado em educação e apresenta uma análise das
perspectivas de pedagogia da alternância desenvolvida na Escola Fa-
mília Agrícola de Porto Nacional, Tocantins (ESCOLA, 2015).
Para a realização desta pesquisa qualitativa, analisamos o Pro-
jeto Político Pedagógico (PPP) da instituição, lançamos mão de
entrevistas semiestruturadas com questões abertas direcionadas aos
profissionais da respectiva instituição (diretor, coordenador pedagó-
gico e professor/monitor), buscando caracterizar os fatores relaciona-
dos à pedagogia da alternância, tanto no cotidiano escolar como nas
comunidades.
No intuito de preservar a identidade dos entrevistados, eles fo-
ram indicados por letras maiúsculas de nosso alfabeto, seguidas da
função (Diretor - D, monitor - M) e localização da escola. Desse
modo, os professores são indicados, respectivamente, por A, B, e C,
seguido da função (Professor – P) e indicação do município onde se
localiza a escola (Porto Nacional – P); o Coordenador será indicado
pela letra C, seguida da letra inicial do município onde se localiza a
escola; o Diretor será indicado pela letra D, seguida da letra inicial do
município onde se localiza a escola; e, o Professor/Monitor de Disci-
plinas que atua na EFA de Porto Nacional será indicado por PMDP.
Registra-se que o diretor, coordenador e demais professores também
são monitores, por isso não fizemos a indicação dessa função, exceto
no caso específico de PMDP.
Assim, busca-se aqui apresentar o contexto da pedagogia da al-

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Educação do campo, artes e formação docente

ternância, fazendo uma análise dessa proposta de educação que é efeti-


vada na Escola Família Agrícola de Porto Nacional em seus diferentes
contextos/espaços de ensino (tempo-escola e tempo-família/comuni-
dade), a partir dos elementos e/ou ideias expressos nas respostas dos
entrevistados e documentos analisados.

2 A trajetória da pedagogia da alternância

Na educação por alternância, o processo de ensino e aprendi-


zagem acontece em espaços e territórios diferenciados e alternativos.
Trata-se de uma possibilidade de valorização dos saberes produzidos
pelos povos em um processo de interação entre escola-família-co-
munidade.
Etimologicamente, a palavra alternância tem suas origens no
vocábulo em latim alternare, proveniente de alter, que significa outro.
Nascimento (2007) explica que a terminologia alternância surge pela
primeira vez nos Estados Unidos em 1906, com a designação de “rit-
mo apropriado” e procura associar a formação geral com a formação
profissional. Nesse sentido, a formação geral hoje seria a formação
integral do ser humano, estimulando sua capacidade de pensar cri-
ticamente, de saber lidar com os desafios e problemas existentes na
sociedade da qual ele faz parte.
Diante dos movimentos de articulação, da sensibilização cam-
pesina francesa, principiou-se, em 1935, a primeira experiência da
pedagogia da alternância, que dois anos depois – em 1937, daria
origem à Maison Familiale Rurale (MFR) ou Casa Familiar Rural
(CFR) ou Escola da Família Agrícola (EFA), instituições que se con-
figuraram como possibilidade de ensino para atender as demandas
dos/das filhos/filhas de camponeses franceses e mantê-los no campo,
via oferta de uma educação com qualidade (GIMONET, 1999).
A partir de 1945, a proposta de educação por alternância foi
difundida em vários países e hoje está, em sua maioria, na América,

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

além da França. Em cada localidade para onde a experiência foi le-


vada foram feitas adaptações pelas instituições em decorrência das
especificidades locais.
A primeira experiência brasileira com a pedagogia da alter-
nância ocorreu no final da década de 1960, no Espírito Santo, com
a participação de várias forças sociais por meio da atuação do Pa-
dre Humberto Pietrogrande5, quando foram instaladas as primeiras
escolas famílias com base na experiência italiana (PESSOTI, 1978;
QUEIROZ, 1997; 2004).
Embora a pedagogia da alternância tenha surgido há décadas,
ela permite a utilização de processos avançados de ensino e aprendi-
zagem e possui conceitos que perpassam as atuais propostas educa-
cionais, como aponta Azevedo (1998, p. 117).

Por empregar, na execução do processo de ensino-


-aprendizagem, princípios educativos modernos, tais
como o envolvimento e a participação dos pais na
educação formal dos filhos e na gestão da escola, em-
basamento teórico construtivista e adoção de método
dialético de ensino, a Pedagogia da Alternância cons-
titui-se numa proposta educacional inovadora.

Nascimento (2007, p. 40) ressalta que as EFAs têm por obje-


tivo pedagógico oferecer aos povos do campo “uma possibilidade de
educação a partir da sua realidade, de sua vida familiar e comunitária
e das suas atividades”, proporcionando um processo de “reflexão e
ação que possa transformar essa mesma realidade”. Isso porque, a

5 Fundador do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES),


em 1969, mais precisamente na cidade de Anchieta. Trabalhou intensamente na
promoção integral do homem do campo, foi o grande incentivador da instalação
das primeiras Escolas Famílias Agrícola no Brasil. Exerceu o ministério sacerdotal
como cooperador e Pároco de Anchieta e Alfredo Chaves-ES.

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Educação do campo, artes e formação docente

[...] escola-família ajuda o jovem rural na sua formação


humana e técnico-profissional de maneira a torná-lo,
dentro das possibilidades, um homem preparado, res-
ponsável e dinâmico para o desenvolvimento de sua
propriedade e da sua família. E, se por qualquer motivo
ele não encontrar no seu ambiente a oportunidade de
formar a sua família e de se integrar numa atividade
econômica, que ele seja um homem apto a tomar de-
cisões e escolher sua profissão para o seu bem-estar da
sua comunidade a que irá se integrar (MEPES, 1976, p.
90, apud NASCIMENTO, 2007, p. 40).

Nessa perspectiva, a pedagogia da alternância consiste em uma


proposta educativa de organização do ensino escolar conjugada em
diferentes espaços de aprendizagem, que possibilita a formação inte-
gral dos estudantes em seus aspectos sociais, intelectuais e culturais
(GIMONET, 1999; NASCIMENTO, 2007).
Configurando como uma possibilidade de valorização dos sa-
beres produzidos pelos povos em interação entre escola-família-co-
munidade, a pedagogia da alternância é [...] uma outra maneira de
aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o
empreender e o aprender dentro de um mesmo processo (GIMO-
NET, 1999, p. 44). Desse modo, a alternância significa uma ma-
neira de aprender pela vida, partindo da própria vida cotidiana, dos
momentos de experiências, colocando, assim, a experiência antes do
conceito” (GIMONET, 1999, p. 44).

[...] associação e participação das famílias constituem,


assim, componentes indissociáveis e fundamentais na
expressão das realidades, necessidades e desafios no
contexto socioeconômico, cultural e político da escola,
e na articulação com as organizações, entidades e mo-
vimentos presentes na realidade local, orientados para a
construção de projeto não apenas para o futuro dos alu-
nos, mas também para a região (SILVA, 2012, p. 182).

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

Há a necessidade de uma relação estreita entre família e escola


para que a alternância realmente aconteça. É nesse contexto mútuo
que se constrói uma formação integral do aluno e, ao mesmo tempo,
se atende aos anseios da sociedade. Silva (2012), citando Gimonet
(1998), menciona que uma verdadeira alternância não se resume à
abertura de uma escola e muito menos a um ensino descontextuali-
zado dos sujeitos envolvidos; mas sim na articulação entre escola, fa-
mília e comunidade, construindo uma alternância integrativa. É sob
esse aspecto que se insere o verdadeiro processo pedagógico para o
que se propõe na formação por alternância.
A alternância é uma “compenetração efetiva de meios de vida
socioprofissional e escolar em uma unidade de tempos informati-
vos” (BOURGEON, 1979, apud QUEIROZ, 2004, p. 204). Nesse
sentido, a alternância possibilita aos sujeitos envolvidos no processo
de ensino e aprendizagem uma interação com o contexto escolar, fa-
miliar e comunidade, proporcionando, assim, saberes diversos, que
podem contribuir para a formação integral. Assim, a ideia de alter-
nância tem um sentido de estratégia de escolarização que, segundo
Silva (2012), possibilita aos estudantes conjugar a formação escolar
com os afazeres do produtivo familiar, sem perder seu vínculo com
sua família e com seu meio, fator importante para esse processo de
alternância.
Nessas proposições, Girod de I’Ain (1974, apud SILVA, 2012, p.
24) foi o mentor da classificação da alternância e propôs dois modelos,
denominados alternância externa e interna. A externa consiste na rela-
ção escola-empresa, que tem como objetivo desenvolver os saberes esco-
lares com sujeitos que já tenham experiência com o meio profissional. A
alternância interna é articulada no meio da formação com a realização
de atividades profissionais no período de estudo e não utiliza o trabalho
como fator essencial para a formação.
Malglaive (1979) definiu três tipos de alternâncias que são
praticadas: a falsa alternância, que consiste em espaços vazios du-

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Educação do campo, artes e formação docente

rante os períodos de alternância (falta de conexão entre a formação


acadêmica e as atividades práticas); a alternância aproximativa, que
possui instrumentos pedagógicos que associam os tempos formativos
limitados à observação e à análise, sem oferecer meios de atuação na
realidade; e a alternância real, que busca a formação teórica e prática
global, permitindo ao estudante a construção do seu próprio projeto
pedagógico que possibilita a atuação crítica sobre a realidade.
Alguns autores como Gimonet (1983), Bachelard (1994) e
Bourgeon (1979) retomam as classificações de alternância propostas
por Malglaive (1979) e as readaptam com outras denominações, e
que, segundo Silva (2010, p. 185), “propõem, sucessivamente, tipo-
logias específicas a partir de diferentes critérios: seja de disjunção
e divisão entre os dois períodos da alternância ou, ao contrário, de
articulação e unidade da formação entre os dois momentos”. Den-
tre eles, destacamos Queiroz (2004), segundo o qual há três tipos
de alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância
(CEFFAs).
Alternância justapositiva, que se caracteriza pela su-
cessão dos tempos ou períodos consagrados ao traba-
lho e ao estudo, sem que haja uma relação entre eles.
Alternância associativa, quando ocorre uma associa-
ção entre a formação geral e profissional, verificando-
-se, portanto, a existência da relação entre a atividade
escolar e atividade profissional, mas ainda como uma
simples adição. Alternância integrativa real ou co-
pulativa, com a compenetração efetiva dos meios de
vida socioprofissional e escolar em uma unidade de
tempos formativos (QUEIROZ, 2004, apud BRA-
SIL, 2012, p. 41-2).

Como enfatizado por Silva (2010), embora cada autor apresen-


te categorizações diversas de alternância, as tipologias estabelecidas
apresentam semelhanças. Todavia, como bem destacado por Gimo-
net (2007), a distância entre a teoria (os nomes e conceitos dados) e

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

a prática da alternância (o ensino que realmente acontece) ainda é


bastante comum nas escolas. Encontramos pelo país diversas insti-
tuições que anunciam em seus documentos a alternância e na prática
não a fazem: há apenas uma alternância de tempos e de espaços e
não de ações em um processo de construção do conhecimento via
ação-reflexão-ação.
Como se pode perceber, a alternância é uma proposta educa-
cional que veio como uma possibilidade de resposta à problemática
da educação do campo, como bem ressalta Silva (2012), tornando-
-se, com o passar dos anos, uma alternativa viável e promissora para
a educação dos filhos/filhas dos sujeitos que vivem no e do campo
por possibilitar aos envolvidos no processo de ensino e aprendiza-
gem uma interação com o contexto escolar, familiar e da comunida-
de, proporcionando assim a aprendizagem de saberes diversos, que
podem contribuir para formação integral desses atores.

3 A pedagogia da alternância na EFA de Porto Nacional

Intentando conhecer como a proposta da pedagogia da alter-


nância é efetivada em escolas do campo, no estado de Tocantins, neste
trabalho verificou-se como ela é expressa no PPP da Escola Família
Agrícola de Porto Nacional e como ela é entendida por profissionais
que nela atuam. Iniciamos falando um pouco sobre a EFA.
Em 2015, 389 estudantes frequentavam a instituição, oriundos
de 324 famílias residentes em 93 comunidades camponesas distri-
buídas em 45 municípios6 tocantinenses. A EFA oferece o ensino

6 Porto Nacional, Brejinho de Nazaré, Nova Fátima, Miracema do Tocantins,


Rio Sono, Marianópolis, Caseara, Chapada da Natividade, Palmas, Monte do
Carmo, Ponte Alta do Tocantins, Pium, Esperantina, Nova Rosalândia, Oliveira
de Fátima, Cristalândia, Silvanópolis, Lizarda, Lagoa do Tocantins, Novo Acordo,
Dois Irmãos, Araguatins, São Bento, Cachoeirinha, Ananás, Angico, Darcinópolis,
Araguaína, Babaçulândia, Nova Olinda, Juarina, Pequizeiro, Pium, Araguacema,

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Educação do campo, artes e formação docente

fundamental (6º ao 9° ano) e o ensino médio (Cursos Técnico em


Agropecuária Integrado, Técnico em Agroecologia e Magistério de
Nível Médio), modalidades estruturadas na proposta da pedagogia
da alternância (ESCOLA, 2015).
De acordo com o PPP da EFA de Porto Nacional, um im-
portante ponto de apoio e desenvolvimento para a instituição são as
parcerias por meio de convênios e projetos com instituições públi-
cas, privadas, organizações dos movimentos sociais, famílias, jovens,
organizações não governamentais nacionais e internacionais. Den-
tre essas parcerias, ressalta-se o convênio firmado com o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que resultou
na criação do curso de Magistério em Nível Médio, cujo objetivo é
formar profissionais habilitados para atuar na educação infantil (cre-
ches e pré-escolas) e 1º ao 5º ano do ensino fundamental. O curso
técnico em Agroecologia Integrado ao Ensino Médio na proposta
da pedagogia da alternância é voltado aos agricultores assentados ou
reassentados pela reforma agrária e é ministrado nos meses de janei-
ro e julho, sendo as despesas com alimentação, transporte, material
escolar, pagamento de professores e equipe administrativa custeados
pelo Incra e pelo Pronera (ESCOLA, 2015).
A instituição possuía, em 2015, uma equipe de 44 profissionais
e, ainda, conta com a parceria dos 389 jovens camponeses, 324 famí-
lias de agricultores, a Associação de Apoio à Escola, a Comunidade
de Saúde, Desenvolvimento e Educação (Comsaúde) e parceiros da
sociedade civil e estatal. A formação inicial e continuada de servi-
dores, famílias, lideranças comunitárias, jovens estudantes e ex-es-
tudantes é articulada com diversas instituições, entre elas, a União
Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (Unefab), a Asso-
ciação Internacional das Maisons Familiales Rurales (AIMFR), a Se-

Tocantínia, Pindorama do Tocantins, Peixe, Figueirópolis, Jaú, São Salvador,


Dianópolis, Colinas do Tocantins, Santa Rosa, Ipueiras e Araguacema.

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

cretaria de Educação de Estado do Tocantins (Seduc) e o Ministério


de Educação (MEC) (ESCOLA, 2015).
A pedagogia da alternância desenvolvida na EFA de Porto Na-
cional é voltada para o atendimento da população que vive no e do
campo, ofertando um processo formativo que ocorre em diferentes
espaços (escola-família-comunidade), tempos e com diversos forma-
dores, tendo como foco principal a formação integral dos sujeitos e o
desenvolvimento local (ESCOLA, 2015).
Como explicitado no PPP da EFA de Porto Nacional, a pro-
posta da alternância acontece em períodos de formação no Ceffa,
através do acompanhamento da equipe de monitores, alternados, se-
manalmente, com períodos de formação no meio familiar, profissio-
nal e comunitário, articulada pelo conjunto de instrumentos pedagó-
gicos (ESCOLA, 2015).
Esse formato de alternância em tempo semanal (em diferentes es-
paços e estratégias pedagógicas) seguido pela EFA evita o cansaço físico
que atrapalha o rendimento escolar. Isso porque as longas rotas diárias de
transporte escolar, além de despesas com o próprio transporte e quadro
de pessoal, em virtude de a escola atender alunos de vários municípios
do estado do Tocantins, torna o ir e vir dos alunos desgastante e one-
roso. Além disso, a permanência dos alunos durante a semana na EFA
possibilita o desenvolvimento das atividades dessa proposta pedagógica,
como também a prática de vivência diária que humaniza e estimula o
“aprender a conviver”, pautada essencialmente no diálogo educativo para
a formação integral.
Nessa perspectiva, tal proposta se torna uma alternativa viável
de educação que, como afirma Gimonet (2007), possibilita um pro-
cesso de ensino e aprendizagem dinâmico, que acontece em espaços
diferenciados e alternados, valorizando o aprender pelo fazer, por
meio de experiências e situações diárias, baseando-se em uma ampla
rede de conhecimentos e atitudes que possibilita a interação entre a
reflexão e a experiência. Essa questão também é expressa pelo Profes-

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Educação do campo, artes e formação docente

sor APP, quando considera que não existe uma proposta melhor de
ensino que esta. Isso porque ela

[...] considera não só esse tempo alternar (tempo-


-escola e tempo-família/comunidade), mas sim é um
conjunto de atividades que incluem a questão ensino e
aprendizagem; [...] questão da teoria baseada em Pau-
lo Freire que está lá no nosso Projeto Político Pedagó-
gico; também a questão da ação-reflexão-ação.

Nessa compreensão, a alternância perpassa a questão de alter-


nar tempo para o aluno, visto que considera aliar a teoria à prática em
diferentes espaços de aprendizagem. Essa questão é o que aponta e
defende Gimonet (2007), para quem a pedagogia que se baseia na al-
ternância de tempo e de local de formação (de períodos em situação
socioprofissional e em situação escolar),

[...] significa, sobretudo, uma outra maneira de


aprender, de se formar, associando teoria e prática,
ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro
de um mesmo processo. A alternância significa uma
maneira de aprender pela vida, partindo da própria
vida cotidiana, dos momentos experienciais, colo-
cando assim a experiência antes do conceito (GI-
MONET, 1999, p. 44).

Silva (2012, p. 25) também ressalta a relação vida-escola ao


mencionar que a alternância é vista como um conjunto de “estraté-
gias de escolarização que possibilita aos jovens que vivem no campo
conjugar a formação escolar com as atividades e tarefas na unidade
produtiva familiar, sem desvincular-se da família e da cultura do meio
rural”. A conjugação mencionada por Silva (2012) também pode ser
observada na fala do Professor CP, a seguir.

A pedagogia da alternância é a espinha dorsal da es-

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

cola. Nós temos instrumentos que norteiam tudo que


a gente já faz na escola. Ela não se baseia só no meni-
no que fica uma semana aqui e outra semana lá; este
método de avaliação serve como instrumento para a
pedagogia. Nós já temos quatro séries de avaliação, só
uma que é em sala; as discussões do nosso projeto e
a família que são quatro capacitações anuais, família
e encontro. Então, a pedagogia é a alma da escola; é
ela que norteia o projeto. Nós temos seis planos de
estudos que movimentam as turmas, que chamam as
disciplinas para correlacionar o que o professor fez em
sala com aquele tempo estudado. Neste tempo, os me-
ninos constroem dois textos, elaboram desenhos, rela-
tórios de visitas (também ajuda no português) (CP).

Nesse sentido, os instrumentos utilizados para o acompanha-


mento e a avaliação dos alunos no contexto da práxis pedagógica
mostram que a EFA desenvolve suas atividades na perspectiva da
alternância real que, segundo Silva (2012, p. 30),

[...] consiste em uma efetiva implicação, envolvimen-


to do alternante em tarefas da atividade produtiva, de
maneira a relacionar suas ações com a reflexão sobre
o porquê e o como das atividades desenvolvidas [...].
Trata-se, portanto, de uma situação educativa caracte-
rizada por forte interação entre os diferentes momen-
tos da aprendizagem – quer elas sejam individuais,
relacionais, didáticas ou institucionais, com possibili-
dades de transformação dos seus campos e dos atores
em presença.

É nessa ótica que Gimonet (1983, p. 52) ressalta que essa alter-
nância real permite “uma formação teórica e prática global, possibili-
tando ao aluno construir seu próprio projeto pedagógico, desenvolvê-lo
e realizar um distanciamento reflexivo sobre a atividade desenvolvida”.
Essa tipologia é definida por Bourgeon (1979) como alternância co-

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Educação do campo, artes e formação docente

pulativa, que caracteriza a compenetração efetiva dos meios de vida


socioprofissional e escolar em uma unidade de tempos formativos.
Gimonet (1983) e Silva (2012) ressaltam que a alternância real
proposta por Malglaive (1979) possibilita o intercâmbio de experi-
ências e ideias. Todavia, esse discurso de alternância real não pode ser
percebido em muitas EFAs, uma vez que a forma de escolarização
nem sempre é realizada em conformidade com os princípios pedagó-
gicos da alternância.
Dessa forma, a alternância deve ser aquela que possibilite uma
articulação de aprendizagem em seus espaços de formação em que
considera o diálogo um meio necessário para formação do ser huma-
no (SILVA, 2012).
Esse diálogo entre o mundo da escola e o mundo da
vida, a teoria e a prática, o universal e o específico,
enfim uma escola que, enraizada na cultura do cam-
po, contribui para a melhoria nas condições de vida
e de trabalho dos agricultores (as), e principalmente
numa formação humana e criativa da pessoa (SIL-
VA, 2012, p. 58).

Assim, a alternância não se trata apenas de uma sucessão alter-


nada em espaços (escola e família/comunidade) organizada por um
plano didático. A alternância representa um processo de interação
entre dois momentos de aprendizagem que se completam simultane-
amente, uma vez que a pedagogia da alternância permite a vivência
de um projeto de construção e comprometimento com o saber.
Ao serem questionados sobre a prática da alternância e os ins-
trumentos didático-pedagógicos utilizados para acompanhar, avaliar as
atividades/ações da pedagogia da alternância, os entrevistados da EFA
descreveram como acontece esse processo. De acordo com o relato do
Professor APP, no início do ano, após o levantamento de matrículas,
a escola organiza os alunos por região e cada servidor fica responsável
por acompanhá-los em sua comunidade, por meio dos instrumentos

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

pedagógicos próprios para isso.

É desde a semana que eles chegam com motivação,


[...] tem o momento de acolhida dos estudantes, de-
pois nós temos um momento de professores, moni-
tores; a gente senta em grupo para motivá-los e para
saber como foi a semana deles em casa; o que a gente
chama de acompanhamento personalizado, que para
mim é um momento único. Quando a família chega
aqui (ela é da comunidade), já sabe como é o acom-
panhamento do filho. Outra coisa que eu acho muito
bom aqui é o protagonismo; a gente trabalha muito
isso com eles; o protagonismo juvenil para eles serem
líderes. Nós temos o estudante que é o coordenador
da semana; aqui a gente trabalha como instrumento
que é [são] os alunos que coordenam o horário de en-
trar e sair. Outra coisa: as visitas são importantíssimas
[...] (PMDP).

No retorno dos alunos de suas casas, os professores realizam


um momento para recebê-los e dar-lhes a oportunidade de socializar
como foram os momentos do tempo-família/comunidade e os sabe-
res aprendidos. Segundo o Professor BPP, o “[...] foco principal é a
convivência. Eles têm que saber conviver no todo, dentro do espaço
escolar; [...] eles têm que saber interagir com todos, mesmo com pes-
soas que tenham a personalidade muito diferente das outras”.
Cabe salientar que os servidores que trabalham nessa EFA são
considerados monitores, uma vez que a proposta da pedagogia da
alternância exige a colaboração dos sujeitos no processo de aprender.
Isso pode ser observado pelo relato do Professor CPP: “Todos os
servidores são monitores! Aqui é difícil falar na palavra “professor”;
aquele que só professa na sala de aula não tem aqui, não tem como vir
para este modelo de escola dar aula e ir embora”. Analisando essa co-
locação do professor entrevistado, é possível perceber o envolvimento
que os servidores têm na organização dos afazeres da escola. Sobre

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Educação do campo, artes e formação docente

essa questão, Gimonet (2007) enfatiza que os monitores exercem a


função de tutor, orientador, acompanhante, animador da formação.
Para o desenvolvimento das atividades educativas dos estudan-
tes, foram pensadas ações a serem realizadas nos espaços de formação
escolar e comunitário. Nesse sentido, os instrumentos didático-peda-
gógicos foram organizados em quatro grupos de ações: no internato,
na comunidade, internato articulado com a comunidade e organi-
zacionais do processo de ensino e aprendizagem (ESCOLA, 2015).
No planejamento, acompanhamento e avaliação das ações da
EFA são utilizados os instrumentos pedagógicos concebidos como
dispositivos de ação que possibilitam a efetivação da pedagogia da
alternância, permitindo ao estudante relacionar-se com a família,
com os parceiros da formação, com o conhecimento científico e com
o meio socioprofissional e cultural de maneira ativa, buscando sua
formação integral e sua atuação para o desenvolvimento do meio.
Esses instrumentos têm espaços dentro da estrutura escolar e são
utilizados de forma transversal nas disciplinas curriculares (ESCO-
LA, 2015, p. 17). Para Pereira (1999, apud ESCOLA, 2015, p. 19), os
instrumentos pedagógicos são elementos metodológicos específicos
que buscam associar os saberes do cotidiano com os conhecimentos
científicos, por meio da experiência, observação, comparação, análise
e saber empírico.
Assim, os instrumentos pedagógicos auxiliam no processo de
interação entre escola, família e comunidade e estão presentes na pers-
pectiva da proposta da pedagogia da alternância, uma vez que

[...] são eles que indicam o caminho, dinamizam a


atividade ou deixam de fazê-lo, injetam sentido. Seu
conhecimento do meio, das práticas profissionais, sua
atitude, seu relacionamento com o meio profissional,
familiar e social dos alternantes, seu saber-fazer peda-
gógico, o lugar e o valor que conferem a esta ativida-
de no processo de formação tornam-se fatores de seu
êxito (GIMONET, 2007, p. 37).

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

É importante destacar que os instrumentos didático-pedagó-


gicos são elementos essenciais na dinâmica de construção do conhe-
cimento da proposta da pedagogia da alternância para a educação
do campo, uma vez que possibilitam fazer essa articulação no ato de
planejar, executar e avaliar a aprendizagem dos estudantes em seus
vários espaços de aprendizagem, como frisa o Professor APP.

É assim como a gente trabalha com os temas gerado-


res, que é um instrumento que chamamos de plano de
estudo. O plano de estudo é uma pesquisa que o aluno
realiza em casa com temas geradores, sendo que tem
um central (coletivo) da escola em cada série. [...] pelo
tema gerador eu tento inserir na minha disciplina.
Outro instrumento que depende desse que é o cader-
no da realidade; eu trabalho com a tipologia textual,
o primeiro texto que eles produzem é a dissertação
descritiva e construo com eles textos descritivos; no
texto dois eles têm que fechar tudo o que falamos e
que criar um texto apresentando o que ficou de apren-
dizado que seria a dissertação descritiva argumenta-
tiva. Eu trabalho também espanhol [...] pego o tema
cidadão que foi o tema anterior deles, e trabalho todos
os aspectos de um cidadão. Por exemplo, em espanhol
como um cidadão trabalha formal e informalmente.
Na minha disciplina não é difícil, mas tem professor
que pena muito para fazer esta junção.

Desse modo, os instrumentos pedagógicos da pedagogia da al-


ternância são utilizados na EFA para articulação das disciplinas a
partir dos temas geradores, possibilitando ao estudante um entendi-
mento global dos assuntos abordados nos espaços de aprendizagem
(escola, família, comunidade), que, para o educador Freire (1996),
facilita o processo de ensino e aprendizagem e melhora a compreen-
são do conteúdo estudado. Além disso, segundo os entrevistados, no
planejamento são levados em conta, ainda, o nível de cada turma, os

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Educação do campo, artes e formação docente

espaços de aprendizagem dos jovens e as condições oferecidas pela


escola para realização das atividades.
Para Palitot (2007, p. 17), a utilização de instrumentos peda-
gógicos próprios busca um processo de formação docente diferencia-
do e visa ao fortalecimento da relação escola/comunidade na gestão,
organização e coordenação da proposta educacional. Nas falas dos
entrevistados, percebe-se que o Plano de Estudo “é o instrumento
mais forte [...] que tem um tema central” (PCP). A partir dele, são
trabalhados os temas geradores e são desenvolvidas outras atividades,
como intervenção interna e externa (auxílio de pessoas especialistas
na área, de dentro ou de fora da instituição), colocação em comum
(socialização das ações executadas) e projeto multidisciplinar. O últi-
mo propicia apresentação dos conteúdos estudados por meio de “te-
atro, dança, música, slide, de cordel” (PCP).
Outros professores também discorreram sobre os instrumentos
pedagógicos e como são utilizados na EFA.

[...] a gente tem o plano de estudo [...] é o principal,


o mais estudado [...], a espinha dorsal; temos o ca-
derno de acompanhamento que é o instrumento que
liga a família à gente; temos o acompanhamento per-
sonalizado, o PPJ que é o Projeto Pessoal do Jovem, o
Projeto de Vida também, o caderno da realidade que
está ligado ao plano de estudo e a visita às famílias
(PMDP).

Nós temos vários instrumentos que a gente pode uti-


lizar; com relação às famílias, especificamente, nós te-
mos quatro encontros de famílias por ano [...] chama-
mos de formação das famílias; ele acontece em dois
dias; um dia só de formação que discutimos os índices
bimestrais, como foi o desempenho das turmas, qual é
o papel da família nesse processo, o que a gente preci-
sa contar com a participação destas famílias e a noite
cultural; e outro dia é assembleia de pais [...] Outro
instrumento muito usado hoje é o caderno de acom-

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

panhamento; [...] tem um registro semanal e o que eu


acompanho tem um registro que eu oriento que eu
mando recado, que eu posso incentivar o estudante e
a família (ela tem um espaço que ela pode ver como
está este filho). Este também é um instrumento que
a gente utiliza [...] dentro de sala e em todas as disci-
plinas da matriz curricular tem uma finalidade, então,
por exemplo, tem cinco horas de aula dentro da escola
e duas horas dentro da comunidade. E os professores
cobram esta atividade, este retorno e isso quando não
vem eles passam para a gente da coordenação. [...] E
nós da coordenação tentamos fazer esta ponte para
que [o elo com] a comunidade seja melhor (CP).

Os instrumentos pedagógicos revelam aspectos importantes na


dinâmica do planejamento, acompanhamento e avaliação da educa-
ção na pedagogia da alternância, dentre eles, podemos destacar os
mais utilizados: Estágio, Estágio na Propriedade, Intervenção Ex-
terna, Caderno da Realidade, Plano de estudo, Atividades na área da
agricultura, Visitas às famílias, Colocação em Comum e Caderno da
Realidade.
Vale destacar, ainda, que os planos de estudos da EFA são ela-
borados em sala de aula com a participação dos alunos, por meio
de um questionário, a partir da construção de temas geradores para
serem desenvolvidos com suas famílias nas suas comunidades. Após
a execução dos planos, os alunos socializam as ações/atividades reali-
zadas (Colocação em Comum). Diante disso, podemos perceber que
esse instrumento (Plano de Estudos) é um dos mais utilizados pelos
professores/estudantes da instituição.
Ao analisar as respostas dadas pelos professores da EFA po-
demos observar a recorrente referência à avaliação constante das ati-
vidades, via instrumentos pedagógicos, bem como o repensar cons-
tante do PPP da escola. Nesse sentido, segundo Veiga (2002, p. 32),
“acompanhar as atividades e avaliá-las leva-nos à reflexão com base

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Educação do campo, artes e formação docente

em dados concretos sobre como a escola organiza-se para colocar em


ação seu projeto político-pedagógico”.
Ainda, sobre esses instrumentos, Palitot (2007, p. 18) mencio-
na que

Os instrumentos pedagógicos da alternância possibi-


litam às escolas que a utilizam realizar a educação nas
três dimensões possíveis, que são: a educação formal
(escola), a educação não formal (práticas educativas
realizadas na comunidade e na sociedade) e a educa-
ção informal (família).

Outra prática desenvolvida pela escola são as visitas aos alunos


em suas comunidades (acompanhamento in loco). Em virtude da dis-
tância entre a escola e as comunidades de origem de muitos alunos,
essa atividade demora até dois dias, o que necessita de uma logística
de tempo e de recursos financeiros (nem sempre disponíveis à escola)
e, muitas vezes, as visitas não acontecem com a frequência necessária
para um bom acompanhamento do trabalho.
Por meio das informações obtidas nas entrevistas, é possível
observar que os sujeitos participantes acreditam que os conteúdos e
a forma como eles são trabalhados contemplam os objetivos e a pro-
posta da pedagogia da alternância. E que a prática pedagógica pro-
posta é praticada pela EFA, o que permite ao aluno aprender técnicas
que serão úteis para a vida no campo.
De acordo com as falas dos entrevistados, as práticas e projetos
desenvolvidos no cotidiano escolar estão em consonância com o que
é previsto em seu PPP. Ainda é oportuno destacar as parcerias que
contribuem para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos e
para o bom funcionamento da escola, como mencionado pelo Pro-
fessor APP.

[...] na verdade nós temos projetos que são do pró-


prio governo [...] os programas; e temos os projetos

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

de disciplinas; temos projetos junto ao Ministério de


Desenvolvimento Agrário (MDA) que são os outros
cursos de formação [...]; Ensino Médio Normal e
Técnico em Agroecologia integrada ao Ensino Médio
que é fruto de convênio com o Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e Institu-
to Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra);
temos um financiado pela Petrobras; [...] tem outros
parceiros também e dentro da nossa proposta tem
vários outros projetos também na área agrícola [...].
Dentro da estrutura nós temos uma disciplina cha-
mada de prática de agricultura e zootecnia; isso tanto
no ensino fundamental quanto no ensino médio. E no
Pronera, no Agroecologia também eles têm [...] aulas/
atividades no campo [...]. O jardim, por exemplo, é
resultado dessas aulas práticas [...].

Na área em que se situa a propriedade da EFA, existem várias


estruturas simples de Unidades Demonstrativas (UDs) e/ou pedagó-
gicas de produção implantadas relacionadas com atividades da agri-
cultura familiar, com o objetivo de ser trabalhadas dentro dos princí-
pios da sustentabilidade. Nelas, os estudantes desenvolvem atividades
voltadas para as disciplinas Práticas em Agricultura e Zootecnia. A
presença dessas estruturas, como aponta o Professor APP: “não é
para gerar uma renda para vender, mas para o estudante perceber o
aspecto [da aprendizagem] porque a gente prepara o aterro, a terra
etc”. Sobre essa questão, o professor CPP também descreve algumas
dessas atividades desenvolvidas.

[...] prática agrícola: primeiro nós construímos uni-


dades demonstrativas de estudos (temos mais de onze
unidades na escola). O que é isso? É um estudo de
bovinos, de avicultura, de oleicultura etc., no qual a
gente desenvolve estudos, pesquisa para a família ver
se é viável, [se] vai utilizar lá ou não. A gente trabalha;
é um desafio nosso que as disciplinas de base comum

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Educação do campo, artes e formação docente

se apropriem das atividades pedagógicas agrícolas e


façam essa ponte com as disciplinas.

As UDs servem como espaços de aprendizagem para realização


das aulas práticas do curso Técnico em Agropecuária Integrado ao En-
sino Médio e, ainda, como espaços de divulgação de experimentos com
vistas a motivar as famílias e comunidades camponesas na luta pela
melhoria da qualidade de vida (ESCOLA, 2015).
Segundo o Professor CPP, a EFA entende que as UDs possi-
bilitam aos alunos a aprendizagem de técnicas passíveis de aplicação
em suas comunidades, contribuindo, assim, com o desenvolvimento
daquele local. Por isso, como já mencionado, as UDs não têm a fina-
lidade de produzir em grande escala, uma vez que, se isso acontecesse,
a EFA se restringiria à parte produtiva, o que não se configura como
objetivo da escola que é o de desenvolver um trabalho que promova
a formação integral dos sujeitos.
Analisando as considerações feitas pelos entrevistados sobre a
prática e os instrumentos pedagógicos utilizados na proposta de alter-
nância, percebe-se que, para a efetivação dessa proposta, faz-se neces-
sário o enfrentamento de desafios por parte dos servidores na relação
entre teoria e prática em função da realidade de cada contexto, e atrela-
dos aos fatores sociais, econômicos, culturais e políticas, principalmen-
te quando se trata de escolas localizadas no campo.
Assim sendo, os apontamentos sobre as práticas da pedagogia
da alternância que vêm sendo trabalhados na EFA correspondem ao
defendido por Grabowski e Pacheco (2012), para quem a alternância
pressupõe uma formação educativa, integral, humana e técnica, con-
textualizada na realidade, em uma perspectiva de desenvolvimento
sustentável.
Dias (2006) ressalta que a formação integral pela alternância
acontece com o desenvolvimento dos quatro pilares da educação, elu-
cidados por Delors (2003): “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”,
“aprender a viver com os outros” e “aprender a ser”. Segundo Delors

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

(2003), o ensino deve ser estruturado a fim de que a educação surja


como uma experiência global a ser concretizada ao longo de toda a
vida, tanto no plano cognitivo quanto no prático.
Uma das dificuldades relatadas pelo Professor APP no tra-
balho com tempo-comunidade refere-se ao nível de conhecimento
de algumas famílias no que concerne a compreensão da proposta da
pedagogia da alternância. Isso dificulta o acompanhamento das ati-
vidades dos jovens no processo de ensino e aprendizagem e, princi-
palmente, no trato com os instrumentos pedagógicos da alternância,
como também nas atividades consideradas por alguns apenas como
“dias de folga”.

[...] eles acham que [como se] estudou uma semana,


então aquela semana que está em casa é para descan-
sar; não é todos [...], porque há alguns trabalhos que a
gente tem o retorno maravilhoso; o desenvolvimento
deles com a comunidade vai além desse “cumprir ta-
refas”; tem os meninos que acham que é uma semana
de folga, quando eles estão aqui a rotina é puxada; eles
têm aulas de manhã, à tarde e à noite. Até mesmo
pelas dificuldades dos pais, porque são semianalfabe-
tos; [...] nas atividades, muitas delas da pedagogia da
alternância, precisam da participação da família ou
comunidade (DP).

De acordo com a fala do Professor DP, a escola procura os


meios necessários para facilitar a articulação da alternância entre a es-
cola e a comunidade para que de fato aconteça a aprendizagem, e que
as atividades no tempo comunidade possibilitem uma ação conjunta
e integrada com as famílias. É nessa interação entre escola, famílias e
contexto sociopolítico que a construção de uma alternância integra-
tiva acontece. Nessa perspectiva, Silva (2012) ressalta que esse tipo
de educação deve possuir meios (instrumentos) que complementem
essa dinâmica com as famílias, no sentido de elas participarem da
aprendizagem, partilhando a responsabilidade de formação integral

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Educação do campo, artes e formação docente

juntamente com a escola.


Nesse sentido, Silva (2012) argumenta que, para alcançar os ob-
jetivos da pedagogia da alternância, a escola necessita utilizar os ins-
trumentos pedagógicos para que possa fazer o feedback com as famílias,
tendo em vista, ainda, a realização de reuniões com temas específicos.
Assim, a EFA articula – por meio dos instrumentos pedagógicos – essa
participação, criando situações de interação com encontros de forma-
ção, realizando palestras e atividades na e fora da escola para os pais
e alunos, diretores, monitores, no intuito de sensibilizá-los sobre as
responsabilidades mútuas.
Dessa forma, a relação entre família-escola vai se construin-
do gradativamente, podendo possibilitar uma visão mais assertiva do
trabalho da escola por parte das famílias, sobretudo no acompanha-
mento dos seus filhos no contexto escolar, como pontua o professor
DP: “[...] nesse processo há uma necessidade muito grande de a fa-
mília entender o processo; se ela não entender, não vai dar um apoio
necessário [...] que é um desafio imenso”.
A apreensão desses saberes é fundamental para que essas fa-
mílias possam lidar com as atividades do cotidiano dos seus filhos,
principalmente, em vista de que o trabalho com a alternância não
funciona sem a participação dos pais. E esse acompanhamento se dá
em diversos momentos e a partir dos instrumentos pedagógicos da
alternância.

O caderno de acompanhamento é uma forma de meio


de comunicação também entre a família e a escola; a
visita [...] nos encontros ao ano, mas há alguns casos
que tivemos que usar a suspensão da semana, [...], [se o
aluno] descumprir alguma norma mais séria ou vem re-
petindo este comportamento a gente convoca a família.
Eles comparecem neste compromisso, porque também
está no termo de compromisso na matrícula dele; a gente
não faz aquela matrícula igual ao do estado, eles se com-
prometem a acompanhar os filhos (APP).

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

Em relação à participação dos pais e da comunidade na vida dos


filhos na EFA, o entrevistado CPP assim se manifestou: “[...] a família
se envolve muito aqui na escola, [...] são parceiros muito importantes
no nosso processo. Se você tiver um problema e precisar fazer uma
reinvenção, eles estão sempre juntos com a gente”.
O plano da família é um dos instrumentos que propiciam a
participação dos familiares na tomada das decisões da EFA, isso pode
ser evidenciado quando o Professor CPP relata: “nós tivemos na se-
mana passada a reconstituição do Regimento Escolar; foi apresenta-
da às famílias a proposta [...] para o conselho poder aprovar e entrar
em vigor”; algo também elucidado pelo professor DP: “E perceptível
que existe aquele percentual que alguns pais percebem muito bem o
processo e [por] isso [...], sem dúvida, o filho avança muito”.
Grabowski e Pacheco (2012) ressaltam que a família se consti-
tui como parte fundamental do processo educacional, visto que é ela
quem oferece o primeiro contato com os espaços sociais e os valo-
res humanos. Dessa forma, ela se faz imprescindível na alternância,
representando o ponto de apoio e de integração para o processo de
aprendizagem. E ainda sobre essa questão, o PPP da EFA pesqui-
sada destaca que um dos meios necessários para o desenvolvimento
da educação por alternância é o diálogo com a realidade (ESCOLA,
2015). Essa compreensão coaduna com o ponto de vista defendido
por Caliari (2012, p. 151), para quem,

[o] diálogo com a realidade campesina permite tecer,


como eixos fundamentais, uma educação da opção,
no sentido da escolha entre valores humanos ou mer-
cantis; de uma prática agrícola agroecológica ou agro-
química, que se coloca hoje como elemento decisivo
nas opções econômicas, políticas e sociais em relação
à sustentabilidade da vida no planeta; uma educação
para percepção, no sentido de cada pessoa ou coletivo
campesino perceber-se como autores compondo um
processo que se enraíza no passado e nos saberes/fa-

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Educação do campo, artes e formação docente

zeres elaborados pelas gerações no espaço familiar e


que se projeta no futuro; e, finalmente, uma educação
para a autonomia, no sentido de os povos do campo
serem motivados a decidir suas representações, suas
artes, suas linguagens, suas estratégias e suas místicas.

É importante ressaltar que a EFA pesquisada não atua somente


na formação dos alunos, mas também dos familiares, da comunidade,
uma vez que eles são parte constitutiva da proposta pedagógica da
alternância, como bem frisado por Gimonet (2007), ao definir o tra-
balho de uma EFA. Desse modo, é propiciada a todos os envolvidos
a possibilidade de (re)criarem valores, aprenderem novos sentidos e
significados pela luta e trabalho na terra, novas relações sociais de
produção, por meio das discussões e atividades na e fora da escola e
nos encontros de formação entre pais e alunos, diretores, monitores e
outros dirigentes do movimento das EFAs.
Em relação às contribuições da pedagogia da alternância para a
formação dos estudantes, um dos entrevistados assim se manifestou:

[...] pedagogia da alternância é formar o estudante


para a vida! As escolas tradicionais formam os estu-
dantes para a carreira profissional, mas as EFAs, na
dinâmica da pedagogia da alternância, formam es-
tudantes para a vida. Para a EFA, hoje, não importa
que os estudantes não sejam aprovados no vestibular,
mas se eles conseguem viver bem na sociedade, saber
o que é direito e o que é dever deles. Se compreendem
esta proposta, vão viver muito bem lá fora. Nós temos
vários alunos nossos que estão concursados, fazendo
mestrados, são secretários e também temos os que es-
tão lá na rua. Para mim, a contribuição da pedagogia
da alternância é formar cidadão para a vida (CPP).

Sobre essa questão, Dias (2006, p. 124) explica que a pedagogia


da alternância proporciona uma formação integral e transformadora
dos jovens do campo e por meio do trabalho coletivo (escola e fa-

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

mília) possibilita o desenvolvimento de uma formação plena, algo


também definido e defendido pelo professor APP: “Ela propõe a for-
mação integral, porque não é esta formação só técnica ou científica,
ela propõe esta formação integral mesmo; [...] é constante o estudo
que você vê principalmente na parte da formação pedagógica”. O
entrevistado CP aponta para o caráter emancipatório de sujeitos que
a pedagogia da alternância possui.

Tudo nesta pedagogia forma um cidadão; tudo que


é proposto não é só formar um profissional, é formar
gente, [uma] pessoa capaz de transformar seu meio.
Então, o que eu entendo da pedagogia é que ela for-
talece o integral, o científico, o humano, o responsável.
Aquele que modifica o meio. A pedagogia fortalece
mesmo; o estudante pesquisa a comunidade, um pro-
blema ou solução; ele discute e volta e faz o retorno
para a comunidade. Ele aprende a viver com o dife-
rente, porque você imagina, na escola temos cento e
poucos jovens; dormem juntos; são responsáveis pela
sala, pela escola, organização do dormitório. Então
cria responsabilidade, humanidade, [aprendem] a
conviver com o diferente, respeitar o outro, e apren-
dem o científico; temos parceria de jovens nossos que
já foram para fora do Brasil. Nós temos um intercâm-
bio entre as EFAs nacionais, então, tem jovens que
tiveram a primeira oportunidade de viajar por aqui.
Então, esta pedagogia fortalece o todo e não vejo uma
melhor! (CP)

Diante dos elementos apontados pelos entrevistados, podemos


destacar que a maior contribuição que a pedagogia da alternância dá
aos alunos de escolas do campo é no sentido do saber, do fazer e do
ser. A concepção da ação educativa pela alternância não se restringe
somente ao contexto escolar em sala de aula, mas sim na contextuali-
zação do espaço educativo para além do ambiente interno da escola,
que permita a interação com pais, profissionais do meio, associações

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Educação do campo, artes e formação docente

de produtores, lideranças de comunidades, que também são referên-


cias de saberes e competências.
Nesse sentido, Gimonet (2007) aponta que a eficiência edu-
cativa e formativa da alternância está ligada à coerência entre todos
os componentes da situação de formação e, notadamente, entre as
finalidades, os objetivos e os meios do dispositivo pedagógico. Isso
porque, como menciona PMDP, há diferentes mundos e objetivos
nesse trabalho.

Tem muito resultado [...], a pedagogia da alternância


não se preocupa apenas com a formação do estudante
e de conteúdo, [...] a gente tenta mexer com todos os
estudantes, o lado pessoal deles, o lado profissional,
o caráter; então a gente vê muitas mudanças. Ago-
ra mesmo, eu estava conversando com um professor
que é novato, ele colocando [...] como é diferente o
respeito aqui. Claro que antigamente tinha aqueles
que eram do campo, estritamente camponês, nascido
e criado lá; hoje o que acontece? Tem pessoas que mo-
rava na cidade e estão no campo ou estavam no campo
e foram para a cidade; então é um monte de pessoas
e um monte de projetos. E aí a gente percebe muitas
mudanças! Tem caso de projeto em que o jovem vive
do projeto que ele implantou lá na comunidade dele.

Para Vergutz e Cavalcante (2014, p. 385), “a pedagogia da al-


ternância assume-se como proposta educativa na perspectiva de uma
teoria-prática emancipatória” em que ela se “apresenta em oposição
e assim, possibilita vivências de aprender e conhecer, trabalhadas
na perspectiva da horizontalidade dos saberes do campo, em outras
palavras, articulação dos saberes como alternativa de um processo
emancipatório”.
Nos relatos dos professores, observam-se evidências importan-
tes da contribuição da pedagogia da alternância para a vida dos estu-
dantes na perspectiva da formação integral das famílias e das pessoas

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A proposta da pedagogia da alternância:
uma possibilidade de construção de conhecimento

que estudaram na EFA. Isso mostra que a escola procura desenvolver


seus trabalhos para além dos conteúdos de sala de aula.

4 Considerações finais

Em observância aos objetivos da pesquisa, os resultados nos


permitem inferir que a EFA estudada apresenta pressupostos da pe-
dagogia da alternância, evidenciando perspectivas de formação in-
tegral, capazes de interferir na vida dos sujeitos que vivem no e do
campo.
Analisando os dados coletados nas entrevistas realizadas com
o diretor, o coordenador pedagógico e professores/monitores, é pos-
sível perceber que a EFA pratica a pedagogia da alternância consi-
derando os contextos socioculturais dos sujeitos que vivem no e do
campo, com vistas a realizar o processo de ensino e aprendizagem, na
perspectiva da construção de conhecimento para a formação integral.
Suas estratégias pedagógicas os ajudam a realizar as atividades em
sessão escolar e sessão família-comunidade, no sentido de articular
os saberes por meio da reflexão, ação e reflexão.
Na atuação da EFA de Porto Nacional, a alternância pode ser
caracterizada como “alternância real”, dada a sua efetiva interação
entre os diferentes momentos de aprendizagem – quer eles sejam
individuais, relacionais, didáticos ou institucionais – com possibili-
dades de transformação dos seus campos e dos atores em presença
(GIMONET, 1982, apud SILVA, 2012; BACHELARD, 1994).
A EFA desenvolve suas ações pedagógicas em consonância
com os diversos saberes, contribuindo, assim, para o processo de
construção da identidade camponesa, na busca do conhecimento
para a formação integral e desenvolvimento sustentável dos sujeitos
campesinos. Percebe-se, ainda, a repercussão das atividades desen-
volvidas nas famílias-comunidades, visto que visa à formação de um
cidadão mais politizado, que luta pelos seus direitos.

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Educação do campo, artes e formação docente

Considerando que os registros históricos marcam a negligência


das políticas educacionais à população do campo, pudemos observar
na EFA pesquisada e sentir nas falas dos entrevistados o valor e a
importância da educação em alternância para o desenvolvimento das
comunidades onde residem os estudantes. Depreende-se, também,
que, no Tocantins, ainda há muito a ser feito para ofertar uma educa-
ção do campo, para o campo e no campo. Isso nos permite dizer que
é necessário realizar pesquisas que tematizem a educação do campo
em todos os níveis de ensino e em suas diferentes perspectivas.

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Interdisciplinaridade e
Licenciatura em Educação do
Campo
Cássia Ferreira Miranda7
Maciel Cover8

1 Introdução

A educação do campo surge no Brasil como resultado da ação


dos movimentos sociais do campo que, a partir do final da década
de 1990, articulam esforços para cobrar do Estado políticas voltadas
para tal área (CALDART, 2012). O direito universal à educação e o
princípio de que os saberes dos povos do campo devem ser respeita-
dos e valorizados compõem o quadro das reivindicações pedagógicas
da proposta.
Este capítulo apresenta a experiência da Licenciatura em Edu-
cação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universida-
de Federal de Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, e anali-
sa quais as estratégias utilizadas para efetivar a interdisciplinaridade
nesse curso. Trata-se de uma análise da prática educativa com base na

7 Doutoranda em Teatro. Professora do curso de Educação do Campo da


Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. Brasil. E-mail:
cassiamiranda@uft.edu.br.
8 Doutor em Ciências Sociais. Professor do curso de Educação do Campo da
Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. Brasil. E-mail:
macielcover@uft.edu.br.

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Educação do campo, artes e formação docente

leitura do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e à luz de pesquisas


bibliográficas sobre o tema.
O curso analisado tem por objetivo formar educadores e edu-
cadoras para trabalhar na docência em artes nas escolas do campo
para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. A
ideia teve origem a partir de demandas sociais e se viabilizou atra-
vés do Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura
em Educação do Campo (Procampo), edital lançado pelo Ministério
da Educação com o objetivo de “apoiar a implementação de cursos
regulares de Licenciatura em Educação do Campo nas instituições
públicas de ensino superior de todo o país” (BRASIL, 2010).
Conforme destacam Molina e Mourão Sá (2011), a finalidade
das Licenciaturas em Educação do Campo é formar profissionais ca-
pazes de dirigir e gerir processos educativos escolares e comunitários
e atuarem em áreas específicas do conhecimento. Por responderem
a essa demanda diferenciada, os cursos desse formato se inspiram
em uma perspectiva interdisciplinar de conhecimento e organização
curricular.
A pesquisa de Carvalho e Karwoski (2015) aponta que há
poucos estudos sobre interdisciplinaridade no Brasil, e que a maioria
versa sobre experiências em cursos de bacharelado, o que indica uma
lacuna no desenvolvimento de pesquisas sobre interdisciplinaridade
nas licenciaturas no Brasil.
Em termos de educação do campo, considerando a jovialidade
do tema no meio acadêmico, que passa a emergir no final de década
de 1990, Ribeiro e Bueno (2015, p. 9), a partir de um estudo feito no
estado do Rio Grande do Sul indicam a necessidade de formação dos
educadores para práticas interdisciplinares, uma vez que os mesmos
apresentam uma prática disciplinar “presente e consolidada”.
Este capítulo reflete sobre alguns pontos relacionados à abor-
dagem interdisciplinar na formação de educadores e educadoras a
partir de algumas questões: como construir uma perspectiva inter-

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Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo

disciplinar em um ambiente acadêmico historicamente marcado pela


fragmentação do conhecimento? Que aspectos podem ser mobili-
zados para criar um ambiente escolar e universitário que favoreça a
interdisciplinaridade?

2 O processo de constituição do curso de Licenciatura em Educa-


ção do Campo com habilitação em Artes e Música

A Universidade Federal do Tocantins (UFT) é constituída por


sete câmpus universitários distribuídos em regiões estratégicas. O To-
cantins é um estado que se destaca por sua multiculturalidade, sua jo-
vialidade – teve sua emancipação do estado de Goiás, pela Constitui-
ção de 1988 – e pela diversidade natural da região Amazônica. Nesse
contexto, está fortemente marcado pelas disputas territoriais e embates
culturais.
O curso de Licenciatura em Educação do Campo com habili-
tação em Artes e Música9 tem como missão cumprir objetivamente
sua função social e atender parte da demanda educacional dos povos
do campo do Tocantins e auxiliar na formação de professores. O cur-
so é diferenciado, pois os profissionais formados atuarão nas escolas
do campo e com os povos do campo – quilombolas, ribeirinhos, agri-
cultores familiares, pescadores artesanais, extrativistas, acampados,
assentados e reassentados da reforma agrária, entre outros – e estarão
em contato direto com esses conflitos e auxiliando na emancipação
social camponesa.
Criado em 2014, o curso conta com quatro turmas em 2016: a
primeira teve início em 2014; a segunda, em 2015; e, em 2016, duas

9 Curso oferecido pela UFT, em parceria com as organizações sociais e sindicais


do campo – principalmente, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Federação dos
Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura do Estado do Tocantins (Fetaet).

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Educação do campo, artes e formação docente

novas turmas passaram a fazer parte do curso. A escolha pela área de


Códigos e Linguagens vem ao encontro da necessidade de suprir a
oferta de curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilita-
ção em todas as áreas de conhecimento para que as escolas do campo
tenham educadores camponeses habilitados nas diversas áreas.
A matriz curricular do curso está organizada em três núcle-
os de conteúdos: Núcleo comum: que aglutina elementos de or-
dem geral na formação do educador, como desenvolver habilidades
de docência, desenvolvimento de linguagem oral e escrita, pesquisa,
compreensão da realidade agrária do Brasil e da região Amazônica;
Núcleo específico: que aglutina conhecimentos referentes ao campo
das artes visuais e música; e Núcleo de atividades complementares:
que contempla atividades de extensão, pesquisa, monitorias, estágios,
viagens de campo e participação em eventos.
Ao tratar da área do conhecimento de Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Minis-
tério da Educação (BRASIL, 2000, p. 5) destacam a importância da
linguagem, visto que essa área está relacionada à

[...] capacidade humana de articular significados cole-


tivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de re-
presentação, que variam de acordo com as necessida-
des e experiências da vida em sociedade. A principal
razão de qualquer ato de linguagem é a produção de
sentido [...] [que] permeia o conhecimento e as for-
mas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar,
a comunicação e os modos de comunicar, a ação e os
modos de agir. Ele é a roda inventada, que movimenta
o homem e é movimentada pelo homem. Produto e
produção cultural, nascida por forçadas práticas so-
ciais, a linguagem é humana e, tal como o homem,
destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, plu-
ridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo.

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Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo

Quando tratamos da arte, dentro da área de conhecimento Có-


digos e Linguagens, estamos abordando diretamente a forma como o
pensamento artístico auxilia o ser humano em sua vivência, no exer-
cício de experimentar, representar e dar sentido ao mundo que o cer-
ca e do qual é parte integrante. A Arte, como manifestação cultural
das sociedades e área do conhecimento que aglutina diversas lingua-
gens artísticas – entre as quais são trabalhadas, neste momento, a
Música e as Artes Visuais – desenvolve e estimula a sensibilidade, a
percepção, a imaginação e a reflexão, possibilitando abordar o mundo
sob um viés poético e estético.
Na área de conhecimento em questão, em um curso de Li-
cenciatura em Educação do Campo, essa abordagem se fortalece e
se amplifica com o uso da arte na luta política. Os trabalhadores or-
ganizados, desde o final do século XIX, utilizam a arte como forma
de militância, congraçamento e manutenção de um sentido de per-
tencimento a um determinado coletivo (MIRANDA, 2014). Atra-
vés da representação, os grupos legitimam suas ideias e fortalecem
seus signos e posturas frente à sociedade, reforçando seu imaginário
social. Com relação à importância de trabalhar o imaginário social,
Carvalho (1990, p.10) afirma que

É por meio do imaginário que se pode atingir não só a


cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é, as as-
pirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele
que as sociedades definem suas identidades e objeti-
vos, definem seus inimigos, organizam seu passado,
presente e futuro. O imaginário social é constituído e
se expressa por ideologias e utopias, sem dúvida, mas
também – e é aqui que me interessa – por símbolos,
alegorias, rituais, mitos.

Pode-se observar a valorização da arte nos movimentos sociais


na fala de Bogo (2000, p. 80), quando reafirma o sentido da arte e dos
artistas e convoca-os a “líderes políticos”.

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Educação do campo, artes e formação docente

Os artistas e poetas assumem nesta área a condição


de líderes políticos, por isso, a estética sendo a arte
de desenvolver o belo, está profundamente ligada à
ideologia. Não existe obra de arte sem representação,
por onde a mensagem passa desenhada, esculpida ou
musicada, dizendo algo que toca a profundidade da
consciência humana, que sente prazer em poder che-
gar cada vez mais próximo da beleza.

Nesse sentido, a arte com seu potencial de produzir represen-


tações desperta o imaginário e promove a reflexão e o diálogo de
saberes, possibilitando que a interdisciplinaridade seja um elemento-
-chave na formação dos educadores e educadoras do campo.
A arte em seus vários campos disciplinares – artes cênicas, mú-
sica e artes visuais – pode ser trabalhada em atividades interdiscipli-
nares, o que possibilita o desenvolvimento de um ambiente favorável
a formar um educador do campo que transite com competência em
diferentes disciplinas.

3 A pedagogia da alternância e a construção de uma matriz


curricular interdisciplinar

Uma das características do curso de Educação do Campo é


sua concepção a partir da pedagogia da alternância, que possibilita o
seu tempo organizado em: tempo universidade e tempo comunidade.
Esse formato é voltado para a realidade dos educandos e educandas
do campo, permitindo que eles e elas mantenham suas atividades
sem ter que optar entre suas tarefas em família/comunidade e sua
formação escolar.
Essa situação já foi constatada como um dos motivos respon-
sáveis pela dificuldade de escolarização das populações camponesas
(SILVA, 2011), por isso, atualmente, o semestre letivo do curso é
composto por três tempos universidade e dois tempos comunida-

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Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo

de. No tempo universidade, geralmente com o tempo de duas sema-


nas, os educandos e educandas participam das aulas no Câmpus de
Tocantinópolis. No tempo comunidade, que abrange cerca de um
mês, os educandos e educandas desenvolvem atividades educativas
em suas comunidades de origem. Vê-se, como observam Scalabrin e
Sousa (2013), que tempo universidade não é apenas o lugar da teoria,
como também o tempo comunidade não é apenas o lugar da prática.
Teoria e prática são indissociáveis e nos diferentes tempos existem
espaços para estudar e aprofundar temas teóricos, como também para
analisar práticas que são desenvolvidas pelos educandos.
No currículo da Licenciatura em Educação do Campo, a maior
parte das disciplinas tem a carga horária composta por 40 horas no
tempo universidade, nas quais são realizadas as aulas, e 20 horas no
tempo comunidade, nas quais se desenvolvem atividades educativas,
voltadas às demandas disciplinares. Entre essas atividades estão a re-
alização de exercícios, as leituras dirigidas e as pesquisas nas comu-
nidades, sempre procurando manter o diálogo entre os conteúdos
trabalhados em aula e as realidades vivenciadas em comunidade. Esse
formato auxilia na construção e no fortalecimento da alternância ao
mesmo tempo que fomenta o diálogo entre os dois tempos e a cons-
trução coletiva de saberes.
O seminário integrador tem a mesma dinâmica das demais
disciplinas e tem carga horária de 30 horas, sendo 15 horas de tempo
universidade e 15 horas de tempo comunidade. Durante o tempo
universidade são organizados encontros com as turmas para preparar
e discutir as pesquisas a serem feitas no tempo comunidade e analisar
os dados coletados.
A duração do curso é de oito semestres e, em cada um, há uma
disciplina de seminário integrador, que tem os seguintes objetivos:
ser o elo de comunicação entre as diferentes disciplinas oferecidas no
semestre; aprimorar as habilidades de pesquisa dos discentes; manter
o diálogo entre os saberes universitários e os saberes camponeses na
construção de novos saberes. Todo esse esforço é para buscar a inter-

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Educação do campo, artes e formação docente

disciplinaridade e evitar, conforme Scalabrin (2011, p. 251),

[...] a fragmentação do conhecimento [que] não se


restringe apenas à existência das disciplinas trabalha-
das como caixinhas isoladas, mas também na superio-
ridade do conhecimento científico e na negação dos
conhecimentos tradicionais, populares, empíricos, dos
sujeitos.

Ao optar por construir a interdisciplinaridade nessa licencia-


tura, o projeto pedagógico do curso se fundamentou nos seguintes
princípios: a formação contextualizada; a realidade e as experiências
das comunidades do campo como objeto de estudo e fonte de conhe-
cimentos; a pesquisa como princípio educativo; a indissociabilidade
entre teoria e prática; o planejamento e a ação formativa integrada
entre as áreas de conhecimento; os alunos como sujeitos do conhe-
cimento; e a produção acadêmica para a transformação da realidade
(UFT, 2014, p. 23).
A formulação do curso parte do diagnóstico de que, embora a
interdisciplinaridade seja fundamental, o que predomina no meio uni-
versitário é um modelo fragmentado, disciplinar. A proposta do curso,
então, é apostar na interdisciplinaridade como matriz formativa, como
concepção de organização curricular, que busca adequar a prática no
decorrer do andamento do processo formativo. Parte-se da análise da
prática para poder refletir, aperfeiçoar e aprimorar o fazer educativo. A
possibilidade de construir a interdisciplinaridade no decorrer do pro-
cesso pedagógico supõe a flexibilidade do planejamento e a adequação
de acordo com a avaliação do trabalho em andamento.
Para que o processo pedagógico seja exitoso, necessita-se tam-
bém que o trabalho docente seja solidário e coletivo, e que o planeja-
mento e a avaliação da prática em grupo aconteçam. Superar a frag-
mentação ou a individualização do trabalho do professor é um dos
passos desejados para se fazer a interdisciplinaridade. O horizonte
é uma proposta de currículo interdisciplinar, no entanto, o fato de o

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Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo

curso estar ancorado em práticas institucionais construídas e inseri-


das em uma concepção marcadamente disciplinarizante faz com que
seja preciso se partir de uma grade curricular. Para se chegar a uma
prática pedagógica interdisciplinar, o projeto pedagógico do curso,
inspirado em Santomé (1998, apud UFT, 2014, p. 25), sugere os se-
guintes passos:

a) integração correlacionando diversas disciplinas;


b) integração através de temas, tópicos ou ideias; c)
integração em torno de uma questão da vida prática
e diária; d) integração a partir de temas e pesquisas
decididos pelos estudantes. Além da possibilidade
ainda de: 1) integração através de conceitos; 2) inte-
gração em torno de períodos históricos e/ou espaços
geográficos; 3) integração com base em instituições e
grupos humanos; 4) integração em torno de desco-
bertas e invenções; 5) integração mediante áreas de
conhecimento.

4 O exercício da interdisciplinaridade a partir da disciplina


Seminário Integrador

Ao estabelecermos que o horizonte pedagógico está relaciona-


do à perspectiva da interdisciplinaridade, é pertinente fazermos a se-
guinte pergunta: como chegar até esse horizonte? Que passos devem
ser programados para se construir uma matriz curricular que supere
a fragmentação do conhecimento?
No caso que se analisa, os Seminários Integradores I a VIII são
o espaço central reservado na grade curricular do curso para garan-
tir o exercício da interdisciplinaridade e integrar as diferentes áreas
de conhecimento trabalhadas nos semestres, em consonância com o
saber que os educandos trazem de suas experiências de vida. Como
orienta a ementa da disciplina, é o “espaço de diálogo interdiscipli-

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Educação do campo, artes e formação docente

nar para discussão das atividades realizadas no bloco. Assim como


preparação do instrumento de pesquisa para o tempo comunidade,
envolvendo todos os docentes e discentes do bloco” (UFT, 2014).
No Seminário Integrador, em cada semestre, é escolhido um
tema gerador que articule as diferentes disciplinas e se adeque à rea-
lidade dos educandos e educandas. Cada docente prepara um roteiro
com algumas perguntas, com base na intencionalidade pedagógica de
sua disciplina em conexão com o tema gerador. Dessa maneira, cada
educando vai para o tempo comunidade com cinco ou seis diferentes
roteiros de questões para pesquisar e refletir.
Os dados coletados são registrados em um instrumento cha-
mado, por exemplo, no Seminário Integrador I, de “Memorial des-
critivo10”. Cada professor coordena e orienta um grupo de discentes,
tanto na coleta de dados no tempo comunidade como posteriormen-
te na confecção dos memoriais descritivos. Durante o tempo uni-
versidade seguinte a essa coleta de dados, os educandos em conjunto
com os professores preparam seus relatórios de pesquisa – memoriais
descritivos ou outro registro – para, posteriormente, no final do se-
mestre, apresentarem os resultados dessas pesquisas para os demais
discentes e para a comunidade.
Foi dessa forma que aconteceu com a primeira turma do curso,
iniciada em 2014.1. Durante o primeiro semestre, no Seminário Inte-
grador I, os educandos realizaram suas pesquisas, refletiram e produzi-
ram seu memorial descritivo com o tema gerador escolhido por eles e
pelos docentes do curso, no caso, o tema foi Conhecendo a comunidade.
A reflexão e a produção de conhecimento frutificaram em uma produ-
ção audiovisual que culminou em uma mostra denominada Mostra de
vídeos de 1 minuto. Esse trabalho foi desenvolvido ao longo do segundo
semestre do curso, 2014.2, entre as disciplinas do período e a disciplina
Seminário Integrador II.

10 O memorial descritivo é inspirado na experiência de produção do caderno da


realidade, desenvolvido pelas Escolas Famílias Agrícolas (SILVA, 2011).

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Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo

5 O desenvolvimento do Seminário Integrador III: turma 2014.1

A turma que em 2015.1 estava no terceiro período do curso in-


gressou com 95 alunos e no primeiro semestre de 2016 estava com
62 alunos, dividida em duas turmas de 31 alunos cada uma. Nesse se-
mestre foram trabalhadas as disciplinas de Prática Coral I, Teoria e
Percepção Musical, Estética e Filosofia da Arte, Filosofia da Educação,
Metodologia Científica, Didática Geral e Seminário Integrador III.
Como a turma já havia trabalhado nos semestres anteriores com
temas geradores que propunham a reflexão acerca de suas comunida-
des, optou-se por experimentar um tema gerador que pudesse traba-
lhar alguma temática que necessitasse ser colocada em debate e que
pudesse ser comum à realidade dos educandos e das educandas. Além
disso, como estava sendo trabalhada a disciplina Didática, pensou-se
em utilizar como produto final do Seminário Integrador III a utili-
zação das pesquisas e reflexões para elaboração de um instrumento
pedagógico que pudesse compor o acervo dos futuros educadores e
educadoras. A abordagem escolhida foi a “Oficina pedagógica” por se
considerar um importante instrumento de diálogo e construção de
saberes entre docentes e discentes (PAVIANI; FONTANA, 2009).
Os temas geradores escolhidos foram Intolerância religiosa e
Direito à memória e à verdade. O primeiro por ter sido detectada a
necessidade de ser reforçada na região a questão do Estado laico e
de uma educação igualmente laica, em que se respeitem e acolham
as diferenças. O segundo, pelo curso estar situado na microrregião
denominada Bico do Papagaio, na qual, durante a Ditadura Militar
brasileira, ocorreu a sangrenta Guerrilha do Araguaia.
Ainda hoje, o silêncio relacionado a esses acontecimentos impera
na região e muitas são as famílias que esperam por notícias de seus “de-
saparecidos políticos”. A proposta de diálogo com o tempo comunidade
foi alterada devido à greve nacional dos servidores e professores federais,
que fez com que tivéssemos apenas um tempo comunidade, que serviu

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Educação do campo, artes e formação docente

para observação, coleta e reflexão acerca das problemáticas dos temas


geradores nas comunidades dos discentes.
Os encontros que ocorreram durante os dois tempos universi-
dade serviram para problematizar os temas geradores e refletir sobre
a concepção das oficinas pedagógicas. Os planos de oficinas peda-
gógicas pensados pelos educandos e educandas deveriam levar em
consideração os conteúdos ministrados nas demais disciplinas, pro-
curando trabalhar a interdisciplinaridade sempre que possível. Para
tal, também foi incentivado que as ações propostas para as oficinas
fossem pensadas para serem aplicadas na área de formação do curso:
populações do campo – crianças, jovens e adultos – utilizando as lin-
guagens de artes visuais e música.
Os educandos e educandas se organizaram em trios ou quartetos
e foram orientados pelos professores e professoras que atuavam no se-
mestre. Cada professor ou professora ficou responsável pela orientação
direta de cerca de doze alunos. Ao final do semestre, foram entregues
os planos de oficinas pedagógicas pensadas em torno dos dois temas
geradores: Intolerância religiosa e Direito à memória e à verdade.

6 O desenvolvimento do Seminário Integrador I: turma 2015.1

No semestre 2015.1, iniciado em maio de 2015, ingressaram


duas turmas com 50 educandos/educandas em cada uma. As disci-
plinas trabalhadas no primeiro semestre foram Língua Portuguesa;
Movimentos Sociais; História de Vida; História da Arte; Estado,
Sociedade e Questões Agrárias.
O tema gerador escolhido pelos docentes para trabalhar foi
Conhecendo a comunidade. Durante o primeiro tempo universidade,
a primeira atividade do seminário integrador para os alunos foi a
participação na II Jornada Universitária pela Reforma Agrária, even-
to que contou com algumas palestras sobre Análise de Conjuntura

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Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo

Nacional e sobre o Projeto Regional Matopiba,11 que afeta as comu-


nidades rurais, quilombolas e indígenas da região.
A outra parte do tempo da disciplina foi utilizada em um en-
contro em que estiveram presentes todos os professores, professoras,
educandos e educandas. Houve a apresentação de grupos coordenados
pelos docentes que orientam as atividades realizadas a partir de cada
disciplina para buscar Conhecer a comunidade.
Cada educador ou educadora acompanhou um grupo com cer-
ca de quinze discentes. Em cada disciplina, os educandos e educandas
tinham questões relacionadas ao tema gerador. Como, por exemplo:

• História da Arte: entrevistar um artista da comunidade;


• Língua Portuguesa: observar e registrar os modos de falar e
de escrever de cada comunidade;
• Estado, Sociedade e Questões Agrárias: levantar dados so-
bre a estrutura fundiária do município de cada educando;
• Movimentos Sociais: entrevistar um integrante de algum
movimento social da comunidade ou município;
• História de Vida: entrevistar três pessoas idosas;
• Fundamentos da Notação Musical: mesmo não tendo sido
oferecida, sugerimos aos educandos que elegessem uma mú-
sica marcante em suas trajetórias.

Conforme comentado anteriormente, o semestre 2015.1 teve


apenas dois tempos universidade e um período de tempo comunida-
de. Durante o segundo tempo universidade, os educandos e educan-
das se reuniram em grupos com os professores para resolver questões

11 Trata-se de um projeto do governo federal para promover a agricultura


empresarial em quatro estados brasileiros: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, por
isso do acrônimo Matopiba. A crítica dos movimentos sociais do campo é de que
esse projeto prevê investimentos no agronegócio e ameaça os direitos à terra, à água
e ao território das comunidades camponesas.

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Educação do campo, artes e formação docente

sobre a confecção do memorial descritivo. A apresentação aconteceu


em dois momentos: no primeiro, os educandos e educandas apresen-
taram seus trabalhos no grupo junto com o professor coordenador;
no primeiro, os discentes apresentaram seus trabalhos junto com seu
orientador ou sua orientadora; no segundo, dois educandos e educan-
das de cada grupo apresentaram o trabalho para o coletivo.
Em termos gerais, pode-se observar uma participação satisfa-
tória dos educandos e educandas que desenvolveram as pesquisas,
as entrevistas e os levantamentos de dados. Esse material permitiu
mergulhar na vida das comunidades e observar que os temas discuti-
dos em sala de aula têm conexão com a realidade vivenciada por eles.
O memorial descritivo, mesmo sendo organizado em uma
perspectiva de registro disciplinar – ou seja, separado por temáticas
– também permite fazer um balanço ao final da pesquisa e criar co-
nexões entre a realidade estudada e as disciplinas. Em muitos casos,
esse trabalho possibilitou pontes entre as disciplinas Movimentos
Sociais com História de Vida, ou com Estado, Sociedade e Questões
Agrárias, e assim por diante. A realização da pesquisa no tempo co-
munidade e a composição do memorial descritivo permitiram tam-
bém discutir técnicas e estratégias de pesquisa com os educandos e
educandas. O exercício de fazer entrevistas e observar os contextos
em diferentes temas levou os educandos e educandas a ingressar no
mundo da pesquisa já desde o primeiro semestre na universidade.

7 Considerações finais

Em um contexto de ensino superior, em que se postula a ne-


cessidade de formar educadores que possam ir além do modelo de
ensino que fragmenta o conhecimento, alguns aspectos observados
no curso de Licenciatura em Educação do Campo se mostram como
alternativas para exercer com mais eficiência a interdisciplinaridade.
A organização do curso a partir da pedagogia da alternância,

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Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo

que permite vivenciar um tempo na universidade e um tempo na


comunidade, viabiliza o desenvolvimento de atividades que fomen-
tem o diálogo entre os conhecimentos apresentados pelos professores
em sala de aula e os conhecimentos que os educandos têm em seu
mundo social, em sua trajetória de vida e através das pesquisas desen-
volvidas no tempo comunidade. Observamos, durante a análise desse
curso, que a pedagogia da alternância favorece o desenvolvimento de
um ambiente interdisciplinar.
O seminário integrador também possibilita um ambiente inter-
disciplinar. O fato de realizar pesquisas que contemplem habilidades
das diversas áreas do conhecimento que culminarão em uma produção
científica, produto de suas pesquisas e reflexões, faz com que os edu-
candos e educandas concretizem uma atuação abrangente e associada.
Além disso, o fato de estarem todos os professores e professoras atuan-
do juntos possibilita um momento ímpar de avanço coletivo, no qual
discentes e docentes refletem problemas das comunidades, debatem
conceitos e buscam soluções/alternativas de atuação.
A partir da análise de todo o movimento estimulado pela dis-
ciplina de Seminário Integrador, pudemos perceber uma mudança
no olhar de alguns educandos e educandas com relação à pesquisa.
Antes tida como algo apenas para “alguns”, algo “distante”, “difícil”,
ao longo dos semestres houve a construção de uma relação com o ato
de pesquisar, a coleta de dados, a construção do diálogo e da reflexão
entre os dados e a teoria que foram trabalhados nas disciplinas. Hou-
ve um interesse maior pela pesquisa e pela escrita de artigos. Esse
fato só vem a contribuir para a formação de nossos futuros professo-
res e professoras que, ao refletirem e teorizarem sobre suas práticas,
aprimorarão ainda mais seus trabalhos e auxiliarão aqueles que estão
dando seus primeiros passos.
Adotar um espaço na grade curricular para exercitar a interdis-
ciplinaridade tem se demonstrado um meio pertinente de conectar
os diferentes saberes que são discutidos em cada etapa do curso, a
partir das distintas disciplinas oferecidas pelos docentes, e os conhe-

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Educação do campo, artes e formação docente

cimentos que os educandos e educandas trazem em sua experiência


de vida junto às suas comunidades. O limite para lidar com o tema
da interdisciplinaridade na grade curricular pode ser visto na lingua-
gem acadêmica que utilizamos, já que temos uma “disciplina” para
exercitar a “interdisciplinaridade”. No entanto, tanto no projeto do
curso quanto na prática dos docentes, tem-se em mente, em conso-
nância com Rodrigues (2011), que a interdisciplinaridade deve ser
vista como um processo e não apenas como um conjunto de proce-
dimentos.
Ademais, os cursos de Licenciatura em Educação do Campo
surgem em um campo de inspiração contra-hegemônica e isso nos
indica que exercitar a interdisciplinaridade é um ato positivo no sen-
tido de congregar diferentes saberes para universalizar o ensino supe-
rior junto às populações do campo, desde que isso não indique uma
desvalorização dos saberes que essas populações constroem.

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Educação do campo, artes e formação docente

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Percurso metodológico para
construções identitárias na
formação de professoras e
professores do campo no norte
do Tocantins: reflexões a partir
da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do
Campo com habilitação em
Artes e Música, da UFT – Câmpus
Tocantinópolis
Ubiratan Francisco de Oliveira12

As reflexões que aqui serão apresentadas partem das experiên-


cias com a criação e implantação do curso de Licenciatura em Edu-
cação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universi-
dade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis, situado em

12 Doutorando em Geografia pelo IESA/UFG. Professor do curso de Educação


do Campo UFT. E-mail: bira@uft.edu.br.

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Educação do campo, artes e formação docente

Tocantinópolis, região do Bico do Papagaio, Tocantins.


Em 2012, a Universidade Federal do Tocantins (UFT) aprovou,
via edital do MEC para o Programa Nacional de Formação de Pro-
fessores do Campo (Procampo), a criação do curso de Licenciatura em
Educação do Campo para os câmpus de Arraias e Tocantinópolis. No
segundo semestre de 2013, iniciou-se a implantação do curso. A pri-
meira turma de Tocantinópolis no primeiro semestre de 2014 contou
com 75 discentes do norte do Tocantins e sudoeste do Maranhão.
O regime de ensino foi estruturado segundo a pedagogia da
alternância. As aulas se realizavam entre tempo universidade (40 ho-
ras), tempo comunidade (20 horas) e seminários integradores. Cada
disciplina exigiu o desenvolvimento de atividades de pesquisa sob a
orientação de um eixo temático comum para todas. Em cada semes-
tre foram destinadas 30 horas para realização de seminários de so-
cialização e orientação dos trabalhos de campo realizados no tempo
comunidade.
A diversidade do homem e da mulher do campo foi bem re-
presentada na primeira turma de licenciatura, constituída por indí-
genas do grupo étnico Apinayé; quilombolas das comunidades de
Cocalinho – norte do Tocantins e Mumbuca – Jalapão; assentados
e assentadas da reforma agrária; professores e professoras de comu-
nidades rurais; jovens vindos de famílias da agricultura familiar, da
pesca, quebradeiras de coco babaçu que vivem do extrativismo, das
cidades e vilas da região.
Do ponto de vista das classes sociais, são trabalhadores e tra-
balhadoras, militantes de movimentos sociais do campo e da cidade,
grupos religiosos, comunidades tradicionais que compreendem uma
grande camada da população do Bico do Papagaio. Historicamente,
são pessoas da localidade a quem foram negados direitos essenciais,
como educação de qualidade, saúde, segurança e trabalho digno e que,
por meio de políticas de acesso e permanência, compõem hoje o novo
cenário social das universidades brasileiras dos últimos anos. São “ou-
tros sujeitos” que exigem uma “outra pedagogia” (ARROYO, 2014).

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo
no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música, da UFT – Câmpus Tocantinópolis

São eles, os novos/velhos atores sociais em cena. Esta-


vam em cena, mas se mostram como atores em públi-
co, com maior ou novo destaque. Seu perfil é diverso,
trabalhadores, camponeses, mulheres, negros, povos
indígenas, jovens, sem teto, sem creche... Sujeitos co-
letivos históricos se mexendo, incomodando, resistin-
do. Em movimento. Articulados em lutas comuns ou
tão próximas por reforma agrária, urbana, educativa.
Por trabalho, salários, carreira. Por outro projeto de
campo, de sociedade. [...] Às escolas e às universi-
dades chegam outros educandos trazendo outras in-
dagações para o pensar e o fazer pedagógicos. (AR-
ROYO, 2014, p. 26)

Educação do campo que não compreende nem respeita o tem-


po/espaço da mulher e do homem do campo tende a ser uma falsa
educação. É preciso entender que chegar ao campo para impor con-
teúdos e práticas pedagógicas dos centros urbanos não é educação
do campo, é colonização, é opressão. Não há nada mais perigoso no
pensamento pedagógico do que a ideia de “tirar o outro/outra da
ignorância”. Esses sujeitos trazem consigo consciências de luta e re-
sistência (ARROYO, 2014). A educação opressora nega a condição
de potência dos povos do campo e, muitas vezes, essa condição é
estabelecida por educadores e educadoras defensores da educação
libertadora, mas com o pensamento de levar a liberdade e não de
construí-la com eles, libertando-os e se libertando ao mesmo tempo.

A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no


fundo, “ação cultural” para a liberdade, por isto mes-
mo, ação com eles. A sua dependência emocional,
fruto da situação concreta de dominação em que se
acham e que gera também a sua visão inautêntica do
mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opres-
sor. Este é que se serve desta dependência para criar
mais dependência (FREIRE, 1987, p. 30).

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Educação do campo, artes e formação docente

A educação do campo resulta de anos de luta por acesso, per-


manência, resistência e existência dos povos do campo no campo,
homens e mulheres de um riquíssimo processo de formação política
que se tornaram sujeitos e sujeitas que não se encontram na condição
de coisas, mas sim de humanos. A educação que receberam fora da
escola lhes deu condições de potentes agentes de transformação e
educação que poderão contribuir para construção coletiva de conhe-
cimento. Para esses sujeitos e sujeitas,

Não se propõe como educá-los, mas como se edu-


cam, nem como ensinar-lhes, mas como aprendem,
nem como socializá-los, mas como se socializam,
como se afirmam e se formam como sujeitos sociais,
culturais, cognitivos, éticos, políticos que são (AR-
ROYO, 2014, p. 27).

A educação do campo se torna territorial ao se vincular à luta


pela terra, aqui ela ganha uma dimensão espacial e, acima de tudo,
ontológica. Podemos dizer a dimensão ontológica do território cam-
ponês. Território e identidade se tornam categorias fundamentais
para analisar o papel da educação do campo no processo de luta e
apropriação da terra pela classe trabalhadora e por comunidades tra-
dicionais. A educação do campo tem papel fundamental na constru-
ção de identidades que fazem com que homens e mulheres do cam-
po se reconheçam como povos do campo – camponeses, indígenas,
quilombolas, pescadores, extrativistas ou agricultores – e somente a
partir dessa identidade se inicia o processo de luta por seus direitos
essenciais para uma vida com qualidade no campo. Ao assumirem
suas identidades, saem da condição de “coisas” para condição de ho-
mens e mulheres.

É como homens que os oprimidos têm de lutar e não


como “coisas”. É precisamente porque reduzidos a
quase “coisas”, na relação de opressão em que estão,
que se encontram destruídos. Para reconstruir-se é

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo
no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música, da UFT – Câmpus Tocantinópolis

importante que ultrapassem o estado de quase “coi-


sas”. Não podem comparecer à luta como quase “coi-
sas”, para depois ser homens. É radical esta exigência.
A ultrapassagem deste estado, em que se destroem,
para o de homens, em que se reconstroem, não é “a
posteriori”. A luta por esta reconstrução começa no
autorreconhecimento de homens destruídos (FREI-
RE, 1987, p. 31).

Em uma perspectiva dialógica e dialética, a construção das


identidades dos povos do campo na educação do campo não se dá a
partir da leitura de mundo do educador sobre esses povos, mas sim a
partir do diálogo com esses povos sobre essas identidades que irão se
manifestar dialeticamente. Segundo Kosik (1976), “A dialética trata
da ‘coisa em si’, mas a ‘coisa em si’ não se manifesta imediatamente
ao homem”. Essas identidades não se manifestam à primeira vista aos
olhos do educador e dos seus educandos, a não ser como representa-
ções rasas sobre as mesmas.

[...] o pensamento dialético distingue entre represen-


tação e conceito da coisa, com isso não pretendendo
apenas distinguir duas formas e dois graus de conhe-
cimento da realidade, mas especialmente e, sobretudo,
duas qualidades da práxis humana. A atitude primor-
dial e imediata do homem, em face da realidade, não
é a de um abstrato sujeito cognoscente, de uma mente
pensante que examina a realidade especulativamente,
porém, a de um ser que age objetiva e praticamente,
de um indivíduo histórico que exerce a sua atividade
prática no trato com a natureza e com os outros ho-
mens, tendo em vista a sua consecução dos próprios
fins e interesses, dentro de um determinado conjunto
de relações sociais (KOSIK, 1976, p. 13).

Aqui as identidades não são o ponto de partida e sim o ponto


de chegada do processo de construção coletiva de conhecimento de

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Educação do campo, artes e formação docente

professores e professoras do campo. O que os une ao campo? O que


os leva ao campo como futuros educadores? Em qual momento de
suas vidas se encontraram com o campo? De alguma forma, no nor-
te do Tocantins, como em grande parte do território brasileiro, em
pequenas cidades ou em grandes metrópoles, encontramos raízes de
uma vida rural presentes na família ou nos hábitos e costumes do dia
a dia. Principalmente em um país que passou a maior parte de sua
existência sob um sistema econômico agrário.
É fundamental para a educação do campo que seus futuros
educadores/educadoras da educação básica sejam sujeitos e sujeitas
do campo. Mas o que vem a ser um sujeito e uma sujeita do campo
na atualidade? Quais os elementos marcantes de suas culturas que
podem identificá-los como pertencentes à população do campo?
Para Bourdieu (1999), os lugares, sejam no campo ou nas cidades,
são carregados de elementos culturais manifestados na linguagem,
nas roupas, nas músicas, no jeito de caminhar e de se comunicar com
as mãos, entre outros. Elementos que dirão de onde você ou ele é.
Para proporcionar momentos de reflexão sobre a construção de
identidades na educação do campo, foram pensados entre educadores
e educandos quatro processos de construção coletiva do conhecimento:

a) da história de vida desses sujeitos e sujeitas;


b) sobre o campo enquanto espaço social (político,
cultural, natural) que se reproduz nas relações entre
humanos e deles com a natureza;
c) da luta coletiva e dos movimentos sociais do e no
campo como forma de resistências e reexistências
camponesas;
d) do lugar dos povos do campo no mundo e de suas
realidades diante da totalidade que os envolve, ou seja,
o lugar no mundo e o mundo no lugar, por meio da
construção coletiva de cartografias sociais.

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo
no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música, da UFT – Câmpus Tocantinópolis

Em uma proposta dialógica de educação, a história de vida ga-


nha dimensão metodológica fundamental, pois além de ser um con-
teúdo importante a se tratar, é um instrumento metodológico de um
percurso dialógico de construção coletiva do conhecimento. Nessa
proposta, são trabalhadas oficinas de relatos de vidas, socializações e
sistematizações das oralidades, das linguagens e dos signos que unem
o coletivo.
Diante das diversidades socioculturais da sociedade contem-
porânea hegemonicamente dominada por uma ideologia capitalista
industrial, o campo não poderia deixar de sofrer suas influências: um
campo atravessado por ideologias de uma sociedade industrial urba-
na e neoliberal que coloca em xeque valores e tradições da cultura de
seus povos, e que ele, como espaço social, está suscetível às transfor-
mações da modernidade.
Não deixará de ser campo por adquirir formas e conteúdos da
sociedade contemporânea. Também não significa que manter tradi-
ções seja algo sempre positivo, pensando a partir de uma tradição
agrária escravista, coronelista e machista de nossa história, pois “du-
rante a maior parte de sua história, a modernidade reconstruiu a tra-
dição enquanto a dissolvia” (GIDDENS, 2012, p. 22). Um elemento
que contribui fortemente para a desconstrução da identidade dos po-
vos do campo é o fato de ele ser considerado o lugar do atrasado, mal
educado, ignorante, entre outros adjetivos pejorativos.

O termo modernidade, que possui tantas definições,


remete, invariavelmente, ao transcurso do tempo, às
transformações sociais por rupturas, à difusão territo-
rial seletiva de próteses geotécnicas e a intencionali-
dades transfronteiriças realizadas. Apesar de o avesso
da ideia de modernidade ser o passado arcaico e re-
gular e por trazer assimetrias como as de um antigo e
novo, ganhadores e perdedores, vencedores e vencidos,
o patrimônio-territorial latino-americano materializa
ações e guarda essências de processos cuja longa dura-

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Educação do campo, artes e formação docente

ção promoveu avanços e retrocessos sociais no conti-


nente (COSTA, 2016, p. 167).

É preciso considerar nesses tempos de modernidade que o


avanço dos sistemas de comunicação, em que as informações circu-
lam com tanta facilidade, tem influenciado a linguagem, as roupas e
as músicas dos povos do campo. Padronizando costumes e contri-
buindo para que jovens saiam do campo em busca de “vida melhor”
na cidade. Contudo, é possível que haja elementos resistentes que
ainda possam identificar homens e mulheres como povos do campo?
Do mesmo modo, qual a modernização que pode, de fato, significar
ganhos para a classe trabalhadora? Uma modernização que não seja
um apêndice das modernizações burguesas? Independente de ser no
campo ou nas cidades, as instituições controlam o sistema produtivo
e produzem as tradições que lhes convêm.

A experiência global da modernidade está interligada


– e influencia, sendo por ela influenciada à penetração
das instituições modernas nos acontecimentos da vida
cotidiana. Não apenas a comunidade local, mas as ca-
racterísticas íntimas da vida pessoal e do eu tornam-se
interligadas a relações de indefinida extensão no tem-
po e espaço (GIDDENS, 2012, p; 94).

No contexto apresentado por Giddens, é necessário que as


identidades dos sujeitos e sujeitas do campo convirjam para uma
identidade comum de classe social, o que contribuirá para o forta-
lecimento da luta contra-hegemônica por meio de uma “práxis co-
letiva”, como explica Silva (2014, p. 60) “Enfim, uma práxis coletiva
de inscrição na história e na construção de quadros compreensivos,
como repertórios que evidenciam não só pertencimentos, mas en-
frentamentos no mundo social”.
Ao trabalhar a história de vida na educação do campo, busca-

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo
no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música, da UFT – Câmpus Tocantinópolis

mos extrair elementos “memorialísticos” que podiam mostrar em que


momento do espaço e do tempo esses sujeitos e sujeitas se encontra-
vam, fossem eles e elas, camponeses, indígenas, quilombolas, pesca-
dores, extrativistas ou trabalhadores das cidades do Bico do Papagaio.
No início do curso, logo nos primeiros dias de aula, foi propos-
ta a realização da primeira oficina de História de Vida, dividida em
cinco grupos coordenados pelos docentes do curso de Educação do
Campo. Após as oficinas, dos 75 discentes presentes, 5 se apresenta-
ram como assentados da reforma agrária, 3 como pertencentes a mo-
vimentos sociais do campo, 3 quilombolas e um indígena Apinayé, 8
professoras e 1 professor do campo. Os demais, como moradores das
cidades da região do Bico do Papagaio e sudoeste do Maranhão.
Eles pertenciam a cidades pequenas com características bem
rurais, com populações com baixa escolaridade, alto índice de analfa-
betismo, um histórico migratório relevante e relações familiares bem
próximas ao campo (muitos eram filhos e/ou netos de retirantes do
campo, pescadores e extrativistas).
Os educandos e educandas saíram do tempo universidade com
a tarefa de pesquisar suas comunidades, suas tradições nas artes e
como era a vida social e política. Entre as atividades do tempo comu-
nidade, eles foram orientados a desenvolver as seguintes pesquisas:
as pessoas mais antigas das comunidades (quem eram e como foram
parar lá); as linguagens locais não formais (modo de falar e até escre-
ver na comunicação); a existência de movimentos sociais e a estrutura
da produção agrária (quais movimentos de luta por terra, tamanho
das propriedades e produção desenvolvida no local); e, por fim, as
atividades culturais e artísticas (músicos, poetas, artistas plásticos,
contadores de causos, entre outros).
Ao retornarem e apresentarem suas pesquisas em seminários
integradores, os resultados foram ricos e surpreendentes. Tradições
na culinária, na oralidade, na forma de vestir e nos mitos religio-
sos convergiam a identidades coletivas que os uniam, existência de

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Educação do campo, artes e formação docente

culturas religiosas que hoje são negadas pela família, levando em


consideração as influências da crescente intervenção evangélica nas
comunidades rurais nos últimos anos. Muitos declararam que, apesar
de viverem desde a infância em suas comunidades, não haviam perce-
bido suas características socioculturais ou nunca haviam parado para
pesquisar as raízes de suas famílias, de onde vieram, como chegaram
e por que vieram para a região.
Um fato importante e relevante a se considerar neste primeiro
contato com a turma foi a dificuldade em levantar mais informa-
ções sobre os movimentos sociais e as lutas camponesas na região,
uma vez que o Bico do Papagaio foi palco da sangrenta Guerrilha
do Araguaia e vários outros conflitos por terra na região. Terra de
Padre Josimo tem muita influência da Comissão Pastoral da Terra,
dos movimentos por reforma agrária desde a década de 1980. Há um
relevante silêncio, proporcionado, talvez, pelo medo em decorrência
de traumas de um passado de massacres, ou ainda pelo domínio dos
coronéis de terras que atuam na região com grande força. Isso merece
uma pesquisa mais aprofundada.
Mas tudo isso pôde ser extraído com a realização das oficinas
de História de Vida e dos debates realizados nas disciplinas de Movi-
mentos Sociais do Campo e Estado, Sociedade e Questões Agrárias,
através de diálogos e descobertas de docentes e discentes.
Kosik (1976) nos alerta para a busca de uma práxis revolucio-
nária capaz de transformar a realidade, mudar posturas e potenciali-
zar a luta contra-hegemônica. Essa práxis revolucionária vai além da
humana, pois desvendar a essência da coisa em si, não a transforma
como a revolucionária. Para tanto, a luta de classes não pode ser o
ponto de partida dessa práxis, mas sim o ponto de chegada, o desven-
dar da identidade de classes.
Em uma práxis pedagógica dialética e dialógica, não é papel do
docente desvendar para o grupo, mas sim, com o grupo. Na verda-
de, desvendar-se com o grupo é entender as identidades de classes à
medida que as histórias de vida se revelam. Pelas conversas e desco-

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo
no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música, da UFT – Câmpus Tocantinópolis

bertas conjuntas, os participantes puderam conhecer: os movimentos


sociais que alimentam a resistência; a importância do coletivo; como
é o funcionamento do Estado e suas influências na estrutura fundi-
ária e na produção e divisão das riquezas geradas no espaço agrário.
Esses debates levantaram muitos elementos teóricos que os ajudaram
a compreender suas histórias no contexto de classe social e de estru-
tura da sociedade.
As informações trazidas por eles e elas eram riquíssimas e
muitas delas não se encontram em livros didáticos e/ou na litera-
tura acadêmica, independente da profundidade de seus conteúdos e
pesquisas. E, assim, docentes e discentes, juntos, puderam desvendar
realidades intrínsecas de suas relações cotidianas sem desconsiderar
suas relações com o mundo e suas forças hegemônicas. Aqui está,
talvez, uma tarefa importante do docente: contribuir para revelar o
lugar do discente no mundo em que vive por meio da bagagem teó-
rico-metodológica que a academia lhe proporcionou.

Assim, à pretensão dominante de implantar e esta-


bilizar uma memória da ocupação (pelos pioneiros e
bandeirantes) levantam-se outras versões, pontos de
vistas ligados às trajetórias e ao posicionamento dos
atores sociais, e que caracterizam a polêmica e al-
teridade intrínseca desses empreendimentos memo-
rialísticos. No caso dos camponeses, a luta pela terra
constitui o realce de identidade e o objeto princi-
pal nos empreendimentos memorialísticos (SILVA,
2014, p. 65).

Geralmente, a luta pela terra, a desterritorialização e o resta-


belecimento desse território pelos povos do campo tornaram-se ele-
mentos fundamentais de intersecção entre as identidades de cada um
e cada uma. Lima (2011, p. 270), após desenvolver um estudo sobre a
construção de identidade de educandos de EJA de um acampamento
do MST, no Pará, conclui que

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Educação do campo, artes e formação docente

[...] podemos identificar por meio das histórias dos


educandos, a função que a linguagem exerce nas suas
vidas, nas ações tanto na cidade como no campo. As-
sim, pode-se considerar que as histórias de vida dos
educandos são permeadas de múltiplos sentidos, e que
ao fazerem parte do acampamento Dina Teixeira, os
sujeitos educandos foram reformulando sua subjetivi-
dade, pois a vivência dentro desse espaço não se resu-
me a uma simples conquista de um pedaço de terra,
mas são vivências que têm em seu eu um sentimento
de luta, de conquista para melhorar de vida, que vão
desde a conquista da terra até outras lutas, como a
escola dentro do acampamento. A terra, nesse contex-
to, tem uma denominação que para Bakhtin (1998) é
considerado como “signo ideológico”, pois a terra, nesse
processo de conquista, é representada por esse sujeito
não como solução dos problemas que eles enfrentaram,
o percurso de suas vidas individualmente, mas a terra,
símbolo de fartura, lugar de viver, plantar e colher, de
germinação de vida, que representa esses sujeitos em
uma renovação de perspectiva de vida, pois o signo terá
deixado de ser uma mera conquista e passa a evidenciar
uma luta de classe mais ampla. A escola, por fazer parte
desse espaço, cumpre um papel importante na forma-
ção dos sujeitos que se encontram no campo.

Os movimentos sociais do campo possuem uma pedagogia que


se faz na luta do dia a dia (CALDART, 2004; ARROYO, 2014):
a luta pela terra, pela educação, pela saúde, pelo transporte e pelo
financiamento da produção. Para tanto, é necessário que seus sujei-
tos e sujeitas estejam preparados para o debate com a sociedade, em
especial com os gestores públicos responsáveis pela elaboração e im-
plantação de políticas públicas. Nesse contexto, a luta é carregada
de elementos formativos que vão além da conquista da terra por ela
mesma. Há uma tomada de consciência por meio de uma construção
coletiva de conhecimento que os movimentos sociais produzem no
seio de seus grupos.

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo
no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música, da UFT – Câmpus Tocantinópolis

Os coletivos populares ao se afirmarem sujeitos polí-


ticos, sociais, culturais, éticos, de pensamento, saberes,
memórias, identidades construídas nesses contextos,
padrões de poder, dominação/subalternização explici-
tam as concepções/epistemologias não apenas em que
foram conformados, subalternizados, mas, sobretudo,
explicitam, põem na agenda pedagógica as pedagogias
com que se formaram e aprenderam outros sujeitos
(ARROYO, 2014, p. 11).

Enquanto território de disputa entre os grandes empreendimen-


tos do agronegócio e da indústria contemporânea e os camponeses,
quilombolas e indígenas, o campo é um espaço carregado de intencio-
nalidades e essencialmente político. As contribuições de Santos (2004)
e Lefebvre (2008), na formulação da ideia de espaço como ente social
e intrínseco das ações humanas, reforçam o território a uma categoria
carregada de sentidos para a compreensão do espaço como produto
social. O espaço é o lugar onde se reproduzem as diferenças sociais e a
hierarquização sociopolítica no seu processo de apropriação e contro-
le. Nas perspectivas desses importantes pensadores contemporâneos,
o espaço ganha dimensões humanas, como a psíquica, a emocional,
a política, a técnica, a cultural e a sociológica, passando a compor o
existir humano em uma espécie de “ontologia espacial” ou “ontologia
do espaço”. Esse espaço de dimensão política, por ser um espaço/ação,
perpassa todos os momentos da formação do professor e da professora
do campo, uma vez que o processo de educação do campo não pode ser
desvinculado da luta por reforma agrária.
O professor e a professora do campo, independente da área
de conhecimento que irão trabalhar, necessitam conhecer o processo
histórico do surgimento da educação do campo e saber que não existe
reforma agrária sem educação do campo, como não existe educação
do campo sem reforma agrária. Uma se alimenta da outra. A educa-
ção do campo existe para contribuir com a construção do campo para
o camponês e seus povos tradicionais.

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Educação do campo, artes e formação docente

Não basta somente ter acesso à terra quando não se tem em


mente o desejo de viver nela. É preciso ter o conhecimento sobre
a terra e a capacidade crítica de perceber os males da concentração
fundiária centenária, aliada a anos de segregação social e expulsão do
homem e da mulher do campo. É preciso ter a sua própria comunida-
de como referência por meio do regime de alternância, o que permite
aos discentes confrontar os textos acadêmicos e as informações obti-
das na universidade com a realidade na qual vivem cotidianamente.
A educação do campo é da classe trabalhadora para a classe trabalha-
dora, portanto, tem lado e ideologia.
Desde os primeiros contatos com o curso de Licenciatura em
Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da UFT,
Câmpus Tocantinópolis, os discentes realizaram as oficinas de His-
tória de Vida e foram orientados sobre as pesquisas que fariam em
suas comunidades sobre a estrutura agrária, acompanhadas de lei-
turas sobre o Estado, a sociedade e as questões agrárias. Os debates
sobre as informações coletadas e os relatos de vida combinados com
os textos acadêmicos foram sistematizados e, a partir deles, revelou-
-se uma nova compreensão do espaço no qual estavam inseridos, bem
como de suas identidades que começaram a se delinear.
A realização da Jornada de Educação do Campo e Questões
Agrárias, sempre realizada em parceria com os movimentos sociais, foi
afirmando o compromisso político da educação do campo com a luta
política por melhores condições de vida dos povos do campo. O processo
de compreender o nosso lugar no mundo, no espaço globalizado a partir
do nosso lugar, não apenas lugar físico, mas também cultural, político e
econômico, também foram temas discutidos ao longo do curso.
A cartografia social permite nos espacializarmos diante dos
projetos hegemônicos e a enxergar o quanto as cartografias são car-
regadas de intencionalidades e ideologias. Um Estado capitalista a
serviço das grandes empresas transnacionais vai produzir cartografias
que invisibilizam os povos oprimidos. Nas cartografias oficiais, não

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo
no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música, da UFT – Câmpus Tocantinópolis

aparecem os camponeses, os quilombolas, os indígenas e os extrati-


vistas. Não se trata apenas da confecção de um mapa, literalmente
dizendo, mas de projetos e políticas públicas para o desenvolvimento
econômico, cultural e social.
Algumas oficinas foram realizadas com a construção de mapas
mentais das comunidades e a análise de mapas de projetos de grandes
impactos, como o da hidrovia Tocantins-Araguaia e o MATOPIBA.
Durante as oficinas, foram passados vídeos e material impresso dos
dois empreendimentos. Depois as questões para análise: alguém con-
seguia se ver inserido nos projetos? E, ainda, percebiam em que medida
os projetos contemplavam a população pobre e excluída historicamen-
te, como os indígenas e quilombolas? Claro que a maioria não se viu e
nem viu os demais da classe trabalhadora inseridos nos projetos.
Durante as oficinas, também foi feita a leitura de dois textos
sobre a geografia agrária na Amazônia. Um, especificamente, para
tratar do conhecimento popular ignorado, por exemplo, a capacidade
dos ribeirinhos da Amazônia de guiar as embarcações apenas com
as experiências acumuladas ao longo de vários anos de atividades:
“A percepção de mundo, de lugar, se dá a partir do que eles experi-
mentam. A descrição que eles fazem de seus percursos contém sua
própria história” (NOGUEIRA, 2006, p. 97). O outro sobre as ree-
xistências dos povos da Amazônia diante das forças hegemônicas que
visam a destruí-los.

A partir de então começa a se esboçar uma nova geo-


grafia na Amazônia que aponta para um processo de
emergência de diversos movimentos sociais que lu-
tam pela afirmação das terriorialidades e identidades
como elemento de r-existência das populações “tra-
dicionais” trata-se de movimentos sociais de r-exis-
tência. [...] Assim esses movimentos apontam para o
caráter emancipatório das lutas pautadas na politiza-
ção da própria cultura e de modos de vida “tradicio-
nais”, numa politização dos “costumes em comum”,

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Educação do campo, artes e formação docente

produzindo uma espécie de “consciência costumeira”


que vem ressignificando a construção das identidades
dessas populações (CRUZ, 2006, p. 65).

Ao final das leituras e das oficinas de cartografia social, foi re-


alizado o seminário de avaliação. O interessante é que os discentes
não avaliaram apenas a cartografia social, mas sim todo o processo
envolvendo a história de vida, questões agrárias e movimentos so-
ciais. O número de discentes que se declararam assentados aumentou
para 12, dentre os que se afirmaram quanto assentados e que antes
não haviam se manifestado, está uma discente que havia deixado o
assentamento e retornou para lá, voltando a ajudar a família. De ma-
neira geral, a turma passou a se reconhecer como sujeitos e sujeitas
do campo, futuros professores e professoras de escolas no campo e
do campo.
O curso de Licenciatura em Educação do Campo encontra-se,
em 2016, com três turmas. Já se fala em ajustes do currículo do curso
e avaliação do processo até aqui realizado. No entanto, ficou evidente
que é necessário trabalhar as identidades, a consciência de classe e a
capacidade de analisar o espaço agrário brasileiro. O percurso usa-
do até aqui com temas como história de vida, sociedade e questões
agrárias, movimentos sociais do campo e cartografia social, vem se
constituindo instrumento importante para a construção coletiva do
conhecimento, formando professores e professoras para a educação
básica e superior que compreendem a importância da educação do
campo no processo de luta pela terra no país.

REFERÊNCIAS

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Vozes, 2014.

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo
no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
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A reforma agrária e a educação
no campo, potencialidades para
a promoção do desenvolvimento
territorial:
um estudo sobre a região norte do
Estado do Tocantins
Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus13
Rosa Ana Gubert14

1 Introdução

As transformações ocorridas no espaço agrário brasileiro se ca-


racterizaram por profundas mudanças na estrutura de suas relações
agrárias. Nesse panorama, considera-se que as sesmarias, as leis de
terra de 1850, a expansão do modo de produção, a apropriação capi-
talista e a modernização da agricultura brasileira foram responsáveis
pela exclusão de uma parcela significativa da sociedade. Tiraram-lhe

13 Mestre em Geografia. Professor do curso de Educação do Campo da Univer-


sidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: sidineiesteves@
gmail.com.
14 Mestra em Teatro. Professora do curso de Educação do Campo da Universidade
Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: anagubert@uft.edu.br.

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Educação do campo, artes e formação docente

o direito de ter uma vida digna no campo através do próprio trabalho


e da apropriação da terra, transformando, assim, os trabalhadores ru-
rais em uma grande massa de despossuídos e excluídos da terra.
Dessa forma, as comunidades tradicionais e os movimentos
sociais campesinos, em quase sua totalidade, vivem excluídos das po-
líticas públicas que deveriam contemplar as suas necessidades. Com
a falta de uma reforma agrária que vise à promoção da justiça social,
a expansão do capital produtivo e a modernização dos campos bra-
sileiros têm dificultado ainda mais o modo de vida desses segmentos
sociais. Assim como em todo o território brasileiro, a ausência da
reforma agrária tem causado diversos transtornos às comunidades
tradicionais na região norte do Tocantins.
A partir da metade do século XX, foram criados diversos as-
sentamentos rurais; várias comunidades tradicionais foram reconhe-
cidas e suas terras foram demarcadas na região. Porém, ainda nos dias
atuais, a maioria dessas comunidades vive marginalizada em função
da ausência de políticas públicas. A falta de infraestrutura básica de
saúde, educação e transporte público tem feito com que muitos traba-
lhadores rurais deixem suas terras para buscar, em outras localidades,
uma forma de vida melhor, principalmente, escolas para seus filhos.
Por outro lado, ao abordar a problemática da questão agrária
a partir do processo de formação do território brasileiro, é possível
discutir a utilização de diversos meios para que os sujeitos da terra
permaneçam nela de forma digna. Essa discussão se estende pelo
viés político acerca da concentração fundiária, da ação do agronegó-
cio sobre a pequena propriedade e da realização da reforma agrária.
Além disso, através da educação no campo, pode-se despertar inte-
resses pelos diferentes agentes envolvidos em todo o processo agrário
nacional.
Nesses últimos 30 anos, desde o fim da Ditadura Militar ocor-
rida no Brasil, a grande concentração de terras tem contribuído para
o êxodo rural e, consequentemente, para o aumento significativo de

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

uma massa camponesa sem terra vivendo precariamente nas cidades,


muitas vezes em condições sub-humanas. De acordo com os dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010,
apenas 15% da população vivia no campo. Houve também um êxodo
rural de 2 milhões de pessoas no período de 2000 a 2010 e a extinção
de 1 milhão de postos de trabalho no campo no período de 2009 a
2011 (IBGE, 2010).
O objetivo deste trabalho foi buscar responder a vários ques-
tionamentos relacionados ao contexto agrário nacional, pautado pelas
lutas dos movimentos sociais, sobretudo no campo. A presente pes-
quisa buscou, ainda, entender, através das bases teóricas, a principal
questão: como a educação do campo pode contribuir para equacio-
nar os problemas do/no campo? Acredita-se que compreender essa
problemática talvez seja a saída para combater a ideologia do grande
capital que busca marginalizar a luta social dos movimentos sociais
campesinos.
Apesar de haver vários estudos a respeito da questão da terra e
da reforma agrária no Brasil, quando se trata dos elementos cruciais
geradores do problema agrário nacional, como é o caso do latifúndio
e, principalmente, do agronegócio, ainda são necessários estudos mais
aprofundados que possam contribuir para – quem sabe – a solução
do problema agrário brasileiro. Uma das portas para essa discussão
inicia-se pela introdução da educação no campo no seio das comu-
nidades tradicionais.
Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho é estudar a im-
portância da reforma agrária e da educação no campo no Brasil, para
resolver os confrontos pela posse de terra entre o latifundiário e o
camponês. Assim, seria possível pensar em modos de barrar o avanço
perverso do capital através do agronegócio, principalmente sobre o
território do camponês na região norte do Tocantins e, dessa forma,
promover a justiça social no campo.
Sob essa perspectiva, é preciso:

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Educação do campo, artes e formação docente

• compreender os processos de luta do camponês e dos mo-


vimentos sociais pela posse da terra no Brasil;
• avaliar a importância da educação dos sujeitos do campo
para a compreensão da problemática no contexto agrário
nacional;
• analisar a importância da realização da reforma agrária para
resolver o problema agrário no Brasil.

É o que se pretende discutir a seguir.

2 A contribuição da reforma agrária para o desenvolvimento


territorial da região norte do Tocantins

O estado do Tocantins encontra-se localizado na região norte


do território brasileiro e sua formação se deu a partir do desmem-
bramento de uma fração da região norte do estado de Goiás. A sua
constituição ocorreu em 1988, com a nova constituição nacional
brasileira. O estado, com todo o seu território localizado no coração
do cerrado, faz parte dos nove estados brasileiros que compõem a
Amazônia Legal, e sua região norte se caracteriza como transição de
cerrado para floresta amazônica.
Vale destacar que, a partir da metade do século XX, essa região
já era alvo de conflitos pela posse de terra, principalmente a micror-
região conhecida como Bico do Papagaio, que, desde 1960, serviu
de porta de entrada para a Amazônia Legal. Por ser uma parcela de
terra de boa qualidade, que propicia o desenvolvimento de atividades
agropecuárias, há muito tempo a região tem atraído investimentos
para a instalação de grandes empreendimentos agrícolas e, dessa for-
ma, muitas comunidades tradicionais foram esquecidas e marginali-
zadas em função do desenvolvimento da região e de todo o estado.
Para Fernandes e Molina (2004, p. 69),

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

Agronegócio é novo nome do modelo de desenvol-


vimento econômico da agropecuária capitalista. Esse
modelo não é novo, sua origem está no sistema plan-
tation, em que grandes propriedades são utilizadas
na produção para exportação. Desde os princípios
do capitalismo em suas diferentes fases, esse modelo
passa por modificações e adaptações, intensificando a
exploração da terra e do homem.

Como relata Oliveira (2007, p. 148-149),

O agronegócio nada mais é do que um marco con-


ceitual que delimita os sistemas integrados de produ-
ção de alimentos, fibras e biomassa, operando desde o
melhoramento genético até o produto final, no qual
todos os agentes que se propõem a produzir matérias-
-primas agropecuárias devem fatalmente se inserir,
sejam eles pequenos ou grandes produtores, agriculto-
res familiares ou patronais, fazendeiros ou assentados.

As transformações ocorridas no espaço agrário brasileiro, so-


bretudo a partir dos anos 1930, intensificadas a partir da década de
1970, se caracterizaram por profundas mudanças na terra e na vida
social. A modernização do campo, que alterou as bases técnicas da
produção sem se fazer acompanhar por avanços sociais, por um lado
elevou extraordinariamente a produção e, por outro, aumentou a con-
centração fundiária, a superexploração do trabalhador, a migração
campo-cidade, os problemas ambientais e os conflitos socioterrito-
riais no Brasil.
Além do histórico da expropriação do homem do campo, nas
duas últimas décadas do século XX a questão agrária permaneceu
aquecida, protagonizando mais contrastes sociais no campo e na ci-
dade. Nesse contexto, vale a pena citar alguns fatos de grande rele-
vância dos últimos 20 anos do século passado, como por exemplo,

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Educação do campo, artes e formação docente

a entrada do agronegócio no Brasil no início da década de 1980.


Em 1985, aconteceu o fim do regime militar, a aprovação do I Plano
Nacional de Reforma Agrária (PRNA) e a criação da União De-
mocrática Ruralista (UDR) por latifundiários, para lutarem contra a
reforma agrária.
Os mecanismos induzidos pelos padrões de produção afetaram
os ecossistemas brasileiros, como a devastação do cerrado e a degrada-
ção do solo pela prática extensiva da agricultura moderna. Além disso,
as cultivares naturais tiveram sua genética empobrecida juntamente
com a dos animais. Mediante a potencialidade dos produtos químicos
usados na agricultura e nos animais, houve muitos relatos de consu-
midores sobre contaminação de alimentos. Para Navarro (2001, p. 91),

[...] esta extrema heterogeneidade das atividades agrí-


colas e rurais no Brasil, diferenciação que foi exacerba-
da intensamente no período recente, quando diversas
regiões (ou atividades intrarregionais) sofreram forte
intensificação econômica e dinamismo tecnológico.
Em oposição, outras partes do país rural parecem ain-
da dormitar em contextos do passado, seja no plano da
(falta de) integração econômica, seja no que concerne
à natureza das relações sociais e políticas, que perma-
necem distantes de padrões de institucionalidade sa-
tisfatória [...].

De acordo com Machado (2010), a Revolução Verde, através do


seu discurso ideológico de modernização agrícola, favoreceu apenas o
interesse do grande produtor agrícola, detentor de capital, em detri-
mento do pequeno produtor. Como afirma Mattos Neto (2006, p. 98),

Economicamente, a questão agrária está ligada às


transformações nas relações de produção, ou seja,
como produzir, de que forma produzir. Tal equação
econômica aponta para indicadores como a maneira

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

que se organiza o trabalho e a produção, o nível de


renda e emprego dos trabalhadores rurais, a produti-
vidade das pessoas ocupadas no campo etc.

Nesse sentido, a relação de causa e efeito foi rapidamente aflo-


rando no contexto social rural e urbano. Além da preocupação com a
degradação ambiental nas décadas de 1960 e 1970, já ocorria à época
também uma forte migração do campo para a cidade, ocasionada
pela modernização tecnológica da agricultura.
Segundo Miralha (2006), de certa forma, a produção agrícola e
pecuária deu uma melhorada devido à transformação da base técnica
e à aplicação de insumos modernos, influenciando, dessa forma, um
aumento na exportação. Por outro lado, os impactos positivos ficaram
voltados apenas para a esfera econômica, enquanto para os contextos
socioespacial, cultural e ambiental os resultados foram péssimos. O
autor também afirma que a modernização conservadora do campo
ampliou a concentração fundiária, ampliou as desigualdades sociais,
alargou as diferenças regionais, provocou danos ambientais, acarretou
sérios problemas na saúde humana, alterou hábitos alimentares de
maior parte da sociedade e promoveu o êxodo rural.
Nesse sentido, diante da relevância da temática, as ciências so-
ciais – como é o caso da Geografia, da Sociologia e de outras áre-
as contidas na educação no campo – têm direcionado parte de suas
atenções para a questão agrária no Brasil, com o intuito de encontrar
uma solução para o problema causado pelo crescimento do latifúndio
e pelo capital produtivo no espaço agrário nacional. Dessa forma,
autores de renome, como Guanziroli et al. (2001), Feliciano (2006),
Oliveira (2007), Fernandes (2008), entre outros das ciências sociais,
acreditam que a estratégia para solucionar o problema da questão
agrária atual seja a realização de uma reforma agrária de forma justa.
Medeiros (2003, p. 94-95) afirma que a reforma agrária, na
maioria dos discursos, é mostrada

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Educação do campo, artes e formação docente

[...] em termos que reduzem a sua riqueza de signifi-


cados: política compensatória, condições para amplia-
ção da agricultura familiar, caminho para o combate
contra a pobreza no campo, inserção de pequenos
agricultores de forma competitiva no mercado. A re-
forma agrária tem um pouco de cada um desses com-
ponentes, mas é também um caminho para devolver
a dignidade a um contingente dos que querem fazer
da terra seu lugar de reprodução. Dessa perspectiva,
as demandas que têm se gerado nos assentamentos
apontam para refazer a leitura corrente sobre o rural
como o espaço de precariedade: escolar, saúde, espaços
comunitários, acesso a bens de consumo, lazer; mostra
a utopia de recriá-lo como espaço de novas formas de
sociabilidade e não só de produção.

Diante de tal situação, a questão agrária e a ausência da refor-


ma agrária brasileira remetem a um problema socioespacial, em que
a classe campesina deixa suas raízes e começa uma peregrinação em
prol da luta pela terra, reivindicando a reforma agrária no país. Já nos
artigos da Revista Brasiliense15, publicados entre 1955 e 1964, encon-
tram-se vários apontamentos acerca daquilo que a questão agrária
viria a ser. Em um deles, Prado Junior (1979, p. 18) a define como
sendo “em primeiro e principal lugar, a relação de efeito e causa entre
a miséria da população rural brasileira e o tipo de estrutura agrária do
país, cujo traço consiste na acentuada concentração fundiária”.
No contexto ampliado da questão agrária a partir do processo de

15 A Revista Brasiliense foi uma revista brasileira, de tendência marxista ortodoxa,


fundada por Caio Prado Júnior, em 1955, com o propósito declarado de ser um
espaço no qual “se congregassem escritores e estudiosos de assuntos brasileiros
interessados em examinar e debater” os problemas econômicos, sociais e políticos
do país, como afirmava em seu manifesto de fundação [Revista Brasiliense, nº 1,
1955] (apud HALLEWELL, 2005, p. 486).

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

formação do território brasileiro, é possível e necessário discutir a cons-


trução de um projeto popular para que os sujeitos do campo permane-
çam na terra de forma digna. A priori, essa discussão tem se mostrada
eficaz no campo teórico das políticas públicas, no intuito de propor
mecanismos capazes de mitigar a concentração fundiária, o êxodo ru-
ral e as investidas do agronegócio sobre a pequena propriedade. Para
avançar nessa proposta, outros elementos devem compor a pauta do
projeto popular de desenvolvimento do campo, principalmente:

A soberania alimentar como princípio organizador


de uma nova agricultura, com uma produção voltada
para atender as necessidades do povo e com políticas
públicas voltadas para esse objetivo; a) a democrati-
zação da propriedade e do uso da terra – a reforma
agrária integral deve voltar à agenda prioritária do
país como forma de reverter o processo de expulsão
do campo e disponibilizar a terra para a produção de
alimentos; b) uma nova matriz produtiva e tecnoló-
gica, que combine produtividade do trabalho com
sustentabilidade socioambiental, o que inclui a opção
pela agroecologia; c) o princípio da cooperação, em
lugar da exploração, para organizar a produção; d) a
mudança da matriz energética; e) o avanço na organi-
zação política, econômica e comunitária dos campo-
neses e pequenos agricultores (SANTOS; PALUDO;
OLIVEIRA, 2010, p. 49).

Por outro lado, o caminho propício à resolução da problemáti-


ca agrária em todo território nacional é, sem dúvida, a reforma agrá-
ria. A luta dos movimentos sociais campesinos se baseia na defesa de
um projeto de reforma agrária justo, democrático e que promova a
igualdade social. A importância da reforma agrária para a sociedade
reside na possibilidade de que, através dela, possa se contrapor o lati-
fúndio e o agronegócio, e de que, na sua essência, seja alcançado um
projeto de desenvolvimento sustentável que garanta o fortalecimento

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Educação do campo, artes e formação docente

da agricultura familiar e camponesa em harmonia com a natureza,


sem degradação ambiental.
Os trabalhadores rurais e demais comunidades tradicionais da
região norte do Tocantins têm conseguido se organizar através dos
movimentos sociais em prol da luta pela reforma agrária. Porém, há
uma necessidade emergente da educação para que atenda as especifi-
cidades das comunidades envolvidas no processo de reforma agrária,
e são, por sua vez, as autoridades públicas, as principais responsáveis
a criarem meios para que se tenham escolas adequadas, que atendam
necessidades e realidades desse segmento social.

3 Uma breve análise sobre o descaso das autoridades públicas e


da elite brasileira para com os sujeitos e o território da luta pela
educação do campo

Para entender a luta pela educação do campo, a partir da ca-


tegoria geográfica território, faz-se necessário partir da premissa de
seu conceito para que se possa enxergar a trajetória sociopolítica e
espacial dos sujeitos dessa batalha. Nesse sentido, Haesbaert (2004,
p. 40) entende que o território é um local “[...] delimitado e contro-
lado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das
vezes – mas não exclusivamente... relacionando ao poder do estado”.
Outros pesquisadores, como Boligian e Almeida (2003, p. 241),
que direcionam a discussão da temática para compreender o territó-
rio a partir da didática em Geografia, mostram também que

Território é o espaço das experiências vividas, onde as


relações entre os atores, e destes com a natureza, são
relações permeadas pelos sentimentos e pelos simbo-
lismos atribuídos aos lugares. São espaços apropria-
dos por meio de práticas que lhes garantem uma certa
identidade social/cultural.

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

A partir dessas duas formulações que trazem à tona o território


como o espaço das lutas e das relações de forças políticas, econômicas
e sociais, verifica-se a disputa contínua para a transformação do mes-
mo. Nesse campo de disputa, duas forças, a econômica e a política,
buscam conduzir a transformação do território a partir também de
duas concepções distintas. Uma força pensada para o coletivo e outra
focada apenas no particular, no individualismo inescrupuloso.
E nesse palco que entendemos como território estão os sujeitos
do campo: posseiros, boias-frias, ribeirinhos, assentados, acampados,
sitiantes, pequenos proprietários de terras, quilombolas, indígenas,
meeiros, extrativistas, caiçaras, sem-terra, povos da floresta, povos do
cerrado, assalariados rurais etc. Do outro lado ficam os “detentores”
do capitalismo: latifundiários, empresários, fazendeiros, banqueiros
etc., e, ainda, muitas vezes até a “suprema corte” da politica nacional.
Quando passamos a dialogar a respeito dos interesses pela
transformação do território a partir da proposta educacional, é aí que
esses dois grupos distintos de sujeitos entram em cena. O primeiro
vê na educação a possibilidade de libertação e transformação social,
o segundo a vê como algo desnecessário, principalmente quando se
trata de educação voltada para atender aos menos favorecidos e aos
povos do campo.
É a partir daí que se começa a idealizar, no centro dos mo-
vimentos sociais, uma união de forças que vai lutar pelo direito à
educação de qualidade, sobretudo no campo. E do outro lado a elite
passa a marginalizar o interesse coletivo dos movimentos sociais pela
educação do campo.
Porém, a luta pela educação do campo começa a se fortalecer
quando seus idealizadores articulam a luta política com ações que vão
subsidiar a adesão dos sujeitos do campo ao movimento em prol da
educação. Mesmo sofrendo várias investidas, como o descaso, o pre-
conceito e a repressão, tanto por parte da sociedade elitista quanto do
Estado, o movimento resistiu e conquistou a tão sonhada educação

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Educação do campo, artes e formação docente

do campo para os sujeitos do campo.


A educação do campo se constitui a partir de um modelo edu-
cacional que valoriza a identidade, a cultura, o conhecimento e as
especificidades dos sujeitos do campo. Ao contrário do que prega
a educação tradicional e conservadora, a educação do campo vê o
sujeito do campo como um ser de grande importância para toda a
sociedade.
Como é do conhecimento de poucos, a conquista da educação
do campo não foi algo fácil de acontecer, pois não muito diferente
dos dias atuais, os sujeitos do campo sempre viveram às margens das
políticas públicas e, principalmente, dos segmentos educacionais. A
sociedade burguesa se dedicou ao longo dos anos a ver e mostrar o
meio rural como um espaço atrasado, sem cultura, distanciado da
sociedade, como se os sujeitos que nele vivem fossem apenas respon-
sáveis para produzir e suprir com alimentos os centros urbanos.
Ao contrário dessa concepção perversa sobre o campo, Ramos,
Moreira e Santos (2004, p. 33) mostram que

O campo é concebido como um espaço rico e diverso,


ao mesmo tempo produto e produtor de cultura. É
essa capacidade produtora de cultura que o consti-
tui em espaço de criação do novo e do criativo e não,
quando reduzido meramente ao espaço da produção
econômica, como o lugar do atraso, da não cultura. O
campo é acima de tudo o espaço da cultura.

O próprio Estado, por muito tempo, desconsiderou as formas de


vida e produção social e cultural no campo. Como mostram Arroyo,
Caldart e Molina (2004), as escolas rurais do Brasil sobreviveram ao
longo dos anos à margem das políticas públicas educacionais, e como
consequência os avanços ocorridos na educação nas duas últimas déca-
das não foram suficientes para garantir aos povos do campo, ao menos,
o direito de serem assistidos por uma educação básica de qualidade.

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

O modelo de educação, que até então existia, era concebido como


política compensatória, com base curricular alienatória que mascarava
a realidade de mundo. Nesse contexto, era privilegiada uma educação
burguesa e tendenciosa, e, por meio de tal proposta,

• ensinava-se que o modo de vida na cidade era o ideal;


• descaracterizava-se a vida dos sujeitos do/no campo;
• incentivava-se o êxodo rural;
• fortalecia-se o latifúndio e o grande capital.

A proposta de educação pensada para o campo pela burgue-


sia brasileira baseava-se na educação rural que se pautava sobre um
projeto externo ao campesinato. Já nas propostas reivindicadas pelos
movimentos sociais primava-se por uma educação do campo que ti-
nha como referência as experiências camponesas de resistência em
seus territórios.
Na verdade, a imagem de toda a proposta de educação voltada
para o campo tinha base no interesse do coronelismo e do latifúndio,
que buscavam solidificar uma educação organizada e dividida por clas-
ses que atendesse aos interesses particulares de toda burguesia rural e
que desconsiderava o anseio e as necessidades das demais populações
do campo. Nessa projeção, fica evidente que “no modo de produção
capitalista a educação não visa atender ao bem-estar coletivo, mas, às
necessidades de produção/reprodução ampliada do capital” (CAMA-
CHO; ALMEIDA, 2008, p. 49).
A partir dessa concepção histórica do atraso da educação do
campo, Leite (1999), mostra que

A educação rural no Brasil, por motivos sociocultu-


rais, sempre foi relegada a planos inferiores, e teve
por retaguarda ideológica o elitismo acentuado do
processo educacional, aqui instalado pelos jesuítas e a
interpretação político-ideológica da oligarquia agrária

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Educação do campo, artes e formação docente

conhecida popularmente na expressão: “gente da roça


não carece de estudos. Isso é coisa de gente da cidade”
(anônimo) (LEITE, 1999, p.14).

Nessa ordem, mesmo as escolas rurais demoraram anos para ser


construídas, e pouco, ou quase nada, o Estado contribuiu para a educa-
ção dos sujeitos do campo. Como observamos em Brasil (2002), até o
ano de 1991, não houve sequer um relato sobre a educação rural. Como
mostram Camacho e Almeida (2008, p. 179),

Apesar de todos os direitos educacionais conquista-


dos, como “o direito de todo o cidadão, a educação é o
dever do estado em ofertá-la”, o campo sempre esteve
à margem desses direitos, que ficaram apenas no nível
abstrato, não alcançando as especificidades necessá-
rias às realidades do campo.

A escola do campo, por exemplo, foi e, embora com menos


intensidade, ainda é vista por muitos, até mesmo pelo Estado, como
um gasto desnecessário, pois compreendem os camponeses e demais
povos do campo como sujeitos atrasados, inertes, improdutivos e em
extinção. Nessa perspectiva, muitas escolas rurais foram fechadas,
deixando os sujeitos do campo muitas vezes sem sua principal refe-
rência cultural.
A educação do campo em todo território nacional nasce com
uma proposta comum: de maneira igualitária, visa a reparar os danos
causados aos trabalhadores rurais e demais comunidades tradicionais
em função do processo desenvolvimentista do mundo rural.
A partir das mudanças ocorridas no espaço agrário nacional,
principalmente com a modernização agrícola a partir da década de
1960, quando ocorreu um intenso fluxo migratório de inúmeras fa-
mílias de trabalhadores rurais do campo para a cidade, a socieda-
de brasileira vivenciou um inchaço dos espaços urbanos, conhecido

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

como êxodo rural.


Outro fato que tem influenciado e fortalecido o êxodo rural é o
modo de vida precário ao qual têm se submetido as famílias que vivem
no campo nas últimas décadas. A falta de políticas públicas para aten-
der as infraestruturas básicas de saúde, transporte, logística e educação,
aliada à constante ameaça por parte dos latifúndios e do agronegócio são
alguns dos principais fatores que têm expulsado milhares de famílias de
suas terras todos os anos no Brasil.
Nos últimos anos, uma das propostas voltadas para equacionar
a problemática da educação dos sujeitos que vivem no campo é a cria-
ção de um modelo de escola do campo com práticas didático-peda-
gógicas que atendam às exigências das famílias que moram no meio
rural. Porém, as poucas escolas situadas no mundo rural ainda têm
sua educação direcionada para atender às exigências de grupos sociais
dominantes, que de forma ideológica se fundamentam na exclusão e
na expropriação (LOCATELLI; NUNES; PEREIRA, 2013).

4 O papel da educação do campo na região norte do estado do


Tocantins

Na região norte do estado do Tocantins, assim como em todo o


território nacional, muitas famílias têm deixado suas vidas no campo
para levar seus filhos à cidade em busca de estudos. Quando as famílias
não saem com seus filhos, veem-nos partir em direção à cidade em
busca de educação e garantia de um futuro melhor.
Nessa perspectiva, Nunes (2014) expõe que

O Estado de Tocantins, com tantas disparidades so-


cioeconômicas e culturais internas, e até em relação
a outras regiões, enfrenta enormes desafios para a
educação do campo no estado, tais como: a qualifi-
cação docente para trabalhar com alunos e alunas da
área rural com níveis diferentes de escolaridade, e de

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Educação do campo, artes e formação docente

aprendizagem; o difícil acesso às escolas ou pelas longas


distâncias a percorrer ou pela deficiência do transporte
escolar, enfim, o desfecho, o êxodo rural dos alunos do
campo para a cidade (NUNES, 2014, p. 11).

Para Rodo e Enderle (2012, p. 2),

A realidade do campo evidencia uma lógica perversa,


ou seja, um processo em que a juventude rural, filhos
e filhas de agricultores familiares, têm buscado o ca-
minho do estudo para sair da roça ou, no processo
inverso, sair da roça para poder estudar. Em ambos os
casos, o resultado produzido sempre foi o mesmo: a
educação do campo não tem privilegiado os seus prin-
cipais protagonistas.

É nesse sentido que se emergencia uma educação de qualidade


na região norte do Tocantins. Algumas experiências, como as obtidas
com a Escola Agrotécnica, que deu lugar ao Instituto Federal (IF),
e também as Escolas Famílias Agrícolas (EFA), ambas no Bico do
Papagaio, têm garantido a permanência de muitos filhos de assenta-
dos nos lotes de assentamentos rurais, trabalhando e desenvolvendo
práticas alternativas na agricultura familiar. Essas experiências são
mais frequentes nas EFAs, pois, como se sabe, os IFs são dotados de
práticas pedagógicas voltadas para atender ao mercado de trabalho –
apenas poucos que passam pelos institutos voltam a viver com suas
famílias na pequena propriedade.
Por outro lado, mesmo com algumas estruturas de escolas li-
gadas à realidade do campo em funcionamento, a situação vivida
por milhares de famílias campesinas na peregrinação pela busca da
educação no norte do Tocantins é bastante caótica. Todos os anos
milhares de famílias amargam essa triste situação – crianças, jovens e
adolescentes são obrigados a deixar suas origens, cultura e costumes
para irem em busca de estudos nos centros urbanos.

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

Para resolver essa problemática, Rodo e Enderle (2012) apro-


priaram-se de dados sobre a vida precária na zona rural e a falta de
oportunidades de acesso a uma educação que atenda a realidade das
famílias que vivem no campo e mostra que essa realidade só muda-
rá diante de uma nova proposta curricular. Portanto, apenas quando
houver novas práticas pedagógicas direcionadas a atender a realidade
do campo e as lacunas deixadas pela falta e/ou a ausência da educação
tradicional das escolas públicas do Estado é que teremos dados con-
cretos de mudança. Assim, os autores citados entendem que

A adequação curricular à realidade do campo, enten-


dida como uma tarefa inadiável e intransferível exigirá
dos gestores públicos o cuidado com a metodologia a
ser adotada na realização desse propósito. É preciso
levar em conta que se trata de alunos e alunas oriun-
dos de uma realidade bem específica, sem uma prática
cotidiana de acesso à tecnologia, à leitura e à escri-
ta, mas, por outro lado, na sua totalidade, portadores
de um saber popular que os diferencia. Nesse senti-
do, a educação popular deve permear todo o projeto
e o respeito ao saber acumulado pelos agricultores e
a possibilidade de que os mesmos acessem conheci-
mentos e práticas ainda desconhecidas são objetivos
indispensáveis no processo de qualificação (RODO;
ENDERLE, 2012, p.7).

Entende-se que só mesmo uma mudança no modelo atual da


educação no campo – com a inserção de um novo currículo e com no-
vas propostas pedagógicas – será capaz de transformar essa realidade
e, consequentemente, a vida de milhares de pessoas que dependem
dessa educação. A criação de novas instalações de Escolas Famílias
Agrícolas (EFA) e Casas Familiares Rurais (CFR), com seus regimes
de alternâncias e com uma proposta curricular mais condizente com
a realidade rural, pode mudar a forma de vida de milhões de crianças,

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Educação do campo, artes e formação docente

jovens e adultos que moram no campo e precisam de acesso à edu-


cação no Brasil.
De outro modo, o trabalho pedagógico desenvolvido junta-
mente com novas práticas deve atuar de forma consistente na trans-
formação da existência do homem, de forma individual e no grupo
social, a fim de que adquiram igualitariamente características subjeti-
vas de seres humanos. Nessa proposta, a execução das práticas peda-
gógicas deverá dar ao indivíduo a possibilidade de ter uma educação
por direito e não por esmola, e que, por sua vez, seja capaz de conce-
der aos sujeitos inseridos no processo a capacidade de desmascarar as
ideologias e os paradigmas dominantes na sociedade contemporânea.
Assim, não só os sujeitos excluídos que vivem na região norte
do Tocantins, mas todos os que sofreram e ainda sofrem em função
da perversidade do capital produtivo que cerca as comunidades tra-
dicionais em todo território nacional necessitam participar de uma
educação de qualidade adequada à sua realidade. Dessa forma, as fa-
mílias poderão ter seus filhos crescendo dentro de seus costumes,
construindo, assim, a sua identidade social.

5 Considerações finais

As evidências e discussões apresentadas mostram que a refor-


ma agrária pode dar respaldos à transformação da vida dos sujeitos
do campo e conter as mazelas provocadas pelo capital que se espa-
lhou de maneira perversa pelo espaço agrário nacional e modificou
a estrutura da terra. Sujeitos estes que com seus saberes inigualáveis
produzem o “pão nosso de cada dia” que chega à mesa da maior parte
da sociedade.
Sendo assim, a região norte do Tocantins, que possui uma ri-
queza cultural imensa, poderia não só ser fruto de apropriação do
latifúndio e do agronegócio, mas também garantir a identidade das
comunidades tradicionais. Seria possível garantir o direito para que

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção
do desenvolvimento territorial:
um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

esses sujeitos permanecessem e produzissem na terra desde que se ti-


vesse o direcionamento de políticas públicas para atender suas neces-
sidades específicas, como transporte, saúde e educação de qualidade.
Para tanto, é preciso que haja uma reforma da política educacional,
capaz de introduzir novas práticas pedagógicas que absorvam a realida-
de vivida pelas comunidades que vivem no campo e promover políticas
públicas bem direcionadas para se ter um ambiente em que os sujeitos
tenham a liberdade de ir e vir, aprender e ensinar.
Enfim, para pensar o conceito de práticas pedagógicas ineren-
tes a essa especificidade, é necessário entender, primeiramente, que o
espaço de aprendizagem social se constitui em dois momentos: o es-
paço escolar e o não escolar. O primeiro é composto pelas práticas do
conhecimento científico e da política transformadora do sujeito e da
sociedade, e o último é formado pela participação dos movimentos
sociais que se articulam em prol de garantir meios para que parte da
sociedade, por exemplo, as comunidades tradicionais, sejam inseridas
no processo participativo da própria sociedade e contempladas pelas
políticas públicas. Dessa forma, o conceito de práticas pedagógicas
parte de uma dimensão da prática social seguida de uma intencio-
nalidade acadêmica voltada para a aprendizagem escolar, mas que
também é política e social.

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Parte II
Artes e Educação do Campo

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Arte/educação no campo:
algumas reflexões
Gustavo Cunha de Araújo16

1 Introdução

A partir de experiências realizadas com arte na educação básica


e ensino superior nos últimos anos, proponho desenvolver neste ca-
pítulo algumas reflexões sobre a importância da arte na educação do
campo, a partir de uma pesquisa teórica realizada nesses dois campos
de conhecimento. De abordagem qualitativa e de metodologia des-
critiva e interpretativa, as reflexões produzidas nesta pesquisa teórica
são frutos de leituras realizadas sobre a história do ensino da arte no
Brasil a partir da década de 1980, a estética sociológica e a educação
do campo, esta última, área recente de pesquisa.
Pesquisar o ensino de arte na educação do campo é uma forma
de contribuir significativamente para a produção de conhecimento
nessa área e para outros grupos de pesquisadores que se interessam
por essa temática, tendo em vista a escassez de pesquisas no Brasil
sobre arte/educação no campo.
Na primeira parte do capítulo, apresento um breve histórico
da arte/educação na educação brasileira, pontuando alguns aspectos
contemporâneos desse ensino dos últimos trinta anos, na intenção de
situar sócio e historicamente a pesquisa. Em seguida, discorro sobre
arte e sociedade, na intenção de propor discussões que possam am-

16 Doutorando em Educação pela UNESP, Câmpus de Marília/SP. Professor do


curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade
Federal do Tocantins. E-mail: gustavo.araujo@mail.uft.edu.br

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Educação do campo, artes e formação docente

pliar o debate educacional sobre a arte entendida como fenômeno


estético, artístico e expressivo na educação do campo. Por fim, são
tecidas algumas considerações sobre as reflexões desenvolvidas sobre
o estudo em questão, socializadas ao final deste texto, na intenção de
ampliar o debate sobre arte na educação do campo.

2 Breve histórico da arte/educação no Brasil pós década de 1980

A arte está presente na nossa sociedade desde os tempos mais


remotos, a partir de desenhos e pinturas rupestres. Representando
desde animais caçados a objetos encontrados em sua volta, o homem
primitivo se comunicou visualmente com o mundo pela primeira vez.
Ao longo dos anos a arte assumiu diferentes funções e se mani-
festou por uma diversidade de linguagens e procedimentos técnicos,
devido às transformações sociais, políticas, tecnológicas e culturais
que ocorreram na sociedade. Cada vez mais o homem sentiu neces-
sidade de dialogar com o mundo à sua volta e de demonstrar seus
anseios, ideias, emoções e conhecimento.
A arte pode ser encontrada em diferentes lugares: nas ruas, pra-
ças, monumentos públicos, museus, entre tantos outros, manifestada
por diferentes meios, como desenho, pintura, fotografia, escultura,
música, teatro e uma infinidade de linguagens. Com efeito, não basta
apenas ver, é preciso “olhar”, apreciar a arte presente, para que seja
possível compreender as intenções do artista e produzir interpreta-
ções significativas da obra.
O papel do ensino de arte nos últimos anos, bastante enraizado
na teoria da abordagem triangular17, está diretamente relacionado aos
aspectos estéticos e artísticos do conhecimento (PILLAR, 2008). O

17 Teoria sistematizada pela pesquisadora Ana Mae Barbosa, ao propor a


construção do conhecimento em arte a partir do conhecer, do fazer artístico e da
contextualização.

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

que leva a entender que a educação por meio da arte não é apenas
conhecer a vida, obra e procedimentos técnicos utilizados pelo artis-
ta, mas também compreender e construir conhecimento através da
contextualização, da leitura e do fazer artístico. Ana Mae Barbosa,
referência na arte/educacional nacional e internacional, ressalta que
a própria arte/educação é epistemologia, pois trata a produção de
conhecimento a partir de qualquer linguagem artística.
Barbosa (1998) esclarece que educar por meio da arte não é
ensinar apenas teorias sobre a beleza na arte, mas, principalmente,
formar o apreciador de arte por meio da experiência estética18. Se-
gundo a arte/educadora, a educação estética aliada à leitura da obra
de arte pode auxiliar a clarificar problemas, tomar decisões, emitir
juízos de valor e a compreender nossa experiência com o universo
da arte. Conclui o raciocínio ao dizer que a experiência estética do
professor pode definir a experiência estética do aluno, pois o discente
pode achar interessante ou não, significativa ou não a escolha feita
pelo professor ao trabalhar com objetos artísticos. Por isso o profes-
sor deve conhecer e saber escolher o material pedagógico que será
utilizado em suas aulas.

Se pretendermos uma educação não apenas intelectu-


al, mas principalmente humanizadora, a necessidade
da arte é ainda mais crucial para desenvolver a per-
cepção e a imaginação, para captar a realidade circun-
dante e desenvolver a capacidade criadora necessária à
modificação desta realidade (BARBOSA, 2012, p. 6).

No final dos anos 1980, o ensino da arte no Brasil não era dos
melhores. Com a reforma curricular nas escolas de primeiro e segun-

18 Não é a intenção me debruçar sobre o conceito de estética, o que ultrapassaria


a extensão desta reflexão. Para melhor compreender esse termo, sugiro a leitura de:
PAREYSON, L. Estética: teoria da formatividade. Petrópolis: Vozes, 1993.

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Educação do campo, artes e formação docente

do graus, a disciplina Educação Artística19 passou a ser excluída do


currículo da maioria das escolas de primeiro e segundo graus, princi-
palmente das particulares, prejudicando a aprendizagem e formação
educacional dos alunos. Barbosa (2012, p. 04) defende que

Arte não é apenas básica, mas fundamental na educa-


ção de um país que se desenvolve. A arte não é enfeite.
Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da
palavra para interpretar o mundo, a realidade, o ima-
ginário, e é conteúdo. Como conteúdo, a arte repre-
senta o melhor trabalho do ser humano.

O ensino da arte precisava se reerguer, e foi com o Festival de


Campos de Jordão, em 1983, que houve uma importante iniciativa
para melhorar a situação desse ensino oferecido nas escolas brasilei-
ras e a atuação do professor de arte. Escola e formação de professores
ainda se encontravam totalmente precárias (BARBOSA, 1990).
Foi no Festival de Campos de Jordão, em 1983, que, segundo
Barbosa, ocorreu pela primeira vez no Brasil a análise da obra de
arte aliada à história da arte e ao fazer artístico, com um grupo de
professores de artes que passavam por uma formação continuada no
Festival de Inverno de Campos de Jordão. Nesse mesmo Festival,
concepções de leitura crítica e conscientizadora do mundo, bastante
similares à concepção de leitura de Paulo Freire, se destacaram nos
processos de leituras das obras de arte, bem como o surgimento, pela
primeira vez, da concepção “pós-modernista” ou “contemporânea” de
ensino da arte.
Também foi a partir da década de 1980 que surgiu o movi-
mento de “arte/educação” no Brasil, no qual se buscavam novas me-
todologias de ensino e aprendizagem em arte nas escolas, um ensino

19 Assim denominada de acordo com a Lei n. 5.692/71. Arte, que nessa época
era designada como “Educação Artística”, era considerada como atividade e não
disciplina.

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

que propiciasse ao aluno um verdadeiro saber artístico. Esse saber


se fundamentaria, basicamente, na abordagem triangular da pesqui-
sadora Ana Mae Barbosa, em evidência no final dessa década, com
o objetivo de melhorar efetivamente a qualidade do ensino de artes
oferecido nas escolas brasileiras.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.
9.394/96, o ensino de artes torna-se obrigatório na educação básica.
Desde então, houve uma renovação teórica e metodológica do ensino
com base, principalmente, nas experiências e contribuições da abor-
dagem triangular e estudos sobre a cultura visual, consolidando-se
como principal tendência pedagógica voltada para o ensino da arte
oferecido nas escolas brasileiras nos últimos vinte e cinco anos.
É importante assinalar que a Lei n. 13.278, aprovada em maio
de 2016, incorporou obrigatoriamente artes visuais, teatro e dança
ao currículo da educação básica brasileira, ao lado da música20, ou
seja, essas linguagens agora fazem parte agora do currículo escolar.
No entanto, as escolas públicas e privadas terão até cinco anos para
se adequar a essa Lei. Resta saber se realmente serão criados novos
cursos de graduação nessas áreas e se, na prática, haverá professores
habilitados em cada uma dessas áreas atuando nas escolas.
Mais um questionamento paira no ar: será que essas quatro
linguagens (artes visuais, teatro, dança e música) serão disciplinas?
Ou serão componentes obrigatórios que deverão ser ministrados na
disciplina de arte? Parece não ter ficado clara essa questão no texto da
lei. Contudo, é importante esclarecer que a melhor opção seria a cria-
ção dessas áreas como disciplinas, para que cada professor habilitado
na área pudesse desenvolver plenamente seu trabalho, com as especi-
ficidades metodológicas que cada área exige, evitando a polivalência
em arte nas escolas brasileiras de educação básica.
Em um breve levantamento histórico da arte/educação no Bra-

20 Lei n. 11.769, de 18 de agosto de 2008.

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Educação do campo, artes e formação docente

sil dos últimos trinta anos, observou-se que a área vem passando por
transformações em suas metodologias e teorias trabalhadas em sala
de aula, que implicam em diferentes práticas docentes desenvolvidas
na disciplina de arte na educação básica. No entanto, é importante
esclarecer que tais práticas devem evitar conceitos da época da educa-
ção artística, quando arte era considerada atividade e não disciplina;
com efeito, não era tida como objeto de conhecimento nas escolas.
O professor de artes deve ser o mediador no processo de cons-
trução de conhecimento do aluno ao abordar conteúdos que real-
mente contribuam para o processo de ensino e aprendizagem. Além
das teorias, o professor deve aproveitar práticas artísticas e leituras
de diferentes obras de artes, aliando a teoria ao fazer artístico de di-
ferentes linguagens. Contextualizar teorias e práticas, por exemplo,
promover visitas a museus, possibilitar ao aluno um conhecimento
mais amplo, elevado e significativo da arte a partir do contato direto
com ela.
A seguir, proponho uma discussão sobre a arte e a sociedade
relacionadas à educação do campo. As reflexões aqui produzidas
não são definitivas, ao contrário, são pontos iniciais para se ampliar
o debate em torno da arte/educação no campo como área recente
de pesquisa na educação brasileira.

3 Arte, sociedade e educação do campo

Ao falar sobre arte e sociologia na educação do campo, penso


ser importante apresentar um panorama, mesmo que breve, sobre as
primeiras relações entre arte e a temática social brasileira, em conso-
nância com discussões marxistas sobre os efeitos do capitalismo na
arte para situar a discussão que esta pesquisa propõe levantar. Este
tópico justifica-se pelo fato de este autor entender que educação do
campo tem uma relação pertinente com temas sociais e vê na arte um
dos melhores meios de propagação e produção de conhecimento na

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

contemporaneidade, a partir do próprio objeto artístico produzido


pela população camponesa.
Assim, na década de 1930, ocorre a primeira exposição de arte
social no Brasil, que refletiu a cultura e a consciência política que
permeavam a sociedade brasileira à época. Nela participaram artistas
como Cândido Portinari (1903-1962)21, Di Cavalcanti (1897-1976)
e Guignard (1896-1962), entre outros, tendo como principais temas
“o caráter de denúncia social, na projeção da miséria, em muitos dos
trabalhos expostos como também do lazer das classes operárias, ou a
imagem de suas tarefas diárias” (AMARAL, 1987, p. 50).
Consequentemente, passa-se a destacar a relação entre arte
e elite. Segundo Amaral (1987), o fato de as artes visuais no Bra-
sil passarem por uma crise nos últimos tempos decorre de estarem
voltadas a uma minoria privilegiada, se distanciando cada vez mais
das classes populares e, consequentemente, da população camponesa.
Desse modo, a arte se desvincularia da elite por meio da “socialização
da arte”, entendida como “uma possibilidade de estender a muitos a
oportunidade de se iniciarem no fazer artístico e, assim, estarem ap-
tos a fruir do prazer estético diante da produção de arte” (AMARAL,
1987, p. 25).
Foi com Lívio Abramo (1903-1993), artista brasileiro de des-
cendência italiana, que se começou a construir nas obras de arte a
preocupação social de uma sociedade como a do Brasil. Foi o pri-
meiro artista a tratar do tema da luta de classes em suas criações
(PEDROSA, 1995).
As camadas populares nessa época tinham participação restrita
na sociedade, pois eram consideradas analfabetas, pensamento que,
de certo modo, ainda persiste em alguns povos do campo. Os artistas
e intelectuais também sofreram punições coercitivas ao se rebelarem
diante das “normas” vigentes da época, como, por exemplo, durante

21 Em algumas de suas pinturas era possível observar diferentes representações


de camponeses.

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Educação do campo, artes e formação docente

a censura nos anos da Ditadura Militar. De fato, mesmo que de for-


ma assistemática, os artistas e intelectuais não deixavam de produzir
artisticamente e intelectualmente, pois “a arte não é apenas um ‘fe-
nômeno social’, mas algo que surge instintivamente, independente
de uma função social, mas com uma ‘necessidade vital’ de expressão”
(AMARAL, 1987, p. 10). Contudo, a produção artística e intelectu-
al na sociedade, mesmo restringida nesse período da história, gerou
uma nova cultura para legitimar o indivíduo e, por sua vez, levou
a uma tentativa de se compreender o mundo vanguardista brasilei-
ro, que cada vez mais temia tornar-se “acadêmico” e “burguês” (VE-
LHO, 1977).
Destarte, surgiram os primeiros registros oficiais referentes à
participação e preocupação do artista com a realidade social de seu
tempo, fazendo com que temas como “cultura popular” e “arte popu-
lar” passassem a ser bastante discutidos no momento, como consequ-
ência de uma urgente reestruturação e renovação política nacional.
A partir da aproximação do coletivo na arte, principalmente
por meio do teatro, cinema e música popular, além da influência da
arte pop americana, muitos artistas se interessaram em participar de
eventos nacionais e internacionais, ao mesmo tempo em que novas
técnicas artísticas surgiam no cenário artístico brasileiro. Assim Ama-
ral (1987, p. 328) contribui para a compreensão daquele momento:

O que ocorre nas artes plásticas em todo o correr da


década de 60 não seria senão um pálido reflexo, por
parte de uns poucos, dessas aspirações dos artistas de
preocupação social que emergem com força, em parti-
cular no teatro, a grande trincheira de nossa vanguar-
da artística desse tempo.

É nesse sentido que a autora vai dizer que, para romper com
esse distanciamento, o artista criará outras formas de se comunicar
com o público, como é o caso do artista contemporâneo Hélio Oiti-

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

cica (1937-1980), com seus trabalhos “Capas” e “Parangolés”, causa-


dores de forte impacto na arte e na cultura popular brasileiras.
Falar de arte social e não mencionar a estética sociológica seria,
no mínimo, um equívoco neste texto. Assim, busco em Karl Marx, ci-
tado em Vásquez (2011) pressupostos para tentar compreender como
a arte, enquanto objeto de conhecimento e produto humano, se rela-
ciona com a sociedade e, consequentemente, com o povo do campo,
mesmo que em alguns momentos seja concebida como mercadoria
pelo sistema capitalista atual.
Em sua concepção sobre arte, Karl Marx (1818-1883) entende
que, quando se considera que toda produção material é submetida à
produção capitalista, entende-se a obra de arte como uma atividade
produtiva. Ao afirmar que a produção capitalista é contrária, hostil à
arte, Marx diz que é preciso considerar o contexto histórico vigente, ou
seja, levar em consideração a obra em seu tempo.
A tese de Marx estabelece uma relação negativa entre arte e
capitalismo, na qual este último não favorece o desenvolvimento e
a produção artística. Contudo, a produção capitalista, mesmo sendo
hostil à arte, não evitou que artistas como o francês Paul Cézanne
(1839-1906), o espanhol Pablo Picasso (1881-1973), entre outros, se
destacassem em suas épocas. Isto é, a arte se desenvolve no capitalis-
mo, mas com o total desprazer dele.
Sobre a hostilidade do capitalismo à arte, na tese de Marx é
possível perceber certo desenvolvimento de determinados campos
das artes durante o capitalismo, como é o caso do cinema, que, para
conseguir avançar nos lucros, precisa de capital, ou seja, de inves-
timento financeiro. Logo, é possível afirmar que o cinema é a arte
mais próxima do capitalismo, é a arte das “massas”.
É importante assinalar que o artista buscará, em um primeiro
momento, não depender dos interesses do cliente, passando a pro-
duzir segundo seus próprios desejos, isto é, produzirá segundo uma
necessidade interna. Só depois oferecerá a sua obra a possíveis com-

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Educação do campo, artes e formação docente

pradores. Dessa forma, ele mantém sua expressão criadora na obra.


Vásquez (2011) assim descreve as condições de mercado nas quais
o artista está inserido e que me parece ser bastante atual para essa
discussão.

Na medida em que a arte é afirmação, expressão e ob-


jetivação do homem, entendido este não de um modo
abstrato, mas concreto (como ser social, histórico), a
arte mergulha suas raízes neste filão autêntico e pro-
fundo do humano que é o popular. Por tal conteúdo
popular, a arte parte de um agora e de um aqui, mas,
longe de sentir-se prisioneira de seu tempo, eleva-se
graças a sua substância popular – ao universal humano
(VÁSQUEZ, 2011, p. 255).

Conforme mencionado anteriormente, a contradição entre arte


e capitalismo se manifesta quando o artista não encontra mais moti-
vo artístico na burguesia, negando sua obra à sociedade. Dessa forma,
passará a ver essa realidade como hostil à arte, ao percebê-la se tor-
nando mercadoria, objeto “coisificado”, “alienado”, caindo nas leis da
produção capitalista. Tal contradição surgiu quando a sociedade bur-
guesa deixou de representar toda a nação enquanto uma classe social
do poder, atendendo apenas seus interesses particulares. Se antes, no
início, existia harmonia entre artistas e burgueses, agora nasceria um
distanciamento entre ambos. Na medida em que se torna mercadoria,
considerada como valor de troca, se submetendo à produção capita-
lista, a obra de arte se desumaniza, perde sua qualidade e sua relação
com o homem. Isso porque “o valor de troca de uma mercadoria,
diferentemente do valor propriamente estético, não leva em conta
as propriedades sensíveis, a forma do objeto” (VÁSQUEZ, 2011, p.
183).
Diante dessa reflexão, Vásquez (2011, p. 190) pontua que

O trabalho perde seu caráter artístico, isto é, criador,

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

à medida que se separa ou se abstrai dos diferentes


ingredientes do próprio processo do trabalho, estabe-
lecendo uma relação de exterioridade ou indiferença
entre eles. As condições materiais da produção se se-
param do produtor e este adota uma atitude formal ou
indiferente para com sua própria atividade.

O trabalho vai se afastando aos poucos da arte na medida em


que perde o seu lado criativo pelas mãos do homem. Pois arte é fruto
de criação e trabalho e não deve ter sua liberdade de criação negada.
Daí a importância de jovens e adultos do campo produzir a sua pró-
pria arte.
É curioso destacar que essa relação nem sempre “amigável” en-
tre arte e sociedade vai encontrar no romantismo sua primeira grande
contradição, quando o homem irá se opor à sociedade, pelo fato de
ela “aliená-lo”. O romantismo, movimento artístico surgido no século
XIX, tinha como característica o nacionalismo, a valorização da ima-
ginação e dos sentimentos presentes, a qual expressou o desconten-
tamento do artista com a realidade da sociedade burguesa, negando e
se rebelando contra ela por meio da livre-expressão, afastando-se aos
poucos das normas acadêmicas. Artistas como o espanhol Francisco
de Goya (1746-1828) e o francês Eugene Delacroix (1728-1863) fo-
ram pioneiros nesse movimento.
Consequentemente, o artista buscou na arte moderna uma
tentativa de afirmar a sua liberdade criadora. Nesse sentido, a arte
moderna contribuiu para resgatar a “humanização da arte”, tentan-
do restabelecer a aproximação entre a arte e o povo. É importante
ressaltar que, em uma sociedade em que as mercadorias nada mais
são do que o trabalho humano materializado, as obras de arte não
escapam de serem consideradas como tal. Sobre esse pensamento,
Vásquez (2011) esclarece que a sociedade em que o homem produz
para o mercado e não para satisfazer suas necessidades faz com que

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Educação do campo, artes e formação docente

as mercadorias percam suas qualidades concretas22 e, consequente-


mente, seus valores de uso, tornando-se, então, objetos de troca. É
nesse sentido que a mercadoria adquire valor de troca.
A obra de arte foi entendida, então, como mercadoria passível de
troca – valor de troca – na sociedade capitalista, sendo igual a qualquer
outra mercadoria. A arte passou a ser monopolizada pelas classes domi-
nantes e a maioria da população se ocupava tanto com o trabalho que
não tinha tempo para se dedicar às artes e aos outros assuntos comuns da
sociedade. Apenas com o advento da indústria, o trabalho foi repartido
às demais classes trabalhadoras (MARX; ENGELS, 1974).
Ao considerar a estética marxista como ciência, Vásquez
(2011) entende que o objetivo da estética é tratar a arte como
fenômeno humano criativo e histórico, buscando descobrir a es-
trutura da obra artística, suas categorias, sua relação com o ser hu-
mano social e a legalidade da obra, ao contrário da crítica de arte,
que trata da valoração de uma obra segundo princípios estéticos.
Mesmo entendendo que o tempo de criação varia entre os artistas,
a estética marxista se importa com o resultado final do trabalho
artístico – produto – e não com o seu processo. O objeto artístico
vale por sua utilidade, seu valor de uso relacionado às suas quali-
dades estéticas, satisfazendo uma necessidade humana. Por isso, é
importante valorizar a estética camponesa, suas especificidades e
conhecimento produzido a partir de diferentes objetos artísticos
oriundos do campo.
Segundo Bastide (1971), o marxismo trouxe apontamentos
que puderam explicar a arte por meio de uma concepção sociológica
da estética, ou seja, foi uma corrente que auxiliou a entender a es-
tética sociológica, que surgiu no início do século XX. Com efeito, a
estética sociológica terá nos juízos coletivos sobre o belo o seu objeto

22 Para Marx, o “trabalho concreto” se refere ao trabalho que cria um valor de


uso e, com ele, um objeto concreto que possa satisfazer uma necessidade humana
concreta. Nesse sentido, a obra de arte é um trabalho concreto.

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

de estudo. Para esse autor, nem toda sociedade aceita facilmente a


criação de novos valores estéticos, como é o caso daquelas que são
presas a tradições religiosas, por exemplo, o oriente. Por outro lado,
há aquelas que possuem uma estética própria e relevante para a arte
popular: os povos do campo.
Para Bastide (1971), a arte da elite não demora a se tornar arte
do povo, o que explica a sociedade começar a ser mais “flexível” com
o novo, com novas criações estéticas. Nesse raciocínio, entende-se
que essa aceitação ou recusa de valores estéticos depende do conheci-
mento que o indivíduo tem do objeto artístico – a história, o artista e
os procedimentos técnicos. Penso que isso se relaciona, também, com
a experiência estética que os povos do campo têm com diferentes
manifestações artísticas de sua comunidade, relacionadas ao seu con-
texto social e cultural. Com efeito, ao criar a obra de arte, o artista se
aproxima da realidade modificando-a, porém, sem dissociá-la de seu
conteúdo ideológico. É nesse sentido que a arte é tida como forma de
conhecimento para os marxistas.

Nessa discussão em que a arte é conhecimento, é dada


ênfase à arte realista, aquela que serve à verdade, que
representa o real, que é toda arte que, partindo da
existência de uma realidade objetiva, constrói com ela
uma nova realidade que nos fornece verdades sobre
a realidade do homem concreto que vive numa de-
terminada sociedade e, em certas relações humanas
histórica e socialmente condicionadas (VÁSQUEZ,
2011, p. 32).

Essa representação da realidade, que serve à verdade e reflete


a essência dos fenômenos humanos, segundo os marxistas, considera
a arte como meio específico de conhecimento. De todo modo, afir-
ma-se, então, que a ideologia e o realismo na obra de arte serão os
principais temas em que a estética marxista se debruçará. Conse-
quentemente, começa a ser discutida a veracidade da obra de arte, ao

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Educação do campo, artes e formação docente

entender que o realismo pode também ser uma cópia ou imitação do


real, o que de fato vai delimitar as relações entre arte e realismo no
pensamento marxista.
Nesse sentido, ao tentar fazer uma conexão entre arte e educa-
ção do campo, Pianowski (2014) ressalta que a arte tem a possibili-
dade de reconstruir socialmente a realidade dos jovens e adultos do
campo a partir de diferentes objetos artísticos por eles produzidos.
Além de possibilitar um entendimento mais crítico da realidade na
qual se insere o estudante camponês, a arte possibilita, segundo a au-
tora: o fortalecimento da sua autoestima; promoção da socialização
e da cultura entre os povos; valorização dos saberes camponeses; im-
pulso do conhecimento; acesso ao conhecimento cultural universal; e
produção da arte em qualquer espaço social.

No ensino de arte da educação do campo é necessá-


rio, portanto, que se busquem essas referências para a
prática educativa [...] é fundamental que o espaço de
ação do arte/educador esteja contextualizado, levando
em consideração as particularidades e necessidades
dos educandos do campo [...]. Os arte/educadores do
campo também necessitam atuar com a postura dos
mediadores culturais (PIANOWSKI, 2014, p. 75).

Santanna e Marques (2015) salientam que os projetos edu-


cacionais voltados para a formação docente na educação do campo
devem considerar também a participação de todos os sujeitos so-
ciais. Logo, é importante evidenciar os saberes camponeses nesse
processo de formação docente. Deve-se levar em conta a realida-
de do campo, as características e necessidades de aprendizagem do
educando que vive nesse contexto, o que fica evidente nas produções
artísticas elaboradas por esses povos. É nessa perspectiva que esses
teóricos defendem a tese de que a educação não precisa ser restrita
apenas à escola, mas que seja disseminada além dos muros acadê-
micos, possibilitando ao estudante interagir, conhecer e produzir

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

conhecimento significativo e crítico sobre a sociedade em geral.


É necessário pontuar que o processo de formação desses “fu-
turos” professores ocorre não apenas em espaços de educação formal,
como a universidade e a escola, mas também na comunidade em que
eles têm a oportunidade, por meio da observação, análise, interação
coletiva e produção de trabalhos acadêmicos, de ampliar o conhe-
cimento acerca do mundo atual, seus desafios, conflitos, mazelas e
possibilidades de construir uma vida melhor. A respeito disso, Paludo
et al. (2006, p. 144) trazem uma importante contribuição.

Esses educadores e educadoras são sujeitos individu-


ais e coletivos, que se constituíram historicamente,
também a partir das experiências de vida e da dinâmi-
ca de luta dos movimentos sociais e pastoral. A partir
da condição de exclusão estabelecida pela sociedade,
estes sujeitos passam a assumir posturas que visam li-
bertá-los e constroem a sua formação dialogando com
a prática, diante de uma posição política definida. Ou
seja, a maioria deles assume compromisso com a luta
dos trabalhadores/as (PALUDO et al., 2006, p. 144).

É estratégia necessária e relevante considerar na formação des-


ses sujeitos suas histórias de vida, seus saberes e experiências acumula-
dos, para que suas práticas docentes sejam condizentes com a realida-
de camponesa, principalmente ao trabalharem em escolas do campo.
Além disso, atuar nas escolas é uma forma de ter acesso a uma insti-
tuição que, na maioria das vezes, foi negada a eles por diversas circuns-
tâncias, entre elas: ter de trabalhar para ajudar no sustento da família;
migrar para outras cidades; lutar pelo trabalho e pela terra. Estar na
escola como professores (as) ou educadores (as) é dar continuidade aos
processos de formação humana e escolarização camponesa.
Por meio do contato e da experiência com as diferentes lingua-
gens artísticas encontradas nas artes, os estudantes da educação do
campo podem encontrar uma importante motivação para explorar

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Educação do campo, artes e formação docente

e expressar seus conhecimentos de mundo, produzir leituras e inter-


pretações significativas da realidade através de diferentes procedi-
mentos técnicos e artísticos.
É por intermédio da arte que se pode compreender e co-
nhecer a diversidade cultural entre os diferentes povos, como está
enfatizada no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) no
Brasil, e defendida por Barbosa (1998, p. 16): “não podemos enten-
der a cultura de um país sem conhecer sua arte. Sem conhecer as
artes de uma sociedade, só podemos ter conhecimento parcial de
sua cultura”.
O Brasil é um país que se destaca entre as demais nações por
apresentar uma rica diversidade cultural e artística. Por meio da arte,
o aluno pode conhecer e compreender a cultura brasileira e de ou-
tras nações. No Tocantins, essa diversidade é bastante evidente nas
manifestações culturais e artísticas reveladas em pinturas, esculturas,
arquiteturas históricas, artesanatos, danças e músicas regionais, entre
outras que podem ser encontradas com facilidade em diferentes re-
giões do estado, principalmente nos municípios de Santa Terezinha,
Esperantina, Araguatins, aldeias indígenas Apinayé, todas localiza-
das no Bico do Papagaio, região do extremo norte do Tocantins.
Barbosa (2013) afirma que devido à inter-relação cada vez maior
das artes visuais com mídias – televisão, as revistas, a internet etc. – no-
vos meios de mediação com as artes conhecidas como tradicionais –
desenho, pintura, escultura, gravura e arquitetura – surgiram, amplian-
do as teorias sobre o conceito de artes visuais e, consequentemente, da
mediação das artes visuais com o público.
A arte possibilita ao estudante jovem e adulto do campo desen-
volver um olhar crítico a partir do contato com diferentes manifes-
tações artísticas, suas bases teóricas e seus diferentes procedimentos
técnicos de produção. Vale destacar que esse conhecimento pode ser
ampliado por meio do acesso a museus de arte ou espaços culturais
artísticos, pessoalmente ou por mídias, como a internet, o que possi-
bilita visitas virtuais a diferentes museus do mundo.

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

Os estudantes da educação do campo devem ter acesso e apren-


der conteúdos teóricos e práticos, pois a teoria subsidia a prática. Não
adianta o professor iniciar uma atividade sobre pintura modernista
se o aluno não sabe o que significa “modernismo”, que movimento
foi esse na história brasileira etc., se não houver contextualização.
Nas aulas práticas em artes visuais é importante o professor ir além
de pinturas, desenhos, gravuras e esculturas, mas também apresen-
tar outras linguagens contemporâneas como o cinema e o grafite,
entre tantas outras, para que o estudante camponês possa ampliar
seu conhecimento cultural, podendo, inclusive, fazer uso dele em sua
comunidade.
Bastos (2010) pontua que é necessária a valorização da cultura
local camponesa e dos recursos disponíveis na comunidade para se
produzir arte. Destaca, ainda, que estudar a arte do e no campo pos-
sibilita gerar reflexões críticas sobre o contexto social e cultural em
que as diferentes comunidades se inserem.
Nesse pensamento, Soucy (2010, p. 48) destaca que o Estado
deve promover a cultura popular, incentivando a arte do povo:

Os tipos de arte que o Estado patrocina refletirão a


sua posição em questões de gênero, cultura e classe
social. De forma semelhante, os tipos de arte que nós,
como professores, apoiamos, irão refletir nossas pró-
prias posições. Isto porque toda expressão artística
tem conteúdo explícito e implícito.

Nesse sentido, a arte é fundamental no currículo dos cursos


de Licenciatura em Educação do Campo por ser um meio viável e
eficiente de criar, socializar e produzir conhecimento significativo ao
jovem e adulto da educação do campo a partir de uma linguagem ar-
tística, e possibilitar a esse estudante um olhar mais crítico a respeito
da sociedade da qual faz parte. É necessário trabalhar com atividades
que estejam relacionadas às artes, independente de sua especificidade

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Educação do campo, artes e formação docente

– artes visuais, teatro, música ou dança – buscando considerar, tam-


bém, a arte produzida pelo camponês, ribeirinho, indígena, quilom-
bola, enfim, o povo que vive no e do campo. É a arte do povo, feita
pelo povo; portanto, arte popular. Dessa maneira, a arte se mostra
importante e fundamental na educação do campo.
É oportuno enfatizar neste texto que o curso de licenciatura em
Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Univer-
sidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis, a partir dos
Grupos de Pesquisa Estudos e Pesquisas em Educação do Campo
- Gepec - e Grupo de Pesquisa em Artes Visuais e Educação - Gpa-
ve, composto professores(as) de diferentes áreas do conhecimento do
próprio curso, busca produzir e socializar pesquisas23 sobre história
da educação do campo; movimentos sociais; políticas públicas; povos
indígenas e educação; formação docente; jovens e adultos do campo;
didática e práticas pedagógicas em artes e música; arte na educação
do campo; interculturalidade na educação do campo; pedagogia da
alternância; artes cênicas, questão agrária e campesinato, ampliando
o campo da pesquisa sobre educação do campo na região norte do
Brasil. Nesse sentido, as linhas de pesquisa em Artes Visuais, Forma-
ção de Professores e Arte/Educação no Campo; e Arte e Educação
se mostram atuantes nesse âmbito.
Ressalto, também, a importância da criação da Revista Bra-
sileira de Educação do Campo24 (RBEC) para a pesquisa científica
nacional e internacional relacionada à educação do campo. Trata-se
de um periódico científico on-line, de acesso aberto e gratuito do

23 As pesquisas produzidas pelo Gepec e Gpave/TOC/UFT se referem a trabalhos


acadêmicos publicados pelos seus membros na forma de artigos em revistas
científicas, dissertações, teses, capítulos de livros e resumos simples e expandidos
em Anais de eventos nacionais e internacionais.
24 Periódico científico criado em 2016 pelo professor Gustavo Cunha de Araújo,
do curso de Educação do Campo da UFT, do qual é editor-chefe. Essa revista
encontra-se disponível no Portal de Periódicos da UFT.

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música


da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis.

4 Considerações finais

É possível afirmar, portanto, que a arte tem papel fundamental


na educação do campo ao produzir novas ideias e saberes que visam
à construção de conhecimento. Entendida como fenômeno expres-
sivo e estético, produto da criação humana, e como mercadoria pelo
sistema capitalista, a arte possibilita ao estudante jovem e adulto do
campo ampliar seu conhecimento cultural e produzir arte popular.
Isso se dá por meio de teorias da arte e práticas artísticas desenvolvi-
das em sala de aula e nas comunidades onde o estudante reside. Esse
processo tem o professor como importante mediador. Além disso, a
arte possibilita ao estudante desenvolver criticamente sua experiência
estética e enriquecer seu processo criativo ao longo da vida.

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de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e
dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
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________. Lei n. 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a Lei n. 9.394/96,


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Campo em vídeo: experiências
artístico-educativas na produção de
audiovisuais
no norte do Tocantins25
Leon de Paula26
Marcus Facchin Bonilla27
Cícero da Silva28

1 Introdução

A produção audiovisual envolve diferentes habilidades e com-


petências de ordem estética, artística e técnica. Neste trabalho, bus-
camos registrar e sintetizar a produção do primeiro ano de trabalho
acadêmico do curso de Licenciatura em Educação do Campo com

25 Esta pesquisa foi realizada no âmbito das atividades científicas do Grupo de


Estudos e Pesquisas em Educação do Campo – Gepec (UFT/CNPq).
26 Doutor em Teatro pela UDESC. Professor do curso de Educação do Campo
da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail:
leondepaula@uft.edu.br
27 Doutorando em Artes pela UFPA. Professor do curso de Educação do Campo
da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail:
marcusbonilla@mail.uft.edu.br
28 Doutorando em Letras: Ensino de Língua e Literatura. Professor do curso
de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de
Tocantinópolis. E-mail: cicolinas@uft.edu.br

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Educação do campo, artes e formação docente

habilitação em Artes e Música, da UFT. Fazemos um relato da ex-


periência dos docentes do curso com relação aos resultados obtidos
a partir de uma proposta de trabalho estético acadêmico. O traba-
lho consistiu na produção de um audiovisual de um minuto sobre os
diferentes enfoques dados a questões relativas às comunidades nas
quais os discentes viviam na época do curso. Foi uma forma de pes-
quisa, registro e primeira produção artística proposta pelo curso.
Os dados dos audiovisuais analisados aqui são provenientes de
uma das disciplinas do curso cujo objetivo principal é a integração e a
articulação dos conteúdos do semestre. Este estudo parte de concep-
ções e ferramentas da educação do campo para, em seguida, analisar
os objetos produzidos sob os aspectos da linguagem, do discurso, da
música, do roteiro e da montagem, traçando um comparativo entre a
produção da primeira turma (entrada no primeiro semestre de 2014)
e a da segunda turma (entrada no primeiro semestre de 2015).

2 Algumas palavras: educação do campo e alternância

No final da década de 1980, a abertura política trouxe perspec-


tivas de melhoria para diferentes grupos populares brasileiros, como
os camponeses. Apoiados sobre o discurso de que os povos do campo
sempre ficaram à margem dos processos formativos do sistema pú-
blico de ensino, os movimentos sociais passaram a defender que o
campo deveria ter uma modalidade de educação pensada sob a ótica
camponesa, com metodologia, currículo, tempos, espaços e processos
formativos condizentes com a realidade do campo.
Aliada a essa modalidade específica de educação, podemos vin-
cular a pedagogia da alternância (PA), gestada na França, em 1935,
em um período de crise econômica que assolava o campo e acelerava
o êxodo rural. Desde as primeiras experiências nas Casas Familiares
Rurais (Maison Familiale Rurale – MFR), a PA congrega diferentes
valores e saberes nos processos formativos. Além disso, a formação

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

contempla diferentes espaços e tempos, denominados tempo escola


(TE) – período de sessões de aulas na unidade de ensino, articuladas
entre estudo, pesquisa e propostas de intervenção, e tempo comu-
nidade (TC) – representado pelo período de vivência do jovem na
propriedade/comunidade onde desenvolve pesquisas, experimen-
tos, trabalho coletivo, entre outras atividades (RIBEIRO, 2008). As
atividades empreendidas nesses dois tempos ou espaços formativos
(escola e família/comunidade) são integradas aos instrumentos pe-
dagógicos (IP).
Após chegar ao Brasil, em 1968, com a implantação das pri-
meiras Escolas Famílias Agrícolas (EFA) em terras capixabas, e vi-
sando à formação de crianças e jovens camponeses, a PA se expande
rapidamente pelo país, alcançando, inclusive, a formação em nível
superior nos Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(Pronera) e Programa de Apoio à Formação Superior em Educação
do Campo (Procampo) do governo federal.
Silva, Andrade e Moreira (2015, p. 2) destacam que a PA “tem
se constituído como uma referência pedagógica para a formação nos
movimentos sociais”. Hoje a PA fundamenta mais de 40 cursos de
graduação em educação do campo, com habilitação em diferentes
áreas do conhecimento, todos vinculados a universidades públicas
brasileiras e instalados conforme chamada pública do Procampo es-
tabelecida por meio do Edital de Seleção nº 02/2012 – SESU/SE-
TEC/SECADI/MEC, de 31 de agosto de 2012 (BRASIL, 2016b).
A instalação desses cursos foi resultado de uma parceria cele-
brada entre Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Di-
versidade e Inclusão (Secadi), Ministério da Educação (MEC) e ins-
tituições públicas de ensino, conforme previsto no Decreto nº 7.352,
de 4 de novembro de 2010 (BRASIL, 2016a). Dentre os cursos im-
plantados, está o de Licenciatura em Educação do Campo com ha-
bilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do Tocantins,
Câmpus de Tocantinópolis, contexto desta pesquisa.

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Educação do campo, artes e formação docente

3 A proposta formativa do curso

Além da pedagogia da alternância e alguns de seus instrumen-


tos pedagógicos, a proposta formativa do curso é orientada pela atu-
ação por áreas de conhecimento, assim como o uso de princípios da
pedagogia humanizadora ou problematizadora proposta por Paulo
Freire (2014), que pressupõe que o conhecimento é construído nas
relações dialógicas e críticas entre educandos, educadores e a reali-
dade.
Essa pedagogia se sustenta na percepção de que o homem é
um ser histórico-social e inconcluso, e a educação visa à libertação
humana através da busca do “ser mais”, rompendo a relação de clas-
ses entendida pelo autor como enraizada e que imbrica oprimidos e
opressores.
A pedagogia problematizadora contrapõe-se à pedagogia
tradicional, que se sustenta na transmissão de conteúdos aos alu-
nos sem qualquer envolvimento ou reflexão dos envolvidos, pro-
fessores, alunos e comunidade. É o que Freire chama de pedagogia
bancária ou desumanizadora, que atende os interesses das classes
dominantes (opressores).
A Licenciatura em Educação do Campo tem sua habilitação
voltada para as artes, em especial artes visuais e música. Uma das al-
ternativas para contemplar os princípios freirianos nesse contexto foi
a criação da disciplina Seminário Integrador (SI), com a finalidade
de integração semestral, rompendo, assim, com o modelo disciplinar
engessado no qual são organizadas as escolas e universidades (SIL-
VA; PAULA; BONILLA, 2016).
Tal ação exigiu participação mais integrada dos docentes do
curso, em um trabalho coletivo, uma vez que o SI atua como elo entre
as disciplinas, além de articular as atividades desenvolvidas no tempo
comunidade (TC) e tempo universidade (TU). De acordo com sua
ementa, a disciplina SI constitui o “Espaço de diálogo interdiscipli-

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

nar para discussão das atividades realizadas no bloco. Assim, como


preparação do instrumento de pesquisa para o tempo comunidade
envolvendo todos os docentes e discentes do bloco” (UFT, 2014, p.
46). Dentre as atividades desenvolvidas durante o TU, estão os en-
contros entre docentes e respectivas turmas para debater temas e pla-
nejar os instrumentos de pesquisa a serem implementados no TC,
bem como orientar sobre os dados coletados/gerados e a integração
desse material com as demais disciplinas do curso.

4 Procedimentos metodológicos

A produção do material artístico ocorreu a partir do desenvol-


vimento de diferentes atividades de leitura, pesquisa e análise, orien-
tadas pelo viés do audiovisual.
O SI, por ser instituído como “Espaço de diálogo interdisci-
plinar” (UFT, 2014) no curso, requer a participação e o compromisso
de todos os alunos e docentes da turma. Dessa maneira, em ambas
as turmas, as atividades tinham como objetivo principal a produção
(individual ou em equipe) de um produto estético (neste caso, os ví-
deos de 1 minuto sobre o tema “A comunidade” na turma de 2014-2
e “Vida em imagem e som” para a turma de 2015-2).
Os alunos das turmas colaboradoras são, em geral, professores
de escolas do campo, filhos de camponeses, assentados da reforma
agrária, indígenas, quilombolas e moradores de pequenas cidades e
vilarejos de diferentes partes do Tocantins, em especial da região do
Bico do Papagaio29, localizada no extremo norte do Estado.

29 A região do Bico do Papagaio está localizada no extremo norte de Tocantins,


e é assim denominada porque é nessa região que ocorre o encontro dos rios
Tocantins e Araguaia, que delimitam geograficamente as divisas entre os estados
brasileiros do Pará, Maranhão e Tocantins. A mesma região sofreu, durante o mais
recente período ditatorial brasileiro, os enfrentamentos da chamada Guerrilha do

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Educação do campo, artes e formação docente

Ao longo das discussões e apresentação das propostas às res-


pectivas turmas (de 2014-2 e 2015-2), as equipes de docentes iden-
tificaram que nenhum dos alunos tinha experiência com a produção
de material audiovisual. No entanto, os discentes apresentaram boa
disposição e aceitaram o desafio. Como parte das atividades de pre-
paração dos alunos, foi realizada uma oficina com as turmas, cujo
tema foi a produção de vídeo integrada às atividades da TV Escola
(BRASIL, 2016c) como um dos materiais de apoio. Na proposta es-
tabelecida com a participação dos corpos docente e discente, tanto
com a turma de 2014-2 como de 2015-2, o esboço da produção do
vídeo deveria contemplar a proposta representada na Figura 1.

Imagem
(visual/sonora/
textual)

Texto
Som
(escrito / visual / audio (fala / música/
sonoro) visual efeito sonoro /
silêncio)

Figura 1 – Esboço do audiovisual


Fonte: Silva; Paula; Bonilla, 2016, p. 24.

Para produzir seus vídeos, os discentes deveriam se familiarizar


com dispositivos de captação e edição de imagens audiovisuais. Na
ocasião, a experiência coletiva na prática direta com os instrumen-
tos proporcionou condições de deixá-los capazes para usar equipa-

Araguaia, com reverberações percebidas ainda nos dias de hoje.

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

mentos tecnológicos necessários, como gravadores de áudio, câmeras,


computadores e softwares de edição de vídeo/áudio. A produção do
audiovisual também exigiu que delimitassem o tema proposto, fi-
zessem um recorte da realidade local e construíssem um roteiro do
trabalho e, em especial, articulassem imagem, texto e som. Afinal,
sem isso dificilmente teriam condições de atingir a meta apresentada
pela equipe de docentes.
O desenvolvimento das pesquisas, assim como as diferentes
etapas de produções dos vídeos, ocorreu durante o tempo comuni-
dade (TC) nas comunidades dos próprios discentes. Já outras ativi-
dades vinculadas à produção foram realizadas no tempo universidade
(TU). E, para cada um dos discentes ou equipe, havia um professor
orientador das atividades. Cabia aos docentes reunir seus alunos para
orientá-los, debater a pesquisa e analisar o material produzido no
TC, e, quando necessário, realizar orientações a distância.
Desse modo, as propostas de produção dos vídeos contempla-
ram, respectivamente, os temas “A Comunidade” (na turma do 2º
semestre de 2014) e “Vida em imagem e som” (na turma do 2º se-
mestre de 2015), sendo o eixo norteador das atividades desenvolvidas
as etapas dispostas no Quadro 1.

Quadro 1 – Etapas do planejamento e da produção do audiovisual


1. Apropriação de conceitos da área do audiovisual e produção
artística, a partir de leituras que subsidiem o assunto;

2. Apreciação e análise de obras de referência (vídeos premiados


em festivais de minuto) para apropriação de saberes sobre
imagem, som e texto em vídeo;

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Educação do campo, artes e formação docente

3. Orientação de trabalho (professores e alunos) no TU, norteada


pela discussão teórica e metodológica para produção dos
vídeos de 1 minuto sobre o tema “A comunidade” (2014-2) e
“Vida em imagem e som” (2015-2);

4. Formação de equipes, escolha do foco dos vídeos e


encaminhamentos da pesquisa para o TC;

5. Desenvolvimento da pesquisa sobre o tema no TC pelas


equipes (produção dos vídeos e diários de processo criativo);

6. Mostra da primeira versão dos vídeos no TU pela equipe


(alunos e professores) e análise orientada para reelaboração
dos vídeos;

7. Reelaboração dos vídeos no TC, a partir das informações


trocadas entre discentes e docentes;

8. Exibição da versão final dos vídeos no TU, restrita somente


aos docentes e discentes integrantes da turma;

9. Organização e realização da I e II Mostras de Vídeos de 1


Minuto do Curso de Educação do Campo, e apresentação aberta
ao público de todo o Câmpus UFT – Tocantinópolis.
Fonte: Silva; Paula; Bonilla, 2016, p. 25.

Esse quadro mostra que as atividades relacionadas à produção


do audiovisual estão divididas em três momentos distintos: pré-pro-
dução – produção – pós-produção. Ao todo, foram produzidos 19
audiovisuais de um minuto pela turma de 2014-2 e 14 na turma de
2015-2. Além disso, esse conjunto de material artístico trata de te-
máticas sobre as comunidades em diferentes aspectos: agricultura fa-
miliar, conflitos agrários, produção agrícola, consumo, sustentabilida-

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

de, cultura local, memória e educação do campo, acesso à escola, etc.


Vale ressaltar que os diários de processo criativo foram outro
“produto” produzido simultaneamente com os audiovisuais, cuja fina-
lidade era acumular os registros relacionados ao percurso e às experi-
ências vivenciadas durante a produção, compreendidas desde a con-
cepção da ideia original à exibição pública do material audiovisual.
Em nossas experiências, a opção pelo formato audiovisual se
mostrou condizente com a atividade proposta. Essa opção permitiu
que a síntese – tanto no que diz respeito à habilitação de caráter
artístico do curso (que envolve artes e música), como ao reconheci-
mento de posições de caráter sociocrítico e pedagógico relacionadas
à realidade percebida pelos discentes – articulou valores conceituais
éticos e estéticos capazes de colocar a construção de imagens no cen-
tro das discussões de uma arte advinda, originária ou instalada no
campo ou para ele orientada (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016).
Ao lado disso, as exibições da I e II Mostras de Vídeos de 1
Minuto do curso de Educação do Campo permitiram às comunida-
des (representadas pelos discentes) abrirem espaço pelo desen-
volvimento de um objeto artístico, marcado pela socialização de
experiências e possibilidade de integração entre universidade e
comunidades.

5 Análise e discussão dos dados

5.1 A produção escrita do gênero diário de processo criativo

A realização de uma língua por parte de seus usuários ocorre


por meio do uso de enunciados, quais sejam escritos ou orais. E os
integrantes de cada esfera social – familiar, jurídica, jornalística, re-
ligiosa, acadêmica, entre outras – no processo de comunicação, utili-
zam-se de textos que apresentam certas peculiaridades no tocante ao

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Educação do campo, artes e formação docente

conteúdo temático, à estrutura composicional e ao estilo de lingua-


gem empregado. Segundo Bakhtin (2006), cada exemplar de texto
receberá um nome específico, denominado gênero do discurso.
Exatamente por serem denominados “tipos relativamente
estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2006, p. 292), os gêneros do
discurso são constructos sócio-históricos, elaborados em função das
necessidades comunicativas dos membros de uma esfera social. Além
disso, são caracterizados por especificidades da esfera de comunica-
ção. A exemplo disso, temos os gêneros monografia e artigo cientí-
fico, restritos à esfera acadêmica; o gênero petição, mais recorrente
no meio jurídico; os gêneros carta pessoal e a lista de compras, mais
frequentes na esfera familiar; o gênero sermão, restrito ao meio reli-
gioso, entre outros.
Com base nessa concepção de gênero, podemos afirmar que
as práticas educativas empreendidas no contexto da pedagogia da
alternância na educação básica alimentaram experiências formativas
que criaram seus gêneros do discurso. É o caso do gênero caderno da
realidade, um dos instrumentos pedagógicos da alternância. Por acu-
mular os registros gerados em decorrência das atividades vinculadas
aos oito temas dos planos de estudo – ou tema gerador na perspectiva
freiriana – ao longo de um ano letivo, o caderno da realidade adquire
certas peculiaridades, pois incorpora um conjunto de textos em sua
estrutura composicional (SILVA; ANDRADE; MOREIRA, 2015).
De certa forma, o surgimento desse gênero na esfera escolar ocorreu
em função da necessidade de sistematização da pesquisa e registros
das atividades realizadas com os alunos.
Não muito diferente das finalidades apresentadas na alternância
no ensino básico, nas atividades do curso de Licenciatura em Educação
do Campo o caderno da realidade inspirou o surgimento de outros
gêneros em função das temáticas estudadas e das peculiaridades na
sistematização dos registros na disciplina SI, como o gênero diário de
processo criativo (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016). Assim,

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

A partir da experimentação prática com vistas à com-


posição artística, os diários serviam de base para o re-
gistro de tudo o que se relacionasse à construção do
objeto de arte: das orientações dadas pelos docentes às
impressões causadas e opiniões emitidas junto aos co-
legas discentes a respeito dos vídeos exibidos durante
as apresentações preliminares [...], bem como dúvidas
relativas à aplicação das técnicas e questões das mais
diferentes ordens que fossem suscitadas nesse movi-
mento realizado em torno de um material no qual se
entrecruzam muitas variáveis determinantes para sua
sustentação como objeto de arte e que, diretamente,
incidiam na tomada de decisões para que a ideia origi-
nal tomasse uma (ou outra) forma (SILVA; PAULA;
BONILLA, 2016, p. 28).

O excerto mostra que os diários de processo criativo acumulam


diferentes registros gerados ao longo da produção do audiovisual. E
vão desde a delimitação do tema, planejamento, execução do projeto
até as orientações dos professores. Nesse gênero, a partir das temá-
ticas “A comunidade” (semestre 2014-2) e “Vida em imagem e som”
(semestre 2015-2), definidas pela equipe de docentes do Seminário
Integrado II para produção do vídeo de 1 minuto, os alunos/autores
deveriam ser capazes de apresentar as seguintes seções: (1) a propo-
sição da ideia principal do vídeo; (2) sobre o quê falar?; (3) argumen-
to que justificasse a delimitação; (4) sinopse; (5) finalidade da pro-
dução; (6) público-alvo da produção; (7) perfil do público-alvo; (8)
formato do audiovisual (videoclipe? documentário? animação? etc.);
(9) roteiro da produção; (10) planilha de pré-produção (equipamen-
tos; pessoas envolvidas na produção; objetos de cena; detalhamento
das equipes de trabalho; deslocamento; seleção de atores; datas de
ensaios; agendamento de gravações; autorizações; dentre outros.);
(11) diário de produção (o que ocorreu durante as gravações? quais
problemas surgiram? Quais estratégias foram articuladas para a re-
solução dos problemas encontrados?); (12) diário de pós-produção

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Educação do campo, artes e formação docente

(detalhamento do tratamento e montagem dos sons e imagens cap-


tados durante as gravações: quais equipamentos, mídias, programas
de edição de audiovisual utilizados etc., critérios que embasaram as
escolhas para a composição da produção).
As diferentes seções que compõem o diário de processo cria-
tivo, em linhas gerais, estimulam os autores das produções artísticas
a tomarem nota sobre qualquer etapa ou procedimento relacionado
à produção. Nesse sentido, “quanto mais detalhada se apresenta essa
tomada de notas para a composição do diário, mais eficiente ele se
torna como instrumento pedagógico, visto que ele permitirá com cla-
reza a observação dos desdobramentos que se seguiram ao impulso
original” (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016, p. 28). Além disso, ele
é um gênero que nasce das demandas de cunho estritamente acadê-
mico. Certamente, se bem utilizado, pode se tornar um instrumen-
to pedagógico importante para a sistematização do aprendizado na
educação do campo, especialmente da modalidade escrita da língua.
Na área das artes, quer seja nas artes visuais (aplicada espe-
cialmente às linguagens do cinema e do vídeo) ou nas artes cênicas
(principalmente vinculada ao teatro, à dança, ao dança-teatro, à ópe-
ra, e outras vertentes em evidência no século XX), normalmente a
documentação de tudo que integra processos criativos é largamente
utilizada (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016).
Nas experiências artístico-educativas envolvendo tanto a pri-
meira turma (2014-2) como a segunda (2015-2), os registros dos
diários de processo criativo constituem parte fundamental para o en-
tendimento da organização do trabalho das equipes, das etapas e dos
processos de produção de cada uma das obras videográficas, isto é,
dos audiovisuais pelos discentes. Conforme ressaltam Silva, Paula e
Bonilla (2016, p. 28), “o processo, ao ter a devida notação e registro,
pode ser mais facilmente analisado a posteriori e retomado sempre
que se faça necessário, sem que aconteçam perdas substanciais das
informações e procedimentos técnicos para o futuro aprimoramento
em novas produções que venham a ser realizadas”. Nesses diários,

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

além dos autores estabelecerem os limites do espaço da produção do


conhecimento, narram todas as etapas ou passos trilhados durante o
desenvolvimento da pesquisa.
Ao analisarmos os exemplares dos 19 diários de processo cria-
tivo referentes às produções artísticas da primeira turma (2014-2),
verificamos que apenas dois deles apresentam os registros completos
de todas as etapas do processo de produção. Embora os discentes
tenham sido orientados pela equipe de docentes quanto às seções
de registros dos diários, não foram capazes de produzir esse gênero
segundo a estrutura composicional e conteúdos exigidos.
Por outro lado, a produção final dos diários de processo cria-
tivo da segunda turma (2015-2) foi um pouco melhor sucedida. Em
sua maioria, mesmo com dificuldades de domínio ou uso da escrita
acadêmica, os discentes conseguiram apresentar nos diários registros
que vão desde a concepção da ideia inicial à exibição final do vídeo de
1 minuto. Além disso, apresentam um mapeamento detalhado ine-
rente à consecução da obra artística, assim como registros de fatos ou
desafios que ocasionaram eventuais mudanças no desenvolvimento
da produção.
Devemos, pois, ressaltar que a proposta de construção dos di-
ários pelas equipes foi necessária e importante não só no intuito de
levar os discentes a terem uma percepção segura a respeito do resul-
tado estético da produção, mas, sobretudo, dos pressupostos éticos
aos quais serviram para as tomadas de decisões.

5.2 Os áudios do visual

Cabe aqui fazer uma breve descrição da paisagem e das trilhas


sonoras utilizadas nos audiovisuais produzidos pelas duas primeiras
turmas do curso. Usamos o termo paisagem no sentido de Schafer
(1991), tomando o ambiente sonoro como uma paisagem, passível de
descrição, assim como o ambiente visual. Os resultados apresentados

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Educação do campo, artes e formação docente

entre as duas turmas foram diferentes, devido, em boa parte, aos con-
textos peculiares em que cada grupo esteve submetido durante o pro-
cesso de produção, assim como à possibilidade do uso de uma turma
como referência para outra.
De todo modo, esse exercício foi importante para entendermos
os parâmetros sonoros e simbólicos desses estudantes, assim como de-
cifrar alguns aspectos da relação deles com a música. Para isso, optamos
por eleger algumas categorias de análise que julgamos importantes no
processo de aprendizagem, ao considerar que se trata de um curso com
habilitação em artes e música. São elas:
1) Composição autoral específica para o vídeo. Nessa categoria
procuramos avaliar quais e quantos trabalhos tiveram como áudio
músicas compostas especialmente para o audiovisual, seja essa com-
posição uma paródia, um improviso instrumental ou uma canção.
2) Obra interpretada. Nessa categoria identificamos obras
compostas por diferentes autores e interpretadas pelos discentes do
referido trabalho ou do curso.
3) Artista da comunidade. Nessa categoria enquadramos obras
compostas e/ou realizadas por membro da comunidade à qual os dis-
centes pertencem.
4) Obra pesquisada. Nessa categoria se enquadram as músicas
de diferentes artistas pesquisadas e selecionadas pelos discentes, seja
de suas coleções pessoais, de artistas conhecidos ou disponíveis na
internet.
5) Sem música. Essa categoria refere-se aos audiovisuais que
optaram pelo uso de outros tipos de sonoridades que não as entendi-
das por eles como música.
Alguns trabalhos foram classificados em mais de uma catego-
ria, como no caso de músicas compostas especialmente para o tra-
balho que também entraram na categoria “artista da comunidade”,
quando o caso, ou em “interpretada pelos próprios alunos”.
Dessa forma, chegou-se ao Gráfico 1 com a primeira turma.

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

Gráfico 1 – Categorias da trilha sonora dos 19 audiovisuais realiza-


dos pela primeira turma

Trilha sonora dos 19 audiovisuais produzidos pela primeira


turma (2014-2)

10%
15%
5%

10% Composição

Interpletação

Artista comunidade

Obras pesquisadas

Sem música

60%

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

O Gráfico 1 mostra a origem da trilha sonora dos 19 audio-


visuais produzidos pela primeira turma (2014.2). Desses, dois foram
compostos exclusivamente para essa atividade, sendo um deles uma
composição em forma de canção, com letra que descreveu a narrativa
do trabalho, em que os componentes do grupo cantam acompanha-
dos por acordeão, violão e diferentes instrumentos de percussão. O
outro trabalho teve sua trilha criada e realizada por um artista da

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Educação do campo, artes e formação docente

região do Jalapão, com o uso da viola de buriti, instrumento caracte-


rístico da comunidade da discente que criou o audiovisual. No único
trabalho que teve um membro da comunidade como intérprete, o
foco central da narrativa foi o de destacar a habilidade de um artista
da comunidade que produz melodias usando como instrumento mu-
sical uma folha da mangueira.
Três trabalhos optaram por não usar uma trilha sonora musical,
usando como principal fonte sonora apenas a narrativa dos persona-
gens, assim como eventuais efeitos sonoros não programados, como
sons vazados de animais, TVs e rádios ligados nas redondezas das
gravações. Em um deles, usaram-se ainda recursos intencionais de
efeitos sonoros como tiros, sons de passos e de um coração batendo.
Os demais audiovisuais apresentados por essa turma fizeram
uso de trilha sonora pesquisada em arquivos pessoais dos discentes ou
na internet. Dessas 12 trilhas, percebeu-se uma recorrência da mescla
de efeitos sonoros descritivos a uma trilha musical, assim como a
seleção de mais de uma obra musical para um mesmo trabalho. Nove
delas foram fragmentos instrumentais sem o uso da voz cantada, in-
cluindo introdução de canções ou obras instrumentais mais conheci-
das, como partes de trilhas de filmes, vinhetas ou obras do repertório
erudito. Em três vídeos, os autores optaram pelo uso de canções cuja
letra dialogava com o conteúdo ou com a narrativa do trabalho.
A seguir, o Gráfico 2 apresenta as categorias em que se enqua-
dram a trilha sonora dos audiovisuais da segunda turma.

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

Gráfico 2 – Categorias da trilha sonora dos 14 audiovisuais realiza-


dos pela segunda turma

Trilha sonora dos 14 audiovisuais produzidos pela primeira


turma (2015-2)

0%

25%

Composição

Interpletação
50% 0%
Artista comunidade

Obras pesquisadas

Sem música

25%

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

De maneira geral, nas categorias de análise estabelecidas, houve


um pequeno avanço em relação ao ineditismo de produção da segunda
turma em relação à primeira. Esse movimento não foi ao acaso, mas
sim incentivado pelos docentes do curso. Com base nas análises dos
primeiros vídeos, entendeu-se que seria importante que houvesse um
protagonismo artístico maior por parte dos discentes, o que provavel-
mente contribuiu para essa alteração.

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Educação do campo, artes e formação docente

Foram quatro composições criadas especificamente para esse


trabalho, duas a mais do que as realizadas pela turma anterior, mesmo
com cinco trabalhos a menos. Um dos grupos apresentou o audiovi-
sual que retratava a vida das quebradeiras de coco30, característica da
região. A trilha foi gerada a partir do som do cacete31 ferindo o coco,
ferramenta usada pelas quebradeiras, ilustrando bem a paisagem so-
nora dessa comunidade. As demais trilhas foram criadas com um
instrumento solo e realizadas por algum músico da comunidade: um
com a viola de buriti32, um com o violão e, em um terceiro grupo, o
músico da comunidade fez uso de um teclado eletrônico. Duas dessas
trilhas funcionaram como background da narrativa oral e uma delas
como base para uma narrativa de imagens. Por outro lado, não teve
nenhum audiovisual em que os próprios discentes atuassem como
intérpretes para realização da trilha apresentada, como ocorreu com
a turma 2014-2.
Outro dado interessante é que, dentre os oito audiovisuais
que fizeram uso de trilha pesquisada, quatro deles se apropriaram de
obras de professores, colegas e artistas da comunidade, estreitando
as relações artísticas da turma com a comunidade, bastante positivo
para o que se esperava do curso. Uma obra em especial foi uma can-

30 São trabalhadoras extrativistas, em geral mulheres, muitas vezes organizadas,


ou não, em cooperativas e em movimentos sociais, que coletam e extraem a
amêndoa do coco babaçu. Essa amêndoa é proveniente da palmeira de mesmo
nome, abundante na região norte, em especial no Tocantins e Pará e no nordeste
envolvendo os estados do Maranhão, Piauí e parte do Ceará.
31 É um pedaço de madeira utilizado como ferramenta para extração da amêndoa
do coco babaçu.
32 A viola de buriti é produzida a partir do talo da palmeira buriti, frequente
na região Amazônica e no Cerrado. Alguns músicos e artesãos da comunidade
Mumbuca, localizada no município de Mateiros/TO, região do Jalapão, produzem
e tocam esse instrumento, criando uma identidade musical entre essa viola e a
comunidade na qual alguns discentes do curso de Licenciatura em Educação do
Campo vivem.

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

ção que os índios da etnia Apinayé usam para o ritual da corrida de


tora, que conduziu a narrativa do trabalho.

Gráfico 3 – Categorias da trilha sonora com os audiovisuais realiza-


dos pelas duas turmas, 33 obras

Total das trilhas sonoras dos audiovisuais produzidos por ambas


as turmas - 33 obras

8%
16%

8% Composição

Interpletação

Artista comunidade

Obras pesquisadas
16%
52% Sem música

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Como síntese geral dos trabalhos, o Gráfico 3 mostra as cate-


gorias que originaram a produção das trilhas dos audiovisuais envol-
vendo as duas turmas apreciadas. O uso de obras artísticas musicais
de outros autores responde por pouco mais da metade dos trabalhos

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Educação do campo, artes e formação docente

produzidos, mas a participação de artistas da comunidade com com-


posições específicas para essa atividade não pode ser desprezada, o
que é desejável para nosso contexto.

5.3 Colagem e montagem: procedimentos de composição do


objeto audiovisual

Os procedimentos adotados para a organização das ações com


vistas à elaboração do vídeo exigiram dos discentes que eles se apro-
priassem, ainda que de maneira inicial, de técnicas pertinentes às ar-
tes visuais, especialmente àquelas voltadas às linguagens da fotogra-
fia, do cinema e do vídeo propriamente ditos.
A condição de disponibilidade para o estabelecimento de um
contato com as ferramentas tecnológicas utilizadas em favor da cons-
trução do objeto artístico – capaz de gerar uma relação que oferecesse
suporte aos discursos adotados pelos discentes – pode ser entendida
como premissa que embasa todas as demais ações de realização de
um objeto dessa categoria. Em razão dela, conhecimentos de dife-
rentes disciplinas serão requisitados e inter-relacionados para atingir
tal intento, de modo que a condição de disponibilidade promove (ou
mesmo determina) um ambiente propício à pesquisa, seja ela prática
e/ou teórica, em atendimento à necessidade de realização estética.
No tocante aos processos de criação artística, de antemão, a
tecnologia seria comumente tomada como um ponto de reforço ao
conceito de alienação. Ao ser experimentada pelos discentes – que
articularam diante da proposição a sua condição de disponibilidade –
essa mesma tecnologia serviu como ferramenta potencializadora de
um discurso que permitiu a apresentação de uma identidade própria,
assim caracterizada pelos posicionamentos sociopolíticos que orien-
taram os pontos de vista do discente/artista para a obra em questão,
voltados a outros grupos humanos e comunidades distintas daquelas
às quais lhes sejam de origem ou de tradição.

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

Considerando que os exercícios de leitura e construção de ima-


gens são partes de processos identitários, o discente/artista reivindica
a si mesmo o poder de questionar e, consequentemente, de redefinir
os vínculos com a tecnologia que outrora lhe tenham sido estabele-
cidos. Nessa redefinição, são promovidas em torno do objeto estético
outras relações possíveis: se antes não se percebiam como consumi-
dores, os discentes – ao assumirem concomitantemente a condição
de produtores da imagem – são obrigados a exercitar, de maneira
dialética, o olhar crítico a respeito dos contextos sociais nos quais
as imagens transitam. Transitam as imagens, transitam as ideias: os
diálogos pertinentes a esses trânsitos redefinem as possibilidades de
arranjo audiovisual para sua produção em si ao dar formas às ideias.
A colagem e a montagem seriam, então, procedimentos a favor
de um questionamento a ser feito pelos discentes/artistas junto aos
seus contextos de vida a respeito do que a realidade – em suas múlti-
plas nuances – é capaz de lhes apresentar. A utilização de um ou outro
procedimento (ou ainda dois procedimentos simultaneamente) per-
mite que ocorra um redimensionamento da própria realidade. Des-
locada de um contexto original e assim transposta a outro ambiente,
a realidade pode ser revista a partir de recortes que redesenhem e/ou
redirecionem o olhar de quem aprecie o objeto estético. O princípio
para execução de tais procedimentos pressupõe que o olhar, voltado à
realidade, promova uma metaforização ao tomar a realidade por uma
potência que provoque o imaginário tanto de quem produz quanto
de quem contemple a imagem (visual ou sonora).
A colagem (oriunda do universo das artes plásticas) permite
que sejam colocadas para uma mesma composição audiovisual ima-
gens sonoro-visuais heteróclitas, de maneira que, acerca de sua di-
versidade, o conflito entre elas provoque o espectador a estabelecer
uma linha de diálogo, a fim de configurar um determinado quadro. A
colagem se caracteriza pela borda da imagem deixada propositada-
mente aparente; ou mesmo pela demarcada diferença de nitidez en-
tre as imagens, capaz de provocar um choque em quem se relacione

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Educação do campo, artes e formação docente

com o objeto artístico. Inaugurada pelas chamadas collage cubistas,


esse procedimento seria um sintoma da modernidade, expresso pela
teoria da vanguarda descrita por Bürger (1993).

O que distingue estas obras das técnicas de pintura


praticadas desde o Renascimento é a incorporação de
fragmentos de realidade na pintura, ou seja, de mate-
riais que não foram elaborados pelo artista. Assim se
destrói a unidade da obra como produto absoluto da
subjetividade do artista. O pedaço de fio de verga que
Picasso cola num quadro pode ser escolhido de acor-
do com uma intenção de composição; como pedaço
de fio de verga continua a fazer parte da realidade, e
incorpora-se no quadro tal qual é, sem sofrer altera-
ções essenciais. Deste modo, violenta-se um sistema
de representação que se baseia na reprodução da reali-
dade, quer dizer, no princípio segundo o qual a tarefa
do artista é a transposição dessa mesma realidade. É
certo que os cubistas não contentam em exibir – como
pouco depois o faria Duchamp – um mero fragmento
do real, mas renunciam à constituição do espaço do
quadro num todo contínuo (BÜRGER, 1993, p. 128).

O ato realizado pelo discente/artista de assumir a possibilidade


de junção e justaposição de diferentes materiais para esta configura-
ção é o que confere à colagem sua dimensão artística. Dessa forma, a
realidade é trabalhada com vistas à sua metaforização, e é evidenciado
ao espectador que essas partes não são a priori conciliáveis: a realidade
é de per si descontínua, transversa, e quem poderia exibir sua inerente
descontinuidade (ou dar algum sentido a ela) através da obra seria o
artista. Em suma, a obra (se tiver ela alguma função) seria a de exibir as
contradições da realidade.
A montagem, diferentemente da colagem, tem por princípio
estabelecer uma linha de continuidade entre uma imagem e outra,
sem que se identifique tão claramente quanto na colagem o limite
entre essas imagens. Como técnica própria do cinema, a montagem

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

permite a fragmentação da realidade e, a partir do encadeamento de


imagens, obtém-se a ilusão do movimento. Para Bürguer (1993, p.
122-123),

O cinema baseia-se, como sabemos, no encadeado


de imagens fotográficas que produzem impressão de
movimento devido à velocidade com que se sucedem
diante da nossa vista. A montagem de imagens é a téc-
nica operatória básica do cinema; não se trata de uma
técnica artística específica, dado que é determinada
pelo meio, se bem que o próprio uso do meio já im-
plique diferenças, porque não é a mesma coisa quando
a sucessão de planos fotográficos reproduz o curso de
um movimento natural e quando reproduz um movi-
mento artístico (por exemplo: a partir de um leão de
mármore adormecido, depois acordado e posto de pé
produz-se a impressão de que esse leão salta, como
acontece em O Couraçado Potemkine). No primeiro
caso, também se “montam” imagens isoladas, mas a
imagem cinematográfica reproduz por ilusão o movi-
mento ou engano o curso de um movimento natural.
No segundo caso, porém, a impressão de movimento
só pode ser produzida pela montagem das imagens
(BÜRGUER, 1993, p. 122-123).

Entre si – e a critério do que melhor lhe sirva à necessidade,


enquanto discente/artista realizador da obra – ambos os procedimen-
tos podem convergir ou divergir mais ou menos um do outro durante
a composição do objeto audiovisual, dependendo de uma eventual
prévia habilidade adquirida, ou ainda da investigação estética experi-
mentada pelo seu realizador no decorrer da composição.
As abordagens feitas pelos discentes/artistas de questões per-
tinentes à vida no campo, em relação aos conflitos agrários, à má
utilização da água, à integração comunidade/escola, à manifestação
da poesia das comunidades, às brincadeiras infantis e à memória,

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Educação do campo, artes e formação docente

dentre outros, adquirem nuances distintas de apropriação pelo es-


pectador, dependendo do procedimento adotado pelo produtor do
objeto, a fim de possibilitar ao espectador que ele estabeleça alguma
relação com o tema.
A partir da orientação durante o período de elaboração dos ví-
deos – que apresentaram tempo exato de 1 minuto cada um – foi pos-
sível observar que as apropriações realizadas pelos discentes/artistas
dos procedimentos acima descritos se dão, na maior parte dos casos, a
partir de uma experimentação direta conjugada entre a ideia e a ferra-
menta tecnológica, obedecendo a um esquema de tentativa e erro.
Diante das dificuldades percebidas pela quase totalidade dos
discentes/artistas, articularam entre si estratégias eficazes para a
aquisição e partilha do saber de maneira solidária e coletiva, o que
assegurou a realização do produto estético. Ao ser descoberto algum
recurso válido capaz de abrir possibilidades para uma melhor apre-
sentação da ideia que relacionasse o objeto e o espectador, a desco-
berta era rapidamente compartilhada entre todos, e aplicada quase
integralmente no processo de elaboração do vídeo, a fim de solucio-
nar a adequação entre a execução da ideia através da utilização da
ferramenta tecnológica.
As técnicas adquiridas, então, tendem ora para o procedimento
da colagem, ora para o da montagem, conforme o exercício da ha-
bilidade. O trânsito de experiência entre um procedimento e outro,
realizado pelos discentes/artistas, promoveu uma mudança de sua
própria percepção em relação às imagens que lhes foram dispostas
pela via midiática de larga escala. É através da realização desse trân-
sito que os processos de construção de discursos e da consolidação de
práticas promotoras de alijamento da criatividade podem ser perce-
bidos e questionados ao sustentarem uma retórica de exclusão social,
especialmente aos modos de ser e de viver das populações do campo.
O empoderamento dos discentes/artistas pelo uso de colagem
e montagem possibilitou-lhes formular questionamentos de vínculos
(até então insuspeitados) construídos pela chamada indústria cultural.

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais
no norte do Tocantins

Assim sendo, os meios de difusão perdem boa parte do seu do-


mínio, quando a consciência individual (e também coletiva) permite
que, diante do aporte predatório promovido por tais vias, a critici-
dade se manifeste como sintoma de recusa aos modelos impostos. A
técnica e os procedimentos, alicerçados em uma ética com base na
partilha, fazem eclodir e dão visibilidade a outras identidades, que
não fazem parte da dinâmica unilateral da comunicação de massa. O
fogo, entregue por Prometeu, traz outro movimento à vida.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In:______. Estética da criação


verbal. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 261-335.

BRASIL. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a


política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária - Pronera. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7352.htm> Acesso em: 19 fev.
2016a.

________. Ministério da Educação. Edital de Seleção nº 02/2012 - SESU/


SETEC/SECADI/MEC de 31 de agosto de 2012. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman &task=doc_
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________. Ministério da Educação. Oficina de produção de vídeos.


Brasília: TV Escola. Disponível em: <http://curtahistorias.mec.gov.br/
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BÜRGUER, P. Teoria da vanguarda. Lisboa: Vega, 1993.

193

EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 193 23/05/2017 16:14:54


Educação do campo, artes e formação docente

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 58.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz


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RIBEIRO, M. Pedagogia da alternância na educação rural/do campo:


projetos em disputa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.1, p. 27-45,
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SHAFER, M. O ouvido pensante. São Paulo: UNESP, 1991.

SILVA, C.; PAULA, L.; BONILLA, M. F. O audiovisual como


ferramenta pedagógica e produção artística no contexto de uma
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________. ANDRADE, K. S.; MOREIRA, F. A retextualização no gênero


caderno da realidade na pedagogia da alternância. Acta Scientiarum.
Language and Culture, Maringá, v. 37, n. 4, p. 359-369, out./dez. 2015.

UFT. UNIVERSIDADE FEDERAL DE TOCANTINS. Projeto


pedagógico do curso (PPC) de licenciatura em educação do campo
(Campus de Tocantinópolis): artes e música. Tocantinópolis: s/n, 2014.

194

EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 194 23/05/2017 16:14:54


Música e educação do campo na
UFT: reflexões sobre
as matrizes curriculares musicais
de Arraias e Tocantinópolis
Mara Pereira da Silva33
José Jarbas Pinheiro Ruas Junior34

1 Introdução

Construir uma matriz curricular que atenda às demandas do


mundo atual para a formação de professores tem sido um grande de-
safio para os cursos de licenciatura. Essa discussão ainda é vista como
incipiente na área. Refletir sobre esse assunto é fundamental para
todos que estão envolvidos com processos formativos. Nesse sentido,
o presente estudo tem como objetivo analisar as matrizes curriculares
que constam no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Licenciatu-
ra em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da
UFT, em Tocantinópolis, e Artes Visuais e Música, em Arraias, dan-
do ênfase às disciplinas da habilitação Música. Os resultados indicam

33 Mestra em Música. Professora do curso de Educação do Campo da Universidade


Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: maramusic.uft@mail.
uft.edu.br
34 Mestre em Musicologia. Professor do curso de Educação do Campo da
Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: jjruas@
uft.edu.br

195

EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 195 23/05/2017 16:14:54


Educação do campo, artes e formação docente

a necessidade de formular um currículo musical que fuja à tendência


conservatorial para atender as demandas da educação do campo.
A proposta pedagógica que norteia o PPC de Arraias e To-
cantinópolis consiste em trabalhar a educação do campo como pilar
estrutural na formação de educadores para atuar na área de Artes.
Conforme Munarim (2006, p. 16), a educação do campo teve seu
início no seio da sociedade civil organizada. Ela é fruto de anseios e
articulações dos movimentos sociais e organizações sociais do cam-
po, pautada, principalmente, nas experiências de educação popular e
reivindicadora de uma escola pública de qualidade como direito de
todos e dever do Estado. A principal luta da educação do campo tem
sido por políticas públicas que garantam o direito da população do
campo à educação, e a uma educação que seja no e do campo (PPC,
2014, p. 23).
Portanto, na UFT, o curso objetiva a viabilização de formação
superior específica e tem como pretensão promover a expansão da
oferta de professores para atuarem na educação básica nas comunida-
des rurais; o atendimento à demanda apresentada no campo, local em
que há carência de professores qualificados para o ensino de diversas
áreas, incluindo-se Artes e Música; além do auxílio à superação das
desvantagens educacionais, observando os princípios de igualdade e
gratuidade quanto às condições de acesso (PPC, 2013, p. 18).
Nosso campo de concentração dará ênfase às disciplinas do
núcleo específico: música. Temos como objetivo analisar as matri-
zes curriculares que constam no PPC de ambos os cursos, buscando
entre elas convergências e divergências para a formação de futuros
professores que atuarão na educação do campo.
A metodologia empregada para as análises da matriz curricular
dos PPC’s, de ambos os cursos, especificamente a parte de música,
partiu da abordagem qualitativa e quantitativa, levando em conside-
ração posicionamentos de autores da educação musical. A pesquisa
quantitativa lida com números; usa modelos estatísticos para explicar
os dados. Em contraste, a pesquisa qualitativa evita números, lida

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

com interpretações das realidades sociais (BAUER et al., 2002, p.


23). É voltada para compreender, em vez de comprovar (PENNA,
2015b, p. 100).
A partir da apresentação dos cursos, das matrizes curriculares,
na última seção deste capítulo, são feitas algumas reflexões sobre os
pontos que convergem e divergem nas matrizes, propondo o debate
para implementação de ferramentas de instrumentalização de nossos
licenciados com disciplinas destinadas à prática e ações reflexivas ne-
cessárias para a formação na área específica: música.

2 Os cursos

O curso de Licenciatura em Educação do Campo: Códigos


e Linguagens, na modalidade presencial, ocorre em regime de al-
ternância pedagógica nos câmpus de Arraias e Tocantinópolis. O
curso tem como objetivo “realizar uma formação contextualizada
na área de Artes e Música que possibilite ao discente de licen-
ciatura uma identidade na área de formação de educadores (as)
politicamente comprometida com a cultura, com as lutas sociais e
com o campo brasileiro” (PPC, 2013, p. 34).
A alternância pedagógica proporciona ao acadêmico experien-
ciar momentos formativos no ambiente familiar/comunidade e na
própria universidade/escola, de uma maneira interligada, em que os
afazeres na comunidade se articulem com o aprendizado da universi-
dade, sendo as experiências dos educandos o ponto de partida para o
processo de ensino e aprendizagem.
Para Silva (2010, p. 185), “a utilização da alternância pedagógi-
ca pressupõe uma formação diferenciada dos sujeitos envolvidos no
processo educativo, provocados constantemente pelo formular e ex-
perimentar conhecimentos, em um processo permanente de intera-
ção-ação, reflexão e ação”. Ademais, a proposta é (PPC, 2014, p. 34)

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Educação do campo, artes e formação docente

[...] desenvolver um processo de ensino-aprendiza-


gem contínuo em que o acadêmico percorre o trajeto
comunidade – universidade – comunidade. Inicial-
mente, em sua realidade, o acadêmico se volta para a
observação, pesquisa e descrição da realidade socio-
profissional do contexto no qual se encontra. Em se-
guida, o acadêmico vai à universidade, onde socializa,
analisa, reflete, sistematiza, conceitua e interpreta os
conteúdos identificados na etapa anterior; e por fim,
o acadêmico volta para sua realidade, dessa vez com
os conteúdos trabalhados de forma a experimentar
e transformar a realidade socioprofissional, de modo
que novos conteúdos surgem, novas questões são co-
locadas, podendo ser novamente trabalhadas no con-
texto escolar.

Segundo o PPC, o percurso formativo busca caminhos e pistas


para um currículo interdisciplinar por meio de três núcleos distintos
e inter-relacionados, contemplando “momentos de estudo comum,
momentos de estudo específico e momentos livres de aprofundamen-
to de conhecimentos” (PPC, 2013, p. 39), a saber: núcleo comum,
núcleo específico e núcleo de atividades complementares. Segundo o
PPC de Tocantinópolis (PPC, 2014, p. 41-42) e Arraias (PPC, 2013,
p. 39), o núcleo comum

[...] aglutinará os conteúdos acadêmicos referentes à


área de Linguagens de Códigos e Linguagens, focando
os estudos necessários à construção de conhecimen-
tos e desenvolvimento de habilidades da docência; à
compreensão dos aspectos que envolvem o desenvol-
vimento aprendizagem em geral e o desenvolvimento
da linguagem oral e escrita; ao aprendizado dos fun-
damentos da pesquisa em educação; à compreensão
das características e práticas próprias da agricultura
familiar; e à compreensão das questões que envolvem
a realidade do campo no Brasil e na Amazônia.

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

Em relação ao núcleo específico,

[...] aglutinará os conteúdos específicos referentes


a área de conhecimento de Artes visuais e Música,
focando os estudos necessários à construção de co-
nhecimentos e habilidades docentes especializadas
por área; à reflexão epistemológica de cada área; ao
aprendizado dos fundamentos da pesquisa por área; e
a compreensão de aspectos da realidade do campo em
acordo com aquilo que é próprio da área.

E, por fim, o núcleo de atividades complementares, que cor-


respondem a 200 horas e deverão ser cumpridas ao longo do curso,
consiste

[...] em momentos de vivência nos ambientes e situ-


ações no âmbito dos conhecimentos teórico-práticos
nas áreas de abrangência do curso, onde o educando
ampliará sua formação prática como componente cur-
ricular. São consideradas atividades complementares
aquelas vivenciadas ao longo do curso através de ativi-
dades de pesquisa, ensino e extensão, desenvolvidas na
forma de monitorias, excursões, pesquisas de campo,
estágios não obrigatório, participação em eventos (se-
minários, debates, palestras, cursos, minicursos, ofici-
nas, etc.).

Assim, com a finalidade de alcançar caminhos e pistas para


um currículo interdisciplinar, o curso assume como princípios peda-
gógicos: a formação contextualizada; a realidade e as experiências das
comunidades do campo como objetos de estudo e fontes de conhe-
cimentos; a pesquisa como princípio educativo; a indissociabilidade
teoria-prática; o planejamento e a ação formativa integrada entre as
áreas de conhecimento (interdisciplinaridade); os alunos como sujei-
tos do conhecimento; e a produção acadêmica para a transformação

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Educação do campo, artes e formação docente

da realidade (PPC, 2013, p. 23).


Regido pelos princípios normativos norteadores do Estatuto e
do Regimento da Universidade, o curso preza:
1) pelo estímulo à criação cultural e ao desenvolvimento do
espírito científico e do pensamento reflexivo;
2) pela formação de profissionais nas diferentes áreas do co-
nhecimento, aptos à inserção em setores profissionais e à participa-
ção no desenvolvimento da sociedade brasileira, colaborando na sua
formação contínua;
3) pelo incentivo ao trabalho de pesquisa e investigação cientí-
fica, visando ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da cria-
ção e difusão da cultura, desenvolvendo-se, desse modo, o entendi-
mento do homem e do meio em que vive;
4) pelo compromisso em promover a divulgação dos conheci-
mentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da
humanidade, bem como comunicar o saber por meio do ensino, de
publicações ou de outras formas de comunicação;
5) por suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultu-
ral e profissional e possibilitar a correspondente concretização, inte-
grando os conhecimentos que vão sendo adquiridos em uma estru-
tura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
6) pelo estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo
presente, em particular, os nacionais e regionais, prestando serviços
especializados à comunidade a fim de estabelecer com ela uma rela-
ção de reciprocidade;
7) pelo compromisso em promover a extensão de forma aber-
ta à participação da população, visando à difusão das conquistas e
benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e
tecnológica geradas na Instituição (PPC, 2014, p. 11).
Quanto ao número de entradas no curso, os câmpus de To-

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

cantinópolis e Arraias têm promovido, através de processo seletivo35


organizado pela Copese-UFT, a oferta de 120 vagas/ano. A titula-
ção a ser adquirida pelo acadêmico ingresso em Tocantinópolis é Li-
cenciado em Educação do Campo: Códigos e Linguagens – Artes
e Música (PPC, 2014, p.16). Já em Arraias, o aluno recebe o título
acadêmico de Licenciado em Educação do Campo: Códigos e Lin-
guagens – Artes Visuais e Música.
Como área de conhecimento, os termos Artes e Artes Visuais
se diferenciam. O termo Artes envolve as diversas linguagens artís-
ticas como: música, teatro, dança, e a própria artes visuais. As Artes
Visuais englobam expressões artísticas que podem ser captadas pela
visão. Podemos, então, afirmar que o termo Artes abarca um conjun-
to de linguagens artísticas.
O curso tem duração mínima de oito semestres com prazo má-
ximo para conclusão em 12 semestres, tanto em Tocantinópolis como
em Arraias.
A seguir, no Quadro 1, apresentamos a carga horária das ma-
trizes curriculares de Arraias e Tocantinópolis, conforme consta em
seus respectivos PPC’s.

Quadro 1 – Carga horária das matrizes curriculares de Arraias e To-


cantinópolis
Tocantinópolis Arraias
Carga horária total 3.300 horas 3.300 horas
Disciplinas do ciclo
1.785 horas 1.155 horas
básico
Disciplinas do ciclo
900 horas 1.350 horas
profissional

35 O processo seletivo é por vestibular interno da própria UFT e possui edital


específico.

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Educação do campo, artes e formação docente

Disciplinas
de formação - 180 horas
complementar
Atividades
210 horas 210 horas
complementares:
Estágios curriculares
405 horas 405 horas
supervisionados
Fonte: PPC, 2014, p.17; PPC, 2013, p.15-16.

Os componentes curriculares que constituem a matriz curri-


cular na área da música vêm sendo debatidos por alguns educadores
da área de educação musical. Neste caso, destacamos Vieira (2001)
e Pereira (2013; 2014). O modelo conservatorial apresentado por
Vieira (2001) refere-se ao ensino de música ofertado nos conserva-
tórios e prioriza a formação de “músicos, instrumentistas, cantores,
compositores e regentes” (ANDRADE, 1989 apud VIEIRA, 2001,
p. 21). Segundo a autora, esse modelo conservatorial introduzido pela
música erudita europeia em Belém do Pará é visto como problema no
processo de formação de professores de música que mantêm reverên-
cia a essa concepção musical.
Além disso, Pereira (2014) externa sua preocupação em relação
à formação de professores, pois os “currículos parecem desconside-
rar a realidade musical das escolas e, principalmente, de seus alunos”
(PEREIRA, 2014, p. 91). Em suas considerações, o autor observa
uma mentalidade conservatorial incorporada aos currículos dos cur-
sos de música que visam à formação de professores. O Habitus con-
servatorial, como define o autor, é uma tendência incorporada aos
currículos com o objetivo de reproduzir, sem reflexão, disciplinas que
favorecem a formação erudita para o intérprete, artista. Entretanto,
Pereira (2013, p. 149) refere-se ao Habitus conservatorial

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

[...] como uma descrição típico-ideal das modalida-


des de valoração musical que organizam as práticas
de seleção e distribuição de conhecimento musical.
O conceito abrange, ainda, a concepção de formação
de professor de música, baseada nesses esquemas de
valoração e organização das práticas, que legitimam
a música erudita ocidental e seu valor inerente como
conhecimento oficial específico a ser incorporado pe-
los agentes.

Para o autor, essa legitimação da música erudita ocidental é


percebida por meio da difusão da educação estética em que as es-
tratégias políticas de civilização das classes inferiores se constituem
“ferramenta aliada à concepção de educação entendida como instru-
mento capaz de regenerar, moralizar, disciplinar e unificar as diferen-
ças” (PEREIRA, 2013, p. 60).
Nesse sentido, Silva (2015), ao problematizar sua pesquisa de
mestrado, apresenta sua preocupação com os desafios ao ter que traba-
lhar com uma turma de alunos do ensino médio integrado e específico
para jovens indígenas. A cultura musical dos jovens indígenas era to-
talmente diferente daquela a qual a autora foi preparada para exercer a
profissão como docente em música.
Silva relata que sua formação no curso de Licenciatura em
Música foi construída nos moldes tradicionais. Rememora que a
maioria das disciplinas do currículo era alinhada ao modelo conser-
vatorial. No seu entendimento, esse modelo trazia o conhecimento
erudito como uma verdade absoluta, pois a estrutura curricular do
curso tinha base no estudo da música erudita, tendo como premissa
os saberes relacionados à aprendizagem de códigos musicais específi-
cos desse estilo. Outros fazeres musicais que estariam mais conecta-
dos com sua realidade eram/foram excluídos, ou sequer considerados.
Nesse sentido, a formação docente musical parecia desconectada da
atuação profissional (SILVA, 2015, p. 18).
A construção de matrizes curriculares descontextualizadas com

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Educação do campo, artes e formação docente

a atuação profissional parece ser predominante nos cursos de Licen-


ciatura em Música. Segundo Louro e Souza (2013, p. 14), a inserção
da música popular nos cursos de graduação no Brasil é uma realida-
de recente, não fazia parte dos cursos superiores, por ser considerada
uma prática de amadores. A música popular brasileira, enquanto gê-
nero musical acessível à maioria da população, não era contemplada
nas matrizes curriculares. Para Penna (1999, p. 115), a proposta para
música caracteriza-se pela busca de uma educação musical que tome
como ponto de partida a vivência do aluno, sua relação com a música
popular e com a indústria cultural.
Nos cursos em educação do campo que apresentam a música
como uma das habilidades necessárias ao professor em formação, é
mister refletirmos se temos o modelo conservatorial incorporado ao
currículo. É importante refletirmos também sobre que saberes estão
sendo valorizados. Seria apenas a música erudita com seus signos, his-
tórias e códigos? Ou as práticas culturais e elementos musicais perti-
nentes à identidade do discente têm reverberado suas reivindicações?
Para tanto, apresentamos, a seguir, os componentes curriculares
em Música que constituem as atuais Matrizes Curriculares dos Cur-
sos de Arraias e Tocantinópolis.

3 Matriz curricular em Arraias

As disciplinas de música que compõem a dimensão pedagógica


do curso de Arraias (PPC, 2013, p. 74)36 totalizam 9 disciplinas obri-
gatórias e 3 optativas. Entre as optativas, o aluno pode escolher entre
violão/viola, sopro ou teclado. No PPC não consta o detalhamento

36 As informações referentes a Matriz Curricular de música em Arraias, constam


no Projeto Pedagógico do Curso de Educação do Campo - Artes Visuais e Música,
entre as páginas 47 a 74 que tratam do ementário. Essa informação é apresentada
em nota de rodapé, visando a fluidez do texto.

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

sobre possíveis disciplinas optativas III. Atualmente, o que tem sido


ofertado é a disciplina Percussão, com carga horária de 60 horas e
sem divisão por módulos como as demais optativas. Abaixo, segui-
mos com a apresentação das disciplinas e sua oferta por semestre.
No 1º semestre é oferecida a disciplina Introdução à Teoria
Musical. Com carga horária de 60 horas, seu objetivo é abordar “no-
ções básicas de ritmo, escalas, intervalos, leitura musical, harmonia,
melodia e estilos musicais”. Sua orientação é introduzir o discente
aos conceitos elementares da “Teoria musical básica, necessária para
a leitura musical e compreensão geral da partitura”.
No 2º semestre não são oferecidas disciplinas da área de música
na matriz curricular.
No 3º semestre é oferecida a disciplina Percepção e Notação
Musical I. Com carga horária de 60 horas, a disciplina se propõe a
promover um “treinamento auditivo para músicos”. Tem como me-
todologia o processo de “codificação e decodificação de eventos mu-
sicais melódicos e harmônicos apresentados de maneira gradual, por
ordem de dificuldade”.
No 4º semestre são oferecidas três disciplinas Percepção e No-
tação Musical II, Voz I, História da Música Brasileira.
Percepção e Notação Musical II é continuidade da disciplina
oferecida no semestre anterior e tem como objetivo o “aprofunda-
mento d[o] treinamento auditivo para músicos. Aprofundamento de
codificação e decodificação de eventos musicais melódicos e harmô-
nicos apresentados de maneira gradual, por ordem de dificuldade”.
Voz I conta com 60 horas de carga horária, concentra-se na
“prática vocal por meio do canto coletivo” e conta com os conteúdos:
percepção da voz individual e construção do coletivo; conhecimento
do aparelho vocal e seu funcionamento; utilização da voz como re-
curso de comunicação; classificação vocal; desenvolvimento de can-
ções a uma e duas vozes, com possibilidade de diferentes acompa-
nhamentos.

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Educação do campo, artes e formação docente

Já História da Música Brasileira possui carga horária de 75


horas e propõe uma “abordagem analítica sobre a evolução estética e
sociocultural da música popular nacional e internacional, do início do
século até os dias de hoje”. Tem como objetivo o “estudo da história
da música popular brasileira das origens aos dias de hoje”, buscando
compreendê-la através dos “gêneros, estilos, artistas e movimentos”.
No 5º semestre são oferecidas as disciplinas: Canto na Música
Popular, Voz II, Metodologia do Ensino de Artes I, todas com carga
horária de 60 horas.
A disciplina Canto na Música Popular está projetada para
olhar duas fases da música popular brasileira. A primeira concen-
tra-se no “estudo histórico e técnico do desenvolvimento da voz na
canção popular brasileira, realizado a partir da escuta de fonogramas
das décadas de 1930 a 1945, a época de ouro da música popular bra-
sileira”. A segunda parte pretende desenvolver um “estudo histórico
e técnico do desenvolvimento da voz na canção popular brasileira,
realizado a partir da escuta de fonogramas dos anos de 1946 a 1962,
período de renovação do samba-canção e da bossa nova”.
Voz II é o “estudo ordenado e progressivo do instrumento”.
Trabalha a “prática vocal por meio do canto coletivo” e a “percepção
da voz individual e construção do coletivo”. Aborda, ainda, temas
como “conhecimento do aparelho vocal e seu funcionamento. Utili-
zação da voz como recurso de comunicação. Classificação vocal. De-
senvolvimento de canções a uma e duas vozes, com possibilidade de
diferentes acompanhamentos”.
Metodologia do Ensino de Artes busca o “estudo das principais
linhas pedagógicas e conceitos de metodologia de ensino aplicada ao
ensino de artes visuais e música. Tem como conteúdo: Introdução
aos conceitos e práticas sobre: teoria e método; Relações, concepções
e métodos; Relações, concepções pedagógicas e atividades artísticas
na escola; Relações, concepções de arte e práticas de arte na escola;
Concepções e metodologias do ensino da arte; Perspectivas de novos
métodos”.

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

No 6º semestre são oferecidas duas disciplinas: Metodologia


do Ensino de Artes II e Optativa I. Desenvolve-se o estudo das prin-
cipais linhas pedagógicas e metodologias de ensino aplicadas ao en-
sino de artes e música.
No 7º e 8º semestres são oferecidas, respectivamente, as disci-
plinas Optativa II e Optativa III.
No quadro de optativas, compete ao aluno escolher entre: Vio-
lão/Viola I, Sopro I, Teclado I.

4 Matriz curricular de música em Tocantinópolis

A seguir, apresentamos as disciplinas oferecidas em cada se-


mestre no Câmpus de Tocantinópolis. Ao todo são 12 disciplinas,
sendo 11 obrigatórias e uma optativa.
No 1º semestre é oferecida apenas a disciplina Fundamentos
da Notação Musical, com carga horária de 60 horas. Tem como pro-
posta o “estudo da teoria e notação elementar da música ocidental,
incluindo o estudo dos princípios teóricos de organização rítmica, de
alturas e da terminologia dos conceitos musicais usados em diferen-
tes práticas musicais do ocidente”.
No 2º semestre é oferecida a disciplina Teoria e Percepção Mu-
sical I. Com carga horária de 60 horas, tem como objetivo promover
o “estudo da teoria elementar da música tonal ocidental, incluindo,
percepção, prática, apreciação de timbres e reconhecimento dos con-
ceitos musicais usados em diferentes práticas musicais do ocidente
como ferramenta cultural e de inclusão social”.
O 3º semestre dispõe de duas disciplinas: Prática Coral I e Te-
oria e Percepção Musical II. Ambas possuem carga horária de 60
horas. A disciplina Prática Coral se propõe a desenvolver “a prática
da música vocal em conjunto. Desempenho vocal: respiração, afina-
ção, qualidade sonora e expressividade. Grupos vocais”. Já Teoria e
Percepção Musical II dá continuidade aos conteúdos da antecesso-

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Educação do campo, artes e formação docente

ra, buscando o “aprofundamento do estudo da teoria elementar da


música tonal ocidental, incluindo, percepção, prática, apreciação de
timbres e fundamentos de harmonia”.
No 4º semestre são oferecidas duas disciplinas: Prática Coral
II e História da Música Ocidental. Ambas têm carga horária de 60
horas. Prática Coral II visa à continuidade da disciplina oferecida
no semestre anterior, primando pela “prática da música vocal em
conjunto”. Tem como objetivo oferecer elementos que viabilizem o
“desempenho vocal” do discente através da “respiração, afinação, qua-
lidade sonora e expressividade” em grupos vocais. Em História da
Música Ocidental, o discente é estimulado a conhecer “história da
música e a musicologia histórica”. Atentando aos “principais aspec-
tos, características, eventos musicais significativos, fontes documen-
tais, compositores, obras significativas e bibliografia sobre a música
ocidental desde a Idade Média até o século XXI”.
No 5º semestre são oferecidas as disciplinas História da Mú-
sica Popular Brasileira e Instrumento Eletivo I. Ambas com carga
horária de 60 horas. Em Instrumento Eletivo I compete ao aluno es-
colher entre: cordas dedilhadas, sopro e percussão; instrumento com
teclado. História da Música Popular Brasileira visa a uma “aborda-
gem analítica sobre a transformação estética e sociocultural da mú-
sica popular nacional e internacional, do fim do século XIX até os
dias de hoje”. Observam-se os principais “gêneros, estilos, artistas e
movimentos” que fizeram e fazem parte da música popular brasileira.
Instrumentos eletivos são disciplinas de caráter prático e bus-
cam o desenvolvimento de habilidades específicas em um instrumen-
to musical. O aluno escolhe uma das três vertentes disponíveis. A
partir disso, dará continuidade, nos próximos três semestres da disci-
plina, no mesmo instrumento. Em cordas dedilhadas pretende-se o
desenvolvimento da “técnica básica, postura, mecanismo e harmoni-
zação”. O aluno é preparado para a execução de repertório solo e em
conjunto. O objetivo da disciplina é orientar o discente a como fazer
“uso do instrumento como recurso de apoio na sala de aula”.

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

Na disciplina Instrumento com Teclado buscam-se os “prin-


cípios básicos do instrumento para sua utilização como ferramenta
auxiliar à formação musical do licenciando em música: conhecimen-
to dos mecanismos e recursos do instrumento, iniciação à leitura, no-
ções de técnica e postura”. Já em Instrumento de sopro estimula-se o
“estudo das técnicas tradicionais de execução do instrumento. Domí-
nio de técnicas básicas”.
No 6º semestre são oferecidas Instrumento Eletivo II e uma
disciplina do quadro de optativas. Das disponíveis no mesmo, Músi-
ca é representada pela disciplina Musicologia e Etnomusicologia. O
objetivo é apresentar ao aluno “o campo da Musicologia e da Etno-
musicologia, definições e debates; teoria, método e pesquisa em Mu-
sicologia e Etnomusicologia; interdisciplinaridade e conexões com
outras áreas; leituras orientadas e discussões sobre temas fundamen-
tais da área, incluindo a produção brasileira”.
O 7º semestre encerra as ofertas por disciplinas específicas da
área de Música. Nele estão disponíveis outras duas disciplinas: Instru-
mento Eletivo III e Fundamentos da Educação Musical. Ambas com
carga horária de 60 horas. Em Fundamentos da Educação Musical
o cerne está na introdução do discente “ao contexto da música nos
espaços educativos em suas dimensões histórica[s], social, política e
cultural”. Prima, também, pela “introdução à delimitação epistemoló-
gica da área de Educação Musical. Funções sociais da música. Função
político-pedagógica do educador musical”.

5 Convergências e divergências nos currículos

A Universidade Federal de Tocantins é a primeira instituição


de ensino superior do Tocantins a implantar um curso de graduação
para formar professores na área de música de forma multidisciplinar.
Esse processo se iniciou com a abertura de concurso público para
professores efetivos, no intuito de formar um quadro específico para

209

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Educação do campo, artes e formação docente

este curso.
Entre os nomes citados nos PPC’s, quando da elaboração de
suas respectivas matrizes curriculares, Arraias não contava com um
professor de formação específica na área de música em seu quadro.
Tocantinópolis contava apenas com um professor com formação em
música.
No que se refere à carga horária total dos cursos, observa-se
que Tocantinópolis e Arraias se igualam. Além das disciplinas do
ciclo básico e profissional, o curso de Arraias apresenta um quadro
de disciplinas de formação complementar com carga horária total de
180 horas. As atividades complementares e estágios curriculares em
ambos os cursos com carga horária contabilizam, respectivamente,
210 e 405 horas.
Em Tocantinópolis é proposta a disciplina Fundamentos da
Educação Musical quando o aluno está cursando o estágio supervi-
sionado. Em Estágio Supervisionado II, compete ao discente-estagi-
ário ministrar quatro aulas para uma turma de ensino fundamental.
Entretanto, a disciplina Fundamentos da Educação Musical é ofere-
cida apenas quando o discente está cursando Estágio Supervisionado
III, cuja regência destina-se ao ensino médio. Por outro lado, no cur-
rículo de Arraias, não consta essa disciplina.
Entre as matrizes curriculares podemos encontrar disciplinas
de caráter teórico que apresentam similaridades de conteúdo, mes-
mo com nomenclatura distinta. Tocantinópolis dispõe das seguintes
disciplinas para iniciação dos conceitos musicais: Fundamentos da
Notação Musical, Teoria e Percepção Musical I e II. Já Arraias ofere-
ce as disciplinas Introdução à Teoria Musical e Percepção e Notação
Musical I e II. Isso se deve, em parte, à existência de um professor
com formação específica durante a construção do PPC.
Em Arraias, por sua vez, é oferecida a disciplina de História da
Música Brasileira, enquanto Tocantinópolis oferece duas disciplinas
de viés musicológico, a saber, História da Música Ocidental e Histó-
ria da Música Popular Brasileira. De acordo com a matriz curricular,

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

o aluno estuda primeiramente a música ocidental para depois aden-


trar ao contexto da música popular. Daí, podemos questionar: não
seria possível o inverso e partir do local para o global? A segunda
não faz parte da primeira? Poderiam, ambas, ser oferecidas durante o
mesmo semestre?
É importante frisarmos a vacância de disciplinas de música no
currículo de Arraias durante o 2º semestre de curso. Esse fato pode ser
preocupante ou não, considerando que existem autores que defendem
o ensino sistêmico e outros não. Portanto, ainda não há um consenso
quanto a isso na área.
De acordo com Loureiro (2003, p. 109), um dos problemas en-
frentados pela área de educação musical na escola é a sistematização
do ensino de música. Esse pensamento defende que as aulas devem
ocorrer, pelo menos, uma vez por semana, tal como as demais dis-
ciplinas do currículo. Então, como sistematizar a educação musical
nas instituições cujo ensino é baseado na pedagogia da alternância?
Como propor o estudo de instrumento musical quando grande parte
dos estudantes não o possui em casa? Como sistematizar conheci-
mentos e saberes se após o retorno do tempo comunidade não conse-
guem executar no instrumento as lições anteriores?
Por outro lado, Fonterrada (2005, p.180), ao descrever as ideias
de Schafer (1991; 2001), afirma que “não está preocupado com o en-
sino sistemático de música, com a aplicação de técnicas específicas à
formação de instrumentistas ou cantores, tampouco quer desenvolver
e sistematizar procedimentos metodológicos para uso nesta ou na-
quela instituição de ensino. O que o mobiliza é o despertar de uma
nova maneira de ser e estar no mundo, caracterizada pela mudança de
consciência”. Nesse sentido, novos desafios são postos para o educador
musical da contemporaneidade.
É preciso que o professor de música que vai atuar na educação
do campo supere o modelo tradicional de sua formação inicial. De
acordo com Schafer, faz-se necessário uma mudança de consciência.

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Educação do campo, artes e formação docente

Então, por que ensinar só os instrumentos da universidade? Por que


não desenvolver práticas musicais com instrumentos da própria cul-
tura do aluno para que estudem na comunidade?
Para Penna (1999, p. 117),

[...] nas mãos de um professor sem uma maior vivên-


cia musical ou então com uma formação ‘conserva-
torial’ baseada no padrão erudito, tal conteúdo pode
levar a uma concepção fechada de música, justamente
na direção oposta à concepção ampla que se mostra
necessária.

O educador musical que atua na educação do campo precisa ter


uma concepção que se adapte à realidade do campo. Uma educação
diferenciada que dialogue com os saberes contextualizados. Nesses
termos, pretende-se saber: como os acadêmicos acham que deve ser
a aula de música? Como esse diálogo pode ser promovido para que
conteúdo e contexto sejam imbricados? O que ensinar e, principal-
mente, como se ensinar música na universidade? No momento em
que algumas dessas questões forem respondidas, talvez tenhamos ca-
minhos sinalizados pelos próprios educandos sobre o tipo de ensino
de música que construiremos para a educação do campo.
No ponto de vista de Louro e Souza (2013, p. 12), “não se pode
pensar o ensino superior de uma forma isolada, sem pensar nos ou-
tros segmentos do ensino, seja o nível básico ou o nível profissionali-
zante”. Assim como “não se pode refletir sobre o ensino superior sem
pensar nas políticas educacionais mais amplas e abrangentes voltadas
para o desenvolvimento da educação” (LOURO; SOUZA, 2013, p.
12). Tendo em vista que a educação do campo atualmente se encon-
tra institucionalizada nas universidades, não podemos esquecer os
processos originários que contribuíram para esses avanços: políticas
públicas, por meio de programas de governo.
Observando as duas matrizes curriculares, nota-se a ausência
de disciplinas que reflitam sobre a avaliação da aprendizagem em

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

música e metodologia do ensino de música. Atualmente, os discentes


chegam ao período de estágio sem o conhecimento dessas especifi-
cidades essenciais para a regência em sala de aula. Tal situação acaba
por dificultar a construção de um plano de ensino por parte do aluno.
Essa debilidade tem sido exposta pelos professores responsáveis pelo
estágio em Tocantinópolis.
Durante o percurso formativo, observa-se em ambos os cursos a
presença do modelo conservatorial (VIEIRA, 2001; PENNA, 2015a)
ou Habitus conservatorial (PEREIRA, 2014). Não pretendemos com
essa afirmativa pormenorizar esses conhecimentos. Nossas provoca-
ções vêm no sentido de buscarmos equilíbrio entre diferentes conheci-
mentos e saberes, a fim de aprimorarmos os signos que os educandos
trazem consigo e que fortalecem a identidade de sua cultura.
A disciplina optativa Percussão, oferecida em Arraias, rompe
com o modelo conservatorial ao apresentar em sua bibliografia básica
autores que remetem à música popular brasileira:

Bibliografia básica da disciplina percussão DO PPC


de Arraias
GONÇALVES, G; COSTA, O. O batuque carioca.
Rio de Janeiro: Editora Groove, 2000.
ROCCA, E. Ritmos e instrumentos brasileiros. Rio
de Janeiro: Editora Escola Brasileira de Música, 1986.
FRUNGILLO, M. D. Dicionário de percussão. São
Paulo: Editora Unesp, 2003.

Notamos que em Tocantinópolis esse rompimento é proposto


não só através da disciplina optativa Musicologia e Etnomusicologia,
cuja ementa propõe a “interdisciplinaridade e conexões com outras
áreas; leituras orientadas e discussões sobre temas fundamentais da
área, incluindo a produção brasileira” (PPC, 2014), mas também no
estudo da música popular brasileira e da ótica dada ao instrumento
eletivo como ferramenta de apoio ao futuro docente na sua prática
em sala de aula.

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Educação do campo, artes e formação docente

Embora não seja especificamente uma disciplina da área de


concentração musical, a matriz curricular de ambos os cursos dis-
põe da disciplina Seminário Integrador. A disciplina tem por finali-
dade romper com a disciplinaridade rígida e tradicional do modelo
conservatorial. Ela tem como diferencial proporcionar aos alunos a
possibilidade de conectar suas vivências artístico-musicais, experen-
ciadas em sala de aula ou fora dela, com as demais disciplinas minis-
tradas durante o semestre de curso.
A implementação de ferramentas de instrumentalização para
nossos licenciados, através de disciplinas destinadas a práticas e ações
reflexivas necessárias para a formação na área específica, música, é
um dos desafios do magistério superior que trabalha na formação de
futuros educadores musicais para as escolas do campo.

6 Considerações finais

Sendo a música uma manifestação cultural de grande influência


na sociedade, existe a necessidade de se aplicar essa linguagem nas
escolas do campo, como instrumento de transformação tanto indivi-
dual como social, levando o alunado a perceber sua realidade através
da educação musical. É preciso ouvi-los e legitimar o saber e o querer
musical desses educandos.
É preciso refletir sobre as condições das escolas do campo. A
falta de estrutura e de desenvolvimento é recorrente. Escolas sem
energia elétrica, ventilação, tomadas, computadores etc., mostram-
-se como obstáculos ao processo de ensino-aprendizagem. Eviden-
temente, esses fatores não impedem professores e alunos de acessar
conhecimentos tidos como universais na sociedade.
Precisamos refletir constantemente sobre a formação e ins-
trumentalização de professores oferecida pela universidade através
de seus currículos. Como o processo formativo pode influenciar no
perfil de egressos do curso de educação do campo? Qual o foco da

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Música e educação do campo na UFT:
reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

formação: prepará-los para atuar na educação básica em escolas do


campo? Norteá-los pelo viés das políticas educacionais para as mi-
norias?
Penna (1999, p. 3) nos convida à reflexão através deste ques-
tionamento: “É esse o ensino de artes que queremos?” Parafraseando,
diríamos: “É esse o ensino de música que queremos para a formação
de futuros professores que atuarão nas escolas do campo?”. Essas são
algumas questões que nos levam a repensar o ensino da/na sala de aula,
especificamente nos currículos musicais do ensino superior, pois aca-
bam se reproduzindo na educação básica.
É vigente a necessidade de construirmos novos PPC’s, tendo
em vista, especialmente, os princípios do curso e a trajetória acadêmi-
ca dos/das professores (as). Eis então o grande desafio: como formar
professores de música que atuarão na educação musical nas escolas
do campo?

REFERÊNCIAS

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tidade e interesse do conhecimento: evitando confusões - Pesquisa
qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis:
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Educação do campo, artes e formação docente

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PEREIRA, M. V. M. Licenciatura em música e habitus conservato-


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campo: códigos e linguagens – artes e música, da Universidade Fede-
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campo: códigos e linguagens – artes visuais e música, da Universida-
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SCHAFER, M. A afinação do mundo. Trad. Marisa Fonterrada.


São Paulo: Unesp, 2001.

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Música e educação do campo na UFT:
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217

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Música e transformação social:
ensino e aprendizado a partir da
perspectiva do outro
Anderson Fabrício Andrade Brasil37

“A vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansati-


va, um exílio.”
Friedrich Nietzsche

1 Introdução

Este texto tem como objetivo discutir de que forma o ensino


de música pode possibilitar a formação de um profissional reflexivo,
capaz de dialogar e construir metodologias alicerçadas pela compre-
ensão e aceitação da subjetividade do outro.
Por tratarmos especificamente de fenômenos sociais, buscare-
mos esclarecer de início como compreendemos a educação musical en-
quanto área autônoma e, por seguinte, as interfaces que ela estabelece
com outras ciências para responder a esses fenômenos aqui sugeridos.
A transformação social é um fenômeno complexo, permeado
de aspectos políticos, econômicos e sociais. Partiremos, inicialmente,
da premissa proposta pelo educador Paulo Freire sobre a educação
enquanto fenômeno. Para ele, a educação não consegue transformar

37 Doutorando em Música. Professor do curso de Educação do Campo com


habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de
Tocantinópolis. E-mail: sonsbrasil@gmail.com.

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Educação do campo, artes e formação docente

o mundo que temos. A educação, segundo Freire (1987), é capaz de


nos transformar enquanto seres humanos, e, quando transformados,
conseguimos em conjunto, em comunidade mudar o mundo que te-
mos à nossa volta.
Nessa discussão, buscaremos uma reflexão sobre a transfor-
mação social produzida pela música em diferentes contextos, mo-
dalidades e em diferentes faixas etárias. Mas, para isso, precisaremos
dialogar com alguns teóricos para entendê-la enquanto ciência. Nes-
se arcabouço teórico, precisaremos pensar a educação musical episte-
mologicamente, compreendendo-a como uma área de conhecimento
relativamente jovem, com pouco mais de 30 anos de existência.

2 Sobre transformação social

Ao pensar transformação social in loco com a educação musical,


comecei a perguntar-me mais a respeito de transformação social em
seus diferentes contextos, os diferentes sujeitos. Surgiu uma gama de
citações sobre música e transformação, subjetividade, construção, am-
pliação, levando de imediato a uma reflexão acerca da transformação
iniciada a partir do autoconhecimento e do conhecimento do outro.
Paulo Freire (1987, p. 44) diz que “Na verdade proferir a palavra
é transformar o mundo...”. Mas que palavra é essa? Saltou à minha
mente também a destacada frase de Aristóteles “Zôon, lógon, échon”
(vivente dotado de palavra) replicada por Bondía Larrosa (2002), as-
sim como por Lévi-Strauss (1996), “entre o pensar e o existir está
a palavra”. Outros teóricos abrolhavam em um turbilhão de ideias
tratando inicialmente a semântica do termo “palavra” e o poder de
transformação decorrente da compreensão da baliza “logos38”. Estava
aí a minha necessidade premente de tentar escrever sobre uma edu-

38 O “logos”, no idioma grego expressava a palavra escrita ou falada, verbo. A partir


de pensadores como Heráclito, “logos” torna-se um conceito muito mais amplo,

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro

cação que transforma a partir da compreensão e aceitação do outro,


como pondera Freire:

A existência, porque humana, não pode ser muda,


silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas
palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os
homens transformam o mundo. Existir, humanamen-
te, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo
pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos
sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar
(FREIRE, 1987, p.78).

Acredito que a diferença basilar da educação musical está em


perceber as subjetividades, construir além do evento sonoro, refletir e
problematizar a educação a partir da realidade individual e singular de
cada um, processo no qual as diferenças equilibram a essência huma-
na. O poeta e aviador Antoine Exupéry corrobora sobre essa essência,
quando diz que a verdadeira grandeza de uma profissão está em sua
capacidade de interligar os homens, que a riqueza real é encontrada nas
relações humanas (EXUPÉRY, 2014).

3 Uma reflexão acerca da relação produção x apropriação de


conhecimento

Neste início de século XXI, multiplicam-se as investigações


na área de música em suas múltiplas áreas de concentração. Algu-
mas transformações nas práticas pedagógicas e a forma de conceber
a pesquisa em música por meio de alguns professores têm sido um
indicativo de que a área tem avançado em suas discussões e inter-

um marco filosófico concebido não só como “palavra”, mas como razão, remete
nesse prisma outras dimensões como princípio de ordem e beleza.

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Educação do campo, artes e formação docente

locuções com outras áreas como etnomusicologia, composição e a


performance.
É necessário um maior entrelaçamento da vida profissional
com os referenciais teóricos existentes, sem perder a dinamicidade
que implica essa relação. Talvez a frase de Paulo Freire “Pesquiso
para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me edu-
co. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou
anunciar a novidade” (FREIRE, 2002, p. 32), nos aclare melhor sobre
as apropriações defendidas pelo Kraemer (2000), apropriações essas
de que trataremos um pouco mais à frente.
Trago aqui, também, nesse mosaico, a visão de Bowman (2010),
quando defende que a música pode permanecer fiel à sua natureza
sem conceder privilégio à performance, da forma como ela tem sido
muitas vezes concebida. Bowman afirma ainda que existem diferen-
tes modos de se pensar o desenvolvimento musical, ou seja, segun-
do ele, existem diversas maneiras de participação e envolvimento no
fazer musical. Nesse arcabouço, notamos que a música articula uma
complexa construção social e sua natureza perpassa os moldes acadê-
micos e mistura múltiplas relações em diferentes contextos.
O filósofo Antônio Gramsci (1978) afirma que a humanidade
que reflete de cada individualidade é expressão das múltiplas relações
do indivíduo com os outros seres humanos e com a natureza. Para
Gramsci, os hábitos, a religião, os sentimentos, os gostos, os valores e
os conhecimentos que incorporamos não são realidades naturais, mas
uma produção histórica. Esses modos de pensar e agir só são produ-
zidos pela vida societária que temos, por isso pensamos, sentimos e
agimos. Assim, o ensino e a aprendizagem da música serão construí-
dos com traços dessa vida individual, estendidos a uma complexa teia
de saberes e experiências coletivas.

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro

4 A educação musical e as suas interfaces

A educação musical vem prosseguindo nessas últimas décadas,


sobremodo pela sua inter-relação com outras áreas do conhecimento,
a exemplo da antropologia, sociologia, filosofia e psicologia. É im-
portante esclarecer que estou considerando como objeto de estudo
em educação musical “as relações entre as pessoas e a música sob os
aspectos de apropriação e transmissão” (KRAEMER, 2000, p. 51).
Entendendo a relação interdisciplinar defendida por Kraemer,
podemos trazer de forma sucinta alguns expoentes teóricos que alar-
garam esse prisma, como Alan Merriam e Anthony Seeger por meio
do estreitamento da música com a antropologia, John Dewey e Do-
nald Schön na filosofia, John Sloboda na psicologia e Lucy Green
na sociologia da música. Até mesmo os métodos ativos em música
pós-segunda guerra foram embebidos por teóricos da pedagogia e da
educação, como Rousseau, Pestalozzi, Herbat e Froelbel (FONTER-
RADA, 2005).
Esses são apenas alguns dos teóricos que alavancaram esse
avanço considerável da educação musical na tessitura do conheci-
mento com as outras áreas, demonstrando que a pedagogia musical, e
por seguinte a sua pesquisa, estão entrelaçadas inevitavelmente com
outras ciências, como aborda Kraemer (2000).
Como citado anteriormente, é uma área relativamente nova,
como também a pesquisa produzida em suas bases aqui no Brasil. Em
1988, foi criada a Anppom39 e, em 1991, a ABEM.40 A criação dessas
associações propiciou a divulgação de trabalhos e pesquisas, partilha de
ideias, experiências e reflexões sobre a área, além de gerar um maior en-
gajamento com a política da pesquisa em educação musical no Brasil
(SOUZA, 1996; 2001a; 2001b; DEL BEN, 2001; 2003).

39 Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música.


40 Associação Brasileira de Educação Musical.

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Educação do campo, artes e formação docente

5 A educação musical e a transdisciplinaridade

A busca pela construção teórica transdisciplinar parte do pressuposto


de que a educação musical não consegue responder a todas as questões so-
ciais contempladas no processo de ensino e aprendizado da música em seus
mais variados contextos. O diálogo entre as áreas oportuniza a construção
da consciência de que nós, enquanto sociedade, somos os responsáveis pela
realidade social vigente e que todo conhecimento, para ser pertinente, deve
contextualizar seu objeto, como nos propõe o filósofo francês Edgar Morin.
A Figura 1 descreve sucintamente algumas interfaces da educação musical.

Figura 1 – Algumas interfaces da educação musical


Canto Pesquisa
Coral Escola Regular
Antropologia

Legislação Educação
Educação
Especial
EDUCAÇÃO
Ensino de Sociologia MUSICAL
instrumento

Psicólogia Assentamentos,
Quilombos e
Conservatórios e História Aldeias Indígenas
escolas
especializadas

Terceira Idade
Filosofia

Terreiros de Candomblé,
Templos cristãos, Classes hospitalares Formação de
Mesquitas professores

ONGS e
Ensino de Adultos Projetos Ensino superior
Sociais

Fonte: Elaborado com base na pesquisa do autor, 2016.

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro

A Figura 1 se baseia em três obras fundamentais: Dimensões e


funções do conhecimento pedagógico41, do Rudolf-Dieter Kraemer, De
tramas e fios42, de Marisa Fonterrada e a Introdução ao pensamento com-
plexo 43, de Edgar Morin.
Na Figura 1, tentamos englobar algumas dimensões, espaços
temporais, diferentes realidades, não somando apenas o conjunto de
contextos da área de conhecimento educação musical, mas recebendo
as modalidades, a pesquisa, a epistemologia, alguns contextos e as
áreas de conhecimento nas quais a educação musical se retroalimenta
na busca de respostas a algumas indagações resultantes do seu objeto,
a apropriação e transmissão de conhecimento musical.
Pensam-se as interações, cada uma com suas especificidades e
limitações, nas quais se cruzam e se retroalimentam como um orga-
nismo complexo. A Figura 1 não quantifica produção de trabalhos
por este ou aquele teórico, não faz mensuração de relevância deste ou
daquele autor para a área, uma vez que os teóricos da área elencada
escrevem para múltiplos contextos da educação musical, não havendo
condição de listar no diagrama todos os nomes que integram a área
de conhecimento, bem como locá-los em todas as esferas em que
atuam ou produzem literatura.
Essa é uma descrição sucinta, que busca meramente demonstrar
como algumas teorias e propostas pedagógicas se relacionam em di-
ferentes instâncias, em interface com díspares áreas de conhecimento.
Precisamos entender que, para que o ensino e a aprendizagem
da música ocorram de maneira contextualizada, abrangente, a música
precisa estar conectada, interligada com o mundo do aluno, com sua

41 KRAEMER, R. D. Dimensões e funções do conhecimento pedagógico-


musical. Em Pauta, v.11, n.16/17, abril/nov.2000.
42 FONTERRADA, M. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação.
São Paulo: Editora da Unesp, 2005.
43 MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Trad. Eliane Lisboa. Porto
Alegre: Sulina, 2005.

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Educação do campo, artes e formação docente

perspectiva. Podemos pensar a música vinculada aos outros saberes


que o aluno busca à sua rotina, aos demais conteúdos de forma na-
tural e contextualizada. Assim, podemos alcançar não só o objetivo a
que se propõe, mas gerar, inclusive, novas descobertas.
Morin narra que é preciso substituir um pensamento que separa
e isola por um pensamento que distingue e une. Ele diz que é preciso
substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento
do complexo (MORIN, 2005). Acredito que o ápice da proposta do
pensamento complexo de Morin aplicado ao ensino da música con-
siste em manobrar as articulações entre os diferentes campos disci-
plinares que são desmembrados pelo nosso pensamento disjuntivo.
Costumamos ensinar nos desprovendo do princípio propos-
to por Morin, o princípio da incompletude e incerteza, construindo
uma metodologia em que se “doa” conhecimento. Para o autor, nossa
mente deve distinguir as dimensões sem isolar uma das outras, cons-
tituindo a noção de incompletude, buscando um saber que reconhece
que qualquer conhecimento está inacabado, incompleto, fragmenta-
do; há a possibilidade de que todo saber pode e deve ser questionado,
interrogado e reformulado.
Entendemos, assim, que a música não pode ser um fim em si mes-
ma, que ela não deve somente focalizar, alvitrar ou implicar a formação
de exímios músicos; mais que isso, é preciso buscar uma docência que
descortine também a inclusão e o compromisso social.
Somando-se à compreensão de que apenas o ensino de música
não resolve e não trata questões de tamanha proeminência social,
somos levados ainda a questionar se a forma que temos concebido a
docência tem contemplado a formação de novos professores imbuí-
dos de tais reflexões. Nóvoa (2009, p. 31), tratando sobre a docência
e o compromisso social, diz que

Podemos chamar-lhe diferentes nomes, mas todos


convergem no sentido dos princípios, dos valores,
da inclusão social, da diversidade cultural. Educar é

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro

conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras que,


tantas vezes, lhe foram traçadas como destino pelo
nascimento, pela família ou pela sociedade.

O educador e escritor Rubem Alves, em seu artigo44 sobre a


escola da Ponte, idealizada pelo pedagogo português José Pacheco45,
faz uma analogia da proposta da escola com o formato de ensino vi-
gente em nosso país. Ele diz que muitas vezes abraçamos o formato
de ensino como uma linha de montagem, uma linha de produção
industrial, reproduzindo o ensino através de coordenadas espaciais e
temporais, não sendo possível desvio ou readequação do curso.
Percebemos que tanto Nóvoa quanto Rubem Alves nos esti-
mulam a ultrapassar essas fronteiras, quer acadêmicas ou coloniais,
que nos foram impostas ao longo de nossas vidas, ao longo de nossas
formações.

6 A educação musical e algumas questões sociais

Quando constatamos o avanço e surgimento de um número


maior de projetos e movimentos sociais, de imediato indagamos:
porque eles são necessários? Por que eles têm ganhado destaque em
pesquisas científicas? Para isso, queremos avançar na compreensão do
contrato social que nos rege, hoje, enquanto sociedade e na discus-
são sobre o perfil do educador musical com o olhar humanístico tão
emergente na sociedade contemporânea.
Segundo Kleber (2014), os projetos sociais e ONG’s tiveram
nos últimos trinta anos grande projeção mediante movimentos so-

44 ALVES, Rubem. Escola da Ponte. Disponível em: <http://www.feg.unesp.


br/~saad/educacao/Rubem_alves _escola_da_ponte.doc> Acesso em: 6 jul. 2016.
45 José Francisco de Almeida Pacheco é um educador português nascido na
cidade do Porto. É o idealizador e foi coordenador da Escola da Ponte, instituição
reconhecida por seu projeto educativo baseado na autonomia dos estudantes.

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Educação do campo, artes e formação docente

ciais de diversas naturezas, os quais canalizaram recursos, vivencia-


ram experiências e elaboraram conhecimento. Já Gohn diz que os
movimentos sociais surgiram em combate a um grande problema
contemporâneo: a naturalização da injustiça. Para Gohn (2011), es-
ses movimentos lutam contra a exploração e a pobreza das mentes na
população.
Parece que, enquanto sociedade, enfrentamos uma crise ina-
cabável para a qual não existe solução. Sobre essa questão, Bauman
(2004, p. 26) opina que

O aspecto crucial é que, enquanto tudo isso acontece


à nossa volta, não podemos honestamente dizer o que
nós, usando nossas ferramentas e recursos domésticos,
podemos fazer para evitar a ruína. Não se trata mais
de um soluço temporário, de uma desaceleração sub-
sequente a um superaquecimento da economia que
precede um outro boom, de uma irritação momen-
tânea que irá embora e “se tornará parte da história”
quando lidamos com impostos, subsídios, pensões e
incentivos, estimulando outra recuperação conduzida
pelo consumo. As raízes do problema, ao que pare-
ce, se afastaram para além do nosso alcance. E seus
aglomerados mais densos e espessos não podem ser
encontrados em nenhum mapa de levantamento to-
pográfico.

A crise analisada por Bauman nos lembra do discurso contem-


porâneo sobre a necessidade de inclusão. Mas será que essa inclusão
pode ser analisada pelo prisma educacional da sociedade brasileira?
O fato é que muitas propostas e políticas públicas têm fracassado em
função de estarem alicerçadas em um contrato social que estabelece
parâmetros equivocados de inclusão.
O atual contrato social acaba por permitir que, no processo de
inclusão proposto, excluam-se aqueles que não se adaptam a essa “in-
clusão”, como diz Santos ao tratar de contratualização. Para Santos

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro

(1999), a resolução dessas questões é como um jogo de xadrez, não


se pode ganhar o jogo só por entender as regras, é preciso pensar o
jogo conceitualmente, pois a “inclusão” tem sempre por limite aquilo
que exclui.
O combate ao estigma que circunda as periferias e o campo
brasileiro de que os jovens pobres, sem recursos, e oriundos de fa-
mílias de menor poder aquisitivo reproduzirão futuramente o mes-
mo formato social, tem sido enfrentado por movimentos e projetos
sociais. Esses movimentos têm enxergado, muitas vezes, o ensino da
música como uma ferramenta eficaz e valiosa na construção de uma
educação transformadora, na construção de um horizonte mais pal-
pável e humano.
Heller diz que homens e mulheres nascem em posições e ca-
mada social específica, e, de modo geral, a trajetória de vida de uma
pessoa é determinada pelas condições que cercam seu nascimento
(HELLER, 1999, p. 14). Trabalhos no campo da educação musical
resultantes de pesquisas corroboram para a compreensão desse cená-
rio, como nos mostram Kater (2004), Müller (2004), Santos (2004),
Kleber (2006) e Brasil (2014). Atuar como educador musical imerso
nessas comunidades, a par e passo desses movimentos sociais, pode
permitir a existência de microcomunidades alicerçadas pela esperan-
ça mútua e fraternidade instintiva, que permitem partilhar, muitas
vezes, não só o pão, mas a esperança em um amanhã melhor. Isso nos
remete novamente a Bauman (2003, p. 61), quando diz que

Essa comunidade dos sonhos é uma extrapolação das


lutas pela identidade que povoam suas vidas. É uma
“comunidade” de semelhantes na mente e no compor-
tamento; uma comunidade do mesmo — que, quando
projetada na tela da conduta amplamente replicada/
copiada, parece dotar a identidade individualmente
escolhida de fundamentos sólidos que as pessoas que
escolhem de outra maneira.

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Educação do campo, artes e formação docente

Será que entendemos que em alguns momentos podemos ser


os “senhores” do rumo desse aluno? Será que indagamos que essas
aulas de música podem ser um último recurso na empreitada em que
a família falhou, no momento em que a escola o sentenciou à mar-
ginalidade ao expulsá-lo? Muitos de nós nos tornamos educadores
conquistados por alguém que nos convenceu com o exemplo, nos
constrangeu com doação própria. Essa forma de ensino lembra Bran-
dão (1983, p. 88), quando diz que

Meninos iniciados no ritual e no aprendizado de to-


ques, canto e dança, aprendem durante as apresenta-
ções da Folga ou da Folia. Por isso, inevitavelmente,
todos os foliões e folgazões dirão a quem pergunte
que aprenderam vendo e fazendo.

Que eles aprendam e reproduzam não só música, mas sintam-se


arrastados por nossa prática docente, uma prática impregnada de com-
promisso social, e mais que isso, uma consciência de que cabe a nós e
a eles a mudança que desejamos para o mundo em que vivemos. Esse
contexto, que por muitas vezes se desenha de forma caótica, deman-
da sensibilidade dos profissionais que ali atuam para não atravessar a
linha tênue que separa a educação musical da visão redentora erronea-
mente defendida por alguns, como nos alerta Penna (2012, p. 38).

Diante das necessidades prementes dos grupos aten-


didos por tais projetos, que enfrentam precárias con-
dições de vida, com alternativas de realização pessoal,
profissional ou social extremamente restritas, parece
fácil considerar qualquer abordagem [de ensino de
música] como válida, qualquer contribuição como po-
sitiva. Mas isto pode acabar nos levando de volta à
visão redentora da arte e da música.

A violência é um dos desafios que a educação musical enfrenta


na conjuntura da sociedade contemporânea. É um fenômeno social

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro

sobremodo complexo e a educação musical buscará interlocuções


com outras ciências, como a Sociologia e Antropologia, para melhor
compreendê-lo.
A libertação da violência e da desigualdade é oportunizada pelo
ser humano, por ser ele mesmo o algoz de sua própria espécie. Essa
libertação pode ser concebida pela verdade advinda do conhecimento.
Freire (1987) esclarece sobrea necessidade de transformação adver-
tindo que “a realidade social, objetiva, que não existe por acaso” é um
“produto da ação dos homens”. Nesse sentido, entendo que o autor
evidencia a realidade social como uma invenção humana que o homem
é capaz de transformar, pois a realidade “não se transforma por acaso”.
O autor afirma que “se os homens são os produtores desta realidade e
se esta, na invasão da práxis se volta sobre eles e os condiciona, trans-
formar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens”
(FREIRE, 1987, p. 21).
Entender a pedagogia da transformação é ir além da descrição
da dura e cruel realidade a que muitas pessoas são expostas, e en-
contrar novos caminhos, como a ascensão social de jovens através da
profissionalização na música, pode criar mecanismos que ajudem as
pessoas a se desenvolver e lutar. Freire (1987) afirma que a educação
libertadora se dá não sobre a descrição dos excluídos e violentados,
mas sobre como eles lutam. O autor ainda completa esse raciocínio
demonstrando que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidades para a sua produção ou a sua construção, e, automati-
camente, gerar autonomia (FREIRE, 1987, p. 25).
Souza (2004) afirma que já nos acostumamos com a ideia de
quanto à música é importante na vida das pessoas, mas, segundo a auto-
ra, talvez ainda seja preciso dizer alguma coisa sobre o que faria a música
ser um fato social. A educação musical tem papel principal e fundamen-
tal na mudança do panorama educacional presente hoje nas periferias e
no campo brasileiro. Para Kater (2004), a música é uma das ferramentas
mágicas para promover o desenvolvimento interno e a qualificação hu-
mana, talvez até a mais abstrata e de maior sentido coletivo.

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Educação do campo, artes e formação docente

7 A inversão da práxis como espiral de transformação

Não adianta ambicionar formar um exímio violinista em um


projeto social, quer no campo brasileiro ou na periferia das grandes
metrópoles, enquanto essa construção se encerre meramente no tocar
do instrumento e no salário oportunizado pela inserção desse aluno
no mercado de trabalho. Esse aluno precisa, pela consciência de seu
existir humanamente, pronunciar o mundo e modificá-lo a partir de
sua transformação, como nos convidou a pensar Paulo Freire. É pre-
ciso pensar uma educação musical mais transformadora e verdadeira
do que reprodutiva.
Reimer (1996, p. 75) acredita que “há muito mais para se ga-
nhar em termos de compreensão musical, aprendizado, experiência,
valor, satisfação, crescimento, prazer e significado musical do que
a performance sozinha pode oferecer”. A inversão da práxis se dá a
partir da mudança proporcionada pela reflexão e conscientização,
nas quais consigo enxergar minha condição humana, limitada, e en-
xergar o outro na mesma esfera falível e vivência comunitária.
A educação musical pode ser pensada além do evento sonoro
no qual se constrói a técnica e a execução pelo entendimento das
subjetividades do aluno, pelo ensino horizontal da partilha de saberes
sem hierarquia de fontes.
Elliott esclarece bem esse viés teórico ao defender que a edu-
cação musical pode ajudar o aluno em seu processo de autoconhe-
cimento e autocrescimento. Para Elliott (1995), ao nos reconhecer
enquanto indivíduos, somos conduzidos a conhecer e respeitar a
subjetividade do outro. Esse autor afirma que os valores primários
da educação musical são: alegria, prazer, autoconhecimento, auto-
crescimento e a felicidade, sendo esses também elementos primários
da música. Assim, a educação musical é construída em alicerces que
abrigam valores fundamentais da vida humana. Uma educação mu-
sical que propõe a formação integral do indivíduo, quer no terreiro,

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro

quer em uma igreja evangélica, quer em um assentamento quilombo-


la, quer em uma sala de um curso de graduação.
Buscamos aqui a instrumentalização das teorias disponibiliza-
das pela área de conhecimento para que ela dialogue com uma prática
musical que parta da realidade, problematizando a vida real. Enten-
demos que, se é possível levar o aluno na sua fase adulta a aprender
a ouvir o colega durante o momento do seu improviso, essa mesma
“escuta sensível do outro” pode permitir que alguns pais escutem com
mais atenção a fala de seus filhos e seus colegas no trabalho.
Cremos que a turma que reúne diferentes gostos musicais em
um grupo de ensino coletivo de instrumento pode estimular o respei-
to não só à predileção musical, mas à cor, à raça e à religião. Acredi-
tamos que do encorajamento para execução de um solo em um grupo
coral podem brotar outros momentos de “coragem” para a vida. Per-
cebemos que a apreciação de diferentes composições musicais pode
abrir novas janelas não só para compreender diferentes gêneros mu-
sicais, mas para outras culturas, outros mundos. Zelamos pela técnica,
pela inflexão durante a execução musical, porque esse zelo e esmero
levarão ao respeito e à fidelidade em outras construções pessoais.
Percebemos que os vínculos no canto conjunto perpassam além
do contorno melódico encontrado na divisão das vozes. Notamos
que, a partir dessas novas sociabilidades, outras tessituras sociais são
constituídas em diferentes vínculos de amizade. Acreditamos que o
olhar humano do professor para o erro do aluno pode oferecer uma
formação humana que método ou modelo algum pode oferecer em
décadas de ensino.
A transformação transcende espaços, modalidades, faixas etá-
rias e acontece com o professor que transforma sua metodologia de
ensino para alcançar um único aluno. Acontece, também, com o aluno
que foi constrangido pela dedicação e doação do seu professor para
que alcançasse algo em que nem acreditava. Acontece, ainda, quando
aumenta a crença da família em ver seus filhos desenvolverem disci-
plina e dedicação na forma de estudar em virtude da descoberta de

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Educação do campo, artes e formação docente

um instrumento musical. A transformação também se expressa no


retorno de um jovem que adquiriu recursos por meio da música e
envolve-se em um projeto social no seu bairro para ajudar seus pares
contemporâneos e a geração vindoura. Esses são alguns exemplos de
como a música permite que nos enxerguemos como força motriz do
processo de transformação.
Como disse Exupéry (1943), para encontrarmos uma bela
borboleta temos que lidar com algumas lagartas. Assim somos nós,
lagartas deslumbradas com as belas cores das outras borboletas, pre-
cisando entender que as cores estão postas dentro de cada um de nós,
cabendo a nós, como senhores de nossas escolhas, decidir o momento
de pintar nossa realidade com as cores que escolhemos. A transfor-
mação social tem a sua gênese dentro de cada um de nós. A partir da
inversão da nossa práxis encontraremos o mundo que desejamos, que
idealizamos, somos os senhores do nosso futuro, dos nossos sonhos.

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Informações sobre os organizadores e
colaboradores da coletânea
Anderson Fabrício Andrade Brasil é doutorando em Educação
Musical pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Possui mes-
trado e graduação em Educação Musical pela mesma instituição. In-
tegrou, como violonista e saxofonista, a bicentenária Banda de Mú-
sica da Polícia Militar da Bahia. É professor assistente no curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e
Música da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Foi profes-
sor de Musicalização Infantil nas extensões da Escola de Música da
UFBA. Coordenou o projeto da Polícia Militar da Bahia: Polícia
x Música e Comunidade. Foi tutor de canto coral no Detran/ BA.
Atuou como professor de música na Escola de Educação Percussiva
Integral (EEPI), ensinando técnica vocal e teoria musical. Cantor,
compositor e instrumentista, teve algumas de suas canções gravadas
em CDs de alguns dos maiores festivais de música do Brasil. E-mail:
sonsbrasil@mail.uft.edu.br

Cássia Ferreira Miranda é doutoranda e mestra em Teatro pela Uni-


versidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Licenciada em
História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Docente do
curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música da UFT. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação do Campo (Gepec/UFT) e o Grupo de Pesquisa Intertex-
tos (PPGT/UDESC). Atua nas áreas de Educação, História e Artes,
principalmente nos seguintes temas: história cultural, história oral,
acervos, história da educação do campo, teoria da arte, arte e política,
dramaturgia, trabalho, anarquismo e movimento camponês. E-mail:
cassiamiranda@mail.uft.edu.br

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Educação do campo, artes e formação docente

Cícero da Silva é doutorando e mestre em Letras: Ensino de Lín-


gua e Literatura pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Li-
cenciado em Letras, habilitações em Português, Inglês e respectivas
literaturas pela Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS).
Professor do curso de Licenciatura em Educação do Campo com ha-
bilitação em Artes e Música da UFT. Líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação do Campo (Gepec/UFT), membro do Gru-
po de Pesquisa Gêneros Discursivos e Formação de Professores (Ge-
dfor/UFGD). Editor assistente da Revista Brasileira de Educação
do Campo/UFT. Tem experiência na área de Linguística e Educação
do Campo, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de
língua portuguesa, gêneros do discurso, material didático, práticas de
leitura/escrita, práticas pedagógicas em educação do campo e peda-
gogia da alternância. E-mail: cicolinas@uft.edu.br

Gustavo Cunha de Araújo é doutorando em Educação pela Univer-


sidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP). Mestre
em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Licenciado em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásti-
cas (Artes Visuais) pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Tem experiência na área de Educação com ênfase em arte/educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: artes visuais, ensino
de arte, educação de jovens e adultos, história em quadrinhos e lei-
tura de imagens. Professor assistente no curso de Licenciatura em
Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT.
Editor-chefe da Revista Brasileira de Educação do Campo. E-mail:
gustavo.araujo@mail.uft.edu.br

Helena Quirino Porto Aires é mestra em Educação pela UFT.


Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade do Tocantins
(UNITINS). Licenciada em Biologia e especialista em Gestão Pú-
blica pela UFT, universidade em que é professora. Tem experiência
em ensino na educação básica, educação superior, educação a dis-

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Informações sobre os organizadores e colaboradores da coletânea

tância e gestão escolar. Área de interesse: educação do campo, peda-


gogia da alternância, práticas pedagógicas, formação de professores
e políticas públicas. É integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação do Campo (Gepec/UFT) e do Grupo de Pesquisa Es-
tudos sobre Interculturalidade e Educação do Campo (Geiec/UFT).
E-mail: hequirino.uft@mail.uft.edu.br

José Jarbas Pinheiro Ruas Junior é mestre em Musicologia na linha


de pesquisa de história da música brasileira e ibero-americana pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e bacharel em violão.
Em 2011, recebeu o 1º prêmio “A mulher na música”, do Sindicato
dos Músicos do Estado do Rio de Janeiro. É professor no curso de
Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e
Música da UFT. E-mail: jjruas@uft.edu.br

Leon de Paula é doutor em teatro. Mestre em teatro pelo Programa


de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa
Catarina (CEART/UDESC). Graduado em licenciatura plena em
Educação Artística – habilitação Artes Cênicas CEART/UDESC.
Professor assistente no curso de Licenciatura em Educação do Campo
com habilitação em Artes e Música da UFT. É professor das discipli-
nas História da Arte, Percepção Visual, Seminário Integrador I e II
e Construção Cênica de Narrativas. E-mail: leondepaula@uft.edu.br

Maciel Cover é doutor e mestre em Ciências Sociais pela Univer-


sidade Federal de Campina Grande (UFCG). Graduado em Peda-
gogia da Terra pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
(UERGS). Professor do curso de Licenciatura em Educação do
Campo com habilitação em Artes e Música da UFT.  E-mail: ma-
cielcover@gmail.com

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Educação do campo, artes e formação docente

Mara Pereira da Silva é mestra em música pela Universidade de


Brasília (UnB). Licenciada plena em Música pela Universidade do
Estado do Pará (UEPA). Especialista em Metodologia no Ensino
das Artes pela Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter). Es-
pecialista em Educação Musical pela Universidade Cândido Mendes
(UCAM Prominas). Especialista em Educação do Campo, Agroe-
cologia e Questões Didáticas pelo Instituto Federal do Pará (IFPA).
Professora de música do curso de Licenciatura em Educação do
Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. Foi professora
de Artes no Instituto Federal do Pará, Câmpus Rural de Marabá
(IFPA/CRMB). E-mail: maramusic.uft@mail.uft.edu.br

Marcus Facchin Bonilla é doutorando em Artes pela Universida-


de Federal do Pará (UFPA) na área de etnomusicologia. Mestre em
Musicologia/Etnomusicologia pela UDESC. Bacharel em Música
(violão) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Especialista em Educação Musical pela UDESC. Professor do curso
de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes
e Música da UFT. Músico profissional e professor, principalmen-
te nas áreas de cordas dedilhadas, violão brasileiro, teoria musical,
etnomusicologia e produção musical. Desenvolve pesquisas inter e
transdisciplinares envolvendo o ensino de música, etnomusicologia e
educação do campo. E-mail: marcusbonilla@mail.uft.edu.br

Rejane Cleide Medeiros de Almeida é doutoranda em Sociologia,


mestra em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG),
com estudos na área de movimentos sociais e questões agrárias, ter-
ritórios, agroecologia, assentamentos rurais, educação do campo,
juventude rural e trabalho. Graduada em Pedagogia pela UFPA.
Graduada em História pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Professora do curso de Licenciatura em Educação do Cam-
po com habilitação em Artes e Música da UFT. Coordena o grupo
de pesquisa Cultura e Política (GEPE) e atua na linha de pesqui-

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Informações sobre os organizadores e colaboradores da coletânea

sa movimentos sociais, educação e questões agrárias. Integrante do


grupo de pesquisa Marxismo, Educação e Sociedade (Gemes). Pes-
quisadora do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. E-mail:
rejmedeiros@mail.uft.edu.br

Rosa Ana Gubert é mestra em Teatro pela UDESC/CEART. Gra-


duada em Educação Artística – Artes Cênicas. Professora do curso
de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes
e Música da UFT. Foi professora de artes nas redes públicas estadual
e municipal (1995-2012), em Florianópolis/SC e Chapecó/SC. Área
de interesse: educação, arte e cultura popular. Desenvolveu pesquisa
em Teatro e Gênero e Movimentos Sociais junto ao Movimento de
Mulheres Camponesas (MMC) de Santa Catarina. E-mail: anagu-
bert@uft.edu.br

Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus é mestre em Geografia pela


UnB. Especialista em Educação e Gestão Ambiental pela Faculdade
do Rio Sono. Especialista em Apicultura pela Universidade Federal
de Viçosa (UFV). Especialista em Educação do Campo pela Facul-
dade Eficaz. Professor substituto no curso de Licenciatura em Edu-
cação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. Tem
experiência na área de geografia humana com ênfase em geografia
agrária. Atua principalmente nos seguintes temas: meio ambiente,
cerrado, território, agroecologia, agricultura familiar e assentamento
rural. E-mail: sidineiesteves@gmail.com

Ubiratan Francisco de Oliveira é doutorando, mestre e licencia-


do em Geografia pela UFG. Professor no curso de Licenciatura em
Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. É
vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo
(Gepec/UFT). Membro do Observatório da Educação do Campo
da UnB. Membro do Grupo de Estudos sobre Expansão da Educa-
ção do Campo no Brasil, da Rede Universitas. Membro do Grupo de

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Educação do campo, artes e formação docente

Pesquisa em Geografia Dona Alzira (IESA-UFT). Tem experiência


no ensino superior nas áreas de educação do campo, pedagogia da
alternância, estado e questões agrárias, história da educação e história
da educação do campo, geografia da Amazônia, educação ambien-
tal, questões étnico-raciais, ensino de geografia, educação de jovens e
adultos, ensino fundamental, ensino superior (pós-graduação), edu-
cação popular e movimentos sociais do campo e da cidade, gestão,
análise e planejamento ambiental, educação ambiental, geopolítica
e planejamento territorial rural, políticas educacionais e currículos
educacionais, formação e expansão territorial do Brasil, geografia
regional, geografia de Goiás, Estado e sociedade brasileira. E-mail:
bira@mail.uft.edu.br

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