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A Transição para Humanidade - Geertz PDF
A Transição para Humanidade - Geertz PDF
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PANORAMA DA ANTROPOLOGIA
Atualmente, a história da evolução do homem, através do longo CUFFORDGEERTZnasceu em São Francisco, em 1926. Gra-
período pré-histórico, é ainda um grande quebra-cabeça, do qual duou-se como doutor em Filosofia' em Harvard, em 1956. 2, : ::
só possuímos algumas peças desencontradas. A medida que novos atualmente, professor-a.ssistente de Antropologia, na Universi- ~ r
indícios se acumulam - fornecidos pela pá do arqueologista, pelo
estudo das tribos caçadoras contemporâneas, pela história natural de
dade de Chicago, e pesquisador associado do Comit§ para o
Estudo Comparativo das Novas Nações. Foi, anteriormente,
professor-assistente do Departamento de Antropologia da Uni-
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il
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macacos e símios - vai-se tornando cada dia mais possível des- versidade da Califórnia. Em 1958, tornou-se membro do Cen-
tro de Estudos Superiores das Ci§ncias do Comportamento.
cobrir como 'o homem passou, de um ancestral comum a todos os Foi docente da Universidade de Harvard. e tem trabalhado
primatas, para o atuàl padrão de vida, próprio Unicamente do homem. também como pesquisador associado do Centro de Estudos
Internacionais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. 2
membro do corpo de consultores editoriais do Joumal af Asian
Studies e autor de inúmeros artigos e livros s6bre antropo-
logia do sudeste da Asia, religião comparada e desenvolvi-
mento econ6mico das novas áreas polftico-sociais.
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mais ._-~
QUESTÃODO ~ARENTBSCO.do homem
tem sido uma constante nâs.'CiênCias
com 9s..~u~Q!!. ani-
'1íüõ:iãiiâs.. Desde Darwin,
I ?OJ~ ~ 4n1ro~J1Cz, ,~ ,. ,". . .-' .
poucas vêzes se têm levantado dÚVlaas quanto à existência de tal
parentesco, porém, quanto a sua natureza e, principalmente, quanto
ao seu grau de proximidade, o debate tem sido muito maior, e
I ;aO ailanU.ev, .5ãD?a..Jo e t-:sMa, ~ nem sempre esc1arecedor. Alguns estudiosos, especialmente os de
tÚ {!/{e.~. Ciências Biológicas - Zoologia, Paleontologia, Anatomia e Fisiologia
- têm procurado enfatizar o parentesco entre O homem e os cha-
" m~lIios animais inferiores; vêem a evolução como um processo bio-
.I . lógico mais QU menos ininterrupto, e tendem a encarar o homem,
tal como o dinossauro, o rato-branco, o delfim, apenas como uma
das mais interessantes formas que a vida assumiu. O que impres-
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dá a uma .criança. Entretanto, embora b' , . . .' d ' . 1-
boa quantidade de coi,as nada o um chimpanzé(como
c Imp:mzetenba utili-
aprendido ," para apoiar aComparada,
a Psicologta teoria do "ponto crítico"da
a Semântica - dad" cultura,
e ' aorigem
Etnologta dreumam-oe
zar um revólverde água tirar co~um ad '
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P"arafuso ' e " - momento ' de g'ória'a 'ampa
- puxar e latas
um com . uued
bnnq ma c ave de ' ;' Um dos ramos da Antropologia, porem, uao ve.o ar apo'o a
no Por m d
se quer, ~ ap!endera
CIO e um falar,cordãoe, também
iocapazde imaf;;ar
'nário)I ,n~ o começou,
Imagma- essa teoria
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a I'.aIe<mtologtaHumana,
por meioda d"",-o~er!'! ~s~oe,~.a..ev,!!,!ç'!.o.
~ ,da anábsede r.,los fóssel'.Desde
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por sua !rIDahumana, meoos ágil porém' ' ogo fm ultrapassado. qú.'o original
"avanêsmédico Eogenea J)u!IotS
" emereelUS,o
1891 encontroU
Antropologia da 'ialota
Física f 1
cerebral
Histórica dvem
a desenvolver-separa chegar ou: dia' e,;lIa" e se loquaz, 9ue continuou'
P~e~umIr,a elaborar do rio }
umpi'hecan'h,opus "homem-macaco ereto', no leito de
complexas teorias sôbre a singularidade d a con dlçao hum
Em segundo lugar a r ana. I
acumulando constantemente, dados
tomamos por base 'a Anatomia.' b
' que tornam
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1" algumast tlmldas
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Perfeitamente' udesenvolvida,
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de cérebro, que, uma vez atlngt o, prooUZlssea capaCl a e e cou-
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conceber a existência de uma mela-re li aião" I ,,'
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mCI~- nguagem, pois que o pro ~. ' uma me.a-arte, uma da . o P'onto' em que afirmações
as d.scobertas categóricas
dos estudIOSOS sôbre
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humana até
~OSlçãode um sistema da signi';ssO :Sse~ClaI
Icaçoes 9ue as
simbólicas origina, àa rea-
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r têm, pouco a pouco, fóssil por fóssil, traçado claramente a ascendên.
hdade, não é" do tipo que ossa ser
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pr<wesso haVl~ na passage':: da sim l;eaI.~~o peJa metade. - O " . que
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36 PANORAMA DA ANTROPOLOGIA
A TRANSIÇAO PARA HUMANIDADE
feiçoado, do que meio-homem, disse certa vez Ernest Hooton. A posteriores alterações n.0,sistema nervoso. O fato de ser errônea essa
opinião atual, porém, é de que tais criaturas representaJ!1 as mais teoria, ao que pare~eL(pois o desenvolvimento cultural já se vinha
antigas formas conhecidas do processo de evolução que produziu, processando bem antes de cessar o aesenvolvimento orgânico )~é de
por fim, o homem moderno, ~ p-ar.!ir--~I::
,uJ!1a..ra.ç!l,ÇoIDum,~k,sfl1J!o.s. importância fundamental para nosso ponto. de vista sôbre 'a natureza
Nesses bizarros semi-homens, encontram-se as raízes de nossa própria do homem, ,gue~..ton1:~. assim, não apenas o prod':1tor da cultura,
e completa humanidade. fIl3.-stambém, num -sentido especificamente' biológico, o pródüto da
Meu interêsse em tratar, aqui, dêsses "homens-macacos" é mo- cultura. ' ,,' , .
tivado pelo quesuil existência implica para a t~9ria qq "ponto crí- Na verdade, oppo. de pressões seleti,vas,que ocorreratn durante
ttco" da origem da cultura. ':E:s$es prato-homens, mais ou menos as fases terminais da evolução do ànim~l humano foi parcialmente
eretos, dotados de pequenos cérebros, não necessitando de utilizar as
determinado pelas fases iniciais do desenvolvimento da cultura hu-
mãos para a locomoção, manufaturavam instrumentos e provàvel- mana, e não simplesmente pelos fatôres do meio ambiente. A de-
roente caçavam pêquenos animais, ou, pelo menos" alguns dentre
êles o faziam. Parece, entretanto, altamente improvável que tais pendência dos instrumentos manufaturados, por exemplo, exige o
desenvolvimentoda destreza manual e da pontaria. Num grupo de
criaturas pudessem ter tido um desenvolvimento cultural comparável, australoptecos, um indivíduo mais bem dotado dessas características
digamos, ao dos aborígines australianos, ou que possuíssem uma lin- teria uma vantagem seletivaem relação a outro que não fôsse tão bem
guagem, na moderna acepção da 'palavra, tendo, como tinham, um dotado. Caçar pequenos' animais com armas primitivas requer, entre
cérebro que media, apenas, cêrca de 1/3 do tamanho do nosso. O outras coisas, grande paciência e persistência. O indivíduo mais
australopteco parece ser, portapto, uma espécie de "homem" que, dotado dessas sóbrias virtudes levari.a uma vantagem em relação a
evidentemente, ,era capaz de adquirir alguns elementos de cultura outro mais irrequieto e inconstante, menos dotado delas. Tôdas essas
- fabricação de instrumentos simples, caça esporádica, e talvez um
aptidõe~,habilidades, disposições, ou como quer que as chamemos,
sistema de comunicação mais avançado do que o dos macacos con-
temporâneos, emborá ma~s atrasado do que o da fala humana,-, dependem, por sua vez, do desenvolvimento dI:?sistema nervosO.
Dessa maneira, a introdução da manufatura de ins\rumentos e da
porém incapaz de adquirir qutros, o que lança certa dúvida sôbre a câça 'deve-ter' alterado o curso das pressões seletivas, de modo a
teoria do "ponto crítico'\ O que se supunha improvável, ou mesmo favorecer o rápido,de,senvolvimentodo lobo frontal do cérebro, como
logicamenteimpossível,tinha sido empiricamenteverdadeiro: ta!.como
~'fizeram, muito provàvelmente, os progressos na organi,zaç~osocial,
i o próprio homem, a capacidade de aquisição de cultura surgiu gra- nâ' comunicação,nas ):lorrriasde moral que - há razões que nos
dual e continuamente, pouco a' pouco, durante ,longo período de
tempo., .
levam a crê':'lo - tambéfll ocorreram durante êsse período demu-
danças culturais e biológicas inter-t:.elacionadas. ,
A situação, entretanto, tbrna-se ainda mais difícil, pois se os
australoptecos possuíam forma elementar de cultura (denominada, Grande parte do tr!lbalho, nesse setor, é claro, é ainda especula-
por um antropologista, "protoêultura"), com um cérebro que media tiva, e o que estamos co~eçando a fazer é muitp mais levantar ques-
1/3 do tamanho do nos~o, segue-se, logicamente, que a maior parte tões do que, propriamente, responder a elas. O estudo sistemático
do crescimento cortical hUIUanofoi posterior, e não anterior ao "iní- da conduta dos primatas, em seu habitat natural, por exemplo, que
cio" da cultura. O hom~m era considerado, pela teoria do "ponto- tanta influência tem exercido em nossas interpretações sôbre a vida
,.
crítico", como quase completo, neurologicamente,pelo menos, antes f dos homens primitivos, mal data de uma década, com poucas ex-
que a cultura tivesse começadq a se desenvolver, isso porque a capa- ceções. A documentação relativa aos' fósseis cresce em proporção
cidade biológica necessária à aquisição de cultura era tida como tão extraordinária, os métodos para a determinação da idade tor-
algo que não admitia meio-têrmo; uma vez adquirida, era-o por nam-se dia a dia t&o minuciosos, que só um imprudente tentaria
completo; tudo mais era II1era adição de novos hábitos, ou desen- formar opiniões definitivas ~
respeito de determinadas questões.
volvimento dos antigos. A eyolução orgânica ia até certo ponto, e Pondo de parte, porém, os detalhes, as provas e as hipóteses especí-
então, uma vez cruzando o Rubicon cerebral, tinha lugar a evolu- ficas, o fato essencial é que a constituição genérica e inata do homem
ção cultural, processo autônomo, nem dependente nem produtor de moderno, (o que antigamente, quandQ as coisas eram mais simples,
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PANORAMA DA ANTROPOLOGIA A TRANSIQAO PARA HUMANIDADE 39
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se chamava "natureza humana"t parece-nos, agora, ser tanto u~ mulação das considerações teóricas sôbre as quais se apoiava, ante-
11 produto cultural quanto biol6gico~ riormente, a teoria do pOQtocríti~o. ficou evidente, agora, que o
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'I '. "E, provàveImente, mais correto escreve o antropologista argumento da Psic910gia Prima~a Çomparada, por exemplo, esta.:
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físico Sherwood Washbum -encararmos nossa estrutura (física)
como sendo, em grande medida, o resultado da cultura, em vez"de
belece não a singularidade do homem moderno, mas sim o caráter
distinto da linhagem hominídea, que tem de cinco a vinte e cinco'
I
r imaginarmos homens,' anatômicamente semelhantes a nós, descobrin- milhões de anos, e da qual o homem moderno é, apenas, o resul- j
do, passo a passo, a cultura." O refrão "o homem se faz por si tado final e: casualmente, o' único 'representan,te vivo, mas que:
I
!! originalmente.
pr6prio" adquire, agora, significação mais literal do que o suposto inclui inúmeras espécies de animais diferentes, hoje extintos, e todos
muito mais "próximos" do ho~em do que qualquer dos macacos)
\
~ A idade glacial, que produziu modificações rápidas e radicais atualmente existentes. O fato de que' chimpanzés não falam é in..-
no clima, nas forma~ões terrestres e na vegetação,.11ámuito vem teressante, e também importante; mas concluir, daí, que a fala é
sendo considerada como ulp p~ríodo e,Wque houve condições ideais um fenômeno que não admite meio-têrm9 seria o mesmo que supor
para um mais rápido e eficiente desenvolvimento evoJutivo do ho- que a girafa, já que é o único quadrupede dotado de tão grande
meJ]]. Parece-nos, agora, que' êsse período também foi o em que pescoço, deve tê-Io adquirido por uma espécie de esticamento. Os
o meio cultural passou a suplementar, cada vez mais, o meio am- grandes símios podem ser os parentes mais próximos do homem,
biente natural no processo seletivo, intensificando, de maneira sem mas "próximo" é, também, para fazermos um trocadilho, um têrmo
precedentes, e fazendo avançar aceleradamente o processo de evolu- relativo.* Em se considerando uma escala de tempo que corres-
f
ção do ser humano. Não parece tratar-se, unicamente, de' uma I ponda à realidade, os sÍmios não estão, de forma alguma, assim tão
época em que se deu o desaparecimento das saliências frontais e a j próximos de nós, uma vez que o último antepassado comum viveu
diminuição' da mandíbula, mas sim de uma época em que foram f há, pelo menos, cinqüenta mil séculos passados, no período denomi-
forjadas, quase_.~ôdas as, características mais tipicamente humanas: nado pelos geólogos Plioceno, e talvez, mesmo, ainda há mais
iodu--õ sistema nervoso,encefálico do homem, sua estrutura social tempo atrás. '
baseada na proibição do incesto e sua capacidade de criar e utili- , Quanto ao argumento lógico, também sôpre êle pesam dúvidas,
zar símbolos. O fato de terem essas características distintivas da presentemente. O crescente interêsse, que ràpidamente se vem desen-
-human'idadesurgido ao mesmo tempo, e em complexa interaçâo, e , volvendó, em relação à .comunicação, cdnsiderada como processo geral,
não umas após outras, como durante tanto tempo se supôs, é de e que se. vem manifestando há uma ou duas décadas, em diversas
.sxcepcional importância para a interpretação da mente humanaÍpois disciplinas, desde a Engenharia até a Etnologia, veio, por um lado,
~j !parece
apto a indicar
adquirirque o sistema
cultura, Co nervoso do homem não só o )ôrfia reduzir a}a.l~_.~, _I!P~J}~~,
_u~ Jl1ecapjsma.,==",embora,reconhecida-
/o homem ~
adquira essa cultur~.
também exige, para funcionar, que
A cultura, portanto, não agiria ape-
lias suplementando, desenvo do e ampliando capacidades depen-
dentes do organismo, geneticamente anteriores a ela, mas seria uma
mente, de alta flexibilidade e eficiência - ,entre os muitos existeQtes
para a transmissão' do p.t:nsamento, e, por Qutro lado, forneceu",nos
uma base 'teórica; ~de--ácõrdp' com a qual é, possível conceber--uma
série de etapas progressivas, que' nos teriam conduzido, .fi,~,I!!w..~nte,
componente dessas próprias capacidades. Um ser humano despro- à fala humana. '
vido de cultura não seria um macaco intrinsecamente talentoso, em- Não nos ocuparemos, aqui, com' essa pesquisa, mas, apenas
bora sem ter êsse talento desenvolvido,mas sim um ser inteiramente para dar um exemplo, diremos que um lingüista comparou oito dife-
desprovido de mente, e, conseqüentemente,uma monstruosidade ina- rentes sistemas de comunicação, desde a dança das abelhas, a ma-
proveitáveI. Tal como o repôlho, com o qual tanto se parece, o neira pela qual os peixes fazem a côrte, o canto dos pássaros, até
,humana, do
cérebro homo
não seria.rapiens,tendo-se
viável fora dela.desenvolvidona estrutura cultural os gritos dos gibões, à música instrumental e à linguagem humana.
Em vez de fazer girar tôda sua análise em tôrno da distinção
~ Muitas são as implicações desta revisão da teoria da transição
para a humanidade, das quais mencionaremos apenas algumas, neste * A palavra relative significa, em inglês, tanto "parente" como "relativo".
artigo. Por um lado, tal revisão obrigou à reinvestigação e refor- dai o trocadilho.
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41
.( A TRANSIQAO PARA HUMANIDADE
40 PANORAMA DA ANTROPOLOGIA
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simplista, e já agora um tanto "batida" demais, sinal símbolo, dis- medida que o homem criava seus ~nstrumentos,longe de enfraquecer
tingue êle treze características principais da linguagem, e procura, . a doutrina da unidade física, torna-a ainda mais explícita e' espe-
de acôrdo com elas, analisar as diferenças existentes entre a comu- cífica, conferindo-lhe base histórica real, que anteriormente lhe
nicação humana e a subumana, de maneira ~ais precisa, e traçar faltava.
Mais importante, porém, que a revisão ou reinterpretação das
a {>rováveltrajetória seguida, desde que se iniciou o desenvolvimento I
gradual da fala, a partir da protofala, durante a era glacial. Esse antigas teses, necessária à teoria que considera a relação entre' a
tipo de pesquisa, também, está, ainda, apenas no início, mas, parece, evoluçãoda anatomia do homem e a origem da cu1tur~humana como
estamos chegando ao fim da época em que a única coisa aproveitável relação mais sincrônica do que sucessiva, são as implicações dessa
que se podia dizer, quanto às origens da linguagem, era que, assim teoria para uma nova maneira de. encarar a própria cultura.
como todos os sêres humanos a possuem, todos os não-humanos, Se o homem cresceu, por assim dizer, no contexto de um am-
.
por sua vez, são desprovidos dela. biente cultural em desenvolvimentQ,então êsse ambiente dev~ ser
Finalmente, a postulação da existência de diferenças na capa- encarado não apenas comó mera extensão,~xtra-somática, uma espé-
cidade de adquirir cultura, entre os diversos tipos de proto-homens, ~ie de ampliação artificial d~ capacidades inatas já existentes, mas
não vem contradizer o fato comprovado de que não há diferenças sim como um fator indispensável da existência dessas próprias
significativas na capacidade mental inata das várias raças humanas capacidades.
atuais, mas, pelo contrário, vem apoiar e fortalecer as afirmações O fato, agora evideI).te,de que os estágios finais da evoluç~o
nesse sentido. f As diferenças físicas das raças humanas constituem, biológica do homem ocorreram após os estágios iniciais do desen-
está claro, qualquer coisa de muito recente, tendo tido início, pro- volvimento da cultura implica, como já fizemos notar, que natureza
vàvelmente, há apenas 50 000 anos, mais ou menos, ou seja, segun- humana "básica", "pura" ou "incondicionada", no sentido de cons-
do as mais conservadoras estimativas, menos de 1/100 do período tituição inata do homem, é noção tão funcionalmente incompleta,
de duração de tôda a linhagemhominídea, isto é: a linha de formação que chega a ser inutilizável.
do homem.I Assim sendo, não só um processo comum de evolução Instrumentos, caça, orgánização familiar e, posteriormente,
ocupou imenso períado da história da humanidade, como também arte, religião é certa forma primitiva de "Ciência", moldaram o ho-
:1 êsse período parece ter sido, precisamente, aquêle durante o qual mem somàticamente, sendo, portanto necessários não só à sua sobre-
foram forjadas as características fundamentais da natureza humana. vivência, ~as também à sua' realização existencial., :B verdade que,
As raças modernas são, justamente, isso: modernas. Represen- sem o homem, não haveria formas de cultura; m'as também é ver- .
.. tam adaptações, muito recentes e secundárias, da côr da pele, da dade que sem formas de cultura não haveria o homem.
estrutura facial etc - sem dúvida adaptaçõesàs diferençasclimá- Tôda a estrutura de crença, expressão e valor, em que vivemos,
ticas, principalmente - que se processaram quando o homo sapiens fornece-nos os mecanismos para uma conduta ordenada, mecanismos
se dispersou pelo mundo, por volta do fim do período glacial. Tais êsses geneticamente estabe'ecidos no corpo dos animais inferiores,
adaptações são, portanto, tôdas elas, subseqüentes ao processo bási- porém não no nosso. A singularidade da natureza humana tem
co formativo do desenvolvimentoneural e anatômico, ocorrido desde ~i4o,muitas vêzes',expressa em têrmos de quantas e quão diferentes
o início da linhagem hominídea, até o aparecimento', de cinqüenta coisas o homem é "capaz de aprender, e, embora a existência de
a cento e cinqüenta milênios atrás, do homo sapiens. chimpanzés que aprendem a brincar com brinquedos imaginários nos
Mentalmente, o homem foi formado na idade glacial, e a fôrça possa criar alguma incerteza, essa formulação ainda é bastante válida,
realmente decisiva, que plasmou e produziu a singularidade da natu- Entretanto, talvez 19~ importância teórica fundamental' ainda maior
reza humana - a interação das fases iniciais do desenvolvimento
II
~ o quanto. o home:tI1tem que aprender. Sem os padrões orienta-
cultural com as fases culminantes da transformação biológica - oores da cultura humana, a vida intelectual do homem seria, apenas,
é parte do passado comum de tôdas as raças modernas. Dessa -~ um zunido, uma confusão ruidosa, como a denominava William
maneira, a teoria de que a capacidade de conseguir cultura não James; a cognição, no homem, depende, de tal maneira, da existên-
brotou, já totalmente desenvolvida, em determinado momento, mas cia de modelos simbólicos externos da realidade, que não pode ser
que foi sendo forjada por longo período, na idade da pedra, à . comparada à de nenhum macaco. Emocionalmente, dá-se o mesmo.
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42 PANORAMA DA ANTROPOLOGIA A TRANSIQAO pARA HUMANIDADE
Sem a orientação das idéias comumente aceitas, encontradas nos l publicado por Meggers, B. em Evolution and Anthropology: a Cen-
ritos, no mito e na arte, não saberíamos, literalmente, como sentir. tennial Appraisal (Washington, D.C., Atithropological Society of
Tal como o. próprio cérebro anterior expandido, as idéias e emo- , Washington, 1959), é também útil em relação ao assunto. Bom
ções são, no homem, artefatosculturais. . resumo, feito em têrmos simples, da teoria que admite a relação
Essas afirmações prenunciam, na nossa opinião, uma revisão 1 entre o uso de instrumentos e a mudança neurológica, pode ser en-
fundamental na própria teoria da, cultura. Estamos caminhando para, contrado em' Washington, S.L., "Tools and' Human Evolution",
nas próximas décadas, encararmos os padrões culturais considerando, Scientific American, setembro de 1960, págs. 62-75, sendo que, aliás,
cada vez menos, a maneira pela qual êles se impõem à natureza I tôda essa edição especial, ''The Human Species", é importante. Fi-
humana, atualizando-a para melhor ou para pior; considerando-os, nalmente, devo esclarecer que os argumentos aqui apresentados fo-
cada vez menos, como uma acumulação de engenhosos estratage~s I ram por mim desenvolvidos mais extensamente e de forma mais
para expandir capacidades "inatas pré-existentes, e, cada vez mats, técnica em "The Growth of Culture and the Evolution of Mind",
como parte dessas próprias capacidades; considerando-ós, cada vez Scher, J. (ed), Towarda Dejinitionof Mind (Nova lorque: Free
menos, como uma massa superorgânica de hábitos, e, cada vez mais, Press, a ser publicado), e que, para o presente capítulo, adaptei
segundo a brilhante expressão do falecido Clyde Kluckhohn, como diversas passagens dessa obra. .
projetos para a vida. O homem é o único animal vivo que neces-
sita de tais projetos, pois é também o único animal vivo a p.ossuir.
tal história evolutiva, que seu ser físico foi, em grande parte, mol-
dado pela existência dêsses projetos, sendo, portanto, irrevogàvel-
mente por êles qualificado. À medida que se fôr reconhecendo
tôda a importância dêsse fato, irá desaparecendo o antagonismo
entre a teoria que considera o homem apenas como um animal ta-
lentoso e a que o considera um animal inexplicàvelmente único,
juntamente com as concepções errôneas que deram origem a tal
antagonismo.
NOTA BIBLIOGRAFICA