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A iniciaçã o de Moisés
(Paráfrase dos versículos 59 a 81 da Sura XVII do Alcorão, chamada
também A Sura da Caverna)

Tradução: Celso Agostinho Martins de Oliveira

Um dia Moisés disse ao seu servidor Josué, filho de Num: “- Afirmo-


te que não cessarei de caminhar até que chegue a pé à confluência dos
dois mares, ainda que tenha que caminhar mais de vinte e quatro anos.”

Partiram, pois, levando um peixe para seu alimento. Ao fim de um


penoso e inacabável caminhar dia após dia, chegaram à confluência dos
dois mares, ou seja, do mar de Moisés, que é o mar da ciência exterior
(exotérica ou vulgar) e o mar de Dhul Karnein, que é o oceano sem
margens da ciência interior ou iniciática, que está acima de tudo quanto
podem imaginar os homens.

Quando Moisés e seu servidor o filho de Num chegaram à


confluência dos dois mares, aquele ordenou a este:

- Estamos bastante fatigados nesta viagem. Serve-nos, pois, o que


comer.

Josué, obediente, tomou a marmita com água e pôs nela para que
cozesse o peixe que levavam como alimento. Mas nem bem a água
começou a ferver, o peixe que estava há muito tempo morto saltou da
marmita, indo unir-se aos seus congêneres da confluência de ambos os
mares.

- Este é o sinal que eu esperava - exclamou alegre Moisés. Aqui é


onde me disseram que encontrarei Aquele a quem procuro como o ferro
ao imã, há muito tempo.

De fato, separando-se um pouco e por especial disposição do


Senhor, encontrou Moisés com um dos maiores servidores d’Este, homem
de suprema ciência e insuperável virtude, que há longo tempo Moisés
aguardava.
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- Permites que te siga? – disse Moisés ao Desconhecido, e cheio de


veneração ajoelhou-se aos seus pés.

- Se desejas isto, podes fazê-lo – respondeu o Sábio desconhecido -


mas receio que não terás a paciência suficiente para permanecer ao meu
lado.

- Se o Senhor quiser – insinuou humildemente Moisés – me


encontrará perseverante sempre e eu jamais lhe desobedecerei.

- Pois bem – terminou o Desconhecido Mestre – se estás decidido a


seguir-me não me interrogues sobre nada de que eu não te haja falado
primeiro.

Imediatamente se puseram em marcha mestre e discípulo. Aquele


embarcou em uma barquinha pedindo ao discípulo que fizesse o mesmo.
Mas longe da margem pôs a barquinha a pique. Moisés então não pôde
deixar de perguntar:

- Mestre, podes dizer-me por que realizaste tão estranha ação?

- Vejo com dor – respondeu o Mestre – que efetivamente careces


da devida paciência para permanecer comigo.

- Oh! Mestre, não me imponhas, rogo-te, obrigações muito difíceis.

Um pouco mais adiante, no caminho, encontraram os dois viajantes


um jovem de péssimo aspecto. Imediatamente o Desconhecido se lançou
sobre ele e o matou. Moisés ao ver aquilo, não pôde deixar de exclamar:

- Oh! Mestre, ao matar um homem inocente que não matou


ninguém, receio que tenhas cometido uma ação detestável aos olhos de
Deus e dos homens! Ou será que existe alguma coisa que justifique tal
ato?

- Já te disse que carecias da suficiente paciência para ser meu


discípulo! Respondeu, desgostoso, o Mestre.

- Perdoa uma vez mais, que será a última vez! Murmurou Moisés
humildemente.
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Continuaram o caminho até que chegaram às portas de uma cidade,


cujos habitantes se negaram a recebê-los de acordo com as suas leis de
hospitalidade. O Desconhecido advertiu a Moisés que os muros da cidade
ameaçavam ruir e este, sem poder conter-se, disse:

- Ainda que sejam banidos da sociedade, oh Mestre, como permites


que continue assim o muro da cidade e caia algum dia sobre eles?

O Desconhecido estancou a caminhada dizendo severamente a


Moisés:

- Aconteceu o que eu prognostiquei. Como já me fizeste três


perguntas, em desacordo com o que combinamos, aqui mesmo vou
deixar-te, mas não quero que me julgues mal pelas coisas que fiz. Por isso
respondo a tua insana curiosidade. Saibas que afundei o barco porque dali
a poucas horas ele iria ao alto mar e cairiam inevitavelmente nas mãos
dos piratas que o saqueariam e matariam os tripulantes. Quanto ao
jovem, o matei porque ele havia matado antes injustamente um outro e
estava disposto a matar outras pessoas mais até parar nas mãos do
verdugo que haveria de causar a ele sofrimentos muito maiores, além da
imensa vergonha que o ato causaria à família dele, composta de crentes
sinceros. Finalmente com respeito ao muro da cidade te direi que apoiada
nele está a casa de uns pobres órfãos e sob o solo jaz um grande tesouro
escondido pelo pai deles e que o Senhor não pensa entregar aos órfãos
até que entrem na puberdade. Se os demais moradores da cidade
soubessem do estado do muro, o teriam derrubado para refazê-lo e então
o tesouro depositado entre ele e a casa apareceria e haveria uma
antecipação da posse da riqueza aos órfãos e eles, por serem imaturos,
seriam tentados a trilhar a senda do vício ao invés da senda da virtude.

Eis, portanto – concluiu o sábio – ao mesmo tempo que desaparecia


como tênue fumo aos olhos do seu discípulo – as coisas cuja explicação
não soubeste esperar com a devida paciência.

Eis, também – exclamou o Senhor Onipotente – como eu tenho


sempre arcanos de insondável sabedoria quando parece que com minha
Destra descarrego todo meu Poder sobre os mortais, que acreditam
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receber assim um grande dano, mas é, na maior parte das vezes, um


enorme, um apreciável benefício!

Fonte: “Por el reino encantado de Mâyâ”(*), de Mario Roso de Luna –


Editora Edicomunicacion.

(*) Mâyâ é um termo sânscrito que significa “ilusão”. Segundo a filosofia


hindu, apenas aquilo que é imutável e eterno merece o nome de
realidade; tudo aquilo que é mutável, que está sujeito a transformações
por decaimento e diferenciação e que, portanto, tem princípio e fim é
considerado como mâyâ: ilusão. (Glossário Teosófico, de Helena
Blavatsky)

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