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Luta
antimanicomial.
Revista do Ins!tuto Humanitas Unisinos
Conquistas e
Nº 391 - Ano XII - 07/05/2012 - ISSN 1981-8769
desafios
Conquistas e desafios
Em 18 de maio celebra-se o Dia conhecimento e a trajetória das pes- nar tudo num “manicômio”, é preciso
Nacional da Luta Antimanicomial. A soas para se construir um outro tipo repensar o poder do psiquiatra e da
data enseja uma série de reflexões so- de saúde mental. “O reconhecimento psiquiatria sobre a equipe e o cliente.
bre saúde mental, desinstititucionali- de que eles portam um saber, sim, Martinho Braga Batista e Silva,
zação e lutas em busca de uma socie- diferente do acadêmico, porém não da Universidade Estadual do Rio de
dade mais justa e democrática. A data menos valioso”, ou seja, trata-se do Janeiro – UERJ, retoma o Caso Damião
remete ao Encontro dos Trabalhadores empowerment. Ximenes e a condenação do Brasil por
da Saúde Mental, ocorrido em 1987, A diretora do Departamento de violação dos direitos humanos.
na cidade de Bauru-SP. Como processo Ações em Saúde – DAS da Secretaria Tempos e ritmos de ver: cegueira
decorrente desse movimento, ocorreu Estadual de Saúde do Rio Grande do e visibilidade no mundo contemporâ-
a reforma psiquiátrica, definida pela Sul, Sandra Fagundes, pondera que o neo é um artigo de Adriana Melo, da
lei n. 10216 de 2001, também conhe- estigma da loucura ainda não foi supe- Universidade Federal de Minas Gerais
cida como Lei Paulo Delgado. rado e comenta a experiência gaúcha – UFMG, e Maria Teresa F. Ribeiro da
Nesta edição profissionais que no contexto antimanicomial. Universidade Federal da Bahia – UFBA.
pesquisam e atuam na área da saúde O nascimento do capitalismo e Fernanda Azeredo de Moraes
mental participam de um debate que da internação dos excluídos é a temá- debate O clube da luta (David Fincher,
diz respeito ao conjunto da sociedade tica abordada pelo psicólogo Osvaldo 1999), e Marcelo Fabri, da Universi-
contemporânea. Gradella Júnior, da Universidade Es- dade Federal de Santa Maria – UFSM,
Thomas Szasz, professor eméri- tadual Paulista Júlio de Mesquita Filho descreve alguns aspectos da temáti-
to da Universidade Estadual de Nova – Unesp. Nossa sociedade é baseada ca que abordará no dia 10-05-2012,
Iorque em Siracusa, abre a discussão na exploração humana, e a violência falando sobre a alteridade radical
com uma conclusão: a psiquiatria não é intrínseca a esse modo de produção, de Levinas e a ética racionalista de
pode ser reformada. Ela tem que ser observa. Husserl.
abolida, assim como a escravidão. Fábio Alexandre Moraes, psicó- A obra Uma sociologia indigna-
Para o filósofo italiano Massimo logo e professor na Unisinos, compre- da. Diálogos com Luiz Werneck Vianna
Canevacci, ninguém é totalmente ende a luta antimanicomial como uma (Juiz de Fora, 2012) inspira a entre-
normal, e a questão da doença mental luta ético-política. Ele detecta o nexo vista com seus organizadores, Rubem
não pode ser compreendida somente entre o modelo capitalista de trabalho Barboza Filho, da Universidade Fede-
como um problema médico. É algo le- e o surgimento da doença mental. ral de Juiz de Fora – UFJF e Fernando
gitimado culturalmente, assegura. O psicólogo Bernardo Malamut Perlatto, do Centro de Estudos Direito
Osvaldo Saidon, psicanalista ar- adverte que “novos desviantes so- e Sociedade (Cedes/PUC-Rio).
gentino, retoma a tradição libertária ciais” poderão ocupar o lugar discur- As quatro décadas de vivências
da luta antimanicomial e questiona se sivo antes reservado aos loucos. É o na Unisinos são rememoradas por José
entramos em uma era pós-manicomial. caso dos usuários de crack, pontua. Alcides Renner, professor do curso de
A médica Rosana Onocko Cam- O psiquiatra José Jackson Sam- Direito da Universidade.
pos, da Universidade Estadual de paio Coelho, da Universidade Estadu- A todas e a todos uma boa leitura
Campinas – Unicamp, destaca a im- al do Ceará – UECE, menciona que, em e uma ótima semana!
portância de se valorizar a fala, o condições históricas que podem tor-
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IHU
Instituto Humanitas
REDAÇÃO Colaboração: César Sanson,
ON-LINE
Unisinos
Diretor de redação: Inácio André Langer e Darli Sampaio,
2
Índice
LEIA NESTA EDIÇÃO
TEMA DE CAPA | Entrevistas
5 Thomas Szasz: A psiquiatria não pode ser reformada. Ela tem que ser abolida, assim
como a escravidão
8 Osvaldo Saidon: Uma era pós-manicomial?
12 Massimo Canevacci: A luta antimanicomial como uma luta cultural
16 Osvaldo Gradella Júnior: O nascimento do capitalismo e da internação dos excluídos
21 Fábio Alexandre Moraes: Luta antimanicomial, uma luta ético-política
24 Rosana Onocko Campos: O empoderamento dos usuários de saúde mental
28 Sandra Fagundes: O estigma da loucura ainda não foi superado
30 Martinho Braga Batista e Silva: O caso Damião Ximenes e a condenação do Brasil por
violação dos direitos humanos
33 José Jackson Sampaio Coelho: A psiquiatria e o exercício da humildade
37 Bernardo Salles Malamut: Uma psiquiatria a serviço do Estado contra os “indivíduos
desviantes”
Destaques da semana
41 Artigo da semana: Adriana Melo e Maria Teresa F. Ribeiro: Tempos e ritmos de ver:
cegueira e visibilidade no mundo contemporâneo
44 Fernanda Azeredo de Moraes: Clube da luta: um olhar de gênero
00 Livro da semana: Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto: Uma sociologia
indignada: horizonte e inspiração para pensar o Brasil
48 Coluna CEPOS
57 Destaques On-Line
IHU em Revista
58 Agenda
59 Marcelo Fabri: A alteridade radical de Levinas e a ética racionalista de Husserl
62 Lucas Henrique da Luz: Inside Job – Trabalho Interno e a visão plural do
capitalismo mundial
64 IHU Repórter: José Alcides Renner www.ihu.unisinos.br
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3
Tema
de
Capa
Destaques
da Semana
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IHU em
Revista
4 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Tema de Capa
A psiquiatria não pode ser
reformada. Ela tem que
ser abolida, assim como a
escravidão
Psiquiatria e Estado precisam ser separados. Além disso, o sujeito deve decidir, ou
não, se deve tomar medicamentos psiquiátricos, afirma Thomas Szasz
Por Márcia Junges | Tradução Luís Marcos Sander
A
“loucura” não é silenciada pela “ra- forçado-involuntário de pessoas identificadas
zão”, rebate Thomas Szasz. “Ela é si- como escravas”. Ele tece duras críticas à luta
lenciada por pessoas chamadas de antimanicomial: “Em vez de enfocar a aboli-
‘psiquiatras’”. Para o professor emérito da ção da ‘escravidão psiquiátrica’, os indivíduos
Universidade do Estado de Nova Iorque em identificados com a ‘luta antimanicomial’ en-
Siracusa, “a psiquiatria, intrinsecamente li- focaram – equivocadamente, penso eu – a na-
gada à lei e à execução da lei, não pode ser tureza da doença justificando ostensivamente
reformada. Como a escravidão, ela precisa o uso de força psiquiátrica”.
ser abolida”. As declarações foram dadas por Defensor da separação entre psiquiatria e
Szasz à IHU On-Line na entrevista que conce- Estado, Szasz é conhecido mundialmente por
deu por e-mail. Crítico ferrenho da psiquiatria ser adversário da psiquiatria coercitiva. Es-
desde os anos 1950, ele discorda perempto- creveu livros como O mito da doença mental
riamente da legitimidade intelectual-médica (Rio De Janeiro: Zahar, 1979), originalmente
dessa área da medicina, assim como da As- publicado em 1960, e A fabricação da loucu-
sociação Psiquiátrica Americana e do Manu- ra: um estudo comparativo da Inquisição e do
al Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Movimento de Saúde Mental (Rio de Janei-
Mentais (DSM, na sigla em inglês). “Qual é ro: Zahar, 1976), cuja primeira edição veio a
a validade do DSM? É zero, digo eu”. Em seu público em 1970. Nasceu em Budapeste em
ponto de vista, a psiquiatria cumpre a função 1920 e continua em franca atividade intelec-
excludente antes ocupada pela religião, e o tual. Para conhecer seus textos e ideias, aces-
“controle-confinamento forçado-involuntário se www.szasz.com.
de pessoas identificadas como mentalmente Confira a entrevista.
doentes é análogo ao controle-confinamento www.ihu.unisinos.br
IHU On-Line – Desde que es- les e que esses desequilíbrios fictícios Anteriormente, as religiões cumpriam
creveu O mito da doença mental, são tratados com medicamentos. essa função social. Hoje em dia, a me-
há 51 anos, houve alguma mudança dicina-psiquiatria a cumpre.
na forma como a psiquiatria trata o IHU On-Line – Em que medida
“doente mental”? O que permanece o estigma da doença mental con- IHU On-Line – Quais são os prin-
o mesmo? tinua sendo um rótulo importante cipais avanços que percebe a partir
Thomas Szasz – Houve muitas para compreendermos a sociedade da luta antimanicomial pelo mundo?
mudanças. A principal mudança é que segregatória e excludente em que Thomas Szasz – Em minha opi-
agora os psiquiatras sustentam, e a vivemos? nião, a questão principal – ou talvez
maioria das pessoas acredita, que as Thomas Szasz – Todas as socie- até a única – referente à luta anti-
chamadas doenças mentais são cau- dades (grupos) são, por definição, manicomial é o poder de exercer
sadas por “desequilíbrios químicos” “excludentes” pelo fato de incluírem coerção, isto é, a legitimação do uso
no cérebro, ou são manifestações de- algumas pessoas e excluírem outras. de força contra pessoas chamadas
IHU On-Line – No Brasil, há uma outras. psiquiatra britânico. Destacou-se por sua
abordagem inovadora da doença mental
e, particularmente, da experiência
grande influência de Franco Basaglia
na reforma psiquiátrica. Hoje, a de- Anteriormente, da psicose. Promoveu uma revolução
de conceitos na sua área, ao buscar
sinstitucionalização da loucura tem compreender a lógica por trás dos sintomas
no agente comunitário e nos Centros as religiões ditos irracionais. As ideias de Lang sobre
as causas e o tratamento da disfunção
de Atenção Psicossocial – CAPs ele- mental grave, fortemente influenciadas
mentos importantes de uma nova
prática da saúde mental. Qual é a si-
cumpriam essa pelo existencialismo, foram de encontro
à psiquiatria ortodoxa. Para ele, os
tuação nos EUA no que diz respeito à
luta antimanicomial?
função social. sentimentos expressos pelo paciente
eram descrições válidas da experiência
vivida, mais do que simples sintomas
Thomas Szasz – A situação é se-
melhante. Basaglia1 adorava a associa-
Hoje em dia, de um distúrbio. Laing foi associado ao
movimento da antipsiquiatria, embora ele
próprio rejeitasse o rótulo. (Nota da IHU
ção entre a política (o Estado) e a psi-
quiatria (coerção médica). Ele queria
a medicina- On-Line)
3 Michel Foucault (1926-1984): filósofo
francês. Suas obras, desde a História da
ser – e a certa altura foi – uma espécie
de comissário psiquiátrico – do tipo
psiquiatria a Loucura até a História da sexualidade
(a qual não pôde completar devido a sua
cumpre”
benevolente, bondoso, é claro. Dis- morte) situam-se dentro de uma filosofia
do conhecimento. Suas teorias sobre o
cordo radicalmente das concepções e saber, o poder e o sujeito romperam com
políticas dele. Creio que a psiquiatria, as concepções modernas destes termos,
intrinsecamente ligada à lei e à execu- motivo pelo qual é considerado por
certos autores, contrariando a sua própria
ção da lei, não pode ser reformada. Como a escravidão, ela precisa ser opinião de si mesmo, um pós-moderno.
abolida, e não reformada. Seus primeiros trabalhos (História da
Loucura, O Nascimento da Clínica, As
Palavras e as Coisas, A Arqueologia do
1 Franco Basaglia (1924-1980): psi-quiatra IHU On-Line – Os doentes men- Saber) seguem uma linha estruturalista,
italiano. Promoveu uma importante tais continuam sendo os grandes bo- o que não impede que seja considerado
reforma no sistema de saúde mental de geralmente como um pós-estruturalista
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Leias as
são, e foram, presas em prédios dos filósofo alemão, conhecido por seus
conceitos além-do-homem, transvaloração
quais não podem sair. “Por que os tra- dos valores, niilismo, vontade de poder
e eterno retorno. Entre suas obras
figuram como as mais importantes Assim
a IHU On-Line dedicou matéria de capa
a Foucault: edição 119, de 18-10-2004,
disponível para download em http://
falou Zaratustra (9. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1998), O anticristo
(Lisboa: Guimarães, 1916) e A genealogia
entrevistas
migre.me/vMiS, edição 203, de 06-11-2006, da moral (5. ed. São Paulo: Centauro,
do dia no
disponível em http://migre.me/vMj7, e 2004). Escreveu até 1888, quando foi
edição 364, de 06-06-2011, disponível em acometido por um colapso nervoso que
http://bit.ly/k3Fcp3. Além disso, o IHU nunca o abandonou, até o dia de sua morte.
organizou, durante o ano de 2004, o evento A Nietzsche foi dedicado o tema de capa
Ciclo de Estudos sobre Michel Foucault, da edição número 127 da IHU On-Line, de
que também foi tema da edição número
13 dos Cadernos IHU em Formação,
disponível para download em http://migre.
13-12-2004, intitulado Nietzsche: filósofo
do martelo e do crepúsculo, disponível
para download em http://migre.me/s7BB.
sítio do IHU:
me/vMjd sob o título Michel Foucault. Sua Sobre o filósofo alemão, conferir ainda a
contribuição para a educação, a política entrevista exclusiva realizada pela IHU
e a ética. Confira, também, a entrevista On-Line edição 175, de 10-04-2006, com
com o filósofo José Ternes, concedida à o jesuíta cubano Emilio Brito, docente
IHU On-Line 325, sob o título Foucault, a na Universidade de Louvain-La-Neuve,
sociedade panóptica e o sujeito histórico,
www.ihu.
intitulada “Nietzsche e Paulo”, disponível
disponível em http://migre.me/zASO. De para download em http://migre.me/s7BH.
A edição 15 dos Cadernos IHU em formação
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13 a 16 de setembro de 2010 aconteceu
o XI Simpósio Internacional IHU: O (des) é intitulada O pensamento de Friedrich
governo biopolítico da vida humana. Para Nietzsche, e pode ser acessada em http://
maiores informações, acesse http://migre.
me/JyaH. Confira a edição 343 da IHU On-
Line, intitulada O (des)governo biopolítico
migre.me/s7BU. Confira, também, a
entrevista concedida por Ernildo Stein à
edição 328 da revista IHU On-Line, de 10-
unisinos.br
da vida humana, publicada em 13-09- 05-2010, disponível em http://migre.me/
2010, disponível em http://bit.ly/bi5U9l, FC8R, intitulada O biologismo radical de
e a edição 344, intitulada Biopolitica, Nietzsche não pode ser minimizado, na qual
estado de excecao e vida nua. Um debate, discute ideias de sua conferência A crítica
disponível em http://bit.ly/9SQCgl. A de Heidegger ao biologismo de Nietzsche e
edição 364, de 06-06-2011 é intitulada a questão da biopolítica, parte integrante
‘’História da loucura’’ e o discurso racional do Ciclo de Estudos Filosofias da diferença
em debate, inspirada na obra História da - Pré-evento do XI Simpósio Internacional
loucura, e está disponível em http://bit. IHU: O (des)governo biopolítico da vida
ly/lXBq1m. (Nota da IHU On-Line) humana. Na edição 330 da revista IHU me/Jzvg. Na edição 388, de 09-04-2012,
4 LSD: acrônimo de Lysergsäurediethylamid, On-Line, de 24-05-2010, leia a entrevista leia a entrevista O amor fati como resposta
palavra alemã para a dietilamida do ácido Nietzsche, o pensamento trágico e a à tirania do sentido, com Danilo Bilate,
lisérgico, que é uma das mais potentes afirmação da totalidade da existência, disponível em http://bit.ly/HzaJpJ. (Nota
substâncias alucinógenas conhecidas. (Nota concedida pelo Prof. Dr. Oswaldo Giacoia e da IHU On-Line)
da IHU On-Line) disponível para download em http://migre.
“P
arece importante renovar o debate A exclusão, a reclusão, ou o crime que a luta
teórico em relação aos conceitos antimanicomial denuncia estão hoje, mais do
que suscitam uma proposta anti- que em loucura, no gatilho fácil, na brutalidade
manicomial para não deixá-la limitada à ques- e na marginalidade que condena milhares de
tão de fechamento, ou não, de manicômios e jovens, os crackeiros, os sem-trabalho, os mi-
para que enfrente os desafios de uma época lhões de desocupados jovens que em países
que já poderíamos chamar de pós-manico- colonizados e colonizadores já parecem conde-
mial”. A afirmação é do psicanalista argentino nados a não terem nenhum futuro”.
Osvaldo Saidon, em entrevista concedida por Osvaldo Saidon é médico, psicanalista e
e-mail à IHU On-Line. Em seu ponto de vista, professor universitário, natural da Argentina.
a “luta antimanicomial se inscreve numa tra- Tem desenvolvido trabalhos de análise institu-
dição de luta libertária que aporta aos direitos cional no Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia e
humanos a potencialidade para poderem su- Nicarágua. Viveu no Brasil entre 1976 e 1988.
perar uma prática que, às vezes, só tende a re- De sua produção bibliográfica, destacamos
petir o politicamente correto, como sustentam Practicas grupais: La escena institucional e cli-
muitas das chamadas ONGs dos direitos huma- nica y sociedad. Esquizoanalisis.
nos”. E provoca: “A questão é detectar em cada Confira a entrevista.
época e em cada lugar onde está o manicômio.
IHU On-Line - Lutar por uma so- Na Argentina o trabalho das mães canalítica na desinstitucionalização
ciedade sem manicômios é lutar pe- e dos filhos da Praça de Maio1 tem da loucura?
los direitos humanos? Por quê? sempre alentado a luta antimanico- Osvaldo Saidon - A prática psico-
Osvaldo Saidon - Gostaria de in- mial e isso tem sido parte, muitas ve- terapêutica tem mudado sua implica-
verter a pergunta, pois isso me per- zes, de sua incorreção política em rela- ção nos processos de desinstituciona-
mitiria responder melhor o que penso ção às instituições. Essa incorreção é a lização segundo as épocas e os lugares
dessa relação. A pergunta seria então: que lhes tem dado o nome de “loucas onde se tem desenvolvido. Tem ha-
lutar pelos direitos humanos é lutar da Praça de Maio” e, com isso, a po- vido uma diferença de tempo e lugar
por uma sociedade sem manicômios? tência que continuam desdobrando. entre o sucedido no Brasil, na França
Melhor seria, então, dizer que a luta e na Argentina, considerando-se os
antimanicomial permite à defesa dos IHU On-Line - Qual é a importân- três países onde a prática psicanalíti-
direitos humanos ter questões concre- cia da prática psicoterapêutica e psi- ca tem tomado um desdobramento
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tas de luta e evitar cair numa defesa importante na saúde pública. Desde
às vezes demasiado generalista, ou o final dos anos 1960, a psicanálise,
1 Mães da Praça de Maio: mulheres
abstrata, dos direitos humanos, que que se reúnem na Praça de Maio, na Argentina, participava ativamente
pode deixar inadvertidas as injustiças Buenos Aires, para exigirem notícias em projetos de reforma psiquiátrica
de classe – as questões coloniais e a de seus filhos desaparecidos durante e de humanização da prática hospita-
a ditadura militar na Argentina (1976-
denúncia dos crimes que o império 1983). Alguns pais, considerados lar. Os grupos operativos, a experiên-
perpetra, com sua política não somen- subversivos, tiveram seus filhos cia de serviços de saúde mental em
te belicosa, senão cultural e econômi- retirados de sua guarda e colocados hospitais públicos, a politização de
para a adoção durante os cinco
ca. A luta antimanicomial se inscreve anos de ditadura. Quando acabou a amplos setores de profissionais e a
numa tradição de luta libertária que ditadura, muitos filhos estavam sob ruptura por razões ideológico-políticas
aporta aos direitos humanos a poten- guarda de famílias de militares. Ainda da Associação Psicanalítica foram di-
hoje, todas as quintas-feiras, as mães
cialidade para poderem superar uma realizam manifestações na Praça fusores de uma prática que, de fato,
prática que, às vezes, só tende a repe- de Maio, em frente à Casa Rosada, questionou os institutos e instituídos
tir o politicamente correto, como sus- buscando manter o desaparecimento desse momento. Muitos do que tive-
de seus filhos vivo na memória de
tentam muitas das chamadas ONGs todos os Lisboa : Assirio & Alvim, 1966 ram de se exilar nos anos 1970 leva-
dos direitos humanos. argentinos. (Nota da IHU On-Line) ram essas propostas a vários lugares,
Tema de Capa
onde encontraram maior ou menor balho e na defesa do hospital público
repercussão. frente às corporações da saúde.
No Brasil o processo de maior
compromisso social e de crítica ins-
dos anos 1960 Na atualidade, as relações entre
saúde mental e direitos humanos se-
titucional dos psicanalistas somente
começou com a volta dos exilados bra-
a psicanálise, guem tendo que encarregar-se dessa
contradição. Constatamos ainda o
sileiros que realizaram sua formação
na França e com a associação que nós,
na Argentina, avanço e a contrarreforma que hoje
voltam a impulsionar os setores biolo-
psicanalistas de esquerda chegados da
Argentina junto de colegas mais politi-
participava gistas da psiquiatria, em muitos casos
com alianças com institutos psicanalí-
zados do Rio, de São Paulo e Belo Hori-
zonte, conseguimos desenvolver. ativamente ticos de diverso signo. Nesse sentido,
me parece importante renovar o de-
Na Europa, por outro lado, a luta
antimanicomial ou anti-institucional, em projetos bate teórico em relação aos conceitos
que suscitam uma proposta antima-
ligada de certo modo aos movimentos nicomial, para não deixá-la limitada à
de anticultura emergentes do maio de reforma questão de fechamento, ou não, de
francês, se desenvolveu através de manicômios, e para que enfrente os
uma discussão sobre a prática e a teo- psiquiátrica e desafios de uma época que já podería-
ria psicanalítica. Citemos os trabalhos mos chamar de pós-manicomial.
de Basaglia, a rede de antipsiquiatria, de humanização
a crítica institucional de Lourau e La- IHU On-Line - Quais são os hori-
passade, as contribuições definitivas da prática zontes que se abrem, a partir do tra-
que traz a História da loucura, de balho na clínica, no diálogo entre a
Foucault, e o Anti-Édipo2 de Deleuze3 hospitalar” razão e a loucura?
e Guattari4, ou os trabalhos de Castel Osvaldo Saidon - Esta pergunta
sobre o psicanalismo. dá pé para ampliar um pouco as refe-
rências que fazíamos à retomada psi-
Era pós-manicomial lado, a antipsiquiatria de Basaglia ou canalítica que se deu a partir dos anos
as experiências de Cooper5. Por outro 1980 no campo da saúde mental e a
Esses estudos nos surpreende- lado, a contundência e o fio teórico qual se tenta legitimar por um para-
ram “com a mão na massa”. Estavam que trazia o Anti-Édipo de Deleuze e digma que se qualifica a si mesmo de
se desenvolvendo uma infinidade de Guattari dividia águas e era impossível científico. Este fundamenta o seu acio-
experiências, tratamentos e projetos evitar o enfrentamento com um laca- namento, tanto em matemas ou tem-
que questionavam as instituições, mas nismo que vinha com seus foros reno- pos lógicos como nas investigações
que tinham uma forte marca psicanalí- vados salvar a institucionalização da neurocientíficas que os laboratórios
tica. Poucos se atreveram a assumir os psicanálise, o que terminava por pro- avalizam através de medicamentos
desafios que nos propunham, por um duzir uma exclusão de toda proposta psicotrópicos de última geração.
social ou política no campo da prática Se a isso se referem quando fa-
psicoterapêutica. lam da razão frente à desrazão, a uma
2 O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia Franco Basaglia costumava di- produção de verdade que se considera
(Lisboa: Assirio & Alvim, 1966). (Nota da
IHU On-Line) zer que alguns psicanalistas argenti- asséptica, neutra e definitiva, então a
3 Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo nos são uma raridade, já que foram loucura, ao opor-se, é somente de-
francês. Assim como Foucault, foi um os que mais se identificaram com as sordem e caos. Se por loucura, como
dos estudiosos de Kant, mas tem em
Bérgson, Nietzsche e Espinosa, poderosas propostas antipsiquiátricas nos anos por razão, entendemos produções www.ihu.unisinos.br
interseções. Professor da Universidade de 1970. Ou seja, mais do que ver quais subjetivas datadas, mutantes e mar-
Paris VIII, Vincennes, Deleuze atualizou as correntes da psicanálise que mais cadas por processos opostos, porém
ideias como as de devir, acontecimentos,
singularidades, conceitos que nos impelem contribuíram aos processos de de- complementares, participando de
a transformar a nós mesmos, incitando- sinstitucionalização na saúde mental, algo comum - o da instituição que os
nos a produzir espaços de criação e de podemos afirmar que o papel dos alberga -, abrimos outras possibilida-
produção de acontecimentos-outros. (Nota
da IHU On-Line) “psi” dependeu – e creio que assim des de pensar... Em definitivo, razão e
4 Pierre-Félix Guattari (1930-1992): continua – do compromisso social que loucura são uma mescla produtora de
filósofo e militante revolucionário francês. assumiram ou assumam em seu tra- obras as mais diversas e com poten-
Colaborou durante muitos anos com Gilles
Deleuze, escrevendo com este, entre cialidades criacionistas sempre vigen-
outros, os livros Anti-Édipo. Capitalismo e tes. Ninguém é louco 24 horas por dia,
Esquizofrenia e O que é Filosofia? Dotado nem racional ou razoável o dia inteiro.
de um estilo literário incomparável, é, 5 David Cooper (1931-1986): médico
de longe, um dos maiores inventores e psiquiatra sul-africano. Atuou na Por isso não vejo por que opor razão
conceituais do final do século XX. Inglaterra. Representante da corrente e loucura. Basta ver o esforço vão que
Esquizoanálise, transversalidade, ecosofia, antipsiquiátrica, denunciou a psiquiatria os grandes obsessivos fazem em dis-
caosmose, entre outros, são alguns dos oficial, que considerava submetida às
conceitos criados e desenvolvidos pelo necessidades da sociedade. (Nota da IHU criminar razão e caos, o que termina
autor. (Nota da IHU On-Line) On-Line) por aumentar suas dúvidas ao infinito.
uma revolução no âmbito humano: a ideia no momento de uma demanda insti- que vale a pena insistir na criação e
de que somos movidos pelo inconsciente. tucional. Todavia, é uma questão que invenção dos dispositivos que permi-
Freud, suas teorias e o tratamento com
seus pacientes foram controversos na Viena está talhada e esculpida impregnando tam a expressão do desviante. Creio
do século XIX, e continuam muito debatidos nossas relações institucionais, as rela- que entre outras coisas a isso se re-
hoje. A edição 179 da IHU On-Line, de 08- ções com nossos colegas, os atraves- feria Guattari na última época, quan-
05-2006, dedicou-lhe o tema de capa sob o
título Sigmund Freud. Mestre da suspeita, samentos na conjugalidade na família, do insistia no paradigma estético. No
disponível para consulta no link http:// na relação com os filhos, no modo de entanto, a questão das redes sociais
migre.me/s8jc. A edição 207, de 04-12- fazer política, na relação que estabe- e da internet em geral é um desafio
2006, tem como tema de capa Freud e a
religião, disponível para download em lecemos com as normas, ou em como à criação de novas formas de expres-
http://migre.me/s8jF. A edição 16 dos gastamos o nosso dinheiro. Por que são, ao mesmo tempo em que gerou
Cadernos IHU em formação tem como então agarrá-la somente com o diá-
título Quer entender a modernidade?
Freud explica, disponível para download logo psicanalítico, como se, ao não ��Parrésia: na retórica, parrésia é descrita
em http://migre.me/s8jU. (Nota da IHU fazer psicanálise, estivéssemos então como franqueza, confiança ou ousadia
On-Line) a salvo ou prevenidos contra todas as para falar em público. A palavra grega
9 José Manuel de los Reyes Gonzáles é frequentemente usada para descrever
de Prada y Ulloa (1844-1918): escritor e misérias que as jogadas do poder nos certos diálogos atribuídos a Jesus Cristo no
filósofo peruano. (Nota da IHU On-Line) impõem em todos esses espaços? Novo Testamento. (Nota da IHU On-Line)
IHU On-Line – Como percebe o mo tempo, esta corrente exercita seu do da etnografia, que sempre menos
exercício do poder psiquiátrico em paradigma tradicionalmente recluso pertence só à antropologia cultural e
nossa sociedade? no próprio lugar mais ou menos fecha- se difunde e aplica criativamente na
Massimo Canevacci – A psiquia- do, separado do contexto mais amplo pesquisa empírica. A minha sugestão
tria parece-me sempre mais dividida e, por isso, isola a doença e cura este é que, depois da inicial experimenta-
em diferentes e, às vezes, contrastan- específico problema. O caso é que mu- ção entre etnografia e psiquiatria, a
tes correntes. A tradicional psiquiatria dou profundamente a etiologia destes etnopsiquiatria, baseada muito nas
“medicalizada”, isto é, que usa como tipos de doenças. Mudou a família, o questões “étnicas”, agora precisa se
principal instrumento de cura o pro- gênero, o trabalho, o território e, ain- esforçar para ser aplicada no contex-
duto farmacológico, em parte mudou. da mais, a comunicação e o consumo. to atual que, como acenado, é sempre
As novas gerações de fármacos não Por isso as relações entre psiquiatria mais determinado pela comunicação e
são mais como aqueles de 20 ou 30 e outras ciências humanas são funda- pelo consumo. E por uma tendência a
anos atrás. E isso é um bem. Ao mes- mentais, especificamente com o méto- pluralizar a clássica “identidade”.
mento do sujeito em determinada da, por dizer assim, que se torna mais to de multivíduo como uma tentativa
norma – uma realidade inescapável. poderosa e incontrolável produzindo de manifestar a multiplicidade do di-
A partir disso, qual é o espaço para as uma heteronímia subjetiva. víduo, isto é, dos eus como plural de
pessoas exercerem sua autonomia? Nesse sentido, o conceito de au- eu (que não seria nós). Praticar as di-
Massimo Canevacci – Esta é a tonomia, isto é, que cada pessoa cria ferenças da minha identidade que não
pergunta das perguntas. O poder sim- e transforma o seu próprio destino, é quer ser sempre idêntica a si mesma,
bólico e coercitivo não acaba no limite o desafio no qual um contexto mais viver identidades pluralizadas na pró-
daquilo que era o hospital psiquiátri- amplo se inclui entre a fantasmagoria pria multividualidade, onde os eus
co. A violência de um poder historica- corpo-mental de cada pessoa. Uma transbordam sem (espero!) causar a
mente determinado é difundida não novela, uma música, um filme, um regressão à esquizofrenia. Eu acho
somente nas estruturas políticas, eco- telejornal, aquela pessoa que mora que Basaglia interpretou e praticou
nômicas ou religiosas. Muito frequen- na frente ou encontra casualmente Nietzsche. A razão (como Adorno3 e
temente é incorporado como valor na rua pode provocar pânico incon-
na visão de muitas pessoas, pessoas trolável. Ser autônomo significa, para 3 Theodor Wiesengrund Adorno (1903-
“normais” justa e problematicamen- mim, favorecer um nómos (como lei, 1969): sociólogo, filósofo, musicólogo e
compositor, definiu o perfil do pensamento
Tema de Capa
Horkheimer4 refletiram na Dialética do também o desafio desejante atual que
iluminismo) não se pode contrapor ao nunca se resolve. A beleza é o além do
mito, instinto, desejo etc. Aqui se abre
um discurso mais complexo.
culturas, o estupor.
“N
as sociedades pré-capitalistas, ap- esse modo de produção”. De acordo com Gra-
tidão ou inaptidão para o trabalho della, sob a égide do capitalismo não há outra
não era um critério importante na forma de lidar com os excluídos que ele mesmo
determinação do normal e anormal. Serão as se encarrega de produzir, a não ser internando-
transformações iniciadas com o advento do -os e isolando-os. Outra temática da entrevista
modo de produção capitalista” que irão defi- é o Movimento Nacional de Luta Antimanico-
nir os critérios daqueles que deveriam ser in- mial, que se constrói a partir de meados dos
ternados, explica o psicólogo Osvaldo Gradella anos 1970.
Júnior, na entrevista que concedeu por e-mail à Osvaldo Gradella Júnior é graduado em Psi-
IHU On-Line. “Nesse momento, saúde-doença cologia pela Universidade Federal Fluminense
passa a ser identificada como ordem-desor- – UFF, mestre em Psicologia pela Fundação
dem, e a loucura começa a ser vista como um Getúlio Vargas e doutor em Educação pela Uni-
problema social, resolvido pela Justiça”, com- versidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
plementa. Segundo ele, “as instituições, em Filho – Unesp com a tese Sofrimento psíquico
geral, reproduzem as formas de relações so- e trabalho intelectual do docente universitário.
ciais predominantes na sociedade e, em uma Professor na Unesp, tem uma vasta experiên-
sociedade que tem como base a exploração do cia e trabalhos na temática de saúde mental.
homem pelo homem, a violência é inerente a Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que sentido a po; foi explicada em alguns momentos o início da divisão social do trabalho e
doença mental é uma produção social pela religião e, em outros, pela magia; do trabalho assalariado; a intensa re-
e histórica? Seria a doença mental um considerada em alguns momentos pressão à mendicância, à vagabunda-
mito, como afirmou Thomas Szasz1? como possessão e, em outros, como gem, à ociosidade (voluntária ou não),
Osvaldo Gradella Júnior – Bem, benção. Até aquele momento, não à perturbação da paz, consideradas
dizer que a doença mental é um pro- havia grande mobilidade na organi- obstáculos para o crescimento econô-
duto social e histórico implica compre- zação social, bem como era pouco mico; a criação de instituições como
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ender o momento de seu surgimento, discriminativa para com as diferenças casas de correção e de trabalho, hos-
ou seja, quando a loucura é apropriada individuais. Os loucos se misturavam pitais gerais (sem função curativa); de
como objeto de estudo pela medicina. com os pobres, mendigos, doentes ve- leis e normas que buscavam limpar as
Vamos lá: a loucura é objeto de preo- néreos, vagabundos e criminosos que cidades de mendigos e antissociais em
cupação dos estudiosos há muito tem- perambulavam pelos campos e locais geral, prover trabalho para os desocu-
onde se realizavam as pequenas tro- pados, punir a ociosidade e reeducar
1 Thomas Stephen Szasz (1920): psiquiatra cas e, dessa maneira, iam sobreviven- para a moralidade. Nesse momento,
e acadêmico húngaro, residente nos do pela generosidade alheia. Nas so- saúde-doença passa a ser identificada
Estados Unidos. Desde 1990, é Professor
Emérito de psiquiatria do Health Science ciedades pré-capitalistas, aptidão ou como ordem-desordem, e a loucura
Center (“Centro de Ciência da Saúde”) inaptidão para o trabalho não era um começa a ser vista como um problema
da Universidade do Estado de Nova Iorque critério importante na determinação social resolvido pela Justiça.
(SUNY), em Syracuse. Confira, nesta edição,
a entrevista especial concedida por Szasz do normal e anormal. Serão as trans- Até o século XVIII ela era objeto
à IHU On-Line: A psiquiatria não pode ser formações iniciadas com o advento do de estudo da Filosofia, portanto rela-
reformada. Ela tem que ser abolida, assim como modo de produção capitalista, ou seja, cionada às questões da existência, às
a escravidão. O material pode ser conferido,
também, no site do IHU em http://bit.ly/ as mudanças do sistema de produção paixões e às emoções. Será o médico
JWv6P5. (Nota da IHU On-Line) servil para um sistema de manufatura, francês Pinel que trará para si a tutela
ços substitutivos. Pode não ser uma considerado normalidade. Essas con-
Do ponto de vista legal, foi apre- expressão adequada, mas os servi- dições, que são de ordem econômica
sentado em 1989 o Projeto de Lei n. ços retomam uma prática tecnicista e social, são consideradas como pro-
3657–B de autoria do deputado Paulo e perderam o que era fundamental blemas do individuo e medicalizadas,
Delgado, que seria aprovado em 2001 para sua existência: os usuários e surgindo uma gama enorme de novos
com alterações substantivas – a manu- familiares enquanto sujeitos do seu distúrbios com os seus respectivos
tenção dos hospitais psiquiátricos. Em próprio processo de atenção. As ins- medicamentos, inclusive para sermos
1992, a Portaria 224 do Ministério da tituições formadoras pouco ou nada felizes. Em um levantamento recente
Saúde normatiza os CAPS e NAPS, as mudaram de sua concepção positivis- em um bairro sem unidade de saúde,
emergências psiquiátricas e a hospi- ta, e ao profissional falta a história e verificamos o uso cotidiano de medi-
talização bem como padrões mínimos uma nova possibilidade prática. Por- camentos variados e psiquiátricos sem
para atendimento em hospitais psiqui- tanto, reproduzem o modelo da ciên- nenhum acompanhamento médico.
átricos. O Conselho Regional de Psico- cia natural e do organicismo. Ou seja, a solução medicamentosa
logia – 6ª Região publicou, em 1997, IHU On-Line – Antes da reforma para amenizar os conflitos próprios da
uma edição de sua revista intitulada psiquiátrica empreendida por Pinel e existência humana.
“Trancar não é tratar – Liberdade: o Tuke, os loucos tinham a mente livre
“A
sociedade capitalista e seu mode- na que a saúde mental é um exemplo de trans-
lo de trabalho criam as condições disciplinaridade, emergindo como um novo
para a doença mental”. A análise é campo “capaz de lidar com a fragmentação e
do psicólogo Fábio Alexandre Moraes, na en- o reducionismo psiquiátrico”. A seu ver, militar
trevista que concedeu por e-mail à IHU On- na luta antimanicomial é tornar inseparáveis o
-Line. Segundo ele, há vários nexos que unem pensamento da ação do mundo, algo que re-
doença mental e trabalho, sobretudo “se con- flete uma dimensão política. “Afinal, como nos
siderarmos como a loucura foi se constituindo ensina Peter Pal Pelbart, os manicômios, agora,
como doença mental após a Idade Média e os são mentais, e são esses os muros mais difíceis
primeiros movimentos do capitalismo moder- de serem transpostos para se criar outros terri-
no. O trabalho, da maneira como foi concebi- tórios, capazes de abrigar as diferenças. Assim,
do por essa configuração econômica, política, a luta antimanicomial é ético-política”.
mas também cultural e subjetiva, foi um divi- Fábio Alexandre Moraes é psicólogo gra-
sor de águas”, explica. E complementa: “É na duado pela Universidade do Rio dos Sinos –
separação de quem trabalha e não trabalha Unisinos e especialista em Saúde Mental pela
que vamos encontrar as primeiras institui- Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul e
ções de sequestro da vida: para os órfãos, os em Psicologia Clínica. Cursou mestrado em Psi-
velhos, os ociosos de todos os matizes e para cologia Social e Institucional na Universidade
os loucos que perambulavam pelo mundo pré- Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS com a
-capitalista”. Fábio conclui que a “sociedade dissertação Abrindo a porta da casa dos loucos
capitalista desenvolveu ‘seu modelo de traba- (ou: para ativar a potência dos fluxos). Foi co-
lho’ tanto quanto desenvolveu as formas de ordenador do curso de Psicologia da Unisinos
adoecimento e as possibilidades de reconhe- (2001-2009), e atualmente leciona na Unisinos
cimento através da psicopatologia”. Assim, as e atua na área de saúde mental na Prefeitura
formas de adoecimento “nasceram junto com Municipal de Novo Hamburgo.
as formas de trabalho capitalista”. Ele mencio- Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Quais são os nexos vamos encontrar as primeiras institui- dessa função que visaria à reabilitação
que unem doença mental e trabalho? ções de sequestro da vida: para os ór- para vida social. Quem trabalha é por
Fábio Alexandre Moraes – São fãos, os velhos, os ociosos de todos os si só bom e, agora, saudável.
muitos os nexos, se considerarmos matizes e para os loucos que peram- Mesmo hoje conservamos a ideia
como a loucura foi se constituindo bulavam pelo mundo pré-capitalista. de que o sujeito “melhorou” quando
como doença mental após a Idade Além disso, não podemos deixar ele consegue, depois de ser diagnos-
Média e os primeiros movimentos de considerar que o trabalho foi uti- ticado como “portador de uma do-
do capitalismo moderno. O trabalho, lizado, ao longo da história das insti- ença mental”, se inserir ou retornar
da maneira como foi concebido por tuições manicomiais, como dispositivo ao mundo do trabalho. O que pode
essa configuração econômica, política, terapêutico (laborterapia). Se antes nos indicar essa genealogia da do-
mas também cultural e subjetiva, foi tínhamos a purificação e o restabele- ença mental, produto dos valores da
um divisor de águas. É na separação cimento da saúde pela religiosidade, modernidade, tanto quanto mostra
de quem trabalha e não trabalha que agora o trabalho passa a ter um pouco o lugar que o trabalho ocupa na vida
tamos falando da mesma coisa? Acho formas de trabalho capitalista. Não é ao sujeito, agora “a-sujeitado”, uma
que não, e a leitura genealógica de uma condição natural prévia que sim- boa justificativa para não se colocar
Foucault certamente poderia nos aju- plesmente emergiu ou que é determi- como vencedor, competitivo ou, pelo
dar a fazer as distinções e compreen- nada pelo modelo de trabalho. menos, se deixando ficar à margem
do jogo. Não pode ser autor e não se
IHU On-Line – Quais são as prin- sente em condições sê-lo. Muitos vão
cipais patologias que surgem a partir se apegar a essa “forma de existência”,
1 Christophe Dejours: psicanalista e da relação dos trabalhadores com o considerando que há menos possibili-
psiquiatra, professor de psicologia no
Conservatoire national des arts et métiers. mundo do trabalho? dades para a proliferação de singulari-
Ele é autor de diversos livros, dos quais Fábio Alexandre Moraes – A mi- dades. Mesmo que haja um discurso
destacamos Souffrance en France: la nha perspectiva de análise é ampla, em contrário (na mídia, principalmen-
banalisation de l’injustice sociale (Paris:
Seuil, 1998); Travail, usure mental. Essay não é a da “psicologia do trabalho”. te), o mundo tem se tornado cada vez
de psycopathologie du travail (Paris: Defendo a ideia de que a “doença mais homogêneo, menos diverso.
Bayard, 2000). De Christophe Dejours mental” foi criada pela ciência que se
publicamos uma entrevista sobre esse
livro, na 15ª edição, de 29 de abril de 2002. objetivou como tal na configuração ca- IHU On-Line – Qual é a importân-
(Nota da IHU On-Line) pitalista, como, muito resumidamen- cia da transdisciplinaridade para uma
N
ão se trata de mera utopia. Ela pode pelos usuários. Junto de outras variáveis, essa
“ser alcançada quando nas cidades se seria uma forma importante de empowerment,
investe em saúde”. A ponderação é empoderamento, em português claro. “Tenho
da médica Rosana Onocko Campos na entre- gostado muito dessa forma de pesquisa que
vista que concedeu, via e-mail, à IHU On-Line, nos permite dar voz aos usuários, trazer à tona
tecendo considerações sobre a reforma psi- como eles enxergam os serviços e as relações
quiátrica no Brasil. De acordo com a pesqui- que ali conseguem cultivar”, menciona.
sadora, essa reforma “é de um grande valor Rosana Onocko Campos é graduada em
técnico-político, sobretudo em épocas em que Ciências Médicas pela Universidade Nacional
a psiquiatria clássica, entregue a interesses co- de Rosário, na Argentina. É mestre e doutora
merciais, pretende apresentar-nos (a todos os em saúde coletiva pela Universidade Estadual
reformistas) como burros, mal informados ou, de Campinas – Unicamp com a tese O planeja-
na melhor das hipóteses, como ingênuos ig- mento no labirinto (São Paulo: Hucitec, 2003).
norantes bem-intencionados”. Rosana explica, É uma das organizadoras da obra Desafios da
também, o projeto Saúde mental e cidadania, avaliação de programas e serviços em saúde
financiado pelo International Development Re- (Campinas: Editora da Unicamp, 2011). Lecio-
search Center – IDRC, do Canadá, e do qual ela na no Departamento de Medicina Preventiva e
é coordenadora. Suas estratégicas e temáticas Social da Unicamp.
de investigações buscam revelar um conheci- Confira a entrevista.
mento diferente do acadêmico, reapropriado
IHU On-Line – Em que consiste UFF, UFRGS, UFRJ, UECe) e do Canadá tífico entre pesquisadores e usuários,
o projeto Saúde Mental e Cidadania (Universidade de Montreal) com mo- experiência bastante inédita no Brasil
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(Santé Mentale Citoyennété)? Como vimentos de usuários de serviços des- e que está nos dando um trabalho ra-
essa iniciativa pode “empoderar” os sa área, pessoas que tiveram ao lon- zoável. É difícil conciliar a linguagem
usuários da saúde mental? go de sua vida diagnóstico de alguma científica com a linguagem da vida
Rosana Onocko Campos – Trata- doença mental e que se organizaram cotidiana, mas estamos intentando
-se um projeto de pesquisa e ação para fazer valer seus direitos e com- aproximá-las.
que é atualmente financiado pelo bater o estigma sempre associado às Essas estratégias e a temática
International Development Research doenças mentais. Eles têm participa- das investigações (avaliação de ser-
Center – IDRC, do Canadá, e que bus- do tanto da definição de temáticas viços, uso de medicação, experiência
ca aproximar a comunidade da aca- de investigação (focando, então, no do adoecimento, etc.) buscam dese-
demia. Recebemos 1 milhão de dóla- que seriam para eles as prioridades quilibrar um pouco o polo do poder,
res canadenses em cinco anos e isso de pesquisa) como também de inves- desta vez visando que ele seja reapro-
está nos permitindo financiar uma tigações de caráter participativo que priado pelos usuários. O reconheci-
rede de pesquisa em saúde mental, desenvolvemos, inclusive da fase de mento de que eles portam um saber,
que junta várias universidades pú- análise e divulgação. Estamos traba- sim, diferente do acadêmico, porém
blicas brasileiras (Unicamp, Unifesp, lhando na escrita de um artigo cien- não menos valioso; a conscientização
P
essoas como sujeitos de direitos e de- E complementa dizendo que a liberdade tem
sejos, que necessitam de autonomia e caráter terapêutico, enquanto a loucura é algo
autoria. Assim são os usuários de saúde próprio do humano e não pode ser “deposita-
mental, define a diretora do Departamento de da” em alguns seres, isolados em instituições.
Ações em Saúde – DAS da Secretaria Estadual “Os serviços devem se adaptar às necessidades
de Saúde do Rio Grande do Sul, Sandra Fagun- dos usuários, e não o contrário. O cuidado é
des, na entrevista que concedeu por e-mail à produzido no encontro, na implicação, na afec-
IHU On-Line. Contudo, seus direitos são, mui- ção entre pessoas”.
tas vezes, desrespeitados, e outros ainda nem Sandra Fagundes é graduada em Psicologia
foram conquistados. O estigma da loucura, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
por exemplo, ainda não foi completamente Grande do Sul – PUCRS e mestre em educa-
superado, aponta. A psicanalista afirma que a ção pela Universidade Federal do Rio Grande
prática da psiquiatria sem o lugar e o estigma do Sul – UFRGS com a dissertação Águas da
do hospício se dá nos territórios: “ruas, casas, pedagogia da implicação: intercessões da edu-
instituições de saúde, de educação, de cultura. cação para políticas públicas de saúde. Dirige
Há continuamente produção de práticas mani- o Departamento de Ações em Saúde – DAS e
comiais – excludentes – na sociedade, nos di- tem uma longa história de militância na luta
versos territórios, fora dos hospícios, que pre- antimanicomial e reforma psiquiátrica no Rio
cisam ser reconhecidas, analisadas, superadas Grande do Sul. É uma das organizadoras da
e substituídas. Este é um exercício cotidiano”. obra Acolhimento em Porto Alegre: um SUS de
Ela ressalta a importância da aprovação da lei todos para todos (Porto Alegre: Prefeitura de
da reforma psiquiátrica, que mudou o estatuto Porto Alegre, 2004).
do “louco” para cidadão de direitos e desejos. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais você consi- psiquiátricos possíveis de ofertar por de Saúde Mental e entidades e gesto-
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dera as principais conquistas oriun- hospital geral. A lei é o eixo do arca- res aliados da reforma psiquiátrica.
das da lei da reforma psiquiátrica em bouço jurídico-político da política de
nosso país? atenção integral à saúde mental no es- IHU On-Line – O que a política
Sandra Fagundes – A lei em si e tado. Integra praticamente todos pla- pública da reforma psiquiátrica pre-
sua aprovação já foram conquistas e nos, justificativas de portarias e reso- vê para as pessoas que necessitam
evidenciaram que a sociedade gaúcha luções do âmbito da saúde mental no de cuidado em função de sua saúde
estava disposta a mudar o estatuto Rio Grande do Sul. A lei é viva, produz mental?
do “louco”: de excluído a cidadão de mobilização: na última década houve Sandra Fagundes – Prevê uma
direitos e desejos. A lei teve uma fun- tentativas de revogar ou modificar a rede de ações e serviços diversifica-
ção de “dique”: sua vigência impediu lei reintroduzindo o hospital psiquiá- dos nos territórios e cidades onde as
que novos hospitais psiquiátricos fos- trico entre os serviços de saúde men- pessoas vivem, incluindo: Unidades
sem abertos e que os antigos fossem tal. Todas as tentativas fracassaram Básicas de Saúde – UBS, equipes de
ampliados. Ou seja, estancou de fato pela mobilização da sociedade, em saúde da família, Centros de Atenção
o crescimento de leitos em hospitais especial usuários, trabalhadores e fa- Psicossocial – CAPS (criança, adoles-
psiquiátricos. A lei tem uma função miliares integrantes do movimento da cente, adultos e dependentes de uso
reguladora: regrou o limite de leitos luta antimanicomial – Fórum Gaúcho de drogas), serviços residenciais tera-
A
pós ter sido internado numa noite de Corte Interamericana de Direitos Humanos e
sexta-feira, no ano de 1999, na Casa de este mesmo tribunal internacional condenou
Repouso Guararapes, hoje desativada, o Brasil por violação de direitos humanos em
o brasileiro de nome Damião Ximenes faleceu 2006”.
na segunda-feira subsequente. O laudo médico As afirmações podem ser conferidas na en-
apontava como causa mortis uma parada car- trevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
diorrespiratória, mas os hematomas e sangue Martinho Braga Batista e Silva é graduado
espalhados pelo corpo desmentiam o que a em Psicologia pela Universidade de Brasília
oficialidade afirmava. A irmã de Damião não se – UnB e especialista em Saúde Mental pela
conformou e redigiu uma “carta-denúncia para Fundação Oswaldo Cruz. É mestre em Saúde
a Comissão Interamericana de Direitos Huma- Coletiva pela Universidade Estadual do Rio
nos – entre muitos outros órgãos, nacionais de Janeiro – UERJ e doutor em Antropologia
e internacionais, de saúde, justiça e direitos Social pela Universidade Federal do Rio de Ja-
humanos, dos poderes Executivo, Legislativo neiro – UFRJ com a tese Entre o “desmame” e
e Judiciário – ainda em 1999, denúncia esta os “galinha d’água”: a vida fora dos hospícios
que foi acolhida por este órgão do Sistema In- no contexto da primeira condenação do Brasil
teramericano de Direitos Humanos”, comenta por violação de direitos humanos. Docente na
o psicólogo Martinho Braga Batista e Silva. “A UERJ, organizou a obra Legislação em saúde no
ausência de resposta alimentou a suspeita de sistema penitenciário (Brasília: Ministério da
que o país tinha responsabilidade por violação Saúde, 2010).
de direitos humanos na morte de Damião Xi- Confira a entrevista.
menes. Em 2005, aconteceu o julgamento na
IHU On-Line – Poderia recuperar uma sexta-feira e a manhã de uma respiratória. Outro laudo médico, re-
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o contexto da primeira condenação segunda-feira, momento no qual veio alizado em outra cidade e por outros
do Brasil por violação de direitos hu- a falecer. Neste fim de semana não se médicos, apontou morte por causa
manos em relação à internação psi- sabe ao certo o que aconteceu, mas indeterminada.
quiátrica? Qual é a situação atual? O quando sua mãe o visitou na segunda- Então a internação psiquiátrica
que aconteceu no bojo dessa conde- -feira viu Damião ensanguentado e na Casa foi o ponto de partida do Caso,
nação ao nosso país? com hematomas no corpo, ouvindo de a relação de conflito entre a equipe
Martinho Braga Batista e Sil- uma funcionária do setor de limpeza de um estabelecimento médico e um
va – A primeira condenação do Brasil do então hospital psiquiátrico privado paciente desencadeando outras re-
por violação de direitos humanos, co- conveniado ao Sistema Único de Saú- lações de conflito, entre família e Es-
nhecida como Caso Damião Ximenes, de – SUS que ele tinha sido espancado tado, entre tribunais internacionais e
aconteceu justamente por conta de por outros funcionários, conhecidos estados nacionais, bem como entre
uma internação psiquiátrica. Damião como “monitores de pátio”, de modo sanitaristas e juristas. Isso é um dos
Ximenes Lopes ficou internado na que, quando recebeu a notícia de conteúdos da tese de doutorado por
extinta Casa de Repouso Guararapes, sua morte pouco depois desta visita, mim defendida em fevereiro de 2011
do município de Sobral, no Ceará, em estranhou em muito o laudo médico no Programa de Pós-Graduação em
outubro de 1999, entre a noite de apontando morte por parada cardior- Antropologia Social do Museu Nacio-
Tema de Capa
humildade
Em condições históricas que podem tornar tudo um “manicômio”, é preciso repensar
o poder do psiquiatra e da psiquiatria sobre a equipe e o cliente, pondera José
Jackson Sampaio Coelho. Atualmente saúde e doença são constitutivos de um
processo histórico-social, observa
“A
psiquiatria é uma especialidade mé- psiquiátrica, ponderando que ela é uma “di-
dica (clínica e epidemiologia), uma mensão do movimento antimanicomial, ope-
consultoria para as demais especia- rativo de uma linha de intervenção”. E resgata
lidades médicas (interconsulta) e uma medici- as origens da psiquiatria: “o psiquiatra nasce
na especial (psiquiatria social, na fronteira do como alienista, depois do grande asilamento
direito e da religião), dada a transcendência de da loucura, realizada por meio das grandes
seu objeto (a mente, diferente do cérebro, ob- instituições de segregação. A imprecisão con-
jeto do neurologista; do psiquismo, objeto do ceitual de loucura, hoje categoria do senso
psicólogo; e do inconsciente, objeto do psica- comum, foi entendida como obstáculo à codi-
nalista). Qual, portanto, a contribuição positi- ficação científica da disciplina, daí a criação do
va da psiquiatria à dimensão saúde mental do neologismo alienista/alienismo”.
campo da saúde coletiva? Essa é a grande per- José Jackson Coelho Sampaio é médico psi-
gunta que nos desafia à humildade”. A reflexão quiatra graduado pela ABP/AMB, mestre em
é do médico psiquiatra José Jackson Coelho Medicina Social pela Universidade Estadual do
Sampaio, em entrevista concedida por e-mail Rio de Janeiro – UERJ e doutor em Medicina
à IHU On-Line. E adverte: “O poder individual Preventiva pela Universidade de São Paulo –
do psiquiatra e da psiquiatria, sobre a equipe USP. É professor titular em Saúde Pública, líder
e o cliente, pode tornar-se poder da equipe do Grupo de Pesquisa Vida e Trabalho, docen-
e do campo da saúde mental sobre o cliente. te efetivo do Programa de Pós-Graduação em
Como já dissemos (...), nas nossas condições Saúde Coletiva da Universidade Estadual do
históricas, tudo pode tornar-se manicômio”. O Ceará – UECE.
médico aborda também a questão da reforma Confira a entrevista.
IHU On-Line – De que forma foi natureza asilar, e não na natureza dos ciamento já inverteu o perfil e a so-
implementada no Brasil e quais são atores, passível de confusão com ação ciedade brasileira incorporou o novo
as maiores conquistas da reforma trabalhista ou corporativa. paradigma, embora não de modo ex- www.ihu.unisinos.br
psiquiátrica? O resultado da luta do MBRP, na tenso e homogêneo, mas conquistou
José Jackson Coelho Sampaio – década de 1990, foi a aprovação da parcela significativa da mídia. Além
O Movimento Brasileiro de Reforma lei federal e de várias leis estaduais, disso, a reforma psiquiátrica pública
Psiquiátrica – MBRP, constituído na como a do Ceará, por exemplo, que associou-se à reforma sanitária, inte-
década de 1990 e em torno da luta precede a federal em nove anos. O re- grando o campo da saúde mental na
pela aprovação do Projeto de Lei Paulo sultado da aplicação da lei, na primei- atenção primária, por meio dos Núcle-
Delgado, envolve quase o mesmo con- ra década do século XXI, é de eviden- os de Apoio à Saúde da Família – NASF
junto de atores de processo anterior, te e substantiva mudança no marco e do matriciamento a partir dos Cen-
surgido a partir da visita de Franco Ba- normativo e nas ações de atenção ao tros de Atenção Psicossocial – CAPS.
saglia ao Brasil, em 1979, e que era de- portador de transtorno mental no Bra-
nominado de Movimento dos Traba- sil. Os leitos psiquiátricos em hospitais Superação de paradigma
lhadores de Saúde Mental. Penso que especializados perderam 2/3 de seu
a mudança de denominação deveu-se número. A rede de Centros de Atenção Correspondendo aos conceitos
à convicção de que deveríamos focar Psicossocial rapidamente ultrapassou de loucura e de alienação, aquilo que,
no objetivo político do fim do mode- o número de mil unidades (no Ceará já groso modo, podemos chamar de as-
lo assistencial hospitalocêntrico, de ultrapassou as cem unidades), o finan- sistência psiquiátrica, estabelece uma
Movimento da Luta Antimanicomial do cuidado, a acessibilidade de todos mento em saúde mental”, “sistema de
– MLAM, voltado para uma crítica da ao jogo dialético dos direitos e de- saúde mental”), um conjunto de disci-
própria organização histórica brasilei- veres, a produção de subjetividades plinas e teorias (“a psicologia integra
ra, encontrando no estado burocráti- criativas e autônomas e o desenvol- os conhecimentos da saúde mental”)
co-autoritário e na herança colonial- vimento do protagonismo dos indiví- e um estado do ser compreendido
-escravista respaldo para uma miríade duos fundamentam a sociedade de- por certa qualidade comportamental
de expressões manicomiais (escola, mocrática, sem confundir democracia (“isto faz bem à saúde mental”).
família, empresa, etc.) da nossa vida com uma natureza possível (“liberal
societária. O MLAM tem apresentado burguesa”), uma forma possível (“de- IHU On-Line – Qual é a atuali-
objetivos amplos e resultados práticos mocracia representativa”), uma tática dade e a pertinência da concepção
muito pequenos, refugiando-se, gros- possível de gestão pública (“escolha do poder psiquiátrico, formulada por
so modo, entre psicólogos e assisten- dos governantes”), ou com a sim- Foucault para compreendermos e
tes sociais, e criticando os limites e a ples expansão da oferta de emprego/ repensarmos a psiquiatria e a saúde
identificação do MBRP com as políti- renda/trabalho. mental em nosso tempo?
cas de Estado. José Jackson Coelho Sampaio – A
equipe multiprofissional, interdiscipli-
Tema de Capa
Estado contra os “indivíduos
desviantes”
Os “novos desviantes sociais” poderão ocupar o lugar discursivo antes reservado
aos loucos, adverte Bernardo Salles Malamut. “Limpezas urbanas” como aquelas
promovidas no Rio de Janeiro e São Paulo, contra os usuários de crack, são exemplo
dessa lógica manicomial
O
hospital psiquiátrico voltou a ser o “o MUT, Bernardo Salles; MODENA, Celina Maria;
destino de todas as mazelas sociais PASSOS, Izabel C. Friche. A rede de atenção à
que ‘não poderiam’ frequentar a rua e saúde mental na visão de médicos psiquiatras:
a vida na cidade. Todos aqueles indivíduos que A Stultifera Navis contemporânea. In: Cader-
não se encontram incluídos no sistema de pro- nos Brasileiros de Saúde Mental: Cinquenta
dução do capital parecem destinados a serem anos de História da Loucura. v. 3, n. 6, 2011).
internados. O movimento que vemos no Rio Segundo esses profissionais, o hospital psiqui-
de Janeiro e em São Paulo a respeito da inter- átrico fica no lugar de “sustentação do discurso
nação compulsória dos usuários de crack é um da reforma”, porém ainda é imprescindível. “O
exemplo importante dessa lógica manicomial. hospital psiquiátrico ainda é complementar à
Uma verdadeira ‘limpeza urbana’ tem sido fei- rede dos serviços substitutivos, segundo os en-
ta, não mais ‘em nome da razão’, mas agora trevistados”, acentua Bernardo.
‘em nome da saúde’. Os entrevistados já em Bernardo Salles Malamut é graduado em
2010 mostravam isso: a psiquiatria a serviço do Psicologia pela Pontifícia Universidade Ca-
Estado e de sua intolerância com os indivíduos tólica de Minas Gerais – PUC Minas, e espe-
desviantes”. A afirmação é do psicólogo Ber- cialista em Psicanálise: teoria e prática pela
nardo Salles Malamut, em entrevista concedi- Universidade Fumec. É mestre em Ciências
da com exclusividade por e-mail à IHU On-Line. da Saúde pela Fiocruz com a dissertação O
Essas conclusões foram obtidas através da pes- poder e o dispositivo: hospital psiquiátrico na
quisa acadêmica realizada por Malamut em contemporaneidade.
2010 com nove médicos psiquiatras (cf. MALA- Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Qual é a visão dos nais. A pesquisa (MALAMUT, Modena modelo anterior, que tinha no discur-
médicos psiquiatras sobre a rede de & Passos, 2011a; MALAMUT, Modena so médico-psiquiátrico sua única bali-
atenção à saúde mental? & Passos, 2011b) visava compreender za. Porém, é a partir de 2004 – com a
Bernardo Malamut – Sobre a a articulação entre um determinado aprovação do Programa Anual de Re-
visão dos médicos psiquiatras como contexto sócio-histórico e sua impli- estruturação da Assistência Hospitalar
uma classe de indivíduos, eu não te- cação em uma produção discursiva, e no SUS – que a legislação institui me-
ria condições de responder, já que por isso a opção pela pesquisa qualita- canismos claros para a progressiva ex-
minha pesquisa a respeito do tema tiva. Então posso esclarecer somente tinção dos manicômios, não havendo
foi restrita a nove médicos psiquiatras os resultados dessa pesquisa específi- entretanto na lei da reforma nenhuma
que trabalhavam em um hospital psi- ca. Importante lembrar que a reforma garantia da construção de uma rede
quiátrico público. Não se tratava de psiquiátrica visa uma assistência na assistencial, já que a rede é maior que
uma pesquisa que buscava obter uma rede, envolvendo os diversos apara- o conjunto dos serviços que a consti-
generalização através de uma amos- tos disponíveis, e em rede, abarcando tui. Assim, a rede que se constitui na
tra numérica, mas sim que buscava os vários atores que compõem a vida visão dos entrevistados está muito
obter um aprofundamento analítico do usuário na cidade, rompendo com aquém do necessário, e não consegui-
a partir do discurso desses profissio- a lógica segregadora e exclusivista do ria substituir o hospital psiquiátrico.
sa vir a público. Uma enorme mudan- o tempo todo tema dos entrevistados. grega. Entre suas obras, citamos: Eichmann
ça, entretanto, é sentida por todos os Sabemos que os usuários do sistema em Jerusalém - Uma reportagem sobre
a banalidade do mal (Lisboa: Tenacitas.
entrevistados – o hospital tornou-se de atenção à saúde mental sempre ti- 2004) e O Sistema Totalitário (Lisboa:
visível e com isso muito mais vigiado. veram uma “relação” próxima com o Publicações Dom Quixote.1978). Sobre
Isso é de enorme importância para a tema: ou acusados de promotores de Arendt, confira as edições 168 da IHU On-
Line, de 12-12- 2005, sob o título Hannah
reforma psiquiátrica, porque aponta atos violentos ou então sendo alvo de Arendt, Simone Weil e Edith Stein. Três
que o controle social é uma ferramen- terapêuticas bárbaras; e é importante mulheres que marcaram o século XX,
ta e instrumento de lutas políticas im- dizer como o combate à violência é disponível para download em http://bit.
ly/qMjoc9 e a edição 206, de 27-11-2006,
portantes. Os atos terríveis, que antes uma das principais bandeiras da refor- intitulada O mundo moderno é o mundo
eram cometidos “em nome da razão”, ma psiquiátrica. Em minha pesquisa sem política. Hannah Arendt 1906-1975,
hoje são moderados pelo olhar social. utilizei dos conceitos de violência em disponível para download em http://bit.
ly/rt6KMg. Nas Notícias Diárias de 01-
Porém, é importante lembrar que Arendt1 e poder em Foucault. Os en- 12-2006 você confere a entrevista Um
os entrevistados enfatizam um novo pensamento e uma presença provocativos,
‘perigo’: o hospital psiquiátrico tem concedida com exclusividade por Michelle-
1 Hannah Arendt (1906-1975): filósofa e Irène Brudny em 01-12-2006, disponível
voltado a ser o destino de todas as socióloga alemã, de origem judaica. Foi para download em http://bit.ly/o0pntA.
mazelas sociais que “não poderiam” influenciada por Husserl, Heidegger e Karl (Nota da IHU On-Line)
Tema de Capa
não poderiam ser atos exclusivamen- constituiu um marco na reforma psi-
te violentos, pois, se assim fossem, quiátrica. Em Belo Horizonte – local
eles em nada se distinguiriam de um
sequestro ou da prisão do corpo do
que sigamos em que moro – isso é claro na história
da reforma psiquiátrica. A psicanálise
outro. Desse modo, o jogo de poder
entra em cena. O poder não precisa
reinventando dá novamente voz ao louco, fazendo
da psicose um paradigma da liberda-
ser justificável, porque é próprio da
existência de comunidades; o que o
espaços coletivos de. Todavia, penso que é preciso valer-
-se da psicanálise para ir além dela.
poder precisa é de legitimidade. Essa
legitimidade, no discurso dos entre-
para o exercício Foucault, que nunca foi um amante da
psicanálise, nos lembra de que talvez
vistados, é encontrada quando os
psiquiatras ainda cedem a demandas político” o grande objetivo de nossas vidas não
seja “saber quem somos” mas recusar
de internação por parte de familiares “o que somos”, no sentido de não nos
de pacientes, ou mesmo no “amor- restringirmos às formas de sociabili-
tecimento social” requerido pelo com equipes interdisciplinares – o que dade e identidade que se conformem
Estado. Porém, faríamos uma leitura é um ganho incomensurável. O sujeito com a reprodução de lógicas totalitá-
reducionista e equivocada se colocás- humano é muito maior do que qual- rias, inclusive aquelas de inserção so-
semos a culpa no Estado ou na famí- quer saber sobre ele. No entanto, não cial. É preciso que sigamos reinventan-
lia. Os pacientes continuam buscando podemos parar! Não podemos nos do espaços coletivos para o exercício
ativamente o hospital. Como enten- dar por contentes somente pelo fato político, valendo-se da amizade e da
der isso? Bom, é mérito de Foucault de que, hoje, não mais amarrarmos os liberdade. É esse o novo grande desa-
ter nos ensinado que o poder não só loucos, ou usamos seus corpos para fio da reforma psiquiátrica, em minha
reprime, promove coerção, mas tam- “abastecer” aulas de anatomia em fa- opinião.
bém o poder produz. O poder produz culdades de Medicina. A reforma trou-
coisas, induz ao prazer, promove dis- xe conquistas, e, se na pesquisa a que Referências
cursos. Os usuários ganham também me referi acima, traço críticas ao que
uma identidade: usuário do sistema parece uma certa estagnação da re- MALAMUT, Bernardo Salles; MODENA, Celi-
de saúde mental. É preciso um olhar forma, faço no sentido de alertar para na Maria; PASSOS, Izabel C. Friche. Violência
atento a esse ponto da reforma: que a importância do que foi conquistado e poder no discurso psiquiátrico: da exclusão
identidades sociais estamos ofertando até agora, e principalmente para que sistemática às subjetivações normativas. Psi-
àqueles que demandam atenção? não deixemos que “novos desviantes col. Soc., Florianópolis, v. 23, n. spe, 2011.
IHU On-Line – A partir da expe- sociais” venham a ocupar o lugar dis- Disponível em: http://bit.ly/IBTIve. Acesso
riência da luta antimanicomial no cursivo que, antes, era reservado aos em: 29-04-2012.
Brasil, o que muda no tratamento à loucos. ______; MODENA, Celina Maria; PASSOS,
saúde mental? IHU On-Line – Como percebe a Izabel C. Friche. A rede de atenção à saúde
Bernardo Malamut – Muda importância da psicanálise para o cui- mental na visão de médicos psiquiatras: A
tudo! Os usuários hoje são vistos, dado da saúde mental? Stultifera Navis contemporânea. Cadernos
têm voz, organizam-se, manifestam- Bernardo Malamut – Sou ten- Brasileiros de Saúde Mental: Cinquenta anos
-se pela cidade, circulam por espaços dencioso a falar, já que minha forma- de História da Loucura. v. 3, n. 6 (2011): Ja-
que antes eram restritos. Muda o ção foi toda dentro da psicanálise. No neiro/Abril de 2011. Disponível em: http://
tratamento também. Hoje contamos entanto, percebo que a psicanálise bit.ly/Jrbkv7. Acesso em: 29-04-2012.
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Participe da palestra “Jornalismo de denúncia e ci-
dadania”, com o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio
Pinto, do Jornal Pessoal, de Belém do Pará.
Data: 22-05-2012
Horário: Das 19h30min às 22h
Local: Auditório Central - Unisinos
Destaques
da Semana
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IHU em
Revista
40 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Artigo da Semana
Destaques da Semana
Tempos e ritmos de ver:
cegueira e visibilidade no
mundo contemporâneo
Por Adriana Melo e Maria Teresa F. Ribeiro
P
ublicamos a seguir um ensaio de autoria perança e olhares mais atentos e cuidadosos
de Adriana Melo e Maria Teresa Franco para a vida em todos os seus sentidos e para a
Ribeiro. No texto, elas questionam: “um singularidade de todo ser humano”.
novo homem, um homem do 3º milênio, coo- Adriana Melo é poeta, contista, gradua-
perativo, feliz consigo mesmo, poderia se cons- da em Letras, com mestrado e doutorado em
truir a partir de cursos livres em novos ambien- Geografia, todos pela Universidade Federal
tes de redes sociais, nas empresas, em espaços de Minas Gerais. Desenvolve estudos sobre o
como o Facebook? Embora o papel das redes sertão no contato com as representações da li-
sociais em movimentos como a Primavera Ára- teratura, abordando as escritas das paisagens,
be tenha sido determinante (...), o caminho dos lugares, dos territórios.
entre o desejo de desconstruir as bases dos re- Maria Teresa Franco Ribeiro é doutora em
gimes ditatoriais nas telas iluminadas do SMS e Economia pela UFRJ, com pós-doutorado no
a construção de uma verdadeira liberdade de- IHEAL, Paris III, sobre a temática do desenvol-
mocrática é bem mais longo. Exige uma nova vimento e territorialidade na economia e na
sociedade que não pode prescindir do sujeito geografia. É professora e pesquisadora da Uni-
como ser de linguagem, aquele que dialoga versidade Federal da Bahia – UFBA. Pesquisa e
com o mundo a partir das suas capacidades ensina na área do desenvolvimento e processo
internas, da sua sensibilidade, afetividade e de internacionalização do capital, economia da
amorosidade. Dessa nova sociedade, emergi- inovação e política industrial e tecnológica.
ria um novo humanismo capaz de aportar es- Confira o artigo.
Levei muito tempo para compre- A simples menção à palavra ce- râneo, o ritmo vertiginoso com que
ender minha condição, minha perten- gueira remete-nos necessariamente elas se apresentam à física dos olhos www.ihu.unisinos.br
ça a esse grupo que chamam “os ce- à questão do ponto de vista e, por- não é compatível com os tempos e os
gos”. O que os caracteriza é que eles tanto, à questão do sujeito, do seu ritmos imprescindíveis à visão. Visão
ousam olhar diretamente nos olhos olhar e da sua subjetividade. De que compreendida como a habilidade do
do sol, confirmando assim a frase de ponto de vista vemos ou não vemos? sujeito de produzir imagens interiores
Plotino: “Se o olho humano não tives- Nesse sentido, cegueira e visão não capazes de estabelecer permanentes
se algo de solar, ele não poderia per- se contrapõem, uma vez que não há diálogos entre o seu mundo, o seu
ceber o sol”. Os cegos sempre viram como dissociar o olhar da imaginação contexto, e os diversos mundos que
o céu no absoluto, já que seu terceiro e do sujeito. A física dos olhos não é constroem a ideia de mundo. Nesse
olho é capaz de acolher toda a luz do imprescindível à visão, à fabricação processo, o sujeito se situa, busca o
astro, sem sofrer danos na retina ou de imagens, como tão bem nos mos- seu lugar, o seu ser, procura continu-
na córnea. A pupila dos cegos é seu tra o fotógrafo, cineasta e ensaísta amente se autoconhecer, de modo a
corpo inteiro, e eles podem impune- Evgen Bavcar.1 Em sentido oposto, o se transformar e, assim, fazer movi-
mente voltar-se para o sol como se excesso de imagens a que estamos mentos de transformação do mundo.
tivessem aprendido o reflexo condi- submetidos no mundo contempo- Nesse sentido, a visão se aproxima da
cionado dos girassóis. (Evgen Bavcar, visibilidade e se distancia da cegueira.
Memória do Brasil) 1 Cf. BAVCAR, 2003. (Nota das autoras)
literários brasileiros. É professor emérito professora de Lingüística na Universidade tempo para se viver grandes amores,
da USP e UNESP, e doutor honoris causa de Paris e autora de mais de trinta livros que “as rugas e marcas em nosso ros-
da Unicamp. Foi crítico da revista Clima consagrados. Aluna de Roland Barthes, é
(1941-4) e dos jornais Folha da Manhã uma das mais respeitadas intelectuais da to são assinaturas das grandes paixões
(1943-5) e Diário de São Paulo (1945-7). Na atualidade. Seus pensamentos envolvem que nos estavam destinadas. Mas nós,
vida política, participou de 1943 a 1945 na teoria literária, semiologia, filosofia e os senhores, não estávamos em casa”.
luta contra a ditadura do Estado Novo no psicologia. Escreveu também quatro
grupo clandestino Frente de Resistência. romances. Entre suas obras estão: As Novas Esse absenteísmo atesta um não enga-
Escreveu o clássico Parceiros do Rio Bonito Doenças da Alma, Rio de Janeiro: Rocco; jamento, o não empenho “na criação
(1964). Sobre ele, conferir as entrevistas Estrangeiros para nós mesmos. Rio de de valores espirituais”. Sem laços es-
“A literatura é um direito do cidadão, um Janeiro: Rocco; O Velho e os Lobos. Rio de
usufruto peculiar”, concedida por Flávio Janeiro: Rocco. O jornal francês Le Monde, táveis, produz-se um déficit simbólico
Aguiar à IHU On-Line nº 278, de 20-10- publicou um artigo de Roger-Pol Droit sobre no indivíduo e na sociedade, uma vez
2008, intitulada A financeirização do mundo Kristeva, em 18 de novembro de 2005, que valores dependem de um espaço
e sua crise. Uma leitura a partir de Marx, que a IHU On-Line na edição 166, de 28 de
e “Antonio Candido e a crítica cultural novembro de 2005, publicou sob o título Eu comum de experiências compartilha-
contemporânea”, concedida por Célia vivo com esse desejo de sair de mim. (Nota das, tal como Benjamin as indica em
Pedrosa à IHU On-Line nº 283, de 24-11- da IHU On-Line) seu ensaio O narrador. Déficit simbó-
2008, intitulada As Ciências Sociais, hoje. 7 Cf. KRISTEVA, Dix Principes pour
Os 50 anos do curso de Ciências Sociais da L’humanisme du XXI Siècle, 2012. (Nota das lico corresponde à espacialização do
Unisinos. (Nota da IHU On-Line) autoras) tempo e sua mensuração abstrata, à
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Participe da palestra“Da mônada ao social:
a intersubjetividade segundo Levinas”
Palestrante: Prof. Dr. Marcelo Fabri – Universidade Federal
de Santa Maria - UFSM
Data: 10-05-2012
Horário: 19h30min às 22h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
EDIÇÃO 391 | SÃO LEOPOLDO, 7 DE MAIO DE 2012 43
Destaques da Semana
Clube da luta: um olhar
de gênero
Para Fernanda Azeredo de Moraes, o filme de David Fincher propõe uma
crítica abrangente à sociedade de capitalista contemporânea, problematizando
principalmente as lógicas de consumo e trabalho
O
texto a seguir foi apresentado no Ciclo tuto Humanitas Unisinos – IHU e do Sindicato
de Debates Gênero e Cinema, organi- dos Engenheiros do Paraná. Entre os filmes
zado pelo Centro de Pesquisa e Apoio exibidos estavam o longa-metragem “Clube da
aos Trabalhadores – Cepat, de Curitiba, em luta”, dirigido por David Fincher e tema do pre-
2011. Para saber mais sobre o Cepat acesse sente artigo.
www.ihu.unisinos.br/cepat. A autora, Fernan-
da Azeredo de Moraes, é bacharel em Ciências Clube da Luta - Ficha técnica
Sociais pela Universidade Federal do Paraná
e mestre em Antropologia Social pela Univer- • Nome original: Fight Club, 1999
sidade Federal de Santa Catarina. Tem experi- • Direção: David Fincher
ência nas áreas de Sociologia e Antropologia • Roteiro: Chuck Palahniuk (romance), Jim
com ênfase em Estudos de Gênero e Teoria Uhls (roteiro)
Feminista. • Gênero: Ação/Drama
O ciclo de filmes Gênero e Cinema buscou • Origem: Alemanha/Estados Unidos
contribuir para o fim das opressões, discrimi- • Duração: 139 minutos
nação e preconceito relacionados às diferenças • Tipo: Longa-metragem
de gênero bem como propor a desconstrução
dos estereótipos e apresentar novas defini- Confira o artigo.
ções. A atividade contou com o apoio do Insti-
O filme Clube da luta (David Um dos grandes insights da re- relações de poder que envolvem ho-
Fincher, 1999) propõe uma crítica flexão feminista da década de 1970 mens e mulheres: o gênero.
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abrangente à sociedade capitalista foi o conceito de gênero. Tornou-se Referente à identidade pesso-
contemporânea, problematizando cada vez mais claro que os estudos de al, status social e designação legal,
principalmente as lógicas de consumo mulheres não davam conta de proble- o gênero é independente do sexo –
e trabalho. Contudo se nos propormos matizar o universo no qual as próprias anatômico-biológico – e da sexualida-
a olhar para a questão da masculinida- mulheres estavam inseridas; perce- de – desejo sexual. É uma construção
de – a meu ver uma das personagens beu-se que a condição feminina não sociocultural de práticas cotidianas
principais da narrativa –, poderemos podia ser compreendida de maneira – desde performances físicas como a
perceber o quanto o gênero é um sis- isolada, que a estrutura social e cul- maneira de caminhar, até escolhas,
tema simbólico imbricado em todas as tural que o feminismo apontava como gostos, atitudes etc. – aceitas por um
esferas da nossa cultura. opressora das mulheres englobava determinado grupo como definidoras
Para isso, é importante recapitu- homens também – tanto dominado- de masculinidade ou feminilidade, ou
larmos rapidamente como a masculi- res como oprimidos. Desse modo, fez- seja, como definidoras de identidade
nidade vem sendo discutida e proble- -se necessária a criação de uma nova de gênero. Assim, o sistema de gênero
matizada na teoria social. categoria de análise para pensar tais se organiza numa estrutura eminente-
mente relacional. Em nossa socieda-
plexa, nunca é isso ou aquilo, e quanto Desde o começo, muito antes da dades cotidianas, suas roupas de ho-
menos o homem se aproxima do ide- revelação final do delírio do protago- mens normais e responsáveis, para se
al colocado pela sociedade – se ele é nista, fica claro que Tyler é tudo que tornarem “space monkeys” (macacos
velho, ou gordo, ou negro, ou pobre, ele deseja ser, mas não tem coragem. espaciais), soldados imbuídos da cau-
ou gay... –, mais difícil e dispendiosa Como Marla, ele é livre do sistema. sa de destruir as amarras do sistema
a missão de alcançar o ideal se torna, Apresenta-se assim um novo (contra) que os submetia a identidades perma-
mais injusto ele parece e mais atraen- ideal de masculinidade que tem por nentemente frustradas. E o interes-
te fica a ideia de construir um outro base a não submissão ao capitalismo sante é que esse sistema a ser destruí-
ideal. E é isso que acho que podemos de consumo desenfreado e o descarte do é um sistema completo, como todo
observar em relação ao filme. do autocontrole, da ascese. É um ideal sistema, e inclui não apenas domina-
No começo da história, o perso- que supera os símbolos hegemônicos ção econômica, mas também a domi-
nagem principal é apresentado como de status, substituindo-os: no lugar de nação de gênero através da imposição
um homem sujeito e submetido não só carros, dinheiro e roupas caras, o des- de uma determinada masculinidade
a uma ordem de gênero, mas também pojamento total de bens materiais, no (produtiva e consumista) que prende
capitalista e individualista: ele é um lugar da boa aparência o desleixo, no esses indivíduos em ciclos de traba-
A
obra de Werneck Vianna cumpre um papel signifi- que pensa Werneck isoladamente, mas aquilo que na sua
cativo para se compreender a sociedade brasilei- sociologia e na sua reflexão tornou-se horizonte, desafio
ra em diversos sentidos. “Além de contribuir para e inspiração para muitos de nós na tarefa comum de pen-
ilustrar aspectos fundamentais de diferentes segmentos sar o Brasil”.
e grupos que compõem a nossa sociedade – como os in- Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto foram os
telectuais, os sindicalistas, os juízes, etc. –, Werneck cons- organizadores do livro Uma sociologia indignada. Diá-
trói, de fato, uma interpretação do Brasil que atravessa logos com Luiz Werneck Vianna (Juiz de Fora: Ed. UFJF,
todos os seus escritos e que tem como objeto a natureza 2012. 483 páginas).
do nosso processo de modernização. Isso está fortemen- Rubem Barboza Filho possui graduação em Filosofia
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te presente em trabalhos como Liberalismo e sindicato pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, mes-
no Brasil (Vianna, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976) e A trado em Ciência Política pela Universidade Federal de
revolução passiva (Vianna, Rio de Janeiro: Revan, 1997), Minas Gerais – UFMG e doutorado em Ciência Política
fundamentais para que possamos entender o andamento (Ciência Política e Sociologia) pela Sociedade Brasileira de
da sociedade brasileira”, avaliam os autores, em entrevis- Instrução – SBI/IupeRJ. É professor titular da Universida-
ta concedida por e-mail à IHU On-Line. de Federal de Juiz de Fora.
Para eles, outra virtude de Werneck é a capacidade Fernando Perlatto possui graduação em História pela
de “voo largo sobre a história, e a acuidade com que Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e mestrado
surpreende o movimento das estruturas sociais e dos em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do
atores em nossa cena política cotidiana”. E completam: Rio de Janeiro – IupeRJ. É doutorando no Programa de
“acreditamos que cada leitor, ao acompanhar os diversos Sociologia e Ciência Política da Universidade Estadual do
textos reunidos neste livro, poderá compreender o im- Rio de Janeiro – UERJ, que sucedeu o antigo IUPERJ e pes-
pacto efetivo da reflexão desenvolvida por Werneck em quisador do Centro de Estudos Direito e Sociedade – Ce-
nosso mundo acadêmico e fora dele. Grande parte dos des/PUC-Rio. É professor substituto do Departamento de
artigos trata precisamente disso, e o nosso convite a to- Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora.
dos para que leiam o livro não é para encontrar apenas o Confira a entrevista.
decifrá-lo”
(pós-colonialismo, decolonialidade e Paulo – USP. Obteve o título de pós-doutor
pensamento social periférico). (Nota da na Università degli Studi La Sapienza, em
IHU On-Line) Roma. Atualmente é professor da Unesp.
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É professora associada III da Universidade Também é autor de Um Estado para a
Federal de Juiz de Fora – UFJF. Tem sociedade civil: temas éticos e políticos
experiência na área de História, com da gestão democrática (São Paulo: Cortez
ênfase em História Intelectual da América za os debates anteriormente citados, Editora, 2005) e Em defesa da política (São
e do Brasil, atuando principalmente nos mas os coloca em uma perspectiva Paulo: Editora Senac, 2005), entre outras
seguintes temas: pensamento jesuítico, obras. Já concedeu várias entrevistas à
Richard Morse, Oswald de Andrade, dialógica com as obras de outros au- IHU On-Line, entre elas: “A arte política
contrarreforma no mundo ibero-americano tores do pensamento social e político de incorporar o atraso sem prejudicar o
e história dos Estados Unidos. (Nota da IHU brasileiro. As partes quarta, quinta e progresso”, revista IHU On-Line, edição
On-Line) 386, de 19-03-2012; Gramsci, 70 anos
�� Ricardo Augusto Benzaquen de sexta são voltadas diretamente para depois. “A esquerda precisa resolver, de
Araujo é professor assistente da Pontifícia o tema democrático, ora focalizando uma vez por todas, sua questão com a
Universidade Católica do Rio de Janeiro, a questão do constitucionalismo e do democracia”. Entrevista publicada no sítio
embro de corpo editorial da Revista do IHU em 12-08-2007; Ritos acadêmicos e
Brasileira de Ciências Sociais, Membro de papel do Judiciário – com artigos de a universidade hoje. Entrevista publicada
corpo editorial do Tempo Social. Revista Cícero Araújo,18 Rogério Dultra,19 José no sítio do IHU em 17-04-2008. (Nota da
de Sociologia da USP, Membro de corpo Eisenberg20 e Juliana Magalhães –, ora IHU On-Line)
editorial da Ciência Hoje, Membro de �� Marcelo Tadeu Baumann Burgos
corpo editorial da Revista de História da possui graduação em Ciências Sociais pela
Biblioteca Nacional, Membro de corpo Juiz de Fora – UFJF. É pesquisador nas Universidade Federal do Rio de Janeiro
editorial da Revista Teoria e Cultura e do áreas de Ciência Política e Microssociologia – UFRJ, mestrado em Planejamento
corpo editorial da Revista do Instituto de (etnometodologia), com ênfase em teoria Econômico e Políticas Públicas pelo
Estudos Brasileiros, além de ser pesquisador política e teoria da ação (relações entre Instituto de Economia Industrial da UFRJ
do Conselho Nacional de Desenvolvimento linguagem, racionalidade e ação). É e doutorado em Sociologia pela Sociedade
Científico e Tecnológico e membro de professor do Programa de Pós-Graduação Brasileira de Instrução – SBI/IupeRJ. É
corpo editorial da Gávea (Rio de Janeiro). em Ciências Sociais da UFJF. Atua como professor do Departamento de Sociologia
Tem experiência na área de História, com pesquisador do Centro de Pesquisas Sociais da PUC-Rio, desde 1997, coordenador do
ênfase em Teoria e Filosofia da História. da mesma universidade. Atualmente Curso de Especialização em Sociologia
Atua principalmente nos seguintes temas: desenvolve investigações sobre os usos da Política e Cultura da PUC-Rio desde 2001.
Gilberto Freire, Modernismo brasileiro, linguagem para produção de deliberações É pesquisador do CAEd/UFJF desde 2010.
Pensamento Social. (Nota da IHU On-Line) em contextos de debate e conflito. (Nota Tem experiência de pesquisa e textos
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É professora titular da Universidade do da IHU On-Line) publicados nas áreas de Sociologia, com
Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Professora ������������������������������������
Possui mestrado em Filosofia pela ênfase em sociologia urbana, sociologia da
visitante das Universidades de Cádiz e Universidade Estadual de Campinas – educação e sociologia do direito, atuando
Coimbra. Publicou artigos em periódicos Unicamp e doutorado em Filosofia pela principalmente nos seguintes temas:
especializados nacionais e internacionais. Universidade de São Paulo – USP. É livre cidade, cidadania, acesso à justiça, direito
Possui livros publicados e atua na área docente em Teoria Política pela Faculdade e judiciário. (Nota da IHU On-Line)
de história política com ênfase em temas de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – �� André Pereira Botelho é graduado
ligados a questão nacional. É líder do FFLCH/USP e professor titular do DCP/ em Ciências Sociais pela Universidade www.ihu.unisinos.br
grupo de pesquisa “intelectuais e poder FFLCH/USP (2009). Atua principalmente nos Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre
no mundo ibero-americano” e editora da seguintes temas: teoria política moderna e em Sociologia e doutor em Ciências
revista eletrônica Intellèctus ligada a este contemporânea; moralidade política. (Nota Sociais pela Universidade Estadual de
grupo. (Nota da IHU On-Line) da IHU On-Line) Campinas – Unicamp. É professor adjunto
�� Antonio Carlos de Faria Pinto Peixoto ��Rogerio Dultra dos Santos é atualmente da Universidade Federal do Rio de Janeiro
é professor adjunto da Universidade do é professor adjunto do Departamento de – UFRJ. Tem experiência na área de
Estado do Rio de Janeiro, professor emérito Direito Público, Coordenador do Programa Sociologia, com ênfase em Pensamento
da Escola de Comando e Estado Maior do de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Social Brasileiro, Sociologia da Cultura e
Exército, professor do Centro Brasileiro de Constitucional e Subcoordenador do Curso Teoria Social. (Nota da IHU On-Line)
Estudos Latino-Americanos, colaborador de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito �� Luiz Sérgio Henriques é editor do site
da Escola Superior de Guerra. Tem da Administração Pública da Universidade Gramsci e o Brasil, ensaísta, tradutor e um
experiência na área de Ciência Política, Federal Fluminense – UFF. Tem experiência dos organizadores das Obras de Antonio
com ênfase em Teoria Política Clássica, nas áreas de Direito e Ciência Política, Gramsci em português, especialmente a
atuando principalmente nos seguintes atuando principalmente nos seguintes nova edição das Cartas do Cárcere. O site
temas: democracia, tradição, ordem temas: teoria constitucional, pensamento editado por Luiz Sérgio divulga a obra de
internacional, pensamento político e político-jurídico brasileiro, teoria do Gramsci, fundador do Partido Comunista
política. Possui artigos e capítulos de livros direito e segurança pública. (Nota da IHU da Itália e uma das maiores referências da
publicados no Brasil e no exterior. (Nota da On-Line) esquerda mundial, e publica ensaios sobre
IHU On-Line) �� José Eisenberg é Ph.D em Ciência a política brasileira “com o objetivo de
�� Raul Francisco Magalhães é professor Política pela City University of New contribuir com a democracia no Brasil”.
associado II da Universidade Federal de York e professor do Programa de Pós- (Nota da IHU On-Line)
e político italiano. Com Togliatti, criou o mito que encobre a dominação burguesa outros. (Nota da IHU On-Line)
jornal L’Ordine Nuovo, em 1919. Secretário (razão instrumental). Para ele, o logos deve �� Raymundo Faoro (1925–2003): foi
do Partido Comunista Italiano (1924), foi construir-se pela troca de ideias, opiniões um escritor, advogado, cientista político
preso em 1926 e só foi libertado em 1937, e informações entre os sujeitos históricos e historiador brasileiro. Foi membro da
dias antes de falecer. Nos seus Cadernos estabelecendo o diálogo. Seus estudos Academia Brasileira de Letras e presidente
do cárcere, substituiu o conceito da voltam-se para o conhecimento e a ética. da Ordem dos Advogados do Brasil de 1977
ditadura do proletariado pela “hegemonia” Confira no site do IHU, www.unisinos.br/ a 1979. (Nota da IHU On-Line)
do proletariado, dando ênfase à direção ihu, editoria Notícias do dia, o debate
intelectual e moral em detrimento do entre Habermas e Joseph Ratzinger, o Papa
domínio do Estado. Sobre esse pensador, Bento XVI. Habermas, filósofo ateu, invoca
confira a edição 231 da IHU On-Line, de uma nova aliança entre fé e razão, mas de
13-08-2007, intitulada Gramsci, 70 anos maneira diversa como Bento XVI propôs na
depois, disponível para download em conferência que realizou em 12-09-2006 na
http://migre.me/65usZ. (Nota da IHU Universidade de Regensburg. (Nota da IHU
On-Line) On-Line)
�� Alexis Carlis Clerel de Tocqueville �� Francisco José Oliveira Vianna:
(1805-1859): pensador político e historiador sociólogo, ensaísta carioca e autor
francês, autor do clássico A democracia na considerado como primordial para a
América (São Paulo: Martins Fontes, 1998- compreensão da formação ideológica e da
2000). (Nota da IHU On-Line) questão territorial do país. (Nota da IHU
�� Max Weber (1864-1920): sociólogo On-Line)
1
Os estudos que viemos realizando rói social, a meta alcançável para todos os
através do Núcleo Interdisciplinar de Estu- personagens e a baliza da moral circulante.
dos da Globalização Transnacional e da Cul- Em ambos os gêneros televisivos nota-
tura do Capitalismo (NIEG-CEPOS) vêm de- -se a exacerbação do indivíduo e a ausên-
monstrando, através da análise de conteúdo cia de uma noção coletiva, uma identidade
da mídia dita especializada, o papel central antagônica, como a de classe. Trata-se as-
que a esfera ideológica ocupa na legitima- sim do acionar discursivo de uma doutrina
ção do capitalismo em sua etapa financei- baseada em uma lógica de suposta escolha
ra. Neste artigo, saímos da escala macro e racional baseada em maximizar ganhos e
nos aproximamos da chamada individuação, minorar perdas, tomando a forma-empresa
igualmente propalada pela cobertura do jor- como a analogia única para os indivíduos.
nalismo econômico e até pela ficção televi- Deste modo, cada pessoa, cultivaria dentro
siva. É facilmente identificável o núcleo duro de si um respeito pelo empreendimento
do que estamos criticando através da obser- como única forma de “progresso” social,
vação de duas peças típicas. Uma, trata das sendo que esta opção vai incidir na esfera
matérias de telejornalismo onde especialis- privada da vida. Assim, os consultores difun-
tas em recursos humanos, “coaching”, re- didos pelas TVs comerciais te dizem como
conversão e recolocação de carreiras, adver- vestir, o que fazer na internet e até manuais
tem os telespectadores de prós e contras na de etiqueta.
atitude de cada um dentro do ambiente de Já a ficção, para além das telenovelas,
trabalho e na relação com os companheiros uma bela paródia do “admirável mundo cor-
de jornadas, chefias e hierarcas da empresa. porativo” é o reality show O Aprendiz, a ver-
Outra pode ser identificada nos protagonis- são brasileira do programa estadunidense
tas de telenovelas e reality shows, onde a The Apprentice, apresentado pelo magnata
figura do empreendedor econômico é o he- Donald Trump. No Brasil, este espetáculo
de difusão vulgar da doutrina neoclássica
fora comandado pelo publicitário Roberto
1 Bruno Lima Rocha é membro pleno do Grupo Justus e atualmente é veiculado na Record
Cepos e professor de comunicação social-jornalismo
na Unisinos. Formado em jornalismo pela UFRJ, e tem no comando João Dória Jr. No roteiro,
tem mestrado e doutorado em ciência política pela jovens profissionais disputam entre si para
UFRGS. E-mail: blimarocha@gmail.com
Destaques
da Semana
www.ihu.unisinos.br
IHU em
Revista
56 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Destaques On-Line
IHU em Revista
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponíveis nas Notícias do Dia do sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br) de
02-05-2012 a 07-05-2012
www.ihu.unisinos.br
Data: 07-05-2012
Evento: Ciclo de Estudos em EAD: Sociedade Sustentável – Módulo 3 (de 7 de maio a 16 de junho de 2012 – 6 semanas
– 30h) “Por um novo paradigma civilizacional”
Mais informações: http://migre.me/8WP7s
Data: 08-05-2012
Evento: Ciclo de Filmes e Debates: A crise do capitalismo no cinema
Exibição prévia em horário alternativo
Filme: Inside Job – Trabalho Interno (EUA, 2010, 120 minutos, direção: Charles Ferguson)
Horário: 12h às 14h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e companheiros, no IHU
Reprise em horário alternativo: 21-05-12, das 12h às 14h
Mais informações: http://migre.me/8WPcb
Data: 09-05-2012
Evento: Ciclo de Filmes e Debates: A crise do capitalismo no cinema
Filme: Inside Job – Trabalho Interno (EUA, 2010, 120 minutos, direção: Charles Ferguson)
Debatedores: Profª. Dra. Janaína Ruffoni - Unisinos e Prof. MS. Lucas H. da Luz - Unisinos
Horário: 19h30min às 22h30min
Local: Sala Ignacio Ellacuría e companheiros, no IHU
Mais informações: http://migre.me/8WPcb
Data: 10-05-2012
Evento: Ciclo de Palestras: Filosofias da Intersubjetividade
Palestra: Da mônada ao social: a intersubjetividade segundo Levinas
Palestrante: Prof. Dr. Marcelo Fabri – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Horário: 19h30min às 22h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Maiores informações: http://migre.me/8WPhD
Data: 10-05-2012
Evento: IHU ideias
Palestra: O conceito husserliano de razão prática
Palestrante: Prof. Dr. Marcelo Fabri - Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Horário: 17h30min às 19h
www.ihu.unisinos.br
Data: 14-05-2012
Evento: Ciclo de Filmes e Debates: A crise do capitalismo no cinema
Exibição prévia
Filme: Margin Call – O Dia Antes do Fim (EUA, 2011, 107 minutos, direção: J. C. Chandor)
Horário: 12h às 14h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações: http://migre.me/8WPwq
Data: 15-05-2012
Evento: Ciclo de Filmes e Debates: A crise do capitalismo no cinema
Filme: Margin Call – O Dia Antes do Fim (EUA, 2011, 107min., direção: J. C. Chandor)
Debatedores: Prof. Dr. Fernando Lara - Unisinos e Prof. MS. Gilberto A. Faggion - Unisinos
Horário: 19h30min às 22h
58 SÃO LEOPOLDO, 7 DE MAIO DE 2012 | EDIÇÃO 391
Entrevistas de eventos
IHU em Revista
A alteridade radical de Levinas e
a ética racionalista de Husserl
Ao refletir sobre a atualidade destes dois importantes filósofos para o pensamento
contemporâneo, Marcelo Fabri destaca que nosso tempo talvez seja um tempo de
ressignificações, de novos dizeres sobre o ser humano, mas também da procura do Outro
E
stará na Unisinos, no próximo dia 10 de vidualismo de pura indiferença, e não de en-
maio, o professor da Universidade Fe- contro com o Diferente”. E sobre Husserl, Fabri
deral de Santa Maria – UFSM, Marcelo aponta que ele “traz à tona o conceito de uma
Fabri. Ele abordará o tema “Da mônada ao ética que é racionalista sem ser reducionista ou
social: a intersubjetividade segundo Levinas”, imperialista, isto é, que retoma o conceito de
das 19h30min às 22h, na Sala Ignacio Ellacuría razão prática a partir do ser humano concreto,
e Companheiros, no IHU. Um pouco antes, das pessoal, afetivo, sensível, intersubjetivamente
17h30min às 19h, no mesmo local, ministrará a comprometido”.
palestra “O conceito husserliano de razão prá- Marcelo Fabri possui graduação em Filo-
tica”. Aos leitores e leitoras interessados em sofia pela Pontifícia Universidade Católica de
Husserl e Levinas e nas filosofias da intersub- Campinas, mestrado em Educação e doutora-
jetividade, Marcelo Fabri adianta os temas na do em Filosofia pela Universidade Estadual de
entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU Campinas. Atualmente é professor da Univer-
On-Line. Segundo ele, pensar a intersubjetivi- sidade Federal de Santa Maria – UFSM. Tem
dade, segundo Levinas, “significa (...) conside- experiência na área de Filosofia, com ênfase
rar de que maneira a relação social se funda em Ética Fenomenológica, atuando principal-
numa separação entre o mesmo e o outro”. E mente nos seguintes temas: subjetividade,
constata: “o desejo levinasiano supõe, exata- cultura, motivação, Husserl, Levinas e ontolo-
mente, a saída de si, uma abertura temporal gia contemporânea. É autor de, entre outros,
que demanda responsabilidade, disponibilida- Fenomenologia e cultura: Husserl, Levinas e a
de, relação com o outro ser humano. O mundo motivação ética do pensar (Porto Alegre: EDI-
atual seria, em grande medida, um mundo sem PUCRS, 2007).
transcendência, em que o desejo é imediato e, Confira a entrevista.
assim sendo, se torna aprisionado num indi- www.ihu.unisinos.br
IHU On-Line – Qual a tese sublinha inicialmente aquilo que é paração”, numa palavra o fato de
central do tema “Da mônada ao “comum” aos existentes em rela- que o existente é originariamente
social: a intersubjetividade se- ção, mas sim a “diferença”, a “se- uma mônada enquanto existe (isso
gundo Levinas”? para falar fenomenologicamente).
Marcelo Fabri – Diferente- Nesse sentido, pensar a intersub-
conheceu Heidegger, cuja obra Ser e tempo
mente do que ocorre no modelo o influenciou muito. “A ética precede a jetividade, segundo Levinas, sig-
dialético, e mesmo dialógico de se ontologia” é uma frase que caracteriza nifica, antes de mais, considerar
pensar o tema da intersubjetivida- seu pensamento. Escreveu, entre outros, de que maneira a relação social
Totalidade e Infinito (Lisboa: Edições 70,
de, a perspectiva de Levinas1 não 2000). Sobre o filósofo, conferir a edição se funda numa separação entre o
número 277 da IHU On-Line, de 14-10- mesmo e o outro. Com efeito, é
2008, intitulada Lévinas e a majestade essa separação que permite a Le-
1 Emmanuel Lévinas (1906-1995): do Outro, disponível para download em
filósofo e comentador talmúdico lituano, http://migre.me/Dsy6. (Nota da IHU vinas enunciar a tese de uma al-
naturalizado francês. Foi aluno de Husserl e On-Line) teridade radical, jamais superada
tersubjetividade para refletir- talvez seja um tempo de ressigni- atos afetivos, Husserl torna possível
mos sobre os rumos da época ficações, de novos dizeres sobre uma discussão com os filósofos que
contemporânea? o ser humano, mas também da deram continuidade à fenomenologia
Marcelo Fabri – Na contem- procura do Outro. O grande peri- de um modo mais crítico, entre eles,
poraneidade, existe um paradoxo. go é tornar esta busca banalizada, Levinas. Essa retomada permite, ain-
De um lado, a impossibilidade da superficial, retórica. Levinas cha-
Palavra, isto é, um mundo em que ma a atenção para isto: é preciso 2 Edmund Husserl (1859-1938): filósofo
o falar não existe, tendo em vis- radicalizar a questão ética como alemão, principal representante do
movimento fenomenológico. Marx
ta a quantidade de discursos, de questão fundamental, primeira, e Nietzsche, até então ignorados,
ofertas de consumo, de dispersão, incontornável. Nenhum discurso influenciaram profundamente Husserl,
de mal-entendidos, bem como de edificante ou sofisticadamente que era um crítico do idealismo kantiano.
Husserl apresenta como ideia fundamental
tantas análises sobre os sentidos teórico poderia encobrir a inuma- de seu antipsicologismo a “intencionalidade
(psicanálise, sociologia, análise nidade de que, historicamente, da consciência”, desenvolvendo conceitos
da linguagem, etc.). De outro, fomos capazes. A esse respeito, como o da intuição eidética e epoché.
Pragmático, Husserl teve como discípulos
é em meio a uma ausência total Levinas é chocante: o Outro entra Martin Heidegger, Sartre e outros. (Nota da
de sentido (pois o que há é, pa- sem pedir licença, ele desconcer- IHU On-Line)
Ficha técnica
“I
nside Job – Trabalho Interno me leva a reforçar sociedade, como os bens comuns, a reciprocidade, os bens
um sentimento de ‘esgotamento’ da modernidade, relacionais, uma dimensão mais civil e plural dos mercados,
apontando então para uma ciência econômica mais da gestão e da economia. Creio que são algumas ideias, re-
plural e complexa, principalmente no que diz respeito ao flexões e motivações que ficam”, pondera.
entendimento das suas motivações, da sua legitimação, da Lucas Henrique da Luz possui mestrado em Ciências So-
sua realidade e, quiçá, a um mercado mais plural, comple- ciais Aplicadas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
xo que, talvez, possa contribuir para a exploração e emer- Unisinos, graduação em Administração de Empresas – Hab.
gência de diferentes tipos de organizações, com diferentes Recursos Humanos pela mesma universidade e especiali-
finalidades que não apenas a maximização do lucro”. Essa é zação em Elaboração e Avaliação de Projetos Sociais, pela
a opinião de Lucas Henrique da Luz, em entrevista concedida Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É um
por e-mail à IHU On-Line. Lucas diz ainda que o filme mostra dos coordenadores do curso de Administração da Unisinos
www.ihu.unisinos.br
que o capitalismo financeiro precisa ser compreendido num (ao lado de Silvia Polgati e Dagmar Sordi), e professor nes-
contexto mais amplo, mais complexo, relacionado à globa- se mesmo curso e no de Graduação Tecnológica em Gestão
lização, às tecnologias informacionais e de comunicação, à de Recursos Humanos. É integrante do Instituto Humanitas
produção do conhecimento, aos jogos de poder, à sociedade Unisinos – IHU. Tem experiência na área de administração,
como um todo, e alerta para a necessidade de regulamentá- com ênfase em gestão de recursos humanos, atuando princi-
-lo, controlá-lo, mostrando que não deve e não pode ser um palmente nos seguintes temas: Recursos Humanos e terceiro
processo autômato. E conclui: “Parece-me que fica o convite setor; pós-modernidade, complexidade e cultura; sociologia
para superar o esgotamento de uma visão reducionista/uti- do trabalho e organizacional; gestão social, economia solidá-
litarista da economia, transitando para uma época de con- ria e cooperativismo; e sustentabilidade e autogestão.
cepções ainda não claras, mas que parecem (não sei se isso é Confira a entrevista.
desejo meu) retomar dimensões relevantes do mercado e da
mais voz à diversidade. Ele nos reme- ideologia da ciência e, até mais do que
te, quiçá, a repensar o excessivo posi- isso, a corrupção de pesquisadores, de rio imperdível http://bit.ly/
tivismo das ciências, no caso mais es- governantes, legisladores. Indignação IRiSw5
pecífico a economia e a administração. pelo egoísmo inconsequente de CEOs • Documentário sobre a crise
A modernidade fez com que, se ambas em busca de bonificações e lucro pró- exagera no foco à questão
quisessem ser respeitadas como ciên- prio, sem importar-se com o direito e moral, diz Ricupero http://bit.
cias, deveriam se “libertar das amarras sonhos das pessoas. ly/KD2yce
da ética e das veleidades metafísicas • “Inside Job”: a crise financeira
da antropologia. Consumou-se a rup- Sentimento de solidão contada “de dentro” http://
tura epistemológica entre ciência eco- bit.ly/Lv0kBc
nômica contemporânea, a humanista Também um sentimento de so- • Crônica de uma crise anuncia-
e civil”, como mostram Bruni e Zamag- lidão, pois parece que ninguém pode da http://bit.ly/Lv0rfS
ni (2010). controlar a voracidade da financeiriza-
ção do mundo, do capitalismo. Pare-
Data: 16-05-2012
Evento: Rio + 20 e a questão da matriz ener-
gética brasileira
Palestrante: Telma Monteiro - Pesquisadora www.ihu.unisinos.br
independente
Horário: 19h30min às 22h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros,
no IHU
“M
e considero uma pessoa exi- dade grande parte do que sou. Comecei nela
gente. Entendo que devemos em 1972 e tive aqui mestres que me ensina-
encarar as coisas com rigor, pro- ram muito. Além de diversos professores nas
fundidade. Repugna-me a superficialidade, as aulas, conheci pessoas inigualáveis, jesuítas
aparências, não mergulhar a fundo nas ques- modelares, mas vigorosos e corajosos, como o
tões”. Assim se define o professor de Direito Pe. Frantz, segundo reitor da instituição. Inclu-
José Alcides Renner, em entrevista concedida sive foi ele quem realizou a cerimônia de meu
pessoalmente à IHU On-Line. Renner trabalha casamento”, diz, animado. Conheça um pouco
há 40 anos na Unisinos e diz que foi nela que mais sua história.
aprendeu muitas coisas. “Devo a esta universi-
Origem – Nasci no dia 26 de de- um jesuíta admirável: o Pe. Guido teriormente, foi permitido, no meu
zembro de 1951, em Salvador do Sul, Kuhn. Depois, estive em Florianópolis, caso, estudar na Unisinos o curso de
numa localidade chamada Campestre no Colégio Catarinense, como inter- Tecnólogo de Processamento de Da-
Baixo. Moro em São Leopoldo com no, em 1970. Em 1971, vim para São dos, recém-criado, à época. Formei-
minha esposa, Adelaide. Temos dois Leopoldo. -me nesse curso e depois em Direito
filhos. O Maurício (31), jornalista, e também na Unisinos. Posteriormente,
o Vicente (29), advogado, único que Ingresso na Unisinos - Traba- fiz especialização em Direito Civil, na
mora conosco e é assessor de juiz. lhei durante pouco mais de um ano época em que passei a ser assessor
Meu pai, Vendelino, tem 86 anos e na Fábrica de armamentos Amadeu jurídico da universidade. E em novem-
mora em Campestre, interior de Sal- Rossi e em 22 de maio de 1972 fui bro de 1996, fui a Bilbao, na Espanha,
vador do Sul. Minha mãe, Celita, é fa- admitido na Unisinos como técnico, fazer Doutorado em Direito. Em 2001,
lecida. Somos uma família numerosa. na função de auxiliar administrativo. retornei para São Leopoldo e fui ge-
Sou o segundo de dez filhos, todos Em 1994, além desse contrato de téc- rente administrativo do Centro de
vivos. nico administrativo, também fui con- Direito e, posteriormente, coordena-
tratado como professor. O contrato dor adjunto do curso, quando foram
Auto definição – Me considero de técnico foi rescindido em 2006 e extintos os centros, até 2006, quando
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uma pessoa exigente. Entendo que continuei apenas como professor até foi rescindido meu contrato como téc-
devemos encarar as coisas com rigor, hoje. Além de professor e auxiliar ad- nico administrativo.
profundidade. Repugna-me a superfi- ministrativo, exerci os cargos de Che-
cialidade, as aparências, inclusive na fe da Seção de Ingresso e Matrícula, Academia - Hoje, leciono para
política, não mergulhar a fundo nas Administrador de dados e procurador o curso de graduação em Direito na
questões. Como um bom descendente da Universidade (assessor jurídico, de Unisinos, trabalhando a disciplina de
da cultura germânica, considero-me 1990 a 1996). Teoria Geral do Direito. Além disso,
um sujeito conservador, no sentido de sou professor de Direito Civil na Uni-
preservar o que temos, melhorando, Direito - Terminei o segundo versidade Católica de Pelotas.
paulatinamente, sem grandes saltos e grau em São Leopoldo no popular
revoluções. Não sou alguém que quer “Pedrinho”. Depois, cursei um ano Lazer – Durante o ano, pratica-
derrubar tudo e começar do zero. na Feevale o curso de Administração mente não sobra tempo. Mas, sempre
de Empresas, porque, na época, os que posso, viajo com a família; vamos
Seminário - Fui seminarista dos funcionários que trabalhavam com ao cinema; visitamos nossos parentes
jesuítas em Salvador do Sul até 1969. registros e reprografia (Gráfica), não no interior e, com alguma freqüên-
Entrei com doze anos, acolhido por podiam estudar na universidade. Pos- cia, asso uma carne; eventualmente
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com tantos outros. Lembro especial- em meio ao tumulto e com riscos pes-
Religião – Católica. mente aqueles tempos heróicos, do soais, tentamos salvar algo, enquan-
início da Universidade, da completa to que, alguns poucos, eram parados
Sonho – Sou uma pessoa que falta de todos os meios (claro que não pela brigada, em ruas próximas, levan-
conseguiu grande parte dos objetivos havia computador, internet, facebook, do o que conseguiam “salvar”.
que me propus. Atualmente, almejo celular), mas havia grande abundância
melhorar minha atividade docente. de entusiasmo, boa vontade, união e IHU – Acompanho as notícias e a
Estudo as questões pedagógicas e de de uma certa ingenuidade. Dos inú- Revista IHU On-Line. Mas hoje acom-
aprendizagem. As crises, os méto- meros eventos que aqui vivenciei, me panho mais pela internet. Leio as ma-
dos, as novas tecnologias etc. e avalio vem à mente o episódio de uma ma- térias que me interessam e vejo que
como o professor atua nesse contexto. trícula dos alunos em que interveio são abordadas com profundidade.
Dedico-me a isso e gostaria de motivar a brigada militar, com seus cavalos e Além disso, é um veículo de entrosa-
os alunos a gostarem do Direito. E isso cães, para dispersar um tumulto. A mento e união da comunidade. Apre-
não tem sido fácil, o que me deixa um Universidade reservava mais ou me- cio bastante o trabalho.
pouco angustiado e decepcionado. Pa- nos um mês para a realização das ma-
rece que se dá mais valor às formas, trículas, sendo que, normalmente, os
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