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A Vida secreta de Deus – Parte 7

Por que o grande segredo?

Há alguns anos, eu estava dando uma aula sobre a unidade misteriosa e


abrangente de Deus e sobre como a nossa missão na vida é revelar essa unidade e
sentir amor.
Havia uma senhora entre os alunos que parecia bastante aborrecida com a minha
aula.
A cada nova explicação, ela ficava mais irritada.
Eu não entendia o que estava acontecendo.
Geralmente, quando ensino essas verdades místicas, as pessoas ficam felizes por
finalmente ouvir uma perspectiva sofisticada e espiritual sobre Deus e sobre o
nosso propósito na Terra.
Elas se sentem aliviadas em saber que Deus não é um valentão eterno e celestial
que quer apenas dar ordens e ter escravos.
Ao final da aula, a mulher estava soltando fumaça; ela avançou em minha direção e
reclamou: "Como eu nunca escutei isso de um rabino antes?"
Eu lhe expliquei que há muitos rabinos que sentem que essa abordagem é muito
perigosa e deve ser mantida em segredo.
Ela disse: "Se eu tivesse aprendido esses conceitos quando era mais jovem, não
teria sido ateia pelos últimos vinte anos. Agora o que vou fazer?"

Por que o segredo da vida de Deus é mantido em segredo?


Confesso também achar que as ideias deste estudo podem ser perigosas, porque
podem ser facilmente mal interpretadas.
Quem somos nós para falar da jornada ao paraíso quando três de quatro grandes
sábios sofreram danos graves ao tentar?
Para responder a essas questões, preciso explicar duas abordagens sobre a unidade
de Deus — monoteísmo e panenteísmo (que não deve ser confundido com
panteísmo) — e suas implicações.
O que queremos dizer com "Deus é um"?

Aos três anos, certa vez meu filho me perguntou: "Pai, Deus é um, né?"
"Sim."
"E quando ele vai fazer dois anos?"
Ele me surpreendeu.
Percebi como seria complicado explicar o verdadeiro significado da unidade de Deus
a um menino de três anos.
Geralmente, "Deus é um" significa que não há outros seres alistados ou registrados
sob a categoria "deuses" — há apenas um verbete, "Deus".
Quando Moisés procurou o Faraó do Egito para lhe passar a mensagem de que ele
deveria libertar os israelitas, o Faraó disse: ”Quem é Deus? Nunca ouvi falar."
Conta o Midrash que o Faraó encontrou em seus arquivos uma lista de deuses.
E começou a ler: "... deus de Moav, deus de Amon, deus de Tsidon..."
E finalmente ele disse: "Olhe, já li a lista inteira e o nome do seu deus não está
registrado."
O Faraó era politeísta e acreditava em uma multidão de deuses.
Mas desde a época de Abrahão, que popularizou o monoteísmo, o povo judeu
acredita que há apenas um Deus com licença para exercer a profissão — o um e
único Deus.
Não existem outros.
Mesmo quando a maior parte do mundo se convenceu dessa verdade, as pessoas
continuaram acreditando que havia várias outras "coisas" além de Deus, como
mesas, pedras, árvores e assim por diante.
Havia um Deus e o resto das coisas.
A Cabalá explica que isso está totalmente errado.
"Deus é um" é uma afirmação absoluta.
Não significa simplesmente que há um Deus; significa que não há nada além de
Deus.
Há versículos na Torá como "A ti foi mostrado para que soubesses que o Eterno, Ele
é o Deus, e não há outro além Dele" (Deuteronômio 4:35) e "Saberás hoje, e
considerarás em teu coração que o Eterno, Ele é o Deus, em cima nos céus e
embaixo na Terra; não há nenhum outro" (Deuteronômio 4:39).
Essas palavras têm de ser levadas muito a sério.
Em geral, a tradição que começou com Abrahão é considerada monoteísta.
E monoteísmo significa que há um Deus; não há outros deuses.
Isso quer dizer que Deus é como um monarca que governa este mundo como Seu
reino.
Mas o monoteísmo apresenta grandes problemas ao ego.
Basicamente, a mensagem do monoteísmo é que no princípio havia Deus e Ele
decidiu, por algum motivo estranho, me criar.
Então agora há Deus e, ao lado Dele, eu.
E, é claro, ao lado de Deus eu me sinto como um nada.
Ele é infinito e eu sou finitésimo.
Ele é eterno e eu sou efêmero.
Ele é onipotente e eu sou frágil e fraco.
Ele é onisciente e eu sou um terráqueo bobo.
Resumindo, quanto mais nos comparamos a Deus, pior nos sentimos.
O monoteísmo cria e nutre um sentimento de dicotomia entre o humano e o Divino.
Somos separados de Deus e, comparados a Ele, somos infinitamente menores do
que o ponto no final desta frase.
Se você é monoteísta, dê uma boa olhada neste ponto final e saiba seu verdadeiro
tamanho e valor.
Esta é a mensagem do monoteísmo: Há um Deus e você não é Ele.

Verde de inveja
Oculta na mente de muitos de nós está uma inveja que devora a confiança que
temos no nosso valor.
Isto nos causa muita angústia e tristeza.
Por que tristeza?
Sempre que você fica triste, significa que tinha expectativas de que as coisas
podiam ser diferentes.
Se você chega à mesa do café-da-manhã e vê Sucrilhos, não fica triste; você não
esperava outra coisa.
Agora imagine que todo dia você come pela manhã ovos estrelados e toma um
copo quente de café e um suco de laranja, e um dia você entra na cozinha e vê
apenas sucrilhos; você ficaria decepcionado e triste porque tinha uma expectativa
maior.
E se visse alguém comendo ovos, sentiria inveja.
Você não vai ficar triste se não puder comparar sua situação atual com algo
melhor.
Não pode ficar triste com algo a menos que tenha uma expectativa de que poderia
ter sido de outra maneira.
Não pode ter inveja, a não ser que alguém tenha o que você esperava ter.
Deus tem tudo e muitos de nós têm inveja de Deus.
A inveja, porém, é geralmente subconsciente, porque a maioria de nós nega que
ela exista.
Se você admite, pode ser chamado de herege.
Mas muitos de nós têm inveja da felicidade infinita de Deus, da Sua perfeição
absoluta.
Nietzsche disse: "Se Deus existisse, eu não aguentaria não ser Ele."
Bem no fundo, muitos concordam.
E se perguntam:
"Por que não posso ser Deus? Por que Você é o grande Deus? Por que Você se
senta em Seu trono sagrado no céu? Por que Você se refestela em Sua torre de
marfim, afastado, desobrigado de todas as lutas e dores deste mundo? Vamos
trocar de lugar por algumas eras e ver como Você se sai neste poço chamado Terra
que Você criou para nós."
Se esse sentimento infantil de inveja não for bem direcionado, se transforma em
raiva, fúria e depressão.
E finalmente temos que simplesmente negar a existência de Deus para aliviar a
nossa alma dolorida.
Ou seja, o monoteísmo, quando levado muito a sério, conduz ao ateísmo.
Temos de nos livrar de Deus porque não aguentamos nos sentir como nada perto
do Onipotente.
Imagine que você seja um artista procurando alguém para morar em seu
apartamento.
Alguém pergunta sobre o quarto vago e você descobre que ele também é artista.
Ótimo — vocês terão muito em comum!
Ele se muda e o telefone passa a tocar como nunca.
"Alô, o artista está?" Você diz: "Sim, aqui quem fala é o Jeff."
"Não, não tem um artista aí chamado Harry?"
"Ah, tá, você quer dizer o cara que divide o apartamento comigo... Harry, é pra
você!"
O telefone toca de novo.
"Alô, gostaria de falar com o Harry, o artista."
E isso continua por dias.
Quanto tempo levaria para você começar a se sentir desafiado, inseguro, inferior e
com inveja?
Se você não sabe lidar com a inveja que tem do seu novo "amigo" — o único artista
que todos veneram —, o que faz?
Você o despeja.
Certamente nunca admitiria a sua inveja.
Você inventaria todos os tipos de desculpas, justificando por que ele não poderia
mais morar no seu apartamento.
Mas o problema é que você não consegue lidar com a competição.
De um certo modo, é possível nos sentirmos assim com relação a Deus também.
Se você se sente como um nada perto de Deus, então ou você ou Ele tem de sair.
Por essa perspectiva, para acreditar em si mesmo, você precisa parar de acreditar
em Deus.
O ateísmo pode muitas vezes ser uma maneira de autopreservação.
Minha autoestima fica suprimida e meu ego destruído quando tenho de acreditar no
Deus que está sempre olhando por sobre o meu ombro, sempre me julgando e me
dizendo o que fazer.
Certa vez vi uma tira de quadrinhos mostrando um homem frustrado, reclamando:
"Estou disposto a ceder — mas sempre tem de ser tudo à maneira de Deus."
A isso, um monoteísta pode adicionar: "E mesmo quando eu cedo e ajo conforme a
Sua maneira, nunca é bom o suficiente. Nunca consigo me equiparar à Sua
grandeza, à Sua bondade, à Sua perfeição."
Pensando assim, depois de um tempo as pessoas ficam fartas da religião e
simplesmente negam o "Grande Egomaníaco no Céu".
Elas finalmente se sentem melhor consigo mesmas.
Ou assim pensam.
Porém, quando finalmente criam a coragem de negar a existência de Deus, chegam
ao sentimento vazio e à deprimente conclusão: "Se Deus não existe, sou apenas
um acidente sem valor. Vim do nada e vou para o nada."
E essas pessoas voltam a se sentir como um grão de poeira.
Não podemos viver com Ele e não podemos viver sem Ele.
Quando chegamos a esta sombria rua sem saída, a maioria de nós nega e enterra
essa percepção.
Tentamos "comer, beber e ser felizes" para poder afogar o corrosivo
descontentamento interior.
Como na antiga piada, dizemos: "Desisti de procurar a verdade — agora só busco
uma boa fantasia."
Esperamos que umas férias em Bali, um novo encontro ou um pulo de bungee-
jurnp de algum modo impeçam a agonia de retornar.
Mas nada disso é solução para o problema, porque em um momento de fraqueza, o
grito silencioso da alma buscando um significado se torna ensurdecedor.

A solução
A Cabalá traz a solução.
Ela explica que não há esse Deus que existe na categoria única "Deus" enquanto
existimos na categoria "resto".
Deus é único, mas não do modo como a maioria das pessoas pensa.
A Cabalá revela o verdadeiro sentido da unidade Divina.
A imagem monoteísta de Deus foi fundamental nas primeiras fases do
desenvolvimento da humanidade.
No entanto, em um certo ponto da nossa evolução espiritual, o monoteísmo foi
levado ao extremo e se tornou problemático.
E para algumas pessoas, até mesmo contraproducente.
Sei que isso pode parecer confuso, já que o judaísmo é geralmente entendido como
uma religião monoteísta, e seu fundador, Abrahão, como o primeiro promotor do
monoteísmo.
Não estou dizendo que o monoteísmo está errado.
O que quero dizer — e o que diz a Cabalá — é que o monoteísmo não é a pintura
completa.
Em uma certa fase do desenvolvimento da civilização, a humanidade estava pronta
para uma nova consciência e o simples entendimento de Deus oferecido pelo
monoteísmo tinha de dar lugar a uma nova percepção.
De certa maneira, o ateísmo ajudou.
Ele destruiu a imagem infantil de Deus, abrindo, assim, o caminho para uma
compreensão mais elevada de Deus.
Essa compreensão, como explicado na Cabalá, estava aqui o tempo todo.
(De fato, acredita-se que o próprio Abrahão seja o autor de uma das obras
fundamentais da Cabala, o Sefer Ietsirá.)
Porém, o mundo não estava pronto para tal nível de abstração por alguns milhares
de anos.
Tivemos de passar por uma evolução mental, da qual o monoteísmo foi a fundação
essencial, antes de poder ver toda a pintura.
É por isso que os antigos ensinamentos da Cabalá só se popularizaram
recentemente.
De acordo com a Cabala, não há verdade na minha experiência de separação com
relação a Deus, quando me sinto como um nada.
A Cabalá revela que existimos dentro de Deus.
O motivo pelo qual não vivemos essa bela verdade mística é a nossa percepção
distorcida.
A dicotomia que sentimos entre nós mesmos e Deus é essencialmente uma função
do modo como pensamos e agimos (como explicado anteriormente).
Não existe separação entre o humano e o Divino.
Somos realmente diferentes, mas não separados.
Estamos em um estado completo de unidade com o Divino, dentro do Divino.
É apenas o modo como pensamos, reforçado pelo modo como agimos, que cria
uma percepção e um sentimento de nós mesmos como independentes e separados
da grandeza de Deus.
É a isso que se refere o versículo no Livro de Isaías (59:2): "Somente suas más
ações o separam de seu Deus."
Estamos incluídos no Divino e, com a atitude e o comportamento apropriados,
podemos sentir essa verdade.
Ou seja, já existimos dentro de Deus e somos um com Ele.
Não há nada que possamos fazer para mudar isso.
No entanto, para aproveitar essa união, cabe a nós pensar, falar e agir
adequadamente.
Mas não me entenda mal.
A Cabalá não diz que você é Deus.
Como já esclareci, a Cabalá ensina que você e eu somos almas, aspectos e
expressões do Deus onipotente.
Essa é uma compreensão diferente da unidade de Deus.
O monoteísmo sugere que Deus existe e eu existo.
E há uma lacuna infinita que nos separa.
Mas, segundo a Torá e a Cabalá, não há nada além de Deus, porque tudo está
contido em Deus.
Nada existe à parte do Divino; tudo está incluído Nele.
E aqui estamos, dentro do Divino.
Pare um instante e contemple esse segredo maravilhoso.
Leve a vida toda para vivê-lo e celebrá-lo.
Quando aceitamos a visão cabalística de Deus, não sentimos mais a dicotomia e a
separação entre Deus e nós mesmos.
Não há competição nem motivo para inveja.
O coração teria inveja do corpo?
Algum órgão se sentiria ameaçado pelo corpo?
É claro que não.
No entanto, há uma séria distinção entre essas metáforas e a verdade sobre o
nosso relacionamento com Deus.
Se o corpo não tem um coração, não pode existir.
Isso, porém, não é verdade com relação a Deus.
Deus pode existir sem nós.
Deus não precisa de nós.
Deus escolheu livremente nos criar e nos incluir na Sua unidade misteriosa.
Este é o ato máximo de amor: Deus compartilha livremente Seu esplendor Divino
com todos nós.
Tudo o que temos de fazer é receber, conhecer e viver esse esplendor.
Então veremos — diante de nossos próprios olhos — que todos somos uma
revelação de Divindade, brilhando em cores diferentes.
Deus é um e somos "um com Ele", embora não sejamos Deus.
Quando você sabe que é unido a alguém, não se sente ameaçado nem com inveja.
E certamente não há competição.
Vocês compartilham a alegria e a tristeza um do outro.

Panteísmo x Panenteísmo
Não confunda essas ideias com panteísmo.
A Cabalá é absolutamente não-panteísta.
Panteísmo significa que Deus é igual a universo.
Portanto, Deus menos universo é igual a nada.
A Cabalá nos ensina que Deus menos universo é igual a Deus.
O universo não adiciona nem diminui a completude de Deus.
Ademais, segundo o panteísmo, a natureza é a expressão inevitável de Deus.
A Cabalá, em contraste, afirma que Deus criou a natureza livremente.
Deus não tinha de criar o mundo — Ele simplesmente quis fazê-lo.
Essa perspectiva é geralmente chamada de panenteísmo, o que significa que tudo
está incluído no Divino.
Panteísmo é uma palavra derivada de pan (tudo) e theos (deus).
Ou seja, tudo é Divino.
Mas panenteísmo vem de pan (tudo), en (dentro) e teo (deus): tudo está dentro do
Divino.
Podemos dizer que o panenteísmo é como uma combinação de monoteísmo com
panteísmo.
O panenteísmo concorda com o monoteísmo em que há apenas um Deus e nós não
somos Deus.
Porém, o panenteísmo discorda da ideia de que temos uma existência independente
e que não somos relativamente nada perto de Deus.
O panenteísmo concorda com o panteísmo em que há apenas Deus, mas discorda
da noção de que somos Deus.
De acordo com o panenteísmo, há apenas Deus e nós existimos dentro de Deus.
E apesar de não termos uma existência independente, certamente somos algo.
Não somos Deus, mas temos um aspecto Divino.

Panenteísmo
Há apenas a unidade de Deus; tudo (universo, natureza, seres humanos etc.) está
incluído em Deus.

Monoteísmo
Há apenas um Deus; a natureza existe separada de Deus e é governada por Ele.

Panteísmo
O universo é Deus; a natureza incorpora Deus.

Politeísmo
Há vários deuses; diferentes deuses governam diferentes forças da natureza.

Pode haver um lado negativo na abordagem panenteísta.


Segundo o monoteísmo, temos ao menos uma identidade independente, embora
sejamos muito pequenos em relação a Deus.
Segundo o panenteísmo, não temos nenhuma independência.
Nosso senso de identidade independente é uma ilusão baseada em um erro
perceptual.
Portanto, se somos egoístas e só queremos fazer a nossa vontade (e não a de
Deus), eventualmente nos sentiremos como absolutamente nada.
Egoísmo é autonegação.
Estamos nos cortando da nossa própria fonte, base, contexto e conteúdo — Deus.
Além de Deus, não há outros seres independentes e definidos.
Todos estão incluídos em Deus.
Você e eu somos distintos, outros que não Deus, mas mesmo assim somos
absolutamente um com Deus.
Há uma distinção entre o humano e o Divino, mas não dicotomia ou separação.
Há apenas uma unidade misteriosa que inclui multiplicidade e alteridade enquanto
permanece uma.
Quando escolhemos aceitar isso e fazer o desejo de Deus, descobrimos que há
apenas a Sua unidade, e sentimos o êxtase do amor supremo.
Quando duas pessoas realmente se amam, sentem uma união que abrange a
individualidade de cada um.
Eu não sou eu e você não é eu, e mesmo assim somos um.
A equação do amor é 1+1=1.
O mistério e o êxtase do amor são uma mostra do panenteísmo — o verdadeiro
significado da unidade absoluta de Deus.
Do ponto de vista monoteísta, nos sentimos separados e distantes de Deus.
Do ponto de vista panenteísta, somos um com Deus e nunca podemos nos
distanciar.
Se nos sentimos afastados, a distância existe apenas em nossa mente.
Nós nos sentimos distantes porque adotamos a perspectiva errada e nos
comportamos de acordo com ela.
Quando fazemos isso, temos a sensação de que não somos absolutamente nada.
No entanto, se entendemos que somos um com Deus e pensamos e agimos
conforme essa concepção, compartilhamos da Sua glória, grandeza e vitalidade.
Então experimentamos a doçura de partilhar da eternidade porque descobrimos a
fonte, a base, o contexto e o conteúdo Divinos da nossa vida.
Mesmo que não sejamos Deus, somos um com Deus de tal maneira que paramos
de nos sentir fracos e insignificantes e começamos a aproveitar a grandeza de Deus
da qual compartilhamos.

O Ser supremo
Segundo a Cabalá, o seu verdadeiro trabalho é superar suas ilusões egoístas sobre
ser separado, independente e definido.
Você tem de perceber que, independente de Deus, você não é absolutamente nada.
Independente da realidade Divina que tudo abarca, você não é absolutamente
nada.
Para a maioria das pessoas, isso é muito assustador.
Mas quando você se liberta do seu ego, descobre uma sensação ainda maior de si
mesmo unido a Deus.
Neste estado, você sente que não há nada além de Deus.
E ainda assim você não tem, de modo algum, a fantasia de ser Deus.
Quando conhece Deus neste nível, você fica profundamente consciente de si
mesmo, mas não extremamente atento ao seu ego.
Tenho um exemplo pessoal sobre isso.
Certa vez eu fazia um show de músicas originais compostas por mim.
Quando subi ao palco pela primeira vez, senti que havia eu (realidade independente
presa à casca do ego) e havia a plateia.
Eu tinha de agradá-los e eles tinham de me aprovar.
Havia tensão no ar, eu me sentia muito constrangido e temia estragar tudo.
As cortinas se abriram, uma multidão me olhava e, de repente, eu esqueci a
música.
Não sei ler partitura; sempre que faço shows, toco de memória.
Naquele momento, eu tinha perdido a memória.
Estava totalmente paralisado — o que fazer?
Então entendi que tinha de abandonar meu ego e confiar em Deus.
Com fé total, coloquei os dedos no teclado e um milagre aconteceu.
Meus dedos tocaram exatamente as notas certas e graciosamente dançaram pelo
teclado, tocando uma música.
Eu me senti como um instrumento de Deus.
Ele tocava através de mim.
Tudo o que eu tinha de fazer era tirar meu ego do caminho.
Infelizmente, não fui muito bem-sucedido.
Depois de um tempo voltei a ficar constrangido.
Ouvi a voz do meu ego dizer: "Ei, David, você está indo muito bem, muito bem!"
E foi aí que me atrapalhei; errei e comecei a tocar as notas erradas.
Desajeitado e com vergonha, ficando cada vez mais desesperado, joguei meu ego
para fora do palco e voltei a entrar em sintonia com a música.
A eliminação do constrangimento, da atenção às aparências, é uma experiência
alegre e libertadora.
É isso que acontece quando você vive o panenteísmo.
Você não pensa que é Deus, mas se sente como um instrumento Dele.
Sente-se cheio de elevação, mas seu ego não se auto intitula Deus.
Você percebe que não há nada além de Deus, porque você não tem uma existência
independente — sua identidade distinta como "outro que não Deus" é
misteriosamente incluída em Deus.
Nesse momento você sente o milagre do amor que está acima do tempo e do
espaço.

A mensagem do corpo
O que sugere que eu tenho uma realidade independente?
Meu corpo.
O corpo sugere que o "verdadeiro eu" mora neste saco de pele.
O primeiro homem e a primeira mulher não tinham o corpo feito de pele, mas sim
de luz.
No Jardim do Éden, não havia sombra.
A sombra é produzida por algo que interfere nos raios de luz.
Um objeto bloqueia a luz porque tem uma realidade independente que interfere na
luz.
No Jardim do Éden, não havia sombra.
Existiam entidades distintas, mas a luz permeava tudo sem obliterar essas
distinções.
Somente depois que Adão e Eva comeram da Árvore do Conhecimento do Bem e do
Mal, as sombras apareceram.
E eles passaram a se sentir confinados em seu corpo de pele que os separava do
resto da realidade — Deus.
Antes da transgressão, eles estavam unidos àquela realidade.
A escolha de comer o fruto proibido mudou-lhes a percepção do que era real.
Depois da transgressão, o estado de consciência caiu para o mundo da ação — o
nível mais baixo de percepção —, onde a unidade de Deus é mais oculta.
Agora nosso trabalho é subir a escada da consciência e revelar a unidade oculta de
Deus, que continua a permear e abarcar tudo.
No mundo menos elevado, onde a unidade de Deus é mais oculta, percebemos a
Sua unidade de maneira monoteísta: Eu existo, Deus existe e somos separados.
Mas, à medida que ascendemos aos mundos, descobrimos que a lacuna infinita que
há entre nós vai se esvaindo.
Quando chegamos à percepção dos mundos mais elevados, todas as ilusões da
realidade separada desaparecem.
No nível mais elevado de consciência, experimentamos o verdadeiro significado da
unidade totalmente abrangente de Deus e descobrimos que o amor é real.
Isso explica também o significado da jornada dos quatro sábios ao pardes.
O local de partida para a viagem meditativa e metafísica era o mundo mais baixo,
onde a unidade de Deus é percebida pelos olhos do monoteísmo.
O destino era um mundo mais elevado, onde a unidade é vista pelos olhos do
panenteísmo.
Ben Zomá não conseguiu lidar com a aparente contradição entre ter e não ter uma
realidade independente.
Ele enlouqueceu ao tentar juntar a perspectiva do Deus do mundo inferior com a
perspectiva do Deus do mundo superior.
Ben Azai morreu porque se sentiu tão atraído à unidade que se recusou a retornar
a seu corpo, no mundo da separação.
Elisha ben Abuia se tornou herege porque concluiu que todas as fronteiras eram
ilusórias.
Não há nada além de Deus.
Ele passou a ser panteísta, acreditando que tudo é Deus, inclusive ele mesmo.
É por isso que, em protesto contra a sua ilusão, as pessoas começaram a chamá-lo
de Acher, que significa "o outro".
Eles queriam lembrá-lo de que ele é outro que não Deus.
Acher não quis ouvir e começou a fazer várias coisas proibidas pela lei judaica.
Ele acreditava estar além de todos os limites.
Tornou-se um ser iluminado que sabia a verdade sobre o mundo real — onde as
leis e as fronteiras são apenas ilusões.
Esse é o perigo do panenteísmo.
Pessoas como Acher podem entender mal o panenteísmo e confundi-lo com o
panteísmo.
Por isso é fundamental ensinar primeiro o monoteísmo, mesmo que isso tenha
efeitos colaterais problemáticos.
O fato de que não somos Deus deve ficar gravado na mente e no coração de todos.
As pessoas devem primeiro acreditar que são outras que não Deus, mesmo que
pensem ser separadas de Deus e relativamente insignificantes.
Pensar deste modo é crucial para o desenvolvimento espiritual da humanidade.
Assim, quando o panenteísmo finalmente for apresentado, as pessoas não vão
pensar que são Deus.
Elas estarão prontas para entender que tudo está incluído em Deus.
O monoteísmo é um pré-requisito do panenteísmo.
O monoteísmo nos prepara para a verdade suprema do panenteísmo.
Se você é apresentado ao panenteísmo prematuramente, antes de o seu senso de
independência se desenvolver (embora isto seja uma ilusão), pode pensar que não
é um ser distinto, outro que não Deus — que tudo é Deus — e que os limites são
ilusórios.
Em educação, há hora certa para tudo.
Não se pode ensinar a uma criança toda a verdade e nada mais que a verdade logo
de início.
Às vezes é preciso ocultar a verdade completa e revelar apenas parte dela, mesmo
que haja mal-entendidos e efeitos colaterais negativos.
Vale a pena a longo prazo.
É fundamental, para incentivar o bom comportamento, que ensinemos às crianças
o princípio de recompensa e punição.
Porém, em um certo ponto do desenvolvimento, é preciso ensiná-las a fazer o certo
porque é certo, e não por causa da promessa de recompensa ou por medo de
punição.
Quando a criança está na primeira ou na segunda série do ensino fundamental,
pode-se criar um quadro de boas ações para que elas acumulem "pontos" e
ganhem prêmios.
Mas quando a criança chega à terceira série, é bom oferecer uma motivação maior
para o bom comportamento.
Caso contrário, os pontos podem interferir no desenvolvimento da criança com
relação ao motivo das suas ações.
Assim também, o monoteísmo foi positivo para o desenvolvimento do homem, mas
em certa altura ficou contraproducente.
Havia chegado a hora do panenteísmo.

Mal-entendidos Divinos
Esta é a história evolutiva das crenças religiosas.
Primeiro a humanidade precisava acreditar que há apenas um Deus e que nós não
somos Deus.
Precisávamos acreditar que a nossa existência separada e independente era real.
Caso contrário, nunca teríamos desenvolvido a sensação de consciência e aprendido
o valor de limites e fronteiras.
Também precisávamos entender que, perto de Deus, somos relativamente
pequenos.
Isso era necessário para que temêssemos a Deus e controlássemos nossa sede de
poder.
Apesar de o temor a Deus não ser o modo ideal de se motivar uma pessoa, e
muitos de nós resistem e acham que este conceito é desmotivador, ele pode ser
uma ferramenta necessária.
O objetivo é alcançar Deus por meio de amor e reverência, sentimentos inspirados
pelo panenteísmo.
Porém, em certo ponto do desenvolvimento do ser humano, o monoteísmo
começou a bloquear nosso progresso saudável, nos fazendo perder toda
autoestima.
Então veio o ateísmo como reação natural; ele nos ajudou a recuperar um pouco do
nosso amor-próprio e nos libertou do nosso opressivo medo de Deus.
A imagem de Deus apresentada pelo monoteísmo era parcial e, portanto,
enganosa.
Agora estamos prontos para a percepção mais elevada do panenteísmo.
Quando começamos a perder o amor-próprio e a nos rebelar contra Deus, a
verdade total do panenteísmo expressa na Cabalá deve ser revelada.
Podemos, enfim, partilhar o grande segredo.
Era uma questão de tempo.
Tanto o panenteísmo como o monoteísmo podem afetar a humanidade de modo
positivo ou negativo.
Cada abordagem é positiva quando chega na hora certa, e negativa quando chega
na hora errada.
A abordagem monoteísta é positiva quando é este o modo como preciso ver as
coisas.
E é negativa quando continua a ser a perspectiva da religião mesmo que eu esteja
pronto para entender a realidade sob a perspectiva mais elevada do panenteísmo.

O dialeto
Essa era a tensão entre os Chassidim e os Mitnagdim.
Na história judaica, houve um forte conflito entre esses dois movimentos.
O movimento chassídico foi fundado pelo Baal Shem Tov no século 18, na Europa
oriental, e continua a ser um grande movimento atualmente.
O Gaon de Vilna era líder dos Mitnagdim.
Alguns explicam que a tensão se dava com relação à questão educativa sobre se as
pessoas comuns estavam prontas para a perspectiva mais elevada do panenteísmo.
Os Chassidim acreditavam que havia chegado a hora de se ensinar às massas o
segredo da unidade verdadeira de Deus como revelada na Cabalá.
Os Mitnagdim, porém, achavam que tal revelação era prematura e perigosa. Eles
temiam que as pessoas não entenderiam o verdadeiro significado e confundiriam
panenteísmo com panteísmo, pensando que tudo é Deus.
As pessoas então negariam o valor dos mandamentos, cuja própria base é o
respeito aos limites.
Portanto, introduzir os segredos da Cabalá nessa fase do desenvolvimento do
homem seria destrutivo.
Os Chassidim argumentavam o oposto.
Eles sustentavam que se continuássemos a esconder a verdade completa e a forçar
o monoteísmo, as pessoas perderiam a fé.
O monoteísmo se tornou desmotivador.
As pessoas não conseguiam mais lidar com a dicotomia entre o humano e o Divino.
A mensagem implícita da insignificância do ser humano passou a ser
contraproducente e estava fazendo com que as pessoas escolhessem o ateísmo.
Embora esse debate tenha acontecido no século 18, sinto este mesmo dilema
enquanto escrevo este estudo.
Pode ter certeza de que algumas pessoas estão contra mim por escrevê-lo.
Porém, embora eu ache que estas ideias podem ser mal interpretadas, acredito que
chegou a hora de colocar a todos em seu lugar — as pessoas têm de saber que seu
lugar é dentro de Deus.
Conheço algumas pessoas que têm uma tremenda vontade de aprender assuntos
místicos, mas não têm os pés no chão, nem uma reverência apropriada a Deus.
Estas ideias são perigosas para pessoas assim.
Elas podem usar esses conceitos para a própria glorificação e para pensar que são
livres para fazer o que quiserem, como Acher.
Entretanto, conheço pessoas que estão prontas e correm perigo espiritual se não
descobrirem logo os conceitos do panenteísmo.
Um dos grandes mestres chassídicos escreveu uma carta a seus seguidores, na
qual explica:
"Nós, Chassidim, não sabemos o quanto devemos aos nossos oponentes. Eles
estavam certos. O fogo dos ensinamentos místicos dos Chassidim teria queimado
toda a lei judaica. Temos de ser gratos por sua oposição. Eles fizeram o
contrabalanço essencial que nos manteve na linha."
A história eventualmente se equilibra.
A esquerda equilibra a direita e a direita equilibra a esquerda.
Os monoteístas fazem contrapeso aos panenteístas e os protegem de se tornarem
panteístas.
E os panenteístas fazem contrapeso aos monoteístas para que eles não acabem
virando ateus por falta de autoestima.

Crentes de armário
Bom, tenho de admitir que o panenteísmo é como uma viagem psicodélica.
Tudo no Um e Um no tudo é uma experiência surpreendente.
Por isso, precisamos entender que temos de nos segurar no monoteísmo para
experimentar o panenteísmo.
Senão, a luz radiante do panenteísmo pode bloquear todos os detalhes — todos os
limites — e acabarmos vendo a vida através da perspectiva distorcida do
panteísmo.
Este é um dos perigos espirituais da cultura das drogas.
O abuso de drogas pode ser motivado pelo desejo de sentir a unidade de Deus.
O viajante psicodélico tenta voltar a uma realidade primordial indiferenciada para
escapar dos desafios e das responsabilidades deste mundo.
A Cabalá adverte que isso não existe.
A unidade de Deus inclui todas as distinções, toda diversidade e toda multiplicidade
enquanto permanece absolutamente uma.
Existem poucos indivíduos, como o Rabi Akiva, que podem entrar no paraíso e
retornar a este mundo em paz.
A maioria das pessoas não consegue viver nos dois mundos simultaneamente.
A maioria das pessoas, depois de experimentar o êxtase da perspectiva elevada da
unidade, não pode voltar a este mundo.
A maior parte de nós não consegue viver neste mundo prático cheio de detalhes ao
mesmo tempo em que se eleva ao mundo da unidade.
Portanto, temos de ser monoteístas no dia-a-dia da vida pública e panenteístas de
armário nos momentos privados.
"Seis dias farás tuas obras, e no sétimo dia folgarás" (Êxodo 23:12).

Esta é uma das mensagens da história do grão contaminado, contada pelo mestre
chassídico Rebe Nachman de Breslav:
Era uma vez um rei que, junto com um amigo, viu que todo o reino havia
enlouquecido após comer um certo grão.
Todos que enlouqueceram pensavam que eram normais e que o rei e seu amigo é
que eram loucos. (Imagine se todas as pessoas pensassem que são sapos e você
não pensasse que é um sapo; você seria considerado maluco!)
O rei e seu amigo decidiram que também deveriam comer o grão alucinógeno e se
juntar aos outros.
Porém, eles colocaram um sinal na testa para se lembrar depois que haviam
enlouquecido.
Deste modo, apesar de todo o reino ter ficado maluco, ao menos o
rei e seu amigo saberiam que eram loucos sempre que olhassem um para o outro.
Essa história nos ensina que precisamos de lembretes para não esquecer que
somos ligados a Deus.
Vivemos em um mundo maluco e acreditamos que somos separados uns dos outros
e de Deus.
Somente aqueles de nós que podem colocar um sinal na testa para lembrar que já
foram sensatos uma vez, que já viram o mundo de outra maneira, podem manter
uma conexão com o que é real.
É por isso que há uma tradição judaica de atar tiras de couro contendo a expressão
da unidade de Deus — "Escuta, Israel! O Eterno é nosso Deus, o Eterno é um!" —
no braço e na testa, como sinal de que o homem é ligado a Deus.
Vivemos em um mundo onde muitas pessoas pensam que são distintas e normais.
Quem sabe um pouco mais acaba fingindo que os outros estão certos — precisamos
criar lembretes de que estamos apenas fingindo.
Então, sinto dizer que você não pode acabar de ler este capítulo e sair dizendo por
aí que agora é panenteísta.
Você tem de fingir que é monoteísta.
Mas se nos encontrarmos na rua, vamos dar uma piscadela e reconhecer a unidade
que nos abrange e nos mantém unidos.
Esta é a única maneira de viver neste mundo.

O caminho da unidade
Com isso em mente, vamos analisar a visão do monoteísmo sobre os mandamentos
de Deus e como o panenteísmo os entenderia diferentemente.
De acordo com o monoteísmo, Deus Todo-Poderoso que mora nos campos
celestiais ordenou que eu cumprisse a Sua vontade.
Ele pode me recompensar ou me punir baseado na minha disposição de
condescender e agir com obediência.
É claro, posso decidir não agir conforme o Seu comando porque sou independente
— tenho minha própria mente e minha própria vontade.
Porém, reconheço que Deus é mais poderoso que eu.
Seria estúpido se eu procurasse uma briga para tentar me afirmar.
Para que sofrer as consequências e suportar a Sua fúria?
Temo a dor da punição e da perda de uma possível recompensa.
Portanto, embora isso não seja o que eu queira fazer, devo me render e obedecer
se quero sobreviver.
Quem sabe, no futuro, meu autos sacrifício seja recompensado.
Basicamente, o monoteísmo é uma religião de medo.
Agora vamos dar uma olhada no modo panenteísta de enxergar Deus e Seus
mandamentos.
Sob essa perspectiva, não estou contra Deus, mas dentro de Deus.
Não há conflito de interesses porque compreendo não ter existência, desejo ou
mente independentes — minha verdadeira vontade é uma expressão da vontade de
Deus e meu verdadeiro eu é uma centelha de Deus.
Portanto, para ser verdadeiro comigo mesmo e me sentir unido a Ele, quero
cumprir os mandamentos.
Não é obediência, mas sim um ato profundo de expressão.
Entendo que se eu tivesse a perspectiva de Deus, essa seria a minha verdadeira
vontade.
É como quando eu estava ensinando meu filho a usar o banheiro.
No começo, ele achou que eu era maluco.
Eu podia ver em seus olhos que ele estava pensando: "Papai, você está brincando,
né? Você quer mesmo que eu desista da minha liberdade de expressão e da minha
espontaneidade e use este penico? Eu só quero poder fazer onde e quando
acontecer. Sou uma criança natural, saudável e espontânea. Vocês adultos é que
são duros, dogmáticos e sem criatividade."
Por isso, criei um sistema de recompensa para encorajá-lo a obedecer e a
abandonar sua liberdade.
Toda vez que ele usava o penico, ganhava um pedaço de chocolate.
Mas quando ele pegou o jeito, percebeu que não precisava mais de um prêmio
como recompensa por seu sacrifício e obediência.
Ele agora entende que esta é uma maneira mais civilizada de se comportar, e que é
realmente o que ele quer fazer.
Ele não pensa mais que tem de me obedecer; ele escolhe este
comportamento como um modo de ser verdadeiro consigo mesmo, como um ser
humano civilizado e sofisticado.
Isso também é verdade com relação aos mandamentos de Deus.
Inicialmente, parece que é a vontade de Deus contra a nossa.
Há um conflito e devemos nos render.
No entanto, à medida que evoluímos, compreendemos que não temos uma vontade
independente e que a nossa verdadeira vontade é parte do desejo de Deus.
Então entendemos que a recompensa do mandamento é a oportunidade de sermos
quem somos — uma expressão de Deus.
Com esta perspectiva em mente, cumprimos os mandamentos porque queremos, e
não por se tratar de uma obrigação.
Mas se pensamos que há um conflito de interesses e sentimos que estamos
sacrificando a nossa liberdade, então estamos trabalhando com a ilusão de que
somos separados e independentes de Deus.
(Isso explica o Midrash mencionado anteriormente em relação ao modo como
vamos lidar com os mandamentos no futuro — não teremos que obedecer a eles
porque nos será claro que essa é a maneira natural de agir.)
Portanto, para o monoteísta, seguir os mandamentos é um ato de obediência,
motivado pelo medo.
Mas, para o panenteísta, é um ato de auto expressão, motivado pelo amor.
Quando você ama alguém, sente-se unido àquela pessoa.
Se ela lhe pedisse para fazer algo, qual seria a sua resposta?
"Quem é você para mandar em mim? Sei o que está tentando fazer; está tentando
me tornar seu escravo."
Se você realmente ama alguém e sabe que juntos são um, você diria: "Como eu
poderia não fazer? Somos um."
Não há competição.
Há apenas unidade.
No Jardim do Éden, a serpente apresentou a Adão e Eva uma visão monoteísta de
Deus.
Ela disse: "Vocês sabem o real motivo pelo qual Deus ordenou que não comessem
da Árvore do Conhecimento? Porque Ele sabe que, quando comerem, se tornarão
tão poderosos quanto Ele. Ele não quer que vocês evoluam muito. Por isso, para
impedir seu crescimento, Ele proibiu o fruto para poder mantê-los sob Sua guarda
cósmica. Ele não pode deixar que vocês desafiem a Sua onipotência e roubem o
Seu trono."
Este é o problema da visão monoteísta de Deus.
Ela sugere que há conflito e competição entre nós e Deus, que os mandamentos
foram criados para nos fazer abandonar nossa liberdade e para nos subordinarmos
a Ele.
Quando Adão e Eva adotaram essa atitude, se tornaram mortais.
Eles se retiraram da unidade de Deus e abalaram sua conexão com a fonte e a base
de sua vida.
Começaram a sentir seu corpo de pele, que alimentava a ilusão de que eles eram
separados do resto da realidade — Deus.
Depois que comeram o fruto proibido, tiveram medo da morte.
A Cabalá nos ensina que a morte é uma ilusão.
Quando deixarmos nosso corpo, retornaremos ao estado de consciência mais
elevado da nossa união com Deus.
Mas não me entenda mal.
A Cabalá não incentiva o suicídio.
Ela tenta nos fazer enxergar que a sensação de independência e separação que a
presença do corpo sugere é uma ilusão.
Somos distintos e outros que não Deus, mas não somos separados.
Quando entendermos o verdadeiro significado da unidade de Deus, vamos
transcender a morte e descobrir nossa imortalidade.
Temos a sensação de que sempre interagimos com o Deus imortal.
Quanto mais nos identificamos conscientemente com Deus, mais entendemos que
sempre fomos unidos a Ele.
Nunca houve separação.
Apenas na nossa mente.
É uma questão de percepção, conhecimento e comportamento.

O destino da escolha
Agora podemos obter uma compreensão mais profunda de como o livre-arbítrio
interage com o determinismo.
Segundo a Cabalá, nós e todas as nossas escolhas existimos dentro do contexto da
unidade, da vontade e do plano de Deus.
Ou seja, temos livre-arbítrio, mas o que quer que escolhamos se encaixa
misteriosamente no plano de Deus e cumpre a Sua vontade totalmente abrangente.
Isso significa que podemos escolher agir de modo contrário à vontade de Deus,
mas, mesmo assim, não podemos nos opor à vontade de Deus.
Qualquer que seja a escolha, ela serve a Deus.
Se escolhemos fazer o mal ou o bem, as nossas escolhas cumprirão a Sua vontade.
Esse mistério é bem apresentando pelo artista M.C. Escher em alguns de seus
magníficos desenhos.
Em um deles, Escher cria um moinho de água em que a água corre para fora mas
volta ao topo do moinho, que continua a impulsioná-la.
Ele tem outro desenho que mostra uma fila de homens descendo uma escada, mas
à medida que os seguimos, eles gradualmente parecem estar subindo e
misteriosamente acabam aparecendo no topo da escada.
De fato, a vida é como o desenho de Escher.
Sim, você pode fazer outra coisa que não seja a vontade de Deus — mas por que
faria isso?
Você pode descer a escada, mas acabará subindo, quer queira quer não.
É isso que acontece na história de Purim.
Haman, o perverso ministro do rei da Pérsia, decide exterminar o povo judeu.
Porém, sem qualquer intervenção aparente de Deus, ele acaba cavando sua própria
cova.
Encontramos este mesmo padrão na história do povo judeu durante sua escravidão
no Egito.
Os astrólogos do Faraó lhe dizem que o redentor dos judeus nascerá em breve,
mas será derrotado pela água.
Então o Faraó decidiu ordenar que todos os meninos judeus recém-nascidos fossem
jogados no Nilo.
Ironicamente, a mãe de Moisés o esconde em uma cesta impermeável e a coloca
nas águas do rio.
A filha do Faraó vai se banhar e encontra o charmoso bebê.
Ela o leva para casa, ao papai Faraó, e eles o criam no palácio com a educação real
própria para o líder destinado a libertar os escravos judeus do Egito.
Embora o Faraó tenha escolhido se opor ao plano de Deus, ele acabou contribuindo
com a sua execução (mais uma vez vemos como ideias assim podem ser
perigosas).
Então, qual é o significado das nossas escolhas?
Elas fazem a diferença para nós.
Nós determinamos se vamos viver o amor e a unidade de Deus ou se nos
sentiremos separados e em conflito.
Isso nos leva de volta ao versículo de Isaías: "Somente suas más ações o separam
de seu Deus."
Pela perspectiva Divina, nunca estamos separados de Deus, mas pela nossa
perspectiva, em razão das nossas escolhas equivocadas, nos sentimos afastados
Dele.
Muitas vezes temos medo do castigo de Deus.
O que não percebemos é que Deus não precisa nos punir.
Já estamos fazendo um bom trabalho quanto a isso.
A alienação com relação a Deus, que criamos por meio das nossas escolhas, se
torna o nosso próprio inferno.
Então, quando escolhemos alinhar a nossa vontade com a de Deus, criamos nosso
próprio céu — a experiência extática da unidade de Deus e do amor.

O perdão é Divino
Apesar das melhores intenções de criar nosso próprio céu, sempre acabaremos
cometendo erros.
Alguns podem ser bastante desanimadores e ter consequências profundas.
Seremos marcados eternamente pelos erros do passado?
Nosso passado de inferno continuará a nos assombrar?
Se eu roubo algo, posso devolver.
Mas se mato alguém, não posso trazer a pessoa de volta à vida.
Mesmo que poucos de nós tenham feito algo tão grave, todos temos no repertório
vários erros que não podem ser desfeitos.
Conta o Talmud, porém, que no futuro teremos a visão completa da pintura.
Entenderemos que mesmo nosso pior erro, que certamente era contrário ao desejo
de Deus, serviu de algum modo para a finalização da obra.
-Este é o poder transformador do dia especial chamado Iom Kipúr, o dia da
expiação e do perdão.
Há um versículo enigmático no Livro dos Salmos (139:16) que, dizem os sábios, se
refere a Iom Kipúr: "Os dias foram criados e um deles é Teu."
Todos os dias do ano vemos o mundo pela nossa perspectiva, mas há um dia — o
Dia de Deus — em que vislumbramos o mundo pela Sua perspectiva.
Essa é a perspectiva do Mundo Vindouro (a época na história depois da era
messiânica), onde enxergaremos a pintura inteira.
Quando olharmos para trás com a percepção do enquadramento completo,
entenderemos que cada ato e cada acontecimento contribuíram no plano de Deus
para realizar o bem supremo.
O Iom Kipúr é um dia maravilhoso de transformação, em que nossos momentos
mais obscuros do passado se transformam em luz.
Neste dia, a luz do Mundo Vindouro brilha no mundo.
Esta é outra manifestação da misteriosa relação entre o livre-arbítrio e o
determinismo.
Temos livre-arbítrio para não fazer a vontade de Deus, mas ainda assim Deus está
sempre no controle.
Apesar de podermos fazer outra coisa que não seja o desejo de Deus, não podemos
nos opor à Sua vontade, nem destruir Seu plano.
Portanto, quando fazemos algo errado e nos arrependemos, temos de entender
que, o que quer que tenhamos feito, tudo se encaixa no plano de Deus e contribui
para o bem supremo.
Novamente, vemos o perigo da abordagem panenteísta e entendemos por que ela é
um grande segredo.
Talvez as pessoas pensem que podem seguir em frente cometendo erros:
"Que diferença faz se qualquer coisa que faço cumpre a vontade de Deus?"
Apesar de estarmos cumprindo o de desejo de Deus de qualquer jeito, a própria
escolha de ir contra o Seu desejo nos separa Dele.
Essa distância provoca sentimentos de alienação e agonia espiritual, o que pode até
se manifestar como indisposição física ou doença.
É importante lembrar que se nos arrependemos sinceramente de nossos erros e
decidimos não repeti-los, o passado pode ser perdoado, reciclado e colocado à
disposição do bem futuro.
Podemos conseguir a purificação e novamente sentir a nossa união com Deus.
Quando isso acontece, experimentamos algo ainda mais maravilhoso do que o
perdão de Deus: nós nos perdoamos a nós mesmos.
Como mencionado anteriormente, o Talmud chega a dizer que se nosso profundo
remorso vem do amor a Deus, nossas dívidas espirituais são convertidas em
mérito.
Ou seja, podemos até ganhar alguma coisa com nossos erros ao usá-los como um
incentivo para nos aproximar de Deus.
Você já brigou com alguém que ama e depois percebeu como você estava errado?
Quando vocês fizeram as pazes, você não se sentiu mais próximo daquela pessoa
do que se sentia antes da briga?
Você pode até ter pensado: "Talvez a gente devesse planejar uma discussão uma
vez por mês para renovar o nosso amor."
É claro que isso não é necessário porque haverá várias oportunidades de problemas
sem que você tenha de planejá-los.
E vale o mesmo para o nosso relacionamento com Deus.
Há uma regra básica quanto a retificar o passado: reconheça que o que fez é
errado, se arrependa de ter feito aquela escolha, decida nunca mais cometer o erro
e conserte os danos que causou.
Deixe para trás o que não puder consertar e lembre-se de que Deus estava, está e
sempre estará no controle.
Se você não pode corrigir, mesmo tentando o melhor possível, não se preocupe; o
erro de algum modo se encaixa no plano Divino e tudo acontece para o bem.
Esse conceito pode ser facilmente corrompido e mal interpretado.
Não devemos pensar assim antes de fazer escolhas.
Não podemos dizer: "Bom, se é para ser, então não importa o que eu escolha."
Importa sim.
A diferença é entre o céu e o inferno que você cria para si mesmo e para os outros.
A diferença é entre viver em um mundo escuro, doloroso e fragmentado e viver na
luz e na alegria da unidade de Deus.

Em suma
A razão da discrição sobre a vida secreta de Deus é que se você soubesse antes de
estar pronto, poderia pensar que é um com Deus e igual a Deus.
Este foi o grave erro de Acher: no êxtase de sentir a unidade Divina e a sua união
com Deus, ele perdeu o contato com as distinções entre o humano e o Divino.
Este é um erro comum cometido por casais apaixonados.
Na euforia da paixão, o homem e a mulher podem perder a noção saudável de
como são diferentes um do outro.
Eles podem então fazer suposições equivocadas, como: "Somos unidos, por isso,
certamente o que eu quero é também o único desejo do meu amado."
Então vêm as surpresas, as decepções e as brigas.
O Talmud adverte que o amor arruína fronteiras.
É por esta razão que precisamos do monoteísmo, porque mesmo que ele provoque
a sensação de separação e desperte o temor a Deus, ele nos ajuda a manter as
distinções necessárias.
Manter essas distinções intactas nos permite entrar e sair com segurança do
paraíso do panenteísmo (em que sentimos a unidade totalmente abrangente de
Deus) sem cair na armadilha destrutiva do panteísmo (em que todos os limites
entre nós e Deus são apagados).

Continua

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