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Enxergando Deus - Parte 6

Harmonia Perfeita

Lembra-se daqueles velhos musicais em que, de repente, todos que esperam o


metrô começam a dançar e a cantar em perfeita harmonia?
Talvez isso não seja tão fictício quanto parece.
Para ver a perfeita harmonia Divina é preciso explorar em detalhes as duas
próximas sefirót — nétsach e hod.
Na verdade, nétsach significa "eternidade", o que sugere durabilidade,
perseverança, permanência.
Também significa "conquistar", "manobrar", "manipular", ações que comunicam
poder, triunfo e vitória.
Quando se soma tudo isso, a palavra que mais se aproxima de nétsach é
"maestria".
Quando vemos a maestria de Hashem, nos sentimos completamente dominados e
nos afastamos, intimidados.
Hod significa literalmente "glória", "beleza", "esplendor", mas essas traduções não
comunicam o verdadeiro significado da palavra, que está mais próximo de "glória
resplandecente", "beleza encantadora" e "esplendor fascinante".
Acho que a palavra que mais se aproxima de hod é "magnificência".
Quando vemos a magnificência de Hashem, sentimos uma atração "magnética" e
temos o impulso de nos aproximar com amor e admiração.
Cheios de gratidão, ficamos inspirados a rezar e a agradecer.
Vamos analisar essas duas qualidades no mesmo texto porque elas se equilibram,
como ying e yang.
Elas têm de se manifestar em equilíbrio; pouco de uma resulta em muito da outra.
Assim como em qualquer relacionamento, há conflitos gerados por contradições —
por um lado, há atração, desejo de união.
Por outro, há a vontade de se afastar, manter a identidade distinta, estabelecer
limites e fronteiras.
Assim é a nossa relação com Hashem.
Para ser significativa, é preciso um equilíbrio entre atração e resistência.
Quando enxergamos a realidade através das lentes da maestria e da magnificência
Divinas, vemos Hashem na natureza e em nossas vidas.
Quanto mais sensíveis à maestria e à magnificência, mais percebemos que tudo o
que acontece é dirigido e planejado estrategicamente por Hashem.
A vida é uma grande peça, da qual Hashem é produtor e diretor.
Cada cena é perfeitamente escrita e coordenada.

A palavra nétsach também está ligada à palavra "maestro".


Com esta qualidade, começamos a reconhecer que há um maestro conduzindo toda
a criação, toda a história.
E começamos a ver Hashem como o maestro e a nós, como os membros da
orquestra, tocando obras-primas magníficas.
Hashem é o diretor da peça e nós, os atores.
Hashem é o autor e nós, os personagens.
E tudo o que vemos à nossa volta faz parte do cenário.
Todos que conhecemos têm um papel.
Isso se chama "providência Divina".

Providência Divina
Quanto mais abrimos os olhos da alma para ver maestria e magnificência, mais nos
tornamos veículos que canalizam a providência Divina para o mundo.
O que exatamente é providência Divina?
A palavra "providência" origina-se do latim “provider”.
“Pro” significa "antes" e “vider”, "ver".
Providência quer dizer que tudo o que acontece foi orquestrado com antevisão.
Os acontecimentos de hoje têm de ocorrer devido ao que está predestinado.
Muitas vezes é difícil apreciar isso, já que não sabemos o que vai acontecer no
futuro.
Esta é uma das interpretações de um incrível encontro.
Moisés pede a Hashem: "Quero ver Sua glória."
Hashem responde: "Não podes ver Meu rosto, só podes ver Minhas costas."
O significado cabalístico desse episódio místico está além de nós.
No entanto, em um nível mais simples, aprendemos que só é possível ver Hashem
depois que Ele passou por nós.
Não vemos a face de Hashem — ou seja, o presente — enquanto Ele dirige nossas
vidas.
Mas depois, olhando para trás, muitas vezes enxergamos a mão da providência.
Às vezes, com o que acontece em nossas vidas hoje, reconhecemos como Hashem
dirigiu nossas vidas ontem, há um ano ou há uma década.
Isso é ver as costas de Hashem.
Podemos apreciar a antevisão de Hashem por meio da nossa percepção tardia.
Muitas vezes, um acontecimento negativo termina de modo surpreendente.
É quando olhamos para trás e percebemos: "Meu Deus! Tudo tinha de acontecer
exatamente assim para que isso pudesse acontecer! Tudo foi planejado com tanta
precisão, é tão perfeito!"
Conheci um casal, Larry e Ruth, que tentou ter filhos por vários anos.
Um dia eles desistiram e adotaram uma criança.
Infelizmente, a menina tinha um problema sério de saúde que fazia com que
precisasse tirar raios-X do tórax a cada seis meses.
Quando a filha adotiva tinha cerca de seis anos, Ruth finalmente deu à luz sua
própria filha, Amy.
A alegria não tinha limites.
A única sombra na vida do casal era o problema de saúde da outra filha.
Quando Amy tinha um ano e meio, Ruth levou a filha mais velha para seu exame
de raio-X.
Amy estava tossindo há algum tempo, então Ruth pensou: "Já que estamos aqui no
departamento de raio-X, vou pedir um exame para Amy também."
O resultado mostrou que Amy desenvolvia os primeiros estágios de um câncer.
Porque a doença foi detectada tão cedo, a vida de Amy pôde ser salva.
O problema de saúde da filha mais velha teve o efeito positivo de salvar a vida de
Amy.
Isso é providência Divina, que só pode ser vista tardiamente.
O Talmud ilustra essa ideia com a história de uma das viagens do Rabi Akiva.
Ele viajava para um lugar distante, e quando chegou, descobriu que não podia
alugar um quarto e teria de acampar fora da cidade, com um certo desconforto.
No entanto, ele disse: "Isso também é para o bem. Tudo acontece por alguma
razão."
Ele acampou na floresta junto com seu burro e seu galo e acendeu uma vela para
ler textos sagrados.
Pouco depois, o burro e o galo foram devorados por animais selvagens e um vento
forte apagou a vela.
Sem entender por que esses infortúnios se abateram sobre ele, repetiu: "Isso
também é para o bem. Tudo acontece por alguma razão."
Na manhã seguinte, a caminho da cidade, ele viu como esse "lema" era correto.
Durante a noite, a cidade havia sido invadida por ladrões e muitos habitantes
haviam sido assassinados ou capturados.
Ele concluiu que seus animais teriam feito barulho e chamado a atenção dos
ladrões, e a vela, brilhando no escuro, teria revelado o local onde estava.
Os acontecimentos da noite salvaram-lhe a vida.
Tudo foi para o bem.
Todos já tivemos um período difícil na vida, e ao olhar para trás agora, vemos que
foi na verdade um presente.
Às vezes crescemos com o desafio, ou talvez os acontecimentos "conspiraram" a
favor de um resultado positivo e imprevisível.
Muita gente já perdeu o emprego e depois encontrou outro muito melhor, ou teve
uma desilusão que, por meio de uma sucessão de circunstâncias, acabou por
conduzir ao encontro da sua alma gêmea.
Se enxergamos a providência Divina nessas viradas e mudanças de vida, estamos
na verdade vendo as costas de Hashem.
Olhando para trás, podemos ver o quanto Hashem planejou.
Isso é providência Divina.
Certa vez ensinei esse conceito a um grupo de estudantes e pedi que eles
compartilhassem experiências que fossem exemplos de providência Divina.
Uma mulher contou que o pior período de sua vida foram os nove meses em que
estava grávida de um homem que ela não amava.
Ela não queria o bebê e passou toda a gravidez lamentando-se de seu destino.
Considerou o aborto, mas decidiu ter o bebê e dá-lo para adoção.
Quando o bebê nasceu, ela olhou aquele rostinho e nunca sentiu tanto amor e
contentamento.
Hoje ela diz: "Meu filho se tornou a maior bênção da minha vida."
Essa é a consciência de nétsach e hod.
Hashem dirige tudo, e muito melhor do que podemos imaginar.
Isso é verdade, reconheçamos ou não.
A única diferença é o que se escolhe ver.
Se você escolhe ver caos, verá caos.
Se escolhe ver a providência Divina, não vai dar nenhum passo sem perceber o
quão intricadamente orquestrado é o mundo.
Cada um tem o seu papel
Li um livro sobre um autor que decide se apresentar ao seu personagem.
O personagem está sentado em um bar, se divertindo, quando de repente o autor
entra no bar e olha para ele com expressão de familiaridade.
O personagem diz: "Eu te conheço?"
"Se você me conhece? É claro que me conhece!"
"Não conheço não."
Então o autor tira uma caneta do bolso e diz: "Eu te escrevi."
"Como assim você me escreveu?"
"Eu te escrevi. Escrevi você sentado neste bar, segurando este martíni. Sou seu
autor."
E o personagem pula da cadeira e sai correndo do bar, assustado.
Ele corre até ter certeza de estar bem longe daquele maluco.
E senta debaixo de uma árvore, aliviado.
O autor, segurando sua caneta, chega até ele.
A história toda é sobre o personagem fugindo do seu autor.
Infelizmente, a maioria de nós é como o personagem de Vonnegut —
completamente perturbado com a ideia de que não existe por si mesmo e pensa
que é escritor, produtor e diretor do espetáculo.
Quando desenvolve uma percepção mais aguçada para maestria e magnificência,
você passa a olhar as cenas da vida e ver o "diretor".
Olha gazelas pulando e vê um coreógrafo, olha árvores e flores e vê um artista;
toda criação é uma obra-prima que reflete seu Criador.
Os Salmos do Rei David tratam principalmente disso.
Todos foram inspirados nas lentes de nétsach e hod.
O Rei David olhou as maravilhas da natureza e os tumultuosos acontecimentos de
sua própria vida e viu uma sinfonia na qual Hashem é o maestro.
Ele ouviu um concerto.
Muitos dos seus salmos começam com as palavras "Ao Mestre do Canto, um salmo
de David."
Como mencionado anteriormente, a palavra nétsach tem a mesma raiz hebraica
que "maestro".
Hashem é o maestro/mestre, e toda Sua criação — pessoas, rosas, leopardos —
são as notas que Ele toca.
E tudo se encaixa em uma grande sinfonia harmoniosa.
Todos pensamos ser solistas.
Na verdade, fazemos parte de uma única sinfonia.
Na maior parte do tempo, ignoramos completamente o impacto que temos na vida
dos outros.
Você vai para casa feliz porque conseguiu um ótimo emprego, sem pensar que a
pessoa que não foi admitida terá de passar por uma grande mudança de vida.
Você faz o design de um anel para uma cadeia de joalherias sem saber que era
exatamente aquele anel que um homem procurou por trinta anos para dar à sua
esposa.
Estamos todos alistados, saibamos ou não, no exército de Hashem.
Somos todos músicos na orquestra de Hashem, dançarinos no conjunto de Hashem,
jogadores no time de Hashem, atores na peça de Hashem.
Todos com uma missão, um papel.
A única diferença é que alguns de nós veem, vivem e respiram isso, e estão em
constante estado de admiração.
Alguns se recusam a enxergar, preferindo viver no caos.

Nada é supérfluo
Na conclusão da história da Criação, a Torá relata:
"E acabaram (de criar-se) os céus e a Terra, e todo seu exército."
O Midrash pergunta: "Que exército é esse?", e também responde: "Tudo."
Tudo e todos neste mundo têm uma missão.
Cada minhoca, cada formiga, cada pássaro e certamente cada ser humano tem
uma missão, um propósito.
Uma folha, por exemplo, pode ser nutritiva ou ter poderes medicinais.
Pode-se duvidar que a penicilina seja nada mais do que mofo de pão?
Olhando para um reles pedaço de mofo, quem pensaria que ele tem o poder de
salvar vidas?
Essa é a tarefa daquele mofo, ou apenas uma pequena parte de sua missão que
descobrimos até agora.
Nada é supérfluo.
Até mesmo os mosquitos têm um propósito no exército cósmico.
De acordo com o Talmud, Tito, o grande inimigo do povo judeu que destruiu o
Segundo Templo, foi morto por uma pequena mosca.
O inseto entrou em seu nariz, chegou à cavidade craniana, atravessou o cérebro e
o matou.
Aquela mosca estava numa missão de Hashem.
Quanto mais os cientistas estudam ecologia, mais interconexões eles descobrem.
Por exemplo, se eliminamos uma única subespécie, todo o ecossistema se
desequilibra e sofre, porque tudo tem um propósito.
Esse reconhecimento holístico é nétsach e hod.
Quando olhamos a natureza através das lentes de nétsach e hod, encontramos
plano e propósito.
Não é apenas um monte de mosquitos, cobras, árvores, flores, nuvens, pessoas e
acontecimentos; é uma sinfonia complexamente orquestrada, conduzida por um
maestro virtuoso.
Toda cobra, nuvem ou árvore está preparada, esperando a vez de cumprir seu
papel.
Outra incrível história do Talmud ilustra essa ideia.
Na época da ocupação de Israel pelo império romano, o Rabino Isaac Bar-Eliezer
caminhava com seus alunos pelas montanhas de Cesareia quando viu o osso da
coxa de um animal muito grande sair rolando detrás de uma pedra.
Ele disse: "Isso é muito perigoso."
Então pegou o osso e o colocou de volta atrás da pedra.
E o osso rolou novamente. "Que estranho", ele disse, e colocou o osso novamente
no lugar.
Mais uma vez, o osso voltou.
"Este osso tem uma missão."
À distância, eles viram um mensageiro romano e decidiram se esconder atrás de
algumas árvores para ver o que aconteceria.
Durante o período de ocupação, as mensagens de Roma geralmente não traziam
boas notícias aos judeus.
Eles viram o mensageiro chegar mais perto, tropeçar no osso, bater a cabeça e
morrer.
O Rabino Isaac e seus alunos saíram do esconderijo, abriram a bolsa do romano e
encontraram um decreto que ordenava o massacre dos judeus de Cesareia.
Tudo tem uma missão.
Acidentes não existem.
Há plano, direção e ordem perfeitos.
Todo acontecimento cabe num plano maior, como aqueles romances de mil páginas
em que algo insignificante ocorre na página 23 e, três gerações e novecentas
páginas depois, toda a dinastia se salva graças às consequências daquele
acontecimento.
Há inúmeros exemplos verdadeiros no decorrer na história.
O meu favorito é o bíblico Livro de Ester, em que uma linda garota é escolhida,
contra a própria vontade, para ser rainha.
Seus encontros com o rei eram raros e pode-se pensar que toda sua vida era um
terrível desperdício.
No entanto, porque era rainha, ela podia salvar do genocídio todo o povo judeu
residente na Pérsia.
Seu terrível destino se torna uma inacreditável oportunidade de heroísmo.
Suas ações fazem parte de um momento decisivo da história judaica.
Ester foi imortalizada na Bíblia e é lembrada todo ano durante a festa de Purim.

Inspirados
Segundo Kant, duas coisas enchem a mente de admiração quanto mais se reflete
sobre elas: "O céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim."
Quando refletimos sobre o céu estrelado, não podemos deixar de nos sentir
dominados pela fascinante maestria da Criação e inspirados e elevados pela sua
encantadora beleza.
Esta é a mensagem da reza da tarde:
"Bendito sejas Tu, Hashem, nosso Deus, Rei do universo, que pela Sua palavra faz
aproximar as sombras da noite, abre as portas do céu, com sabedoria, e com
discernimento altera períodos, muda estações e ordena as estrelas em suas
constelações conforme Sua vontade. Ele cria o dia e a noite, retirando a luz ante as
trevas e as trevas ante a luz. Ele faz com que o dia passe e a noite chegue, e
separa o dia da noite. Hashem dos exércitos é Seu nome."
Quando observamos através das lentes de nétsach e hod, enxergamos Hashem e
percebemos que tudo faz parte de Seu exército.
Ficamos admirados com o mundo, o nascer e o pôr-do-sol, as estrelas surgindo, a
lua cheia e minguante, as constelações mudando junto com as estações.
Quando fico encantado pelo Grand Canyon, é o buraco no solo que me fascina?
Não, é a grandeza, a glória e a maestria de Hashem.
Quando me inspiro a rezar ou me sinto cheio de gratidão, para quem esses
sentimentos são dirigidos?
Quando fico paralisado com fascínio, estou dominado pelo poder da montanha?
Não.
É o Hashem dos exércitos que Se manifesta no Grand Canyon.
Não posso convencê-lo intelectualmente de nada disso.
Apenas lhe ofereço lentes e espero que olhe através delas.
Você precisa enxergar Hashem no mundo à sua volta e em sua vida.
Quando olhamos através das lentes de nétsach e hod, vemos Hashem como fonte e
poder da natureza, e como a fonte e o poder por trás das nossas próprias histórias
e da história do mundo.
Olhando assim, sentimos admiração e gratidão.
Maimônides, o grande filósofo judeu do século XI, escreveu:
“Quando uma pessoa reflete sobre Suas maravilhosas obras e criações,
imediatamente ama, louva e glorifica, e se enche de um grande desejo de conhecer
o Ser Supremo."
Quando olho as grandes maravilhas da Criação e me sinto inspirado, elevado e
agradecido, sei que enxerguei hod— a encantadora magnificência de Hashem.
E anseio chegar mais perto da fonte de tudo isso.
Por outro lado, quando contemplo as maravilhas da natureza, também me sinto
dominado por um grande sentimento de reverência, pasmo com a imensidão do
vasto universo.
Isso me faz recuar, o que significa que enxerguei nétsach.
Juntas, essas duas perspectivas dialéticas criam uma tensão elétrica semelhante ao
êxtase.
Um dos mandamentos da Torá é amar Hashem.
Como podem os seres humanos cumprir esse mandamento?
Segundo Maimônides, a resposta é contemplar as maravilhas da natureza.
O homem pode encontrar Hashem na natureza como a fonte, o poder e o contexto
por trás e dentro da natureza.
Nossos sábios definem o amor a Hashem não como o amor a um objeto comum,
mas, sim, como um forte desejo interno pela fonte de todo conhecimento e toda
perfeição.
De onde veio tudo isso?
Qual a origem da grandeza?
Qual a origem do esplendor?
Pense numa flor que tenha muitos detalhes, como uma orquídea.
Você observa suas lindas cores e sua forma particular.
Sente a fragrância.
E fica grato por ver uma beleza tão resplandecente.
"Esta flor é incrível!"
E você é atraído à fonte dessa beleza.
Sente amor por Hashem, que se preocupou em colocar orquídeas no mundo.
E você passa mais alguns minutos contemplando aquela orquídea.
Suas formas foram desenhadas de tal forma que, quando uma abelha entra ali para
pegar o néctar, certas partes da orquídea se movem e fazem com que suas anteras
espanem um pouco de pólen na parte dianteira da abelha.
Quando a abelha voa rumo à próxima for, tem a missão de fazer a polinização
cruzada.
Veja que se as anteras fossem um milímetro mais curtas ou mais longas, o sistema
cuidadosamente projetado de polinização cruzada não funcionaria.
Isso tudo lhe causa admiração pela Divina maestria infinita que criou a orquídea.
E você se afasta, pasmo.
Para ver nétsach e hod, é preciso abrir os olhos para o poder magnífico e para a
encantadora beleza da natureza, partes da inspiradora Criação.
Assim você será preenchido por uma corrente de admiração, reverência e amor.

Responder ao chamado
A contemplação da natureza é um exercício poderoso, tão poderoso que,
antigamente, era o caminho para a profecia.
Um versículo dos Salmos declara: "A voz de Hashem está na água, a voz de
Hashem está na terra."
Na floresta, ouvimos água pingando?
Pássaros cantando?
Abelhas zunindo?
Ou ouvimos a voz de Hashem?
Isso depende do nível de consciência, da percepção da totalidade e da sensibilidade
que temos com relação à voz de Hashem quando Ele fala através da natureza.
Não somente os profetas ouviam a "voz" Divina, mas também entendiam as
palavras.
No entanto, para a maioria de nós, apenas ouvir a voz já é uma experiência
milagrosa de amor e conexão.
Imagine que você ama muito uma pessoa e ela viaja para a Tailândia.
Um dia ela liga de um celular e a conexão é tão ruim que você não consegue
entender nada.
Mas você se sente mais próximo só de ouvir a voz dela.
De acordo com a Cabalá, os profetas se abriam para ouvir a voz Divina por meio da
consciência de hod e nétsach, beleza e poder, sentindo o amor e o temor.
No entanto, eles não amavam a natureza, mas a Realidade Suprema, que se
manifesta na natureza e na história.
Albert Einstein escreveu: "Todo aquele que está seriamente envolvido na busca da
ciência se convence de que um espírito se manifesta nas leis da natureza.
Um espírito demasiadamente superior ao do homem. Em sua presença, nós, com
nossos modestos poderes, devemos nos sentir humildes."
Einstein, geralmente reconhecido como um dos maiores cientistas do mundo,
vivenciou uma emoção religiosa que ele sentiu ser a raiz de toda ciência.
"A emoção mais pura que podemos sentir é a mística. É nela que está a origem de
toda arte e de toda ciência verdadeira. É saber que o que é incompreensível existe
e se manifesta na mais elevada sabedoria e na mais radiante beleza, cujas formas
mais brutas podem ser compreendidas por nossas poucas faculdades.
Esse conhecimento, esse sentimento, é a essência do verdadeiro sentimento
religioso. Nesse aspecto, considero que estou entre os homens profundamente
religiosos."
O profeta, o cientista e o artista querem se plugar na fonte de todo poder, de toda
criatividade, beleza e vida.
Eles anseiam se conectar, e não acham que a flor é a fonte de sua própria beleza,
vida ou força.
Eles querem se conectar à verdadeira Fonte.
Baseado nesse desejo, Einstein disse que queria formar uma religião cósmica.
Tarde demais; Moisés chegou primeiro.
Qual a diferença entre Einstein e uma pessoa verdadeiramente religiosa?
Qual a diferença entre a percepção da natureza do cientista e a do profeta?
A resposta é a distinção entre a percepção da natureza e o encontro com Hashem.
O encontro representa um relacionamento.
Quando encontramos Hashem na beleza da natureza, entramos em um
relacionamento com Ele.
E um relacionamento implica responsabilidade.
Sentimos um grande senso de responsabilidade, que é, literalmente, a capacidade
de responder.
Sentimos um chamado, uma disposição para fazer alguma coisa.
Imagine dois artistas caminhando por uma floresta para apreciar a natureza.
Como se pode saber a diferença entre o artista que percebe a natureza e o que tem
um encontro com Hashem?
O que percebe a natureza sente-se dominado pelo poder e aprecia a beleza; ele tira
várias fotos e deixa o tubo vazio e não biodegradável do filme ali no chão onde
caiu.
Porque foi uma experiência, uma percepção sua, ela lhe pertence.
O segundo artista, que encontra Hashem na natureza, sente-se inspirado a pegar o
seu lixo e o de todos, porque aquela é a floresta de Hashem e ele se sente
responsável por ela.
Ele entrou em uma relação, sabe que tem responsabilidades e responde a isso
limpando a floresta.
Quando temos um encontro com Hashem, ficamos motivados a nos alistar em Seu
exército.
Muitas pessoas apreciam a natureza.
Mas será que também encontram Hashem?
Elas apreciam as belas canções dos pássaros, mas será que ouvem a "voz" de
Hashem?
Se ouvissem, saberiam que a voz está chamando, convidando a participar de um
relacionamento.
Esperando uma resposta.
O dever nos chama, e somos inspirados a entender que tudo na natureza tem seu
lugar; que tudo está estrategicamente posicionado.
Nós também queremos estar estrategicamente posicionados.
Nossa resposta ao chamado de Hashem deve ser: "Como me alisto? O que posso
fazer?"

Experiência ou encontro
Lembro-me de uma história sobre um filósofo judeu chamado Martin Buber, que
ilustra a diferença entre percepção e encontro.
Um acontecimento trágico o fez entender claramente a diferença entre perceber a
outra pessoa como objeto e encontrar a pessoa em um relacionamento.
Buber conta a história de um momento decisivo em sua vida.
Ele estava seriamente envolvido em espiritualidade, misticismo e meditação.
Um dia, ele meditava em seu quarto e entrou em um estado incrível de êxtase
místico.
Num certo momento, ele ouviu alguém bater na porta, mas estava tão
"embriagado" que não tinha certeza se havia ouvido direito.
Esperou, então, alguns momentos.
Novamente ouviu a batida. Buber teve de sair bruscamente de sua experiência
mística para abrir a porta.
Quando abriu, viu um sujeito que não conhecia, um estranho.
Naturalmente, se Buber tivesse consciência de malchut, não perceberia ninguém
como estranho.
Porém, ele ficou ali, parado, olhando o estranho que obviamente queria alguma
coisa.
Talvez você já tenha passado pela experiência de ir visitar alguém e, quando a
pessoa abre a porta, você percebe que apareceu na hora errada e se sente
constrangido.
Do mesmo modo, o rapaz percebeu que interrompia Buber e se sentiu muito
constrangido.
Claro que, se ele tivesse a consciência de nétsach-hod, saberia que não há "hora
errada" para nada.
Tudo acontece na hora certa.
Então ele disse: "Desculpe, acho que estou incomodando. Volto outra hora."
Buber, educado como era, disse: "Não, tudo bem. Por favor, entre."
O rapaz entrou na sala e Buber tentou com muita força ouvir e se concentrar no
que a visita tinha a dizer, mas sua mente ainda estava bastante absorvida na
embriaguez que havia acabado de experimentar.
A visita gaguejava, não se sentia à vontade para contar a Martin Buber o que
estava em sua mente e em seu coração.
Por fim, o rapaz se desculpou, pediu licença e foi embora.
E Buber retornou ao seu quarto e tentou voltar ao estado de consciência extático.
Buber soube, tempos depois, que aquele rapaz havia se matado e ficou
completamente devastado.
Ele percebeu que aquele homem bateu à sua porta porque precisava
desesperadamente de ajuda, e ele não correspondeu porque estava
demasiadamente absorvido em sua experiência espiritual.
Foi aí que Buber entendeu como o êxtase místico pode ser falso.
Se não abre a pessoa para ouvir o chamado do dever, se não aumenta a
capacidade de reagir, é uma experiência vazia.
Muita gente quer ter a chamada "experiência Divina".
O nome disso é materialismo espiritual.
Assim como algumas pessoas gostam de colecionar carros, roupas e casas, outras
gostam de colecionar experiências espirituais.
Esse não é o propósito de um relacionamento com Hashern.
Um verdadeiro encontro com o Divino significa ver e ouvir Hashem e responder a
Ele dia a dia.
Em hebraico, isso se chama “teshuvá”, palavra muitas vezes mal traduzida como
"arrependimento", mas que realmente significa "resposta".
Fazer teshuvá é responder ao chamado de Hashern.
Sob essa perspectiva, podemos entender a expressão "povo de dura cerviz",
comumente usada na Bíblia.
O que significa isso?
É alguém que, quando chamado, segue seu caminho sem se virar para escutar.
Teshuvá significa voltar e dizer: "Sim, estou aqui. O que posso fazer?"
Na Torá, Hashem inicia um diálogo com Abrahão: "Abrahão, Abrahão."
E espera ele responder: "Hineni (Aqui estou)."
Isso é teshuvá, virar-se para ouvir o chamado e responder a ele.
Quando olho a natureza, percebo que tudo está "de plantão".
Todos no mundo estão de plantão.
E todo acontecimento é propositalmente planejado como uma cena na peça da
vida.

O verdadeiro sensacional
Nessa geração, nos afastamos tanto da sensibilidade de nétsach e hod que nos
tornamos famintos do oposto: o sensacional, o que significa que ficamos insensíveis
aos nossos sentidos, tendo que procurar maneiras grandiosas e estranhas de nos
emocionar.
Quando eu era adolescente, shows de rock me atraíam muito.
Eu pensava ter experiências espirituais nesses shows.
Um dos roqueiros de quem eu mais gostava era Alice Cooper, que fazia as coisas
mais grotescas no palco.
Ele cantava uma música com uma cobra em volta do corpo.
Depois ele tirava uma bonequinha do bolso e cantava a música Dead Babies
("Bebês mortos").
Ele despedaçava a boneca e jogava os pedaços à plateia, e as pessoas disputavam
cada um deles.
Pagava-se 50 dólares para ficar na primeira fila e pegar um pedaço da boneca
destruída por aquele roqueiro maluco.
Então ele pegava uma melancia, jogava-a no chão do palco e chutava os pedaços à
plateia.
Imagine só pagar 50 dólares para alguém chutar uma melancia na sua cara!
O grand finale do show era a banda enforcando Alice Cooper no palco.
A música seguia de forma crescente enquanto eles colocavam a corda em volta do
pescoço do artista e depois tiravam a cadeira em que ele estava.
De repente, o palco ficava totalmente escuro e uma luz muito forte iluminava seu
rosto, que realmente parecia o de uma pessoa morta.
Então o palco ficava escuro novamente, e quando as luzes voltavam, Alice Cooper
dançava vestindo um terno branco.
As pessoas no estádio pulavam de suas cadeiras, descontroladas, aterrorizadas.
O sensacional deveria aguçar nossos sentidos.
Mas faz o contrário.
Ele nos tira a sensibilidade, e o próximo show ou filme tem de ser mais sanguinário,
mais nojento, para que possamos responder de alguma maneira.
Lembra-se do filme Bonnie e Clyde?
Na época, era sensacional ver sangue pingando detrás dos arbustos e manchas de
sangue no vestido branco de Bonnie.
Isso não funcionaria hoje em dia.
As pessoas querem é ver a bala em câmera lenta atravessando a testa da vítima e
o cérebro espalhado para todo lado.
O que realmente procuram?

Nétsach e hod
Desejamos uma experiência dominante, em que nos sintamos embriagados e sem
fôlego.
Ao mesmo tempo, queremos a experiência da admiração, atração, inspiração e
valorização.
Mas se perdemos a capacidade de ver nétsach e hod, procuramos a loucura,
maneiras artificiais de simular essas sensações.
E não funciona, porque isso nos torna menos sensíveis, e não o contrário.
Certamente não inspira responsabilidade.
O que funciona?
Não vai ser um show de rock ou um filme de suspense.
E não se vai ao Grand Canyon todo dia.
Se você quer se tornar novamente sensível às maravilhas da natureza, aprenda a
ver o Grand Canyon numa maçã, numa tulipa, num pássaro.
É só abrir os olhos para enxergar.
Quando segurar sua maçã hoje no almoço, considere que Hashem, que abarca toda
a realidade, criou esse objeto compacto, bonito, colorido e perfeitamente
embalado, que pode alimentá-lo com uma riqueza de vitaminas e minerais, tudo na
medida certa.
Considere que esta maçã pode se transformar em células do cérebro, dos
músculos, do pâncreas — isso é maravilhoso!
Quando você para e pensa nisso, fica admirado e grato.
Não aceita mais nada como certo, porque percebe que tudo foi perfeitamente
planejado para o seu bem.
Assim sendo, você viverá num mundo completamente diferente.
O verdadeiro sensacional é a capacidade de ver o céu em um grão de areia.
Não é preciso ser um profeta para enxergar isso.
Todos podemos ver o espírito superior, a realidade suprema e abrangente que está
na natureza e na história, nos chamando por meio de cada criatura, cada planta,
cada pessoa que conhecemos e cada situação que vivemos.

Exercícios para enxergar melhor


• Feche os olhos e pense em três imagens diferentes de maestria.
A primeira, da natureza; a segunda, do reino animal; e a terceira, de uma pessoa
conhecida que incorpore maestria.
• Feche os olhos e pense em três imagens diferentes de magnificência.
Novamente, escolha uma da natureza, uma do reino animal e outra de uma pessoa
conhecida que personifique essa qualidade.
• Quando eu era criança, gostava de uma brincadeira chamada "eu espio".
Cada jogador tinha a vez de dizer aos outros: "Eu vejo algo que é... (marrom, por
exemplo)."
Todos olhavam em volta para adivinhar o que era.
Faça essa brincadeira com as cores Divinas.
Procure maestria e magnificência.
Aprenda a ver essas qualidades espirituais em todo lugar.
• Lembre-se de três acontecimentos em que você pôde ver, depois que ocorreram,
que eles faziam parte da perfeita providência Divina.
• Há algum acontecimento em sua vida que deixou você irritado, mas que agora o
faz sentir-se grato porque o ocorrido era, na verdade, um presente? Pense em três
situações difíceis pelas quais você passa agora. Você consegue dizer, sobre cada
uma, "isso é para o bem"?
• Você já conheceu algum estranho que mudou a direção da sua vida?
• Da próxima vez em que estiver num local público, tente imaginar que, naquele
momento, cada pessoa tem um papel único no palco da vida e que todos fazem
parte de uma cena dirigida por Hashem.
• Nada é supérfluo. Você já pensou em jogar algo fora e depois precisou
exatamente daquilo?
• Você já foi tocado, com admiração e reverência, pela maestria e magnificência do
mundo e por isso sentiu uma certa responsabilidade? O que você fez?
• Você já teve alguma experiência pessoal exageradamente sensacional? Já teve
alguma alegria verdadeira?

Continua

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