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O PAPEL EDUCATIVO DO ENGENHEIRO DE SEGURANÇA

DO TRABALHO∗∗

Roseli Rodrigues de Mello∗∗ ∗∗


Departamento de Metodologia de Ensino -Universidade Federal de São Carlos
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This paper approachs the possibility of the safety engineer take on mindful
your educational role. He can criate favorable circunstances of professional and personal
development workers by way the work organization and the planned training courses. The
purpose is to contribute to reflexive process about engineer’s quotidian work. To be
concerned with attempt to transpose Educational’s knowledge for the enginner’s actions.

Educational role; enginner’s actions; professional development.

Todos nós vivenciamos processos que envolvem relações de ensino e de


aprendizagem. O mais evidente ao abordarmos o assunto é a lembrança dos anos que
passamos na escola. Ano após ano, sentamo-nos em carteiras escolares, de frente para a
lousa, ouvindo o que o professor dizia e obedecendo os seus comandos (copiar a lição da
lousa, ouvir a explicação, resolver exercícios, acompanhar a correção dos exercícios,
responder às perguntas quando solicitados, fazer provas). Quem não se lembra de decorar
os ‘pontos’ e a tabuada, e de fazer o ditado?
Mas, se pensarmos na progressão do percurso escolar, notaremos que,
enquanto alunos, fomos ganhando autonomia e responsabilidade. Na universidade, o
professor não controlava mais se copiávamos ou não os exercícios; se assistíamos a aula
toda, se nosso caderno estava em dia; afinal, já éramos adultos e devíamos nos
responsabilizar pelas nossas atividades e arcar com as conseqüências de nossas ações.
Do tempo em que éramos alunos do 1o. grau, para os dias de hoje, o
conhecimento sobre os processos de aprendizagem e de ensino vêm se desenvolvendo
intensamente. Sabe-se, por exemplo, que no decorrer da vida cada pessoa passa por
desenvolvimento cognitivo, possibilitando a aprendizagem de conceitos mais abstratos - a
obra de Jean Piaget é marco teórico nesta perspectiva. Além disso, sabe-se, também, que a
interação social entre as pessoas, nos diferentes espaços da vida (família, escola, local de
trabalho, etc.) é fator decisivo no desenvolvimento da cognição, da sociabilidade, da
afetividade, de valores e concepções e de competências - sobre o assunto ver Vygotsky
(1988).
Assim, falar em educação é também falar sobre processos que ultrapassam
os muros da escola.

1. Trabalhando alguns conceitos.

As referências ao percurso escolar estão inseridas num âmbito educacional


que costuma ser, muitas vezes, sinônimo absoluto do conceito de educação. Trata-se,
porém, de apenas uma das várias modalidades (a literatura a respeito do assunto apresenta várias
denominações e subdivisões; utilizo três categorias bastante amplas que, ao meu ver, incluem as demais). A
educação escolar, nos seus diferentes níveis de ensino (primeiro, segundo e terceiro graus) pertence à
modalidade de educação formal.
A principal característica da educação formal é estar organizada num
sistema seqüencial e centralizado por órgãos do Estado. Nos diferentes níveis e graus do
sistema escolar, há currículos definidos, sobre os quais os professores têm de se debruçar,
organizando e selecionando os conteúdos a serem ensinados, a melhor forma de ensiná-los
e maneiras de acompanhar e intervir na aprendizagem dos alunos. Este planejamento deve
ser guiado pelos objetivos que se quer atingir. Assim, o professor é alguém que tem a
intenção e tem por função ensinar seus alunos.
Porém, bem sabemos que nossas aprendizagens não se restringem às que
desenvolvemos na escola. Antes mesmo de freqüentarmos as primeiras séries, já havíamos
aprendido muitas coisas. De outro lado, depois que nos formamos na universidade
continuamos aprendendo.
Como afirma Destro (1995), durante toda a vida, um indivíduo adquiri
valores e conhecimentos que podem gerar novos comportamentos a partir das experiências
cotidianas e dos recursos educativos procedentes do seu meio. Em outras palavras, pode-se
dizer que através da interação direta ou mediada de uma pessoa com o seu ambiente ela se
transforma, ao mesmo tempo que transforma seu meio.
Desde o nascimento, cada indivíduo está imerso num processo educacional.
A experiência de viver cotidianamente o dia-a-dia constitui a base das crenças, hábitos,
valores, atitudes, padrões de fala e outras características de uma pessoa. Na vida em
família, na convivência no bairro, na freqüência a clubes e igrejas, no contato com a
televisão e outros meios de comunicação, nas relações de trabalho, etc. vão se produzindo
resultados tão sem consciência que, muitas vezes, acredita-se que já nasceram com a
pessoa (Arouca, 1995)
Além disto, vale lembrar as várias ocasiões nas quais paramos para
examinar conscientemente as experiências vivenciadas, discutindo-as através de
conversação, buscando explicações, interpretações, esclarecimentos. Ou, ainda, quando
uma pessoa nos instrui sobre algo, ou sua atuação nos serve de exemplo. Podemos tomar
como ilustração deste tipo de educação espontânea: a criança que aprende a usar talheres
para comer (por observação e por instrução); o menino que explica ao vizinho as regras de
um jogo; dois amigos que discutem uma notícia de jornal; um colega que explica a outro os
procedimentos envolvidos em uma determinada tarefa do posto de trabalho. Todos estes
processos de educação espontânea compõem a modalidade de educação informal.
Comparando-se a educação formal com a informal, percebe-se que o que as
distingue é a intencionalidade. No primeiro caso, os professores planejam o que fazer para
colocar os alunos em contato com determinadas informações, operarem com elas, tendo a
intenção de ensinar-lhes algo. No caso da educação informal, as experiências pelas quais
os sujeitos passam não são planejadas conscientemente para serem educativas; aprende-se
sem se ter alguém que tenha a intenção de ensinar.
Além da diferença de natureza dos processos envolvidos em cada uma
destas duas modalidades de educação até aqui mencionadas, há, também, a diferença entre
os saberes constituídos em cada uma delas.
Schön (1992) define o saber escolar como aquele que se apoia em fatos e
teorias aceitos como o certo e que contém respostas exatas. Este saber seria composto por
partes isoladas, que podem ser combinadas em sistemas cada vez mais elaborados, levando
a um conhecimento avançado - o que determinaria um movimento que vai do elementar ao
complexo.
Segundo este autor, o saber escolar é organizado em categorias que não
permitem o agrupamento de acordo com os seus contextos situacionais. Além disto, ele
ocuparia um lugar privilegiado, dando margem à "rotulação" dos alunos que apresentam
problemas em sua aquisição. Por fim, o conhecimento escolar implicaria representações
formais, que envolvem referências fixas e uniformes.
No caso dos processos de educação informal, o tipo de saber que se tem é o
que Schön (ibid.) denomina de conhecimento tácito. Para ele, este tipo de conhecimento
se constitui no cotidiano de forma intuitiva, experimental e espontânea. Envolve
representações figurativas, que se estabelecem na maior proximidade possível das
experiências cotidianas, implicando agrupamentos situacionais e contextualizados para sua
interpretação
Voltando às modalidades de educação, teríamos por fim uma que é de
especial interesse para a atividade do engenheiro: a educação extra-escolar. De maneira
geral, pode-se definir esta modalidade como “toda atividade educativa organizada que se
situa fora do sistema (escolar)” (Destro, 1995: 23). Insere-se aqui a formação que se dá
dentro da atuação profissional e que freqüentemente é denominada por treinamento,
reciclagem, aperfeiçoamento e capacitação.
Alguns autores indicam a inadequação desses termos para definir um processo educativo
(ver Marim, 1995):
a) a noção de treinamento reduziria a concepção de aprendizagem à aquisição de automatismos, como se
‘aprender’ não envolvesse sempre processos de compreensão e de interpretação - esta noção compararia o
homem com uma máquina;
b) reciclar, por sua vez, teria a conotação de alteração radical de determinado material a partir de
manipulação; assim, desconsideraria-se a existência de conhecimentos, valores, concepções, etc.,
pertencentes ao sujeito;
c)aperfeiçoamento implicaria a noção de que um processo educativo seria capaz de completar alguém, torná-
lo perfeito, de concluí-lo, quando, na verdade, o processo de desenvolvimento humano pode ocorrer durante
toda a vida;
d) capacitar seria aceitável se a noção de tornar alguém capaz de desenvolver alguma atividade
compreendesse também a consciência de que o ambiente de trabalho e as condições oferecidas são co-
responsáveis pelo desenvolvimento da competência de um sujeito
Tendo em vista estas considerações, prefiro denominar este tipo de ação de
‘formação continuada’.
Como subcategoria da educação extra-escolar, a formação continuada
apresenta-se como o reconhecimento de que somos “eternos aprendizes”. Assim,
considerando que vivemos num meio em constante mudança e no qual podemos interferir,
a educação continuada pode ser veículo de desenvolvimento pessoal e profissional.
Tendo a intenção de ensinar, um engenheiro de segurança do trabalho pode
tornar-se agente educativo em sua atuação, tomando para si o papel de educador.
Numa perspectiva de educação continuada como veículo de
desenvolvimento pessoal e profissional, o papel do educador seria o de coordenar as
representações figurativas advindas dos processos de educação informal, principalmente os
conhecimentos adquiridos na experiência profissional, e as representações formais
decorrentes do conhecimento sistematizado (seja ele científico, escolar ou técnico). Dessa
forma, auxiliaria os educandos a associarem estas diferentes estratégias de representação.

2. A contribuição da Didática para a atuação educativa intencional do engenheiro.

A Didática apresenta-se desde seu nascimento com um caráter


eminentemente instrumental, mantendo a idéia de que seria “um artifício universal para
ensinar tudo a todos”- referência à proposição feita por Comenius em sua “Didática Magna” no século
XVI - (Candau, 1988:14). Isto foi, no entanto, colocado em questão no decorrer da década
de oitenta, quando se partiu para uma nova perspectiva: a didática fundamental.
Fazendo-se uma adaptação das principais características que, na visão de
Candau (ibid), devem informar a construção de uma didática fundamental poderia-se
indicar para a atuação do engenheiro-educador:
a) levar em conta a multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem, ou seja, a
necessidade de articulação das dimensões técnica, humana e política envolvidas nesse
processo;
b) partir da problemática educacional concreta;
c) levar em conta a contextualização da prática pedagógica;
d) explicitar os pressupostos envolvidos nas abordagens metodológicas escolhidas (qual a
visão de homem, de sociedade, de conhecimento, de trabalho, etc.);
e) iniciar a reflexão a partir de experiências concretas, procurando trabalhar continuamente
a relação conhecimento formal - conhecimento tácito;
f) através de práticas pedagógicas críticas, buscar uma eficiência comprometida com a
transformação social.
Tratando-se de uma atuação educativa intencional, o engenheiro de
produção em geral, e o de segurança do trabalho em particular, pode tanto interferir no
ambiente de trabalho como atuar de maneira a realizar atividades de ensino úteis ao
desenvolvimento profissional.
Com relação ao ambiente, este engenheiro pode intervir no meio físico e na
organização do trabalho, em busca de criar condições mais positivas. Um exemplo seria a
proposição intencional de interação entre trabalhadores - vale lembrar que a troca de
experiência, a orientação para uma atividade, a discussão de melhores soluções para
determinado impasse ocorrem como processos de educação informal e podem ser
potencializados. Pode-se, ainda, criar canais de diálogo permanente para que os sujeitos
possam expressar os desconfortos e penúrias de seu trabalho e refletir em conjunto com o
engenheiro para alterar tal situação. Pode-se, também, criar canais de comunicação com os
grupos pertencentes ao ambiente de trabalho para compreender sua forma de ver, sentir e
pensar o vivido no trabalho, para traçar alternativas de interações mais frutíferas.
Quanto à situação de ensino em si, seja na forma de exposição de
determinados conteúdos/técnicas, seja de orientação no posto de trabalho, o planejamento
da interação do engenheiro com um grupo de trabalhadores ou empregadores deve ser
planejado. Encontra-se aqui uma grande contribuição que a didática pode dar ao
engenheiro-educador.
O planejamento pode ser vivido como um momento de reflexão do que se
quer desenvolver e de projeção de como isto pode ser feito. Os pontos tradicionalmente
envolvidos num planejamento de ensino são: o quê se quer ensinar, para quem, por quê e
como. Estes pontos podem ser organizados em itens como: objetivos, conteúdos, sujeitos,
metodologia e avaliação.
Os objetivos podem ser desmembrados em gerais e específicos. Os gerais
referem-se às mudanças pretendidas num quadro mais amplo, explicitando-se motivos e
necessidades (que no caso do engenheiro devem, também, contemplar o bem estar do
trabalhador). Os objetivos específicos devem revelar com mais exatidão as mudanças de
atitude que se quer desenvolver nos sujeitos a quem a atividade educativa se destina.
Os conteúdos a serem ensinados podem ser de cunho técnico, científico e/ou
atitudinal. Pode-se, por exemplo, abordar o uso de novo equipamento de proteção que
implica rotinas diferentes das até então vividas. Isto poderia ser desdobrado em conteúdos
científicos (os processos fisiológicos e danos proporcionados ao organismo caso não se use
o equipamento), técnico (o funcionamento do equipamento e as possíveis formas de
utilização) e atitudinal (a formação de duplas de trabalho para colaboração mútua na
utilização do equipamento).
A forma de desenvolvimento de cada um desses conteúdos para permitir
acesso, elaboração, interpretação e apropriação por parte dos sujeitos deve levar em conta
quem são estes trabalhadores, quais são suas expectativas, seu conhecimento tácito, seus
hábitos. Deve, também, levar em conta o que se quer ensinar e os recursos disponíveis para
tal. Para cada um dos conteúdos descritos no exemplo acima, poderia-se pensar uma forma
mais apropriada de abordá-los (iniciar por uma dinâmica de conversação em que os
sujeitos pudessem falar de suas rotinas de trabalho, de suas penúrias, etc.; fazer uma
exposição sobre os processos fisiológicos; fazer uma demonstração do uso do
equipamento; acompanhar sua utilização durante um período no posto de trabalho; reunir-
se algumas vezes com os sujeitos para discutir as dificuldades e inconvenientes, buscando
soluções e adaptações) - ver Veiga (1993).
Por fim, prevê-se num planejamento a avaliação. Normalmente pensa-se em
avaliação como sinônimo de medir se o educando tornou-se ou não competente diante do
processo de ensino ao qual foi submetido. Esta visão é uma deturpação advinda das
práticas pedagógicas escolares em que se atribui a culpa da não-aprendizagem ao aluno,
desconsiderando-se se, de fato, o processo utilizado foi o melhor para ensiná-lo, ou se lhe
foram oferecidas condições objetivas de aprendizagem. O que nos interessa é que a
avaliação seja um processo de acompanhamento do ensino e da aprendizagem, de forma
que o educador possa interferir, buscando condições objetivas de aprendizagem
(linguagem e dinâmica apropriadas, tempo e espaços adequados ao processo - prever-se,
por exemplo, as atividades para o período de jornada do trabalhador, não sendo
sobreacréscimo). Assim, a avaliação deve ser referência para replanejar o que está se
mostrando inadequado.

3. Algumas considerações

Como se pode ver há uma grande possibilidade de, de posse de


conhecimentos da área educacional, mais especificamente da Didática, o engenheiro de
produção e o de segurança do trabalho assumirem intencionalmente um papel educacional
junto aos trabalhadores.
No âmbito dos diversos postos de trabalho, estes profissionais podem criar
situações que favoreçam a interação entre os trabalhadores para, juntos, saberem identificar
problemas, buscar soluções imediatas ou comunicar as dificuldades em processos
construtivos de avaliação das condições de produção. Tendo clareza desta meta podem
interferir na organização do trabalho para concretizá-la.
Quanto às iniciativas de formação continuada, saber quem são, o que
pensam, como trabalham as pessoas com quem se vai atuar é condição fundamental para
fazer a necessária mediação entre os conhecimentos que elas já dominam e os que se quer
ensinar. Vale lembrar que há uma tendência natural de recusarmos ou resistirmos a
mudanças se não as compreendemos, ou se não estamos convencidos de que elas trarão
melhorias.
Analisar a natureza do conhecimento que será abordado, é outra condição
para que se escolha as formas mais adequadas de ensino, cuidando para que os
trabalhadores tenham a chance de aplicar os novos conhecimentos e discutir a viabilidade e
as dificuldades, em busca de melhorias. Avaliar passa, assim, a ser parte de um processo
que visa o desenvolvimento pessoal e profissional de todos.
Para encerrar, merece ser lembrado que, para concretizar a perspectiva aqui
proposta, o engenheiro deve também assumir o papel de educador frente a seus
empregadores, sensibilizando-os para os aspectos humanos envolvidos em sua empresa.

Notas:

Agradeço a colaboração do Prof. Dr. Paulo Eduardo Gomes Bento (DEP/UFSCar), engenheiro de produção,
na discussão deste texto quando ainda estava sendo redigido.
∗∗
Doutoranda em Educação, na área de Metodologia de Ensino do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de São Carlos, e Professora Assistente do Departamento de Metodologia de Ensino
da mesma Universidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AROUCA, Lucila S. Pontos para Reflexão: conceituação sobre Educação


Continuada. Campinas: Texto mimeo, 1995.

CANDAU, Vera Maria (org.). Rumo a uma Nova Didática. Petrópolis: Vozes, 1988.

DESTRO, Martha Rosa P. Educação Continuada: visão histórica e tentativa de


contextualização. In Caderno Cedes, 36. Campinas: Papirus, 1995 (p. 21-28).

MARIM, Alda J. Educação Continuada: introdução a uma análise de termos e


concepções. In Caderno Cedes, 36. Campinas: Papirus, 1995 (p. 13-20).

SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA,


Antônio (org.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992
(p.77-91).

VEIGA, Ilma Passos A. (org.). Técnicas de Ensino: por que não? Campinas: Papirus,
1993.

VYGOTSKY, Lev S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

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