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Comunicar, vender ou fazer sonhar?

- a revista customizada como forma de ganhar atenção, credibilidade e


imagens positivas para a marca

Katia Perez1

Resumo
Mais que vender produtos e serviços, a sociedade atual „compra‟ valores intangíveis.
Portanto, a apresentação de imagens positivas da organização a seus públicos de interesse
constitui um jogo de imagens essencial na relação marcas e consumidores. Um dos canais
de comunicação usados para este fim – por também carregarem atributos como captura a
atenção e credibilidade – são as revistas customizadas. A MIT Revista, publicação
customizada da Mitsubishi Motors do Brasil, é aqui estudada para mostrar como se dá a
criação dessas imagens positivas, por meio da „venda‟ de sonhos, estilos de vida e a
figura do herói.

Palavras chave: Comunicação. Consumo. Imagens positivas. Revista customizada. MIT.

O consumismo moderno não é materialista.


(Colin Campbell)
Introdução
Consumo. Esta é a prioridade do século XXI. Não importa como é intitulada a
sociedade atual: de consumo, consumista, de consumidores, da abundância, do sonho,
hiperconsumista, líquida. A nomenclatura está invariavelmente atrelada ao ato de
consumir. O consumo, nestes tempos incertos/ ilusórios, não se detém a produtos e
serviços, mas se estende a pessoas e valores. E mais importante que os atributos materiais,
estão os valores intangíveis, as imagens que os indivíduos fazem de si mesmos (auto-
imagem), do outro, seja uma pessoa ou organização/marca, e qual imagem a organização
quer que seus públicos tenham dela própria (imagem pretendida). Um verdadeiro jogo de
imagens, uma casa de espelhos.
Quando refletimos sobre este relacionamento entre organizações/ marcas e
consumidores percebemos que o esforço das organizações para que seus clientes criem

1
Jornalista e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade
Metodista de São Paulo (PósCom). Mestra em Comunicação Social com ênfase em Comunicação dentro
das Organizações e Especialista em Planejamento Estratégico em Comunicação, pela mesma instituição.

1
imagens positivas (delas mesmas ou de suas marcas, produtos ou serviços) está
profundamente ligado ao seu desempenho financeiro.
Ou a organização conquista os indivíduos, destacando-se entre os demais
concorrentes, ou ela será facilmente esquecida. Para chamar a atenção de seus públicos
de interesse, em um mercado altamente competitivo, novas ferramentas de marketing
surgem, buscando não só a atenção, mas a credibilidades dos consumidores.
Foi pensando neste cenário que nos propomos a estudar um canal de comunicação
direto entre a organização e o consumidor e que está ganhando espaço nas empresas
dispostas a investir nesse relacionamento: as revistas customizadas. Produzidas sob
medida com foco em seus consumidores ou possíveis consumidores, estas publicações
são um meio de capturar a atenção, despertar credibilidade e gerar imagens positivas.
Para estudar este tema complexo, e tentando entender como se dá esse processo de ganho
valorativo intangível, revisitamos alguns dos principais pesquisadores da nossa sociedade
consumista. Também buscamos ilustrar esse trajeto teórico analisando a revista MIT
(mais especificamente, a edição nº 60) 2 , produzida pela Mitsubishi Motors do Brasil,
editada pela Custom Editora + Branded Content, cuja tiragem ultrapassa 100 mil
exemplares trimestralmente.
Seguindo este caminho, nosso objetivo, então, é discutir como se dá a captura da
atenção do consumidor, com credibilidade de conteúdo, para geração de imagens
positivas, usando-se as revistas customizadas, canal de comunicação visto não apenas
como uma tendência, mas já como realidade das organizações.

Consumir imagens
A grama do vizinho é sempre mais verde3, diz o popular ditado da língua inglesa.
A frase parece também descrever o perfil dos consumidores, desde os que surgiram com
a Revolução Industrial - as classes mais abastadas e dominantes que podiam se preocupar
em adquirir pequenos artigos de luxo como romances, brinquedos e roupas da moda
(CAMPBELL, 2001) - até os dias atuais. Esta emulação, amplamente analisada por

2
Disponível em <https://issuu.com/mitsubishimotors/docs/mit60>
3
“The grass is always greener on the other side.”

2
Thorstein Veblen (VEBLEN, 1965), chega a tal ponto que apenas possuir bens e
propriedades não é o suficiente. É necessário mostrar ao outro, àqueles que pertencem ao
mesmo grupo social, que a sua grama é realmente mais verde (apesar da efemeridade
dessa mais nova conquista). Isto para garantir sua posição, sua reputação ante os demais.
Para obter e conservar a consideração alheia não é bastante que o
homem tenha simplesmente riqueza ou poder. É preciso que ele
patenteie tal riqueza ou poder aos olhos de todos, porque sem prova
patente não lhe dão os outros tal consideração. (VEBLEN, 1965, p. 48)

São os conceitos de distinção, significando diferenciação e também status,


superioridade, enfocados por Pierre Bourdieu, conforme cita Mário Ernesto René
Schweriner (2006). “Tal análise se embasa na luta permanente dos estratos superiores em
se diferenciar, distinguir-se dos demais por intermédio do monopólio dos bens
posicionais” (SCHWERINER, 2006, p. 142).
Esta satisfação de mostrar-se inserido em determinado grupo social superior
satisfaz o indivíduo por um tempo. Mas, depois de um breve período, ele voltará a olhar o
gramado do vizinho, que continua verde (ou mais verde) e vem a vontade de, não apenas
alcançá-lo, mas superá-lo.
Claro que é importante escolher bons produtos e serviços e fazer uso das
facilidades que a vida moderna proporciona. Mas esta etapa do consumo não é a
fundamental (CAMPBELL, 2001, p. 131). A busca pelo prazer, pelo bem-estar, pela
satisfação imaginativa é essencial e os indivíduos, portanto, sempre querem desfrutar
delas.
A imaginação e as imagens por ela criadas aparecem, aqui, como ponto central
para entendermos o jogo de imagens do qual todos participam, mesmo sem perceber.
Transportando o conceito de formações imaginárias nos processos discursivos, do
filósofo Michel Pêcheux (1990), para o comportamento da sociedade da atualidade,
vemos os consumidores criando imagens deles próprios ao imaginar que determinado
produto (ou marca) fará dele uma pessoa apta a estar inserida em determinado grupo
social, gozando daquele status social, daquele bem estar desejado. São as auto-imagens
sendo construídas. Construída instantaneamente e num mesmo emaranhado, vem a

3
imagem do „outro‟ feliz, bem sucedido e desfrutando de uma boa qualidade de vida por
possuir/usar determinados produtos ou marcas. É, mais uma vez, a imaginação
construindo cenas, muitas vezes irreais, mas positivas do outro. Finalmente, este mesmo
consumidor dirá: “O que o outro pesará de mim, caso eu possua (ou não) determinado
objeto?” Ou seja, qual imagem o outro está construindo deste sujeito? As pessoas
pretendem que o seu círculo de relacionamentos tenha imagens positivas delas (daí o
termo imagem pretendida) e, para isso, usar a marca da moda ou ter o último modelo de
equipamento tecnológico passa a fazer parte dessa construção imaginativa. De acordo
com o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman (2008), o medo de sentir-se excluído do
grupo faz com que as pessoas “aceitem o que seus „pares‟ presumem que eles sejam. A
cultura consumista é marcada por uma pressão constante para que sejamos alguém mais.”
(BAUMAN, 2008, p. 128). E isto faz com que os indivíduos sintam-se insatisfeitos e
busquem mudar, com freqüência, sua identidade.
O desejo intensivo por determinadas marcas e o ideal que se cria em torno dos
seus benefícios – o bem estar, a qualidade de vida, com afirma Gilles Lipovetsky (2007)
– leva uma busca sem fim e quase obsessiva. São os chamados „necejos‟, termo cunhado
por Mário Ernesto René Schweriner para designar uma mistura entre necessidades e
desejos.
“Os necejos [...] são tão elásticos e quase ilimitados em suas nuances
quanto os desejos. Entretanto, diferentemente destes, sua não realização
é extremamente aversiva, assemelhando-se às necessidades no grau de
sofrimento quando não satisfeitos. Quer dizer, o consumidor se torna
dependente da marca/produto não essencial para sua gratificação, sem o
qual ele se sente extremante insatisfeito.” (SCHWERINER, 2006, p.
37)

Estes „necejos‟ nascem das imagens reais dos produtos, criadas e alimentadas na
cabeça dos consumidores, e extremamente positivas para as organizações, que na
atualidade, contam com essa dependência.

4
Vender imagens
Se, por um lado, temos os consumidores que elaboram, buscam conquistar e
„compram‟ imagens positivas, as organizações, por sua vez, também participam desse
jogo de imagens. O processo é o mesmo que se dá com os demais sujeitos: criação de
uma auto-imagem positiva, formatação da imagem do outro (o consumidor) e pré-visão
sobre a imagem que os consumidores fazem delas próprias (organizações e suas marcas).
O objetivo é trabalhar arduamente para criar e disseminar imagens positivas. „Vender‟
imagens, na nossa sociedade atual, é mais lucrativo do que vender produtos ou serviços.
Muitas empresas, diz a jornalista e pesquisadora Naomi Klein (2002, p. 41), sempre
entenderam que primeiro vendiam suas marcas e, depois, seus produtos. Como exemplo
disso, ela cita a Coca-Cola, a Pepsi, o Burger King, a Disney.
O branding, em suas encarnações mais autênticas e avançadas, trata da
transcendência corporativa. [...] e nasceu um novo consenso: os
produtos que florescerão no futuro serão aqueles apresentados não
como „produtos‟, mas como conceitos: a marca como experiência, como
estilo de vida. (KLEIN, 2002, p. 45-46)

A commoditização dos produtos (SCHWERINER, 2006; KLEIN 2002) é


considerada um dos fatores que levaram as organizações a pensarem e trabalharem mais
intensamente suas marcas. E, portanto, capturar a atenção dos consumidores, num
mercado onde produtos e serviços são semelhantes, é prioritário e exige um esforço
enorme. Afinal, não basta chamar a atenção, é preciso conquistá-la dos públicos de
interesse por um tempo necessário para que a mensagem seja transmitida (ADLER;
FIRESTONE, 2002, p.31) e faça sentido aos indivíduos. Como conquistar a atenção do
consumidor é o objetivo das organizações/marcas, a concorrência - face à saturação de
informações no mercado - também é grande. Ergue-se, então, um outro desafio: a
credibilidade. De acordo com Al Ries e Laura Ries, “A propaganda tem um problema.
Trata-se de uma técnica de comunicação que carece de credenciais e é quase
universalmente ignorada pelo público ao qual se destina.” (RIES; RIES, 2002, p. 273).
Ou seja, é preciso capturar a atenção para que a mensagem seja repassada
integralmente e com credibilidade. Algumas estratégias vêm sendo usadas pelas

5
organizações para atingir esta credibilidade, como a aproximação visual entre o layout de
anúncios e a diagramação do conteúdo editorial (ADLER; FIRESTONE, 2002, p. 44); o
conteúdo não-promocional, mas direcionado a informações institucionais da organização
(ADLER; FIRESTONE, 2002, p. 64); a substituição das fontes “incríveis” da propaganda,
por fontes “críveis”, como os “infocomerciais” (RIES; RIES, 2002, p. 273-278). Mark
Austin e Jim Aitchison (2007) ao analisar a diversidade de canais existentes para se
comunicar com o consumidor – já “que o marketing em geral e a propaganda em
particular estão se tornando cada vez menos eficazes” (AUSTIN; AITCHISON, 2007,
p.52) – citam os publieditoriais.
Seguindo esta linha, um dos formatos de se comunicar com os consumidores
vem ganhando mercado nos últimos anos. O branded content, também conhecido como
conteúdo da marca ou comunicação por conteúdo, é um deles.
Ao contrário da publicidade por interrupção – aquela que acontece de
forma imposta nos intervalos da programação do veículo de
comunicação –, a comunicação por conteúdo – feita através de um
programa próprio de TV, rádio, uma revista, entre outros veículos – faz
contato e mantém um relacionamento com os clientes e potenciais
clientes por meio da oferta de conteúdo, de informação [...] e seu
objetivo não se restringe apenas a estimular a compra de produtos e
serviços, mas busca informar, entreter, educar, relacionar-se com o
leitor. (FISCHER, 2013, p. 33)

A jornalista Andréa Fischer (2013), que desde 2009 trabalha diretamente com
publicações customizadas, afirma que este conceito está em expansão no Brasil, sendo
que nos Estados Unidos e na Europa o mercado para estas publicações já está
consolidado. Para demonstrar a importância desse formato de comunicação, a autora
ainda cita o estudo “APA Advantade Study – Proving and Benchmarking the
Effectiveness of Customer Magazine”4, realizado em 2005, pela britânica Association of
Publishing Agencies (APA), que reúne editoras de revistas customizadas. Com base em
respostas de 4.390 consumidores, algumas conclusões divulgadas pela APA foram:
“a) As customizadas aumentam em 32% a lealdade à marca.

4
Um resumo das conclusões do estudo está disponível em: <http://www.the-
cma.com/uploads/apa_documents/advantage_exsum-mar-05.pdf>>. Acesso em 07 jun 2016.

6
b) O conteúdo editorial das customizadas melhora a imagem
corporativa em aproximadamente 9%.
c) O impacto da publicação sobre o consumidor/cliente é positivo: 44%
dos que recebem as customizadas têm uma ação positiva após interagir
com a marca através da revista [...].
d) Os clientes passam uma média de 25 minutos lendo as customizadas.
e) Três em cinco leitores classificam o conteúdo como extremamente
relevante para eles.” (FISCHER, 2013, p. 53)

É importante salientar, em face desses dados, que as revistas customizadas podem


atingir resultados positivos para algumas das preocupações discutidas até agora. Entre
elas estão: a criação de imagens positivas (itens b e c); a captura da atenção (item d); a
credibilidade (item e) e, como consequência desses fatores, a proximidade e lealdade à
marca (item a), objetivo de todas as organizações.

Apreender imagens
No mercado brasileiro, uma das mais tradicionais revistas customizadas em
circulação é a MIT Revista, produzida pela Mitsubishi Motors do Brasil e editada pela
Custom Editora + Branded Content. Lançada em fevereiro de 2001, a publicação é
distribuída como cortesia aos proprietários de veículos Mitsubishi e, atualmente, supera a
tiragem de 100 mil exemplares por edição trimestral. A edição a ser analisada é a número
60, de Dezembro/2015 a Março/20165, comemorativa dos 15 anos da MIT Revista.
A questão que nos norteará, daqui em diante, é a forma como a MIT Revista
busca capturar a atenção dos proprietários de veículos da marca, despertar credibilidade e
gerar imagens positivas neste público de interesse, baseados nos pesquisadores citados no
decorrer do trabalho.
Como informação prévia é essencial entender quais são os públicos com os quais
a empresa quer se comunicar por meio da MIT Revista. Os compradores de veículos da
marca, de acordo com o Midia Kit 20156, material disponibilizado no site da Custom

5
Disponível em: <http://mitsubishimotors.com.br/wps/portal/mit/mundo-mit/mit-revista/edicoes/edicao-
60>. Último acesso em 16 jun 2015.
6
Midia Kit 2015 da MIT Revista está disponível em < http://customeditora.com.br/wp-
content/uploads/2015/08/midiakit2015-site.pdf >. Acesso em 25 abr 2016

7
Editora + Branded Content, são: homens (65%), pertencentes à classe AAA (100%), têm
entre 30 e 59 anos (75%), com nível superior (87%), praticam algum tipo de esporte
(69%), viajam pelo Brasil (97%) e ao exterior (39%), têm acesso a tecnologia (98%) e
costumam ler a MIT Revista em casa, à noite (73%).
Já o conceito editorial da MIT Revista6 define quatro características para a
publicação, que acompanham o perfil do leitor alvo: conteúdo editorial (textos e fotos)
produzido por “respeitados profissionais brasileiros e estrangeiros”; “destinos de
sonho”, com roteiros de viagens para locais exóticos; alta tecnologia, onde são
apresentados “gadgets” que são novidades no mercado, e interatividade, possibilitando
“uma experiência interativa na plataforma digital” (tablet ou site).
Atenção
Ao analisarmos a maneira pela qual a publicação da Mitsubishi Motors do Brasil
busca chamar e reter a atenção dos leitores, observamos dois elementos recorrentes e que
também estão muito presentes nos conceitos dos pesquisadores da sociedade de consumo:
a oferta de sonhos e a figura do herói.
Fazer sonhar ou devanear depende não necessariamente de estímulos reais, mas de
uma estimulação emocional (CAMPBELL, 2001). Assim como as imagens estão na
cabeça das pessoas, a leitura de um texto prazeroso, acompanhada por fotos de paisagens
exuberantes ou esportes radicais, cria uma emoção, um ambiente propício para imaginar-
se naqueles lugares, acompanhando determinados esportistas, tendo a experiência de suas
aventuras. Ainda segundo Campbell (2001, p. 123), esse devaneio conduz o indivíduo a
uma direção agradável em que sua elaboração imaginativa é a antecipação de um evento
real, um anseio pelo que estaria por vir. E estas representações do produto são muito mais
fortes do que o produto em si. Ou seja, alimentar os sonhos dos leitores, criando um elo
emocional com a marca, faz com que sejam criadas imagens positivas sobre a marca. O
momento dedicado à leitura da MIT, apontado pela pesquisa referida no Midia Kit 2015,
também é bastante propício para sonhar ou devanear, já que é feito à noite, quando os
leitores estão em casa, nas horas de lazer (talvez as únicas dedicadas a algum tipo de
lazer no dia). As emoções ficam ligadas à imagem da marca Mitsubishi, que o leitor
formula naqueles instantes o prazer usufruído com leitura.

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Essa venda de sonhos obviamente não acontece por acaso. A ideia faz parte do
projeto editorial da revista, registrado no Midia Kit 20156 ao descrever, inclusive, um dos
conceitos editoriais da publicação, que se refere a viagens: “Destinos de sonho. Roteiros
com as viagens mais exclusivas e diferenciadas”.

Figura 1 – Fotos de página dupla mostram belas paisagens, sempre propícias a práticas de esportes radicais

Nas páginas da revista, este conceito se torna visível nas seções fixas “Mundo 4x4
Aventura” e “Mundo sem fronteira – Viagem”. Tanto nos textos quanto nas fotos (Figura
1) apresentadas, leva-se o leitor a devanear sobre lugares e situações que, talvez, ele
jamais viverá, mas que trabalhará o ethos da marca Mitsubishi. Ainda citando Campbell
(201, 114), é o prazer emocional ilusório, base do hedonismo moderno.
Um segundo conceito da MIT é sobre a divulgação da tecnologia, expressa no
Midia Kit 2015 como: “Alta tecnologia. Os gadgets de última geração que acabam de
chegar ao mercado”. Há seções fixas da revista que apresentam equipamentos de ponta,
tanto esportivos como para os veículos, indicadas por „chapéus‟ sugestivos: “Porta Malas,

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a bagagem do viajante” e “Painel, objetos do desejo com alta tecnologia”. Como se fosse
a vitrine de uma loja, os equipamentos estão dispostos para cativar e dar elementos para
sonhar (Figura 2). Esta correlação é feita por Colin Campbell (2001, p. 134-135) ao
afirmar que o “desfrute imaginativo” abrange as imagens que vemos não só em anúncios,
mas revistas e periódicos, além de livros e filmes, “extraindo prazer da experiência”.
“as pessoas gostam, normalmente, de olhar as ilustrações dos produtos
que elas não podem – nem é provável que venham a poder - permitir-se.
Isso se relaciona, por sua vez, a outro aspecto do moderno consumismo
- a pratica de olhar vitrines. [...] Em parte, evidentemente, o desfrute e
estritamente estético, implicando a apreciação da arte dos projetistas e
vitrinistas envolvidos. (CAMPBELL, 2001, p.135)

Figura 2 – Novos gadgets estão presentes para ajudar o „aventureiro‟ ou o „esportista‟

10
Ou, como define Schweriner (2006, p. 72), são as vitrimãs, as vitrines que
capturam a atenção dos consumidores como se fossem imãs e funcionam como geradoras
de desejos.
A figura do herói é outra maneira de buscar a captação de atenção para a marca.
Já nas sociedades feudais, de acordo com Veblen (1965, p. 32) a figura digna do
esportista ocupava as classes mais altas da sociedade devido a suas proezas. Na
atualidade, apenas “astros” ou “estrelas” conseguem esta espécie de destaque na
sociedade (ADLER; FIRESTONE, 2002, p. 64). São os heróis do consumo, no dizer de
Baudrillard, “as vedetes de cinema, do desporto e do jogo” (BAUDRILLARD, 2008, p.
44).
A construção dos heróis esportistas, hoje consolidada, começou em 1985, com a
campanha da Nike para o jogador de basquete Michael Jordan, com objetivo de
transformar fãs do esporte em fãs da marca (KLEIN, 2002). “A ideia de usar a tecnologia
de calçados esportivos para criar um ser superior – Michael Jordan voando pelo ar em
animação suspensa – foi a criação de mitos da Nike em funcionamento.” (KLEIN, 2002,
p. 76). O próprio Jordan disse, referindo-se ao CEO da Nike Phil Knight: “O que Phil e a
Nike têm feito é me transformar em um sonho”. (KLEIN, 2002, p. 76)
Esta estratégia de marketing, que mostram modelos de sucesso, força e aventura
(SCHWERINER, 2006, p. 107-108) também aparecem na MIT Revista. A proposta
editorial da capa da publicação recorre a estes „heróis‟ (Figura 3), em sua maioria
esportistas, mas também pessoas ligadas às artes. Estas capas, que remetem às
reportagens especiais da edição, trazem uma chamada com o nome do entrevistado
principal e uma breve descrição, destacando a habilidade do „herói‟ (Quadro A)

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Figura 3 – Capas das últimas edições da MIT Revista: desde a nº 59 (canto superior esquerdo)
até a nº 52 (canto inferior direito)

Quadro A – A figura do Herói nas capas da MIT Revista

Edição „Herói‟ Chamada de Capa

59 Bruce Chatwin (escritor) O viajante incansável


58 Humberto e Fernando Campana (designers) De Brotas para o mundo
57 Gabriel Medina (surfista) O furacão brasileiro
56 Henri Cartier-Bresson (fotógrafo) Uma vida em preto e branco
55 Jack O‟Neill (surfista) O grande mito do surf
54 Maria Esther Bueno (tenista) A rainha de Wimbledon
53 Isabel Allende (escritora) Todo poder às mulheres
52 Sebastião Salgado (fotógrafo) O olhar da Terra

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Importante destacar que as palavras-chave usadas para compor o perfil do
entrevistado (ou personagem) já remetem a imagens heróicas ou, pelo menos,
diferenciadas das pessoas do nosso dia a dia. Por exemplo, as palavras em negrito, do
Quadro A, mostram um viajante que não se cansa jamais, os designers que conquistaram
o mundo, uma força única (já que não há registro de furacões, uma força/poder da
natureza, no Brasil), uma vida fora do comum, extraordinária (o mundo não é preto e
branco), o „grande‟ mito, a realeza, o poder e o olhar do mundo (não de uma pessoa, mas
do planeta Terra).
Para finalizar estas reflexões sobre a captação da atenção do consumidor e
partirmos a análise da conquista da credibilidade, gostaríamos de destacar o projeto
gráfico/editorial de capa da MIT Revista. Nela são encontrados os elementos que
resumem as várias características de atração da atenção. A capa da edição nº 60 (Figura
C), aqui analisada, está a figura do „herói‟ esportista, em primeiro plano, representado
pelo escritor (e também jornalista e montanhista) Jon Krakauer. “Lições do abismo” é a

Figura C – A capa reúne os elementos “herói”, “sonho” e “tecnologia”.

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chamada para a reportagem de capa, enfatizando que o escritor e aventureiro é um
especialista em perigo, um mestre capacitado a ministrar aulas sobre o abismo. Outro
elemento da capa é o slogan da Mitsubishi: “Drive your world”. Em outras palavras, tome
a direção do seu mundo, da sua vida, seja independente. São os conceitos do sonho, do
devaneio marcando a capa da publicação. E, finalmente, um convite ao leitor para acessar
a MIT pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TICs), no caso, o tablet.
Todos estes elementos, aliás, estão relacionados ao perfil do leitor da publicação.

Credibilidade
A divisão entre linha editorial e publicidade vem se tornando cada vez mais
nebulosa nos meios de comunicação da atualidade (ADLER; FIRESTONE, 2002, p. 44).
Exemplo disso são os já citados publieditoriais e os infomerciais. Esta prática tem como
meta não só capturar a atenção, mas muito mais do que isso: conquistar a credibilidade.
As revistas customizadas têm esta estratégia gravada em sua razão de existir.
“Se você nada sabe sobre um novo produto ou categoria, então
acreditará em tudo que ler sobre o assunto, sobretudo se a informação
vier de uma fonte crível, e não de uma fonte incrível. Por isso a
construção de uma marca via RP é uma ferramenta tão poderosa.”
(RIES; RIES, 2002, p. 278)

A origem das revistas customizadas foram as publicações empresariais impressas


que, com o tempo e a evolução, passaram a receber jornalistas para suas redações. Isto
conferiu uma aura jornalística ao trabalho, adaptando mesmo algumas características,
como objetividade, técnicas de texto e conceitos de notícia. Para Andréa Fischer (2013)
esta é um das razões pelas quais as publicações empresariais têm adquirido credibilidade
de seus públicos. Uma segunda razão, ainda de acordo com Fischer, é que mesmo sem
visar lucros, a maioria das customizadas possui anunciantes. E anunciantes de marcas
importantes refletem o respeito que a publicação (ou a empresa) conquistou no mercado
(FISCHER, 2013, p. 38).

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Estas duas características que conferem credibilidade às revistas customizadas
podem ser encontradas na MIT Revista. O formato jornalístico da publicação, com ênfase
em mostrar aos leitores a colaboração de jornalistas e fotógrafos renomados, está presente
tanto no Midia Kit 2015 (“Conceito Editorial - A MIT Revista se diferencia por seu
conteúdo editorial, com textos e fotos assinados pelos mais respeitados profissionais
brasileiros e estrangeiros”), quanto na página de expediente. Importante notar, no
modelo diferenciado de expediente (Figura D), em que a apresentação dos

Figura D – Jornalistas, redatores e fotógrafos que colaboraram na edição nº 60 da MIT Revista

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repórteres/redatores ocorre por meio de fotos e de uma mini biografia, remetendo-nos,
novamente, aos conceitos de „heróis‟. Há também a presença de grandes anunciantes,
como Itaú, Petrobras, Piaget, Sea Doo, Mabu Hoteis e Resorts, Sky, Pirelli, entre outros,
na edição nº 60 da revista.
Por meio de todas estas linguagens com a oferta de sonhos e suas paisagens
exóticas, os exemplos a serem seguidos dos heróis, os heróis que produzem a revista e a
mescla de esportividade radical, são construídas imagens de uma marca. É uma
consequência.

Assumir as imagens
Fisgar o consumidor pela oferta de sonhos, de aventuras a lugares exóticos, pela
figura do herói sempre presente e sendo um modelo a ser seguido, especialmente inserido
em belas paisagens por meio dos esportes radicais. Conquistar a credibilidade do leitor
pelo discurso jornalístico, pela seriedade de contar com profissionais renomados na
redação e registro de imagens, pelo respaldo de empresas sólidas no mercado, que
confiam em anunciar na publicação. E também pelo foco da revista, que não mostra o
auto-elogio nem em anúncios (na edição nº 60 existe apenas um anúncio de veículo da
marca) nem no conteúdo editorial (as referências aos veículos Mitsubishi estão presentes
apenas nas notícias sobre as competições promovidas pela organização). O projeto
editorial e gráfico da MIT Revista cumprem o papel de não vender produtos/serviços,
mas vender uma filosofia, um estilo de vida: a liberdade, os esportes radicais, as viagens,
que estão distantes a um toque, no mundo virtual. E essas imagens, ou imagens
pretendidas pela organização, vão se construindo entre os consumidores, que passam a
ver a marca com um sentimento, uma emoção de „dirigir seu próprio mundo‟. A
construção da marca, então, está em andamento.
Este processo começa na mente dos consumidores da marca, já que a publicação
é distribuída para os compradores dos veículos Mitsubishi. E continua na mente das
pessoas que se relacionam com este consumidor, que mais do que fiel, é leal à marca.
Como fã, ele irá divulgar essa imagem, que é real em sua mente. E outros fãs virão.

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Como reflexão final deste trabalho, entendemos que as imagens positivas
construídas não são um fim, mas um novo começo: a geração de uma aura positiva
envolvendo a marca. E esta aura abarca também os veículos da marca, fortalecendo
atributos como esportividade, liderança (afinal, é o veículo do herói, ou um veículo herói),
que carrega tecnologia de ponta e permite que o motorista (ou seria „piloto?) „dirija seu
próprio mundo‟.
Sonhos, heróis, tecnologia, perpassam as características de atenção e credibilidade,
revelando uma imbricação que tecem imagens. Muitas ilusórias, outras irreais. Mas o
consumo atual não é mais de produtos materiais, mas de produtos imagináveis.

Referências
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CAMPBELL, Colin – A ética romântica do espírito do consumo moderno, Rio de
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FISCHER, Andréa. Revista customizada: O jornalismo a serviço das fontes. São Paulo:
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KLEIN, Naomi. Sem logo - a tirania das marcas em um planeta vendido - Rio de Janeiro:
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