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– Cabe aos cristãos contribuir para criar uma ordem mais justa, mais humana.
I. TANTO AMOU DEUS o mundo que lhe deu o seu próprio Filho: quem nEle
crê não perece, mas possui a vida eterna, diz-nos São João no começo da
Missa de hoje1.
Durante os seus anos de vida pública, o Senhor pouco nos disse da situação
política e social do seu povo, apesar da opressão que este sofria por parte dos
romanos. Manifesta em diversas ocasiões que não quer ser um Messias
político ou um libertador do jugo romano. Vem dar-nos a liberdade dos filhos de
Deus: liberdade do pecado, do pecado em que caímos e que nos reduziu à
condição de escravos; liberdade da morte eterna, dessa morte que é também
consequência do pecado; liberdade do jugo do demónio, pois o homem já pode
vencer o pecado com o auxílio da graça; liberdade da vida segundo a carne, da
carne que se opõe à vida sobrenatural: “A liberdade trazida por Cristo no
Espírito Santo restituiu-nos a capacidade – de que o pecado nos tinha privado
– de amar a Deus acima de tudo e de permanecer em comunhão com Ele”5.
Com a sua atitude, o Senhor marcou também o caminho para a sua Igreja,
continuadora da sua obra aqui na terra até o fim dos tempos. A solicitude da
Igreja pelos problemas sociais deriva da sua missão espiritual e mantém-se
nos limites dessa missão. Enquanto tal, a Igreja não tem como missão os
assuntos temporais6; é desse modo que segue os passos de Cristo, que
afirmou que o seu Reino não era deste mundo7 e se negou expressamente a
ser juiz ou promotor da justiça humana8.
O programa de vida que o Senhor nos deixou traz consigo a maior mudança
que se pode dar na humanidade. Diz-nos esse programa que todos somos
filhos de Deus e, portanto, irmãos; é uma mudança profunda nas relações entre
os homens. As vitórias que a doutrina de Cristo conseguiu ao longo dos
séculos – a abolição da escravatura, o reconhecimento da dignidade da
mulher, a protecção dos órfãos e das viúvas, o atendimento de enfermos e
marginalizados... – são consequências do sentido de fraternidade que a fé
cristã semeia por toda a parte. Pode-se dizer de nós que, com as nossas
palavras e os nossos actos, estamos verdadeiramente contribuindo para um
mundo mais justo, mais humano, no nosso ambiente profissional e social?
Por sua vez, a caridade sem justiça não seria verdadeira caridade, mas uma
simples tentativa de tranquilizar a consciência. Há pessoas que se chamam a si
próprias “cristãs”, mas “prescindem da justiça e limitam-se a um pouco de
beneficência, que qualificam como caridade, sem perceber que isso é apenas
uma pequena parte do que estão obrigadas a fazer. A caridade – que é como
que um generoso exorbitar-se da justiça – exige primeiro o cumprimento do
dever. Começa-se pelo que é justo, continua-se pelo que é mais equitativo...
Mas, para amar, requer-se muita finura, muita delicadeza, muito respeito, muita
afabilidade”17.
(1) Jo 3, 16; Antífona de entrada da Missa do dia 29 de Dezembro; (2) Lc 5, 32; (3) Lc 19, 10;
(4) Mc 10, 45; (5) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Sobre a liberdade
cristã e a libertação, 22-III-1986, 53; (6) cfr. Paulo VI, Encíclica Populorum progressio, 26-III-
1967, 8; (7) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Sobre a liberdade cristã e
a libertação, 80; (8) Jo 19, 36; (9) cfr. Lc 12, 13 e segs.; (10) Paulo VI, Carta Octogesima
adveniens, 14-V-1971, 48; (11) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Sobre a
liberdade cristã e a libertação, 39; (12) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 167;
(13)ibid., n. 168; (14) João Paulo II, Encíclica Dives in misericordia, 12; (15) ibid., 14; (16) São
Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 172; (17) ibid., ns. 172-173.