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DIREITO

A DMINISTRA TIV O I – V A LTER SHUENQUENER

A ULA 13 - PRINCÍPIOS DO DIREITO A DMINISTRA TIV O PA RTE 1

1. PRINCÍPIOS E REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO

Um dos assuntos a serem enfrentados em Direito Administrativo I, é o dos princípios e do

regime jurídico administrativo. Ao estudar Direito Administrativo aprendemos que ele sofre uma

influência de alguns institutos que são relevantes para o direito público, mas não são tão

relevantes assim para o Direito P rivado.

Mesmo considerando a crítica modernamente feita à separação de ramos do Direito

P úblico e P rivado, em vista da cada vez maior integração entre estas duas grandes áreas do

Direito, o fato é que alguns princípios influenciam o Direito Administrativo com maior intensidade

do que incidem, por exemplo, sobre o Direito C ivil.

Estes princípios estudados no Direito Administrativo acabam dando as características

nucleares deste ramo do direito. Alguns deles tornam-se verdadeiros mantras do Direito

Administrativo.

C onsiderando que cada doutrinador apresenta uma lista diferente de princípios, a ideia

neste curso é separar quatorze daqueles que se entende como os mais importantes para

centrarmos nossas atenções em uma análise direta e objetiva de cada um deles.

1. Princípio da legalidade;

2. Princípio da impessoalidade;

3. Princípio da moralidade;

4. Princípio da publicidade;

5. Princípio da eficiência;

6. Princípio da supremacia do interesse público;

7. Princípio da finalidade;

8. Princípio da motivação;

9. Princípio da razoabilidade e proporcionalidade;

10. Princípio da continuidade do serviço público;

11. Princípio da subsidiariedade;

12. Princípio da proteção da confiança;

13. Princípio da autotutela; e

14. Princípio da indisponibilidade.

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AULA13 - Princípios do Direito Administrativo PARTE 1

A maioria destes princípios já são de conhecimento do aluno, como, por exemplo, o

princípio da legalidade, comentado por todos. Juntamente com a impessoalidade, a moralidade, a

publicidade e a eficiência, formam o elenco apresentado pelo art. 37 da C onstituição.

Os demais, alguns são implícitos, outros são explícitos. P or exemplo, o princípio da proteção

da confiança, não previsto no texto constitucional, apenas recentemente foi mencionado pelo

C P C , ou seja, até pouco tempo era um princípio implícito do texto constitucional, uma derivação

da segurança jurídica e do Estado de Direito. Outro exemplo é o princípio da supremacia do

interesse público, não encontrado expressamente na C onstituição (sobre o qual hoje muito se

discute se ainda existe ou não).

1.1 PRINCÍPIO DA LEGA LIDA DE

Em geral, na primeira aula de Direito Administrativo, todo professor diz que enquanto no

Direito P rivado o particular pode fazer tudo, desde que a lei não o proíba, em razão da autonomia

da vontade, no Direito Administrativo, o administrador público só pode atuar de acordo com a lei,

só pode fazer aquilo que a lei o determina, deve agir secundum legem . É dito ainda que, além do

art. 37, caput, o fundamento constitucional do princípio da legalidade é o art. 5º, II, no sentido que

ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda C onstitucional nº 19, de 1998) (grifamos)
Art. 5o.
...
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei;

Esta é a ideia tradicional que gravita em torno do princípio da legalidade, sob a ótica do

Direito Administrativo (cada ramo do Direito tem a sua preocupação no atinente ao princípio da

legalidade).

Nesta linha de raciocínio, o administrador não pode atuar contra legem ou praeter legem ,

ou seja, não pode, por exemplo, editar uma portaria ou um decreto que contrarie uma lei, ou que

vá além do que a lei previu, suprindo uma lacuna legal.

Não há dúvidas que esta concepção tradicional do princípio da legalidade precisa ser

revisitada. Não é possível estudar para um concurso do MP F ou da Magistratura Federal pensando

apenas nesta visão, não é mais assim no dia a dia. O princípio da legalidade tem sido substituído

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pelo princípio da juridicidade administrativa, concepção muito mais apropriada.

De acordo com o princípio da juridicidade administrativa, o administrador deve

atuar em conformidade com o ordenamento jurídico. Em regra, isso significa que ele

seguirá o texto legal. Todavia, como deverá o administrador agir se uma lei afrontar claramente

uma norma constitucional? Suponhamos, por exemplo, uma absurda lei que autorize a

contratação de parentes no âmbito da Administração P ública. Situações como esta demonstram

que esta concepção de legalidade está ultrapassada.

Há casos em que o legislador nada previu sobre uma matéria e, mesmo assim, o

administrador fica obrigado a atuar praeter legem.

Um exemplo dessa nova concepção pode ser extraído da edição pelo C NJ de sua

Resolução nº 7, proibindo a contratação de parentes no âmbito do Judiciário brasileiro. De se notar

que já havia a vedação a esta conduta no âmbito federal por expressa previsão legal. Alguns

Estados questionaram a norma do C NJ, alegando que no âmbito daqueles Estados não havia lei

proibindo a contratação de parentes, de modo que a resolução estaria violando a autonomia dos

entes da federação.

Resolução Nº 7 de 18/10/2005
Ementa: Disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes,
cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de
direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras
providências.
Art. 1° É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder
Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.

Este caso foi levado à apreciação do STF que, ao decidir a ADC 12[1], declarou a

constitucionalidade da Resolução nº 7 do C NJ, dizendo basicamente que o que o C NJ fez foi

unicamente dar densidade normativa ao texto constitucional. P ortanto, a jurisprudência do STF

traz aqui um exemplo de como o administrador (considera-se o C NJ como administrador público,

por ser órgão de controle de administração, sendo, portanto, órgão administrativo, não-

jurisdicional) pode atuar no sentido de ir além do texto legal. Isso porque, se pensássemos desta

forma tradicional, a Resolução nº 7 teria invadido a competência dos Estados criando obrigação

não prevista em lei, o que não faz o menor sentido.

Nota da monitoria:

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[1] EMENTA: AÇ ÃO DEC LARATÓRIA DE C ONSTITUC IONALIDADE, AJUIZADA EM PROL

DA RESOLUÇ ÃO Nº 07, de 18.10.05, DO C ONSELHO NAC IONAL DE JUSTIÇ A. ATO NORMATIVO


QUE "DISC IPLINA O EXERC ÍC IO DE C ARGOS, EMPREGOS E FUNÇ ÕES POR PARENTES,
C ÔNJUGES E C OMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM
C ARGOS DE DIREÇ ÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER
JUDIC IÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNC IAS". PROC EDÊNC IA DO PEDIDO. 1. Os
condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do C NJ, não atentam contra a liberdade de
prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato
resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela C onstituição de 1988, dedutíveis
dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2.
Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio
federativo. O C NJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, C F) e não está a submeter
esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular
compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de
uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar
a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa
organização aos princípios "estabelecidos" por ela, C arta Maior, neles incluídos os constantes do
art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à
C onstituição para deduzir a função de chefia do substantivo "direção" nos incisos II, III, IV, V do
artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do
C onselho Nacional de Justiça. (ADC 12, Relator(a): Min. C ARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado
em 20/08/2008, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-01 PP-
00001 RTJ VOL-00215-01 PP-00011 RT v. 99, n. 893, 2010, p. 133-149)

P ortanto, cada vez mais, torna-se necessário que o administrador analise as regras de

acordo com o texto constitucional e não o inverso. A partir da C onstituição extraímos valores

muito importantes para a fundamentação do que vem abaixo. Se uma lei esbarra em uma

inconstitucionalidade flagrante não tem como cumpri-la.

1.2 PRINCÍPIO DA IMPESSOA LIDA DE

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda C onstitucional nº 19, de 1998) (grifamos)

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Em relação à impessoalidade é sempre bom termos em mente as duas facetas ou dois

aspectos para os quais este princípio volta sua atenção.

P rimeiramente, o administrador não pode se promover com seus atos. Observa-se, neste

ponto, a impessoalidade impedindo a autopromoção no desempenho da função pública.

Infelizmente, esta ainda é uma prática muito comum, principalmente em certos Municípios

onde vemos alguns prefeitos pintado locais da cidade com a mesma cor que usou na campanha,

como forma das pessoas se lembrarem dele, ou faz um símbolo, uma imagem de autopromoção,

que remontam ao tempo em que ainda era candidato. Todas estas práticas são abomináveis e

expressamente vedadas pela C onstituição, no § 1º do art. 37, nos seguintes termos:

§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos
deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores
públicos.

C aso as autoridades ou servidores incidam na hipótese ventilada neste dispositivo, pode-se

até mesmo qualificar a conduta como sendo improbidade administrativa, por ofensa ao princípio

da impessoalidade. Se, por exemplo, um sujeito resolve colocar o nome dele em um prédio público

ou em uma praça pública estará violando a impessoalidade.

No âmbito federal, inclusive, há legislação que expressamente proíbe essa conduta.

C ontudo, mesmo na ausência de uma lei específica, é óbvio que o administrador não pode querer

se autopromover, atribuindo seu próprio nome em um espaço público.

Uma segunda faceta do princípio da impessoalidade é aquela que determina que o

administrador não pode favorecer nem perseguir determinadas pessoas, deve sempre agir em

favor do interesse público. Esta vertente é muito importante, por exemplo, em matéria de

licitações, no ponto em que a escolha deve ser impessoal e não é possível estabelecer nenhuma

regra editalícia que beneficie determinado competidor, também não pode agir deliberadamente

para prejudicar ninguém. P or exemplo, o concurso público concretiza o princípio da impessoalidade

na medida que os vencedores serão contratados, pouco importando quem eles sejam.

Este foi um dos raciocínios seguidos pelo Ministro Lewandovski no STF, quando exigiu, para

a despedida do empregado público, a motivação do empregador, pois como o ingresso para a

vaga de emprego público depende de concurso público, a saída deste empregado (não estatutário,

de modo que não goza de estabilidade), deve observar a impessoalidade.[2] É necessária a

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motivação para que a sociedade tenha conhecimento das razões que levaram o administrador a

decidir e a coletividade e o próprio Estado (via Ministério P úblico) possam avaliar se houve ou não
alguma ofensa ao princípio da impessoalidade.

Nota da monitoria:

[2] C onsiderando que o professor não apresentou, tanto durante a aula quanto no material

de apoio, elementos que pudessem identificar a decisão mencionada, optamos por transcrever
abaixo ementa de acórdão da lavra do Ministro Lewandovski que trata do tema e que, inclusive,
seguiu a sistemática da Repercussão Geral, acreditando que, provavelmente é a esta decisão que
o mestre se referiu.

RE 589998/PI, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20/03/2013, Tribunal Pleno, pub.12-


09-2013
Ementa: EMPRESA BRASILEIRA DE C ORREIOS E TELÉGRAFOS – EC T. DEMISSÃO
IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NEC ESSIDADE DE
MOTIVAÇ ÃO DA DISPENSA. RE PARC IALEMENTE PROVIDO. I - Os empregados
públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da C F, salvo aqueles
admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em
atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a
admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e
sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada,
assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela
admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do
ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do
postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de
demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação,
ao caso, do art. 41 da C F, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a
rescisão unilateral do contrato de trabalho.
Tema: 131 - Despedida imotivada de empregados de Empresa Pública.
Tese: A Empresa Brasileira de C orreios e Telégrafos – EC T tem o dever jurídico de
motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados.
Obs: Redação da tese alterada no julgamento do RE 589998 ED, realizado em
10/10/2018.

Na verdade, este princípio, em suas duas facetas, serve de diretriz para uma série de

institutos de Direito Administrativo como os concursos públicos e licitações.

1.3 PRINCÍPIO DA MORA LIDA DE

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,

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dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de


legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda C onstitucional nº 19, de 1998) (grifamos)

Este princípio traduz-se na necessidade de a conduta do administrador estar pautada por

parâmetros éticos. O ato estatal não deve somente observar a lei, mas também deve ser

moralmente legítimo, socialmente aceitável.

A compatibilidade do ato administrativo com a lei não é suficiente para que o ato seja

considerado legítimo, ou seja, o administrador não pode, simplesmente, se apegar à literalidade do

texto legal.

Nesta linha, o Judiciário e os tribunais de contas exercem um controle dos atos

administrativos que também compreende o aspecto da moralidade. Em relação a este aspecto,

fala-se em controle de legitimidade.

O juiz, quando for verificar se o administrador praticou um ato de acordo com o

ordenamento jurídico, não fica adstrito tão-somente ao aspecto da legalidade. Ele deve ir além e

verificar também a moralidade.

EXEMPLO: C erto prefeito de uma cidade, que tem uma autorização legal para comprar

viaturas oficiais de representação da chefia do Executivo municipal, bem como dos secretários,

resolve adquirir modelos de veículos Jaguar, não obstante a situação de penúria financeira pela

qual passa a cidade. Em tal circunstância argumenta que a lei não o proíbe, que tem

discricionariedade e que o Jaguar é mais confortável. Isso não faz o menor sentido, em que pese

não ser ilegal, é evidentemente imoral e igualmente reprovável.

C om efeito, no exemplo dado, apesar de estar atuando dentro da autorização da lei, o

nível de reprovabilidade é até majorado, tendo em vista a completa inobservância de parâmetros

éticos minimamente aceitáveis pela sociedade.

Outrossim, revela-se também improbidade administrativa, pois a prática de uma

imoralidade de gravidade ímpar é caso de improbidade.

Deve-se ter cuidado para não vulgarizar o instituto da improbidade administrativa. Vale

lembrar que nem tudo que for imoral será improbidade, pois está lógica não faz sentido. Há

imoralidades que não justificam a incidência da Lei de Improbidade Administrativa. Todavia, é

inequívoco que a Lei 8.429/1992 é uma lei que trabalha em uma relação muito próxima ao

princípio da moralidade. A probidade é uma exigência feita ao administrador da observância de

parâmetros éticos.

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Assim, o princípio da moralidade é aquele que mais influência no alcance e aplicação da Lei

8.429/1992, uma das principais ferramentas de trabalho de quem se tornará P rocurador da

República.

1.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDA DE

O princípio da publicidade aparece no art. 37, da C onstituição, que, por sua vez, tem no art.

5º, incisos XXXIII e LX, as suas exceções. C omo se trata de um princípio de estatura constitucional,

as exceções, ou seja, aquelas situações em que o sigilo poderá ser mantido, devem estar

previstas no texto constitucional.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda C onstitucional nº 19, de 1998) (grifamos)

C omo já frisado, no art. 5º temos duas exceções famosas:

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo
da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem;

Ressalte-se que a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) tem claro fundamento

constitucional.

É importante destacar que no inciso XXXIII acima transcrito temos uma exceção: Se uma

determinada informação for relevante para a segurança da sociedade e do Estado, a

Administração não precisa divulgar. C ontudo, se não for este o caso, ela tem até um dever de

transparência ativa, ou seja, a informação deve ser divulgada independentemente de qualquer

requerimento específico.

Neste tema da publicidade são eventualmente cometidos alguns exageros e algumas

informações são até divulgadas mais por questão de fofoca do que para satisfazer o interesse da

coletividade, por exemplo, as informações relativas ao quanto foi gasto por um servidor com

medicamentos no final do mês ou qual seu gasto com pensão alimentícia, não têm nenhum

interesse público.

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Existem órgãos públicos que divulgam estas informações a pretexto de estarem fazendo

um bem a toda sociedade, mas na opinião do professor, que reconhece que o tema é polêmico,

acaba-se promovendo a divulgação de informações da vida privada das pessoas, que não

interessam à coletividade.

C omo este tema virou um tabu, ainda não chegamos a um nível de discussão mais sereno

em que se possa buscar soluções razoáveis para esta questão. P or exemplo, é importante fazer a

divulgação de quanto o servidor ganha, para que a sociedade tenha em mente quanto ele custa

para o Estado, porém, a informação de quanto e com o que ele gasta, já não é do interesse

público.

O outro inciso do art. 5º, que também traz uma exceção ao princípio da publicidade, tem o

seguinte teor:

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da


intimidade ou o interesse social o exigirem;

Desse modo, pode-se ter uma manutenção do sigilo para a proteção da intimidade ou da

vida privada. O que mudou bastante foi este conceito “vida privada”. Em tempos de redes sociais,

o que se considera espaço público foi elastecido, sendo, portanto, muito mais difícil, nos dias de

hoje, sustentar uma argumentação de que uma dada informação pertence a vida privada.

Todavia, certamente, ainda há uma esfera privada a se preservar, o desafio maior é

encontrar um ponto de equilíbrio. Desse modo, quando esta matéria for cobrada em prova, deve-

se ater ao texto da Lei 12.527/2011. P or esta razão, apesar da análise desta lei não ser objeto

deste curso, é importante que o aluno faça a leitura deste texto normativo.

As provas costumam se ater a aspectos da lei como os diversos níveis de divulgação de

alguns documentos, a questão da transparência ativa (quando a administração fica obrigada a

fornecer de ofício determinada informação), a questão da transparência passiva (quando, em

outros casos, ela deve fornecer a informação em razão de um requerimento).

1.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

O princípio da eficiência foi introduzido pela EC 19/1998, na sequência da mudança de

atuação estatal, em um cenário em que o Estado se afasta da execução direta de uma série de

atividades, passando a assumir, mais um papel de gerenciador ou de regulador do que o de

executor.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao

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seguinte: (Redação dada pela Emenda C onstitucional nº 19, de 1998) (grifamos)

Este novo perfil de Estado se preocupa mais com a qualidade dos serviços prestados,

pouco importando se quem vai executar será uma entidade do terceiro setor, uma empresa

terceirizada, etc. O que importa saber é se os serviços prestados sob responsabilidade do Estado

têm qualidade.

É neste contexto que ocorre a introdução do princípio da eficiência no art. 37, caput. O

Judiciário controla a eficiência, assim como o Tribunal de C ontas. Trata-se de um controle

complexo, árduo, uma vez que o mais difícil para o juiz ou para o conselheiro/ministro do Tribunal

de C ontas é encontrar o ponto de equilíbrio entre o que é papel do administrador e o que é papel

do órgão controlador, ou seja, identificar quando o controlador passa a ter uma indevida ingerência

nas escolhas que o administrador deve ter.

Eficiência é algo muito abstrato. P or exemplo, a conclusão que considera uma contratação

ilegal ou inconstitucional por ofensa ao princípio da eficiência já que existe uma outra tecnologia

mais moderna e eficiente e, por isso, o Município X não deveria contratar tal fornecedor.

No caso concreto, haverá que se observar que, muitas vezes, o ente não dispõe de

recursos suficientes para contratar a tecnologia mais avançada. Suponha-se, por exemplo que o

Município X não tenha verba para comprar um lote de impressoras à laser, que dentro de um

prazo traria uma economia. Naquele momento, o que é possível ser feito é adquirir impressoras

jato de tinta por um preço mais barato para, futuramente, serem progressivamente substituídas.

P ortanto, o controle jurisdicional ou do Tribunal de C ontas não pode interferir nas escolhas

do administrador, pois ofenderia a separação de poderes. Esta é uma preocupação recorrente,

pois, de um lado temos o gestor fazendo as escolhas discricionárias dentro do que é proporcional e

eficiente e, de outro lado, o controlador evitando que o administrador faça escolhas ineficientes.

Neste ponto, o professor traz ao debate sua experiência como integrante do C NMP , em

que se depara constantemente com questões envolvendo recursos tecnológicos, exigências em

relação à tecnologia da informação. Muitas vezes, um órgão técnico exige que um Ministério

P úblico específico siga um determinado software, ou adote uma determinada tecnologia e aquele

MP não tem condições.

Em suma, o princípio da eficiência é uma exigência do Estado gerencial em que o

administrador deve atuar com eficiência e aproveitar ao máximo os recursos disponíveis. Ele deve

agir de modo rápido, preciso e com o menor gasto possível.

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Além disso, não pode desconsiderar o princípio da legalidade, pois não podemos vulgarizar

o princípio da eficiência para permitir que as leis sejam abandonadas. Ou seja, se temos uma regra

legal, razoável, que não afronta de maneira gritante o texto constitucional e prevê uma solução

proporcional, razoavelmente eficiente, não é possível vulgarizar o princípio da eficiência e afirmar

que esta regra é ineficiente, pois há uma solução melhor, de modo que a dita lei deve ser afastada

por afronta ao princípio constitucional da eficiência.

C onvém dizer que tanto o princípio da eficiência quanto o da legalidade possuem estatura

constitucional. Em algumas situações o princípio da eficiência afastará eventual regra legal que

seja flagrantemente ineficiente ou veicule uma solução para a Administração que não se mostra

satisfatória. C ontudo, isso deve ser evitado ao máximo, sob pena de perpetrarmos um abandono

do Estado de Direito.

1.6 PRINCÍPIO DA SUPREMA CIA DO INTERESSE PÚBLICO

Todos já ouviram, em aulas de Direito Administrativo, o fundamento de algumas

concepções com base na supremacia do interesse público, seja ao discutir o porquê de os bens

públicos não poderem ser penhorados, a continuidade do serviço público. Esta é uma ideia mais

conservadora associada a este princípio.

Ressalta-se que este princípio não está previsto em nenhum artigo específico da C RFB. Ele

é um pressuposto de convívio social, ou seja, é uma ideia de que os interesses comuns da

coletividade, como regra, são mais relevantes do que os interesses particulares.

Vale destacar que Renato Alessi fez uma divisão do interesse público, que se tornou muito

famosa. O autor italiano separou:

Interesse público primário ou propriamente dito: Significa o interesse da

coletividade. Aquele que é objeto de atenção do Ministério P úblico.

Interesse público secundário: Remonta ao interesse do Estado, do Erário. Este tipo de

interesse público é foco das P rocuradorias dos Estados ou dos Municípios, da Advocacia da União,

P rocuradorias Federais.

C omo se sabe, o MP não atua na execução fiscal, por exemplo, já que não lhe cabe cuidar

do interesse público secundário. P ode ser que, eventualmente, haja uma coincidência entre o

interesse público primário e secundário. Todavia, muitas vezes o interesse da coletividade é

contrário ao interesse do Erário. É por isso que o MP pode atuar contra um ente da Federação,

pedindo, inclusive, sua condenação em ações judiciais.

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C umpre salientar que, hoje em dia, há entendimentos doutrinários no sentido de que não

existe supremacia do interesse público sobre o privado [3]. No Rio de Janeiro, autores como

Gustavo Binenbojm, Alexandre Aragão e Daniel Sarmento, têm defendido que não faz sentido

sustentar a supremacia de um princípio. C om efeito, princípios comportam uma ponderação ou

um sopesamento; é inerente à ideia de princípio a sua não aplicação em casos concretos.

Nota da monitoria

[3] O professor segue esse entendimento.

P or esta razão, não se pode dizer que toda vez que o interesse público estiver em jogo ele

prevalecerá sobre o interesse privado. A ideia é equivocada porque o interesse privado faz parte

do interesse da coletividade.

Dessa forma, principalmente se olharmos para os Direitos Fundamentais, a tutela do

interesse do indivíduo é também de interesse da coletividade.

Se isso não fosse verdadeiro, o anão até hoje está sendo arremessado na França [4] e o

sequestrador poderia ser torturado para dizer onde a vítima se encontra, pois seria este o

interesse da coletividade. O ser humano não pode ser um meio para um fim, ele é um fim em si

mesmo.

Nota da monitoria

[4] O professor aqui se refere ao célebre "caso do arremesso de anões". O arremesso de

anões foi proibido na pequena cidade francesa de Morsang-sur-Orge em 1992 em que se


promovia uma competição na qual os participantes deveriam lançar anões a maior distância
possível. O fundamento da proibição foi a violação da dignidade humana dos referidos anões. Por
iniciativa de um daqueles que ganhava a vida como arremessado, o caso passou por diversas
instâncias administrativas francesas e chegou ao C onselho de Estado que, em 1995, decidiu que
uma autoridade municipal poderia proibir a prática sob a alegação de que ela não respeitava a
dignidade humana, sendo portanto contrária à ordem pública. Interessantes análises são trazidas
pelo artigo "A C racolândia e o 'episódio do arremesso de anão', de Aílton Soares de Oliveira (In
https://www.migalhas.com.br) e pela já clássica obra do Min. Luiz Roberto Barroso "A Dignidade da
Pessoa Humana no Direito C onstitucional C ontemporâneo: Natureza Jurídica, C onteúdos mínimos
e C ritérios da Aplicação" .

Nesta reflexão, observa-se que não há nenhuma procedência arremessar um anão com

um canhão, por flagrante violação à dignidade da pessoa humana. Logo, não é possível para

separar interesse público de interesse privado e decidir que um é mais importante do que o outro.

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Direito Administrativo I – Valter Shuenquener
AULA13 - Princípios do Direito Administrativo PARTE 1

P eter Häberle tem um livro que trata do tema "o interesse público como problema

jurídico". Nesta obra, o professor alemão discute que não existe um conflito entre interesse

público e privado, o que existe é um conflito interno. O interesse privado é uma parte de um todo

(Teilnahme).

EXEMPLO: Um sequestrador escondeu uma criança em algum lugar e só ele sabe onde ela

está. A polícia não pode, sob tortura, obrigar o criminoso a revelar o esconderijo. Se houvesse uma

supremacia do interesse público, não teríamos dúvidas que seria legítimo torturar o sequestrador

para revelar o local que deixou a vítima. Há limites que não podem ser ultrapassados.

Entretanto, ao observamos a conjuntura atual de nosso ordenamento brasileiro, em que os

direitos fundamentais desempenham um papel que antes não desempenhavam, fica difícil falar

de supremacia do interesse público.

P rimeiramente, porque não se sabe ao certo o que é de interesse público ou privado.

P or exemplo, quando se limita a desapropriação por reforma agrária em propriedade

produtiva não sabemos dizer com precisão se o que está em jogo é interesse público ou privado.

Ou ainda, quando se prevê justa e prévia indenização na desapropriação, pode-se perguntar se a

desapropriação não é também de interesse do particular. P ortanto, essa dicotomia é

desarrazoada.

Na ponderação desses fatores, já se indica o ponto de vista da reconstrução do que se

entende pelo princípio do interesse público, alinhado com a doutrina de Humberto Ávila, Daniel

Sarmento, Alexandre Aragão e outros. C ontudo, esta doutrina não é pacifica, tendo, de outro

lado, vozes importantes, como as de Maria Sylvia Di P ietro, que defendem a prevalência do

interesse público sobre o particular.

Este ainda é um tema que levanta muita polêmica.

C umpre notar que a questão da supremacia do interesse público é tema de extrema

importância para o Direito Administrativo, pois tem servido de fundamento para diversos

institutos como desapropriação, poder de polícia, etc. P ortanto, não é raro ainda encontrarmos a

aplicação de um instituto do Direito Administrativo com base na supremacia do interesse público

sobre o interesse do particular.

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