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A psicanálise tem os meios para

tratar os pobres?1
Does psychoanalysis have the means to treat the poor?
Valéria Wanda da Silva Fonseca2

Palavras-chave
Psicanálise aplicada, psicanálise e pobreza, psicanálise no Brasil.

Resumo
O presente artigo discute as possibilidades de estudo no campo freudiano sobre a pobreza.
Esta, como problemática social, perpetua a divisão do mundo entre os que têm e os que não
têm direito à educação, aos serviços preventivos e curativos na saúde e, também, aos que não
usufruem uma vida com qualidade. Freud não tinha dúvidas das indicações da psicanálise
aplicada à terapêutica com a população pobre da sociedade. Porém, nos desafiou pensar duas
especificidades nesse tratamento: a alienação no discurso da exclusão social e no próprio
sofrimento psíquico. Portanto, a proposta de uma psicanálise aplicada em serviços ambu-
latoriais exige uma reflexão sobre os efeitos subjetivos das condições de pobreza que atinge,
no mínimo, 40% da nossa população. Um analista pode oferecer a esses sujeitos a experiên-
cia do inconsciente para que encontrem a lógica de suas decisões e de sua posição na vida,
assegurando-lhes a possibilidade de sair da repetição do pior.

INTRODUÇÃO ção baseada no narcisismo das pequenas di-


ferenças para avançar na investigação sobre
A psicanálise aplicada à terapêutica deve as grandes diferenças que dividem a popula-
responder em sua práxis aos princípios da ção: em torno de 40% de brasileiros que vi-
psicanálise pura. Por que a psicanálise se in- vem ameaçados pela escassez dos elementos
teressa pelos efeitos subjetivos da pobreza? básicos à manutenção da vida em condições
No Brasil, para além dos consultórios par- dignas. Em sua maioria, entregam a vida e a
ticulares, a oferta dos dispositivos clínicos morte aos desígnios de Deus, e estão sempre
inspirados na psicanálise se dá em alguns envoltos em relações de dependência com
poucos serviços públicos e/ou privados de outros homens e/ou com o Estado.
caráter ambulatorial, o que nos alerta para Para as ciências sociais, um dos fatores
a dificuldade de se praticar e teorizar sobre fundamentais que justifica a precarieda-
um dos efeitos mais importante do laço so- de social é a baixa escolaridade. DaMatta
cial no capitalismo – a pobreza. (1997) observa que há uma complexidade
A partir de uma reflexão crítica sobre os na formação social brasileira, e inclui nas ra-
fenômenos sociais, tal como o preconceito ízes da moralidade o princípio da hierarquia.
de classe e os estudos desenvolvidos na psi- Este convive com os princípios da moderni-
canálise, pretende-se ampliar a interpreta- dade, da igualdade e do individualismo, de

1 Trabalho apresentado no II Congresso de Psicologia da Universidade Estácio de Sá. Niterói, novembro de


2009, na mesa: psicanálise e (des) inserção social.
2 Psicóloga, Mestre em Letras pela UFJF, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica
da UFRJ, Psicanalista e Membro da Associação Núcleo Sephora de pesquisa sobre o Moderno e o Contem-
porâneo, no Rio de Janeiro.

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forma particular. “Reforçando-se o eixo da para ter alternativas de pensar o mundo,


igualdade, nosso esqueleto hierárquico não as concepções de felicidade e o bem-estar.
desaparece automaticamente, mas se refor- Freud em 1933 [1932], afirma a função or-
ça e reage, inventando e descobrindo novas ganizadora do conhecimento racional: o
formas de manter-se” (DAMATTA,1997, pensar científico procura evitar as paixões
p.201). Há entre os brasileiros “um temor individuais e a vertente afetiva, interroga o
social de estar fora do lugar, estar deslocado campo da percepção, adquire meios de ex-
e, com esse deslocamento, se passar por algo pandir esse campo através de equipamentos
diferente do que é realmente” (p. 171). mais precisos que os órgãos sensoriais, cons-
Pretendemos com a psicanálise parti- trói métodos, controla variantes (FREUD,
cipar dessa discussão, na medida em que 1933 /1976).
ampliamos a escuta sobre os efeitos da re- O corte que separa o mundo antigo do
sistência ao conhecimento científico e re- mundo moderno se dá com a substituição
lacionamos essa questão com impasses na do significante: Deus. No lugar de Deus
subjetividade do laço social. Cada vez mais como razão de todas as coisas, a formaliza-
o mercado exige graus variáveis de conhe- ção do mundo, do sentido e da existência
cimento científico, e o capitalismo, por sua passa a ser feita através da atividade do pen-
vez, marginaliza de forma cruel aqueles que samento racional. É através dessa operação
se negam a aderir a ele. Entre as conse- de substituição que se funda a ciência mo-
quências, temos a diversidade de sofrimen- derna (GUEDES, 2007).
to mental associado às urgências subjetivas A psicanálise segue as grandes revolu-
que se alastram nos tempos atuais junto à ções que constituíram o Estado moderno
população mais pobre. A descrença do bra- onde “todo homem nasce livre e igual”. Só
sileiro na ficção jurídica de homem “livre a partir desse preceito é que um psicana-
e autônomo” é reforçada pelo pensamento lista, em sua prática, procurará meios de
mítico de que o saber está pronto e acessí- liberar um sujeito de toda relação hierár-
vel a alguns. A preocupação em observar os quica de submissão e dependência em re-
efeitos da baixa escolaridade diz respeito à lação a outro homem; ao mesmo tempo
importância da escolarização na aprendiza- em que “a prática da psicanálise nos ensi-
gem dos preceitos democráticos. “O ideal de na que a igualdade entre os homens é um
homem livre e igual, para encarnar-se nos ideal, logo, é impossível. Toda liberdade e
homens concretos e passar a existir de fato, toda igualdade serão sempre limitadas pela
precisa moldar cada homem pela educação desigualdade dos sexos, pela desigualdade
segundo esses princípios” (COELHO DOS entre as gerações, pela desigualdade entre
SANTOS; DECOURT, 2008, p. 22). os sintomas” (COELHO DOS SANTOS;
A socialização (BERGER; LUCKMAN, DECOURT, 2008, p.32).
1985), que se inicia na família e avança com Guedes (2007) observa que, para Lacan,
o processo de escolarização, segundo os teria sido impensável a descoberta do in-
preceitos democráticos, possibilita às pesso- consciente por Freud, bem como a prática da
as adquirirem ferramentas para o exercício psicanálise, antes do advento da ciência mo-
da cidadania. A Modernidade nos orientou derna, no século XVII. Com a hierarquização
para a razão reflexiva, pelo conhecimento do conhecimento científico sobre as demais
científico e que, quanto mais aderimos a ele, modalidades de saber, passa-se a desprezar
mais tendemos a nos afastar das influências todo o saber originado da revelação, da intui-
dos mitos, da tradição e da religião. Sabemos ção e da adivinhação, “eliminando” a ilusão
que a difusão do saber científico transforma e o conhecimento proveniente das exigências
nossas necessidades e cria novos objetivos emocionais. Freud, na conferência “A ques-

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tão de uma Weltanschauung” (1933 [1932]), impossível de suportar que segundo Lacan,
mesmo contrapondo a ciência à religião, define a clínica” (MATET; MILLER, 2007,
contesta a total objeção que a ciência faz em p.5). A validação da prática em psicanálise
relação à ilusão. A psicanálise alarga a con- deve considerar a sua teoria, o seu método e
cepção científica, torna maior o seu campo ser demonstrada através dos relatos de casos
de conhecimento, pois inclui o que parece fa- clínicos que atestem a pertinência do trata-
zer obstáculo ao desenvolvimento da própria mento e/ou da intervenção.
ciência: as ilusões, as exigências emocionais, A Psicanálise tem meios para teorizar
a necessidade de consolo, as fantasias, enfim, sobre a complexidade do fenômeno da po-
tudo o que ele reuniu sob o nome de realida- breza? Essa experiência subjetiva é efeito
de psíquica. Desprezar “as reivindicações do de civilização? Consideramos que para Psi-
intelecto humano e as necessidades da mente canálise todos estamos submetidos, através
do homem” torna a Weltanschauung cientí- da capacidade mediadora da linguagem, aos
fica muito pobre e sem esperança (FREUD, processos de civilização que são os operado-
1933 [1932]/1976, p. 207). res da renúncia pulsional imediata e organi-
Lacan, perseguindo o ideal científico zadores das relações entre sujeitos.
de Freud, afirma que o sujeito de que trata A experiência de atendimento clínico
a psicanálise é o sujeito da ciência, “sujei- com população de baixa renda e escolari-
to esse sem qualidades” (1965-1966 /1998, dade, desde 1981, estimula a investigação
p.873). Guedes (2007) diz que Lacan no- em psicanálise sobre alguns sujeitos pobres
meia de sujeito da ciência, ou da razão, as que vagueiam pelos hospitais, UBS e igre-
posições subjetivas ideais, assépticas, sem jas à procura de “cuidados” e desenvolvem
predicação, oriundas da radical separação uma íntima relação com o sofrimento men-
entre “eu penso” e o “eu sou”, e não o sujei- tal e/ou corporal. Eles se dizem cientes da
to mortificado pelo significante. O mundo incapacidade de resolver os problemas e
simbólico é o mundo da máquina. E este de tratar os seus sintomas. Medicam-se e
funciona como pura injunção formal, au- sustentam no nível de serviço público uma
tomática, sem nenhuma consideração pelo rede de impotência generalizada em torno
saber da tradição ou pela contingência do do suposto discurso médico. Nesse circuito
encontro da linguagem com um corpo. Este de repetições, a abertura de um espaço para
pensamento orientou o conceito de indivi- questionamento sobre por que tanto sofri-
dualismo proposto por Dumont (1985) e a mento tem efeito imediato em alguns.
“ideologia moderna: a crença na consciên- Para alguns desses brasileiros, é inovador
cia de si como ponto de origem da subjeti- refletir sobre a própria existência e a adesão
vidade, recalcando a dívida do significante a um tratamento psicanalítico. A curiosida-
com a tradição, ou seja, recalcando o supe- de se aguça mediante o saber das possibili-
reu” (GUEDES, 2007, p.4). dades de autonomia na própria vida, e que
Levantamos, em diversas publicações para tal seria necessário conhecer o mundo
do Campo Freudiano, a advertência de que dos que acreditam em escolhas e a responsa-
“não há psicanálise aplicada sem psicaná- bilidade que elas implicam.
lise pura, que interroga a transmissão e a
formação” (MATET; MILLER, 2007, p.5). PONTUAÇÕES INICIAIS SOBRE A
As preocupações dos psicanalistas estão nas POBREZA
particularidades que envolvem as ações na
chamada “psicanálise aplicada” - os mo- A definição inicial de quem são os po-
dos de intervenção e os efeitos produzidos bres e o que se considera como pobreza foi
diante do “insuportável que passa para o apoiada por dados científicos disponibiliza-

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dos no site do IBGE e em estudos da Socio- dade e na desqualificação. Esse movimento


logia e Antropologia Brasileira. cria as categorias que vão dos assalariados,
Elegemos duas definições de pobre- trabalhadores informais, desempregados até
za: a primeira, de Sônia Rocha (2003) que a completa marginalização – os vagabundos
adverte sobre a complexidade do conceito, (CASTEL, 1998).
resumida na seguinte frase: “ser pobre signi- As estatísticas também nos apontam o
fica não dispor dos meios para operar ade- grande número de brasileiros segregados
quadamente no grupo social em que se vive” por não conseguirem atender às exigências
(ROCHA, 2003, p.10). E a segunda, proposta da civilização atual, só restando ao Estado
pelo IBGE ao definir índices de pobreza, pos- criar mecanismos de proteção para equacio-
to que em 2007, ainda 23,5% da população nar os tais efeitos negativos do desenvolvi-
brasileira viviam com uma renda familiar de mento econômico. A pobreza, como proble-
até meio salário mínimo; e apenas 1,7% da mática social, perpetua a divisão do mundo
população viviam com o rendimento fami- entre os que têm e os que não têm direito à
liar de mais de cinco salários mínimos per educação, aos serviços preventivos e curati-
capita. Em 2008, a parcela 10% mais rica da vos na saúde e, também, aos que se sentem
população brasileira concentrava 42,7% dos ou não seguros.
rendimentos do trabalho, contra 43,3% em Santos, em 2000, afirma que “a pobreza é
2007; enquanto os 10% mais pobres ficaram estrutural e não mais local, nem mesmo na-
com 1,2% restante, contra 1,1% em 2007. cional; torna-se globalizada, e presente em
Os dados acima espelham a gravi- toda parte do mundo” (p.69). E acrescenta,
dade das desigualdades nos âmbitos social, em 2001, numa das últimas entrevistas antes
econômico e político. Os pobres, em graus de sua morte, que os pobres seriam o agente
diferenciados, não conseguem garantir a sa- político dessa nova globalização, sobretudo
tisfação das necessidades básicas e ter aces- nas cidades onde há pessoas de todos os ní-
so a bens de consumo referentes ao grupo a veis, e eles, ao viverem na experiência de es-
que pertence. Indaga-se o quanto é necessá- cassez, testemunham a contradição entre o
rio para se ter uma vida digna no Brasil. crescimento dos objetos ofertados no mun-
A consolidação do capitalismo acontece do e a impossibilidade de possuí-los.
no final do século XIX e começo do XX, e A classe média, por sua vez, ao se
tem suas raízes na economia colonial ca- acomodar com o conforto do consumo,
feeira. Esta levou o país à industrialização substitui as preocupações cidadãs e omite-se
e à reordenação das relações de trabalho – das discussões políticas, mas vive ameaçada
passou-se do modelo escravocrata ao assa- pela possibilidade de empobrecimento e de
lariado – como mágica. Os brasileiros, em escassez de ter objetos. Santos acreditava que
sua maioria, ainda hoje condicionados às caberia aos intelectuais, majoritariamente
tradicionais relações hierárquicas e autori- provindos dessa classe, propagar a realidade
tárias, embaraçam-se com os contratos de contraditória no território e oferecer a refle-
trabalho que exigem um sujeito autônomo xão da questão à sociedade, porque assim se
e ciente dos seus direitos e deveres e que as- poderia deflagrar o movimento social glo-
sumem a responsabilidade de desenvolver balizado para tratamento da pobreza.
suas funções de forma eficiente e atualizada Com a psicanálise, entendemos que sim-
no nível tecnológico. Os impasses nas re- plesmente a inclusão de sujeitos desprepa-
lações entre patrões e empregados e o des- rados nos setores produtivos não garante a
conhecimento das inovações técnicas têm erradicação da pobreza. Esta, enquanto efei-
como consequência uma população assus- to de civilização, requer de todos e, em par-
tada que se afasta e se arrisca na informali- ticular, dos pobres o desejo de sair dela.

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Freud, em O mal-estar na civilização tratos propostos no pacto social individu-


(1930/1976), afirma que a civilização cons- alista, pois a crença demasiada na eficácia
titui um processo a serviço de Eros, cujo desse ideal democrático exigiria desconsi-
propósito é combinar indivíduos isolados, derar as contribuições da psicanálise a res-
famílias, nações, povos e raça numa unidade peito dos efeitos da dependência infantil e
– a humanidade. A pulsão de morte, a agres- estrutural estabelecida entre a criança e seus
sividade e a hostilidade de cada um contra genitores. “A criança como sintoma de seus
todos e a de todos contra um se opõem a pais, e o sintoma da criança é o modo pelo
esse programa da civilização. A reflexão qual se enlaçam as pulsões e as exigências
freudiana afirma que o pacto civilizatório se da civilização” (COELHO DOS SANTOS;
sustenta na eficácia dos processos de recal- DECOURT, 2008, p 24). Essa dependên-
camento e de sublimação das pulsões, mas cia permanece como um resto arcaico. “O
é também um desafio identificar o quanto sintoma é a prova da existência do incons-
se suporta a não satisfação pulsional. “Não ciente. Quando se chega à vida adulta, não
se faz isso impunemente. Se a perda não for se elimina completamente o resíduo da de-
economicamente compensada, pode-se fi- pendência infantil” (COELHO DOS SAN-
car certo de que sérios distúrbios decorrerão TOS; DECOURT, 2008, p.24). Isso seria um
disso” (FREUD, 1930 [1976], p.118). protótipo das relações que se prolongariam
Nos últimos tempos, testemunhamos os na vida adulta e nos relacionamentos inter-
progressos extraordinários das ciências na- pessoais.
turais e suas aplicações técnicas, particular- No Estado Moderno, a regularização das
mente no que diz respeito ao controle jamais relações sociais acontece através do critério
imaginado da natureza, do tempo e do es- de justiça e não mais na vontade arbitrária
paço. Porém, tais conquistas não tornaram do pai e de seus sucessores. Ao mesmo tem-
os homens mais felizes. Como Freud já ha- po em que Freud formulava a centralidade
via anunciado: “de que vale uma vida longa do laço com o pai na constituição subjeti-
se ela se revela difícil e estéril em alegrias, e va, para Coelho dos Santos (2006), a ciên-
tão cheia de desgraças que só a morte é para cia tendia a desconsiderar a relação de cada
nós recebida como libertação?” (FREUD, um à filiação. “Quando a vocação científica
1930/1976, p.108). e universalizante da modernidade manifes-
Nas sociedades democráticas, com tam-se na Declaração dos Direitos do Ho-
seus contratos, os indivíduos são felizes? mem, a ideia de que ‘todo homem nasce
Castel (1998, p.596), apoiado em Dumont livre e igual’, destitui o valor para cada um
(1985) resgata o seguinte conceito de indiví- da dívida simbólica, da particularidade da
duo - este se “apresenta como um ser moral, relação ao significante paterno” (COELHO
independente e autônomo e, assim (essen- DOS SANTOS, 2006, p.15).
cialmente), não-social”, para afirmar que os A substituição do poder individual pelo
contratos sociais partem do pressuposto de poder de uma comunidade é fator decisivo
que as partes envolvidas são seres autôno- da civilização, pois a lei deverá garantir que
mos, cientes de seus direitos e deveres, livres nenhum indivíduo terá privilégios sobre o
de qualquer referência ao coletivo. E que, outro, e que ela não será violada em prol de
portanto, nesses contratos não há referên- interesses de um. Ela carrega os valores éti-
cias às proteções sociais, pois as garantias cos e deve abarcar o estatuto legal que orien-
propostas neles devem ser legais e orienta- ta a todos – exceto os considerados incapazes
das pelo judiciário. de ingressar numa comunidade (FREUD,
Castel (1998) reconhece a dificuldade de 1930/1976). A essência da lei está nas res-
muitos homens no cumprimento dos con- trições das satisfações imediatistas que des-

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respeitam os direitos de outros membros de cias superegóicas que se apresentam como


uma mesma comunidade. Por isso muitos modos de agir, pensar e sentir, herdados de
indivíduos, ao desconsiderarem a lei, pas- experiências dos antepassados.
sam a agir em regime de exceção. Sabemos que muitos brasileiros vivem
O chamado “jeitinho brasileiro” reflete à margem do Estado democrático e procu-
esse mal-estar do indivíduo com as leis do ram insistentemente o SUS e as instituições
Estado. Em princípio, essa desobediência às jurídicas para se queixar de sofrimentos
leis se sustenta na tese de que a escolarização crônicos. Há uma precariedade econômica
de uma boa parte dos brasileiros é precária. que tem efeitos subjetivos. Alguns conside-
Com a psicanálise não se pode desconsiderar ram que sofrem demais, mais até que todos
o resto arcaico da dependência estrutural da os outros. De imediato afirmamos que eles
infância que, certamente, se torna em mui- sofrem apenas o que todos sofrem, mas que
tos um núcleo de resistência à incorporação elevam seu sofrimento ao status de ser im-
das regras sociais e adesão dos conceitos possível a sua superação.
de autonomia e liberdade propostos à vida O discurso psicanalítico, ao acolher o su-
adulta. Entendemos que os sujeitos do “jei- jeito nas diferenças e dificuldades de sobre-
tinho” são aqueles que, ao se embaraçarem vivência no mal-estar da civilização, faz-nos
com a sua castração, embaraçam-se também acreditar que a psicanálise pode contribuir
como cidadãos. (FONSECA, 2008) para tratar os impasses na adesão de indi-
Vários desses sujeitos se declaram ou são víduos, interessados na concepção de serem
declarados como exceções ao pacto social dos “livres e iguais” no pacto social democrático.
direitos e deveres. O protetor desses sujeitos Há uma especificidade nesse trabalho psica-
é o Estado-pai que provê, tenta compensar nalítico: fazer falar esses sujeitos alienados
os prejuízos e, portanto, não tem o direito no discurso da exclusão social e pouco res-
de cobrar obrigações e contrapartidas. A ló- ponsável pelo próprio sofrimento psíquico.
gica dessa parceria não se baseia no contrato Freud não tinha dúvidas das indicações
social moderno. Ela opera segundo “a lógi- da psicanálise aplicada à terapêutica. No
ca religiosa”, em que todo homem é filho de V Congresso Psicanalítico Internacional
Deus e, como tal, desamparado, jogado no (1918) em Budapeste, Freud afirmou que a
mundo, precisando de amparo e assistência psicanálise pode beneficiar toda a sociedade
(COELHO DOS SANTOS, 2006; COELHO humana. Registrou a sua preocupação com
DOS SANTOS; DECOURT, 2008). a enorme quantidade de miséria neurótica
que existe no mundo e que, talvez, não pre-
APLICANDO A PSICANÁLISE: OS cisasse existir. “As neuroses ameaçam a saú-
EFEITOS SUBJETIVOS DA POBREZA de pública não menos do que a tuberculose,
de que, como esta, também não podem ser
Considerando o modelo familiar brasi- deixadas aos cuidados impotentes de mem-
leiro e o pouco acesso ao discurso científico, bros individuais da comunidade” (FREUD,
pode a psicanálise propor intervenções jun- 1918/1976, p. 210).
to às famílias e os sujeitos pobres? A solução viria através da responsabili-
Coelho dos Santos (2001) esclarece que zação do Estado e da sociedade sobre a ur-
o objetivo da psicanálise freudiana é ins- gência de o pobre ter direito a uma assistên-
trumentar os homens para que admitam a cia à sua ‘mente’, tanto quanto ter direito a
realidade psíquica, isto é, reconheçam uma uma cirurgia. Freud sugere que esses atendi-
outra dimensão da verdade à qual a ciência mentos – gratuitos - aconteçam em institui-
renuncia. Segundo a autora, essa dimensão é ções ou clínicas de pacientes externos para as
relativa à submissão dos homens às exigên- quais serão designados analistas preparados.

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Freud acredita na aceitação e na validade uma necessidade social particularmente em


de suas hipóteses psicológicas para as pesso- nossos tempos, quando os estratos intelec-
as pouco instruídas. Contudo sua preocupa- tuais da população, sobremodo inclinados
ção maior era com a formação de analistas à neurose, estão mergulhando irresistivel-
que desviavam da técnica por falta de domí- mente na pobreza” (FREUD, 1920 /1976,
nio da doutrina da psicanálise. Talvez fosse p.357).
necessário adaptar a técnica às novas condi- Lacan herda a preocupação de Freud
ções, “no entanto, qualquer que seja a for- com a formação do analista e expande a prá-
ma que essa psicoterapia para o povo possa tica da psicanálise em hospitais na França.
assumir, quaisquer que sejam os elementos Em 1964, na Ata de Fundação da Escola, La-
dos quais se componha, o seu ingrediente can afirma que a diferença fundamental en-
mais efetivo e mais importante continuará a tre a psicanálise pura e a aplicada diz respei-
ser, certamente, aquele tomado à psicanáli- to à formação do analista (LACAN, 2003a).
se estrita e não tendenciosa” (FREUD, 1918 Na Proposição de 9 de outubro de 1967,
/1976, p.210). Lacan afirma que para o analista tornar-se
Freud, no texto A Psicanálise e a neuro- responsável pelo progresso da Escola preci-
se de guerra, publicado em 1919, demonstra sa “tornar-se psicanalista da própria experi-
sua frustração com representantes oficiais ência” (LACAN, 2003b, p. 248) e que é dever
dos mais altos escalões das potências do da Escola garantir a formação àqueles que
Centro-europeias porque não criaram os querem ser analistas.
Centros Psicanalíticos nos quais médicos, Esse compromisso com a formação é de
com formação analítica, teriam tempo e tal ordem, que a ascensão aos lugares insti-
oportunidade para estudar a natureza desse tucionais é decorrente dos níveis de envol-
intrincado distúrbio - neurose de guerra – vimento com a Escola. “O psicanalista só se
suas relações com teoria sexual das neuro- autoriza por si mesmo” (LACAN, 2003b, p.
ses, e ainda os efeitos terapêuticos exercidos 248) e entre seus pares. Haveria um tempo
sobre os soldados pela psicanálise. para a psicanálise em intenção e um ou-
Em 1920, Freud fez dois agradecimen- tro tempo para a psicanálise em extensão.
tos especiais para analistas que tomaram a Brousse (2007, p.22) afirma que a “extensão
iniciativa de criar centros de atendimento da psicanálise à terapêutica é uma condição
em psicanálise. A Policlínica Psicanalítica de sua sobrevivência”. Lacan, em Televisão
de Berlim foi à primeira instituição de aten- (1993), adverte sobre os trabalhadores so-
dimento ao público em geral e de formação ciais que ‘escolheram carregar a miséria
de analistas, cuja exigência foi considera- nos ombros’, afirmando que “carregar nos
da fundamental e “encarada como a única ombros as exigências do sintoma implica
proteção possível contra o dano causado sempre se pôr a seu serviço. Ora, o sintoma
aos pacientes por pessoas ignorantes e não deve, antes, ser posto a trabalhar pelo analis-
qualificadas, sejam leigas ou médicas essas ta” (LACAN, 1993, p.29).
pessoas” (FREUD, 1920/1976, p.358). Figueiredo (1997), na sua pesquisa sobre
A psicanálise, com a sua significação os atendimentos ambulatoriais em psica-
científica, também é um procedimento tera- nálise no Serviço Público na capital do Rio
pêutico e pode fornecer ajuda àqueles que de Janeiro, relata o fato de não haver duas
sofrem em sua luta para atender às exigên- psicanálises, uma para o consultório e outra
cias da civilização. “Esse auxílio deveria ser para o ambulatório. O que se faz necessário
acessível também à grande multidão, dema- é uma (re)contextualização, uma revisão
siado pobre para reembolsar um analista por conceitual no campo da própria teoria para
seu laborioso trabalho. Isso parece constituir (re)localizar a prática no campo da clínica e

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suas variações. “A psicanálise aplicada à te- assegurar-lhe a possibilidade de sair da re-


rapêutica também constrói o espaço propí- petição do pior” (COTTET, 2005, p.35).
cio ao seu desdobramento, tanto fora como Concluímos com as palavras de Brousse
dentro da instituição” (MATET; MILLER, (2007, p. 22): “A psicanálise aplicada é um
2007, p.5) móbil (móvel, um motivo) maior para o fu-
Na experiência clínica, sabemos que turo da psicanálise, tanto como disciplina
nem sempre o sujeito quer o seu bem e que quanto como solução ética nova introduzi-
projeta no outro a responsabilidade do seu da na civilização por meio dessa experiência
bem-estar. Diríamos que ofertamos um ser- original que é um tratamento psicanalítico”.
viço e, ao mesmo tempo, temos de escolher
aqueles que querem abrir mão de seus sinto-
mas, interessando-se pela psicanálise. Keywords
Toda a complexidade que envolve o Applied psychoanalysis, psychoanalysis and
atendimento institucional requer do analista poverty, psychoanalysis in Brazil.
uma escuta a partir do discurso organizado
pelo queixoso, mas não do discurso vigente Abstract
na sociedade. Não se trata de “oferecer” so- This article discusses the possibilities of the
luções padronizadas e institucionalizadas e, study on poverty in the Freudian field. As
sim, do fato de que, ao se escutar, é possível a social issue, it perpetuates the world’s
construir uma demanda de saber sobre si e division between those who have the right to
sua relação com o outro. A transferência e education, preventive and curative services in
a interpretação são condições para tratar o health and those who do not enjoy a quality
sintoma na direção lacaniana da cura ana- life. Freud had no doubt about the indications
lítica. Cabe ao analista, porém, “inventar of psychoanalysis applied to therapy for
estratégias para flexibilizar, confirmar e re- the poor population of society. He has,
manejar princípios que possam nortear os however, challenged us to think about two
analistas no real dessa clínica” (BASTOS; specificities of that treatment: the alienation
FREIRE, 2005, p.103). in the discourse of social exclusion and in the
Miller, em 1998, no texto “As contraindi- psychic suffering itself. Therefore, proposing a
cações ao tratamento analítico”, afirma que psychoanalysis applied to outpatient services
o encontro com o analista produz efeitos que requires a reflection about the subjective
podem ser transmitidos não só na comuni- effects of poverty, which affects, at least, 40%
dade psicanalítica, mas também fora dela. of our population. An analyst can offer these
O ato analítico define-se pela pureza dos individuals the experience of unconscious to
meios e dos fins, e não pelo enquadramento let them find the logic of their decisions and
do sujeito. life position, ensuring them the opportunity
A proposta a que aderimos está baseada to leave the repetition of the worst.
na premissa da eficácia terapêutica da psi-
canálise lacaniana. É porque “consideramos
que o encontro com um analista é algo de-
masiado precioso para que seja possível ape-
nas para algumas pessoas”. Temos a posição
política de que um analista deve partilhar a
responsabilidade pública com a ordem so-
cial. “Permitir a um sujeito ter a experiên-
cia do inconsciente, para encontrar a lógica
de suas decisões e de sua posição na vida, é

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