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Primeiro volume
Nicola A bbagnano
~DIGITALIZAÇÃO E ARRANJO:
ÂNGELO MIGUEL ABRANTES
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
2.a Edição
VOLUME I
TRADUÇÃO DE:
ANTÓNIO BORGES COELHO
FRANCO DE SOUSA
MANUEL PATRÍCIO
EDITORIAL PRESENÇA
Título original
STORIA DELLA FILOSOFIA
Por isso não serão apresentados, em esta obra, sistemas ou problemas, quase
substantivados e considerados como realidades autónomas, mas figuras ou
pessoas vivas, serão feitas emergir da lógica da pesquisa em que quiseram
exprimir-se e consideradas nas suas relações com outras figuras e pessoas. A
história da filosofia não é o domínio de doutrinas impessoais que se sucedem
desordenadamente ou se concatenam dialecticamente, nem a esfera de acção de
problemas eternos, de que cada doutrina é manifestação contingente. É um
tecido de relações humanas, que se movem no plano de uma comum disciplina de
pesquisa, e que transcendem por isso os aspectos contingentes ou
insignificantes, para se fundar nos essenciais e constitutivos. Revela a
solidariedade fundamental dos esforços que procuram tornar clara, tanto quanto
é possível, a condição e o destino do homem; solidariedade que se exprime na
afinidade das doutrinas tanto como na sua oposição, na sua concordância tanto
como na sua polémica. A história da filosofia reproduz na táctica das
investigações rigorosamente disciplinadas a mesma tentativa que é a base e o
móbil de todas as relações humanas: compreender-se e compreender. E reprodu-lo
quando colhe êxitos como quando colhe desenganos, nas vicissitudes de ilusões
renascidas como nas de clarificações orientadas, e nas de esperanças sempre
renascentes.
Eis por que não se encontrarão nesta obra críticas extrínsecas, que pretendem
pÔr a claro os erros dos filósofos. A pretensão de atribuir aos filósofos
lições de filosofia é ridícula, como a de fazer de uma determinada filosofia o
critério e a norma de julgamento das outras. Todo o verdadeiro filósofo é um
mestre ou companheiro de pesquisa, cuja voz nos chega enfraquecida através do
tempo, mas pode ter para nós, para os problemas que ora nos ocupam, uma
importância decisiva. Necessário é que nos disponhamos à pesquisa com
sinceridade e humildade. Nós não podemos alcançar, sem a ajuda que nos vem dos
filósofos do passado, a solução dos problemas de que depende a nossa
existência individual e em sociedade. Devemos, por isso, propor historicamente
esses problemas, e na tentativa para compreender a palavra genuína de Platão
ou de Aristóteles, de Agostinho ou de Kant e de todos os outros, pequenos ou
grandes, que hajam sabido exprimir uma experiência humana fundamental, devemos
ver a própria tentativa de formular e solucionar os nossos problemas. O
problema de o que nós somos e devemos ser é fundamentalmente idêntico ao
problema de o que foram e quiseram ser, na sua substância humana, os filósofos
do passado. A separação dos dois problemas tira ao filosofar o seu alimento e
à história da filosofia a sua importância vital. A unidade dos dois problemas
garante a eficácia e a força do filosofar e fundamenta o valor da
historiografia filosófica. A história da filosofia liga simultaneamente o
passado e o futuro da filosofia. Esta ligação é a essencial historicidade da
filosofia.
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mas as provas mais seguras da seriedade do empenho teorético. Visto que a quem
espera da investigação histórica uma ajuda efectiva, a quem vê nos fIlósofos
do passado mestres e companheiros de pesquisa, não interessa falsear-lhes o
aspecto, camuflar-lhes a doutrina, mergulhar-lhes na sombra traços
fundamentais. Todo o interesse tem, ao invés, em reconhecer-lhes o verdadeiro
rosto, assim como quem empreende uma viagem difícil tem interesse em conhecer
a verdadeira índole de quem lhe serve de guia. Toda a ilusão ou engano é,
neste caso, funesta. A seriedade da investigação condiciona e manifesta o
empenho teorético.
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período ou uma época histórica, porque lançam uma luz mais viva sobre um
problema fundamental. Adquirem, então, uma impessoalidade aparente, que faz
delas o património comum de gerações inteiras de filósofos (pense-se no
agostinismo ou no aristotelismo durante a escolástica); mas em seguida
declinam e apagam-se, e todavia a verdadeira pessoa do filósofo não mais se
apaga, e Todos podem e devem interrogá-lo para dele tirar luz.
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Tudo isto exclui que na história da filosofia se possa ver somente desordem e
sobreposição de opiniões; mas exclui, não obstante, que se possa ver nela uma
ordem necessária dialecticamente concatenada, em que a sucessão cronológica
das doutrinas equivalha ao desenvolvimento racional de momentos ideais
constituindo uma verdade única que se mostre em sua plenitude no fim do
processo. A concepção hegeliana faz da história da filosofia o processo
infalível de formação de uma determinada filosofia. E assim suprime a
liberdade da pesquisa filosófica, que é condicionada pela realidade histórica
da pessoa que indaga; nega a problematicidade da própria história e faz dela
um círculo concluso, sem porvir. Os elementos que constituem a vitalidade da
filosofia perdem-se deste modo todos.
Obedece a este dever, dentro dos limites que me são concedidos, a presente
obra. Que o leitor queira compreendê-la e julgá-la dentro deste espírito.
N. A.
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A segunda edição desta obra constitui uma actualização da primeira com base em
textos ou documentos ultimamente publicados, em novas investigações
historiográficas e em novos caminhos da crítica histórica ou metodológica. As
partes que sofreram maiores revisões ou ampliamentos são as que concernem ' à
lógica e à metodologia das ciências, à ética e à política. As investigações
historiográficas contemporâneas voltam-se, de facto, preponderantemente para
estes campos, obedecendo aos mesmos interesses que solicitam hoje a pesquisa
filosófica. Aqui como ali a exigência de ter em conta os novos dados
historiográficos e de apresentar todo o conjunto numa forma ordenada e clara
tornou oportunas alterações de extensão ou de colocação dos autores tratados,
em conformidade com certas constantes conceptuais que demonstraram ser mais
activas, ou verdadeiramente decisivas, na determinação do desenvolvimento ou
da eficácia histórica das filosofias. óbviamente, as maiores modificações teve
que sofrê-las o desenvolvimento da filosofia contemporânea, no intuito de
oferecer um sintético quadro de conjunto da riqueza e da variedade dos
caminhos que hoje dis-
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N. A.
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PRIMEIRA PARTE
FILOSOFIA ANTIGA
Uma tradição que remonta aos filósofos judaicos de alexandria (século I a.C.)
afirma que a filosofia derivou do Oriente. Os vrincivais filósofos da Grécia
teriam extraído da doutrina hebraica, egípcia, babilónica e indiana não
somente as descobertas científicas mas também as concepções filosóficas mais
pessoais. Esta opinião divulgou-se progressivamente nos séculos seguintes;
culminou na opinião do neo-pitagórico Numénio, que chegou a chamar a Platão um
"Moisés ateicizante"; e passou dele aos escritores cristãos.
Contudo, não encontra ela qualquer fundamento nos testemunhos mais antigos.
Fala-se, é verdade, de viagens de vários filósofos ao Oriente, especialmente
pela Pérsia teria viajado Pitágoras; Demócrito, pelo Oriente; pelo Egipto,
segundo testemunhos mais verosímeis, Platão. Mas o próprio Platão (Rep., IV,
435 e) contrapõe o espírito científico dos Gregos ao amor da utilidade, carac-
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terístico dos Egípcios e dos Fenicios; e assim exclui da mesma maneira clara a
possibilidade de que se tenha podido e se possa trazer inspiração para a
filosofia das concepções daqueles povos. Por outro lado, as indicações
cronológicas que se têm sobre as doutrinas filosóficas e religiosas do Oriente
são tão vagas, que estabelecer a prioridade cronológica de tais doutrinas
sobre as correspondentes doutrinas gregas deve ter-se por impossível.
Mais verosímil se apresenta, à primeira vista, a derivação da ciência grega do
Oriente. Segundo algumas opiniões, a geometria teria nascido no Egipto da
necessidade de medir a terra e distribui-la pelos seus proprietários depois
das periódicas inundações do Nilo. Segundo outras tradições, a astronomia
teria nascido com os Babilónios e a aritmética no próprio Egipto, Mas os
Babilónios cultivaram a astronomia com vista às suas crenças astrológicas, e a
geometria e a aritmética conservaram entre os Egípcios um carácter prático,
perfeitamente distinto do carácter especulativo e científico que estas
doutrinas revestiram entre os gregos.
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Pode admitir-se como possível ou pelo menos verosímil que o povo grego tenha
inferido, dos povos orientais, com os quais mantinha desde séculos relações e
trocas comerciais, noções e haja encontrado o que esses povos conservaram na
sua tradição religiosa ou haviam descoberto por via das necessidades da vida.
Mas isto não impede que a filosofia, e em geral a investigação científica, se
manifeste nos gregos com características originais, que fazem dela um fenómeno
único no mundo antigo e o antecedente histórico da civilização (cultura?)
ocidental, de que constitui ainda uma das componentes fundamentais. Em
primeiro lugar, a filosofia não é de facto na Grécia o património ou o
privilégio de uma casta privilegiada. Todo o homem, segundo os gregos, pode
filosofar, porque o homem é "animal racional" e a sua racionalidade significa
a possibilidade de procurar, de maneira autónoma, a verdade. As palavras com
que inicia a Metafísica de Aristóteles: "Todos os homens tendem, por natureza,
para o saber" exprimem bem este conceito, uma vez que "tendem" quer dizer que
não só o desejam, mas
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Sábios que, no entanto, eram também chamados "sofistas" como "sofista" era
chamado Pitágoras. Não no sentido de contemplação, mas no sentido mais
genérico de pesquisa desinteressada, usa Heródoto a palavra quando fez o Rei
Creso dizer a Sólon. (Heródoto, J, 20); "Tenho ouvido falar das viagens que,
filosofando, empreendeste para ver muitos países"; e da mesma forma Tucidides,
quando (11, 40) fez dizer a Péricles de si e dos Atenienses: "Nós amamos o
belo com simplicidade e filosofamos sem receio". O filosofar sem receio
exprime a autonomia da pesquisa racional em que consiste a filosofia.
como veremos no tema posterior a palavra filosofia implica dois significados.
O primeiro e mais geral é o de pesquisa autónoma ou racional, seja qual for o
campo em que se desenvolva; neste sentido, todas as ciências fazem parte da
filosofia. o Segundo significado, mais específico, indica uma pesquisa
particular que de algum modo é fundamental para as outras mas não as contém.
Os dois significados estão ligados nas sentenças de Heraclito (fr., 35 Díels):
"É necessário que os homens filósofos sejam bons indagadores (historas) de
muitas coisas". Este duplo significado encontra-se claramente em Platão onde o
termo vem usado para indicar a geometria, a música e as outras disciplinas do
mesmo género, sobretudo na sua função educativa (Teet., 143 d; Tím., 88 c); e
por outro lado a filosofia vem contraposta à sofia, à sabedoria que é própria
da divindade. e à doxa, à opinião, na qual se detém quem não se preocupa com
indagar o verdadeiro ser (Fedr., 278 d; Rep.,
480 a). A mesma bivalência se acha em Aristóteles para quem a filosofia é,
como filosofia prima, a ciência do ser enquanto ser; mas abrange, também em
seguida, as outras ciências teoréticas, a matemática e a física, e até a ética
(Ét. Nic., 1, 4,
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poetas, nas doutrinas dos mistérios, nos apotDgrnas dos Sete Sábios e
sobretudo na reflexão ético-política dos poetas.
A eles se atribuem breves sentenças morais (de aí terem ainda sido chamados
Gnomas), algumas das quais se tornaram famosas. A Tales se atribui a frase
"Conhece-te a ti mesmo" (Dióg. L., 1, 40). A Bias a frase "a maioria é
perversa" (1b., 1, 88) e esta outra "O cargo revela o homem" (Alist., Ét.
Nic., V, 1,1029 b, 1). A Pítaco a frase "Sabe aproveitar a oportunidade"
(Dióg. L.,
1, 79). A Sólon as frases "Toma a peito as coisas importantes" e "Nada em
excesso" (1b., 1, 60,63). A Cleóbulo a frase "A medida é coisa óptima" (1b.,
1, 93). A Míson a frase "Indaga as palavras a partir das coisas, não as coisas
a partir das palavras" (1b., 1, 108). A Chílon as frases "Cuida de ti mesmo" e
"Não desejes o impossível" (1b., I,
70). Como se vê, estas frases são todas de natureza prática ou moral e
demonstram que a primeira reflexão filosófica na Grécia foi direita à sageza
da vida mais do que à pura contemplação
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também norma de medida; e Sólon exprime num fragmento famoso (fr. 16) a
convicção moral mais enraizada nos gregos: "A coisa mais difícil de todas é
captar a invisível medida da sageza, a única que traz em si os limites de
todas as coisas". Ésquilo é enfim o profeta religioso desta lei universal de
justiça de que a sua tragédia quer exprimir o triunfo. Portanto, antes que a
filosofia descobrisse e justificasse a unidade da lei por sob a multiplicidade
dispersa dos fenómenos naturais, a poesia grega descobriu e justificou a
unidade da lei por sob as vicissitudes aparentemente desordenadas e mutáveis
da vida humana em sociedade. Veremos que a especulação dos primeiros físicos
não fez mais do que procurar no mundo da natureza esta mesma unidade
normativa, que os poetas haviam perseguido no mundo dos homens
§ 4. AS ESCOLAS FILOSóFICAS
Desde o início a pesquisa filosófica foi na Grécia uma pesquisa associada. Uma
escola não reunia os seus adeptos somente pelas exigências de um ensino
regular: não é provável que tal ensino tenha existido nas escolas filosóficas
da Grécia antiga senão com Aristóteles. Os alunos de uma escola eram chamados
"companheiros (etairoi). Juntavam-se para viver uma "vida comum" e
estabeleciam entre si não só uma solidariedade de pensamento mas também de
costumes e de vida, numa troca contínua de dúvidas, de dificuldades e de
investigações. O caso da escola pitagórica, que foi ao mesmo tempo uma escola
filosófica e uma associação religiosa e política, é certamente único; e por
outro lado este traço do pitagorismo foi por isso mesmo mais uma fraqueza que
uma força. Contudo, todas as grandes personalidades da filosofia grega são os
funda-
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Duvidou-se que tivessem formado uma escola os filósofos de Mileto; mas há para
eles o testemunho explícito de Teofrasto que fala de Anaximandro como
"concidadão e companheiro (etairos)" de Tales. O próprio Platão nos fala dos
heraclitianos (Teet., 1792) e dos anaxagóricos (Crát.,
409 b); e em o Sofista <242d) o estrangeiro eleata fala da sua escola como
ainda existente em Eleia. A Academia platónica teve portanto uma história de
nove séculos.
De aqui provém o interesse constante dos filósofos gregos pela política, isto
é pela vida em sociedade. A tradição conservou-nos, notícia deste interesse
mesmo na referência àqueles de cuja vida não nos dá mais que essas
informações. Tales, Anaximandro e Pitágoras foram homens políticos. De
Parménides se conta que deu as leis à sua cidade e de Zenão que pereceu vítima
da tentativa para libertar os seus concidadãos de um tirano. Empédocles
restaurou a democracia em Agrigento; Arquitos foi um chefe de estado e
Melissos um almirante. O interesse político exercitou portanto, como veremos,
uma função dominante na especulação de Platão.
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Estes períodos não representam rígidas divisões cronológicas: não servem para
outra coisa que não seja para dar um quadro geral e resumido do nascimento, do
desenvolvimento e da decadência da pesquisa filosófica na Grécia antiga.
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Outro doxógrafo é Cícero, que nas suas obras expõe doutrinas de numerosos
filósofos gregos, porém todas conhecidas em segunda e terceira mão.
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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III
A ESCOLA JÓNICA
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O homem não pode reconhecer uma substância que constitua o ser e o princípio
das coisas externas senão enquanto reconhecer semelhantemente o ser e a
substância da sua existência individual ou em sociedade. A investigação
dirigida para o mundo objectivo está sempre unida à investigação dirigida para
o mundo próprio do homem. Esta conexão torna-se clara em Heraclito. O problema
do mundo físico é por ele posto em unidade essencial com o problema do eu; e
toda a conquista naquele campo se lhe apresenta condicionada pela
investigação dirigida para si mesmo. "Estudei-me a mim mesmo" diz ele (fr.
101, Diels). À excepção de Heraclito, todavia, o problema para que
intencionalmente se dirige a pesquisa dos pré-socráticos é o problema
cosmológico: tudo o que a pesquisa dirigida para este problema implica no
homem e para o homem continua inexprimido e caberá ao período seguinte da
filosofia grega trazê-lo à luz. O carácter de uma filosofia é determinado pela
natureza do seu problema; e não há dúvida que o problema dominante na
filosofia pré-socrática seja o cosmológico.
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§ 8. TALES
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§ 9. ANAXIMANDRO
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sucedem segundo um ciclo eterno; mas os mundos são também infinitos
contemporaneamente no espaço ou tão só sucessivamente no tempo? Um testemunho
de Aécio inclui Anaximandro entre os que admitem mundos inumeráveis que
circundam de todos os lados aquele que habitamos; e um testemunho análogo nos
dá Simplício, que coloca, ao lado de Anaximandro, Leucipo, Demócrito e Epicuro
(Diels, A 17). Cícero (De nat. deor., ]L 10.25), copiando Filodemo, autor de
um tratado sobre a religião que se encontrou em Herculano, diz: "A opinião de
Anaximandro era que aqueles são divindades que nascem, crescem e morrem a
longos intervalos e que estas divindades são mundos inumeráveis". Na realidade
é difícil negar que Anaximandro tenha admitido uma infinidade espacial dos
mundos pois que se o infinito engloba todos os mundos, deve então ser pensado
para além não de um só mundo, mas de outro e ainda de outro.] Só nos
confrontos de infinitos mundos pode compreender-se a infinidade da substância
primordial, que tudo abraça e transcende. Anaximandro considera de maneira
original a forma da terra: esta é um cilindro que paira no meio do mundo sem
ser sustentada por coisa alguma, visto que, encontrando-se a igual distância
de todas as partes, não é solicitada por nenhuma destas a mover-se. Quanto aos
homens, não são eles os seres originários da natureza. Efectivamente não sabem
alimentar-se por si, e não teriam, por isso, podido sobreviver se houvessem
nascido da primeira vez como nascem agora. É forçoso que hajam tido origem de
outros animais. Nasceram dentro dos peixes e depois de terem sido alimentados,
tornados capazes de se protegerem a si mesmos, foram lançados fora e
encaminharam-se para terra. Teorias estranhas e primitivas, mas que mostram da
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§ 10. ANAXÍMENES
Via ainda no ar a origem de todas as coisas: "Assim como a nossa alma, que é
ar, nos sustém, assim o sopro e o ar circundam o mundo inteiro" (fr. 2,
Diels).
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invade e, que, com alma e sopro (pneuma) cria nos animais a vida, o movimento
e o pensamento. Por conseguinte, o ar é, segundo Diógenes, incriado,
iluminado, inteligente e regula e domina tudo.
§ 11. HERACLITO
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fogo e o fogo troca-se por todas, como o ouro se troca pelas mercadorias e as
mercadorias pelo ouroi" (fr. 90, Diels).
Mas estes fundamentos de uma teoria da natureza são apresentados por Heraclito
como o resultado de uma sabedoria difícil de alcançar-se e oculta à maior
parte dos homens. Nas palavras que abriam o seu livro, Heraclito, lamentava
que os homens não obstante terem escutado o logos, a voz da razão, se esqueçam
dele nas palavras e nas acções, pelo que não sabem o que fazem no estado de
vigília, como não sabem o que fazem no estado ",de sono (fr. 1, Diels). E ao,
longo de toda a obra corria a polémica contra a sageza aparente dos que sabem
muitas coisas, mas não têm inteligência de nenhuma: sageza a que se opõe a
pesquisa dos filósofos, que essa sim incide sobre objectos múltiplos (fr. 35,
Diels), mas recolhe-os todos em unidade (fr. 41, Diels).
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não acharás o inesperado, porque não se Pode achar e é inacessível" (fr. 18,
Diels). Mas não se esconde a dificuldade e o risco da pesquisa: "Os que
procuram ouro escavam muita terra, mas encontram pouco metal" (fr. 22,
Diels)._detémse especialmente nas condições que a tornam possível primeira
delas é que o homem examina-se a si mesmo."Procurei-me a mim mesmo", diz ele
(fr. 101, Diels). A pesquisa dirigida ao mundo
natural é condicionada pela clareza que o homem pode alcançar a respeito do
ser que lhe é próprio. A pesquisa interior revela profundidades infinitas: "Tu
não encontrarás os confins da alma, caminhes o que caminhares, tão profunda é
a sua razão" (fr. 45, Tiels). A pesquisa interior abre ao homem zonas
sucessivas de profundidade, que jamais se esgotam: a razão, a lei última do
eu, aparece continuamente mais além, em uma profundidade sempre mais longínqua
e ao mesmo tempo sempre mais íntima.
Mas esta razão, que é a lei da alma, é ao mesmo tempo lei universal. A segunda
e fundamental condição é a comunicação entre os homens: O pensamento é comum a
todos segundo Heraclito, (fr. 113, Diels). "É necessário seguir o que é comum
a todos porque o que é comum é geral" (fr. 2, Diels). "Quem quiser falar com
inteligência deve fortalecer-se com o que é comum a todos, como a cidade se
fortalece com a lei, e muito mais. Porque todas as leis humanas se alimentam
da única lei divina e esta doutrina tudo o que quer, basta a tudo e tudo
supera" (fr. 114 Diels).[O homem deve pois
dirigir a pesquisa não só para si mesmo, mas também, e com o mesmo movimento,
para aquilo que o liga aos outros, o logos que constitui a mais profunda
essência _(;homem individual é ainda o que liga os homens entre si numa
comunidade de natureza., Este logos é como a lei para a cidade, mas
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é ele próprio a lei, lei suprema que tudo rege: o homem individual, a
comunidade dos homens e a natureza externa. Ele é, portanto, não só a
racionalidade mas o próprio ser do mundo: tal se revela em todos os aspectos
da pesquisa.
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unidade própria do mundo é, segundo Heraclito, uma tensão deste género: não
anula nem concilia nem supera o contraste, mas fá-lo existir, e fá-lo
compreender, como contraste.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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Sobre Talco além das obras citado : D. R. Dims in "Classical Quarterly>, 1950.
Os fragmentos de Diõgenes in D=, cap. 64. -zP-T.T -NEMx, 1, 338 segs.; Gom~,
1, 390 seg.; BuRNET, 406 segs.
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lu
A ESCOLA PITAGÓRICA
§ 12. PITÁGORAS
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É muito provável que Pitágoras não tenha escrito nada. Aristóteles não
conhece, com efeito, nenhum escrito seu; e a afirmação de Jâmblico (Vida de
Pít., 199) de que os escritos dos primeiros Pitagóricos até Filolau teriam
sido conservados como segredo da escola, vale só como uma prova do facto de
que ainda mais tarde não se possuíam escritos autênticos de Pitágoras
anteriores a Filolau. Pelo que é muito difícil reconhecer no pitagorismo a
parte que pertence ao seu fundador. Uma única doutrina pode com toda a certeza
ser-lhe atribuída - (a da sobrevivência da alma depois da morte e à sua
transmigração para outros corpos) -----"Segundo esta doutrina, de que se
apoderou Platão '(Górg., 493a), o corpo é uma prisão para a alma,
que aqui foi encerrada pela divindade para seu castigo. Enquanto a alma
estiver no corpo, tem necessidade dele porque só por seu intermédio pode
sentir; mas quando estiver fora dele vive num mundo superior uma vida
incorpórea nu __e se purificou durante a
vida corpórea, a alma regressa a esta vida; no caso contrário, retoma depois
da morte a cadeia das transmigrações.
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nos graus mais elevados os Pitagóricos viviam em plena comunhão de bens. Mas o
fundamento histórico de todas estas notícias é bastante inseguro. Muito
provavelmente, o pitagorismo foi uma das muitas seitas que celebravam
mistérios a cujos iniciados era imposta uma certa disciplina e certas regras
de abstinência, que não deviam ser pesadas.
O carácter político da seita determinou uma revolução Contra o
governo aristocrático, tradicional nas cidades gregas da Itália meridional, a
que davam o seu apoio os Pitagóricos, levantou-se um movimento democrático que
provocou revoluções e tumultos. Os Pitagóricos transformaram-se em objecto de
perseguições: a sede da sua escola foi incendiada, eles mesmos foram
massacrados ou fugiram; e só tempos depois os exilados puderam regressar à
pátria. É provável que Pitágoras tenha sido forçado a trocar Crotona pelo
Metaponto justamente devido a tais movimentos inssurreccionais.
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significado geométrico aparecem fundidos, uma vez que a medida supõe sempre
uma grandeza espacial ordenada, logo geométrica, e ao mesmo tempo um número
que a exprime" Pode dizer-se que o verdadeiro significado do número pitagórico
está expresso naquela figura sacra, a tetraktys, por que os Pitagóricos tinham
o hábito de jurar e que era a seguinte:
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6.o Quietude. movimento; 7.o Recta, curva; 8.o Luz, trevas; 9.o Bem, mal; 10.-
Quadrado, rectângulo.
O limite, isto é, a ordem, é a perfeição; por isso, tudo o que se encontra do
mesmo lado na série dos opostos é bom, o que se encontra do outro
lado é mau. Os Pitagóricos pensam, todavia, que a luta entre os opostos se
concilia por meio de um princípio de harmonia; e a harmonia, como vínculo dos
mesmos opostos, constitui para eles o significado último das coisas
ANTROPOLóGICAS
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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IV
A ESCOLA ELEÁTICA
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tância por Parménides e pelos seus seguidores. Para eles a substância é o ser
que é e deve ser: é o ser na sua unidade e imutabilidade, que faz dele o único
objecto do pensamento, o único termo da pesquisa filosófica. O princípio_M
eleatismo marca uma etapa decisiva na história da filosofia, Ele pressupõe
indubitavelmente a pesquisa cosmológica dos jónicos e dos Pitagóricos, mas
subtrai-a ao seu pressuposto naturalista e trá-la pela primeira vez ao plano
ontológico em que deveriam enraizar-se os sistemas de Platão e de Aristóteles.
§ 17. XENÓFANES
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§ 18. PARMÉNIDES
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Zenão, veio a Atenas e se encontrou com Sócrates, então muito jovem (Parm.,
127b; Teet., 183e; Sot., 217 c). Dada a grande elasticidade das indicações
cronológicas de Apolodoro, não há motivo para pôr em dúvida o rebatido
testemunho de Platão: daí deduzia-se como provável que Parménides tenha
nascido por volta de 516-11. Aristóteles cita dubitativamente a indicação que
Parménides tenha sido discípulo de Xenófanes; mas uma vez que é de excluir,
como se viu, que Xenófanes tenha fundado uma escola em Eleia, a indicação
aristotélica não significa provavelmente outra coisa senão queParménides
retomou a direcção de pensamento iniciada com Xenófanes.' Segundo outras
tradições (DioG. L., DC, 21; Diels, AI) Parménides foi educado na filosofia do
pitagórico Amenias e seguiu "vida pitagórica". É o primeiro a expor a sua
filosofia num poema em hexâmetros. Xenófanes também expusera em versos as suas
ideias filosóficas mas de forma ocasional, entremeando-as nas suas poesias
satíricas. Anaximandro, Anaxímenes e Heraclito haviam escrito em prosa. O
exemplo de Parménides será seguido somente por Empédocles. Do poema de
Parménides que, provavelmente, só em data posterior foi designado com o título
Acerca da natureza, restam-nos 154 versos.
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deve julgar com a razão e considerar com ela as coisas distantes como se
estivessem diante dele.
Ora a razão demonstra facilmente que não se pode nem pensar nem exprimir o
não-ser. Não se pode pensar sem pensar alguma coisa; o pensar coisa nenhuma é
um não-pensar, o dizer coisa nenhuma é um não-dizer. O pensamento e a
expressão devem em todo caso ter um objecto e este objecto é o ser. Parménides
determina com toda a clareza o critério fundamental da validade do
conhecimento que deveria dominar toda a filosofia grega: o valor de verdade do
conhecimento depende da realidade do objecto, o conhecimento verdadeiro não
pode ser outra coisa senão o conhecimento do ser.
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Pela vez primeira o problema do ser foi posto por Parménides; como problema
metafísico-ontológico, quer isto dizer na sua generalidade máxima e não já tão
só como problema físico. A pergunta eque coisa é o ser?" a que Parménides quis
for-
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§ 19. ZENÃO
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guinte, deve ter ocorrido cerca de 489. Como a maior parte dos primeiros
filósofos, Zenão participou na política da sua cidade natal; parece que
contribuiu para o bom governo de Eleia e que sucumbiu corajosamente, à tortura
por ter conspirado contra um tirano (Diels, A 1). O próprio Platão (Parm., 128
b), nos expõe o carácter e o intento de um escrito, que devia ser a obra mais
importante de Zenão. 10 escrito era uma forma de reforço" da argumentação de
Parménides, dirigido contra os que procuravam apoucá-la aduzindo que, se a
realidade é uma. vemo-los enredados em muitas e ridículas contradições. O
escrito pagava-lhes na mesma moeda pois que tendia a demonstrar que a sua
hipótese da multiplicidade emaranhava-se, desenvolvida a fundo, em
dificuldades ainda maiores. O método de Zenão consistia, por conseguinte, em
reduzir ao absurdo a tese dos negadores da unidade do ser, conseguindo deste
modo confirmar a tese de Parménides.--4-
Precisamente em atenção a este método reconheceria Aristóteles em Zenão o
inventor da dialéctica (Dióg. L., VIII, 57). E, com efeito, a dialéctica é
para Aristóteles o raciocínio que parte não de premissas verdadeiras mas de
premissas prováveis ou que parecem prováveis. (Tóp., 1, 1, 100 b,
21 segs.); e as teses de que parte Zenão para as refutar parecem exactamente
prováveis em extremo. Hegel, ao invés, opina que a dialéctica de Zenão é uma
dialéctica imperfeita porque metafísica, e aproximou-a da dialéctica kantiana
das antinomias. Zenão ter-se-ia servido das antinomias para demonstrar a
falsidade das aparências sensíveis,'Kant para afirmar a verdade delas; pelo
que Zenão seria superior a Kant (Geschichte der Phil., ed. Glockner, I, p. 343
segs.). Os historiadores modernos preocuparam-se com determinar contra quem
foram dirigidas as refutações de Zenão; e a maioria vê
74
75
argumento que se um moio de trigo causar rumor quando cai, todo o grão e toda
partícula de um grão deveriam causar um som: o que não acontece (Diels, A 29).
A dificuldade está aqui em compreender como é que diversas coisas reunidas
juntamente podem produzir um efeito que cada uma delas separadamente não
produz.
76
A intenção destes subtis argumentos, que amiúde têm sido chamados sofismas ou
cavilações até pelos filósofos que não têm mostrado muita habilidade a refutá-
los, é bastante clara. O espaço e o tempo são a condição da pluralidade e da
mudança das coisas: pelo que, se eles se revelam contraditórios, revelam que a
multiplicidade e a mudança são contraditórias e por isso irreais. Mas eles só
são contraditórios se se admitir (como Zenão considera inevitável) a sua
infinita divisibilidade: por isso esta infinita divisibilidade é assumida por
Zenão como pressuposto tácito dos seus argumentos. Aristóteles procurou,
portanto, refutá-lo negando sobretudo a infinita divisibilidade do tempo e
afirmando que as partes do tempo nunca são instantes, privados de duração, mas
têm sempre uma certa duração, ainda que mínima: assim já não seria impossível,
percorrer partes infinitas de espaço em um tempo finito. Esta refutação não
vale muito. Os matemáticos modernos, a partir de Russell (Principles of
Mathematics, 1903), tendem antes a exaltar Zenão precisamente por ter
admitido a possibilidade da divisão até ao infinito, que está na base do
cálculo infinitesimal. E pode admitir-se que os argumentos de Zenão, pelas
discussões que sempre suscitaram, hajam servido também para isto. Mas Zenão
não foi, decerto, um matemático, e aquilo com que se preocupava era muito
simplesmente a negação da realidade do espaço, do tempo e da multiplicidade.
§ 20. MELISSOS
- 77
78
ta-se absolutamente que seja uno; mas se é uno não pode ter corpo, porque se
tivesse um corpo teria partes e já não seria uno" (fr. 9). Os críticus
modernos, que afirmaram a corporeidade do ser parmenídeo (que é excluída pela
própria formulação que os Eleatas dão ao problema), atribuem a negação de
Melissos a algum particular elemento, cuja realidade, ao que supõem, Melissos
discutisse. Mas mesmo no caso de Melissos ter em mente uma hipótese
particular, o significado da sua afirmação não muda: o que é corpo tem partes,
portanto não é uno: portanto não é. A negação da realidade corpórea está
implícita para Melissos, como para Parménides e para Zenão, na negação da
multiplicidade e da mudança e no repúdio da experiência sensível como via de
acesso à verdade.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
79
nas dedicadas a Parménides por JAEGm, Paidéia, trad, ltal., 276 segs.. E além
disso M. UNTERSTEINER, Parménide. Te8timonta=e e framm-entí, Florença, 1958,
com uma larga introdução que refunde e rectifica os precedentes estudos do
autor. Os pontos típicos da Interpretação de Understeiner são os seguintes: 1)
o ser de Parinénides seria uma totalidade, não uma unidade, uma vez que a
unidade (como a continuidade) constituiria uma referência ao plano empírico ou
temporal e estaria, por conseguinte, em oposição com a eternidade do ser; 2)
Parménides; não diria (fr. 6. Diela). c0 ser, o nko-ser não é"; mas
diria"Existe o dizer e o Intuir o ser, e ao Invés não existe o dizer e o
intuir o nada": no sentido que o próprio método da pesquisa acabaria por criar
o ser. Sobre as dificuldades filo16gicas desta subtil e porventura demaqiado
moderna Interpretação efri J. BRUNSCHWIG, in "Revue Philosophique>, 1962, p.
120 sega. Do ponto de vista filosófico tem o inconveniente de descurar
completamente o carácter fundamental do ser parmenideo, a necessidade.
80
OS FISICOS POSTERIORES
§ 21. EMPÉDOCLES
81
82
83
do Cosmos: como Heraclito está convencido que a divisão dos elementos, o ódio,
a luta, têm uma parte importante na constituição do mundo. "Estas duas coisas,
escreveu ele, são iguais e igualmente originárias e tem cada uma o seu valor e
o seu carácter e predominam alternadamente no volver do tempo" (fr. 17, v. 26,
Diels).
84
§ 22. ANAXÁGORAS
85
Uma vez que nunca se chega a um elemento último e indivisível, também jamais
se alcança, segundo Anaxágoras, um elemento simples, isto é, um elemento
qualitativamente homogéneo que seja,
86
por exemplo, somente água ou somente ar. "Em toda a coisa diz ele, há
sementes de todas as coisas" (fr. 11). A natureza de uma coisa é deterninada
pelas sementes que nela prevalecem: parece ouro aquela em que prevalecem as
partículas de ouro, embora haja nela partículas de todas as outras
substâncias.
87
qualidade oposta. Visto que toda a dissenção acarreta dor, toda a sensação é
dolorosa e a dor acaba por se sentir com a longa duração ou com o excesso da
sensação (Diels, A 29).
88
§ 23. OS ATOMISTAS
A escola de Mileto não findou com Anaxímenes; de Mileto provém ainda Leucipo
(se bem que alguns escrapres antigos afirmem, ser de Eleia ou de Abdera o
fundador do atomismo, que pode considerar-se o último e mais maduro fruto da
pesquisa naturalista iniciada com a escola de Mileto. Sabe-se tão pouco de
Leucipo que até foi possível duvidar da sua existência. Epicuro (Diels, 67, A
2) diz que nunca houve um filósofo com este nome; e esta opinião foi também
retomada por historiadores recentes. Segundo testemunhos antigos, foi
contemporâneo de Empédocles e de Anaxágoras e discípulo de Parménides. Os seus
escritos devem ter-se confundido com os de Demócrito a quem se unira para
indicar os dois fundadores do atomismo antigo.
89
90
91
porque todas as sensações são produzidas pelo contacto, com o corpo do homem,
dos átomos que provêm das coisas. Mas o próprio Demócrito não se satisfaz com
este conhecimento, ao qual está necessariamente limitado. "Em
verdade, diz ele, nada sabemos de nada, pois a opinião vem de fora
para cada qual" (fr. 7). "É preciso conhecer o homem com estes critérios: que
a verdade fica longe dele" (fr. 6). E, com efeito, as sensações de que deriva
todo o conhecimento humano mudam de homem para homem, mudam até no mesmo homem
conforme as circunstâncias, pelo que não fornecem um critério absoluto do
verdadeiro e do falso (Diels,
68 A 112). Estas limitações não respeitam, contudo, ao conhecimento
intelectual. Ainda que sujeito às condições físicas que se observam no
organismo (Diels, 68 A 135), este conhecimento é, todavia, superior à
sensibilidade, porque permite captar, para lá das aparências, o ser do mundo:
o vazio, os átomos e o seu movimento. Aí onde termina o conhecimento sensível
que, quando a realidade se subtiliza e tende a resolver-se nos seus últimos
elementos, se torna ineficaz, começa o conhecimento racional, que é um órgão
mais subtil e alcança a própria realidade (Demócr., fr. 11). A antítese entre
conhecimento sensível e conhecimento intelectual é assim talhada como a que
existe entre o carácter aparente e convencional das qualidades sensíveis e a
realidade dos átomos e do vazio. "Por convenção fala-se, diz Demócrito (fr.
125), de cor, de doce, de amargo; na realidade, há só átomos e vazio". Desta
maneira, correspondentemente ao contraste entre aparência e realidade, se
mantém no atomismo o contraste entre conhecimento sensível e conhecimento
intelectual, não obstante a sua comum redução a factores mecânicos; e ambos
estes contrastes são inferidos do eleatismo.
92
A ética de Demócrito não tem, de facto, relação alguma com a sua doutrina
física. O mais elevado bem para o homem é a felicidade; e esta não reside nas
riquezas, mas somente na alma (fr. 171). Não são os corpos e a riqueza que nos
tornam felizes, mas sim a justiça e a razão, e aí onde falta a razão, não se
sabe fruir a vida nem superar o terror da morte. Para os homens a alegria
nasce da medida do prazer e da proporção da vida: os defeitos e os excessos
tendem a perturbar a alma e a gerar nela movimentos intensos. E as almas que
se movimentam de um extremo ao outro, não são constantes nem contentes (fr.
191).
93
A alegria espiritual, a ataymia, não tem por conseguinte nada que ver com o
prazer (edoné): "o bem e o verdadeiro-diz Demócrito-são idênticos para todos
os homens, o prazer é diferente para cada um deles (fr. 69). Pelo que o prazer
não é bem em si mesmo: necessário é que sejha somente o que procede do belo
(fr. 207). A ética de Demócrito está, assim, a grande distância da do
hedonismo que poderíamos aguardar Como corolário do seu naturalismo teorético.
Pelo contrário, ao decidido objectivismo que é a directriz de Demócrito no
domínio da pesquisa naturalista corresponde, na ética, um igualmente decidido
subjectivismo moral. O guia da acção moral é, segundo Demócrito, o respeito
(aidos) para consigo mesmo. "Não deves ter respeito pelos outros homens mais
que por ti próprio, nem proceder mal quando ninguém o saiba mais que quando o
saibam; mas deves ter por ti mesmo o máximo respeito e impor à tua alma esta
lei: não fazer aquilo que não se deve fazer" (fr. 264). Aqui a lei moral está
colocada na pura interioridade da pessoa humana, que ao invés se faz lei a si
própria mediante o conceito de respeito para consigo mesmo. Este conceito,
fundamental para compreender o valor e a dignidade humana, substitui o velho
conceito grego do respeito para com a lei da polis, e mostra como a pesquisa
moral de Demócrito se move em direcção antitética da sua pesquisa física e
como, por isso, se iniciou a diferenciação da ciência natural da filosofia.
94
se mantém; se ele cai tudo perece (fr. 252). E declara que é necessário
preferir viver pobre e livre numa democracia a viver rico e escravo numa
oligarquia (fr. 251). A superioridade que ele atribui à vida exclusivamente
dedicada à pesquisa científica torna-se evidente pelas suas ideias sobre o
matrimónio. Este é condenado por ele, na medida em que se funda sobre as
relações sexuais que diminuem o domínio do homem sobre si mesmo, e na medida
em que a educação dos filhos impede a dedicação aos trabalhos mais
necessários, enquanto o sucesso da sua educação continua duvidoso. Aqui a
preocupação de Demócrito é evidentemente a de salvaguardar a disponibilidade
do homem para consigo mesmo que torna possível o empenho na pesquisa
científica.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
vi
A SOFíSTICA
Dos meados do século V até aos fins do século IV, Atenas é o centro da cultura
grega. A vitória contra os Persas abre o período áureo do poder ateniense. A
ordem democrática tornava possível a participação dos cidadãos na vida
política e tornava preciosos os dotes oratórios que permitem obter o êxito.
Os sofistas vêm ao encontro da necessidade de uma cultura adaptada à educação
política das classes.
A palavra sofista não tem nenhum valor filosófico determinado e não indica uma
escola. Originariamente significou apenas sábio e empregava-se para indicar os
Sete Sábios, Pitágoras e quantos se assinalaram por qualquer actividade
teorética ou prática. No período e nas condições que indicamos, o termo assume
um significado especifico: sofistas eram aqueles que faziam profissão da
sabedoria e a ensinavam mediante remuneração. O lugar da sofística na história
da filosofia não apresenta por isso
97
98
que duma cidade a outra, de um povo a outro, muitos dos valores em que assenta
a vida do homem sofrem variações radicais e tornam-se incomensuráveis entre
si. A natureza relativista das suas teses teóricas não é mais que a expressão
duma rendição fundamental da sua ensinança. Por outro lado, consideram-se
"sábios" precisamente no sentido antigo e tradicional do termo, isto é, no
sentido de tornar os homens hábeis nas suas tarefas, aptos para viver em
conjunto, capazes de levar a melhor nas competições civis. Certamente, sob
este aspecto, nem todos os sofistas manifestam, na sua personalidade, as
mesmas características, Protágoras reivindicava para os sábios e para
bons oradores a tarefa de guiar e aconselhar para o melhor a própria
comunidade humana (Teet., 167 c). Outros sofistas colocavam explicitamente a
sua obra ao serviço dos mais poderosos e dos mais sagazes. Em qualquer dos
casos o interesse dos sofistas limitava-se à esfera das ocupações humanas e a
própria filosofia considerada por eles como um instrumento para se moverem
habilmente nesta esfera.
99
PROTÁGORAS
100
O significado desta tese famosa foi aclarado pela primeira vez por Platão,
cuja interpretação continuou e continua a ter o favor. Segundo Platão,
Protágoras pretendia dizer que "tais como as coisas singulares me aparecem,
tais são para mim, e quais te aparecem, tais são para ti: dado que homem tu és
e homem sou" (Teet., 152 a); e que portanto identificava aparência e sensação,
afirmando que aparência e sensação são sempre verdadeiras porque "a sensação é
sempre da coisa que é" (1b., 152 c); é, entende-se, para este ou para aquele
homem. Aristóteles (Met., IV, 1, 1053 a, 31 segs.) e com ele todas as fontes
antigas confirmam substancialmente a interpretação platónica. Esta é aprovada
também pela crítica que, segundo um testemunho de Aristóteles (lb., LII, 2,
997 b, 32 segs.). Protágoras dirigia à matemática, observando que nenhuma
coisa sensível tem a qualidade que a geometria atribui aos entes geométricos e
que, por exemplo, não existe uma tangente que toque a, circunferência num só
ponto, como quer a geometria (fr. 7. Diels). Nesta crítica, como é óbvio,
Protágoras valia-se das aparências sensíveis para julgar da validade das
proposições geométricas.
Segundo o mesmo Platão, também aqui seguido quase unanimente pela tradição
posterior, o pressuposto da doutrina de Protágoras era o de Heraclito: o
incessante fluir das coisas. O Teeteto platónico contém também uma teoria da
sensação elaborada segundo este pressuposto: a sensação seria o encontro de
dois movimentos, o do agente, isto é do objecto, e o do paciente, isto é do
sujeito.
101
Dado que os dois movimentos continuam depois do encontro, nunca serão duas
sensações iguais quer para homens diferentes quer para o mesmo homem (Teet.,
182 a). Não sabemos se esta doutrina pode referir-se a Protágoras: todavia
também ela é uma confirmação da identidade que Protágoras estabelecia entre
aparência e sensação. É por isso bastante claro que mundo da doxa (isto é, da
opinião),
que para o caso compreende as aparências sensíveis e todas as crenças que
nelas se fundam, é aceite por Protágoras tal como se apresenta; e que ele,
como os outros sofistas se recusa a proceder para lá dele e instituir uma
pesquisa que de qualquer modo o transcenda: Esse é o mundo das ocupações
humanas em que Protágoras e todos os sofistas entendem mover-se e permanecer.
O agnosticismo religioso de Protágoras é uma consequência imediata desta
limitação do seu interesse à esfera da experiência humana. Dos deuses -dizia
Protágoras -não estou em posição de saber nem se existem nem se não existem
nem quais são: efectivamente muitas coisas impedem sabê-lo: não só a
obscuridade do problema mas a brevidade da vida humana" (fr. 4, Diels). A
"obscuridade" de que fala Protágoras consiste provavelmente no próprio facto
de que o divino transcende a esfera daquela experiência humana à qual, segundo
Protágoras, é limitado o saber.
103
em torno do bem e do mal são defendidos na Grécia por aqueles que se ocupam da
filosofia" (Diels, 90, 1 (1). Pode ser que o autor deste escrito seguisse mais
de perto as pisadas de um determinado sofista (por exemplo de Górgias, como
alguns estudiosos defendem). mas é difícil imaginar que não se reportasse
também a Protágoras que sabemos ter escrito um livro intitulado Antilógia
(Diels. 80. fr. 5). A segunda parte do escrito é particularmente interessante
pois contém a exposição daquilo que hoje se chama o "relativismo cultural",
isto é o reconhecimento da disparidade dos valores que presidem às diferentes
civilizações humanas. Eis alguns exemplos: Os Macedónios acham bem que as
raparigas sejam amadas e se acasalem com um homem antes de se esposarem, mas
censurável depois de casadas; para os Gregos é má tanto uma coisa como a
outra... Os Massagetos fazem em pedaços os (cadáveres) dos genitores e comem-
nos; e acreditam que é um túmulo belíssimo ser sepultado nos próprios filhos;
se ao invés alguém na Grécia fizesse isto, seria expulso e morreria coberto de
vergonha por ter cometido uma acção feia e terrível. Os Persas consideram belo
que também os homens se adornem como as mulheres e que se juntem com a filha,
a mãe e a irmã; ao contrário os Gregos consideram estas acções feias e
imorais; etc." (Diels, 90, 2 (12); (14); (15". O autor do escrito conclui a
sua exemplificação dizendo que "se alguém ordenasse a todos os homens que
agrupassem num só lugar todas as leis (nomoi) que se consideram más e
escolhessem depois aquelas que cada um considera boas, nem uma ficaria, mas
todos repartiriam tudo" (Diels,
2, 18). Considerações deste género não aparecem isoladas no mundo grego e
acorrem frequentemente no ambiente sofístico. Segundo um testemunho de
Xenofonte (Mem. IV, 20). Hípias negava que a
104
proibição do incesto fosse lei natural dado que é transgredida por alguns
povos vizinhos. oposição entre natureza e lei. característica de Hípias e de
outros sofistas (§ 27), não era mais que uma consequência da concepção
relativística que tais sofistas tinham dos valores que presidiam às diferentes
civilizações humanas. É-de recordar final,--mente a este propósito que
Heródoto -certamente teve ligações com o ambiente sofistico e compartilhou a
seu modo a sua direcção iluminística-, depois de ter relatado o costume,
referindo-o aos Indianos Callati, de algumas populações darem sepultura no seu
estômago aos parentes mortos e depois de ter posto em confronto a repugnância
dos Gregos por este costume com a repugnância daqueles Indianos pelo costume
dos Gregos de queimar os mortos, concluía com uma afirmação típica do
relativismo dos valores: "Se propusessem a todos os homens escolher entre as
várias leis e os convidassem a eleger a melhor, cada um, depois de ter
reflectido, escolheria (lei) do seu país: tanto a cada um parecem muito
melhores as próprias leis". E concluía a sua narrativa comentando: "Assim são
estas leis dos antepassados e eu creio que Píndaro tinha razão nos seus
versos: "a lei é rainha de todas as coisas" (Hist., IH, 38).
105
106
Depois nada há em tudo aquilo que sabemos da doutrina de Protágoras que deixe
supor que ele atribuía carácter absoluto às formas que a utilidade reveste na
vida pública ou privada do homem. Certamente, segundo Protágoras, "toda a vida
do homem tem necessidade de ordem e de adaptação" (Prot., 326 b). Zeus teve de
enviar aos homens a arte política, fundada no respeito e na justiça, a fim de
que os homens deixassem de destruir-se reciprocamente e pudessem viver em
comunidade (lb., 322 c). Mas nem a arte política é uma ciência nem o respeito
e a justiça são objecto da ciência, segundo Protágoras. "Respeito e justiça"
são no mito a mesma coisa que '"a ordem e a adaptação" fora do mito: podem
assumir inumeráveis formas. Na própria República de Platão o conceito de
justiça é introduzido e defendido como condição de qualquer convivência
humana, de qualquer actividade que os homens devam desenvolver em comum,
compreendida a dum bando de salteadores e de ladrões (Rep., 351 c); e não é
por acaso que um testemunho antigo faz depender a República de Platão da
Analogia de Protágoras (fr. 5, Diels). Platão não se deteve, é certo, neste
conceito formal de justiça: todo o corpo da República é dirigido a delimitá-lo
e defini-lo tornando-o objecto de ciência e assim absolutizando-o. Mas para
Protágoras ele conservava indubitavelmente o seu carácter formal e assim a sua
fluidez; o que significa que, para Protágoras, a própria justiça, isto é, a
ordem e o acomodamento recíproco dos homens, alcançáveis através da
rectificação que as leis e a educação impõem às suas diferentes opiniões, pode
assumir formas diversas, que a sagacidade ou a engenhosidade humana podem
descobrir ou fazer valer nas diferentes comunidades humanas.
107
§ 26. GóRGIAS
As teses fundamentais de Górgias eram três, concatenadas entre si: I.& Nada
existe; 2.a Se algo existe não é cognoscível pelo homem; Ia Ainda que seja
cognoscível, é incomunicável aos outros.
1) Sustentava o primeiro ponto demonstrando que não existe nem o ser nem o
não-ser. Efectivamente o não-ser não existe porque se existisse seria ao mesmo
tempo não-ser e ser, o que é contraditório. E o ser se existisse tinha de ser
ou eterno ou gerado ou eterno e gerado ao mesmo tempo. Mas se fosse eterno
seria infinito e se infinito não estaria em nenhum lugar, isto é, não
existiria de facto. Se é gerado deve ter nascido ou do ser ou do não-ser, mas
do não-ser não nasce nada; e se nasceu do ser já existia antes, portanto não é
gerado. O ser não pode ser pois nem eterno nem gerado; não pode ser tão-pouco
eterno e gerado ao mesmo tempo porque as duas coisas se excluem. Portanto nem
o ser nem o não-ser existem. 2) Mas se o ser existe, não pode ser pensado.
Efectivamente as coisas pensadas não existem: de outro modo existiriam todas
as coisas inverosímeis e absurdas que ao homem ocorra pensar. Mas se é verdade
que aquilo que é pensado não existe, será também
108
verdade que aquilo que existe não é pensado e que portanto, o ser. se existe,
é incognoscível.
3) Finalmente., ainda que fosse cognoscível, não seria comunicável.
Efectivamente, nós expressamo-nos pela palavra. mas a palavra não é o ser;
portanto. comunicando palavras, não comunicamos o ser.
109
poder que se identifica com o desta necessidade" (fr. 12). É claro que,
segundo Górgias, a palavra tem força necessitante porque não encontra limites
ao seu poder em nenhum critério ou valor objectivo, nalguma ideia no sentido
platónico do termo: o homem não pode resistir a ela aferrando-se à verdade ou
ao bem e está completamente desprovido de defesa nos seus confrontos.
O relativismo teorético e prático da sofística encontra aqui um corolário
importante: a omnipotência da palavra e a força necessitante da retórica que a
guia com o seu engenho infalível. Quando Platão opõe a Górgias, no diálogo que
dele se intitula, que a retórica não pode persuadir se não daquilo que é
verdadeiro e justo, parte de um pressuposto que Górgias não partilha: isto é,
que existem critérios infalíveis e universais para reconhecer o verdadeiro e o
justo (Górgias, 455 a). Aquilo que distingue a retórica de Górgias como arte
omnipotente da persuasão, da retórica de Platão como educação da alma para o
verdadeiro e o justo, é o pressuposto fundamental do platonismo: a existência
de ideias como critérios ou valores absolutos.
Hípias de Élide era ao contrário famoso pela sua cultura enciclopédica e pelo
vigor da sua memória. N, diálogo platónico Hípias Maior ele próprio declara
ser frequentemente enviado pela sua pátria como legado para tratar de negócios
com outra cidade; e gaba-se de ter ganho grandes somas com o seu ensino.
Compôs elegias e discursos de temas vários, de que possuímos fragmentos
escassamente importantes do ponto de vista filosófico. Por um testemunho de
Xenofonte (Mem., IV. 4.
5 segs.) que relata uma longa discussão entre ele e Sócrates. sabemos que um
dos seus temas preferidos era a oposição entre a natureza (physis) e a lei
(nownos). As leis não são uma coisa séria porque não têm uniformidade e
estabilidade e aqueles mesmos que as fizeram muitas vezes as revogam. As
verdadeiras leis são as que a própria natureza prescreve e que, ainda que não
sejam escritas "são válidas em cada país e no mesmo modo".
111
Esta antítese entre as leis e a natureza torna-se o tema favorito da geração
mais jovem dos sofistas que muitas vezes se vale dela para defender uma ética
aristocrática ou directamente para tecer um elogio da injustiça- Certo é que
os sofistas, mostrando (como se disse já no § 25) a relatividade dos valores
que regem a convivência humana e recusando-se a proceder à investigação dos
valores universais ou absolutos eram levados a ver nas leis nada mais que
convenções humanas, mais ou menos úteis mas indignas de um reconhecimento
obrigatório. Antifonte, sofista, assegurava que todas as leis são puramente
convencionais, por isso contrárias à natureza e que o melhor modo de viver é o
de seguir a natureza, isto é de pensar no próprio útil. reservando uma
reverência puramente aparente ou formal às leis dos homens (Diels, 87, fr. 44
A, col. 4). Polo e Calicles no Górgias, Trasímaco na República sustentam que a
lei da natureza é a lei do mais forte e que as leis que os homens fazem valer
na sua convivência são convenções dirigidas a impedir os mais fortes de se
valerem do seu direito natural. Segundo a natureza, é justiça que o forte
domine o mais fraco e siga em todas as circunstâncias sem freio o talento
próprio. e isto acontece de facto quando um homem dotado de natureza capaz
rompe as cadeias da convenção e de servo se converte em senhor (Górgias, 484
a; República, 1, 338 b segs.). Outra actividade dos sofistas era a erística,
isto é a arte de vencer nas discussões impugnando as afirmações do adversário
sem olhar à sua verdade ou falsidade. No Eutidemo platónico, duas figuras
menores dos sofistas, Eutidemo e Dionisorodo, são mostrados em acção nalgumas
atitudes típicas do seu repertório. Um dos lugares comuns da eurística era o
que Platão recorda também no Ménon (80 d) e ao qual opõe a doutrina da
anamnesis: isto é, que
112
não se pode indagar nem aquilo que se sabe nem aquilo que não se sabe: porque
é inútil indagar sobre aquilo que se sabe e é impossível indagar se não se
sabe que coisa indagar. A erística foi certamente a actividade inferior dos
sofistas, aquela que mais contribuiu para os desacreditar. Todavia, também
essa fazia parte da sua bagagem: quando se nega todo o critério objectivo de
indagação e se reconhece a omnipotência da palavra, abre-se o caminho também à
possibilidade de usar a própria palavra como puro instrumento de batalha
verbal ou como simples exercício de bravura polémica.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
113
ViI
SÓCRATES
§ 28. O PROBLEMA
115
116
nico, nas palavras que o rei egípcio Thamus dirige a Theut, inventor da
escrita: "Tu ofereces aos alunos a aparência, não a verdade da sabedoria;
porque quando eles, graças a ti, tiverem lido tantas coisas sem nenhum
ensinamento, julgar-se-ão na posse de muitos conhecimentos, apesar de
permanecerem fundamentalmente ignorantes e serão insuportáveis para os demais,
porque terão não a sabedoria, mas a presunção, da sabedoria". Para Sócrates
que entende o filosofar como o exame incessante de si e dos outros, nenhum
escrito pode suscitar e dirigir o filosofar. O escrito pode comunicar uma
doutrina, não estimular a pesquisa. Se Sócrates renunciou a escrever, isto foi
devido ainda à sua própria atitude filosófica e faz parte essencial de tal
atitude.
§ 29. AS FONTES
117
118
119
Na realidade só quem sabe que não sabe procurará saber, enquanto os que crêem
estar na posse dum saber fictício não são capazes da investigação. não se
preocupam consigo mesmos e permanecem irremediàvelmente afastados da verdade e
da virtude. Este princípio socrático representa a antítese nítida da
sofística. 1 Contra os sofistas que faziam profissão de sabedoria e pretendiam
ensiná-la aos outros, Sócrates fez profissão de ignorância: o saber dos
sofistas é um não-saber, um saber fictício privado de verdade que dá apenas
presunção e jactância e impede de assumir a atitude submissa da investigação,
a
digna dos homens meio de promoz nos outros essè reconhecimento da própria
ignorância, que é a condição da pesquisa, é a ironia. ironia é a interrogação
dirigida a descobrir no homem a sua ignorância, a abandoná-lo à dúvida e à
inquietação para obrigá-lo à pesquisa.A ironia é o meio de descobrir a
nulidade do ar fictício, de pôr a nu a ignorância fundamental que o homem
oculta até a si próprio com os ouropéis de um saber feito de palavras e de
vazio. A ironia é a arma de Sócrates contra a vaidade do ignorante que não
sabe que é tal e por isso se recusa a examinar-se a si mesmo e a reconhecer os
limites próprios. Esta é a sacudidela que o torpedo tremelga marinho comunica
a quem a toca e sacode pois o homem do torpor e lhe comunica a dúvida que o
encaminha para a busca de si mesmo. Mas precisamente por isso é também uma
libertação.
120
Sob este aspecto da ironia como libertação do saber fictício, isto é, daquilo
que oficialmente ou comummente passa por saber ou por ciência, insistiu
justamente Kierkegaard no Conceito da ironia. Trata-se certamente duma função
negativa, do aspecto limitante e destrutivo da filosofia socrática, mas
precisamente por isso de um aspecto que é indissolúvel da filosofia como
investigação e que portanto contribui para fazer de Sócrates o símbolo da
filosofia ocidental.
31. A MAIÊUTICA
121
122
Portanto, para ser virtuoso, não é necessário que o homem renuncie ao prazer.
A virtude não é a negação da vida humana, mas a vida humana perfeita;
compreende o prazer e é antes o prazer máximo. A diferença entre o homem
virtuoso e o homem que o não é, está em que o primeiro sabe
123
fazer o cálculo dos prazeres e escolher o maior; o segundo não sabe fazer este
cálculo e entrega-se ao prazer do momento. O utilitarismo socrático é assim um
outro aspecto da polémica contra os sofistas. A ética dos sofistas oscilava
entre um franco hedonismo como o encontramos defendido por Antifonte, por
exemplo, e por alguns interlocutores dos diálogos platónicos, e aquela espécie
de activismo da virtude que foi a tese de Pródico. Para Sócrates, uma e outra
destas duas tendências são insustentáveis. A virtude não é puro prazer nem
puro esforço, mas cálculo inteligente. Neste cálculo, a profissão ou a defesa
da justiça não pode encontrar lugar porque a injustiça não é mais que um
cálculo errado.
b). Aceite por Hegel (Geschichte der Phil., I, cap. II, B, 2 a), esta critica
tornou-se muito comum na historiografia filosófica e está, entre outras
coisas, no fundamento da desvalorização que Nietzsche intentou da figura de
Sócrates quando quer entrever nele a tentativa de reduzir o instinto à razão e
portanto de empobrecer a vida (Ecee Homo). Mas na verdade tudo aquilo que se
pode censurar a Sócrates é o não ter feito as distinções entre as actividades
ou faculdades humanas que Platão e Aristóteles introduziram na filosofia.
Para Sócrates, o homem é ainda uma unidade indivisa. O seu saber não é apenas
a actividade do seu intelecto ou da sua razão, mas um total modo de ser e de
comportar-se, o empenhar-se numa investigação que não reconhece limites ou
pressupostos fora de si, mas encontra por si a sua disciplina, Segundo
Sócrates, a virtude é ciência, em primeiro lugar
124
Para Sócrates o filosofar é uma missão divina, uma -tarefa confiada por um
mandato divino (Ap.,
29-30). Fala de um demónio, de uma inspiração divina que o aconselha em todos
os momentos decisivos da vida. Interpreta-se comummente este demónio como a
voz da consciência; na realidade é o sentimento de uma investidura recebida do
alto, própria de quem abraçou uma missão com todas as suas forças. Por isso o
sentimento da divindade está sempre presente na investigação socrática, como
sentimento do transcendente, daquilo que está para lá do homem e é superior ao
homem, e do alto o guia e lhe oferece uma garantia providencial.
Este procedimento, nota ainda Aristóteles, foi aplicado por Sócrates apenas
nos argumentos morais. Efectivamente ele não se ocupa da natureza: nos
argumentos morais procurou o universal e assim levou a sua investigação para o
terreno da ciência
126
da cidade. Seguiu-se então. com mais forte maioria, a condenação à morte que
fora pedida pelos seus acusadores.
Se a Grécia antiga foi o berço da filosofia porque pela primeira vez realizou
a investigação autónoma, Sócrates encarnou na sua pessoa o espírito genuíno da
filosofia grega porque realizou no mais alto grau a exigência daquela
investigação. No empenho de uma investigação conduzida com
129
método rigoroso e incessantemente continuado, pôs o mais alto valor da
personalidade humana: a virtude e o bem. Tal é de facto o significado daquela
identificação entre a virtude e a ciência, que foi conhecida tantas vezes por
intelectualismo. A ciência
NOTA BIBLIOGRÁFICA
130
131
132
VIII
AS ESCOLAS SOCRÁTICAS
§ 36. XENOFONTE
Nascido em 440-39, e morto com 80-90 anos, Xenofonte não foi um filósofo, mas
antes um homem de acção, especialmente competente em assuntos militares e em
questões económicas. Conhecido principalmente por ter dirigido a retirada dos
dez mil gregos que participavam na expedição de Ciro contra o irmão Artaxerxcs
para a conquista do trono da Pérsia, retirada que ele narrou no An~s,
Xenofonte pertence à história da filosofia por Os Ditos Memoráveis de Sócrates
e por outros escritos menores nos quais se faz sentir a influência do
ensinamento de Sócrates. Vimos que os Memoráveis não oferecem um quadro
exaustivo da personalidade de Sócrates. A Apologia de Sócrates é a continuação
dos Memoráveis e pretende ser a defesa pronunciada por Sócrates ante os
juízes. Outros escritos que provam o diletantismo filosófico de Xenofonte são
A Ciropedia. uma espécie de romance histórico que tende a desenhar em
133
Ciro o tipo ideal do tirano iluminado; o diálogo intitulado Gerone que tem um
intento análogo; e o Banquete, escrito provavelmente à imitação do platónico
no qual aparece também a figura de Sócrates. Nenhum enriquecimento ou
desenvolvimento original deu Xenofonte à doutrina de Sócrates.
Cada uma das três outras escolas socráticas acentua um aspecto do ensinamento
de Sócrates, descurando ou negando os outros. A escola cínica coloca o bem na
virtude e repudia o prazer. A cirenaica situa o bem no prazer e proclama-o
como o único fim da vida. A megárica acentua a universalidade do bem até o
subtrair à esfera do -homem e a identificá-lo com o ser de Parménides.
134
136
§ 39. DIÓGENES
infinita em número: uma tem potência activa (o objecto), a outra tem potência
passiva (o sujeito). Do encontro destes dois movimentos se gera por um lado a
sensação, pelo outro o objecto sensível. As sensações têm os seus nomes
habituais: vista, ouvido, ete., ou então prazer, dor, desejo, temor, etc.-, os
sensíveis têm nomes correlativos às sensações: cores, sons, etc.. Mas nem o
objecto sensível, nem a sensação subsistem antes nem depois do encontro dos
dois movimentos que lhes dão lugar; e em tal sentido nada é, mas tudo se gera.
Teodoro o Ateu afirmou que o fim do homem não é o prazer mas a felicidade, e a
felcidade consiste na sabedoria. A sabedoria e a justiça são bens; são males a
estultícia e a injustiça. O prazer e a dor nem são bens nem -males. mas são
por si indiferentes do todo. Considerava a amizade inútil quer para os tolos
quer para os sábios; uns não a sabem usar, os outros não têm necessidade dela
porque se bastam a si próprios (Diog. L., 11, 98). Teodoro afirmava que a
pátria do sábio é o mundo
144
Egesia traz do hedonismo uma conclusão pessimista. Os males da vida são tantos
que a felicidade é impossível. A alma sofre e perturba-se juntamente com o
corpo e a fortuna impede de alcançar aquilo que se espera. O sábio não deve
por isso afadigar-se na vã tentativa de procurar a felicidade, mas deve antes
evitar os males, tentar viver isento de dores, dado que isto pode ser
conseguido também por quem fica indiferente ao prazer (Diog. L.,
11, 94-95). Sustentava que a vida, que é um bem para o tolo, é indiferente
para o sábio. Um escrito intitulado O suicida valeu-lhe o epíteto de "advogado
da morte" (Peisithanatos); e levou as autoridades de Alexandria a proibir o
seu ensino (Diog. L., 11, 86).
NOTA BIBLIOGRÁFICA
145
§ 39. Sobre estes Cínicos v. GwiPERz, II, p. 160 segs.; SAYRE, Diogenes of
Sinope, Baltimore, 1938.
§ 41. Não chegaram até nós quaisquer escritos. As sentenças foram recolhidas
em MULLACII, Fragmenta philos. graec., 11, 405 segs. - ZELLER, loe. cit.;
GomPERZ, II, p. 216 segs.; JOEL, Geschichte der ant. Philos.,
1, 925 segs.; STENZEL, artigo na Enciclop. PaulyWissows,-Kro11; ZELLER, loe.
cit.; GOMPERZ, II, p. 227.
se.gs,
146
Ix
PLATÃO
mitir-nos deitar uma vista de olhos pelos interesses espirituais que dominaram
esta primeira parte da sua vida. Desde jovem que pensava dedicar-se à vida
política. O senhorio dos Trinta Tiranos, entre os quais tinha parentes e
amigos, convidou-o a participar no governo. Mas as esperanças que Platão
pusera na sua acção frustraram-se: os Trinta fizeram, recordar vivamente, com
as suas violências, o velho estado de coisas. Entre outras coisas, ordenaram,
a Sócrates que fosse com outros a casa de um cidadão para matarem este, e isto
para envolverem Sócrates, quisesse ele ou não, na sua política (Carta VII, 325
a; Ap. 32 c). Após a queda dos Trinta, a restauração da democracia envolveu
Platão na vida política; mas acontece então o facto decisivo que para sempre o
enojou da política do tempo: o processo e a condenação de Sócrates. Desde esse
momento, Platão não deixou de meditar em como se poderia melhorar a condição
da vida política e toda a constituição do estado, mas adiou a sua intervenção
activa para um momento oportuno. Deu-se conta então que a melhoria somente
poderia ser efectuada pela filosofia. "Vi que o género humano não mais seria
libertado do mal se antes não fossem ligados ao poder os verdadeiros
filósofos, ou os regedores do estado não fossem tornados, por divina sorte,
verdadeiramente filósofos" (Carta VII, 325 c).
Sabemos, pela Carta VII, que as suas ideias políticas teriam obtido em outra
ocasião mais feliz sucesso. Hermias, tirano de Atarneu, na Ntisia,
150
3.o - O conteúdo doutrinal. Este critério é muito duvidoso: uma vez que
conhecemos a doutrina de Platão pelas suas obras, julgar da autenticidade das
obras baseando-nos na doutrina é um círculo vicioso. Pode, no entanto, ser
decisivo, quando se encontram nos escritos platónicos elementos de doutrina
que pertencem a escolas posteriores. Tal é o caso do Alcibíades 11 (139 c),
onde se diz que todos os que não alcançam a sabedoria são loucos, o que é
doutrina própria dos Estóicos. Prova de inautenticidade pode ainda ser uma
contradição grosseira: como no caso do Teages (128 d), em que se afirma que o
sinal demoníaco é sempre negativo, para dizer na página seguinte (129 e) que
ele incita positivamente alguns a andarem com Sócrates.
época mais tardia do que aquela em que foram compostos os diálogos platónicos.
Todos estes critérios oferecem uma certa segurança apenas se forem controlados
uns pelos outros e se se confirmarem reciprocamente. Da sua aplicação resulta
que podemos com segurança considerar apócrifos os seguintes diálogos:
Alcibíades II, Hiparco, AmaWes,, Teages, Minos; podem subsistir dúvidas sobre
o Alcibíades I, o Hípias maior, o lon, o Clitolonte e o Epinómis,- tais
dúvidas, contudo, não impedem que alguns deles possam ser utilizados como
fontes da doutrina platónica, a qual em nada contradizem. A autenticidade do
Menexeno, que é um elogio fúnebre aos mortos na guerra (epitáfio, um género
muito em voga na retórica do tempo), parece não poder negar-se devido ao
testemunho explícito de Aristóteles (Ret., 1415 b, 30), mas o sarcasmo da
apresentação, as incongruências, os anacronismos são de tal ordem, que nos
obrigam a considerá-lo como simples paródia de um género literário em voga.
natural que não esperemos encontrar o método da narração nos diálogos que se
seguem ao Teeteto; e de facto assim acontece para todos os diálogos do último
período, excepto para o Parménides, que é, por isso, provavelmente anterior ao
Teeteto. Por outro lado, os diálogos mais altamente dramáticos, como o
Protágoras, o Banquete, o Fédon, a República, são todos narrados, ao passo que
um grupo de diálogos que têm estrutura mais simples e menor valor artístico
são em forma directa. Pode supor-se que Platão tenha adoptado a forma directa
numa primeira fase, tenha depois recorrido à forma narrativa para dar ao
diálogo o maior relevo dramático, e tenha finalmente regressado, por motivos
de comodidade e de fluência de estilo, à forma directa. Mas a ordenação que
resulta deste critério, se é válida para decidir a situação de um diálogo
neste ou naquele período da actividade de Platão, não é suficiente para
estabelecer a ordem dos próprios diálogos no âmbito de cada um dos períodos.
Aos resultados que possam conseguir-se pelo uso combinado destes três
critérios acrescentam-se os que resultam da consideração, de importância
fundamental, de que os primeiros diálogos devem ser aqueles em que a doutrina
das ideias não está ainda presente, e que se mantêm, por isso, estritamente
fiéis à letra do socratismo. Finalmente, é muito difícil imaginar que Platão
tenha começado a exaltação da figura de Sócrates ainda em vida do mestre: toda
a sua actividade literária deve ser, portanto, posterior a 399. Sobre estes
fundamentos afigura-se provável a seguinte ordenação cronológica dos diálogos;
porém, se a atribuição de um diálogo a um determinado período é bastante
segura nesta ordenação, a ordem de sucessão dos
157
Pode pensar-se, com uma certa verosimilhança, que os escritos do 3.o período
são posteriores à primeira viagem à Sicília, de que Platão regressou antes de
387, que os escritos do 4.o período são posteriores à segunda viagem à Sicília
(366-65) e alguns, como o Crítias e as Leis, posteriores mesmo à terceira
(361-360). As Cartas VII e VIII apresentam-se, pelo seu conteúdo, como
posteriores à morte de Dião, e portanto ao ano de 353.
que os compreendem como pelas mãos dos que se não interessam de facto por
eles; e não sabem defender-se nem sustentar-se por si próprios quando são
maltratados ou vilipendiados injustamente (Fedro, 275 d).
Platão não via no discurso escrito mais que uma ajuda para a memória; e ele
mesmo nos testemunha que do ensino da Academia faziam parte também "doutrinas
não escritas" (Carta VII, 341 c). Ora, de entre os discursos escritos, o
diálogo é o único que reproduz a forma e a eficácia do discurso falado. Ele é
a expressão fiel da pesquisa que, segundo o conceito socrático, é um exame
incessante de si mesmo e dos outros, logo um perguntar e responder; Platão
considera que o próprio pensamento é tão só um discurso que a alma faz consigo
mesma, um dialogar interior, em que a alma pergunta e responde a si mesma
(Teet., 189 e, 190 a; Sof., 263 e; Fil., 38 c-d). A expressão verbal ou
escrita limita-se, pois, a reproduzir a forma da pesquisa, o diálogo. A mesma
convicção que impediu Sócrates de escrever, impediu Platão a adoptar é a
manter a forma dialógica nos seus escritos. O que revelou a Platão a
incapacidade do jovem Dionisio de se empenhar a sério na pesquisa filosófica,
foi a sua pretensão de escrever e difundir como obra própria um "sumário do
platonismo". Platão declarou energicamente nesta ocasião: "Meu não há, nem
nunca haverá, tratado algum sobre este assunto. Não pode ele ser reduzido a
fórmulas, como se faz nas outras ciências; só depois de longamente se haver
travado conhecimento com estes problemas e depois do os haver vivido e
discutido em comum, o seu verdadeiro significado se acende subitamente na
alma, como a luz nasce de uma centelha e cresce depois por si só" (Carta VII,
341 c-d).
O diálogo era, pois, para Platão o único meio de exprimir e comunicar aos
outros a vida da pes-
159
Frente a esta fidelidade, que nada tem a ver com uma concordância de fórmulas
doutrinais, mas que se manifesta na tentativa sempre renovadora de aprofundar
uma figura de homem que, aos olhos de Platão, personifica a filosofia como
pesquisa, parece muito estreito o esquema em que se tornou habitual resumir a
relação entre Sócrates e Platão. Inicialmente fiel a Sócrates nos diálogos da
sua juventude, Platão ter-se-ia depois afastado progressivamente do mestre
para formular a sua doutrina fundamental, a doutrina das ideias; e, por fim,
até a si mesmo teria sido infiel, criticando e negando esta doutrina. Em breve
veremos que Platão jamais foi infiel a si mesmo ou à sua doutrina das ideias;
e que, nesta doutrina como em todo o seu pensamento, foi, ao mesmo tempo,
fiel a Sócrates. Nada mais quis fazer senão captar os pressupostos remotos do
magistério socrático, os princípios últimos que explicam a força da
personalidade do mestre e podem, por isso, iluminar a via na qual ele consegue
possuir-se e realizar-se a si mesmo. Platão, escrupulosamente, não faz
intervir Sócrates como interlocutor principal nos diálogos que se afastam
demasiado do esquema doutrinal socrático ou que debatem problemas que não
haviam suscitado o interesse do mestre (Parménides, Sofista, Político, Timeu).
Não obstante, toda a pesquisa platónica se pode definir como a interpretação
da personalidade filosófica de Sócrates.
Com estes dois escritos, Platão fixou para sempre as atitudes que fazem de
Sócrates o filósofo por excelência, "o homem de todos o mais sábio e o mais
justo". Os outros escritos de Platão pertencentes a este mesmo período visam,
ao invés, esclarecer os conceitos que estavam na base do
162
Platão representa nele, provavelmente, um tipo de falso sábio que devia ser
frequente no seu tempo: o tipo dos que, recordando Homero de memória e tendo
sempre à mão os ditos do poeta, o citavam
163
Põe-se então o problema: aquele que é santo é-o porque agrada aos deuses, ou
acontece, ao contrário. que agrada aos deuses porque é santo? Frente a esta
pergunta. a definição formal da piedade religiosa cai e vemo-nos obrigados a
perguntar de novo que coisa é verdadeiramente a devoção. Pode então dizer-se
que a devoção é uma parte da justiça, precisamente aquela que se refere ao
culto da divindade e que consiste em praticar acções que à divindade agradam,
mas eis-nos deste modo regressados à definição que abandonámos. A conclusão
negativa do diálogo não só exprime a não aceitação do conceito formal da
piedade religiosa, como ainda a impossibilidade de a definir como uma virtude
em si, independente das outras, e assim prepara indirectamente o
reconhecimento da unidade da virtude.
2.O Não há fins ou valores particulares, definíveis cada um de per si, mas o
fim ou o valor é só um; o bem.
1.º - a tese sustentada pelos Eleatas, pelos Megáricos, pelos Sofistas e por
DemócrIto (fr. 26, Diels), de que a linguagem é pura convenção, quer dizer,
devida exclusivamente à livre
iniciativa dos homens;
2.O a tese sustentada por Crátilo e que pertencia a Heraclito (fr. 23 e, 114,
Diels) e aos Cínicos de que a linguagem é naturalmente produto da acção causal
das coisas;
cujo nome compreende: "o que o objecto é" (428 d). Todavia, Platão não atribui
a produção da linguagem à própria natureza das coisas: considera-a, com os
convencionalistas, uma produção do homem. Mas admite ao mesmo tempo que esta
produção não é arbitrária, antes é dirigida, até onde é possível, para o
conhecimento das essências, isto é, da natureza das coisas. O teorema
fundamental que Platão se propõe defender é que a linguagem pode ser mais ou
menos exacta ou mesmo errada ou, por outras palavras, que "se pode dizer o
falso": teorema que não cabe nas outras duas concepções da linguagem, ou
porque consideram que a linguagem é sempre exacta, ou porque uma convenção
vale tanto como outra, ou porque é a natureza das coisas a impô-lo. A defesa
deste teorema abre o caminho à ontologia do Sofista.
Por fim, Platão ataca no Górgias a arte que constituía a principal criação dos
Sofistas e que era a base do seu ensino: a retórica. A retórica pretendia ser
uma técnica da persuasão, à qual parecia completamente indiferente a tese a
defender ou o assunto tratado. Platão objecta ao conceito desta arte que toda
a arte ou ciência só consegue ser verdadeiramente persuasiva a respeito do
objecto que lhe é próprio. A retórica não tem um objecto próprio: permite
falar de tudo, mas não consegue persuadir senão aqueles que têm um
conhecimento inadequado e sumário das coisas de que trata, ou seja os
ignorantes. Não é, pois, uma arte, mas tão só uma prática adulatória que
oferece a aparência da justiça e está para a política, que é arte da justiça,
como a culinária está para a medicina: retórica e culinária excitam o gosto,
aquela o da alma, esta o do corpo; política e medicina curam verdadeiramente
respectivamente a alma e o corpo. A retórica pode ser útil para defender com
discursos a própria injustiça e para evitar sofrer a
171
pena da injustiça cometida. Ora isto não é uma vantagem. O mal, para o homem,
não é sofrer a injustiça, mas cometê-la, porque isso é mancha e corrompe a
alma; e subtrair-se à pena da injustiça cometida é um mal ainda pior, porque
tira à alma a possibilidade de libertar-se da culpa, expiando-a. Pela sua
indiferença para com a justiça da tese a defender, a retórica implica, na
realidade, a convicção (exposta no diálogo por Cálicles) de que a justiça é
somente uma convenção humana, que é tolice respeitar e de que a lei da
natureza é a lei do mais forte. O mais forte segue só o próprio prazer e não
cuida da justiça; tende à proeminência sobre os outros e tem como única regra
o próprio talento. Contra este imoralismo observa, no entanto, Platão que o
intemperante não é o homem melhor do mesmo modo que não é o mais feliz, uma
vez que passa de um prazer ao outro insaciavelmente, assemelhando-se a uma
pipa rota que nunca mais se enche. O prazer é a satisfação de uma necessidade;
e a necessidade é sempre deficiência, isto é, dor: prazer e dor condicionam-se
reciprocamente e não há um sem o outro, Ora o bem e o mal não são conjuntos
mas separados, não podendo assim identificar-se senão pela virtude; e a
virtude é a ordem e a regularidade da vida humana. A alma boa é a alma
ordenada; que é a um tempo sábia, temperante e justa.
tância sobre que ela versa? Eis o último e mais grave problema que brota do
ensino socrático. A pesquisa platónica iria debater, no seu desenvolvimento
ulterior, estes problemas; quer na sua singularidade, quer nas suas relações
recíprocas.
Se, pois, se põe a hipótese que a virtude é ciência, deve admitir-se que pode
ela ser aprendida e ensinada. Como pode então acontecer que não haja mestres
nem discípulos de virtude? Mestres de virtude não o são decerto os sofistas,
nem o foram os homens mais eminentes (Aristides, Temístocles, etc.) que a
Grécia teve, os quais não souberam transmitir a sua virtude aos filhos. Ora
isto aconteceu e acontece porque, para aqueles homens, a virtude não era
verdadeiramente sageza (frónesis), mas uma espécie de inspiração divina, como
a dos profetas e a dos poetas. A sageza no seu grau mais elevado é ciência, no
seu grau mais baixo é opinião verdadeira. A opinião verdadeira distingue-se da
ciência por lhe faltar uma garantia de verdade. Platão compara-a às estátuas
de Dédalo, que parecem sempre prestes a sumir-se. As opiniões tendem a
escapar-se "enquanto não forem ligadas em um discurso causal" (Mén., 98 a).
Quando estão ligadas entre si em um discurso causal consolidam-se e
174
1.º - Como objectos do conhecimento racionaL as ideias são chamadas por Platão
entes ou substâncias, e são nitidamente distintas das coisas sensíveis. Pela
primeira vez se faz em o Fédon o balanço das críticas que Platão dirigiu
contra os sofistas nos diálogos precedentes. O defeito fundamental dos
sofistas é que eles se recusam a ir além das aparências: pelo que ficam seus
prisioneiros e, falando com propriedade, não são filósofos. A filosofia
consiste no prosseguir para além das aparências e, em primeiro lugar, das
aparências sensíveis. A função da filosofia, declara-se em o Fédon, é a de
afastar a alma da investigação "feita com os olhos, com os ouvidos e com os
outros sentidos", o de recolhê-la e concentrá-la em si mesma de maneira a que
ela enxergue "o ser em si"-, e caminha assim da consideração do que é sensível
e visível até à consideração do que é inteligível e invisível. Aqui se vem
enxertar no tronco da filosofia socrática a oposição, característica do
Eleatismo, entre a via da opinião e a via da verdade; e se põe, como objecto
próprio da razão, o ser em si, a ideia. Ã antítese eleática vem adjunto, por
outro lado, o mito órfico-pita,,órfico, se a sensibilidade está ligada ao
corpo e é um impedimento, mais do que um auxílio, para a pesquisa, a pesquisa
exige que a alma se separe, tanto quanto possível, do corpo, e viva, por
conseguinte, na expectativa e na preparação da morte, com a qual a separação
se torna completa. Todavia, as outras determinações das ideias que Platão
apresenta, fundadas como são nas conexões entre ideias e coisas, excluem a
rigidez eleática da oposição entre a razão e os sentidos.
2.o -As ideias constituem, com efeito, os critérios para julgar as coisas
sensíveis. Por exemplo: para
176
§ 50. O EROS
O aprender estabelece entre o homem e o ser em si entre os homens associados
na pesquisa comum uma relação que não é puramente intelectual, uma vez que
compromete a totalidade do homem, e por isso, também a sua vontade. Esta
relação é definida por Platão como amor (eros). À teoria do amor são dedicados
dois dos diálogos mais perfeitos, de um ponto de vista artístico, o Banquete e
o Fedro.
O segundo é, decerto, posterior ao primeiro. O Banquete considera
predominantemente o objecto do amor, quer dizer a beleza, e procura determinar
os graus hierárquicos dela. O Fedro considera, ao contrário, o amor
predominantemente na sua subjectividade, como aspiração para a beleza e
elevação progressiva da alma ao mundo do ser, a que a beleza pertence.
celeste, que se volve para as almas. O médico Erixímaco vê no amor uma força
cósmica que determina as proporções e a harmonia de todos os fenómenos, assim
no homem como na natureza. Aristófanes exprime, com o mito dos seres
primitivos compostos de homem e de mulher (andrógenos), divididos pelos deuses
em duas metades, para seu castigo, uma das quais caminha no encalço da outra
para se unir a ela e reconstituir assim o ser primitivo, exprime, dizíamos, um
dos traços fundamentais que o amor manifesta no homem: a insuficiência. É
precisamente por este carácter que Sócrates começa: o amor deseja qualquer
coisa que não tem, mas de que precisa, e é, portanto, imperfeição.
O mito di-lo, com efeito, filho de Pobreza (Penia) e de Conquista (Poros); não
é, pois, um deus mas um demónio; pois que não tem a beleza mas a deseja, não
tem a sabedoria, mas aspira a possuí-la e é, portanto, filósofo. Os deuses, ao
invés, são sapientes. O amor é, por conseguinte, desejo de beleza; e a beleza
deseja-se porque é o bem que torna feliz. O homem que é mortal tende a gerar
em beleza e daí a perpetuar-se através da geração, deixando após si um ser que
se lhe assemelha. A beleza é o fim (telos), o objecto do amor. Mas a beleza
tem graus diversos a que o homem somente pode elevar-se por aproximações
sucessivas, ao longo de uma lenta caminhada. Em primeiro lugar, é a beleza de
um corpo a que atrai e prende o homem. Este apercebe-se em seguida que a
beleza é igual em todos os corpos e começa assim a desejar e a amar toda a
beleza corpórea. Mas acima dessa há a beleza da alma; ainda mais acima, a
beleza das instituições e das leis, além desta a beleza das ciências e,
finalmente, acima de tudo, a beleza em si, que é eterna, superior ao devir
e à morte, perfeita, sempre igual a si mesma e fonte de toda a outra
beleza (210 a -211 a).
179
Como pode a alma humana percorrer os graus desta hierarquia, até alcançar a
beleza suprema? Eis o problema do Fedro, que parte, portanto, da consideração
da alma e da sua natureza. A alma é imortal enquanto é incriada;
efectivamente, move-se por si, pelo que tem em si mesma o princípio da sua
vida. Pode exprimir-se a sua natureza "de maneira humana e mais breve" por
meio de um mito. É semelhante a uma parelha de cavalos alados, conduzidos por
um auriga. Um dos cavalos é excelente, o outro é péssimo; de modo que o
trabalho do auriga é difícil e penoso. O auriga procura conduzir ao céu os
cavalos, levando-os até à corte dos deuses, lá onde fica a região supra-
celeste (hiperurânio) que é a sede do ser. Nesta região está a "verdadeira
substância (ousía), sem cor e sem forma, impalpável, que só pode ser
contemplada pelo guia da alma, que é a razão, a substância que é o objecto da
verdadeira ciência (Fedr., 247 c). Esta substância é a totalidade das ideias
justiça em si, temperança em si, etc.). e só pode ser contemplada pela alma;
mesmo assim mal, pois que o cavalo ruim a puxa para baixo. Todas as almas
contemplam, por conseguinte, em maior ou menor parte a substância do ser, e
quando, por esquecimento ou por culpa, o pesadume a acomete, perde as asas e
encarna-se, indo vivificar o corpo de um homem que será exactamente aquilo em
que ela o transformar. A alma que viu mais entra para o corpo de um homem que
se irá consagrar ao culto da sabedoria ou do amor; as almas que viram menos
encarnam-se em homens que cada vez se afastarão mais da pesquisa da verdade e
da beleza. Ora a recordação das substâncias ideais é precisamente despertada
pela beleza, na alma que caiu e se encarnou. Efectivamente, mal vê a beleza o
homem reconhece-a de chofre, pela sua luminosidade. A vista, que é o mais
180
agudo dos sentidos corpóreos, não vê nenhuma das outras substâncias, pode ver,
no entanto, a beleza. "Só à beleza coube o privilégio de ser a substância.
mais evidente e mais amável". Ela faz de medianeira entre o homem caído e o
mundo das ideias; e o homem responde com amor ao seu apelo. É verdade que o
amor pode também ficar preso à beleza corpórea e pretender gozar desta
somente; mas quando é sentido e realizado na sua verdadeira natureza, o amor
torna-se o guia da alma para o mundo do ser. Neste caso já não é tão só
desejo, impulso, delírio; os seus caracteres passionais não deixam de existir
e manifestar-se, mas subordinam-se e fundem-se na pesquisa rigorosa e lúcida
do ser em si, da ideia.
O eros torna-se então procedimento racional, dialéctica (156). A dialéctica é
a um tempo pesquisa do ser em si e união amorosa da alma no aprender e no
ensinar. É, por conseguinte, psicagogia, guia da alma, pela mediação da
beleza, em direcção ao verdadeiro destino. É, ainda, a verdadeira arte da
persuasão, a verdadeira retórica. Esta não é, como sustentam os sofistas, uma
técnica a que seja indiferente a verdade do seu objecto e a natureza da alma
que se quer persuadir, mas ciência do ser em si e, ao mesmo tempo, ciência da
alma. Nessa qualidade distingue as espécies da alma e acha para cada uma o
caminho apropriado para a persuadir e conduzir ao ser.
§ 51. A JUSTIÇA
vel ao homem atender à sua tarefa. Mas esta eliminação não implica uma
organização comunista. Segundo Platão, as duas classes superiores dos
governantes e dos guerreiros não devem possuir nada nem ter qualquer
retribuição, além dos meios para viver. Mas a classe dos artesãos não é
excluída da propriedade; e os meios de produção e de distribuição deixam-se
nas mãos dos indivíduos. A segunda condição é a abolição da vida familiar,
abolição que deriva da participação das mulheres na vida do estado com base na
mais perfeita igualdade com os homens, pondo como única condição a sua
capacidade. As uniões entre homens e mulheres são estabelecidas pelo estado
com vista à procriação de filhos sãos. E os filhos são criados e educados pelo
estado que a todos torna uma única grande família. Estas duas condições tornam
impossível um estado segundo a injustiça, todas as vezes, é claro, que se
verificar esta outra: que o governo seja entregue aos filósofos.
§ 52. O FILÓSOFO
2.o - A opinião acreditada, mas não verificada (pistis), que tem por objecto
as coisas naturais, os seres vivos, os objectos da arte, etc..
3.o - A razão científica (diànoia), que procede por meio de hipótese partindo
do mundo sensível. Esta tem por objecto os entes matemáticos.
4.o - A inteligência filosófica (nóesis), que procede dialecticamente e tem
por objecto o mundo do ser.
Como as sombras, as imagens reflectidas, etc., são cópias das coisas naturais,
também as coisas naturais são cópias dos entes matemáticos e estes, por sua
vez, cópias das substâncias eternas que constituem o mundo do ser. E, com
efeito, o mundo do ser é o mundo da unidade e da ordem absoluta. Os entes da
matemática (números, figuras geométricas) reproduzem a ordem e a proporção do
mundo do ser. Por sua vez, as coisas naturais reproduzem as relações
matemáticas e, assim, quando queremos julgar da realidade das coisas
recorremos à medida. Todo o conhecimento tem pois, no seu cume o conhecimento
do ser: todo o grau dele recebe o seu valor do grau superior e todos do
primeiro.
A filosofia é uma vida "em vigília", exige o abandono de toda a ilusão sobre a
realidade das sombras que nos jungem ao mundo sensível. A arte imitativa, ao
invés, está presa a esta ilusão; daqui a condenação que Platão pronuncia sobre
ela no livro X da República. Com efeito, a imitação, por exemplo a da pintura,
apoia-se na aparência dos objectos; representa-os diversos nas diversas
perspectivas enquanto são os mesmos, e não reproduz senão uma pequena parte da
própria aparência, pelo que não consegue enganar senão as crianças e os tolos.
Isto acontece por prescindir completamente do cálculo e da medida de que nos
servimos
189
Nenhum valor pode, por isso, ter a criação em que ela consiste. Se a divindade
cria a forma natural das coisas, se o artesão reproduz esta forma nos móveis e
nos objectos que cria, o artista não faz mais que reproduzir os móveis ou os
objectos criados pelo artesão e ficará, por conseguinte, ainda mais afastado
da realidade das coisas naturais. Estas não têm realidade senão enquanto
participam das determinações matemáticas (medida, número, peso) que lhes
eliminam a desordem e os contrastes; ora a imitação prescinde precisamente
destas determinações matemáticas e contraditórias: não pode, pois,
190
Um estado como o delineado por Platão não é historicamente real. Platão diz
explicitamente que não importa a sua realidade, mas tão só que o homem aja e
viva em conformidade com ele (IX,
592 b). Sócrates foi o cidadão ideal desta ideal comunidade; por ela e nela
viveu e morreu. Certamente por isto chama-o Platão "o homem mais justo e
melhor". E. a exemplo de Sócrates, quem quiser ser justo deve ter os olhos
postos numa tal comunidade.
Estas dificuldades são de tal monta que Parménides dirige a Sócrates uma
pergunta crucial: "Que farás agora da filosofia?" Com efeito, não se pode
abandonar facilmente a noção de ideia, pois que sem ela, quer dizer, sem um
ponto fixo no meio da multiplicidade e variabilidade das coisas, não se pode
pensar e ainda menos se pode filosofar: sem a ideia, a própria possibilidade
de dialogar ficaria destruída (135 c). O único caminho de salvação é o que o
próprio Parménides traça: discutir, como hipótese, todos os possíveis modos de
relação entre o um e os muitos e levar até ao fundo as consequências que
derivam de cada uma das hipóteses. E as hipóteses fundamentais são duas: que o
uno seja uno no sentido de ser absolutamente uno; e que o uno seja na sentido
de existir. A primeira hipótese refuta-se por si, visto que, excluindo a
existência de qualquer multiplicidade, não só se exclui todo o devir mas
também o ser do uno e a própria possibilidade de conhecer ou enunciar o uno:
pois que o próprio conhecê-lo ou enunciá-lo o multiplica (142 a). Se, ao
invés, o uno é , no sentido de que existe, o seu existir, distinguindo-se da
sua unidade, introduz prontamente no próprio uno uma dualidade que pode ser
multiplicada e incluir a multiplicidade, o devir e, assim, a cognoscibilidade
e enunciabilidade do uno (155 d-c).
Há, no entanto, um sentido em que o uno não é (e em que, por isso, tão-pouco o
múltiplo é): o uno não é no sentido de que não é absolutamente
197
uno, de que não subsiste -fora da sua relação com o múltiplo, de que não
exclui o próprio multiplicar-se e articular-se em um múltiplo que, apesar do
sujeito ao devir e ao tempo, constitui sempre uma ordem numérica, ou seja uma
unidade. E os muitos não são no sentido de que não são pura e absolutamente
muitos, ou seja, privados de qualquer unidade, pois que em tal caso se
dispersariam e pulverizariam no nada, não podendo constituir um múltiplo. O
uno, por conseguinte, é (existe), mas ao mesmo tempo não é absolutamente uno:
os muitos são (existem), mas ao mesmo tempo não são absolutamente muitos.
O diálogo traça, sob a forma de uma solução puramente lógica, uma conexão
vital entre o uno e os muitos, por conseguinte entre o mundo do ser e o mundo
do homem. Pela boca de Parménides, que na sua filosofia negara resolutamente o
não-ser (§ 14), prepara-se o reconhecimento da realidade do não-ser (do mundo
sensível e do homem), mediante a afirmação da estreita relação dos muitos com
o uno. Esta reivindicação será feita explicitamente no Sofista; mas ela
pressupõe a investigação sobre o processo subjectivo do conhecer, que se
realiza no Teeteto.
pode ficar fora do ser, de outro modo o ser permaneceria desconhecido. Mas a
inclusão da inteligência no ser modifica radicalmente a natureza do ser. Este
não é imóvel, porque a inteligência é vida e por isso movimento: o movimento é
pois uma determinação fundamental, uma forma (eidos) do ser. Isto não quer
dizer que o ser se mova em todos os sentidos, como sustentam os Heracliteanos;
é necessário admitir que o ser é, ao mesmo tempo, movimento e repouso. Mas na
medida em que os compreende a ambos não é uma coisa nem a outra, ainda que
possa ser ambas: por conseguinte ser. O ser é comum ao movimento e ao repouso;
mas nem o movimento nem o repouso são todo o ser. Cada uma destas
determinações ou formas é idêntica a si mesma, e diferente da outra: o
idêntico e o diferente serão pois outras duas determinações do ser, que assim
se elevam a cinco: ser, repouso, movimento, identidade, diversidade. Mas a
diversidade de cada uma destas formas da outra significa que cada uma delas
não é a outra (o movimento não é o repouso, etc.); pelo que a diversidade é um
não-ser e o não-ser de qualquer modo é, porque, como diversidade, é uma das
formas fundamentais do ser. Desta maneira completou o estrangeiro eleata, o
discípulo de Parménides que é o protagonista do Sofista, o necessário
"parricídio" contra Parménides: utilizando a pesquisa eleática, Platão foi
além dela, unindo ao ser parmenídeo a subjectividade socrática e fazendo
consequentemente viver e mover o ser.
Esta determinação das cinco formas (ou géneros) do ser funda (ou funda-se em)
uma nova concepção do ser: nova porque diferente da que Platão já via aceite
na filosofia sua contemporânea. Em primeiro lugar, ela exclui que o ser se
reduza à existência corpórea como sustentam os
201
materialistas: dado que se diz que "são" não só tais coisas corpóreas mas
também as incorpóreas, como por exemplo a virtude (247 d). Em segundo lugar,
ela exclui que o ser se reduza às formas ideais como sustentam " os amigos das
formas", pois que neste caso se excluiria do ser o conhecimento do ser e daí a
inteligência e a vida (248 c-249 a). Em terceiro lugar, ela exclui que o ser
seja necessariamente imóvel (isto é que "tudo seja imóvel") ou que o ser seja
necessariamente em movimento (isto é que "tudo seja em movimento") (249 d). Em
quarto lugar, exclui que todas as determinações do ser possam combinar-se
entre si ou que todas se excluam reciprocamente (252 a-d). Por outro lado,
como se viu, o ser deverá no entanto compreender o não-ser como alteridade.
Sobre estas bases, o ser não pode definir-se de outro modo que não seja como
possibilidade (dynamis); e deve dizer-se que "é toda a coisa que se ache na
posse de uma qualquer possibilidade, seja de agir seja de sofrer, da parte de
qualquer outra coisa, ainda que insignificante, uma acção ainda que mínima e
ainda que de uma só vez" (247 e). A possibilidade, de que fala Platão, não tem
nada a ver com a potência de Aristóteles. Efectivamente a potência é tal, só
nas comparações com um acto que, unicamente ele, é o sentido fundamental do
ser. Para Platão, porém, o sentido fundamental do ser é precisamente a
possibilidade. E é o ser assim concebido que torna possível, segundo Platão, a
ciência filosófica por excelência, a dialéctica.
§ 57. A DIALÉCTICA
2) O momento da divisão, que consiste "em poder dividir novamente a ideia nas
suas espécies segundo as suas articulações naturais e evitando despedaçar-lhe
as partes como faria um trinchante inábil" (Fedro, 265 d). Nesta segunda fase,
é função da dialéctica "dividir segundo géneros e não tomar por diferente a
mesma forma ou por idêntica uma forma diferente" (Sof., 253 d). O resultado
deste segundo procedimento não é seguro em todos os casos. Em um passo famoso
do Sofista Platão enumera as três alternativas com que pode topar o processo,
a saber: 1) que uma única ideia penetre e abranja muitas outras ideias, que no
entanto continuam separadas dela e exteriores uma à outra;
2) que uma única ideia reduza à unidade muitas outras ideias na sua
totalidade; 3) que muitas ideias fiquem inteiramente distintas entre si
203
(253 d). Estas três alternativas apresentam dois casos extremos: o da unidade
de muitas ideias-em uma delas e o da sua heterogeneidade radical; e, por outro
lado, uma caso intermédio, que é o de uma ideia que abrange outras ideias sem
todavia as fundir em unidade. Qual destes três casos possa verificar-se numa
investigação particular, é coisa que só a própria investigação pode decidir.
§ 58. O BEM
Ora, segundo Platão, a vida do homem não pode ser uma vida fundada no prazer.
Uma vida assim, que acabaria por excluir a consciência do prazer, é própria do
animal, que não do homem. Por outro lado, não pode ser tão-pouco uma vida de
pura inteligência, que seria divina, e não humana. Deve ser, pois, uma vida
mista de prazer e de inteligência. O importante é determinar a justa proporção
em que o prazer e a inteligência devem mesclar-se conjuntamente para
constituir a forma perfeita do bem.
O problema do bem torna-se aqui um problema de medida, de proporção, de
conveniência: a investigação moral transforma-se numa investigação metafísica
de natureza matemática. Platão apoia-se em Pitágoras: e recorre aos conceitos
pitagóricos de limite e de ilimitado.
205
O Filebo oferece assim ao homem a escala dos valores que resultam da estrutura
do ser dilucidada no Sofista. Esta escala coloca no cume o conceito matemático
da ordem e da medida. Platão, chegado ao termo dos aprofundamentos sucessivos
da sua pesquisa, considera que a ciência do justo, de que Sócrates afirmam a
estrita necessidade como único guia -para a conduta do homem, deve ser
substancialmente uma ciência da medida. Um discípulo de Aristóteles,
Aristoxeno (Harm., 30) conta que a notícia de uma lição de Platão sobre o bem
atraia numerosos ouvintes, mas que aqueles que esperavam que Platão falasse
dos bens humanos, como a riqueza, a saúde, a felicidade, ficavam desiludidos
mal ele começava a falar de número e de limites e da suprema unidade que para
ele era o bem. Para Platão, na verdade, a redução da ciência da conduta humana
a ciência de número e de medida, representava a realização rigorosa do
projecto socrático de reduzir a virtude a ciência. Estava agora muito afastado
dos conceitos que haviam dominado o ensino de Sócrates; no entanto, continuava
a seguir de perto a directriz do mestre de reduzir a virtude a uma disciplina
rigorosa, que pudesse constituir a base do ensino e da educação colectiva.
207
A causa do mundo é um deus artesão ou demiurgo que o produziu pela bondade sem
mácula que quer difundir e multiplicar o bem. Ele criou a natureza à
semelhança do mundo do ser. E dado que este tem em si alma, inteligência e
vida, a natureza foi criada como um todo animado, um gigantesco animal. Mas,
uma vez que foi gerada, não podia ser, como o modelo, incorpórea; devia, pois,
ser corpórea, logo visível e tangível. Para a tornar mais semelhante ao
modelo, que é eterno, o demiurgo criou o tempo, "uma imagem móvel da
208
Destes três princípios, por obra do demiurgo ou dos deuses a quem ele confiou
a tarefa de continuar a criação, originaram-se todos os seres e todas as
coisas naturais: por isso, à acção da inteligência, que é a causa primeira
fundamental, se juntam as causas secundárias, nas quais agem, com uma lei de
necessidade. os outros
209
por isso indispensável haver, até num estado bem ordenado, leis e sanções
penais (854 a). Mas a lei deve conservar a sua função educativa; não deve
somente comandar, mas também convencer e persuadir pela própria bondade e
necessidade: toda a lei deve, portanto, ter um prelúdio educativo, semelhante
ao que se antepõe à música e ao canto. Quanto à punição, uma vez que ninguém
acolhe de boa vontade na sua alma a injustiça, que é o pior de todos os males,
não deve ela ser uma vingança, mas tão só corrigir o culpado, ajudando-o a
libertar-se da injustiça e a amar a justiça.
Resulta daqui que o fim das leis é o de promover nos cidadãos a virtude, a
qual, como já Sócrates ensinava, se identifica com a felicidade. E não devem
promover uma só virtude, como, por exemplo, a coragem guerreira, mas todas,
porque todas são necessárias à vida do estado; e por isso devem tender à
educação dos cidadãos, entendendo por educação "o encaminhamento do homem,
desde os seus tenros anos, para a virtude, tornando-o amante e desejoso de se
tornar um cidadão perfeito que sabe comandar e obedecer segundo a justiça"
(643 e). Mas esta educação tem como seu fundamento a religião, uma religião
que deve prescindir da indiferença e da superstição.
mundo, é preciso vencer ainda a indiferença dos que pensam que a divindade não
se ocupa das coisas humanas, que seriam insignificantes para ela. Ora esta
crença equivale a admitir que a divindade é preguiçosa e indolente e a
considerá-la inferior ao mais comum dos mortais, que quer sempre tornar
perfeita a sua obra, quer esta seja grande ou pequena. Mas, enfim, a pior
aberração é a superstição dos que crêem que a divindade possa ser propiciada
com dons e ofertas: esses põem a divindade a par dos cães que, amansados com
presentes, deixam depredar os rebanhos, e abaixo dos homens comuns, que não
atraiçoam a justiça aceitando presentes oferecidos com intenção delituosa.
§ 61. O FILOSOFAR
Fazendo o balanço da sua vida, na Carta VII, Platão volta uma vez mais ao
problema que para ,si, como para Sócrates, englobava todos os problemas: o do
filosofar. Não se trata do problema da natureza e dos caracteres de uma
ciência objectiva, mas do problema que a própria ciência é para o homem.
Platão examina-o a propósito da sua tentativa, tão tristemente sucedida, da
educação filosófica, as suas dificuldades e o esforço que ela exige.
O resultado foi que, ao fim de uma única lição, Dioniso julgou saber dela o
bastante e preferiu compor um escrito em que expunha como obra sua aquilo que
tinha ouvido a Platão. Outros haviam feito já, com menor impudência,
tentativas semelhantes; mas Platão não hesita em condená-los em bloco. "O
mesmo posso dizer de todos os que escreveram ou vierem a escrever na pretensão
de expor o significado da minha pesquisa, quer a tenham ouvido a mim ou a
outros, ou eles próprios o tenham descoberto: pelo menos, em meu entender,
nada compreenderam do assunto como ele verdadeiramente é. De minha autoria não
há nem jamais haverá um escrito resumido sobre estes problemas. Dado que eles
não podem ser resumidos a fórmulas, como os outros; pois que só depois de nos
havermos familiarizado com estes problemas durante muito tempo, e depois de se
ter vivido e discutido em comum,
215
como sem esta virtude o homem não pode alçar-se à inteligência. Este
condicionalismo recíproco da sageza e da inteligência é expresso por Platão
por meio de dois conceitos: o parentesco do homem que pesquisa com o ser que é
objecto da pesquisa; e a comunidade da livre educação. Em primeiro lugar, o
homem não alcança aquela relação com o ser em que consiste o grau mais elevado
da ciência, a inteligência, senão em virtude de um seu íntimo e profundo
parentesco com o ser. "Nem a facilidade em aprender, nem a memória poderão
jamais produzir o parentesco com o objecto, visto que tal parentesco não
pode encontrar raízes em disposições heterogéneas. As que são disformes e
estranhas ao justo e ao belo, ainda que dotadas de facilidade em aprender e de
boa memória, e as que propendem por natureza para o justo e para o belo, mas
são avessas a aprender e fracas de memória, nunca poderão alcançar, no que
respeita à virtude e à perversidade, toda a verdade que é possível aprender"
(344 a). A relação originária com o ser no seu mais alto valor (a justiça e o
bem) condiciona e estimula a eficácia e o sucesso da pesquisa. Mas, por outro
lado, a pesquisa não pode realizar-se no mundo fechado da individualidade. Ela
é produto de homens que "vivem, juntos" e "discutem com benevolência" e sem
deixarem que a má vontade influencie as perguntas e as respostas. Quer isto
dizer que ela supõe a solidariedade do indivíduo com os outros, o abandono da
pretensão de nos julgarmos na posse da verdade e não queremos aprender nada
dos outros, a sinceridade consigo mesmo e com os outros e o esforço solidário.
O filosofar não é uma actividade que encerre o indivíduo em si mesmo, é antes
a vida que abre aos outros e com os outros o harmoniza, Por isso, não é ele
somente inteligência, mas também frónesis, sageza de vida. Nem esta
solidariedade humana da pesquisa
218
NOTA BIBLIOGRáFICA
Para uma resenha das obras mais recentes sobre Platão (a partir de cerca de
1930) efr. os fascículos que lhe são dedicados pela "Philosophische
Rundschau>, Tubingen, 1961-62. Nestes fascículos se remete para a bibliografia
mais recente. Ofr. também P. M. SCHUHL, Études Platoniciennes, Paris, 1960, p.
23 segs..
§ 46. Entre oe que pensam que na fase do seu pensamento que se inicia com o
Parménides Platão formula críticas à sua própria doutrina está GOM- =, II, p.
573. Segundo BURNET, Platonism, Berkeley,
1928, p. 58, Sõcrates é pouco mais que um "fantasma" nos diálogos anteriores
às Leis.
Sobre o Fédon ver NATORP, op. cit., p. 126 segs. sobre as principais
interpretações da teoria platónica das Ideias: LEVI, Le interpretazioni
immanentistiche della filosofia di Platone, Milano, sem data; e especialmente
O. ROSS, Pktos Theory of Ideas, Oxford,
1951.
§ 50. Sobre o Banquete e sobre o Fedro: STENZEL, ap. Cit., p. 141 segs..
§ 51. Sobre a República: NATORP, op. Cit., p. 175 segs.; SiiOREY, Plata's
Republic, Londres, 2 vols.,
1930-35; MURMY, The Interpretation of Plato's Republic, Oxford, 1951. Sobre os
mitos da República e de Platão em geral: STENVART, Myth8 of PlatO, 1904.
Sobre o Teeteto: NATORP, Op. Cit., P. 88 SegS.; DiÊS, Autour de Platon, Paris,
1927, p. 450 segs..
222
§ 56. Sobre o Sofista: RiTTER, Platon, II, p. 120 .sega., 185 segs., 642
segs.-, NATORP, op. cit., p. 271 segs.,
331 segs.; DIÊS, La définition de I'Être et Ja Nature des Idêes dans le
Sophiste de Platon, Paris, 1909; STENZEL, ZahI und Gestalt bei Platon und
Aristoteles, Leipzig, 1924, p. 10 segs., 126 se-S.; REIDEMEISTER, Mathematik
und Logik bei PZaton, Leipzig, 1942.
§ 58. Sobre o Filebo: RiTTER, Platon, II, p. 165 segs., 497 segs, NATORP, p.
296 segs.; ROBIN, Platon, cap. 4: e a minha Introdução à tradução de ~ITINI,
Turim, 1942.
§ 59- Sobre o Timeu: RiTTER, Platon, II, p. 258 segs.; TAYLOR, A Commentary on
PZatoIs Timacus, Oxford, 1928; NATORP, p. 338 segs.; ROBIN, Mudes sur Ia
signification et Ia place de Ia physique dans Ia philosophie de Platon, Paris,
1919; ID., Platon, cap. 5; LEVI, Il concetto del tempo nella filosofia di
Platone, Turim, s. d: CORNFORD, Platols Cosmology, Londres,
1937; PERLS, Platon. Sa conception du Kosmos, New York, 1945.
A ANTIGA ACADEMIA
§ 62. ESPEUSIPO
Mas a vida da Academia continuou, após a morte de Platão, por muitos séculos.
O próprio Platão confiara a direcção da Academia ao seu sobrinho Espeusipo,
que a conservou durante oito anos (347-339). Espeusipo afastou-se da oposição
225
§ 63. XENÓCRATES
É notável a sua definição da alma como "um número que se move por si"; nessa
definição, evidentemente, ele entendia por número a ordem ou a proporção que
já Platão indicara com a mesma palavra. Segundo parece, deve atribuir-se a
Xenócrates a doutrina das ideias-números, referida por Aristóteles como
característica dos "platónicos". Segundo essa doutrina, o número constituía a
essência do mundo. Distinguiam-se os números ideais daqueles com que se
calcula, os números ideais, considerados como os elementos primordiais das
coisas, eram dez. Destes, a unidade e a dualidade eram os princípios
respectivamente da divisibilidade e da indivisibilidade, da união de que
brotava o número propriamente dito. Ao paralelismo pitagórico entre
conceitos aritméticos e conceitos geométricos, acrescentava-se um paralelismo
semelhante no domínio do conhecimento; a razão era identificada com a unidade-
ponto, o conhecimento com a dualidade-linha, a opinião com a tríada-
superfície, a percep-
227
ção sensível com a tétrada-corpo. Não é fácil qual possa ser o significado
destas e de idênticas analogias que Aristóteles expõe e discute em vários
passos da Metafísica.
corpos transparentes e por isso invisíveis; podemos supor que constituem uma
hierarquia de demónios intermediários entre os deuses e os homens. O estudo da
astronomia é o mais importante de todos para conduzir à piedade religiosa, que
é a maior de entre as virtudes. Acompanham-no os estudos auxiliares da
aritmética e da geometria plana e do espaço. Somente através destes estudos o
homem pode alcançar a sabedoria, por isso, tais estudos devem constituir a
preocupação dos governantes.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 64. Sobre Eudoxo: JAEGER, Op. Cit. Sobre Epinómides e Filipo de Opunto:
JAMER, Op. cit. Epinómide,9 considerado diálogo autêntico de Piatão por
TAYLOR, Plato, pág. 497 ss.
231
XI
ARISTÓTELES
§ 67. A VIDA
No ano de 342 Aristóteles foi chamado por Filipe, rei da Macedónia, a Pella,
para se encarregar da educação de Alexandre. O pai de Aristóteles, Nicómaco,
fora médico na arte da Macedónia uns quarenta anos antes; mas talvez a escolha
de Filipe fosse determinada pela amizade de Aristóteles com Hermias que
mantinha relações com Filipe. Na obra de conquista e de unificação de todo o
mundo grego, para a qual a educação de Aristóteles preparou Alexandre, agiu
seguramente a convicção por parte de Aristóteles da superioridade da cultura
grega e da sua capacidade de dominar o mundo, se se unisse a ela uma forte
unidade política. O afastamento entre o rei e Aristóteles só se produziu
quando Alexandre, alargando os seus desígnios de conquista, pensou na
unificação dos povos orientais e adoptou as formas orientais de soberania.
dade; mas aqui a ordem das lições estava firmemente estabelecida. Aristóteles
dedicava as manhãs aos cursos mais difíceis de argumento filosófico, à tarde
dava lições de retórica e de dialéctica a um público mais vasto. Ao lado do
mestre, realizavam cursos os escolares mais antigos, como Teofrasto e Eudemo.
As obras que chegaram até nós compreendem somente os escritos que Aristóteles
compôs para as necessidades do seu ensino. Além destes escritos que se
chamaram acroamáticos por serem destinados a ouvintes, ou esotéricos, isto
é que continham uma doutrina secreta, mas que na realidade são apenas os
apontamentos de que se servia para o ensino, Aristóteles compôs outros
escritos segundo a tradição platónica, em forma dialogada, a que ele mesmo
chamou exotéricos, isto é destinados ao
236
Nos seus diálogos Aristóteles não só adoptou a forma literária do mestre mas
também os temas e algumas vezes os títulos das suas obras. Escreveu com efeito
um Banquete, um Político, um Sofista, um Menexeno; e depois o Grillo ou Da
Retórica. que correspondia ao Górgias, o Protréptico que correspondia ao
Eutidemo, o Eudemo ou Da Alma que correspondia ao Fédon.
Este último diálogo parece de franca inspiração platónica. O seu tema chegou
até nós graças a um relato de Cícero. (De Div., 1, 25, 35; fr. 37, Rose):
Eudemo, doente, tem um sonho profético que lhe anuncia a sua cura, a morte dum
tirano e o seu regresso à pátria. Os dois primeiros factos realizam-se; mas
enquanto espera o terceiro, Eudemo morre na batalha. Anunciando-lhe o regresso
à pátria, a divindade quisera indicar que a verdadeira pátria do homem é a
eterna, não a terrena. Aristóteles partia deste relato para demonstrar a
imortalidade e combater as concepções que se opunham a ela. Entre estas
criticava, como Platão no Fédon, o conceito da alma como harmonia: a harmonia
tem alguma coisa que se lhe contrapõe -a desarmonia; pelo contrário, a alma
como substância não tem nada que se lhe contraponha; logo a alma não é
harmonia (fr. 45, Rose). O diálogo admitia também a doutrina platónica da
anamnesis: a alma que desce ao corpo esquece as impressões recebidas no
período da sua existência; pelo contrário, a alma que com a morte regressa ao
além, recorda o que
238
experimentou cá. Pois que "a vida sem corpo é a condição natural para a alma,
a vida no corpo é contra a natureza como uma doença" (fr. 41, Rose).
Aristóteles permanece aqui ligado ainda ao pessimismo órfico-pitagórico aceite
antes por Platão. "Dado que é impossível para o homem participar da natureza
do que é verdadeiramente excelente, seria melhor para ele não ter nascido; e
dado que nasceu, o melhor é morrer quanto antes." (fr. 44, Rose).
Como se vê por este sumário, a Metafísica não é uma obra orgânica mas um
conjunto de escritos diferentes, compostos em épocas diferentes. O livro II é
o resto de um conjunto de apontamentos tirados por um aluno de Aristóteles. O
livro VI, na época alexandrina, subsistia ainda como obra independente.
O Livro XII é uma exposição autónoma que oferece um quadro sintético de todo o
sistema aristotélico e é em si mesmo completo. Os dois últimos livros não têm
nenhuma relação com o que os precede. Estudos recentes permitem traçar para
esta série de escritos uma ordem cronológica e delinear também a direcção da
formação do pensamento de Aristóteles. Os livros I e III constituem a redacção
mais antiga da obra: com efeito, Aristóteles expõe aí a doutrina das ideias
como se fosse sua e inclui-se a si próprio entre os platónicos. Os livros XIII
e XIV pertencem ao mesmo período e constituem uma reelaboração dos dois
precedentes. O livro XIII devia substituir provavelmente o livro XIV porque
oferece uma elaboração mais acabada e sistemática dos mesmos argumentos.
A Poética chegou-nos incompleta. A parte que nos resta trata apenas da origem
e da natureza da tragédia.
* h&~ que o& maus 4ndo têm sequer permitido para [louvar que sozinho ou o
primeiro entre os mortais demonstrou [claramente com o exemplo de ~ vida e com
o rigor de seus [argumentos que o homem se torna bom e feliz ao mesmo tempo. A
ninguém até agora foi permitido tanto alcançar.
dade entre virtude e felicidade mas também entre virtude e ciência. O que é
que pensa Aristóteles desta segunda identidade, para cuja demonstração tende
toda a obra de Platão?
e as suas relações com as outras ciências. Acima de tudo, cada ciência pode
ter por objecto ou o possível ou o necessário: o possível é o que pode ser
indiferentemente de um modo ou de outro; o necessário é aquilo que não pode
ser de modo diferente do que é. O domínio do possível compreende a acção
(praxis) que tem o seu fim em si mesma, e a produção (poiesis) que tem o seu
fim no objecto produzido. As ciências que têm por objecto o possível, enquanto
são normativas ou técnicas, podem também ser consideradas como artes; mas não
há arte que concerne aquilo que é necessário (Et. Nic., VI, 3-4). Entre as
ciências do possível, a política e a ética têm por objecto as acções e por
isso chamam-se práticas; as artes têm por finalidade a produção de coisas e
chamam-se poéticas. Destas últimas, há uma que leva no próprio nome o selo do
seu carácter produtivo-é a poesia.
§ 73. A SUBSTÂNCIA
o ser é tal necessariamente. Mas como ser do ser, a substância tem uma dupla
função a que corresponde uma dupla consideração da mesma: é por um lado o ser
em quem se determina e limita a necessidade do ser, por outro lado o ser que é
necessidade determinante e limitadora. Podemos exprimir a dupla funcionalidade
da substância, à qual corresponde dois significados distintos mas
necessariamente conjuntos, dizendo que a substância é, por um lado, a essência
do ser, pelo outro o ser da essência. Como essência do ser a substância
é o ser determinado, a natureza própria do ser necessário: o homem como
"animal bípede". Como ser da essência, a substância é o ser determinante, o
ser necessário da realidade existente: o animal bípede como este homem
individual. Os dois significados podem ser compreendidos sob a expressão
essência necessária, a qual dá, o mais exactamente possível, o sentido da
fórmula aristótélica.
qual se põe como norma, isso acontece, não porque é ser, mais porque é bem;
aquilo que o constitui enquanto ser é o bem, o próprio valor. A normatividade
do ser é, para Platão, estranha ao próprio ser: o ser está no valor, não o
valor no ser. Ao contrário, Aristóteles descobriu o valor intrínseco do ser. A
validade que o ser possui não lhe vem de um principio extrínseco, do bem, da
perfeição ou da ordem, mas do seu principio -intrínseco, da substância. O ser
não está no valor, mas. "o valor no ser". Tudo aquilo que é. enquanto é,
realiza o valor primordial e único, o ser enquanto tal. A substância, como ser
do ser, dá às mais insignificantes e pobres manifestações do ser uma validade
necessária, uma absoluta normatividade. Efectivamente, não é privilégio das
realidades mais elevadas, mas encontra-se tanto na base como no cimo da
hierarquia dos seres e representa o verdadeiro valor metafísico.
tente; e em tal sentido a substância nasce e morre (VIII, 15, 1039 b, 20).
Como essência do ser, a substância é o princípio de inteligibilidade do
próprio ser. É o que a razão pode tomar da realidade enquanto tal; e constitui
o elemento estável e necessário, sobre o qual se fundamenta a ciência. De
facto não há ciência senão do que é necessário, enquanto que o conhecimento do
que pode ser e não ser, é mais opinião que ciência. Precisamente por isto não
existe definição ou demonstração das substâncias sensíveis particulares que
são dotadas de matéria e não são por consequência necessárias mas
corruptíveis: o seu conhecimento obscurece-se apenas deixam de ser percebidas.
Todavia permanece íntegro, no sujeito que as conhece, o seu conceito que
expressa precisamente a sua natureza substancial, ainda que não na forma
rigorosa da definição (Met., VII, 15,
1039 b, 27). A substância é portanto objectivamente e subjectivamente o
princípio da necessidade: objectivamente, como ser da essência, enquanto
realidade necessária; subjectivamente, como essência do ser, enquanto razão de
ser necessitante.
ideia, por uma parte, e a ideia do homem e cada homem individual, por outra,
outras ideias; e
assim até ao infinito.
Em terceiro lugar, as ideias são inúteis porque não contribuem nada para fazer
compreender a realidade do mundo. De facto, não são causa de nenhum movimento
e de nenhuma mudança. Dizer que as coisas participam das ideias não quer dizer
nada, porque as ideias não são princípios de acção .que determinem a natureza
das coisas.
Por isso a substância aristotélica, até entendida como forma ou espécie, não
pode ser reconduzida à ideia platónica. A substância não é a ideia que
abandonando a esfera supraceleste se envolveu no ser e no devir do mundo e
readquiriu a sua concreção, mas um princípio de validade intrínseco ao ser
como tal: é o ser próprio do devir e do mundo na própria necessidade.
num passo famoso do livro VII. É necessário partir das coisas que são mais
cognoscíveis ao homem a fim de alcançar aquelas que são mais cognoscíveis em
si; do mesmo modo que, no campo da acção, se parte daquilo que é bom para o
indivíduo a fim de que consiga fazer seu o bem universal (1020 b, 3). Mais
facilmente cognoscíveis para o homem são as substâncias sensíveis; portanto,
destas se deve partir na consideração das substâncias determinadas. E dado que
estão sujeitas ao devir, trata-se de saber que função desempenha a substância
no devir.
Tudo aquilo que devém tem uma causa eficiente que é o ponto de partida e o
princípio do devir; devém alguma coisa (por exemplo, uma esfera ou um círculo)
que é a forma ou ponto de chegada do devir; e devém. de alguma coisa, que não
é a simples privação dessa forma, mas a sua possibilidade ou potência e se
chama matéria. O artífice que constrói uma esfera de bronze, como não produz o
bronze, tão-pouco produz a forma de esfera que infunde no bronze. Não faz mais
que dar a uma matéria preexistente, o bronze, uma forma preexistente, a
esfericidade. Se tivesse de produzir também a esfericidade, teria de a tirar
de alguma outra coisa, como tira do bronze a esfera de bronze; isto é, deveria
haver uma matéria da qual tiraria a esfericidade e logo ainda uma matéria
desta matéria e assim até ao infinito. É evidente, pois, que a forma ou
espécie que se imprime na matéria não devém, pelo contrário, o que devém é o
conjunto da matéria e forma (sinolo) que desta toma o nome. A substância como
matéria ou como forma escapa ao devir: ao qual pelo contrário, se submete a
substância como sinolo (VII, 8, 1033 b). Isto não quer dizer que haja uma
esfera aparte das que vemos ou uma casa fora das construídas com tijolos. Se
assim fosse, a espécie não se converteria nunca numa realidade determinada,
isto é, esta casa ou
265
esta esfera. A espécie exprime a natureza de uma coisa, não diz que a coisa
existe. Quem produz a coisa, tira de algo que existe (a matéria, o bronze)
qualquer coisa que existe e tem em si aquela espécie (a esfera de bronze). A
realidade determinada é a espécie que já subsiste nestas carnes e nestes ossos
que formam Cálias ou Sócrates, os quais certamente são distintos pela matéria,
mas idênticos pela espécie, que é indivisível (1b., 1034 a, 5).
o estar acordado para o dormir, o olhar para os olhos fechados, apesar de ter
vista, e como o objecto tirado da matéria e elaborado completamente está para
a matéria bruta e para o objecto ainda não acabado" (Met., IX, 6, 1048 b).
Alguns actos são movimentos (kinesis), outros são acções (praxis). São acções
aqueles movimentos que têm em si próprios o seu fim. Por exemplo, ver é um
acto que tem em si próprio o seu fim e do mesmo modo o entender e o pensar,
enquanto que o aprender, o caminhar, o construir têm fora de si o seu fim na
coisa que se aprende, no ponto a que se pretende chegar, no objecto que se
constrói. Aristóteles chamou a estes actos não acções, mas movimentos ou
movimentos incompletos.
A acção perfeita que em em si o seu fim é designada por Aristóteles como acto
final ou realização final (entelequia). Enquanto o movimento
268
acto está também privado de matéria: é acto puro (Met., XII, 6, 1071 b, 22).
Este acto puro ou primeiro motor não tem grandeza, portanto não tem partes e é
indivisível. Com efeito, uma grandeza finita não poderia mover por um tempo
infinito, pois que nenhuma coisa finita tem uma potência infinita; e uma
grandeza infinita não pode subsistir. Mas não tendo matéria nem grandeza, a
substância imóvel não pode mover como causa eficiente; resta-lhe portanto que
mova como causa final, enquanto objecto da vontade e da inteligência. De facto
tudo aquilo que é desejável e inteligível move sem ser movido e um e outro se
identificam no seu princípio, pois que aquilo que se deseja é aquilo que a
inteligência julga bom enquanto é realmente tal. Na hierarquia das realidades
inteligíveis, a substância simples e em acto tem o primeiro lugar; na
hierarquia dos bens tem o primeiro lugar aquilo que é excelente e desejável
por si mesmo. Graças à identidade do inteligível e do desejável, o sumo grau
do inteligível, a substância imóvel identifica-se com o sumo grau do
desejável: a substância é pois também o grau supremo da excelência, o sumo
bem, Como tal, é objecto de amor, move enquanto é amada, e as outras coisas
são movidas pelo que ela move dessa maneira, isto é, pelo primeiro céu (Met.,
XII, 7,
1072 b, 2).
Se na ordem dos movimentos, Deus é o primeiro motor, na ordem das causas Deus
é a causa primeira, às quais revertem todas as séries causais, compreendidas
as das causas finais (Met., 11, 2). Mesmo no sentido da causa final, Deus é o
criador da ordem do universo que é comparado por Aristóteles a uma família ou
a uni exército. "Todas as coisas são ordenadas uma relativamente a outra. mas
não todas do mesmo modo: os peixes, as aves, as plantas têm ordem diferente.
Todavia nenhuma coisa está relativamente a uma outra como se nada tivesse a
fazer com a outra; mas todas são coordenadas a um único ser. Isto é, por
exemplo, aquilo que acontece numa casa onde os homens livres não podem fazer
aquilo que lhes agrada, mas todas ou pelo menos a maior parte das coisas
acontecem segundo uma ordem; enquanto que os escravos e os animais só em pouco
contribuem para o bem-estar comum e muito fazem casualmente" (lb., XII, 10.
1075 a, 12). Do mesmo modo, o bem de um exército consiste "conjuntamente na
sua ordem e no seu comandante, mas especialmente neste último: pois que ele
não é o resultado da ordem mas antes a ordem depende dele" (1075 a, 13). Assim
Deus é o criador da ordem do mundo mas não do ser do próprio mundo. A
estrutura substancial do universo, para Aristóteles como para Platão, está
para
272
Ora os lugares naturais dos quatro elementos são determinados pelo seu
respectivo peso. Ao centro do mundo está o elemento mais pesado, a terra; à
volta da terra, estão as esferas dos outros elementos na ordem do seu peso
decrescente: água, ar e fogo. O fogo constitui a esfera extrema do universo
sublunar; acima dela está a primeira esfera etérea ou celeste, a da lua.
Aristóteles era levado a esta teoria por experiências bastante simples: a
pedra imersa na água afunda-se, isto é, tende a situar-se sob a água; uma
bolha de ar aberta na água vem à superfície, por isso o ar tende a dispor-se
ao cimo da água; o fogo arde sempre para o alto, isto é, tende a juntar-se à
sua esfera que está acima do ar.
Por outro lado, nenhuma coisa real pode ser infinita, segundo Aristóteles. Com
efeito, cada coisa existe num espaço e cada espaço tem um centro, um baixo, um
alto e um limite extremo. Mas no infinito não pode existir nem um centro nem
um
278
alto nem um baixo nem um limite. Portanto nenhuma realidade física é realmente
infinita. A ordem das estrelas fixas assinala os limites do universo, limites
para lá dos quais não há espaço. Nenhum volume determinado pode ser maior do
que o volume desta esfera nenhuma linha pode alongar-se para lá do seu
diâmetro.
Daqui deriva que não podem existir outros mundos para lá do nosso e não pode
existir o vazio. Não podem existir outros mundos, pois que toda a matéria
disponível deve já estar disposta ab aeterno neste nosso universo que tem por
centro a terra e por limite extremo a esfera das estrelas. Dado que cada
elemento tende naturalmente para o seu lugar natural, cada parte de terra
tende a juntar-se à terra que está no centro e cada elemento tende a reunir-se
à própria esfera. Deste modo o nosso universo tem de recolher toda a matéria
possível e fora dele não há matéria: ele é único. Mas fora dele não existe
tão-pouco o vazio. Os atomistas haviam sustentado que, sem o vazio, não é
possível o movimento, pois que pensavam que, se os átomos (que são semelhantes
a pedrinhas pequeníssimas) fossem impelidos ao mesmo tempo sem intervalos
vazios entre um e outro, nenhum átomo se poderia mover. Aristóteles, ao
contrário, sustenta que o movimento no vazio não seria possível. Efectivamente
no vazio não haveria nem um centro, nem um alto, nem um baixo-, por
consequência não haveria motivo para um corpo se mover numa direcção em lugar
de outra e todos os corpos permaneceriam parados.
§ 80. A ALMA
Uma parte da física é aquela que estuda a alma. A alma é objecto da física
enquanto é forma
281
Além dos cinco sentidos específicos, cada um dos quais fornece sensações
particulares (cores, sons, sabores, etc.). há um sentido comum a que
Aristóteles atribui uma dupla função: 1) a de constituir a consciência da
sensação, isto é, "o sentir do sentir" que não pode pertencer a nenhum sentido
particular; 2) a de perceber as determinações sensíveis comuns a vários
sentidos como o movimento, o repouso, a figura, a grandeza, o número e a
unidade. A sensação em acto coincide com o objecto sensível: por exemplo, o
ouvir o som e o próprio
282
som coincidem. Em tal sentido pode dizer-se que se não existissem os sentidos,
não conheceriam os objectos sensíveis (se não tivéssemos vista, não
conheceríamos as cores). Não conheceríamos em acto: existiriam porém em
potência, porque eles só coincidem com a sensibilidade no acto desta.
mais geral, "a alma é, num certo modo, todos os entes"; com efeito os entes
são os sensíveis ou inteligíveis e enquanto a ciência se identifica com os
entes inteligíveis, a sensação identifica-se com os sensíveis (1b., 431 b,
20).
§ 81. A ÉTICA
Cada arte, cada pesquisa ou como cada acção e cada escolha, são feitas com
vista a um fim que nos parece bom e desejável: o fim e o bom coincidem. Os
fins das actividades humanas são múltiplos e alguns deles são desejados com
vista apenas a fins superiores; por exemplo, desejamos a riqueza, a boa saúde,
pela satisfação e os prazeres que podem
284
dar. Mas deve haver um fim supremo, um fim que é desejado por si próprio, e
não já enquanto condição ou meio de um fim ulterior. Se os outros fins são
bens, este fim será o bem supremo, aquele de que dependem todos os outros. Não
há dúvida, segundo Aristóteles, que este fim seja a felicidade. A procura e a
determinação desse fim é o objecto primeiro e fundamental da ciência política,
porque só no que respeita a ela se pode prescrever aquilo que os homens na sua
vida social e como seres individuais, devem fazer ou aprender. Mas em que
consiste a felicidade para o homem?
O prazer está ligado à vida que segue a virtude. Com efeito, ela é a
verdadeira actividade do homem; e toda a actividade é acompanhada e coroada
pelo prazer (Et. Nic., X 4, 1174 b). Os bens exteriores como a riqueza, o
poder ou a beleza, podem, com a sua presença, facilitar a vida virtuosa ou
torná-la mais difícil com a sua ausência: mas não podem determiná-la. A
virtude e a maldade só dependem dos homens. Certamente o homem não escolhe o
fim, que está nele por natureza, como uma luz que o guia, a julgar rectamente
e a escolher o verdadeiro bem (111, 5, 1113 b). Mas a virtude depende
precisamente da escolha que se faz dos meios, com vista ao fim supremo. E esta
escolha é livre porque
285
em qualquer lugar, mesmo que não esteja sancionado pelas leis. Distingue do
direito a equidade, que é uma correcção da lei mediante o direito natural,
necessária pelo facto de que nem sempre, na formulação das leis, é possível
determinar todos os casos, pelo que a sua aplicação resultaria às vezes
injusta.
A virtude intelectiva ou dianoética é a que é própria da alma racional. Ela
compreende a ciência, a arte, a prudência, a sabedoria, a inteligência. A
ciência é a capacidade demonstrativa (apoditica) que tem por objecto aquilo
que não pode acontecer diferentemente do modo que sucede, isto é, o necessário
e o eterno. A arte (techne) é a capacidade, acompanhada de razão, de produzir
um objecto qualquer; ela concerne portanto à produção (poiesis) que tem sempre
um fim fora de si, não à acção (praxis). A prudência (frónesis) é a capacidade
unida à razão de agir convenientemente frente aos bens humanos; cabe-lhe
determinar o justo meio em que consistem as virtudes morais. A inteligência
(nous) é a capacidade de compreender os primeiros princípios de todas as
ciências, primeiros princípios que, precisamente como tais, não caem no âmbito
das próprias ciências. A sabedoria (sofia) é o grau mais alto da ciência: o
sage é aquele que possui ao mesmo tempo ciência e inteligência, que sabe não
só deduzir aos princípios, mas julgar da verdade dos mesmos princípios.
Enquanto a prudência concerne às coisas humanas e consiste no juízo sobre a
sua conveniência, oportunidade e utilidade, a sabedoria refere-se às coisas
mais altas e universais. A prudência é sempre prudência humana e não tem valor
para seres diferentes ou superiores ao homem; a sabedoria é universal. Por
isso é absurdo sustentar que a prudência e a ciência política coincidem com a
ciência suprema, pelo menos enquanto não se demonstre que o homem é
288
rio. que se liberta de todos os acontecimentos (Et. Nic., VI, 7, 1041 b. 11).
Amim a distância que existe entre prudência e sabedoria é a mesma que ocorre
entre o homem e o Deus. O que quer dizer que, para Aristóteles, a filosofia
tem como objecto fundamental o de levar o homem individual à vida teorética, à
pura contemplação do que é necessário; enquanto para Platão tem o objectivo de
levar os homens a uma vida em comum, fundada na justiça.
§ 82. A POLÍTICA
os anciãos, que no estado mandem, pois que ninguém se resigna sem amargura às
condições da obediência se esta não é devida à idade e se não sabe que
alcançará, com a idade, a condição superior. Finalmente, o estado deve
preocupar-se com a educação dos cidadãos que deve ser uniforme para todos e
dirigida não só a adestrar para a guerra mas a preparar para a vida pacífica,
para as funções necessárias e úteis e acima de tudo para as acções virtuosas.
§ 83. A RETóRICA
Entre as artes que são necessárias à vida social está a retórica. A retórica é
afim da dialéctica: como a dialéctica, não tem um objecto específico porque
concerne a todo o tipo e espécie de objecto e todavia é própria de todos os
homens porque todos "se ocupam a indagar sobre qualquer tese e a sustê-la, a
defender-se e a acusar" (Ret., 1, 1, 1354 a). A função da retórica não é a de
persuadir mas de mostrar os meios que são aptos a introduzir à persuasão.
§ 84. A POÉTICA
Não pode pois sustentar-se que Aristóteles tenha querido fundar a lógica como
ciência "formal", no sentido mo-demo do termo, isto é, como ciência sem
objecto ou sem conteúdo, constituída unicamente por proposições tautológicas.
A lógica tem um objecto, segundo Aristóteles, e este objecto é a estrutura da
ciência em geral que é também a própria estrutura do ser que é objecto da
ciência. Nesta base, Aristóteles afirma que a lógica deve analisar a linguagem
apofântica ou declarativa que é característica das ciências teoréticas, na
qual têm lugar as determinações; de verdadeiro e falso se a união ou
separação dos termos (em que consiste uma proposição) reproduz ou não a
união ou a separação das coisas. Aristóteles não nega que existam discursos
não apofânticos, por exemplo a oração súplica. Mas privilegiando o discurso
apofântico, faz dele a verdadeira linguagem, aquela sobre a qual as outras
mais ou menos se modelam ou do ponto de vista da qual devem ser julgadas.
Efectivamente a poética e a retórica que se ocupam de linguagens não
apofânticas são tratadas por Aristóteles à parte e subordinadamente à
analítica. A linguagem apofântica não tem nada de convencional. Segundo
Aristóteles, as palavras da linguagem são convencionais: tanto assim é verdade
que são diferentes duma língua para outra. Mas elas referem-se a "afecções da
alma que são as mesmas para todos e constituem imagens dos objectos que são os
mesmos para todos" (De inierpr., 1, 16 a, 3). A combinação das palavras é
comandada por isso, através da imagem mental,
300
pela combinação efectiva das coisas que lhes correspondem: assim.. por
exemplo, só se podem combinar as palavras "homem" e "corre" na proposição "o
homem corre" se na realidade o homem corre. Pode dizer-se portanto que a
linguagem é para Aristóteles convencional no seu dicionário, não na sua
sintaxe: a lógica deve voltar-se portanto para esta sintaxe para analisar a
estrutura fundamental do conhecimento científico e do ser.
e a proposição particular, cada uma das quais pode por sua vez ser afirmativa
ou negativa. Estas relações resultam do esquema seguinte:
meio". Todavia Aristóteles considera uma dificuldade que pode surgir do uso
deste Princípio quanto aos acontecimentos futuros. Se se afirma "amanhã
-haverá uma batalha naval" e "amanhã não haverá uma batalha naval", destas
duas proposições contraditórias uma deve ser necessariamente verdadeira. Mas
se uma delas é necessariamente verdadeira, por exemplo, aquela que afirma
"amanhã não haverá uma batalha naval", isto quer dizer que necessariamente
amanhã não haverá uma batalha naval; verdadeiramente porque é necessariamente
verdadeiro que "amanhã não haverá uma batalha naval". Em tal caso do uso do
princípio do terceiro excluído, referido aos acontecimentos futuros, surgiria
a tese da necessidade de todos os acontecimentos, mesmo daqueles que são
devidos à escolha do homem. Aristóteles não afirma que estas consequências
sejam legítimas e que todos os acontecimentos aconteçam por necessidade. Uma
das duas coisas expressas por uma proposição contraditória necessariamente se
verificará no futuro, mas esta necessidade não assume qual das duas coisas é
que se verificará. Noutros termos, não é necessário, atendo-se ao princípio do
terceiro excluído, nem que amanhã haja nem que amanhã não haja uma batalha
naval, qualquer que seja a alternativa que se verificará amanhã. Mas é
necessário que amanhã aconteça ou não aconteça uma batalha naval. Noutros
termos, a necessidade consiste na impossibilidade de sair da alternativa de
uma contradição, não no verificar-se duma ou doutra destas alternativas (19-a,
32). Aristóteles não nota que, se a alternativa é necessária, ela não pode ser
senão alternativa, isto é, não pode decidir-se nem num sentido nem no outro:
pelo que seria necessária precisamente a sua indeterminação; e amanhã não
poderá nem haver nem não haver uma batalha naval. Como quer que seja, a
solução de
304
talidade do próprio homem. Neste sentido diz-se que a noção "animal" fez de
termo médio do silogismo: ela representa no silogismo a substância, ou a causa
ou a razão, e que só ela torna possível a conclusão (94 a, 20): o homem é
mortal porque, e só porque, é animal. O silogismo tem portanto três termos: o
sujeito e o predicado da conclusão e o termo médio. Mas é a f unção do termo
médio que determina a figura (schemata) do silogismo. Na primeira figura, o
termo médio faz de predicado na primeira premissa e de sujeito na outra, como
no silogismo agora citado. Na segunda figura, o termo médio faz de predicado
em ambas as premissas (por exemplo, "Nenhuma pedra é animal, todo o homem é
animal, logo nenhum homem é pedra"). Nesta figura, uma das premissas e a
conclusão são negativas. Na terceira figura o termo médio faz de sujeito em
ambas as premissas (por exemplo, "Todo o homem é substância, todo o homem é
animal, logo alguns animais são substâncias"). Nesta figura a conclusão é
sempre particular. Cada uma das três figuras se divide depois numa variedade
de modos, segundo as premissas são universais ou particulares, afirmativas ou
negativas.
Aristóteles levou até a um certo ponto esta casuística dos modos silogísticos
que na lógica medieval devia encontrar o seu fecho, mesmo em relação aos
desenvolvimentos que a própria lógica sofreu na antiguidade por obra dos
Aristotélicos e dos Estoicos. O silogismo é por definição dedução necessária:
por isso a sua forma primária e privilegiada é o silogismo necessário, que
Aristóteles chama também demonstrativo ou científico. Dos silogismos
necessários, a primeira e melhor espécie é a dos silogismos ostensivos que
Aristóteles contrapõe aos que partem de uma hipótese. Estes últiMos não são
aqueles que se chamarão em seguida "hipotéticos" (nos quais a premissa maior 4
cons-
306
tituída por uma condicional). mas aqueles cuja Premissa maior não é a
conclusão de um Outro silogismo nem é evidente por si, mas é tomada por via de
hipótese. Um de tais silogismos é aquele que opera a redução ao absurdo. Entre
os silogismos ostensivos mais perfeitos estão os silogismos universais da
primeira figura, aos quais é possível reconduzir todas as outras formas do
silogismo. Finalmente, do silogismo dedutivo distingue-se o silogismo indutivo
ou indução, que é a outra das duas vias fundamentais através das quais o homem
alcança as próprias crenças (68 b, 13). A indução, segundo Aristóteles, é uma
dedução que, em vez de deduzir um termo do outro mediante o termo médio (por
exemplo, a mortalidade do homem mediante o conceito de animal), como faz o
silogismo verdadeiro e legítimo, deduz o termo médio de um extremo, valendo-se
do outro extremo. Por exemplo, depois de ter verificado que o homem, cavalo e
o macho (1.O termo) são animais sem bílis (termo médio) e que o homem, o
cavalo e o macho são de longa vida (2.O termo) deduz que todos os animais sem
bílis são de longa vida: na qual conclusão compara o termo médio e um extremo.
O "ser sem bílis" é, neste caso, o termo médio, porque é a razão ou a causa
pela qual o homem, o cavalo e o macho são de longa vida. A indução é válida
apenas se se esgotar em todos os casos possíveis; se, no exemplo em exame, o
homem, o cavalo e o macho são todos animais sem bílis. Por isso, é de uso
limitado e não pode suplantar o silogismo dedutivo, semo se para o homem é um
procedimento mais fácil e claro (68 b, 15 segs.). Aristóteles sustenta por
isso que pode ser usado não na ciência, mas na dialéctica e na oratória, isto
é, como instrumento de exercício ou de persuasão (Ret., 1, 2, 1356 b, 13).
307
NOTA BIBLIOGRÁFICA
67. Chegaram até nós as seguintes e antigas vidas de Aristóteles: 1.- DIõGENEs
LAÊRcio, V. cap. 1 segs.; 2.1 DIONISIO DE ~CARNAsso na carta a Ammeo, cap. 5;
3.* Vida menagiana, assim chamada pelo seu editor Menagio; 4.o Vida
neoplatõnlca, que nos chegou em três redacçõ es distintas; SUIDAS, Léxico, na
palavra Arlstõteles; 6.* Biografias sirlaco-ãrabes compostas entre os séculos
V e VM. ]Entre as reconstruçõ es modernas: ZELLER, 11, 2, u. 1 segs.; GoMPERz,
M, p. 20 segs.; JAMER, A~., p. 11 sega., 133 sega.,
149 segs.. O testamento de Aristóteles foi-nos conservado por DIõGFNEs
LAÉRcio, V, 11.
§ 68. Sobre o problema dos escritos aristotélicos: JAEGER, Op. Cit.; MORFAU,
As listas antigas das ~as de Aristótelw, Lovaina, 1951.-Uma tentativa para
revolucionar a atribuição dos escritos aristotélicos encontra-se em ZURCITER,
Aristotel~ Werk und Gei8t, Paderbon, 1952. Sobre a cronologia das obras
lógicas
311
§ 71. Que a elegia se referia a Sócrates é a ~tese de GompERz, II, p. 72, que
contradiz os testemunhos antigos e é desmentida pela crítica recente: JAMER,
p. 138 segs.; BIGNONE, I, p. 213 segs.-Sobre as duas fases da Metaffsica:
JAMER, cap. 4.
312
§ 75. A crítica a Platão repete-se multas vezes na M~1~, I, cap. 9; VII, cap.
13; 14 e 15; XH1, cap. 4 e 5; XIV, cap. 1 o 2. A forma maIs organizada da
crítica é a expoeta no livro XII ; CHERNISS, Ari8totWs Criti~ of Plato and the
Aca-demy, John HopkIns Univ. Preas, 1944.
§ 78. Sobre a substância imóvel, veja-se Met., Xil, 8, 1072 a segs. e Fís.,
VUT, 5, 256 b, 20. A doutrina das outras inteligências motrizes está no cap. 8
do mesmo livro XII. H. VON ARNIM Die Entstehung der Gotte%1ehre des
Aristotele, Viena, 1931.
§ 81. Sobre a ética: H. VON ARNIM, Die drei Aristotelischen Ethiken, Viena,
1924, e Eudemische Ethik und Metaphysik, Viena, 1928; WALzER, Magna Moralia
und Aristotelische Ethik, Berlim, 1929; HAmBURGER, MoTaIs and Law: the Growth
of ArístotWs Lega Theory, New Haven, 1951; J. A. THOMSOM, The Ethics Of
Arístotle, Londres, 1953.
§ 83. Sobre a retórica: ZELLER, 11, 2, p. 754 segs.; GOMPERZ, IIII, cap. 36-
38.
313
Theory of Poetry and Fine Art8, Nova Iorque, 1955; GMALD E. IM , Arl[8tOtW8
P00~ The ArPUM~, Leiden, 1957.
INDICE
PRDdEIRA PARIT,
FILOSOFIA ANTIGA
F7A GREGA .. . ... ... ... ... ... 19 II-A ESCOLA MNICA ...
... ... ... ... 35 M-A ESOOLA PITAGORICA
... ... ... 53 rV_A ESOOLA ELEATICA ... ... ... ...
63 V-OS FISICOS POSTERIORES ... ... ... 81 VI - A
SOFISTICA. ... ... ... ... ... ... 97 VII - SWRATES
... ... ... ... ... ... ... 115 VM -AS ESCOLAS SOCRATICAS
... ... ... 133
IX - PLATA0 ... ... ... ... ... ... ... 147 X -A ANTIGA
ACADE3 . ... ... ... ... 225 )CI -
ARISTÓTELES ... ... ... ... ... ... 233
na