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GESTÃO DE COMPRA DE PRODUTOS

HORTÍCOLAS POR VAREJISTAS:


ANÁLISE DE ESTRATÉGIAS
EMPRESARIAIS

Thiago Zanon Pelição


Departamento de Administração - FEA/USP - Ribeirão Preto

Marcos Fava Neves


Dante Pinheiro Martinelli
Departamento de Administração - FEA/USP - Ribeirão Preto
Pesquisadores do PENSA/USP
v.6, n.3, p. 233-242, dez. 1999 E-mails: mfaneves@usp.br, dantepm@zaz.com.br

Resumo

Este trabalho tem como objetivo descrever e analisar três casos (envolvendo seis empresas) de
relação entre varejistas e produtores de hortícolas, com base no referencial teórico de alianças
estratégicas proposto por GATTORNA & WALTERS (1996). Para isto estas seis empresas foram
visitadas e foram entrevistadas em profundidade para se entender como se dá a transação, as
alternativas ao formato em execução, os riscos, fatores de estabilidade e outros considerados no
Modelo..

Palavras-chave: hortícolas, aquisição de produtos frescos, produtos frescos, alianças estratégicas.

1. Introdução e Objetivos frescos, chegando a números próximos a 20% na


Itália e Holanda. O consumo de vegetais na

P or diversos fatores a população tem


aumentado o consumo de produtos
hortícolas, em especial pela crescente preocupa-
Europa cresceu quase 10% ao ano desde 1975
(ZUURBIER, 1998).
Face a este fator, percebe-se nitidamente que
ção com a questão da saúde. Apenas a título de os agentes de distribuição, notadamente os
exemplo, vale dizer que nos EUA, França e supermercados e hipermercados, têm aumentado
Alemanha cerca de 10% dos gastos dos sua área de vendas com estes produtos, visando
consumidores com alimentos são com produtos oferecer tudo “sob um mesmo teto” ao consumi-
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dor cada vez mais pressionado com a questão do • Quer redução dos danos causados durante a
tempo, e também aumentar a freqüência de visita distribuição.
na loja, e com isto as compras por impulso. • Quer vegetais já preparados e limpos para uso
Estes produtos, porém, compõem uma cadeia em microondas – conveniência.
de suprimentos bastante delicada, em virtude da • Deseja misturas atrativas e coloridas.
alta incerteza que ocorre no processo de compra, • Deseja conhecer a origem do produto
advindas da elevada especificidade temporal, (NEVES et al., 1999).
pela grande perecibilidade e irregularidade na Este trabalho tem como objetivo descrever e
produção. Isto faz com que varie bastante a analisar três casos (envolvendo seis empresas)
forma como os super e hipermercados gerenciam de relação entre grandes varejistas e produtores
suas cadeias de suprimentos para estes produtos. de hortícolas, com base no referencial teórico de
De uma maneira simplificada, dentro do alianças estratégicas proposto por GATTORNA
ferramental de análise de transações no & WALTERS (1996). Para isto estas seis
agribusiness, poder-se-ia caracterizar a transação empresas foram visitadas e entrevistadas para se
de obtenção de suprimentos hortícolas de três entender como se dá a relação, as alternativas ao
formas: numa primeira, os varejistas compram formato em execução, os riscos, fatores de
os hortícolas do mercado, baseados única e estabilidade e outros considerados no Modelo.
exclusivamente no sistema de preços, inexistin- Vale ressaltar que o termo alianças estratégi-
do qualquer sofisticação adicional no processo cas é cada vez mais utilizado, porém diversos
de compra. Numa segunda alternativa, os autores o definem de modo diferente, não sendo
varejistas poderiam obter a quantidade que objetivo deste artigo discutir estas definições,
necessitam de hortícolas a partir da sua produção que diferem principalmente em que tipo de
própria (integração vertical), e, finalmente, numa transações são consideradas como alianças
terceira forma, poderiam adquirir estes produtos estratégicas ou não. O objetivo deste trabalho é
de formas intermediárias, ou seja, formas em que aplicar a metodologia de GATTORNA &
existam as chamadas “alianças estratégicas”, ou WALTERS (1996) a três casos selecionados.
também chamadas de formas contratuais. Este As seis empresas (três casos de transação)
último formato vem ganhando importância foram escolhidas por conveniência, com base em
devido à sintonia fina necessária para gerenciar conhecimentos anteriores dos autores de que
adequadamente este suprimento, motivada por estas realizavam as transações em formatos
mudanças nos padrões de exigência do consumi- diferentes, o que permitiu a comparação e a
dor final (ZYLBERZTAJN, 1995; NEVES, análise de coordenação. Além deste fator,
1999). pesaram contatos pessoais para que as entrevis-
Estes padrões indicam que o consumidor de tas pudessem ser realizadas, uma vez que são
hortícolas: empresas relativamente grandes.
• É consciente que vegetais e frutas têm As entrevistas foram no formato em profun-
importância crescente na alimentação. didade, com um roteiro de questões abertas, pelo
• Tem preferências que diferem de região para qual foi possível grande interação entre o
região. pesquisador e o entrevistado. A pesquisa conta
• Quer fornecimento o ano todo e com com diversas limitações, e seus resultados não
variedade. devem ser extrapolados, porém serviu a seu
• Diz que existe espaço para produtos objetivo principal, que era o de aplicar a
ecológicos. metodologia de GATTORNA & WALTERS
• Quer ver os produtos. (1996) e verificar que esta pode ser útil no
• Quer produtos pré-embalados. processo de análise de alianças nas empresas.
• Quer porções menores, sabor e variedade.
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Quadro 1 – Relação entre comprador e fornecedor: fatores estratégicos a serem analisados para
determinar a dependência.
Fonte: GATTORNA & WALTERS (1996).

ANÁLISE DO COMPRADOR ANÁLISE DO FORNECEDOR


% do negócio envolvido com este fornecedor % dos negócios que este comprador representa
Nível de risco se o fornecedor falhar Impacto se perder o negócio
Custo de saída (mudança de fornecedor) Significância estratégica do negócio
Disponibilidade de fornecedores alternativos Número de competidores diretos no fornecimento
Significância estratégica do negócio Grau de diferenciação do produto da empresa
Custo anual do fornecedor em comparação aos Vantagem/desvantagem no preço em relação aos
outros fornecedores competidores no fornecimento deste produto
Proporção total dos custos em relação ao volume
total de vendas

2. A Metodologia de Análise de GATTORNA parceiros e da indústria em que atuam. Alguns


& WALTERS para Alianças Estratégicas indicadores são enumerados no Quadro 1.
A partir deste quadro comparativo foi desen-

O objetivo de se formar parcerias ou alianças


é obter vantagens que de outra maneira não
seriam possíveis e reduzir o risco geral do
volvida uma figura que relaciona o nível de
interdependência com a resposta estratégica
obtida entre os parceiros. Os níveis apresentados
projeto, ao mesmo tempo em que se aumenta o no Quadro 2 referem-se, em ordem decrescente,
retorno sobre o investimento (GATTORNA & a quão apropriada é a aliança estratégica. Pode-
WALTERS, 1996). se perceber que quando o nível de dependência é
A fim de organizar-se uma parceria ou muito baixo para ambos, alianças estratégicas
aliança de sucesso, KANTER (1994) (citação não são recomendadas, existindo outras formas
completa em GATTORNA & WALTERS, mais interessantes para organização desta
1996) sugere oito critérios a serem analisa- transação, com custos menores.
dos:
• excelência individual;
3. A Descrição e Análise dos Três Casos
• importância: a relação deve ser congruente
com as estratégias individuais;
3.1 Caso da Rede de Supermercados
• interdependência: deve existir necessidade
MERCADORAMA (nível 1 em
mútua para a parceria;
GATTORNA & WALTERS, 1996):
• investimento;
“A Dependência Mútua”
• informação: esta deve ser compartilhada,
sendo uma característica crucial para o suces-
so das parcerias;
• integração;
O Mercadorama em 1997, no momento das
entrevistas, era uma rede de 12 lojas de
supermercados na região metropolitana de
• formalização; Curitiba e uma loja em Maringá (PR). Se
• integridade. constituía na 12ª rede supermercadista do Brasil,
Um aspecto fundamental é a interdependên- empregando cerca de 4.200 pessoas e com
cia dos parceiros. Existem vários graus de faturamento anual próximo a R$ 500 milhões,
interdependência em função do tamanho dos com área de vendas de 30 mil metros quadrados.
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Quadro 2 – Níveis de relacionamento entre comprador e fornecedor, com base na dependência


(alta ou baixa) e na resposta estratégica esperada.
Fonte: Traduzido e resumido pelos autores a partir de GATTORNA & WALTERS (1996:199).

DEPENDÊNCIA NO RELACIONAMENTO RESPOSTA ESTRATÉGICA


• estratégia comum alinhada para benefício do
consumidor final
• parceria alinhada e plano de negócio para a
NÍVEL 1:
parceria
Comprador – alta dependência
• estrutura de comunicações bem construída e
Fornecedor – alta dependência
informação integrada
• intercâmbio de Recursos Humanos
• contratos de longo prazo
• fornecedor desenvolve uma estratégia alinhada
com a cultura do comprador
• sistema de feedback regular do fornecedor para o
NÍVEL 2
comprador
Comprador – baixa dependência
• a estratégia do fornecedor inclui diferenciação
Fornecedor – alta dependência
para construir dependência
• tempo de contrato: do ponto de vista do
fornecedor, o mais longo possível
• estratégia do fornecedor focada em sinergia com
outros negócios da empresa
NÍVEL 3 • estratégia do comprador objetiva formar
Comprador – alta dependência contratos de exclusividade com o fornecedor
Fornecedor – baixa dependência • fornecedor reconhece a lógica do comprador mas
não muda a sua cultura necessariamente
• preço reflete o desequilíbrio na dependência
NÍVEL 4
PARCERIA ESTRATÉGICA NÃO
Comprador – baixa dependência
APROPRIADA
Fornecedor – baixa dependência

A rede foi fundada em 1914 por Pedro Demeter- começaram dando a produtores a garantia de
co, de origem ucraniana, quando este tornou-se compra. O processo iniciado com o tomate
proprietário do armazém onde trabalhava. Vale obteve sucesso, o que incentivou a expansão da
dizer que em 1998 foi comprada pela rede estratégia. Este primeiro parceiro do supermer-
portuguesa SONAE. cado já fornecia cerca de 4.000 caixas de
Cerca de 7% a 8% das vendas das lojas, em alimentos por mês ao Mercadorama. Nas épocas
termos de valores, eram da área de FLV (frutas, em que o frio era intenso e as geadas traziam
legumes e verduras). A evolução dos números risco e não permitiam uma boa produtividade na
no setor pode ser vista pelo Quadro 3. região de Curitiba, o produtor tinha a alternativa
Devido à alta dependência que a rede tinha da produção das verduras em outras áreas, no
dos mercados fornecedores paulistas, a diretoria litoral, em associação com produtores locais.
do Mercadorama decidiu inovar em termos Cerca de dez famílias estavam envolvidas
empresariais e incentivar a produção de legumes nesse processo de produção no litoral durante a
e verduras na sua própria região. Assim, estação fria, coordenadas pelos produtores
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Quadro 3 – Evolução das Vendas de FLV no Mercadorama.


Fonte: Entrevista no Mercadorama – Dados Internos.

Ano Kg de FLV
1992 90.100
1993 95.800
1994 112.000
1995 120.000
1996 145.500
1997 153.000

parceiros do supermercado. Verificou-se que os maneira eficiente, tornando o sistema mais


parceiros do supermercado, incentivados pela preparado para atender o consumidor. Muitos
importância do cliente e pelas altas exigências dos fornecedores da rede já estavam produzindo
do mesmo, formaram outras parcerias para verduras e legumes mais sofisticados, embalados
honrar o compromisso o ano inteiro, ou seja, a vácuo ou em atmosfera modificada, atividades
conseguiram, pela diversificação geográfica, que exigem um investimento maior, e portanto
fornecer com regularidade maior, atributo não poderiam ser assumidas de maneira
fundamental ao varejista, reduzindo os riscos. unilateral, sem que tivesse sido estabelecido um
A cada semana as lojas recebiam, diretamente compromisso.
das mãos de 104 produtores, 3.000 toneladas de O sistema de parcerias adotado na Mercado-
legumes, verduras e frutas, que supriam 90% de rama era ideal para ambas as partes, pois era
sua demanda. Apenas as frutas tinham sua maior uma tentativa de integrar a demanda com a
parte (70%) comprada na CEASA local. oferta, além de propiciar investimentos em
O supermercado não fornecia insumos nem produção, garantir a qualidade dos produtos, a
exigia exclusividade, apenas garantia a compra estabilidade da entrega, preço adequado para
(fator que, devido à especificidade temporal, é ambos, intercâmbio de informações e inovações
fundamental para os produtores) e esperava a tecnológicas que facilitavam o desenvolvimento
entrega o ano inteiro, com qualidade superior. de novos produtos e satisfaziam as vontades e
Os preços flutuavam menos, não observando as necessidades do consumidor final. Ou seja, era
variações especulativas, sob as quais a maioria um modelo redutor de custos de transação
dos produtores tinham de trabalhar. Entretanto, o (custos de negociações, de obtenção de
supermercado mantinha um agrônomo que visi- informações, de monitoramento e outros). A
tava as propriedades parceiras, orientando os pro- informação fluía eficientemente no sistema para
dutores sobre técnicas para melhorar a produção rápidas readaptações advindas de mudanças no
e verificar as condições de manejo das culturas, macroambiente.
a fim de garantir a qualidade que o Mercadorama Na metodologia de GATTORNA &
exigia. Não existiam contratos formais e as WALTERS (1996), esta parceria estaria coloca-
negociações eram todas feitas verbalmente. O da no nível 1, visto que existia estratégia comum
que existia era um sentimento de confiança entre alinhada para benefício do consumidor final, não
os produtores e o supermercado, fruto do com- havendo grandes conflitos de interesses,
portamento de parceiro das partes envolvidas. podendo ser gerenciados, para que se obtivesse o
A partir dessa interação entre o mercado mais importante, que era o fluxo adequado de
consumidor e o produtor, a informação fluía de produtos. O interesse e comprometimento do
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Mercadorama na manutenção da qualidade e os produtores locais de hortícolas. Nesta rede


constância de produção de seus parceiros fica não existia garantia de compra da produção.
mais evidente quando se considera que este Todos os dias era feita uma cotação com
contratou em regime permanente um agrônomo, diversos produtores cadastrados e aquele que
responsável pela manutenção do padrão de tivesse o menor preço conseguia colocar o
qualidade nas hortas, ou seja, houve investimen- produto. Existia ainda outro problema, devido
to de capital humano (técnico) para solidificar aos preços para estas cotações serem balizados
a relação entre os produtores e a rede, facilitando pela central de abastecimento da rede, desconsi-
a coordenação. derando-se diferenças regionais, pois na região
As parcerias firmadas pelo Mercadorama metropolitana existiam muito mais produtores, o
com seus produtores cumpriam os três requisitos que poderia diminuir os preços.
para que uma aliança seja efetiva: Os produtores que forneciam para esta rede
• atingiam objetivos estratégicos, pois propi- ficavam na incerteza de vender ou não seus
ciavam ao supermercado ter o produto na produtos, e caso vendessem, provavelmente
loja, e até mesmo um produto diferenciado, seriam remunerados abaixo da média regional.
colocando-o em situação de vantagem com- De uma maneira ampla, todos os riscos da
petitiva com seus concorrentes; podendo até negociação ficavam por conta do fornecedor, e o
explorar mercadologicamente esta origem; supermercado posicionava-se como um agente
• reduziam riscos enquanto aumentavam o de mercado buscando o melhor preço, preocupa-
retorno, ficando anuladas as compras incertas do apenas com a situação no momento. O
no CEASA, situação em que nem o preço, relacionamento com os produtores apenas se
nem a garantia do fornecimento podiam ser mantinha, devido ao pouco poder de barganha
planejados a longo prazo e a negociação destes, que eram obrigados a atender à rede para
dependia de fatores externos às necessidades não perderem negócios.
do supermercado; O supermercado colocava-se na posição de
• alavancavam recursos, pois os produtores não precisar do fornecedor, ou seja, um baixo
podiam investir na produção, seja em termos nível de dependência. Mesmo no caso do verão,
quantitativos ou qualitativos e variedades, este buscava o produto em outras regiões do
ação que se reflete de forma positiva no mix estado, apesar de pagar um pouco mais e ter os
de produtos do supermercado e na sua quali- custos desta busca. Os fornecedores não eram
dade. encarados como um conjunto, que produziam
bens necessários ao supermercado, mas sim
3.2 Caso de Grande Rede Nacional de tratados individualmente, como peças substituí-
Supermercados (nível 2 em GATTORNA veis do processo de abastecimento, devido ao
& WALTERS, 1996): “O Coordenador” seu pequeno porte e importância individual
relativa. Não era interessante para a rede
O segundo caso analisado era uma grande qualquer iniciativa de organização dos fornece-
rede, que preferiu não ser identificada. A área de dores, devido à possibilidade de aumentar o
vendas da rede era de mais de 300 mil metros poder de barganha, algo não desejado na
quadrados e a mesma encontrava-se entre as coordenação por preços.
cinco maiores do Brasil. A rede tinha uma Este é o nível dois da escala de GATTORNA
preocupação grande com os hortícolas, no & WALTERS (1996), no qual existe alta
tocante à qualidade e baixo preço de venda. dependência por parte do fornecedor e baixa
Entretanto, quando esta preocupação foi passada dependência por parte do comprador. O
para as lojas regionais, verificou-se que existiam fornecedor acaba rendendo-se às imposições do
fortes barreiras no processo de negociação com comprador, que é o coordenador desta relação.
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As vantagens para o varejista resumem-se ao terra. A empresa determinava o que deveria ser
preço, principalmente por explorar o fato da produzido e em que quantidade, encarregando-se
grande dependência que os fornecedores da distribuição do produto. No final, as duas
possuíam. As desvantagens poderiam estar partes dividiam o lucro, ou seja, a empresa não
associadas à manutenção de estruturas (equipes) comprava a produção dos agricultores, mas
para cotações e busca de fornecedores diárias, realizava um trabalho em sociedade. Os critérios
problemas de abastecimento em outras regiões, para definir qual o valor do “lucro” eram
elevando custos de transação, além de uma subjetivos, já que não existia controle efetivo de
menor velocidade em fazer adaptações de custos por parte dos produtores, podendo gerar
interesse para os consumidores. dúvidas e controvérsias sobre a transparência
dos critérios. Entretanto existia aparente
3.3 Caso da Sato Verduras (nível 3 em satisfação dos consorciados com o sistema.
GATTORNA & WALTERS, 1996): A Sato Verduras atingiu níveis de produção
“A Coordenadora” dos maiores do estado e do Brasil, o que lhe
conferiu características de negociação bastante
A Sato Verduras é uma empresa sediada em diferentes daquelas observadas nos produtores
Bauru (SP) que produz e comercializa pelo tradicionais, tornando grandes varejistas em
menos 20 tipos de verduras e legumes. A tomadores de preços. Grandes empresas como
empresa teve início na metade da década de 80, a Pão de Açúcar, Carrefour e Wal Mart, tinham na
partir do trabalho de dois irmãos, que cuidavam Sato Verduras a única fonte confiável de
do plantio e comercialização dos produtos em fornecimento de hortaliças nas quantidades
um pequeno sítio da cidade. A empresa cresceu demandadas. Em épocas de alta demanda,
bastante, atingindo um volume de vendas de nenhum outro produtor conseguia entregar as
cerca de 600.000 maços de verdura por mês em quantidades de verduras vendidas nas lojas.
1997. A existência da Sato Verduras era analisada
A empresa produzia em 28 sítios separados de duas maneiras pelos varejistas: como um
(diversificação geográfica reduzindo riscos), que problema ou como uma solução. De acordo com
juntos ocupavam uma área de 180 hectares, a visão do responsável pelas compras de FLV
empregando cerca de 300 pessoas e vendendo (Frutas, Legumes & Verduras) do Carrefour, loja
para mais de 200 clientes espalhados principal- Ribeirão Preto, a Sato resolveu o problema da
mente pelo estado de São Paulo. Clientes da Sato loja, reduzindo custos da transação de compra de
Verduras incluem: Wal Mart (Bauru e Ribeirão hortícolas pois propiciava verduras durante o
Preto), Eldorado (São Paulo) e Carrefour (Ribei- ano todo e em qualquer quantidade. Além disso,
rão Preto). A empresa entregava até mesmo em como os volumes de vendas eram grandes, o
Campo Grande (MS). As entregas eram feitas supermercado era beneficiado, pois pode ne-
diariamente por caminhões (18 caminhões, gociar como se estivesse comprando de uma
sendo sete próprios e onze terceirizados), que empresa, exigindo a presença de monitores na
deixavam, ainda de madrugada, o centro de loja, bem como a construção de expositores e
distribuição da empresa em Bauru (SP). outros expedientes, que normalmente os peque-
A estratégia de crescimento da Sato Verduras nos produtores não têm condições de bancar.
foi a de formar parcerias com outros produtores Já na visão do ocupante do mesmo cargo em
de hortaliças, ou seja, atuando como um empresa outro hipermercado de Ribeirão Preto a Sato
coordenadora do sistema. Cerca de 120 hectares Verduras é um problema, e não esconde a sua
eram cultivados desta forma. O esquema consis- insatisfação em ter que submeter-se à imposição
tia em formar uma sociedade entre uma empresa de preços promovida pela empresa. São os dois
e um produtor autônomo, com propriedade da extremos.
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Este é um caso de nível três na escala de seus aliados desfrutam dos benefícios da aliança,
GATTORNA & WALTERS (1996), no qual há conforme definido por LYNCH (1993):
alta dependência do comprador e baixa • Sinergias, pela combinação de forças das
dependência do fornecedor. Apesar dos empresas: o produtor vende mais e o varejista
compradores citados serem grandes mercados, a vende mais e/ou melhor. Podem ser idealiza-
empresa vendia para mais de 200 clientes. A dos novos produtos e modos de produção, a
importância relativa de cada um deles era partir desta sintonia fina de coordenação.
pequena, mesmo em se tratando de hipermerca- Assim surgiu no Mercadorama a radicetta,
dos. Este desbalanço refletia não só no alto preço um tipo diferente de radice até então desco-
praticado durante certas épocas do ano, mas nhecido do mercado de Curitiba. A informa-
também na qualidade dos produtos. Muitas vezes ção surgiu numa visita de um executivo do
as verduras da Sato não eram as melhores, mas supermercado a um restaurante de Buenos
devido à sua grande habilidade de logística, Aires, e conseqüente encomenda da produção
acabavam sendo as mais vendidas. a um de seus associados, criando assim um
novo produto no supermercado. Sem o tipo
4. Conclusões de relação de que o Mercadorama tem com os
produtores, seria difícil comercializar a

A formação de alianças ou parcerias é uma


tendência em franca expansão no mercado
global. Motivadas pela crescente concorrência e
verdura no supermercado. É o fluxo de in-
formações funcionando no sistema;
• Maior velocidade nas operações: o supermer-
exigências maiores do mercado consumidor, as cado não tem de comprar no CEASA, a partir
organizações buscam agrupar-se, associar-se ou de cotações e com qualidade instável. O
até mesmo fundir-se, a fim de atender a nova produtor entrega diretamente na central de
realidade. Conseguem com isso ressaltar, focar distribuição reduzindo um problema ao
seus pontos fortes e usufruir dos pontos fortes de supermercado, e eventualmente até equipes
outros, sejam eles concorrentes, fornecedores, (pessoal) anteriormente envolvidas no pro-
clientes, entidades governamentais, universida- cesso de compra;
des e demais formas de organização. O setor • Divisão de riscos: os produtores podem
supermercadista não foge à regra, e o departa- investir no aumento e na qualidade da produ-
mento de FLV também não. Este é um campo ção, pois sabem que conseguirão escoar as
vasto para que as alianças sejam construídas, mercadorias;
criando vantagens competitivas fortes para as • Transferência de tecnologia: um agrônomo é
partes envolvidas, principalmente por ser uma contratado para acompanhar e orientar os
transação de elevados custos potenciais, face às produtores;
especificidades envolvidas. • Impedir que os produtores vendam seus
A rede de supermercados Mercadorama, do produtos para concorrentes. Apesar de não
Paraná, classificada como nível de dependência haver exclusividade de fornecimento, grande
1 na escala adotada, utiliza este expediente de parte da produção total dos aliados fica na
forma clara e produtiva. Sua motivação inicial rede. Os produtos mais elaborados são até
foi a ausência de fornecimento local de FLV, o mesmo exclusivos, o que rende propaganda
que criava dependência do mercado paulista. As para varejista e produtor. Um desses produto-
alianças do Mercadorama cumprem os três res, a Chácara Strapasson, distribui em con-
pontos colocados como pré-requisitos para que junto com o Mercadorama pequenos folders
uma aliança seja efetiva (atingir objetivos indicando que seus produtos são exclusivos
estratégicos, reduzir riscos e aumentar o retorno, do Mercadorama e ressaltando os atributos de
alavancar recursos), portanto o supermercado e “food safety” de sua linha.
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• Aumentar as vendas nos mercados: os coordenador foi um aspecto interessante,


produtores não ficam restritos aos mercados servindo de exemplo para outras empresas e
da região onde atuam, mas podem colocar grupos de produtores neste mercado.
seus produtos em todos os supermercados da A formação de alianças estratégicas surge
rede, aumentando assim suas vendas e a como um substituto para as compras de
presença de sua marca. mercado, ou verticalizadas, criando formas
Outros pontos observados na aliança que a híbridas de relacionamento. É, portanto, algo que
classificam como tal são os seguintes: se verifica em diferentes estágios de implemen-
• Interesse mútuo no futuro do outro; tação. As formas em que a interdependência é
• Orientação estratégica de longo prazo; maior, têm maiores chances de serem mais
• Suporte da alta gerência; perenes. Acredita-se que existe bastante espaço
• Estilos de administração baseados em para este tipo de relação e inclusive para o
coordenação, discussão dos assuntos, sem crescimento de empresas “coordenadoras” de
decisões unilaterais. produtores rurais, quase que “cooperativas
A grande rede de supermercados, nível dois virtuais”, profissionalmente geridas e orientadas
na escala dos autores, tem uma visão diferente para o mercado, sejam privadas ou até mesmo de
da apresentada pelo Mercadorama. Ali os propriedade dos produtores, resolvendo os
produtores são considerados como peças problemas de sazonalidade na oferta e conse-
substituíveis e, portanto, as negociações e qüentemente reduzindo riscos, além de possibili-
decisões são tomadas unilateralmente. Pode tarem redução nos custos de transação, princi-
trazer vantagens de preço, porém não traz as palmente nos custos de negociação, de procura
vantagens citadas do caso 1. por produtos, empresas, conhecimento destas
A terceira empresa analisada, Sato Verduras, empresas, de monitoramento e outros, entregan-
desfruta de uma posição privilegiada entre suas do aos varejistas a solução para o abastecimento
congêneres. Reverter a regra do setor (varejo destes produtos.
coordenando) e colocar o produtor como agente

Referências Bibliográficas

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the Supply Chain. New York, MacMillan, 1996, and Fruit Juice Industry: An Overview for
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MACHADO FILHO; CHADDAD, F.; SPERS E.E. &
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University and Research Centre, Netherlands,
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NEVES, M.F.; MACHADO FILHO, C.A.P &
Agribusiness. Tese de Livre-Docência FEA/USP,
LAZZARINI, S.G.: “Mudanças nos Negócios
237p., 1995.
Agroalimentares”. Revista Preços Agrícolas,
ESALQ/USP, Janeiro de 1999, p.7-12.
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RETAILERS HORTICULTURAL SUPPLY CHAIN STRATEGIES


Abstract

This research analyses three case studies of transactions between horticultural producers and
retailers in their supply management process of horticultural products. The first transaction studied is
what can be called an strategic alliance where both retailers and producers depend highly on each
other, with several advantages for both, mainly related to transaction cost reducing and chain
coordination. The second is a case where the retailer is the coordinator of the transaction, using
mostly the price mechanism to buy horticultural products, and the third is a case where a company of
producers coordinate the transaction. These three cases are discussed under the model of GATTORNA
& WALTERS (1996) for strategic alliances.

Key words: horticultural supply, supply chain management, retailing, horticulture, entrepreneur-
ship.

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