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(P-240)

NA PORTA DO
INFERNO
Autor
H. G. EWERS

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
O ano 2.402 está sob o signo do avanço terrano na direção
de Andrômeda. Ainda não foi inventado nenhum sistema de
propulsão espacial que permitisse aos terranos vencer o abismo
enorme que separa as galáxias, mas Perry Rhodan e seus
companheiros já se encontram na nebulosa Andro-Beta, que é
um posto avançado de Andrômeda. As estações de transmissores
dos misteriosos senhores da galáxia, que são os donos de
Andrômeda, permitiram o arrojado avanço.
Descobriu-se que a operação cabeça-de-ponte era muito
arriscada — como tantas outras coisas que os terranos tinham
feito desde o tempo em que iniciaram seu avanço pelo espaço.
A Crest II, nave-capitania de Perry Rhodan, foi
aprisionada — e por pouco os donos de Andrômeda não
descobriram a identidade dos intrusos — o que sem dúvida teria
acontecido se Atlan não tivesse tomado providências rápidas.
Com a chegada da frota de abastecimento terrana o perigo de
serem descobertos aumentou ainda mais. Mais uma vez Atlan
encontrou a saída: o esconderijo em Arctis, um planeta gelado!
Parece que a situação no interior da nebulosa Beta já
ficou mais calma. Mas será que não é a calma que precede a
tempestade que arrasta tudo na sua fúria destruidora...?
Pelo que se sabe a respeito dos senhores da galáxia, pode-
se concluir que os mesmos preparam uma nova operação para
eliminar de vez os intrusos. Perry Rhodan e seus companheiros
sentem isso, pois encontram-se Na Porta do Inferno...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Aino Uwanok — Um tenente-coronel da USO.
Dr. Hong Kao — O matemático-chefe da nave Crest II, que quer
passar suas férias em Andrômeda.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Mourhik — Chefe da frota dos twonosers.
Grek-1 — Um maahk muito comunicativo, mas que não traz
informações boas.
Dra. Natália Scharzowa — Uma dama muito resoluta.
Tronar e Rakal Woolver — Os sprinters, que operam com ácido
Stog.
Lub — Um robô “incrédulo”.
1

O planeta recebera o nome Arctis, que era bastante apropriado. Tratava-se de um


mundo coberto de gelo, que contornava seu sol numa órbita fortemente elíptica. Durante
onze anos terranos um frio terrível reinava em sua superfície. Nesse período a
temperatura média era de cinqüenta graus centígrados negativos. Somente nos três anos
restantes as temperaturas eram suportáveis. Ficavam em torno de mais dez graus
centígrados.
Em Arctis nunca tinha surgido qualquer forma de vida autônoma, embora sua
atmosfera de oxigênio pudesse ser respirada pelos seres humanos. Não havia mares nem
continentes. Uma camada de gelo de oito a dez quilômetros de espessura cobria a
superfície rochosa quase completamente plana. O pequeno sol vermelho-escuro chamado
Alurin não tinha força para fazer nascer a vida.
Mas apesar de tudo havia vida em Arctis; e vida inteligente.
Fazia quatro dias, tempo terrano, que alguns monstros esféricos feitos de aço tinham
penetrado na atmosfera do mundo gelado. As protuberâncias equatoriais das esferas
expeliam um fogo ofuscante branco-azulado, fazendo empalidecer a luz fraca do pequeno
disco solar. Furacões atravessaram a atmosfera — mas não demorou que o silêncio
voltasse a reinar. Por algum tempo os monstros de aço permaneceram imóveis sobre a
cobertura de gelo, até que foram desaparecendo um após o outro sem deixar o menor
vestígio. E continuaram desaparecidos.
Com exceção de uma esfera gigantesca que tinha voltado mais uma vez para o
espaço e naquele momento estava parada no deserto de gelo.
O sol Alurin espalhava uma luz crepuscular vermelha. Uma brisa suave tangia
cristais de gelo macios sobre a superfície. O Tenente-Coronel Aino Uwanok ficou com os
olhos semicerrados enquanto observava seu hálito congelado. A temperatura era de
menos quarenta e oito graus. Mas isso não importava. Uwanok ligara a calefação de seu
traje climatizado para o mínimo e estava com o capacete aberto. No lugar em que passara
a primeira infância e mais tarde as férias escolares, ou seja, na ilha Nunivak, situada bem
ao norte do Alasca, muitas vezes fazia mais frio, era mais escuro e o ar era mais agitado
que em Arctis.
Aino só piscou os olhos quando uma nuvem de cristais de gelo atingiu
violentamente seu rosto. O vento estava cada vez mais forte. Não era por causa das
condições atmosféricas do planeta, mas da gigantesca esfera de aço que parecia afundar
centímetro após centímetro na camada de gelo.
Na verdade a espaçonave de um quilômetro e meio de diâmetro descia à velocidade
de dez metros por segundo pela galeria que tinha oito quilômetros de profundidade. Seu
tamanho fazia com que a pessoa se enganasse.
O ar comprimido uivava e assobiava ao escapar da galeria, à medida que a nave
esférica descia. Cristais de gelo foram levantados e tangidos pelo vento. Quando o véu se
tornou menos espesso, Aino Uwanok distinguiu alguns caracteres fluorescentes no casco
da nave. Por alguns segundos o nome Imperador parecia uma divisa chamejante. Mas o
poço escavado no gelo acabou engolindo as letras.
Dali a oito minutos o único sinal da presença da nave da USO era um buraco
enorme no gelo.
O ar tremia por cima do buraco.
Aino sabia que os projetores da Imperador tinham começado a ativar o campo
energético em forma de campânula, situado a dois quilômetros de profundidade. O
mesmo serviria para apoiar a massa de gelo que deveria fechar o buraco.
O tenente-coronel entrou em seu planador movido com um campo energético ao ver
um veículo em forma de disco aparecer sobre a abertura da galeria. Prosseguiu nas suas
observações, protegido pela cobertura de plástico transparente.
O veículo em forma de disco subiu a quatrocentos metros de altura e permaneceu
completamente imóvel. Uma luminosidade esverdeada surgiu em algumas saliências
existentes na face inferior. Numa fração de segundo um estranho crepitar se fez ouvir.
Arcos energéticos que emitiam um brilho fraco ergueram-se sobre a galeria. Alguns deles
estendiam-se até o horizonte. Numa questão de segundos um oceano de vapores agitados
se formou embaixo desses arcos.
Aino sabia que o engenheiro pertencente ao corpo de engenharia espacial estava
ligando as telas do veículo em forma de' disco para a captação de impulsos energéticos. A
tarefa deste homem, que continuava no interior de sua cabine, consistia unicamente em
supervisionar a execução do programa altamente especializado dos robôs. Era um
trabalho mental bastante cansativo. As máquinas eram capazes de executar a atividade de
comando, controle e movimentação do ser humano, mas não podiam libertar este de sua
responsabilidade pessoal.
O campo energético do canal transportador girava em sentido anti-horário, cobrindo
uma área imensa antes e depois da linha do horizonte. Massas de gelo pulverizadas foram
arrastadas para perto da entrada do poço. Os raios energéticos transformaram-nas em
vapor. Os campos de compressão impeliam os vapores, que resfriavam muito depressa,
para dentro do poço. Camadas de gelo foram se depositando sobre a cobertura energética.
Desta forma o esconderijo da Imperador acabou coberto por milhões de toneladas de
gelo. Em conformidade com os cálculos técnicos do setor de engenharia, a carga foi
distribuída de maneira uniforme pelas paredes do poço. No fim a cobertura energética se
tornaria dispensável, já que as camadas de gelo possuiriam a necessária resistência à
tração.
Os arcos energéticos apagaram-se cinqüenta minutos depois do momento em que os
trabalhos tinham sido iniciados. O disco ficou suspenso mais cinco minutos sobre a área,
que não se distinguia de qualquer outra área do planeta Arctis — ao menos por fora.
Assim que os primeiros cristais de gelo foram tangidos sobre a cobertura do poço,
completamente aplainada, o disco afastou-se e desapareceu num poço de controle
escondido.
Aino Uwanok ligou o telecomunicador de seu planador ao ouvir o zumbido grave
emitido pelo mesmo. Seu rosto continuou impassível enquanto ouvia as ordens de seu
superior. Mas um brilho energético surgiu em seus olhos negros.
Trinta segundos depois do fim da transmissão o planador saiu na direção norte,
arrastando atrás de si uma faixa cintilante de cristais de gelo.
***
O Dr. Hong Kao foi descendo calmamente pela escada estreita que dava para o
primeiro andar do centro de computação positrônica da nave. Quando chegou ao piso da
sala de comando principal, um homem magro levantou-se da cadeira que estava
ocupando junto à mesa dos mapas e foi ao seu encontro.
Os dois encontraram-se a meio caminho.
— Então...? — perguntou Perry Rhodan em voz baixa.
O rosto do matemático-chefe da Crest II mostrava o sorriso amável que até hoje é
uma das características dos homens de sua raça. Mas não estava com o rosto
descontraído. Este se parecia antes com uma máscara.
— A situação é muito perigosa, senhor!
Rhodan acenou com a cabeça. Estava com o rosto muito sério, mas ao contrário de
Hong Kao não demonstrava nenhuma emoção. Um homem experimentado como ele
costumava deixar os sentimentos de lado quando se encontrava numa situação perigosa.
— Que diz a computação positrônica sobre a frota espacial que acaba de ser
localizada?
O matemático agitou uma chapa de plástico na qual estavam gravados símbolos,
sem olhar para a mesma.
— A probabilidade de a frota de vigilância de Beta ter sido alarmada pelo fogo
energético surgido em Destroy é de noventa e oito por cento, senhor. Se o grupo de naves
continuar na mesma rota, ele deverá chegar ao sistema de Alurin dentro de três horas,
aproximadamente. Existe uma probabilidade de oitenta e sete por cento de que não se
contentarão em examinar o planeta Destroy, senhor.
Perry Rhodan inclinou ligeiramente a cabeça.
— Estou interessado em conhecer o grau de probabilidade da descoberta da Estação
Louvre, Kao.
— Depende do cuidado com que Arctis for examinado pelos twonosers, senhor.
— Muito obrigado, Kao — Rhodan sorriu. — Faça o favor de mandar fazer o
cálculo de probabilidade das esquematizações possíveis e das possibilidades de êxito das
diversas alternativas estratégicas.
Hong Kao retirou-se, mas Rhodan não voltou imediatamente à mesa dos mapas.
Ficou de pé, observando a grande tela panorâmica.
Da mesma forma que os rastreadores, o sistema de imagem ótica externa tinha sido
ligado a antenas especiais. Estas só se levantavam alguns metros acima da superfície, mas
forneciam excelentes imagens óticas e energéticas tanto das adjacências como dos setores
mais afastados.
Perry Rhodan viu o deserto gelado de Arctis projetado na tela panorâmica. Acenou
com a cabeça. Parecia satisfeito. A base da Estação Louvre estava camuflada da melhor
maneira que as circunstâncias permitiam. Havia seis naves cargueiras e cinco
supercouraçados estacionados nos hangares escavados no gelo. As tampas de gelo de dois
quilômetros de espessura eram uma boa proteção não somente contra a visão, mas
também contra o rastreamento. A construção da base ainda não fora concluída. Por
enquanto a mesma não passava de um esconderijo. Cada nave estava guardada num
imenso espaço oco, isolada das demais. Em virtude da aproximação de uma frota, os
tripulantes ocupavam seus postos de combate. Apenas alguns comandos de robôs
trabalhavam na construção de túneis de comunicação e depósitos.
De repente Rhodan lembrou-se dos acontecimentos de Destroy. Teve um calafrio.
Destroy era o primeiro dos dois planetas pertencentes ao sistema Alurin. Já devia ter sido
um mundo de oxigênio tépido e fértil. Mas há quatro dias, quando tinham estado lá, só
encontraram um deserto radioativo. Destroy fora o mundo de origem dos laurins.
Tratava-se de uma raça dotada de faculdades medonhas, que há cerca de trezentos anos
tinha causado grandes problemas aos terranos. Rhodan ficara sabendo de um dos poucos
sobreviventes encontrados num abrigo subterrâneo de Destroy que já naquele tempo os
senhores da galáxia tinham estado atrás de tudo. Tinham enviado os laurins para a frente
de combate e, mais tarde, como nem tudo correu segundo seus desejos, mandaram
exterminar este povo por um comando dos maahks.
Os donos de Andrômeda pareciam ser uma raça implacável e impiedosa.
Rhodan virou-se e voltou lentamente para junto da mesa de mapas. A mesma estava
disposta em círculo em torno da galeria polar que passava pelo centro da sala de
comando. A placa com os mapas gravados só era interrompida no lugar em que ficava a
entrada do poço, protegida por uma escotilha.
Perry Rhodan deixou-se cair na poltrona. Seu vizinho da direita virou os olhos para
ele. E estes olhos avermelhados, por cima dos quais se estendia uma testa alta, fitaram-no
com uma expressão de curiosidade misturada com uma leve ironia.
Rhodan ficou com os olhos semicerrados.
— Você tem razão, Atlan. Enfiamos a mão num ninho de vespas. E o bando foi
espantado.
— Quanto a isso nunca houve nenhuma dúvida, Perry. A frota de vigilância
twonoser já estava em estado de alarme antes que soltássemos o fogo de artifício sobre
Destroy. A esta altura os próprios senhores da galáxia já devem saber que há intrusos
indesejáveis no jardim de sua casa.
Rhodan pigarreou.
— Você está usando expressões muito floridas, meu caro. Será que por acaso pode
apresentar uma boa idéia?
O Lorde-Almirante Atlan sorriu.
— Uma boa idéia...! Perry, o que costuma fazer um homem normal ao notar que
enfiou a mão num ninho de vespas?
— Aperta o ninho.
Atlan sacudiu a cabeça.
— Conheço os provérbios terranos tão bem quanto você, Perry. Mas neste caso o
provérbio do ninho de vespas não se aplica. Se o bando é muito grande, só resta fazer
uma coisa: retirar a mão bem depressa.
— Ou fingir-se de morto. É o que estamos fazendo, Atlan. Por enquanto não sabem
quem somos e de onde viemos. Seria pouco inteligente revelar isto fugindo.
Atlan deu de ombros.
— Você pediu uma idéia, Perry. Eu lhe dei a mesma. Não tenho outra que seja
melhor. A fuga e o ficar quieto, fingindo-se de morto, são as únicas alternativas.
— A fuga não é uma alternativa válida.
— Concordo, Perry. No momento esta alternativa não é aceitável. Mas não devemos
esquecer uma coisa. Se os twonosers nos descobrirem aqui, não haverá mais nenhuma
alternativa.
Perry Rhodan acenou com a cabeça. Sabia que seu amigo tinha razão. A situação
reinante na nebulosa Andro-Beta poderia ser tudo, menos brilhante. Há vários dias as
naves de reconhecimento twonosers atravessavam o espaço. Não descansariam, e seus
chefes, os misteriosos senhores da galáxia, não lhes dariam paz. O único trunfo dos
terranos era o fato de ainda não terem sido identificados. Os senhores da galáxia ainda
não sabiam que seus piores inimigos tinham instalado uma cabeça-de-ponte bem perto de
Andrômeda. Se não descobrissem, as coisas ainda poderiam acabar bem.
Os cálculos realizados pelo matemático-chefe foram entregues quinze minutos
depois da conversa entre Rhodan e Atlan. A alternativa de ficar quieto era a que tinha
maior probabilidade de êxito.
Ninguém desconfiava de que naquele momento os cálculos da computação
positrônica já estavam superados.
***
O Tenente-Coronel Uwanok examinava atentamente o mapa do terreno. Os setores
assinalados em vermelho representavam as áreas perigosas. Correspondiam aos pontos de
interseção dos raios direcionais dos rastreadores da Estação de Louvre.
A rota do planador parecia acompanhar as curvas de um labirinto. Era a única
maneira de evitar a descoberta. O veículo de Uwanok era um modelo especial. Não
possuía armamento nem campo defensivo. A potência do gerador era apenas o suficiente
para manter o planador suspenso junto ao solo. Em compensação o veículo estava
atulhado de instrumentos. Um deles proporcionava uma proteção relativa contra o
rastreamento, isto se fossem evitados os pontos de interseção dos raios dos rastreadores.
Era por isso que percorria uma rota em ziguezague.
As antenas dos rastreadores da Estação Louvre não podiam ser vistas a olho nu.
Dispunham do mesmo sistema de proteção contra o rastreamento que o planador de Aino.
Sem o mapa do terreno, a missão de Uwanok estaria condenada ao fracasso. Mas seu
chefe tinha tomado todas as providências. Certamente tinha acesso aos dados mais
secretos sobre a estação.
Quando Aino deixou para trás a área atingida pelo rastreamento de superfície, sua
testa estava coberta de suor. Soltou um suspiro de alívio e empurrou a alavanca do
acelerador. O planador disparou em linha reta. Cristais de gelo agitavam-se em torno
dele, e um princípio de tempestade sacudia as paredes finas do veículo.
Uwanok acendeu um charuto negro. Pelo menos este prazer ninguém lhe tirava,
embora suas provisões consistissem exclusivamente em pílulas de alimento concentrado e
um tanque de água. Lançou um olhar desconfiado para as caixas de plástico com caveiras
impressas na tampa. Dizia-se que o conteúdo das mesmas suportava os choques. Mas
Aino sabia que não se podia confiar muito neste tipo de garantia.
O planador foi atingido por uma rajada de vento vinda do lado, que o arrancou da
rota. O Tenente-Coronel Uwanok pôs as mãos nos controles. De repente uma fenda larga
apareceu ao lado do veículo. Aino lançou um olhar para dentro da mesma e estremeceu.
Se entrasse nessa fenda, sua missão chegaria ao fim antes que tivesse começado. O
planador foi empurrado implacavelmente para a beira do abismo. Já começava a tombar
para a esquerda, quando uma rajada de vento vinda do outro lado o fez mudar de direção.
O veículo foi erguido abruptamente, girou uma vez em tomo do próprio eixo e prosseguiu
na sua rota como se nada tivesse acontecido.
Aino Uwanok mastigava obstinadamente seu charuto. De repente não achou
nenhum gosto no mesmo. Não era que temesse pela própria vida. Mas compreendeu
perfeitamente que o cumprimento de sua missão dependia em grande parte do acaso. Na
verdade, em Arctis tudo devia ser considerado hostil, motivo por que o verdadeiro perigo
ainda estava pela frente...
***
Perry Rhodan foi acordado pelo som estridente das sereias de alarme.
Fazia uma hora que se tinha recolhido ao camarote para dormir um pouco. O sono
se transformara num artigo de luxo para ele, mas não podia dispensá-lo de vez. Era bem
verdade que há tempo adquirira o costume de deitar sem mudar de roupa. Por isso a única
coisa que teve de fazer foi colocar o cinto com a arma. Estava pronto para sair.
Dirigiu-se às pressas à sala de comando. Estava tudo quieto. A Crest II já tinha
entrado em estado de prontidão de combate. A única diferença era que o zumbido dos
geradores de fusão e conversores de energia se tinha tornado mais fraco. Rhodan concluiu
que a frota de vigilância de Andro-Beta já se encontrava nas imediações do sistema de
Alurin.
Quando chegou à sala de comando, viu esta suposição confirmada.
Os transformadores dos impulsos faziam dos impulsos de rastreamento captados
pelos aparelhos imagens óticas muito nítidas. Viam-se perfeitamente duas espaçonaves
ovais, que penetravam no sistema de Alurin em sistema oblíquo relativamente à posição
da Crest II. Seguiram exatamente na direção de Destroy.
Rhodan dirigiu-se ao Coronel Cart Rudo, comandante de sua nave-capitânia.
— São somente duas naves...!
O rosto do epsalense abriu-se num sorriso largo.
— É claro que não, senhor. Outras naves se aproximam. As duas devem ser a
vanguarda.
Como que para confirmar estas palavras, os rastreadores de massa emitiram um
zumbido. Um grande bando de naves apareceu um milhão de quilômetros atrás das
primeiras duas. Perry Rhodan contou um total de vinte naves ovais. Os twonosers
estavam fazendo um grande esforço para cumprir seu dever. Perry Rhodan imaginava que
seus atos não se inspiravam somente na inteligência, mas também no medo. Os senhores
da galáxia já deviam estar impacientes.
As duas naves que iam na frente já se haviam aproximado a seis milhões de
quilômetros do primeiro planeta. Notava-se perfeitamente que estavam freando. Parecia
que queriam aguardar os reforços.
Enquanto isso os rastreadores de massa instalados na sala de comando da Crest II
não paravam mais. Os grupos de naves ovais dos twonosers foram penetrando no sistema
de Alurin um após o outro. Dali a pouco os grupos foram substituídos por verdadeiras
frotas. Centenas de naves precipitavam-se sobre o pequeno sistema, como se por lá
houvesse uma frota inimiga que tivesse de ser destruída.
— Com essa você não contava, não é mesmo?
Rhodan olhou para Atlan. O arcônida demonstrava uma alegre tranqüilidade, que
nem combinava com seu gênio.
— Não, Atlan. Esquecemos de incluir em nossos cálculos o medo dos twonosers.
Não têm medo de nós, mas de seus chefes. Os senhores da galáxia já começam a
impacientar-se. Querem receber logo a notícia de que fomos destruídos.
— Se não estou muito enganado, esta impaciência não tem razão de ser. Ou você
acha que poderemos escapar aos twonosers por muito tempo?
— Eles examinarão primeiro o planeta Destroy. Afinal, o fogo energético que
detectaram veio de lá.
Atlan abriu a boca para dar uma resposta.
Neste instante um verdadeiro furacão sonoro desabou sobre a sala de comando da
Crest II, tomando impossíveis as comunicações. Era um apito agudo que maltratava os
nervos.
Perry Rhodan levou algum tempo para descobrir a origem do ruído. Correu para
junto do hiper-receptor, passando pelos homens que olhavam em torno, com os rostos
apavorados e desfigurados pela dor. Segurou o botão do volume no mesmo instante em
que o rádio-operador de plantão estava colocando a mão no mesmo. Foi um pouco mais
rápido e girou o botão para a posição zero.
O ruído diminuiu, transformando-se num uivo suportável. Mas logo voltou a
aumentar, e desta vez não adiantou mexer no controle de volume.
Perry Rhodan fechou o capacete de seu traje espacial leve. Viu que os outros
seguiam seu exemplo. Cart Rudo parecia ser o único que não se incomodava com o apitar
cada vez mais forte. Afinal, o coronel era um epsalense e estava acostumado a muita
coisa em matéria de barulho.
Rhodan voltou para junto da mesa dos mapas e Atlan fitou-o com uma expressão de
curiosidade.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Também não sei o que é isso. Mas vamos descobrir. Pegou o microfone do
telecomunicador.
***
Mourhik era exatamente aquilo que na linguagem humana seria designado como um
comandante de frota. Acontece que Mourhik não era um ser humano, embora seu corpo
apresentasse alguns traços humanóides. Mas a cabeça, por si só, evitaria que pudesse ser
confundido com um terrano. Além de ser esférica e possuir um único olho muito grande e
facetado, havia duas trombas compridas tingidas de azul nas saliências existentes na parte
inferior do crânio.
Mourhik mandou que suas espaçonaves se espalhassem segundo um plano
previamente elaborado. Os impulsos energéticos hiperdimensionais tinham vindo do
pequeno sistema do sol vermelho. Não havia a menor dúvida de que isso tinha uma
ligação com os estranhos que apareceram de surpresa. Era bem verdade que, segundo
parecia, os mesmos tinham voltado para Andrômeda. Mas devia ter sido um engano.
A frota de Mourhik cercou o primeiro planeta do sistema. O fato de ser a superfície
contaminada pela radioatividade não perturbou o comandante. Precisava ter certeza
absoluta. Uma vez completado o cerco, as unidades foram avançando, apertando cada vez
mais o cerco da formação esférica de naves.
Mourhik sentia-se eufórico. Se os seres que estava procurando se encontrassem no
planeta, poderiam considerar-se perdidos. Não teriam como escapar ao cerco.
Quando o hiper-receptor despejou o furacão de ruídos, Mourhik não ficou menos
surpreso que o terrano estacionado em Arctis.
No início o twonoser acreditou que se tratasse de uma manobra dos seres que
procurava, destinada a assustar o inimigo. Mas não demorou a compreender que se
enganara. Não conseguiu determinar a origem das ondas de impulsos, mas não havia
dúvida de que não vinham do primeiro nem do segundo planeta do sol vermelho. O
processamento dos dados disponíveis revelou isso sem a menor sombra de dúvida.
Mourhik recuperou-se do espanto assim que notou a hesitação dos comandantes das
unidades pertencentes à sua frota. O grupo já não avançava em formação cerrada em
direção ao planeta. Algumas naves ficaram para trás, enquanto outras saíram da fileira.
Por um breve espaço de tempo esqueceu o novo problema. Chamou seus
comandantes à ordem, usando ameaças e palavras duras. Enquanto isso fez sua nave-
capitânia avançar mais depressa. Desta forma conseguiu reagrupar sua frota.
Finalmente as mil naves estavam cercando o planeta a apenas quarenta mil
quilômetros de altura.
Mourhik deu ordem para que o primeiro grupo pousasse.
Vinte naves de guerra ovais separaram-se do grupo. Entraram em formação
dispersa. Finalmente precipitaram-se sobre o planeta que nem um bando de aves de
rapina. No momento em que concluíram a curva de aproximação e as aletas de popa
apontaram para baixo, aconteceu.
Raios energéticos branco-azulados subiram ao céu, passando entre as naves
twonosers ou descarregando-se nos campos defensivos das mesmas. A formação que
levava o comando de desembarque entrou em desordem.
Mourhik não levou muito tempo para avaliar a força do inimigo. Logo descobriu
que sua frota possuía uma superioridade evidente. Além disso a reação do inimigo era a
melhor prova de que faziam uso puramente defensivo de suas forças. Isso podia ter vários
motivos. Um deles poderia ser que o equipamento de defesa fosse automatizado. Mourhik
resolveu sondar o inimigo.
Deu ordem para que as naves de desembarque voltassem à sua órbita. Em
compensação enviou novos grupos, com pequenos intervalos. Cada um deles enfrentou o
fogo das posições de defesa. As perdas de Mourhik foram de apenas onze naves, que
representaram o preço pago por preciosas informações sobre as características dos
defensores. Suas suposições se viram confirmadas. Realmente se tratava de naves
robotizadas que se mantinham junto à superfície e mudavam constantemente de posição.
Refletiu sobre se deveria destruir o inimigo. Não seria difícil. Mas as ondas
hiperenergéticas vindas do nada, que cresciam cada vez mais, o fizeram hesitar.
Mourhik teve a intuição, antes de concluir por meio do raciocínio lógico, que as
ondas de impulso em forma de furacão representavam um perigo mais grave que as naves
robotizadas estacionadas no planeta. Hesitou. Finalmente deu ordem para que as
tentativas de desembarque fossem suspensas.
Quase mil espaçonaves mantiveram-se inativas, circulando em tomo do planeta
Destroy.
***
Perry Rhodan segurava na mão os resultados da interpretação dos dados fornecidos
pelos rastreadores. Sacudia a cabeça, enquanto folheava as chapas estreitas de plástico.
Finalmente atirou a pilha para Atlan.
O lorde-almirante levantou os olhos com uma expressão de espanto.
— Está zangado, Perry...?
Rhodan deu uma risada triste.
— Leia. Talvez isso o faça perder a vontade de fazer ironia.
Enquanto Atlan examinava as folhas de plástico, Rhodan recostou-se na poltrona e
pôs-se a contemplar a tela panorâmica. Os impulsos dos rastreadores, uma vez
convertidos, foram transmitidos diretamente para a gigantesca tela de imagem.
Via-se perfeitamente o planeta Destroy. O brilho azul-escuro das mortíferas
emanações radioativas parecia envolvê-lo que nem uma manta. Em tomo dele os jatos-
propulsores das naves twonosers acendiam-se constantemente. Os veículos espaciais
ovais tinham cercado Destroy, mas ao que parecia permaneciam indecisos sobre o que
deviam fazer. Há dez minutos ainda houvera ataques ininterruptos ao primeiro planeta.
Parecia que se tratara de ataques simulados, pois os twonosers não tinham usado suas
armas. Gozavam de uma superioridade enorme diante do pequeno número de naves
robotizadas estacionadas em Destroy, mas sempre se desviavam do fogo pouco intenso
das mesmas. De início, este simples fato representara uma grande sensação para os
terranos. As naves robotizadas de Destroy obedeciam às ordens dos senhores da galáxia.
Os twonosers também. Mas ao que parecia as ordens não eram coordenadas. Era a única
explicação da reação hostil das naves robotizadas.
— Que coisa! — disse Atlan, colocando as chapas de plástico sobre a mesa. —
Parecia que a estação de hiper-rádio ficava bem perto...
Rhodan acenou com a cabeça.
— Eu até teria aceito uma aposta, meu caro. As ondas de impulsos são tão fortes
que queimaram os hiper-receptores de duas das nossas naves cargueiras. Sabe lá o que
significa isso?
— Deve ser uma estação mais forte e potente que qualquer estação de hiper-rádio
terrana. Será que os senhores da galáxia...?
— Esta suposição não é confirmada pela interpretação dos dados, Atlan. Ainda não
foi possível determinar o ponto de origem dos impulsos, mas não há dúvida de que o
mesmo não fica fora da nebulosa Andro-Beta.
— Mas temos certeza de que não fica no sistema de Alurin, Perry.
— Parece que os twonosers também não sabem qual é a origem dos impulsos.
Suspenderam os ataques.
— É o que me deixa mais admirado. Será que em Andro-Beta existe algo parecido
com uma terceira potência? Quem sabe se há alguém interessado em enganar os senhores
da galáxia?
Perry Rhodan levantou os ombros.
— Já não sei o que pensar. Estes hiperimpulsos me deixam preocupado. Evitaram
que os trombas azuis se interessassem intensamente pelo sistema de Alurin, mas nem por
isso me sinto mais tranqüilo. Alguma coisa preocupante está acontecendo, Atlan.
— Se você está preocupado, as coisas realmente não devem estar boas! — observou
o lorde-almirante em tom irônico.
Rhodan franziu a testa.
— Pois eu me admiro que desta vez você não dê importância aos acontecimentos.
Você sempre tem sido pessimista.
Lançou um olhar pensativo para a tela. As naves ovais continuavam a circular em
torno do planeta Destroy sem realizar qualquer ação. Até parecia que os hiperimpulsos as
mantinham presas à sua posição. Mas Perry Rhodan não acreditava nesta possibilidade.
Em sua opinião os twonosers estavam fazendo exatamente a mesma coisa que os
terranos. Esperavam.
Quando Icho Tolot entrou na sala de comando, Perry Rhodan levantou os olhos. O
halutense saltou da abertura do poço antigravitacional que nem um monstro pré-histórico.
Foi parar sobre os seis membros de seu corpo, mas logo se levantou. Apoiado em suas
pernas curtas e grossas, até parecia um urso polar do planeta Terra. Aproximou-se da
mesa dos mapas balançando o corpo.
Rhodan sorriu.
— O senhor não deve estar curioso.
Tolot deu uma estrondosa gargalhada. Até se poderia ter a impressão de que um
canhão terrano antiquado acabara de disparar.
— Um certo Finch Eyseman tentou ensinar-me as regras do jogo de xadrez,
senhor...
Rhodan também deu uma risada.
— Não deve ter sido muito divertido para ele. O senhor com seu cérebro
programador...
— Era o que a gente deveria acreditar — Tolot apoiou-se sobre a mesa dos mapas,
usando os braços que ficavam na altura do peito. Recuou às pressas ao ouvir alguns
estalos dos suportes. — Acontece que este jovem me derrotou três vezes antes que eu
descobrisse seu truque.
— Truque...? Ele andou trapaceando? Vou aplicar-lhe uma repreensão.
— Trapaceando! — Icho Tolot fungou de desprezo. — Comigo ninguém trapaceia.
— Ah, sim! Quer dizer que Eyseman descobriu um novo método?
— Isso mesmo! — resmungou Tolot. — Não segue nenhum sistema. Toda vez que
pensei ter descoberto seu sistema, ele me surpreendeu com um lance que não tinha a
menor lógica. Não consegui adaptar-me.
— Hum! — fez Rhodan. — É mais ou menos o procedimento que seguimos nas
ações maiores. Alguém que se encontra em Andro-Beta representa uma charada tanto
para nós como para os twonosers. Será que este alguém também está agindo sem
nenhuma lógica?
— Talvez, senhor. Mas não acho isso muito provável. O senhor sabe que não é isso.
Os terranos sabem detectar bem depressa uma falta de lógica aparente. Só há uma coisa
que eles não conhecem: a lógica sem a menor contemplação. Aliás, esta falha até chega a
ser uma qualidade positiva.
A conversa foi interrompida por um estrondo.
Relâmpagos fulgurantes atravessaram a sala de comando. Perry Rhodan abaixou-se
instintivamente. O cheiro de ozônio e plástico queimado espalhou-se pela sala. O uivo de
uma sereia de alerta se fez ouvir.
Alguém gritou alguma coisa que dizia respeito a rastreadores estruturais.
Perry Rhodan compreendeu. Os fusíveis dos rastreadores estruturais se tinham
queimado. Alguma coisa devia ter afetado a estrutura do conjunto espácio-temporal da
quarta dimensão.
As luzes de controle dos rastreadores estruturais voltaram a acender-se uma após a
outra. Os fusíveis agüentaram.
Mas o rugido ininterrupto dos rastreadores estruturais continuou.
Chegou a superar até mesmo o apito agudo do hiper-receptor.
***
Quando os rastreadores estruturais de todas as unidades de sua frota se queimaram
ao mesmo tempo, Mourhik começou a compreender.
Aquilo que ele esperara no íntimo acabara de acontecer. Ainda não sabia qual tinha
sido a causa do terrível abalo estrutural, mas não tinha a menor dúvida de que um perigo
tremendo se aproximava.
Retirou suas naves das órbitas que estavam percorrendo. A frota entrou em
formação de combate um milhão de quilômetros acima da superfície de Destroy.
Havia um brilho nervoso no olho facetado de Mourhik. Viu as naves ovais se
aproximarem velozmente com os jatos-propulsores chamejantes, entrando na formação
típica em concha. As unidades mais leves ocuparam as bordas da concha. As unidades
pesadas agruparam-se no centro. Mourhik colocou sua nave no centro da curvatura.
Quando a batalha começasse, queria estar na linha de frente.
Os fusíveis dos rastreadores estruturais já tinham sido consertados. E não
queimaram mais. Mas seu ruído apavorante enchia constantemente a sala de comando da
nave-capitânia.
Mourhik pôs-se a esperar.
Por enquanto ninguém sabia de onde viria o perigo. Algumas naves de
reconhecimento ligeiras avançaram até os limites do sistema solar e rastreavam o espaço.
Avisariam assim que o inimigo se aproximasse. Era ao menos o que Mourhik pensava.
Não poderia imaginar que os tripulantes perderiam os nervos quando descobrissem
o monstro. Fugiram até onde puderam.
Desta forma a frota de Mourhik foi apanhada de surpresa pelo monstro.
O próprio Mourhik não foi capaz de impedir a dissolução de seu grupo. Não
conseguiu dizer uma palavra. Não tirava os olhos da coisa que cuspia raios gigantescos,
enquanto se aproximava desenvolvendo metade da velocidade da luz.
Parecia um sol que se transformava em várias figuras enquanto percorria o espaço
ao acaso. Mas logo se viu que não era nada disso. Tratava-se de um objeto em forma de
disco, cujo diâmetro horizontal era de quarenta mil quilômetros. O diâmetro horizontal
chegava a quinze mil quilômetros. Era pouco para um sol.
Mourhik compreendeu que objeto era este que se aproximava de sua frota. Já sabia
tudo. Era o fim. Sentiu-se dominado pela amargura. Não estavam satisfeitos com sua raça
— e não perderam tempo. Enviaram o pavor e a destruição para a mesma.
Mourhik sabia que qualquer resistência seria inútil, mas tentou conduzir sua frota
para a batalha final. Mas a formação já entrara em plena desagregação. Os comandantes
não tomavam conhecimento das ordens que dava. Os grupos foram saindo da confusão e
afastavam-se em alta velocidade.
Mourhik deu ordem para que os oficiais de sua nave comparecessem à sua presença.
Explicou a situação, até onde isso era possível, e pediu a opinião dos mesmos. Em sua
maioria optaram pela fuga. Mas Mourhik mostrou que não tinham nenhuma chance. Só
lhes cabia escolher entre uma morte honrosa e uma morte ignominiosa. Diante disso
concordaram com sua sugestão.
A nave-capitânia começou a movimentar-se. Saiu na direção do monstro que se
aproximava. Até parecia que iria enfrentar sozinha a batalha, mas dali a instantes mais
quatro naves se aproximaram.
Mourhik já se conformara com a idéia de que sua vida tinha chegado ao fim. A
única coisa que sentia era orgulho e satisfação pela impressão que seu comportamento
heróico iria despertar.
Mas o monstro chamejante não tinha nenhuma compreensão por esse tipo de
manifestação emocional. Registrou a presença de um minúsculo corpo estranho e enviou
uma carga pouco intensa ao seu encontro.
2

Finalmente conseguiram reduzir o uivo do hiper-receptor e o rugido dos


rastreadores estruturais a um volume suportável. O zumbido uniforme dos instrumentos e
dos computadores positrônicos voltou a tomar conta da sala de comando da Crest II.
Não havia nada que indicasse que o supercouraçado se encontrava em estado de
rigorosa prontidão. Os oficiais estavam sentados em seus lugares, cuidando do trabalho.
Mas Perry Rhodan sabia que cada tripulante tinha plena consciência do perigo
enorme em que se encontravam.
Há alguns minutos esse perigo estivera representado pelo aparecimento da frota dos
twonosers. Mas naquela altura as mil naves ovais dos vigias de Andro-Beta tinham sido
reduzidas a um nada. Estavam fugindo de um perigo bem maior que elas. Um perigo que
se manifestara pela primeira vez através do rugido dos rastreadores estruturais.
Fazia exatamente quatorze segundos que a ameaça tinha mostrado suas verdadeiras
feições.
O moby era o maior exemplar de sua espécie que já tinham descoberto. Possuía a
forma de um queijo redondo. Tinha quatorze mil quilômetros de diâmetro e quinze mil de
altura. Penetrou no sistema do sol Alurin, desenvolvendo metade da velocidade da luz.
O aparecimento do moby por si só não seria muito alarmante. Já sabiam muita coisa
a respeito desses seres energéticos. Em sua maioria já tinham morrido. Alguns vagavam
pelo espaço, semimortos. Mas o tamanho de nenhum deles podia ser comparado ao
exemplar que acabara de aparecer. E nenhum deles se parecia, como este, com um
inferno chamejante. A luz produzida pela explosão de um planeta não passava de uma
chama de vela em comparação com o gigantesco fogo de artifício que o moby estava
oferecendo.
Perry Rhodan estava de pé ao lado do matemático-chefe. Hong Kao alimentou o
centro de computação positrônica com os dados disponíveis. Como de costume, seu rosto
amarelo exibia um sorriso amável. Mas Rhodan não deixou que isso o enganasse. Havia
alguns detalhes insignificantes que provavam que o matemático estava muito nervoso.
Imaginou que Hong Kao estava pensando a mesma coisa que ele. Mas preferiu não
manifestar sua opinião. Fazia questão de não influenciar o resultado da interpretação.
— Pronto! — disse Hong Kao, virando o rosto para Rhodan. — Agora só nos resta
esperar.
Um sorriso triste apareceu no rosto do Administrador-Geral.
— Quem dera que eu lhe pudesse dar um pouco mais de descanso, Kao. Quando
tirou férias pela última vez?
— O senhor está brincando! — respondeu o matemático, perplexo, mas acabou
dando uma risada áspera. — Férias? Preciso consultar um dicionário para saber o que
significa isso.
— Providenciarei para que embarque na primeira nave que partir com destino ao
nosso mundo. Já faz jus a um descanso.
Hong Kao parecia respirar com dificuldade. Seu sorriso desapareceu de repente.
— Não está satisfeito comigo, senhor...?
— Estou, sim, meu caro Kao. Nem poderia desejar um matemático-chefe melhor
que o senhor.
Hong Kao voltou a sorrir. Desta vez não era o sorriso formal e rotineiro. Foi um
sorriso vindo do fundo do coração.
— Aceito as férias que o senhor está oferecendo. Mas há uma condição...
— Desde já concordo com a condição.
— Quero passar minhas férias no planeta central dos senhores da galáxia.
Perry Rhodan engoliu em seco. Parecia muito espantado. Mas logo fez um
movimento impulsivo para a frente e apertou a mão do matemático-chefe com tanta força
que o mesmo dobrou ligeiramente os joelhos.
— Muito obrigado, Kao. Muito obrigado mesmo pela confiança que está
demonstrando. Prometo que farei tudo para que possa gozar quanto antes as férias que
deseja.
Hong Kao esfregou a mão e sorriu. De repente Rhodan percebeu que o matemático
estava olhando para alguma coisa que se encontrava atrás dele.
Virou a cabeça.
Viu Icho Tolot.
— O maahk quer falar com o senhor.
Perry Rhodan acenou com a cabeça e despediu-se de Hong Kao. Só havia um
maahk a bordo da Crest II. Era Grek-1, antigo oficial da Segurança dos metanitas e um
dos estrategistas mais geniais de sua raça. Se Grek-1 queria falar com ele, devia haver um
assunto muito importante.
Para muitos homens ainda se tomava difícil ver no colosso de braços tentaculares,
com cabeça de foice e quatro olhos na borda superior da mesma, um aliado.
Mas com Perry Rhodan isso não acontecia.
Já se familiarizara com a mentalidade e o pensamento estritamente lógico do
maahk. Grek-1 só podia agir da forma que estava fazendo há algum tempo.
Atlan já estava à espera de Perry Rhodan e Icho Tolot junto à parede de vidro da
cabine de Grek. Da mesma forma que todos os indivíduos de sua raça, o maahk respirava
uma mistura de metano. Dessa forma a permanência dos seres humanos em sua cabine se
tomava impossível, a não ser que usassem traje espacial. Mas tinham encontrado uma
solução melhor. No luxuoso apartamento de Grek havia uma cabine de comunicação. A
parede maior da mesma era de vidro blindado. Essa parede separava o apartamento da
sala dos visitantes. Uma série de microfones e alto-falantes, além de uma tradutora de alta
potência, garantiam uma excelente comunicação.
Depois dos cumprimentos, todos sentaram. Os humanos em poltronas confortáveis,
e o maahk numa espécie de concha muito resistente. Icho Tolot foi o único que ficou de
pé. O halutense precisaria de uma poltrona especial de aço terconite. Era claro que não se
podia colocar uma peça como esta em todos os recintos da nave. Além disso Tolot não se
importava em ficar de pé durante algumas horas, completamente imóvel.
Perry Rhodan sabia que os aposentos de Grek estavam ligados com as telas de
imagem da nave. O maahk podia acompanhar os acontecimentos do lado de fora da Crest
II quase tão bem como o comandante na sala de comando. Logo, estava informado sobre
o aparecimento do moby. Sabia-se de antemão qual era o assunto que pretendia abordar.
— Então! — disse Rhodan, depois de olhar por algum tempo para Grek-1. — Que
acha?
— Já contava com uma providência desse tipo, senhor — disse o maahk. — Mas
não podia saber que os senhores da galáxia tinham um trunfo tão bom.
Ficou calado por algum tempo. Seus tentáculos vigorosos tremiam nervosamente. E
um ser como Grek-1 não ficava nervoso por pouca coisa.
— É o começo do fim, senhor — disse de repente, com uma tremenda indiferença
na voz.
O corpo de Rhodan entesou-se. Fitou o maahk como quem quer perguntar alguma
coisa. Mas aquilo que poderia ser considerado o rosto de Grek-1 não revelava
absolutamente nada.
— Não é o que o senhor talvez esteja acreditando — prosseguiu o maahk. — Em
minha opinião os senhores da galáxia não sabem quem penetrou em Andro-Beta. Mas
basta que não possam interpretar os acontecimentos. Peço-lhe que reflita sobre o que
aconteceu, senhor.
“Algumas espaçonaves não identificadas entram na nebulosa anã. Criam desordens
e provocam o conflito entre os seres incumbidos da vigilância do triângulo de Beta. Por
algum tempo tem-se a impressão de que os desconhecidos foram embora. Diante das
circunstâncias, a manobra desviacionista do Lorde-Almirante Atlan foi genial. Mas de
repente os rastreadores acusam a presença do fogo energético nas proximidades de
Destroy. Qual é a conclusão que se haveria de tomar diante disso? Só poderiam ser
levados a acreditar que já não podiam confiar nos twonosers. Falharam em seu trabalho
de vigias — ou passaram a trabalhar contra seus senhores.
“Para os senhores da galáxia isso basta, senhor. Nunca estiveram dispostos a
assumir qualquer risco. Qualquer coisa que não possa ser prontamente compreendida é
destruída.”
— Ah! — havia um certo triunfo na voz de Rhodan. — Quer dizer que estes
cavalheiros estão perdendo o controle dos nervos. Para nós isso é bom.
— Aí o senhor está enganado! — respondeu Grek com a voz fria. — Está muito
enganado. Este tipo de comportamento faz parte do repertório dos donos de Andrômeda.
Nunca agiram de outra forma, quer tivessem, quer não tivessem razão. Nunca colocam
uma pulga no seu pêlo, conforme diriam os terranos. A situação reinante em Andro-Beta
é confusa; portanto, os vigias têm de ser destruídos. Trata-se de uma expedição punitiva
igual a qualquer outra. Acontece que a mesma representa o fim não somente para os
twonosers, mas também para nós. Pelo que estou informado, nenhum planeta, por
pequeno e abandonado que seja, escapará à destruição em Andro-Beta.
— Um momento, Grek-1! — Atlan levantou a mão. Estava muito pálido, mas seu
rosto parecia resoluto. — Um único moby não seria capaz de devastar uma nebulosa anã,
mesmo que se pareça com um sol em dissolução.
— O senhor não deixa de ter razão, lorde-almirante. Acontece que não conhece os
senhores da galáxia tão bem quanto eu. Sei que eles nunca fazem nada pela metade. Tudo
que estou dizendo tem base lógica. Ainda não estou em condições de apresentar as
provas, mas tenho certeza de que minha conclusão é correta.
“Estamos vendo somente um moby em ação. Mas neste momento os outros
certamente estão fazendo a mesma coisa. Transformaram-se em monstros que atravessam
Andro-Beta cuspindo fogo e destruindo tudo que se atravessa no seu caminho.”
— Que coisa horrível! — exclamou Rhodan, nervoso. — Se o que o senhor está
dizendo é verdade, Grek-1, e acredito que seja, os senhores da galáxia são os governantes
mais cruéis e inescrupulosos que já existiram.
Icho Tolot pigarreou. Parecia antes a esteira de um tanque passando em terreno
rochoso.
— Devemos encarar o assunto do ponto de vista psicológico, senhor. Aprendi
alguma coisa com as palavras de Grek e cheguei à conclusão de que em todo o Universo
não existem outros seres tão preocupados com seu bem-estar como os donos de
Andrômeda. O ataque fulminante do moby não representa uma manifestação de intenções
malévolas. Para mim trata-se de uma medida de defesa exagerada. Compreende o que
quero dizer?
— Começo a compreender — disse Rhodan. Seu corpo parecia sacudido pela febre.
Manchas vermelhas apareceram em seu rosto. Rhodan, que costumava ser um exemplo
de autocontrole, parecia completamente perplexo.
Fez um grande esforço para controlar-se. Somente seus olhos demonstravam as
emoções que se agitavam em seu interior.
— Só mesmo um instinto de autoconservação superexcitado que chega às raias do
pânico pode gerar um comportamento abjeto como este. Que seres são estes que nem
mesmo com um poder incrível conseguem sentir-se seguros? Por que têm de extinguir
raças inteiras para satisfazer sua necessidade exagerada de segurança?
— Não sei, senhor — confessou Grek-1. — Só sei que o senhor nunca esteve numa
situação tão desesperadora. Se minhas conclusões são corretas, não terá como escapar do
inferno de Andro-Beta.
Perry Rhodan levantou. Já recuperara o autocontrole. Até conseguiu esboçar um
sorriso.
— Grek-1 — disse com uma perigosa calma. — O senhor já nos subestimou. Hoje é
a vez dos senhores da galáxia. Eles pronunciaram sua própria sentença de morte ao enviar
a expedição punitiva dos mobys. No Universo não há lugar para assassinos em massa!
***
O laboratório do biólogo-chefe da Crest II se parecia antes com o centro de
comando positrônico de uma unidade industrial. Uma das paredes estava coberta por
escalas de temperatura, diagramas de controle para a criação de condições ambientais
artificiais e telas de imagem. Os comandos automáticos emitiam um zumbido leve.
A Dra. Natália Scharzowa levantou quando Perry Rhodan entrou. Alisou o jaleco
branco e sacudiu fortemente a cabeça, para tirar a cabeleira negra do rosto.
Rhodan olhou para os lados, sorrindo.
— Está gostando daqui, madame?
A voz de Natália era grave, demonstrando uma grande força de vontade. No
momento havia uma ligeira ironia na mesma.
— Estou, senhor. Mas o senhor não deve ter vindo para fazer esta pergunta...
Perry Rhodan deu uma risada e apertou a mão de Natália.
— A senhora logo viu. Realmente não vim por isso. Se não me engano, a senhora
realizou há algum tempo um estudo sobre a psicologia dos mobys.
— O senhor não se engana. Mas vamos ao assunto.
A bióloga-chefe ligou o fichário robotizado e selecionou o número de registro
correspondente ao estudo sobre o moby. Depois ligou um projetor. O corte longitudinal
de um modelo do moby apareceu na tela. Natália Scharzowa apoiou as mãos nos quadris
e voltou a olhar para o Administrador-Geral.
— Os mobys são seres vivos anorgânicos cujo corpo tem uma estrutura cristalina.
Alimentam-se com energia pura e não precisam de ar para respirar.
Perry Rhodan pigarreou e mostrou um sorriso embaraçado ao ver que a bióloga o
fitava demoradamente, com uma expressão recriminadora.
— Perdão, minha senhora. Isso eu já sabia. Estou interessado em...
— Faça o favor de não me interromper, senhor. Sei no que está interessado. Quer
saber por que o moby detectado há dez minutos vive atirando energia para todos os lados.
Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça.
— Pois então! — a bióloga pigarreou como se quisesse dizer mais alguma coisa. —
Eu já ia falar nisso. Como o moby se alimenta de energia pura, também deve estar em
condições de segregar energia pura. Depois que o monstro apareceu, não fiquei parada.
Por isso posso contar-lhe mais alguma coisa. O moby é capaz de transformar qualquer
forma de energia em qualquer outra forma. Cheguei à conclusão de que não tem nenhuma
dificuldade em expelir raios de energia fortemente concentrados. Teoricamente até deve
estar em condições de transformar energia em matéria e expelir a mesma nesse estado.
Está satisfeito com as informações, senhor?
— Perfeitamente, madame. Vejo que adaptou seu trabalho prontamente às
necessidades presentes.
— Sempre faço isso, senhor. Mais alguma coisa?
Perry Rhodan suspirou. Uma mulher resoluta como Natália Scharzowa podia deixar
qualquer homem confuso. Se não fosse tão competente ele lhe teria dito algumas coisas
nada lisonjeiras, mas...
— Tenho mais uma pergunta, madame. Gostaria de saber se existe a possibilidade
teórica de um moby que morreu voltar à atividade.
A bióloga-chefe olhou para Rhodan como se ele fosse um fantasma. Parecia que a
pergunta a deixara perplexa. Pôs a mão para trás, num gesto distraído, tirou uma bala de
um pote de plástico colorido e enfiou-a na boca.
Perry Rhodan fez como se não tivesse notado.
— Então, madame? — disse, esticando as palavras. — Nunca refletiu sobre o que
pode significar o aparecimento de um único moby em atividade?
— Nunca, senhor! — de repente empalideceu. — Ah, já compreendi! Não devemos
pensar que o inimigo seja tolo. E exatamente isso ele seria se ativasse um único moby.
Hum! A idéia que o senhor acaba de manifestar não é nada má. Os mobys são seres
cristalinos. Têm certa semelhança com os vírus conhecidos. Estes também podem
permanecer por muito tempo em estado de completa imobilidade. Quando encontram um
ambiente favorável, voltam a despertar para a vida.
— Foi o que pensei, madame.
De tão nervosa que estava, Natália Scharzowa engoliu o bombom sem mastigar.
Ficou com o rosto muito vermelho. Quando a tosse passou, disse fungando:
— Neste caso os mobys em estado de imobilidade nem estariam mortos de verdade,
senhor... — interrompeu-se. Parecia perplexa com o súbito reconhecimento da situação.
— Acho que seria conveniente dar o alarme. Se todos os mobys de Andro-Beta
despertarem para a vida, só podemos pedir que Deus tenha pena de nós.
Perry Rhodan concordou. Estava com o rosto muito sério.
— Seguirei seu conselho, madame. Por favor, continue a pensar no problema. Se
tiver uma boa idéia, entre em contato comigo.
Suspirou e acrescentou:
— Se quisermos escapar desta vez, precisaremos de boas idéias.
***
O moby continuava a penetrar em alta velocidade no sistema. Parecia uma bola de
fogo. Aparecia nitidamente na tela panorâmica. Os rastreadores estruturais registravam
constantemente as frentes de pressão de energia da quinta dimensão.
— Um dia qualquer moby, por maior que seja, vai gastar sua energia! — disse
Atlan em tom obstinado.
Perry Rhodan não respondeu. Há dez minutos pensara a mesma coisa. No momento
limitava-se a observar. Tinha certeza de que ignoravam muita coisa a respeito do
monstro. Depois das investigações realizadas há cerca de dois meses já não havia dúvida
de que a inteligência dos mobys era muito reduzida. No fundo esses seres não eram mais
inteligentes que os tubarões. Segundo os psicólogos, tratava-se de uma forma de
inteligência instintiva. O problema de Rhodan consistia em saber como um ser não
dotado de razão podia ser levado a praticar uma série de atos uniformemente
direcionados.
Um grito de Atlan interrompeu seus pensamentos. O arcônida levantou-se e apontou
para o monstro chamejante.
O mesmo tinha mudado de rota. Descrevera uma curva de quase cento e oitenta
graus. A força da inércia provocada pela manobra devia ser terrível.
— Segue em direção ao sol! — cochichou Atlan. Rhodan acenou com a cabeça.
— Os mobys vivem de energia. Se resolvem desperdiçar a mesma, precisam de um
reabastecimento abundante. E não há lugar melhor para isso que os setores adjacentes a
um sol.
Rhodan continuou a observar atentamente. O moby reduziu a velocidade. Rhodan
fez alguns cálculos rápidos com seu computador de mesa. O resultado deixou-o
estupefato Se o monstro não freasse com mais força, cairia no sol. Pingos de suor
apareceram em sua testa. Será que o moby fora incumbido de transformar o sol numa
nova? Sacudiu a cabeça. Em comparação com o sol até mesmo um corpo de tamanho do
moby era apenas uma partícula de pó. Mesmo que se tratasse de um sol pequeno como
Alurin.
Era bem verdade que a estrutura especial do monstro era um dado que não podia ser
desprezado.
Perry Rhodan deu ordem para preparar todas as unidades estacionadas na base para
a decolagem de emergência. Se o sol Alurin explodisse, a sobrevivência dos homens
dependeria de uma fração de segundo.
Mas Rhodan logo respirou aliviado.
O moby reduziu abruptamente a velocidade, que passou a ser a estritamente
necessária para transportá-lo até a coroa interior. Quando chegou lá, parou de repente.
Começou a abastecer-se.
O sol vermelho chamado Alurin inchou. Rhodan teve um calafrio ao lembrar-se do
aquecimento que a coroa estava sofrendo. A coroa de qualquer sol consiste
principalmente de matéria plasmática, átomos fortemente ionizados e elétrons livres. A
ionização de dez ou quinze vezes dos átomos do cálcio, níquel e ferro produz
temperaturas duzentas vezes superiores à temperatura reinante na superfície do sol. Se o
moby estimulasse processos de fusão no interior do sol — e era evidente de que estava
fazendo isso — tanto a densidade como a temperatura do plasma da coroa solar iria sofrer
um aumento. Parecia incrível que um ser vivo agüentasse isso e, mais que isso, precisasse
de tal processo.
O rastreamento energético mostrou que energias tremendas estavam saindo do sol.
Logo se viu para onde ia toda essa energia. O moby mudou de cor, transformando-se num
disco vermelho incandescente. Por alguns segundos assumiu uma cor parecida com a do
sol, mal se destacando contra o mesmo. Mas logo entrou numa incandescência branda.
Assim mesmo o sol continuava a liberar quantidades enormes de energia. Aos poucos o
moby foi assumindo uma coloração ultra clara.
— Está sugando energia até arrebentar — comentou Icho Tolot.
Atlan deu uma risada áspera.
— Tomara que arrebente logo.
Parece que Atlan não foi o único que pensou assim. Dali a um instante o monstro
voltou a desprender-se da coroa solar. Um suspiro saído de muitas bocas veio da sala de
comando. Nem mesmo Perry Rhodan parecia capaz de controlar o pânico que começara a
tomar conta dos homens. Afinal, uma carga de energia altamente condensada começou a
correr pelo espaço.
E o planeta Arctis ficava na trajetória do monstro...
***
Fazia seis horas que o Tenente-Coronel Uwanok tinha partido da Estação Louvre.
Nos últimos dois mil quilômetros não tinha acontecido nada. Não apareceram
fendas no gelo nem tempestades que pudessem pôr em perigo o planador. Satisfeito,
Uwanok olhou para o relógio. Conseguira manter o cronograma praticamente com a
precisão de um minuto. Usou uma bússola especial para procurar o ponto da superfície do
planeta que correspondia ao pólo norte magnético. Depois fez o planador pousar
suavemente no gelo.
Observou uma forte luminosidade no céu. Fazia três horas que a bola de fogo
vermelha tinha aparecido. Cresceu e aproximava-se cada vez mais do sol. Naquele
momento estava penetrando na coroa solar. Ao que parecia, pretendia sugar energia.
O tenente-coronel não se sentia nem um pouco preocupado. Seu superior tivera
bons motivos para escolhê-lo para a tarefa. Aino Uwanok pertencia à classe dos homens
que não faziam muitas perguntas. Limitavam-se a cumprir a tarefa que lhes era confiada.
O fenômeno que aparecera nos céus de Arctis não impediria Aino de cumprir sua missão.
Logo, não incluiu o mesmo em suas reflexões.
Uwanok voltou a olhar para o relógio e ativou o campo térmico. Uma auréola
azulada de ar tremeluzente se formou em torno do planador. Os cristais de gelo se
evaporavam assim que entravam em contato com a mesma.
O veículo foi descendo lentamente. O campo térmico abria caminho, fundindo a
camada de gelo, mas não chegava a evaporar a água. Quando Aino desligasse o campo
térmico, a água congelaria prontamente.
Mas ainda haveria tempo para isso.
Aino Uwanok saiu da poltrona e espreguiçou-se. Abriu a primeira caixa de plástico.
Contemplou com uma expressão pensativa os projéteis cilíndricos alongados, de proa
pontuda, com aletas estabilizadoras afiadas que nem facas na popa. Levantou um dos
projéteis e tentou avaliar seu peso. Acenou com a cabeça. Parecia satisfeito. O objeto
pesava cerca de vinte quilos. Não era muito, se aquilo que lhe haviam contado sobre o
alcance do mesmo era certo.
O tenente-coronel abriu um minúsculo fecho magnético. Dois botões e uma luz de
controle apagada apareceram à sua frente. Aino apertou o botão amarelo. A luz verde dos
controles acendeu-se. Ficou satisfeito e voltou a fechar o projétil. Ficou na ponta dos pés
e passou a apalpar o teto do planador. No mesmo instante escureceu. Só havia uma luz de
emergência muito fraca acesa. Só agora se viu que a transparência da cobertura do
planador não passava de uma ilusão ótica, provocada por uma excelente técnica de telas
de imagem. Na verdade o teto do planador era uma estrutura de aço terconite em forma
de favos com inúmeros tubos cilíndricos embutidos na mesma.
Aino Uwanok enfiou cuidadosamente o primeiro projétil em um dos tubos. Fez
recuar a mão quando ouviu o clique dos suportes magnéticos que entravam na posição de
repouso. O projétil estava bem seguro. Uma cobertura blindada fechou a abertura do
tubo.
O tenente-coronel fez a mesma coisa com os outros projéteis. Levou meia hora para
concluir o trabalho. Enxugou o suor da testa. Olhou para os instrumentos e viu que o
planador se imobilizara. Estava estacionado a cinqüenta metros de profundidade, sobre
cerca de sete quilômetros de gelo. O campo térmico fora automaticamente desativado. A
água que cobria o veículo voltara a congelar.
Tudo parecia estar em perfeita ordem.
Aino voltou a sentar. Perguntou-se por que não estava nervoso. Não poderia haver
desastre pior que se ele recebesse ordem de entrar em ação. Mas Aino Uwanok não sabia
o que era ter medo por si e pelos outros.
Só ficou a impressão de que alguma coisa não estava em ordem.
***
Por alguns segundos apavorantes parecia que a base da Estação Louvre teria de ser
abandonada.
O moby que brilhava numa incandescência vermelha aproximou-se rapidamente.
Perry Rhodan sentiu os olhares dos oficiais pousados nele. Poucas vezes sentira tão
pesadamente a carga da responsabilidade. Mas não perdeu os nervos.
A decolagem de emergência não chegou a ser realizada.
O que decidiu a questão foi a situação astronômica. Os dois planetas do sol Alurin
estavam em conjunção. Destroy encontrava-se quase exatamente sobre a linha imaginária
que unia Arctis ao seu sol. Não se podia ter certeza de que o moby se dirigiria em
primeiro lugar ao planeta mais próximo, mas o grau de probabilidade de que isso
acontecesse era muito elevado.
Realmente, os visores das miras automáticas constataram, logo após a decisão de
Rhodan, um insignificante desvio na rota do monstro. Já não havia dúvida de que
escolhera o planeta Destroy.
Todos respiraram aliviados.
Atlan estava com os olhos úmidos. Uma das características dos arcônidas era que o
nervosismo fazia com que seus olhos se enchessem de lágrimas. Os seres humanos
transpiravam nessa situação.
— O que pretende fazer, Perry? — perguntou Atlan.
Sua voz ainda revelava o medo dos últimos segundos.
Rhodan colocou os cotovelos sobre a mesa e apoiou a cabeça nas mãos. Seu rosto
parecia flácido. Havia sombras profundas embaixo dos olhos, e a testa estava enrugada.
— O que acha que podemos fazer numa situação como esta, amigo?
O arcônida deu de ombros.
Rhodan sorriu. Os traços de seu rosto tomaram-se um pouco mais firmes.
— Você não sabe. E eu também não. Acho preferível permanecermos inativos por
enquanto. Nunca tivemos uma oportunidade tão boa de ver um moby a plena carga em
ação.
— Quem me dera que eu tivesse sua calma, Perry.
Rhodan levantou.
— Quem dera que eu estivesse calmo, Atlan. Quer ir comigo ao centro de
computação? Quero saber se Kao descobriu alguma coisa.
Não esperou para ver se o amigo o acompanhava. Saiu caminhando com as pernas
duras em direção à estrutura de vários metros de altura que formava o centro de
computação positrônica. Atlan seguiu-o praguejando baixinho.
Foram encontrar o Dr. Hong Kao no recinto interno do gigantesco centro de
computação. O zumbido, os chiados e os atritos da máquina e de seus componentes
pareciam investir sobre eles que nem uma onda do mar. Diagramas coloridos e esquemas
de comando deslizavam em uma dezena de pequenas telas. Lâmpadas se acendiam e
voltaram a apagar-se. Até parecia que a máquina tinha vida.
Perry Rhodan piscou, confuso, quando o alto-falante se fez ouvir perto de sua
cabeça. A voz mecânica ia recitando algarismos e letras sem qualquer sentido aparente.
Outra voz respondia. Era a voz do matemático-chefe. Usava o mesmo código misterioso.
Dali a pouco as luzes começaram a piscar mais depressa. Desenhos confusos e linhas
entrelaçadas em três dimensões apareceram nas telas. Os ruídos e as impressões óticas
cessaram de repente. Teclas de perfuração batiam num ritmo surdo. Uma larga fita com
símbolos gravados foi expelida abruptamente do setor de saída.
Hong Kao estendeu a mão delicada para a mesma e arrancou-a assim que as batidas
cessaram. Só depois disso virou o rosto para os visitantes. Seu rosto amarelo não sorria
como de costume. Estava desfigurado pela tensão mental e brilhava com a transpiração.
Os cabelos, geralmente bem penteados, pendiam-lhe na testa, todos desgrenhados.
— Não é fácil comunicar-se diretamente com uma máquina — disse, falando
devagar.
Parecia que cada palavra exigia um cansaço tremendo.
Perry Rhodan percebeu que o matemático acabara de violar uma regra importante.
Um homem que tentasse adaptar-se à capacidade lógica de uma máquina poderia ter sua
mente afetada. Mas Rhodan preferiu não repreendê-lo por isso. Se Hong Kao tinha
desrespeitado a mais elementar das normas, devia haver motivos importantes para isso.
— Mas já sabemos mais alguma coisa — prosseguiu o matemático.
Tentou sorrir, mas os músculos do rosto não lhe obedeciam mais. Seus lábios
crisparam-se.
Perry Rhodan virou a cabeça. Uma expressão de agradecimento surgiu em seus
olhos quando notou que Atlan tivera a mesma idéia. Mas o arcônida fora mais rápido que
ele. Já estava voltando com um medo-robô. Parecia que já tinha fornecido o diagnóstico
ao robô. A máquina de aparência delicada desnudou com um movimento resoluto o
antebraço de Kao e encostou a pistola-seringa ao mesmo. Ouviu-se um chiado fraco.
Hong Kao suspirou. Seus lábios tremeram, mas logo se descontraíram. Os olhos
recuperaram seu brilho normal.
— Muito obrigado, senhor! — disse, inclinando a cabeça na direção de Atlan.
O medo-robô já tinha desaparecido.
— Nunca mais faça isso, Kao! — disse Rhodan, nervoso. — Não quero perder um
colaborador com as suas qualidades — o matemático quis esboçar uma desculpa, mas
Rhodan interrompeu-o com um gesto. — Deixe para lá. Sei que teve seu motivo para agir
assim. O que descobriu?
Hong Kao sorriu e lançou um olhar para a folha gravada com símbolos que
segurava na mão.
— Há quarenta e nove por cento de probabilidade de que o moby está sendo
teleguiado, senhor.
Atlan, que se encontrava atrás de Rhodan, soltou uma expressão de espanto. Perry
Rhodan também demonstrava surpresa. Parecia que ninguém se lembrara dessa
possibilidade — exceto Kao.
— Comecei a desconfiar quando vi o monstro seguir tão resolutamente na direção
do sol Alurin — explicou o matemático. — Sabemos que os mobys são guiados
exclusivamente pelo instinto. Se fossem deixados por sua conta, sempre agiriam segundo
suas necessidades imediatas. Não teriam necessidade de dirigir-se para bem perto de um
sol para absorver energia. Isso poderia ser resolvido de passagem. E há outra coisa. Antes
da chegada do moby, os hiper-receptores detectaram verdadeiros furacões de ondas de
impulsos em base hiperdimensional. Estas ondas têm um conteúdo energético elevado
demais para as transmissões normais. Pedi um diagrama de intensidade de transmissão. O
mesmo revela sem sombra de dúvida que o alcance dos impulsos de forma alguma
corresponde à sua intensidade.
Não devem ultrapassar os limites de Andro-Beta. Portanto, a potência
extremamente elevada deve ter outra causa.
“A computação positrônica chegou à conclusão de que existe uma probabilidade de
oitenta e nove por cento de que os impulsos serviram para ativar os mobys imobilizados.
Os monstros aparentemente mortos despertaram para uma atividade intensa,
reabasteceram-se no sol mais próximo e seguiram em direção aos objetivos previamente
determinados. Seus instintos motores são estimulados e guiados pelos hiperimpulsos que
agem ininterruptamente.”
— Pode parecer fantástico, mas parece lógico — disse Atlan depois de algum
tempo.
Perry Rhodan acenou com a cabeça. Parecia pensativo. Mais uma vez teve de
lembrar-se dos misteriosos desconhecidos que costumavam ser chamados de senhores da
galáxia. Sem dúvida tinham um poder tremendo e gozavam de uma enorme superioridade
técnica diante dos seres humanos. Mas por que não usavam esse poder de forma
coerente? Por que golpeavam com tamanha força — que nem alguém que queima uma
selva — para matar alguns rebeldes escondidos na mesma?
Será que isso não era um sinal de fraqueza?
— Quem age assim está sendo acusado pela consciência — cochichou Atlan. — E
está sendo muito acusado.
— O senhor não pode permitir que isso aconteça! — disse Hong Kao em tom de
súplica. — Quantas raças inteligentes ainda terão de parecer até que alguém ponha um
fim às atividades infames dos senhores da galáxia?
Rhodan deu uma risada triste.
— Se soubéssemos onde fica a gigantesca estação de hiper-rádio, talvez poderíamos
fazer alguma coisa. Acontece que não sabemos. E nem podemos sair para procurá-la,
pelo menos por enquanto. De qualquer maneira o senhor nos ajudou muito, Kao. Sua
interpretação sem dúvida nos fornecerá novas indicações.
— Vou fazer uma análise dos fatos...
— Não vai, não! — interrompeu Rhodan com um sorriso. — Vai procurar
imediatamente o doutor Artur e pedir que o mesmo lhe aplique uma injeção de
sonoterapia. Isto é uma ordem, Kao!
— Mas...
— Nem mas nem porém! — Perry Rhodan fez um gesto enérgico. — Tudo isso não
adiantará nada se o senhor entregar os pontos. Ainda precisaremos do senhor, Kao, e com
boa saúde.
Seguiu o matemático-chefe com os olhos e franziu os olhos.
— Assim não dá — disse. — Nossos homens não são robôs.
— O que vai fazer? — perguntou Atlan com uma suave ironia.
— Andar depressa. Está na hora de chegarmos a Andrômeda.
***
Assim que voltou à sala de comando, reconheceu que seu desejo não tinha nenhuma
base real.
Praticamente encontravam-se na situação de um coelho perseguido por uma matilha
de cachorros. E numa situação como esta quase chegava a ser ridículo querer ameaçar o
caçador. Mas Perry Rhodan estava decidido a tomar novamente a iniciativa.
Mas por enquanto não havia oportunidade para isso.
A concentração energética ultra luminosa, em cujas bordas cintilavam bilhões de
antenas receptoras, precipitava-se sobre o planeta Destroy. Foi um espetáculo fascinante.
O moby quase chegava a ser um monstro de dimensões planetárias. Se resolvesse investir
contra Destroy, o planeta se arrebentaria.
Quando o monstro se encontrava a um milhão de quilômetros do planeta, feixes
energéticos ofuscantes saíram de suas antenas periféricas. A velocidade alucinante
diminuiu rapidamente. A forma do moby mudava constantemente. Há poucos segundos
ainda era um disco, mas naquele momento transformou-se numa esfera achatada. Girava
e se contorcia e assumiu uma forma que se aproximava de um espiral, para em seguida
voltar à forma original. Em seu interior deviam estar ocorrendo processos formidáveis de
conversão de energia.
Quando o gigante se imobilizou, Perry Rhodan prendeu a respiração. O centro de
rastreamento informou que a distância que o separava de Destroy era de oitocentos mil
quilômetros.
De repente alguns lampejos se sucederam rapidamente na face do monstro voltada
para o planeta. Feixes energéticos em espiral precipitaram-se sobre Destroy. Manchas
luminosas branco-azuladas espalharam-se na superfície do planeta.
Não havia dúvida. O moby estava bombardeando Destroy.
Os raios e as descargas energéticas sucederam-se com a rapidez dos disparos de
uma arma automática. Os feixes de espirais cruzavam ininterruptamente o espaço,
atingindo Destroy. A ampliação setorial mostrou as nuvens em forma de cogumelo
levantadas pelas explosões.
— Bombas atômicas! — gemeu Atlan.
Havia em seu rosto uma expressão de raiva, pavor e incompreensão.
Rhodan deu uma pancada na tecla que ativava o intercomunicador. Disse que queria
falar com o chefe do centro de rastreamento.
— Verifique qual é a natureza dos processos nucleares que estão ocorrendo em
Destroy! — disse. — Tente descobrir como se formam as bombas atômicas no interior do
moby e de que maneira são arremessadas.
O major confirmou com um gesto.
— Interpretação funcionando, senhor — anunciou. — Já posso dar a resposta à
primeira pergunta. Os processos nucleares que se verificam em Destroy funcionam com
base em função. Trata-se de processos catalíticos.
— Obrigado. Faça o favor de prosseguir, major.
Perry Rhodan virou a cabeça e sorriu para Atlan.
— Pelo menos no que diz respeito ao processo técnico os mobys não estão mais
adiantados que nós.
Atlan sacudiu lentamente a cabeça.
— Nunca pensei que estivessem. Mas o simples fato de um organismo vivo ser
capaz de produzir e lançar bombas atômicas é uma coisa apavorante.
Rhodan ficou com o rosto sério.
— Compreendo. Você não acredita que a Onipotência possa criar alguma coisa que
transgrida as leis da vida. Também acho difícil acreditar nisso, Atlan.
— O uso da energia atômica para destruir a vida é o maior pecado que pode existir,
Perry. Só mesmo seres imperfeitos como nós são capazes disso...
— Quer dizer que você acha que não se trata de um dom natural dos mobys? Talvez
você tenha razão, meu amigo. É possível que os mobys sejam uma forma de vida
artificial criada pelos senhores da galáxia.
Pôs-se a refletir intensamente.
— De qualquer maneira, não se pode excluir a possibilidade de a natureza ter criado
uma coisa dessas. Se me lembro dos animais do planeta Terra que geram eletricidade
com seus organismos e usam a mesma como arma...
— Acontece que há uma diferença enorme entre a eletricidade e a energia atômica,
Perry.
O sinal de chamada do intercomunicador impediu Rhodan de dar uma resposta. Era
o chefe do setor de rastreamento.
— Já temos um resultado provisório, senhor.
— Diga!
— Os campos espirais não são formados por energia pura, senhor. Trata-se de
porções de semimatéria estabilizadas à força. A estabilidade diminui assim que as
porções são expelidas e acaba desaparecendo de vez. Em virtude disso verifica-se uma
descontração da figura energético-material comprimida, e esta por sua vez provoca uma
reação catalítica sobre o núcleo atômico que se encontra em condições muito tensas. Em
virtude disso ocorre um processo espontâneo de fusão à maneira da bomba de hidrogênio.
Não se pode saber o que acontece no interior do corpo do moby. A teoria que reúne
maiores condições de probabilidade é a de que o moby absorveu concentrações de
energia em estado de instabilidade no interior da coroa do sol. Talvez tenham sido
armazenadas em seu corpo, colocadas num estado material semi-estável e protegidas por
um campo estabilizador. Também não se pode excluir a possibilidade de que tenha
havido a absorção direta do plasma da coroa solar.
— Obrigado, major! — disse Rhodan.
Voltou a dirigir-se a Atlan.
— Pelo menos já temos uma réstia de luz. Há de chegar a hora em que o moby terá
de suspender seu bombardeio. Por maiores que sejam as reservas de energia, elas acabam
se esgotando.
Voltou a olhar para a tela panorâmica.
Sua suposição se confirmara. A coloração do monstro era bem mais pálida. As cores
ultra claras foram desaparecendo, sendo substituídas por uma incandescência branca.
Enquanto isso as espirais energéticas arremessadas pelo monstro eram cada vez mais
fracas. O moby voltou a movimentar-se. Seguiu lentamente na direção do planeta. O
bombardeio já não era tão intenso, mas apesar disso terríveis explosões sacudiam a
superfície de Destroy. Uma das faces do planeta parecia estar em ebulição.
No momento em que o moby passou a irradiar somente uma incandescência
vermelha, o bombardeio parou de vez.
— Já é tarde! — gritou Atlan.
Destroy foi arrebentando como que num filme em câmara lenta. Fragmentos do
tamanho de um continente saíram pelo espaço afora. Bolhas de energia cintilantes
dilataram-se. O moby voou bem para dentro do inferno. Suas antenas receptoras ficaram
incandescentes. Sugavam gulosamente a energia liberada pelo planeta.
Perry Rhodan estremeceu e virou o rosto para outro lado.
Levou algum tempo para dar-se conta de que o intercomunicador estava chamando.
Respondeu com a voz apagada.
Um robô lhe comunicou que Grek-1 desejava falar com ele. Rhodan saiu andando
com um pressentimento desagradável. Qual seria a notícia alarmante que o maahk tinha
preparado para ele...?
3

Aino Uwanok estava cochilando quando veio o abalo.


Um ruído de rocha arrebentando entrou na cabine. Em seguida o veículo girou.
Alguma coisa devia ter movimentado as massas de gelo.
Aino lembrou-se da tarefa que lhe fora confiada. Não tinha a menor dúvida sobre o
significado da movimentação do gelo. O planeta Arctis estava sendo atacado e destruído!
O Tenente-Coronel Uwanok não poderia imaginar que seu superior tinha cometido
um erro. Mas este também não era culpado. Fora atropelado pelos acontecimentos. E já
era tarde para modificar o plano.
Uwanok agiu.
Enquanto ativava os contatos amarelos de sua bateria de detonadores, os quadros da
infância desfilaram perante os olhos de sua mente. Desde cedo fora considerado muito
corajoso e forte em sua terra natal. Lembrou-se de ter travado uma luta com um urso
polar ferido. Os dois encontravam-se sobre uma peça de gelo flutuante que balançava nas
ondas. A mesma desprendera-se depois que o irmão de Aino tinha ferido o urso. O urso
caíra e Aino saltara sobre o gelo para salvar pelo menos o couro do urso. Foi quando o
urso se levantou e passou a atacá-lo. Aino só tinha uma faca larga. Tentou fugir. Mas o
urso agarrou-o e comprimiu-o contra seu corpo. Aino não sentiu as garras rasgarem sua
roupa e dilacerarem sua pele. Não sentiu os dentes do urso, que tentou esmagar o crânio
do inimigo com uma dentada. Felizmente os dentes escorregavam constantemente no
gorro de pele do menino de quinze anos. Aino golpeou seguidamente com a faca, até que
o urso desfaleceu. Tirou-lhe o couro, saltou para dentro do mar e nadou de volta para a
ilha Nunivak.
Os habitantes da povoação passaram a festejá-lo como um grande herói. Elogiaram-
no principalmente porque apesar dos ferimentos graves não mostrava sentir qualquer dor.
Na verdade, nem sentira dores. Foi só na clínica de Bethel, para onde foi levado de avião,
que alguém teve a atenção despertada para o fenômeno Aino. Um médico constatou que
o menino era completamente insensível à dor física.
Tentaram descobrir a causa e removê-la. As inúmeras cicatrizes no corpo de Aino
provavam que a insensibilidade à dor era uma grande desvantagem. Era perfeitamente
possível que sofresse um ferimento perigosíssimo e nem percebesse. Além disso a
ausência de dor o levava a meter-se constantemente em aventuras temerárias. Não temia
o perigo, porque não sentia as conseqüências.
Mas não houve tratamento que o curasse. Quando teve alta, os médicos da clínica o
aconselharam a exercer uma profissão intelectual, que não o obrigaria a enfrentar
situações perigosas.
Aino não tomou conhecimento dos conselhos bem-intencionados. Já fazia vários
anos que escolhera sua profissão. E não estava disposto a mudar de idéia.
Aprendeu a simular a dor que não sentia. Dessa forma conseguiu passar pelo exame
de admissão à Academia Espacial de Terrânia. Tornou-se cadete da frota espacial e mais
tarde chegou ao posto de tenente. Seu grande dia chegou quando um comando de
recrutamento da USO chegou à Terra. O Tenente Uwanok fora aprovado com distinção
nos exames finais da Academia. Candidatou-se a um lugar na frota espacial da USO e foi
aceito imediatamente.
Depois de mais quatro anos de treinamento rigoroso atingiu o posto de tenente-
coronel. Foi destacado para o comando de caças do supercouraçado Imperador. Dessa
forma acabou parando, depois de uma viagem perigosa e cheia de aventuras, na frota que
formava a cabeça-de-ponte de Perry Rhodan em Andro-Beta.
Seu segredo fora bem guardado. Só uma pessoa o tinha descoberto, e por isso estava
preso no gelo em decomposição, cinqüenta metros abaixo da superfície do planeta
Arctis...
Os abalos eram cada vez mais fortes. Aino compreendeu que não teria mais muito
tempo. Todas as teclas amarelas tinham sido apertadas. Aino ativou a capa de ligação. A
armação cintilante foi descendo lentamente sobre sua cabeça.
O Tenente-Coronel Uwanok prendeu a respiração. Ainda não estava com medo. Foi
um raciocínio puramente lógico que o fez hesitar um instante. O foguete Evoc era uma
invenção que tinha completado seu ciclo. Não podia ser usado pelos humanos ou por
qualquer outra raça inteligente. Até então a dor física matara numa questão de segundos
qualquer pessoa que tentasse fazer o teste. Por isso as experiências foram suspensas. Mas
naquele momento acabaria sendo aproveitado o remanescente de projéteis de teste que
era carregado não se sabia por quê.
Os foguetes Evoc não eram propriamente uma arma de guerra. Uma vez detonados,
percorriam um trecho previamente programado a velocidade inferior à da luz, protegidos
somente por seu tamanho pequeno. Depois disso convertiam-se em energia com uma
freqüência previamente determinada. A pessoa que estivesse sentada embaixo da capa de
ligação estaria condenada a entrar numa ligação mental constante com a energia Evoc
liberada. Tinha a percepção de tudo que entrasse em contato com a energia Evoc —
inclusive o frio e o vazio do espaço. Por isso mesmo todas as pessoas que se atreveram a
fazer os testes tinham morrido. Aino teria as mesmas percepções — exceto a dor. E era o
que importava. Mesmo que seu corpo fosse destruído e nada sobrasse da Estação Louvre,
das naves e dos homens, uma coisa ficaria: a energia Evoc espalhada pelo espaço e os
fluxos mentais de Aino, contidos na mesma. Qualquer telepata competente poderia
extrair dali a informação do que tinha acontecido em Arctis e do que tinha acontecido em
Andro-Beta.
Perry Rhodan nunca teria concordado com esse método de transmissão de
informações. Era bastante provável que o mesmo representasse a condenação à morte de
Uwanok. Por isso mesmo a operação Evoc tinha sido lançada sem o conhecimento ou a
aprovação do Administrador-Geral.
Aino moveu a chave vermelha que ativava o contato geral.
Trinta e dois foguetes miniatura perfuraram o gelo balançante, com o auxílio de
ogivas desintegradoras, e precipitaram-se para o céu de Arctis...
***
Os microfones externos transmitiram o estrondo e rangido com um realismo
apavorante.
Rhodan compreendeu que por pouco não cometera um grave erro. A explosão de
Destroy forçosamente haveria de produzir uma alteração da estrutura energético-espacial
no interior do sistema de Alurin. Em virtude disso as erupções solares e fortes tremores
no planeta remanescente seriam inevitáveis.
Mandou que as coberturas energéticas das espaçonaves fossem reativadas.
Os campos energéticos apoiaram as cúpulas de gelo que cobriam as bases no
momento em que as mesmas iam desabar. Só alguns blocos de gelo menores caíram
sobre as naves. Quase não produziram nenhum dano. Mas não havia dúvida de que a
camada de gelo de dois mil metros de espessura poderia ter esmagado os cascos de
terconite como se os mesmos fossem feitos de chapas finas de metal plastificado.
Quando Rhodan chegou ao lugar em que estava Grek-1, o maahk já parecia
impaciente. Comprimia os braços tentaculares contra a parede de vidro. Seus olhos
brilhavam de nervosismo.
Perry Rhodan parou. Atlan e Icho Tolot vieram atrás dele.
— Não pude sair logo — explicou Rhodan.
Disse o que tinha acontecido.
— Isso poderia ter sido previsto, terrano. Mas já não importa. Já compreendo
perfeitamente o que há atrás do aparecimento do moby. Parece que os mobys eram e
continuam a ser superguardas de Andro-Beta. Os bioparasitas podiam paralisá-los, mas
não matá-los. Aquilo que parece ser uma série de hiperimpulsos não passa de uma
seqüência ininterrupta de estímulos destinados a acordar os mobys de sua letargia e
comandá-los.
— Isso nós já descobrimos, Grek-1. Tem alguma novidade?
— O senhor tem muito sangue-frio. Não tenho novidades propriamente ditas, mas o
que quero dizer deve chegar. Os mobys destruirão todos os planetas habitados de Andro-
Beta, da mesma forma que o que vimos destruiu Destroy. Nenhum twonoser escapará. E
nós não temos nenhuma possibilidade de sobrevivência. “Nosso” monstro também
destruirá Arctis.
— Se necessário, poderemos fugir, Grek-1.
— Será mesmo, senhor? Já se preocupou em mandar calcular o alcance
teoricamente possível das bombas atômicas energético-orgânicas?
Rhodan empalideceu. Dirigiu-se apressadamente ao intercomunicador pendurado na
parede e fez uma ligação com o centro de computação. O substituto de Hong Kao
respondeu ao chamado. Perry Rhodan deu suas instruções e disse que queria uma
resposta imediata.
Demorou apenas dois minutos até que recebesse o resultado.
Atlan e Rhodan entreolharam-se em silêncio.
— Então...? — perguntou Grek-1.
— O senhor tem razão — confessou Rhodan, deprimido. — O moby domina o
sistema.
— Qual foi a resposta que lhe deram, senhor? As bombas atômicas nos alcançarão,
onde quer que estejamos no interior do sistema de Alurin. Não é isso? Mas não é só. No
estado de hiperativação em que se encontra, o monstro está em condições de absorver
imediatamente qualquer espaçonave que tente decolar, transformando-a numa
componente energética de seu organismo.
Perry Rhodan baixou a cabeça.
Os rostos dos homens que tinha trazido a esse lugar desfilaram em sua imaginação.
Era a elite da Humanidade, formada por cientistas, oficiais e especialistas. Será que todos
teriam de morrer? Nem pensou em si mesmo.
Virou a cabeça e lançou os olhos febris para a tela embutida na parede, que
mostrava a mesma imagem da tela panorâmica da sala de comando.
O moby já abandonara novamente o local da catástrofe. Deslocava-se em direção ao
sol. No momento em que Rhodan recapitulava as possibilidades de saírem de Arctis
enquanto o monstro penetrasse na coroa do sol, este voltou a imobilizar-se.
Fez sair um raio de carregamento quando se encontrava a mais de quinhentos
milhões de quilômetros do sol e começou a reabastecer.
Nestas condições a tentativa de fuga seria um suicídio.
Rhodan, Atlan e Icho Tolot tiveram de permanecer inativos enquanto o monstro
sugava energia. Já voltara a brilhar novamente nas cores ultra claras.
De repente um verdadeiro furacão de fogo saiu das antenas periféricas. O moby foi
arremessado para a frente. Aproximou-se de Arctis em alta velocidade.
***
Trinta e dois foguetes Evoc converteram-se na forma de energia previamente
programada. A energia começou a espalhar-se. Mas logo se encontrou com outra forma
de energia. Foi atingida por impulsos hiperdimensionais de intensidade extremamente
elevada. Não havia lugar no Universo para as duas formas de energia. Uma tinha que
ceder — e era a mais fraca.
O Tenente-Coronel Uwanok não sentiu dor, mas percebeu que alguma coisa tinha
saído errado. No início os sóis e os planetas passavam por ele como se estivessem
gravados numa fita cinematográfica. Mas de repente pararam. Em seguida mergulharam
num oceano negro muito profundo.
Uwanok levou uma pequena eternidade para descobrir onde estava.
Viu-se deitado na poltrona especial de seu planador. A cabeça continuava enfiada
na cúpula de ligação.
Aino ficou deitado. Refletiu sobre a situação. De certa forma era grotesca. Seu
espírito — ou ao menos os fluxos energéticos do mesmo — deveriam estar vagando pelo
espaço cósmico. Só deveria haver uma ligação muito fraca com o corpo — ou até
nenhuma.
Mas ali estava ele, deitado, e com a plena consciência de seu corpo e de sua
existência física. Ergueu lentamente a mão. Obedeceu ao comando da vontade, como
sempre. Mas era justamente isso que estava errado.
Piscou um tanto perplexo ao ver a bolsa aberta com os charutos. Pegou calmamente
um Brasil escuro e acendeu-o. Passou a soprar gostosamente as nuvens espessas de
fumaça azul. Depois voltou a dedicar sua atenção ao problema.
Fez um ligeiro exame e chegou à conclusão de que os trinta e dois foguetes Evoc
tinham saído dos tubos de lançamento. As teclas amarelas do sistema automático de
detonação tinham saltado de novo. Até ali tudo tinha sido normal. E nem poderia ter sido
de outra forma. Mas o resultado não estava certo.
Aino Uwanok não se abalava por pouca coisa. Mas na situação em que se
encontrava pôs-se a praguejar em voz alta.
De repente lembrou-se por que resolvera detonar os foguetes Evoc...!
O gelo começara a movimentar-se porque, segundo parecia, o planeta Arctis estava
explodindo. Mesmo que os cálculos de desempenho dos foguetes Evoc não estivessem
certos e o espírito só tivesse abandonado o corpo por pouco tempo, ao voltar deveria ter
encontrado o caos — ou o nada.
Acontece que o planador estava calmamente pousado no gelo.
No gelo...?
Aino levantou-se abruptamente e olhou para a tela, que tinha sido ativada. Não se
via sinal de gelo do lado de fora. Na verdade, não se via sinal de coisa alguma. Era tudo
escuridão.
Ligou a tela para o rastreador de microondas. A tela clareou no mesmo instante. Um
crepúsculo violeta espalhou-se sobre a mesma. Rocha nua, soltando pingos, uma
chuvinha fina, nuvens que brilhavam suavemente no céu noturno. Não podia ser Arctis.
O tenente-coronel esfregou os olhos.
Havia várias coisas que não combinavam de forma alguma. Como se explicava que
os rastreadores de microondas mostrassem uma luz crepuscular e nuvens brilhantes, se o
sistema ótico não detectava nada? Se a escuridão não fosse completa do lado de fora, o
sistema ótico deveria ter mostrado pelo menos os contornos das rochas.
Falando constantemente consigo mesmo, ligou o farol infravermelho. O conversor
de imagem do sistema ótico normal entrou em funcionamento imediatamente,
convertendo o quadro infravermelho numa imagem visível.
Mais uma vez Aino Uwanok viu rochas nuas, brilhando de umidade. Uma camada
de pedras grandes começava ao pé do paredão de rocha, passando a uma planície
lamacenta. Não se via mais sinal de nuvens. Mas isso era fácil de explicar. A luz
infravermelha atravessava facilmente as nuvens e a neblina.
Aino soltou um suspiro resignado. O charuto se apagara. Portanto, poderia fazer
logo o que tinha de ser feito. Prendeu a placa infravermelha ao visor de seu capacete
pressurizado e enfiou-se no traje espacial. Não dispunha de recursos para realizar uma
análise do ar e não estava disposto a correr qualquer risco. Era fácil ligar sua lanterna
portátil para a luz infravermelha. Uwanok ainda colocou uma arma térmica leve no cinto.
Estava preparado.
Com um movimento resoluto abriu a escotilha.
***
Os cinco supercouraçados e as seis naves cargueiras estacionadas na base estavam
preparados para partir. Havia bombas de gigaton superpesadas depositadas nos canhões
conversores. Uma única salva disparada por todas as naves de guerra ao mesmo tempo
seria suficiente para destruir um planeta. Mas as pessoas que se encontravam a bordo
sabiam que dessa forma não conseguiriam destruir o moby que pretendia atacá-los. Seria
impossível derrotar com armas energéticas um ser feito de energia que se alimentava no
inferno de fogo de uma coroa solar. Pelo contrário. Absorveria gulosamente a energia,
que lhe serviria de alimento.
Fazia cinco minutos que os gêmeos Woolver tinham aparecido, atendendo ao
chamado de Atlan.
Tronar e Rakal Woolver pareciam cópias do mesmo negativo. Mas mesmo estas
certamente mostrariam certas diferenças que nos gêmeos não existiam.
Eram seres adaptados a um novo ambiente natural do planeta Imart, pertencente ao
sistema de um sol amarelo chamado Gator. Os geneticistas tinham realizado no curso das
gerações um processo de adaptação dos colonos terranos ao teor reduzido de oxigênio do
mundo colonial Gator II. Em virtude disso os pulmões e os corações das pessoas da
geração atual eram três vezes maiores que os dos terranos. Dessa forma o tórax também
era muito grande. Mas de resto os imartenses se pareciam com os homens nascidos no
planeta Terra e tinham de ser considerados seres humanos normais. O fato de sua pele ter
uma ligeira coloração verde não era relevante.
Mas havia um fator muito interessante, que eram os dons especiais dos gêmeos
Woolver. Possuíam uma capacidade parapsíquica até então desconhecida. Em virtude
dessa faculdade os gêmeos costumavam ser chamados de sprinters ou despolarizadores
parapsíquicos. Mas isso não passava de um jogo de palavras vazias, que não diziam nada
sobre o verdadeiro dom.
Os gêmeos Woolver eram capazes de desmaterializar, tal qual os teleportadores.
Mas nem por isso eram teleportadores. Não podiam transferir-se de um lugar para outro
exclusivamente pela força do espírito que tinha sofrido uma mutação. Precisavam de um
fluxo de energia. Uma vez desmaterializados, podiam penetrar em qualquer fluxo de
energia, transformando-se numa componente energética do mesmo. Possuíam certa
superioridade sobre os teleportadores. O alcance destes era espacialmente bastante
limitado, enquanto os sprinters eram capazes de percorrer dezenas de milhares de anos-
luz por meio das ondas hipercurtas, desde que o volume de energia do transmissor fosse
suficiente.
Ninguém sabia exatamente de que espécie era a mutação que tinha produzido essa
faculdade nos gêmeos. Geralmente se admitia que a mesma tinha origem numa
inexatidão do processo de modulação dos gens.
Ainda não fazia muito tempo que Rhodan tivera conhecimento da existência dos
sprinters. Os mesmos tinham sido a mais secreta de todas as armas de Atlan.
Continuavam a pertencer ao grupo de especialistas da USO. O lorde-almirante revelara
seu segredo quando a quinta coluna dos maahks apareceu na Via Láctea e todo mundo
estava à procura de uma arma secreta.
Naquela oportunidade os sprinters trouxeram a decisão da luta do serviço secreto a
favor da Humanidade.
Mas agora...?
Perry Rhodan não escondeu as dúvidas que o atormentavam.
— Não posso deixar de confessar que os gêmeos são capazes de introduzir-se nos
fluxos de energia que partem do moby. Até podem entrar no monstro em condições de
relativa segurança. E depois? Será que eles vão levar e detonar uma bomba atômica? O
moby certamente se alegraria com o suprimento de energia — isto naturalmente se é
capaz de ter sentimentos dessa espécie.
O arcônida mordeu o lábio. Via-se que compartilhava as dúvidas de Rhodan. Pôs-se
a refletir.
— Temos que tentar! — disse finalmente com a voz cansada. — Será que não
existe nada que possa matar esse monstro? Até mesmo para os vermes do pavor foi
descoberta uma arma, Perry!
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Desde que o moby apareceu, vivo quebrando a cabeça, Atlan. Precisamos de
uma arma orgânica. A energia não serve — mostrou um sorriso triste. — Mas onde
iremos encontrar uma arma orgânica que ataque a energia cristalizada?
Suspirou e virou-se para o intercomunicador ao ouvir o sinal de chamada.
— Rhodan falando. Gostaria de saber o que há de tão importante...
A voz da Dra. Natália Scharzowa era tão forte que as pessoas que cercavam Rhodan
entendiam o que a mesma dizia.
— Se quiser saber, faça o favor de calar a boca e prestar atenção.
Rhodan afastou-se do alto-falante e fitou Atlan, estupefato. Apesar da situação
desesperadora em que se encontravam, o arcônida não conseguiu reprimir um sorriso
sarcástico.
— Estou ouvindo, madame! — disse Rhodan.
— Muito bem, senhor. Espero que ainda esteja lembrado da conversa que tivemos a
respeito do moby. Talvez também tenha uma lembrança de que estes seres possuem uma
estrutura orgânica cristalina...
— Perfeitamente, madame! — Perry Rhodan olhou para o relógio e a seguir para a
tela panorâmica. Será que num momento em que encaravam a morte de frente essa
mulher queria desperdiçar o tempo com discussões científicas inúteis? — Peço-lhe que
seja breve, madame.
— Não fique me interrompendo, senhor! Como posso explicar uma teoria se não
posso mencionar os dados conhecidos?
Viu-se a bióloga respirar profundamente. Até parecia que queria arrebentar a tela.
— É o seguinte, senhor. Não acredito que o senhor consiga atingir um ser cristalino
com energia. Que tal se usássemos uma arma orgânica?
— Estávamos falando sobre isso. Infelizmente não existe nenhuma arma orgânica.
— Existe, sim! — objetou Natália Scharzowa em tom resoluto. — Existe mesmo.
Perry Rhodan empertigou-se. Fez um gesto para que Atlan, que queria arrancar-lhe
o microfone da mão, recuasse.
— Fale, madame! — disse em tom enérgico. — Fale logo, senão não adianta mais.
— Ácido Stog, senhor...! Não vou dizer mais que isto...
As mãos de Rhodan se crisparam tão fortemente em torno do microfone que até se
poderia ter a impressão de que queriam esmagá-lo.
Lembrou-se de Fargone, um planeta pouco conhecido de sua galáxia de origem, que
possuía uma atmosfera pressurizada — e uma fauna mortífera. Algumas espécies
carnívoras do planeta produziam um ácido capaz de dissolver até mesmo o aço terconite,
o ouro e o plástico blindado. O ácido Stog só pôde ser transportado depois que os
metalurgistas terranos tinham conseguido produzir sinteticamente os recipientes
pressurizados dos animais. Esse ácido era usado na produção de soluções metálicas
radioativas. Além disso servira para repelir o ataque dos policiais energéticos ao satélite
secreto Tróia.
Estes pensamentos atravessaram seu cérebro num instante. Logo perguntou em tom
nervoso:
— Qual é a quantidade de ácido Stog que a senhora possui?
— Segundo a lista são cerca de cinqüenta recipientes pressurizados com cem quilos
de ácido cada, senhor. Que tal equipar seus eletro-saltadores com a substância e...
Apesar da situação perigosa em que se encontravam, Rhodan não pôde deixar de rir
ao ver os rostos ofendidos dos gêmeos Woolver. A bióloga acabara de ofender os
sprinters, mas isso não parecia preocupá-la.
Puxou o microfone para perto.
— Prepare-se, madame. Vou mandar alguns robôs. Entregue as bombas de ácido
aos mesmos. Desligo.
Atlan respirou aliviado.
Rhodan fitou a tela com os olhos semicerrados. Depois virou o rosto para os
gêmeos.
— Será uma corrida contra o tempo, minha gente!
***
O único meio de distinguir Rakal e Tronar Woolver eram as iniciais pintadas em
seu uniforme, na altura do peito.
No fundo, nem era necessário distingui-los. O pensamento e os sentimentos dos
gêmeos eram um só, e por isso agiam como um só homem. Não era um fenômeno
telepático, mas um intercâmbio permanente de impulsos emocionais.
Provaram isso mais uma vez ao receber as ordens de Atlan com o mesmo rosto
indiferente e confirmá-las no mesmo tom.
Marcharam a passo militar para o centro de rastreamento.
Perry Rhodan reconheceu que estava nervoso. Raramente os segundos tinham
contado tanto. Se o moby começasse a atirar nesse instante, tudo teria sido em vão. Mas
parecia que o monstro queria aumentar a eficiência de sua terrível arma. Se lançasse as
bombas de uma distância muito grande, gastaria muito depressa suas reservas de energia.
Mas apesar disso só dispunham de mais oito minutos. Se neste espaço de tempo reduzido
os gêmeos Woolver não conseguissem desfechar um ataque eficaz, tudo estaria perdido.
Dois tripulantes chegaram à sala de rádio juntamente com os gêmeos. Traziam os
trajes espaciais que tinham ido buscar nos camarotes dos Woolver. Tronar e Rakal teriam
de materializar por uma fração de segundo no interior do moby, para poderem lançar as
bombas.
Sabiam que estavam brincando com a própria vida, mas isso não os assustava. Se
não estivessem convencidos da justiça de sua missão, as coisas seriam diferentes. Os
gêmeos tinham um senso ético e moral bastante acentuado. Ninguém os levaria a matar
um ser vivo sem que isso se tornasse necessário em virtude de uma agressão evidente do
mesmo. No caso do moby, agiriam sem dúvida em legítima defesa. Não tinham a menor
dúvida em sacrificar a própria vida para afastar a terrível ameaça.
Quando estavam colocando os trajes espaciais, Gucky, o rato-castor, apareceu de
repente. No início o ar tremeu, e de repente o ser peludo de um metro de altura estava lá.
Naturalmente usara mais uma vez a teleportação. Fitou os gêmeos Woolver com os olhos
redondos muito tristes. As orelhas redondas mexiam nervosamente.
— Vocês deveriam me levar! — disse com a voz estridente. — Se forem sozinhos,
é muito perigoso.
Rakal abaixou-se e passou a mão no pêlo espesso de Gucky.
— Muito obrigado, baixinho, mas este trabalho não é para você. Você seria
obrigado a teleportar, e teleportar ao acaso. Poderia materializar num inferno atômico.
Gucky exibiu o dente roedor solitário. Costumava ofender-se muito depressa, mas
desta vez continuou a mostrar-se amável. Não ficou zangado por Rakal ter recusado sua
proposta. O ser natural do planeta Vagabundo, que era extremamente inteligente, sabia
que os gêmeos iriam enfrentar um perigo muito grave. Por isso abrira um lugar para eles
em seu coração de rato-castor
— Só quero que me prometam uma coisa, Rakal e Tronar. Se precisarem de mim,
avisem. Sabem como costumo ser chamado, ao menos pelos seres inteligentes...! —
lançou um olhar fulminante para o chefe do centro de rastreamento. — O Matador
Simultâneo Em Toda Parte nunca abandona seus amigos.
Tronar também se inclinou sobre ele. Aplicou um beijo ruidoso em seu nariz úmido.
— Cuide bem de você, baixinho! Lá vêm os robôs com as bombas de ácido. O
espetáculo vai começar!
O rato-castor passou as patinhas pelos olhos. Lançou um olhar zangado para
Rhodan. Até parecia que julgava o Administrador-Geral responsável pelo trabalho
arriscado que os Woolver iriam realizar.
Perry Rhodan percebeu. Mas não podia incomodar-se com as preocupações do rato-
castor. Havia problemas mais importantes a resolver. Os robôs colocaram os recipientes
com a terrível substância na sala de rastreamento. Técnicos de armamentos vieram
correndo e prenderam pequenas cápsulas explosivas com detonadores-relógio nos
recipientes. As bombas estavam prontas. Só faltava transportá-las para dentro do moby e
fazê-las detonar. E nem todos os lugares no interior do moby se prestavam para isso. A
Dra. Scharzowa tinha indicado o lugar mais sensível. Tratava-se de um espaço oco
situado pouco abaixo da superfície do corpo do moby. Era onde ficavam os blocos
cristalinos de vários metros de altura, em cujo interior estava contida a inteligência
instintiva desse ser. Na opinião de Rhodan e Atlan, a recepção dos impulsos de comando
transmitidos na quinta dimensão também devia ficar por conta desses blocos.
Perry Rhodan voltou a olhar para o relógio. Dois dos oito minutos de que
acreditavam dispor já tinham passado. Estava na hora, pois não se podia esperar que os
sprinters conseguissem orientar-se imediatamente no interior do moby.
Tronar e Rakal fecharam seus capacetes pressurizados. Mais uma vez se teve a
impressão de que um rosto era a imagem do outro refletida no espelho. Puseram as mãos
abruptamente no capacete.
Atlan e Rhodan cumprimentaram com um gesto.
Cada um dos gêmeos pegou uma bomba de ácido e saiu andando em direção ao
bloco de entrada dos rastreadores.
O moby atacante emitia constantemente fluxos energéticos de grande intensidade,
que enchiam todo o sistema solar. As antenas dos rastreadores coletavam e concentravam
os impulsos, conduzindo-os ao bloco de entrada, onde ficavam os instrumentos. Por isso
esse bloco era o melhor ponto de partida para os Woolver.
De repente o ar começou a tremer em torno de Rakal e Tronar. Até parecia que os
mutantes se encontravam atrás de uma parede formada por águas agitadas. Seus corpos
pulsaram, perdendo progressivamente a forma original. As bombas de ácido Stog foram
atingidas pelo processo de transformação. Tudo isso só durou uma fração de segundo.
Ainda há pouco os sprinters tinham estado à frente do bloco de entrada,
perfeitamente visíveis. No mesmo instante algumas figuras confusas foram penetrando no
aparelho.
Ouviu-se um ligeiro ploc, quando o ar preencheu o vácuo deixado pelos gêmeos. Os
Woolver tinham desaparecido.
***
Em algum lugar, junto à linha do horizonte, uma luz azul acendia-se. Parecia o fogo
de santelmo. Foi um processo completamente silencioso.
O tenente-coronel limpou o visor do capacete, que estava embaçado, e resmungou
aborrecido. O feixe de luz do farol infravermelho traçava quadros fantasmagóricos na
rocha úmida. Uwanok rosnou alguma coisa e empurrou-se da escotilha, indo parar no
chão.
No mesmo instante viu-se deitado sobre aquilo que parecia rocha, com as pernas e
os braços estendidos. Mas não era rocha. O material cedera sob o impacto do corpo de
Aino como se fosse plástico viscoso.
O tenente-coronel apalpou o chão. Parecia que seus receios não tinham razão de ser.
Apesar de sua estrutura semelhante à da borracha, a superfície era firme e impenetrável.
Não havia perigo de afundar.
Mas apesar disso Aino não levantou logo. Tinha por costume examinar
profundamente qualquer problema. E no momento o problema era este: Onde estou,
como vim parar aqui? A presença do planador parecia ser um sinal de que ainda sé
encontrava em Arctis. Mas os demais dados pareciam provar o contrário.
Aino Uwanok ficou refletindo cerca de dez minutos sobre a situação. Como não
chegou a nenhum resultado, desistiu. Se o pensamento não levava a nada, tomava-se
necessário agir.
Levantou cuidadosamente. O chão balançava sob o peso de seu corpo, mas
sustentava perfeitamente o mesmo. Aino saiu caminhando na direção do paredão de
rocha, com as pernas afastadas. O feixe de luz do holofote caminhava de um lado para
outro, à procura de uma entrada. Assim que a encontrou, Aino começou a subir pelo
paredão.
O primeiro contato foi suficiente para mostrar que o paredão também não era de
rocha. Era flexível e elástico que nem o chão. Uwanok preferiu não quebrar mais a
cabeça sobre o fenômeno. Aproveitou as vantagens que as características do paredão
ofereciam e conseguiu subir rapidamente. Nem sabia muito bem por que resolvera subir.
Esperava que lá de cima pelo menos teria uma visão mais ampla.
Levou meia hora para chegar ao alto. Girou uma vez em torno do próprio eixo e
sacudiu a cabeça. Não viu nada além daquilo que já tinha visto de dentro do planador.
Planícies cobertas de pedras e de lama, com algumas montanhas pequenas, mas íngremes
no meio. O fogo de santelmo continuava a queimar no lugar em que acreditava ficar o
horizonte.
Depois de algum tempo Aino teve uma sensação desagradável. Teve a impressão de
que havia deixado de lado algum detalhe. Mas não se lembrou do que era. Era somente
uma impressão, mas o Tenente-Coronel Uwanok tinha certeza de que a mesma não o
enganava. Examinou o terreno com os olhos semicerrados. Finalmente jogou a cabeça
para trás para ver o céu.
De repente compreendeu o que o incomodava.
Não havia céu. O negrume impenetrável parecia cobrir o planeta que nem uma
sólida campânula. Não se via uma única estrela. Aino Uwanok sabia que uma coisa
dessas não podia existir. Mesmo que houvesse uma camada de nuvens, a mesma seria
facilmente atravessada pelos raios infravermelhos. E qualquer sol irradiava quantidades
consideráveis de infravermelhos...
Aino sacudiu a cabeça. Parecia estar no mundo do impossível. Era possível que a
energia dos foguetes Evoc alcançasse o espaço intergaláctico e juntamente com ele a
energia de sua mente. Mas não estava existindo apenas psiquicamente, mas também
fisicamente. E o método Evoc nunca estivera em condições de transportar um corpo.
Concluiu que nem ele nem seu planador tinham sido transportados. Ambos
continuavam em Arctis. Acontece que este planeta se encontrava na periferia da nebulosa
anã chamada Andro-Beta. E em Andro-Beta havia milhões de sóis.
Um ruído o fez estremecer.
Parecia o zumbido de um projétil de baixa velocidade, seguido de uma batida fraca.
Aino olhou para os lados, desconfiado. Alguma coisa que não tinha estado lá entrou no
feixe de luz de seu farol infravermelho.
A reação de Aino Uwanok foi muito rápida. Deixou-se cair e enrolou-se. Rolou e
saltou paredão abaixo que nem uma bola de borracha. Parou subitamente numa fresta.
Neste mesmo instante surgiu uma luz ofuscante e iluminou por um instante a
paisagem fantástica. Em seguida ouviu-se o estrondo de uma explosão. Parecia haver
alguma coisa batendo bem perto. De repente um fio escuro que emitia um forte brilho, do
tamanho da mão de um homem, apareceu a apenas alguns centímetros do visor do
capacete de Aino. Este identificou a peça como um pedaço da rocha parecida com
borracha que formava o paredão.
O tenente-coronel levantou cuidadosamente a cabeça. Segurava a arma térmica na
mão, pronta para disparar.
Como se não bastasse o fato de ter parado num mundo impossível, alguém queria
acabar com ele.
Não tinha a menor dúvida de que esse alguém atirara uma bomba contra ele. Isso o
deixou preocupado. Mas ao mesmo tempo sentiu-se aliviado. Pelo menos não estava
sozinho neste mundo louco. Talvez até houvesse uma possibilidade de voltar ao lugar de
onde tinha vindo.
Saiu da fresta com movimentos ágeis. A primeira coisa que queria fazer era voltar
para dentro do planador. No interior do mesmo estaria bem mais seguro. E, o que era
muito importante, teria mais mobilidade.
Não se deu ao trabalho de descer passo a passo; deixou-se rolar paredão abaixo. As
características do solo fariam com que não sofresse ferimentos, com exceção talvez de
alguns hematomas, que de qualquer maneira não sentiria. Protegeu o farol portátil da
melhor maneira que pôde, mas tratava-se de um aparelho resistente, que não se quebraria
facilmente.
Rolou até atingir o casco do veículo oval. Houve uma pancada surda. Aino girou
imediatamente e tentou proteger-se com a arma térmica. Mas não se via nem se ouvia
nada do inimigo não identificado.
O Tenente-Coronel Uwanok sorriu. Por melhor que o outro se escondesse, ele o
encontraria. Rastejou cuidadosamente os dois metros que ainda o separavam da escotilha.
Encostou o emissor de impulsos ao fecho invisível. As duas metades da escotilha
recuaram. Aino entrou no planador, movimentando-se com a agilidade de uma serpente.
A escotilha fechou-se atrás dele.
Aliviado, Aino abriu o capacete pressurizado e pegou um charuto.
***
Rakal e Tronar Woolver transformaram-se em componentes do fluxo energético ao
qual se tinham confiado.
Como se tinham introduzido num fluxo de impulsos hiperfísicos, percorreram quase
instantaneamente a distância enorme. Dispunham de uma vantagem formidável.
Conheciam de cor a estrutura do organismo de um moby. Já tinham lidado muitas vezes
com seres dessa espécie, principalmente durante o tempo em que tinham estado presos no
interior do moby Tolot.
Esta vantagem representava uma necessidade vital. Durante o transporte os Woolver
deixavam de ser seres inteligentes, pois assumiam a condição de impulsos energéticos. E
neste estado eram indefesos. Não tinham possibilidade de orientar-se e eram incapazes de
fazer movimentos voluntários. Só depois de um treinamento de vários anos conseguiram
fixar o local de rematerialização, e isto mesmo somente antes da introdução no fluxo
energético. Para isso tornava-se necessário conhecer perfeitamente o ponto de partida e
de chegada do fluxo de energia que utilizavam. Sua saúde seria prejudicada, por exemplo,
se fossem parar no interior do estômago conversor de um moby.
Como primeira etapa tinham escolhido um órgão cujo funcionamento se
assemelhava ao de um conversor estrutural. Tratava-se de um tubo em caracol de cerca
de oitenta metros de diâmetro por quatorze de comprimento. Era nas paredes acidentadas
do mesmo que se realizava a conversão da energia normal em hiperenergia.
Os gêmeos sabiam que qualquer contato direto com a parede do tubo seria a morte.
No momento da rematerialização ficaram completamente indefesos por cerca de três
segundos. Era o tempo que seus corpos levavam para reordenar sua estrutura atômica.
Por isso tinham ligado os pequenos dispositivos antigravitacionais de seus trajes
espaciais para a função propulsora.
Saíram em forma de névoas luminosas no ponto final da espiral formada pelo tubo,
foram empurrados para dentro do corredor e deslocaram-se lentamente em direção à
saída. Seus corpos permaneceram imóveis durante três segundos, suspensos no interior
do campo de propulsão. Finalmente começaram a movimentar-se.
A primeira coisa que Rakal e Tronar fizeram foi certificar-se de que as bombas de
ácido continuavam presas nos suportes de seus trajes espaciais. Só depois disso
procuraram orientar-se.
A impressão transmitida pelos microfones externos parecia um verdadeiro fim de
mundo. Um inferno horrível e martirizante de ruídos bramia nas imediações. As paredes
do órgão conversor pareciam cadinhos incandescentes nos quais se desenvolvia um fluxo
rápido. O interior do monstro de forma alguma se parecia com aquilo que eles
imaginavam. Alguns segundos se passaram antes que Rakal e Tronar pudessem pensar
claramente.
Desligaram ambos ao mesmo tempo os microfones externos. O nível de ruído
baixou para um grau suportável, mas a situação continuava perigosa. Se não tivessem
certeza de terem determinado de forma correta o local de rematerialização, eles teriam
suas dúvidas de se encontrarem no interior de um órgão conversor em forma de caracol.
A única coisa que seus olhos viram foi uma incandescência ofuscante.
Tronar pigarreou.
— O local não é muito acolhedor.
— Poderia ser pior — resmungou Rakal.
Tronar girou o corpo, fazendo movimentos de natação. Fechou os olhos e tentou
descobrir um fluxo energético aproveitável. No mesmo instante soltou um gemido. A
impressão de fluxos energéticos de uma intensidade incrível desabou sobre ele. Até
parecia que os dois se encontravam no centro de um pequeno sol.
Por um instante esteve ameaçado de entrar em pânico.
O que aconteceria se não encontrassem o caminho que levava ao cérebro de
comando antes que fosse tarde? Sua missão teria sido inútil? O moby destruiria o planeta
Arctis antes que pudessem entrar em ação?
— Pare com isso! — fungou Rakal.
Tronar compreendeu. Seus impulsos emocionais eram transmitidos com toda força
ao irmão. Obrigou-se a refletir calmamente. Voltou a concentrar-se.
Finalmente foi atingido por um impulso convidativo.
— Atenção! — disse Rakal para dentro do microfone embutido em seu capacete. —
Localizei um fluxo energético que abastece o cérebro de comando.
Tronar sentiu a tensão imensa que fazia seu irmão sofrer. Sabia que tinham de agir
depressa, senão Rakal perderia o fluxo energético. Pôs em funcionamento o setor de seu
cérebro que sofrerá uma mutação e pôs-se a procurar. Não conseguiu contato. Havia uma
forte interferência de raios que bloqueavam sua faculdade.
— Rápido! — cochichou Rakal.
— Não consigo — Tronar pôs-se a refletir desesperadamente. De repente teve uma
idéia. — Preste atenção, Rakal! Entre no fluxo antes de mim. Desta forma poderei ficar a
reboque de suas paravibrações.
— E se não conseguir? Não posso deixá-lo a sós.
— Você tem de fazer isso — respondeu Tronar em tom áspero. — Não sou tão
importante. Vamos logo!
Sentiu o nervosismo tremendo do irmão, mas este logo foi substituído por uma
resolução fria. Tronar sorriu.
— É agora! — gritou Rakal com a voz estridente. Tronar fechou os olhos e
concentrou-se. Não deu atenção à névoa de contornos vagos que se espalhou para
desaparecer no interior da parede incandescente da espiral conversora. Mas de repente
sentiu uma freqüência de impulsos que dominava todos os outros. Até parecia um
instrumento solitário abafando o resto de uma orquestra.
As garras de seu traje espacial seguraram fortemente o cabo da bomba de ácido.
Logo o fluxo energético arrastou-o.
Os dois corpos voltaram a formar-se no piso de um gigantesco espaço oco. As
névoas luminosas desapareceram, transformando-se novamente em Rakal e Tronar
Woolver. No mesmo instante viram-se de pé.
Aos poucos foram reconhecendo o ambiente. Um zumbido forte enchia o pavilhão,
cujo princípio e fim estavam encobertos por descargas branco-azuladas. O pavilhão
poderia perfeitamente abrigar um cruzador pesado da frota do Império.
Tronar e Rakal preferiram não usar as armas. O moby não poderia ser combatido
com armas energéticas. Além disso sabiam que se encontravam no interior do cérebro de
comando, e nenhuma criatura notaria a presença de um corpo estranho relativamente
insignificante em seu cérebro.
Viraram a cabeça.
Os blocos de cristal de vários metros de altura irradiavam uma luminosidade fria.
Eram a sede da inteligência instintiva do moby. Também deviam ser o receptor dos
impulsos de comando transmitidos na quinta dimensão.
A atividade do cérebro era assinalada por uma alternância regular entre o claro e o
escuro. Raios de luz de alguns centímetros de espessura, produzidos por fortes descargas,
atravessavam o pavilhão, produzindo estalos. Os gêmeos perceberam que se encontravam
no único lugar em que podiam sentir-se seguros no interior do cérebro de comando. Se
estivessem em qualquer outro lugar, já teriam morrido queimados.
Entreolharam-se pelos visores dos capacetes e viram os rostos esverdeados,
cobertos de suor. Em virtude de seus impulsos emocionais perfeitamente coordenados, a
comunicação verbal muitas vezes se tomava desnecessária. Cada um sabia perfeitamente
o que o outro sentia. Não liam os pensamentos, mas na situação em que se encontravam
isso nem era necessário.
Comprimiram exatamente no mesmo instante os pinos de contato das cápsulas
detonadoras. As garras de seus trajes espaciais abriram-se. As duas bombas de ácido Stog
ficaram depositadas junto ao primeiro bloco de cristal. Os gêmeos Woolver dispunham
de exatamente cinco segundos para abandonar a área de perigo direto.
Introduziram-se na freqüência de impulsos que já tinham identificado. Dali a dois
segundos materializaram no interior do órgão conversor em forma de caracol, para voltar
a dissolver-se imediatamente.
4

O planador passara a deslocar-se junto à superfície. O Tenente-Coronel Uwanok


olhava atentamente para as telas.
O paredão de rocha que ficava à sua esquerda era cada vez mais íngreme, enquanto
à sua direita o chão parecia coberto de uma substância granulosa a alguns metros de
distância, para logo adiante transformar-se em alguma coisa parecida com lama.
Não se via sinal do desconhecido que havia lançado a bomba. Aino acreditava que
estava escondido na rocha. Do contrário teria que tornar-se invisível. De propósito fez
com que o planador sobrevoasse o terreno em alta velocidade. Talvez conseguisse levar o
desconhecido a atacá-lo de novo. Dificilmente haveria outra oportunidade de encontrá-lo.
O veículo não se prestava para uma viagem sobre as rochas, e Aino achava que não
valeria a pena sair a pé à procura do desconhecido. Havia muitos esconderijos na rocha.
Percorreu seis quilômetros e parou. As descargas que se verificavam junto ao horizonte
eram cada vez mais intensas. Aino Uwanok achou que não seria recomendável chegar
ainda mais perto. Além disso não queria afastar-se muito dos amigos.
Suspirou e apagou o charuto fumado pela metade. Guardou a carabina energética e
pegou uma arma de choque de cano curto. Além disso colocou um bastão prateado num
bolso externo do traje espacial. Tratava-se do projetor hipnótico. Em seguida fechou o
capacete e desceu.
Deixou-se cair do planador. Saiu rastejando a quatro em direção ao paredão de
rocha. Subiu rapidamente pelo mesmo. Aproveitou uma saliência estreita na rocha para
afastar-se mais vinte metros do veículo. Entrou numa fenda estreita que poderia servir-lhe
de abrigo. Entrou o suficiente para que somente a cabeça saísse da mesma. Mal conseguia
apoiar-se com os pés. Mas poderia agüentar apoiando-se com as costas na parede. A
profundidade da fenda era de dez a doze metros aproximadamente. Uwanok não
conseguiu avaliar exatamente. Preferiu não usar o farol infravermelho. Era possível que o
ser que estava procurando enxergasse no setor infravermelho, e neste caso a luz poderia
traí-lo.
Aino olhou para a planície. Sorriu satisfeito. Qualquer pessoa que se aproximasse
do planador não escaparia à sua atenção. Todos os corpos emitiam radiações
infravermelhas. Por isso seriam visíveis através do visor especial do capacete, mesmo que
não usasse o farol.
Mas o tempo foi passando e não houve o menor movimento. Aino voltou a refletir.
Ainda não sentia medo, ma; aos poucos um sentimento de solidão infinita foi tomando
conta dele. Antes de ingressar na Academia Espacial de Terrânia estudara matemática
hiperdimensional, além das disciplinas denominadas formas de ultra-energia e
parapsicologia.
Recapitulou várias vezes a situação em que se encontrava e finalmente chegou a
uma conclusão. Um setor da matemática hiperdimensional estudava as diferenças dos
conteúdos energéticos dos átomos. Se alguém conduzisse certo volume de energia a um
átomo ou grupo de átomos, o mesmo seria erguido a um nível energético mais elevado.
Mas esta forma de estímulo dava origem a uma instabilidade dos átomos. Se o
suprimento de energia fosse interrompido, os átomos não demorariam a regredir a um
nível energético mais baixo. Para o cientista que os observasse, desapareciam. Este efeito
já fora constatado no século vinte, mas só dali a cento e cinqüenta anos se descobrira a
causa do mesmo. As experiências deste tipo podiam ser repetidas à vontade nos
ciclotrons. Mas só se conseguia influenciar uns poucos átomos. Mas os cálculos teóricos
haviam revelado que deveria ser possível transferir grandes grupos de átomos como os
que formavam porções de gases ou líquidos, e até corpos sólidos, a níveis energéticos
diferentes. Isso poderia ser feito até mesmo com seres humanos. Mas era apena uma
possibilidade teórica que não podia ser aplicada na prática.
Aino não tinha muitos preconceitos conservadores, fato de que a teoria dos níveis
não podia ser aplicada na prática pelos seres humanos não entrava em contradição com as
possibilidades traçadas pelas leis da natureza. E se a leis naturais não constituíam um
obstáculo à aplicação da teoria dos níveis, esta aplicação teoricamente não era
impossível.
Em sua opinião podia partir do pressuposto de que ainda se encontrava no planeta
Arctis. Mas o quadro que via diante dos olhos parecia contrariar essa suposição. A
contradição só poderia ser resolvida por meio da teoria dos níveis. Ele e seu veículo
deviam ter recebido um aumento de carga energética quando os foguetes Evoc foram
detonados. Dessa forma fora elevado a um nível mais alto, para em seguida cair para um
nível inferior ao do plano existencial normal de Arctis. Em sentido figurado poder-se-ia
dizer que se encontrava embaixo da superfície do planeta, embora na verdade estivesse
em cima do mesmo.
Era uma situação bem complicada, mas o reconhecimento da mesma não abalou o
tenente-coronel. No início ficara nervoso por não poder cumprir mais a tarefa que lhe
fora confiada, mas quando concluiu suas reflexões compreendeu que isso não importava
mais. Se Arctis tivesse sido destruído, não poderia haver um nível energético mais
elevado ou mais baixo. Neste caso já deveria estar morto. Como estava vivo, Arctis
continuava a existir em seu estado primitivo.
Mas sob outro ponto de vista Aino Uwanok era menos otimista. Achava pouco
provável que se verificasse a repetição de um acontecimento que se observara por acaso.
Sua transferência ao plano energético em que se encontrava só poderia ter resultado de
um acaso. Portanto, não haveria possibilidade de voltar ao nível normal.
Precisava encontrar um meio de adaptar-se às novas condições. Esperava que,
voluntariamente ou não, seu inimigo desconhecido pudesse fornecer-lhe algumas
indicações preciosas.
Aino sobressaltou-se ao ser ofuscado por um forte lampejo.
Dali a pouco o estrondo de uma forte explosão atingiu os microfones externos de
seu traje espacial. Uma onda de ar quente empurrou o tenente-coronel contra a parede da
fenda. Ficou inconsciente por alguns segundos. Quando recuperou os sentidos, estava
deitado no chão da fresta. Fora salvo graças à elasticidade da superfície.
Escalou as paredes da fenda, cheio de maus pressentimentos. Uma vez em cima,
olhou perplexo para o lugar em que pouco antes estivera seu planador: Só restava uma
mancha negra e grande número de destroços incandescentes.
Aino rangeu os dentes. Subestimara o inimigo. Segundo seu plano, deveria provocar
o desconhecido a realizar um ataque a seu veículo. Uma bomba do tipo que tinha sido
usado contra ele não poderia avariar o planador. Depois de lançada essa bomba, Aino
atingiria o desconhecido com a arma de choque ou o projetor hipnótico.
Mas o outro tinha sido mais inteligente que ele. Isso deixou Aino contrariado.
Sentiu-se tentado a saltar para fora de seu esconderijo e mostrar alguma coisa ao
desconhecido. Foi bastante inteligente para não ceder a esta tentação. Seu planador fora
destruído. Talvez conseguisse levar o inimigo a sair do esconderijo. O mesmo certamente
acreditava ter matado os tripulantes do veículo.
Mais meia hora passou e tudo continuou em silêncio. Uwanok modificou mais uma
vez sua opinião sobre o desconhecido. O comportamento do mesmo só podia levar a uma
conclusão; ele sabia que Aino não se encontrava no interior do veículo, mas estava
escondido em algum lugar, à espera de que ele aparecesse. Também estava escondido,
fazendo votos de que Aino fosse o primeiro a perder os nervos e sair de seu abrigo.
Quando suas reflexões chegaram a este ponto, o oficial deu uma risada silenciosa.
Sabia até onde chegava sua paciência. Em sua opinião nenhum ser inteligente podia
competir com ele neste ponto. Escorregou para o lado, para ficar mais confortável.
Agüentaria muito tempo, ainda mais que não sentia dores.
Três horas passaram sem que acontecesse nada. De repente Aino ouviu alguma
coisa se arrastando, e em seguida algumas batidas. Os microfones de alta sensibilidade
embutidos do lado de fora de seu capacete representavam uma vantagem enorme em
relação à audição normal. Os ruídos captados de forma muito nítida levaram Aino à
conclusão de que alguém escorregara e se debatera involuntariamente com os braços,
para encontrar alguma coisa em que pudesse apoiar-se.
Sorriu. Sua paciência estava sendo recompensada. O desconhecido resolvera sair
antes dele. Sem dúvida queria certificar-se de que Aino tinha fugido.
Os ruídos revelaram a posição do inimigo. Aino saiu do esconderijo sem fazer
qualquer barulho. Rastejou de barriga sobre a substância elástica, contornando as
saliências. Rolava por cima de pequenas reentrâncias.
Quando atingiu a borda de uma pequena elevação, avistou o outro. O mesmo
rastejava por cima do topo de uma colina. Dirigia-se a uma caverna situada na parede que
ficava do outro lado.
Aino ficou imóvel por um momento, de tão perplexo que estava. Não sabia
exatamente o que esperara encontrar, mas não estava preparado para ver um robô de oito
pernas.
Parecia antes uma tartaruga. Tinha cerca de um metro de comprimento e igual
largura. Aino não descobriu nada que se parecesse com uma cabeça, mas em
compensação viu oito membros curtos e desajeitados, que arrastaram e empurraram o
corpo em câmara lenta sobre a elevação.
Uwanok pôs-se a praguejar. Sabia perfeitamente que não poderia enfrentar o robô
nem com a arma de choque nem com o projetor hipnótico. De outro lado a tartaruga
parecia ter sido avariada na queda, pois do contrário não teria necessidade de sair
rastejando em direção à caverna.
A única coisa que Aino podia fazer era contornar a elevação e aproximar-se da
caverna, vindo do outro lado. Esperava que, uma vez lá, se lembrasse de alguma coisa
que pudesse fazer contra o robô.
Mas não teve tempo para executar seu plano.
De repente o chão em que estava deitado parecia tombar. Aino teve a impressão de
que estava caindo. Encolheu-se instintivamente. Dali a pouco houve um terrível
solavanco. Aino ainda chegou a perceber que não batera em lugar algum, mas que todos
os movimentos tinham parado de repente. Depois desmaiou.
***
A tela dos rastreadores energéticos mostrou uma imagem do inferno.
A iluminação do centro de rastreamento foi superada pela luz ultra forte do moby
que se aproximava em alta velocidade. Os rastreadores estruturais emitiram um terrível
zumbido oco, embora sua capacidade de recepção tivesse sido reduzida ao mínimo.
— Ainda sem mudança, major? — perguntou a voz de Rhodan, superando os ruídos
variados.
— Nenhuma, senhor. A rota e a velocidade continuam inalteradas. Deve ter...
O chefe do centro de rastreamento interrompeu-se quando duas faixas de névoa
luminosa saíram do conjunto de entrada dos rastreadores. Um técnico em armamentos
que se encontrava no caminho foi atirado para o lado quando Rakal e Tronar Woolver
materializaram.
Perry Rhodan e Atlan olhavam com uma expressão de ansiedade para os rostos dos
sprinters, mas estes só mostravam a tensão nervosa produzida por uma tarefa perigosa.
Os gêmeos não fizeram nenhum comentário. Pegaram mais duas bombas de ácido.
Parecia que queriam partir imediatamente para prosseguir na execução da tarefa.
— Duas bombas foram lançadas segundo as ordens recebidas, senhor — informou
Tronar. — Já constataram algum resultado?
— Não, Tronar — respondeu Atlan. — Enfrentou muitas dificuldades?
Não houve resposta. Os Woolver desapareceram tão depressa como tinham vindo.
Rhodan manifestou suas dúvidas.
— Levaram cerca de noventa segundos. Receio que os problemas sejam piores do
que prevíamos.
Gucky aproximou-se arrastando desajeitadamente os pés. O rato gigante de cauda
larga sempre fazia figura esquisita quando tentava locomover-se como um ser humano.
Mas não se devia esquecer que o rato-castor não dependia dessa forma de locomoção.
Dominava a arte da teleportação melhor que qualquer ser conhecido.
Gucky entesou o corpo à frente de Rhodan e Atlan. Seus olhos de botão fitaram os
dois homens mais poderosos do Império Solar com uma expressão recriminadora.
— Por que os deixaram partir de novo, se estão com medo de que alguma coisa
possa acontecer com eles? — perguntou com a voz estridente. — Os gêmeos estão
enfrentando problemas muito difíceis. Li seus pensamentos.
— Não diga! — observou Atlan em tom sarcástico.
Gucky fitou-o com os olhos chamejantes de raiva.
O arcônida sorriu e levantou o rato-castor. Colocou-o sobre o braço, como se o
mesmo não pesasse mais que um saco de penas.
— Tudo bem, baixinho. Posso imaginar que um moby completamente ativado seja
completamente diferente de um moby em estado de rigidez. Mas nem por isso devemos
deixar de usar os Woolver. Se eles não conseguirem desviar o monstro, morreremos
todos, inclusive eles.
— Isso é uma peça de lógica fria!
Havia um tom de desprezo na voz de Gucky, mas ao mesmo tempo o mesmo baixou
a cabeça, num gesto convidativo, e ofereceu a nuca.
O lorde-almirante não teve alternativa senão acariciar a nuca de Gucky.
Por pouco não deixou cair o rato-castor, quando os gêmeos apareceram de novo.
Desta vez não disseram absolutamente nada. Pegaram mais duas bombas de ácido e
desapareceram antes que alguém tivesse tempo para abrir a boca.
Perry Rhodan olhou para o relógio.
— Tempo de operação trinta segundos. Parece que estão se adaptando ao trabalho.
Não sei o que faríamos se não tivéssemos seus agentes especiais — disse com um sorriso,
dirigindo-se a Atlan.
O arcônida colocou Gucky cuidadosamente no chão. Com os lábios fortemente
cerrados, pôs-se a observar as indicações dos rastreadores.
— Ainda não apareceu nenhum resultado, Perry. Talvez as cinqüenta bombas de
ácido não sejam suficientes para causar danos consideráveis ao cérebro de comando do
moby.
— São, sim — interveio Icho Tolot.
O halutense parecia petrificado. Qualquer ser humano se sentiria muito pequeno ao
lado do halutense. No início muitos achavam que ele era um monstro. Parecia mesmo
com a imagem que se costumava fazer de um monstro traiçoeiro, mas na verdade
dificilmente haveria ser inteligente mais bondoso que ele. Tinha uma simpatia toda
especial pelos terranos.
Atlan virou-se abruptamente. Fitou-o com uma expressão de dúvida.
— O que lhe deu essa idéia, Tolot?
O colosso deu de ombros. Era um dos gestos que aprendera com os terranos. Sabia
imitá-lo perfeitamente.
— Faça o favor de pensar um pouco, lorde-almirante.
Gucky soltou um pio forte e desafinado.
— É claro que Icho tem razão.
Atlan e Rhodan olharam para o rato-castor, espantados.
— Vocês humanos são difíceis de compreender as coisas! — disse Gucky em tom
de desprezo. — Não sabem que Icho sabe avaliar os efeitos do ácido Grog melhor que
vocês? É capaz de modificar sua estrutura orgânica de tal forma que seu corpo parece ser
de aço terconite. Não poderia ser atacado nem mesmo com uma arma energética, pelo
menos tão facilmente — confessou ao ver o olhar de dúvida de Rhodan. — Mas como
sabemos, o ácido Grog também ataca o aço terconite...
Atlan pigarreou.
— Primeiro, o nome não é Grog, mas ácido Stog, baixinho. Em segundo lugar,
Tolot não pode ser comparado com um moby.
— Acontece que para mim meio quilo de ácido Stog bastaria! — observou o
halutense com a voz retumbante. — Neste ponto estou em melhores condições para
avaliar os efeitos da substância que os senhores. Os gêmeos Woolver não precisam
destruir totalmente o moby. Basta que destruam parte dos blocos de cristal que abrigam
sua inteligência instintiva. E acho que para isso cinco mil quilogramas de ácido Stog são
suficientes.
— É verdade! — comentou Rhodan. Respirou aliviado e olhou para o relógio. —
Eles já deveriam...
Apareceram no mesmo instante.
Tronar e Rakal Woolver cambalearam quando ficaram apoiados sobre as próprias
pernas. Atlan e Rhodan saltaram para perto deles para apoiá-los.
Os dois ficaram apavorados ao ver que as peças metálicas dos trajes espaciais dos
mutantes tinham ficado incandescentes. Os gêmeos deviam ter saído diretamente de um
furacão de fogo.
O halutense deu um salto para a frente, no mesmo instante em que Rhodan e Atlan
recuaram. As garras enormes dos braços de trabalho agarraram os agentes da USO e
levantaram-nos. O calor dos trajes espaciais não o incomodava nem um pouco. Adaptara
sua estrutura orgânica numa fração de segundo.
— Obrigado! — exclamou Tronar em tom áspero. — Quer fazer o favor de nos dar
duas bombas de ácido?
Perry Rhodan deu um passo em sua direção. Distinguiu atrás dos visores dos
capacetes à prova de fogo os rostos banhados em suor.
— Se acharem que já é demais, façam uma pausa — disse com a voz calma.
Tronar deu uma risada sem graça. Pegou o recipiente de ácido que Tolot acabara de
entregar-lhe.
— Com todo prazer, senhor, mas só depois de concluir nosso trabalho.
Quando os gêmeos desapareceram, os olhos de Atlan brilharam de orgulho.
— Você tem motivo para isso — disse Rhodan. — Homens como os Woolver são
muito raros.
— Raros...? — Atlan mostrou um sorriso irônico. — Se você se refere às suas
faculdades, não posso deixar de concordar com você, Perry. Mas quanto ao resto...! Há
milhões de homens tão bons quanto eles sob suas ordens. Os terranos não são piores...
Icho Tolot deu uma estrondosa gargalhada. Os punhos correspondentes aos dois
pares de braços tamborilavam no peito. Mais uma vez o halutense se divertia a valer.
A tela do rastreador de energia continuava a mostrar o fogo ofuscante do moby que
se aproximava inexoravelmente...
***
Os sprinters estavam parados num mar de fogo.
Dois blocos de cristal do tamanho de uma casa desmanchavam-se em meio a
descargas fulgurantes e mares de fogo borbulhantes. O efeito que as bombas de ácido
tinha produzido sobre eles era semelhante ao da água sobre o cálcio ou do oxigênio puro
sobre o fósforo branco bem seco.
Era um verdadeiro milagre que os gêmeos Woolver ainda estivessem vivos. Foi
somente graças à estrutura formidável de seus trajes espaciais que o calor não atingiu
seus corpos. O envoltório exterior consistia num tecido de metal plastificado resistente ao
vácuo e capaz de romper-se com a tração. Seguia-se uma camada de substâncias isolantes
resistentes ao calor. Dentro de tudo isso havia o traje interno, que fazia com que a pessoa
que o usasse ficasse envolta em ar respirável. Mesmo que o traje externo fosse
danificado, o traje interno continuaria a desempenhar as funções de proteger a pessoa
contra o vácuo.
Mas o cérebro do moby também não era muito vulnerável. Os grandes blocos de
cristal, alguns deles do tamanho de um iceberg, ficavam bem longe um do outro. Entre
eles outros blocos de cristal, do tamanho de uma cabeça ou de dimensões microscópicas,
pendiam do teto e das paredes. Refletiam em várias cores o fogo dos blocos que se
fundiam, mas isso parecia não afetar seu funcionamento.
Rakal e Tronar arremessaram o quinto e o sexto recipientes de ácido contra uma
aglomeração de blocos de tamanho médio. Depois voltaram a introduzir-se no fluxo de
energia que os levaria à Crest II.
Quando voltaram, um rio de fogo vermelho veio em sua direção. Desviaram-se e
subiram num bloco de cristal. De lá viam os efeitos das últimas bombas que tinham
lançado. No lugar em que pouco antes houvera dezenas de blocos cerebrais via-se uma
massa fumegante. Naquele momento esta massa começava a atingir um bloco do
tamanho de uma casa. Uma espuma branca subiu pelo mesmo, dando a impressão de que
se tratava da arrebentação do mar. O bloco atingido mudou de cor e foi tombando para a
frente.
— Vamos embora! — gritou Rakal.
Agarrou o irmão pelo braço e arrastou-o.
Tronar não perdeu tempo. Os dois mutantes saíram correndo aos saltos para afastar-
se da área perigosa. Dirigiram-se a outra aglomeração de blocos cerebrais de tamanho
médio.
— Quem sabe se não descobrimos o ponto mais vulnerável? — gritou Tronar,
enquanto os dois ativavam as cápsulas explosivas.
Rakal acenou com a cabeça. A frente de chamas lançou sua sombra contra o bloco
de cristal mais próximo. Era tão grande que até parecia um fantasma.
Neste instante o bloco atingido pelo calor caiu na espuma incandescente. Rompeu-
se com um estrondo ensurdecedor. Fragmentos e porções de matéria incandescente
atravessaram o recinto.
Mas isto os gêmeos nem chegaram a ver.
Tinham-se introduzido novamente em seu fluxo energético, para trazer mais
bombas de ácido.
***
O mundo parecia estar de cabeça para baixo.
O Tenente-Coronel Uwanok não se abalava por pouca coisa mas quando recuperou
os sentidos soltou um grito de dor.
A paisagem rochosa na qual estivera estendia-se em cima dele. Mas embaixo dele
não havia nada, absolutamente nada. Teve de fazer um grande esforço para não ficar
tonto. Seu estômago revoltou-se. Compreendeu que estava prestes a sentir o enjôo do
mar. E no interior do traje espacial fechado os resultados seriam catastróficos.
Conseguiu recuperar-se. Moveu cautelosamente os braços e as pernas. Não
encontrou nenhuma resistência, e isso o deixou estupefato. Tentou levantar. O resultado
foi exatamente o que ele esperara. Nada melhor para movimentar-se que a condição de
ausência de gravidade.
Parou surpreso. Lançou um olhar desconfiado para a paisagem montanhosa da qual
acabara de cair. Por que a queda fora interrompida se não havia nada embaixo dele?
Normalmente teria de prosseguir na mesma direção para todo o sempre. A queda só
poderia ser freada por alguma influência externa. Mas qual teria sido essa influência?
Aino Uwanok pensou em usar o pequeno retro-propulsor de seu traje espacial para
fazer uma experiência. Devia ser possível atingir a paisagem rochosa com o mesmo...
Chegou à conclusão de que não custaria experimentar.
Conseguiu girar o corpo de maneira a dar a impressão de que estava de pé sobre o
abismo escuro. Pôs a mão na chave embutida no cinto e ativou o sistema de propulsão.
Começou a movimentar-se levemente em direção oblíqua. Já estava acreditando que a
experiência seria bem-sucedida, quando atingiu a linha imaginária que separava o mundo
inferior e o mundo superior. Os microfones externos transmitiram um forte estrondo.
Aino caiu de cabeça em direção ao abismo.
Desta vez não perdeu os sentidos. Queria saber o que o detivera da primeira vez.
Com uma expressão obstinada no rosto, viu o negrume vir em sua direção. Os dedos
seguravam a alavanca de direção do retro-propulsor de tal maneira que os pequenos
bocais de jato apontavam para o mundo superior. Ia caindo cada vez mais depressa.
De repente mergulhou na escuridão negra. Não houve nenhum choque, mas Aino
percebeu que no mesmo instante seu retro-propulsor deixou de funcionar. Agitou
violentamente os braços para ficar de costas. Por alguns segundos a visão para o mundo
superior ficou encoberta por causa das névoas sombrias.
Aino Uwanok chiava ao respirar. Concluiu que não estava deitado sobre um
abismo. Fossem quais fossem as características do negrume, o mesmo havia impedido o
funcionamento de seus jatopropulsores. Enquanto isso a velocidade da queda ia se
reduzindo aos poucos. A seguir bateu contra a vontade na superfície formada pela
substância negra.
Aos poucos foi-se acalmando. Seu cérebro bem treinado começou a fazer cálculos.
O “tombo” do plano existencial devia ter uma causa. Como este plano era a forma
pela qual se manifestava um nível energético mais baixo, a explicação era muito fácil. O
plano existencial do nível considerado normal era o único que estava em equilíbrio. Os
outros só podiam ser instáveis, quer o conteúdo energético fosse mais elevado, quer fosse
mais reduzido. Havia oscilações. Mas estas se mantinham dentro de limites reduzidos. Só
haveria desvios mais fortes se ocorressem influências energéticas mais fortes vindas do
plano normal.
Feitas estas reflexões, Aino já não teve nenhuma dúvida de que no plano normal de
Arctis ou nas imediações do planeta estava havendo a liberação ou o desaparecimento de
grandes quantidades de energia hiperestrutural. Isso poderia ter várias causas. A frota
twonoser estava bombardeando o planeta, ou então o mesmo estava sendo destruído pelas
naves terranas.
O tenente-coronel sacudiu lentamente a cabeça.
Nem mesmo a destruição de uma grande frota poderia exercer qualquer influência
sobre o plano existencial. Se não fosse assim, efeitos semelhantes já deveriam ter sido
observados em outras oportunidades. Lembrou-se da gigantesca luminosidade que notara
pouco antes de mergulhar no gelo. Naquela oportunidade não tivera nenhum interesse na
bola de fogo, já que sua missão ainda estava em andamento. Mas naquele momento
começou a desconfiar de que, ao contrário do que pensara, esse fenômeno causara o
fracasso de sua tarefa. Mas se fosse assim, o mesmo também devia ser responsável por
sua transferência para outro plano existencial.
Com isto algumas coisas mudavam. Até então Uwanok acreditara que deveria agir
exclusivamente como particular, mas agora sabia que ainda era um tenente-coronel da
frota da USO. Uma bola de fogo que modificava os níveis energéticos era capaz de muita
coisa. Poderia, por exemplo, destruir Arctis, a Estação Louvre e, portanto, o
Administrador-Geral do Império Solar...
Aino Uwanok achou que era sua obrigação evitar que isso acontecesse, desde que
pudesse.
Lembrou-se do robô de oito pernas. A mesma coisa que tinha acontecido com ele
também devia ter acontecido com seu inimigo mecânico. Certamente também caíra sobre
o plano negro. Aino não sabia por quê, mas seu instinto lhe dizia que o robô representava
uma personalidade-chave. Precisava encontrá-lo. Era bem verdade que Aino não sabia o
que faria depois.
Voltou a levantar. Não podia andar, mas há pouco a planície negra não impedira o
vôo horizontal. Aino acreditava que neste ponto a situação não se modificara.
O conjunto entrou em funcionamento imediatamente. Uwanok subiu a cerca de
quatro metros de altura e passou para o vôo horizontal. A planície negra deslizava
embaixo dele. Parecia não haver vida na mesma, mas Uwanok já não se atemorizava com
ela. Não acreditava que fosse uma coisa que tivesse existência real. Em sua opinião era
apenas um efeito do deslocamento do nível energético. Era bem verdade que só por muita
sutileza se poderia ver uma diferença nisso, mas com isso se tornava possível estabelecer
certas distinções no plano da matemática.
Quando tinha percorrido cerca de duzentos metros, Aino Uwanok moveu a alavanca
da direção para a esquerda. Passou a voar em círculo, reduzindo aos poucos o raio do
mesmo. Dessa forma poderia vasculhar cuidadosamente a área.
Quando estava descrevendo o sexto círculo, descobriu o robô.
A “tartaruga” estava deitada de costas, com as pernas esticadas. Não fazia nenhum
movimento. Aino desceu a alguns centímetros da superfície. Aproximou-se
cuidadosamente do robô. Sabia perfeitamente que diante da máquina estava
completamente indefeso.
Parou quando ainda estava a um metro do robô. Contemplou atentamente a figura.
O revestimento parecia ser de aço plastificado molecularmente condensado de alta
qualidade. Havia excrescências semelhantes a verrugas sobre o mesmo. Ao que parecia,
tratava-se de órgãos sensoriais mecânicos. Os membros eram relativamente rudimentares.
Possuíam uma junta em dobradiça que só funcionava para um lado, que possibilitava um
mínimo de mobilidade. Na extremidade inferior dos membros havia garras.
Esta constatação animou o oficial a chegar ainda mais perto. Acionou várias vezes
os propulsores, para atingir a parte dianteira do robô. Teve o cuidado de não se colocar ao
alcance das garras. Como os membros eram muito curtos, Aino podia aproximar-se a
alguns centímetros.
Bateu com o cano da arma de choque no revestimento da máquina. Houve um ruído
surdo. Um sorriso irônico apareceu no rosto de Aino ao constatar que até mesmo sobre a
planície negra havia uma camada atmosférica. Como o robô não fez nenhum movimento,
golpeou com mais força.
De repente ouviu um zumbido fraco. Quis recuar assustado, mas como a planície
não oferecia nenhuma resistência, só executou alguns movimentos grotescos, girando
uma vez em tomo do próprio eixo.
Surpreendeu-se ao notar que o robô não tinha feito nenhum movimento. Só nesse
instante deu-se conta do que lhe fazia mais falta. Era uma máquina tradutora. Se o robô
possuísse órgãos de fonação, não haveria meio de comunicar-se com ele. Não era de
esperar que dominasse o terrano ou o intercosmo, que era a linguagem universal
galáctica.
Mais uma vez se fez ouvir o zumbido. Houve alguns sons modulados. Aino
Uwanok deu de ombros, com o rosto triste.
— Sinto muito, meu chapa, mas você não me compreende e eu não compreendo o
que você diz.
O robô fez ouvir um zumbido prolongado. Aos poucos o mesmo foi passando para
tons mais agudos.
— Pare com isso! — resmungou Uwanok. — Não há quem agüente essa barulheira.
— Eu, meu chapa?! — ouviu Aino.
O tenente-coronel deixou cair o queixo. Falara o angolo-terrano, e o robô acabara de
responder na mesma língua.
— Por Júpiter! — exclamou.
— O que... é... Júpiter? — perguntou o robô. — Não compreendo. Ouvir mais.
Aino Uwanok ficou estupefato. Compreendeu que o robô estava equipado com uma
tradutora. Naturalmente era difícil analisar e reconstituir uma língua completamente
estranha com base em algumas frases.
O tenente-coronel recapitulou o que aprendera em matéria de análise lingüística. Na
Academia foram obrigados a tentar analisar e aplicar as línguas artificiais criadas pelos
centros de computação positrônica, com base numa série de perguntas sistemáticas e na
interpretação das respostas.
Depois de uma conversa aparentemente insensata de dez minutos o robô
interrompeu a palestra.
— Muito obrigado, senhor. Já o compreendo muito bem. Vamos ao assunto. Quais
são suas condições?
— Con...! Como é mesmo...? — gaguejou Uwanok. — O que quer dizer com isso?
— perguntou ao notar que não obtinha resposta.
— Vamos falar com toda franqueza, senhor. Minha tarefa consiste em proteger esta
planície. O senhor penetrou na mesma sem permissão. Nem mesmo agora está em
condições de identificar-se como pessoa autorizada. Mas de outro lado não posso destruí-
lo, conforme corresponderia à minha tarefa. Parece que o senhor tem possibilidade de pôr
fora de ação meu senso de orientação. As ordens que recebi prevêem que nesse caso devo
celebrar um acordo.
— Ah, é...? — respondeu Aino, esticando as palavras.
Começou a compreender. Parecia que o robô, que se apresentara com o nome ou
designação de Lub, acreditava que Aino Uwanok havia provocado a inversão do plano
existencial. Aino pôs-se a refletir sobre as vantagens que poderia conseguir com isso.
Chegou à conclusão que seria preferível dizer a verdade.
— Preste atenção, Lub! — ordenou. — Você está muito enganado. Não foi de
propósito que entrei na sua planície. Pelo contrário. Ficaria muito satisfeito se pudesse
sair. Só quero que você me ajude nisso.
Lub ficou calado por alguns segundos. Para um robô isso significava muita coisa.
Finalmente respondeu.
— De acordo. Mas não posso ajudar o senhor enquanto impedir o funcionamento de
meu órgão de orientação.
Aino deu uma risada áspera.
— Não estou impedindo nada. Mas mesmo que pudesse suspender o impedimento,
eu não o faria. Acho que você me destruiria imediatamente.
— É verdade, senhor. É o que prescreve minha programação.
— Que programação maluca! — constatou o tenente-coronel. — Parece que seus
donos não têm nem um pouco de senso de humor. Mas vou contar uma coisa. Sei lidar
muito bem com tipos como você, e sei que está mentindo. Você não precisa de seu
sentido de orientação para descrever o caminho que leva para fora daqui. Vamos! Fale
logo. Assim que estiver novamente no nível normal, vou ajudá-lo. Tenho uma idéia muito
precisa sobre as causas do emborcamento deste mundo.
A última frase não era verdadeira. Aino Uwanok só tinha algumas idéias vagas.
Nenhuma delas parecia ter muita base. Mas isso não importava. Não sentia pena de um
robô. As máquinas não tinham sentimentos.
— De acordo — disse Lub. — Faça o seguinte...
Infelizmente por enquanto estas palavras foram as últimas que Aino ouviu de Lub.
De repente surgiu uma fresta luminosa na planície negra.
Aino começou a cair. Logo perdeu os sentidos.
***
Depois do sexto ataque dos gêmeos Woolver notou-se uma alteração no moby que
se aproximava em alta velocidade.
A concentração energética ultra luminosa em forma de disco começou a pulsar.
Tormentas atômicas rugiam embaixo da superfície incandescente. O moby tinha o
aspecto do centro de uma gigantesca bomba nuclear.
Mas prosseguiu inabalavelmente no seu caminho.
— Ainda faltam trinta milhões de quilômetros! — disse Perry Rhodan com a voz
apagada. — Se não acontecer um milagre, daqui a três minutos começará o fim do
mundo.
Olhava fixamente para os sprinters, que viviam aparecendo para desaparecer em
seguida. Notou que os gêmeos estavam próximos ao esgotamento físico total.
Icho Tolot não parecia preocupado com o perigo. Realizava medições de energia
com a objetividade de um cientista. O que mais lhe interessavam eram as frentes de ondas
hiperenergéticas partidas do monstro.
Fez alguns cálculos e virou a cabeça em forma de abóbada para Rhodan.
— O senhor poderia fazer o favor de mandar verificar se Arctis está sofrendo
alguma alteração gravitoenergética?
Perry Rhodan olhou-o como se não estivesse compreendendo. Mas conhecia o
halutense e mandou que as medições fossem realizadas com a maior urgência. Enquanto
dois especialistas se mantinham ocupados com as medições, perguntou:
— O senhor acha que deveria haver este tipo de alteração, Tolot?
— A pergunta não foi corretamente formulada. Deveria ser a seguinte: Por que
ainda não percebemos? Afinal, as frentes de ondas hiperenergéticas lançadas pelo
monstro não poderiam deixar de produzir certas alterações. Por vezes estão ocorrendo
abalos estruturais de mais de cem bilhões de gigawatts.
— Cem bilhões de gigawatts...? — perguntou Perry Rhodan em tom de
incredulidade. — O senhor examinou os resultados das medições, Tolot? — no mesmo
instante compreendeu que a pergunta não tinha sentido. Era claro que o halutense havia
examinado os dados. Nunca aceitava um dado antes de verificar os cálculos que tinham
levado ao mesmo.
Neste instante os especialistas concluíram suas medições. O chefe forneceu a
informação.
— Não constatamos qualquer alteração gravitoenergética, senhor.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — disse Tolot com a maior calma. —
Se não fosse assim, já teríamos sentido os efeitos.
— Mas a energia tem de ficar em algum lugar — objetou Atlan. — Nada se perde
no Universo.
— É claro que a energia deve estar em algum lugar — disse Icho Tolot. — A
porção que atinge a superfície de Arctis não pode deixar de produzir seus efeitos.
— Estes efeitos não podem ser muito grandes — observou Rhodan com um sorriso.
Tolot resmungou alguma coisa que ninguém compreendeu. Ligou a memória em
que estavam armazenados os resultados das medições e não falou com mais ninguém.
Perry Rhodan sacudiu a cabeça.
— Num momento como este não estou preocupado em saber por que certa
quantidade de energia não produz os efeitos que seriam de esperar.
Atlan passou a mão pelo queixo. Parecia pensativo.
— Você está subestimando o halutense, bárbaro — mostrou um sorriso tímido. —
Se Tolot resolve ocupar-se com algum problema na situação em que nos encontramos,
este deve ter alguma relevância. Receio que os resultados não sejam muito agradáveis
para nós.
De repente Perry Rhodan mudou de assunto. Isso aconteceu quando os sprinters
apareceram e voltaram a desaparecer mais uma vez.
— É a décima segunda vez que os dois entram em ação. O moby já teve de engolir
vinte e quatro bombas de ácido. Fico me perguntando se a substância não é uma
guloseima para o monstro.
— Parece que você não conhece Rakal e Tronar — respondeu Atlan. — Os gêmeos
não se esforçariam tanto, se sua atuação não tivesse produzido algum resultado.
— Mais noventa segundos, meu caro. Depois... Rhodan interrompeu-se e arregalou
os olhos, fitando a tela do rastreador de matéria.
O moby saíra da interseção das linhas da mira automática. Sua velocidade não
diminuiu, mas desviou-se cada vez mais da rota. O diagrama mostrava movimentos
abruptos em ziguezague.
Os olhos de Rhodan brilharam. Não havia a menor dúvida de que o cérebro de
comando do monstro estava falhando. Ao que parecia, não era mais capaz de captar os
impulsos de comando emitidos por uma estação desconhecida.
Mais uma vez os Woolver voltaram de uma operação.
— Meus parabéns! — gritou Atlan. — Se puderem ajudar mais um pouco, o
problema estará resolvido.
Os gêmeos não responderam. Desapareceram simplesmente. Deram início à décima
terceira viagem.
O moby, que continuava no espaço, começou a ficar furioso. Certamente perdera o
que ainda restava de sua inteligência animalesca. A rota passou a ser elíptica e o levaria
diretamente ao sol.
Parecia que queria fazer mais um reabastecimento de energia.
Quando os gêmeos Woolver voltaram da décima quinta viagem, Rhodan deu ordem
para que a operação fosse suspensa. Rakal e Woolver deviam ter feito um esforço sobre-
humano para permanecer de pé, pois caíram ao chão assim que ouviram a ordem de
Rhodan. Os medo-robôs tiraram-nos dos trajes espaciais chamuscados e superaquecidos,
e os levaram à clínica da nave.
— E agora? — perguntou Atlan. — Se o moby voltar a sugar energia, haverá uma
catástrofe. Nem é necessário que se deixe cair voluntariamente sobre Arctis. Sabemos
perfeitamente que uma bomba lançada ao acaso também pode matar alguém.
Um sorriso apareceu no rosto pálido de Rhodan.
— Não deixaremos que as coisas cheguem a este ponto, meu caro. Vamos atacar!
5

Quando recuperou os sentidos, o Tenente-Coronel Uwanok encontrava-se no


interior de um túnel reto e escuro.
Só se via uma débil luminosidade de um dos lados, mas não bastava para romper a
escuridão. A fonte de luz era circular que nem o túnel, e seu tamanho era extremamente
reduzido. Aino Uwanok chegou à conclusão de que ali ficava a saída do túnel.
Conseguiu vencer o cansaço que ameaçava tomar conta dele e saiu caminhando em
direção à fonte de luz.
Ficou surpreso por não levar mais de vinte minutos para atingir a saída do túnel.
Viu à sua frente um pavilhão gigantesco, de forma elíptica. O rugido típico dos geradores
de alta potência enchia o pavilhão. Gigantescos blocos brilhantes branco-azuis erguiam-
se do chão e quase atingiam o teto.
Enquanto ainda estava refletindo o que significava a existência desses mecanismos
gigantescos no nível energético em que se encontrava, notou um movimento entre as
máquinas.
No mesmo instante recuou para a escuridão do túnel.
Pôs-se a refletir sobre como Lub poderia ter chegado mais depressa que ele.
Realmente, o que ele vira entre as máquinas não era outra coisa senão Lub, o robô.
Aino Uwanok deitou de barriga e voltou a rastejar em direção à boca do túnel. Uma
vez lá, ficou deitado, imóvel, observando os arredores.
Não viu sinal de Lub. Era quase certo que o robô se encontrava atrás de uma das
máquinas. Aos poucos Aino começou a compreender a finalidade dos atos que Lub
estava praticando. Sua tarefa não consistira em proteger o plano existencial em que se
encontravam, mas antes em cuidar do centro de geradores. Restava saber quem ou o que
era suprido de energia a partir dali.
Antes que Aino pudesse encontrar algo que se parecesse com uma solução,
descobriu Lub. O mesmo apareceu a pelo menos cem metros do lugar em que Aino o
tinha visto pela primeira vez. O tenente-coronel perguntou a si mesmo como Lub poderia
ter chegado lá. Teria de atravessar um trecho de alguns metros em que não havia nenhum
esconderijo. Aino sabia perfeitamente que isso não lhe teria escapado.
A solução apareceu em forma de um segundo robô. Um véu parecia cair de cima
dos olhos do oficial. Acreditara o tempo todo que Lub fosse o único robô que se
encontrava neste plano existencial. Viu que tinha sido muito ingênuo. Era impossível que
um conjunto desse tamanho fosse vigiado por um único robô, relativamente lento. Era
provável que Lub nem estivesse ali. Talvez se tivesse perdido entre os planos
existenciais.
O Tenente-Coronel Uwanok pôs-se a refletir para encontrar um meio de aproximar-
se das máquinas sem que o vissem. Queria descobrir de qualquer maneira qual era sua
finalidade. Talvez houvesse comandos e controles que lhe permitissem chegar a alguma
conclusão.
Quando os dois robôs voltaram a desaparecer, Aino levantou e saiu correndo em
direção ao conjunto mais próximo, com o corpo inclinado. Passou cautelosamente junto à
parede lisa. Teve uma decepção. Não viu sinal de comando ou controle. Mas por
enquanto só tinha examinado metade do conjunto. Pronto para fugir caso aparecesse um
robô, Aino inspecionou as duas paredes que faltavam. Foi inútil.
A solução não era difícil. O resultado do exame só mostrava que não havia um
controle em cada conjunto de máquinas. Logo, devia haver um centro de controle geral.
Mas este dificilmente se encontraria junto ao pavilhão. Dessa forma as chances de chegar
lá sem ser visto diminuíam bastante.
Saiu correndo a toda para o conjunto seguinte. Uma vez lá, esperou que sua
respiração se tornasse mais lenta e saiu rastejando bem encostado à parede, até chegar ao
outro lado. De lá arriscou o próximo salto.
Pelos seus cálculos, a distância que o separava do centro do pavilhão devia ser de
três quilômetros. Quando tinha percorrido mais ou menos metade dessa distância, a
armadilha fechou-se.
Quando ia saindo em mais uma corrida, dois robôs em forma de tartaruga dobraram
o canto do conjunto mais próximo, fechando-lhe o caminho. Aino virou-se abruptamente.
Correu para trás, com o corpo abaixado, mas não chegou longe. As máquinas
aproximavam-se de todos os lados. Seus pés em garra arranhavam ruidosamente o chão
liso.
Aino Uwanok girou rapidamente em torno do próprio eixo, à procura de uma fresta
por onde pudesse escapar. Assim que a descobriu, saiu correndo. O rangido dos pés em
garra era cada vez mais forte. Antes que tivesse percorrido metade da distância, Aino
reconheceu sua chance.
A única arma que os robôs usavam eram seus corpos. Ao que parecia, não tinham a
intenção de destruir o inimigo por meio de bombas, conforme Lub tentara. Para Aino,
isso só podia ter um motivo. Queriam evitar de qualquer maneira que alguma das
máquinas fosse danificada.
Uwanok deu uma risada enquanto passava correndo pela fresta que se abria entre
dois dos perseguidores. Era muito mais veloz e ágil que os robôs. Que tentassem pegá-lo!
Seria mais ou menos como se uma dezena de lesmas quisesse pegar um sapo.
Os robôs fizeram mais duas tentativas de detê-lo, mas de ambas as vezes Aino
escapou com a maior facilidade. Passou por cima do terceiro robô, que saiu de surpresa
de trás de uma máquina, dando um salto de flanco.
Ofegante, chegou ao lugar em que em sua opinião devia ficar o centro de comando,
ou seja, no centro do pavilhão. No primeiro instante sentiu-se decepcionado. Só havia
uma área vazia cercada pelas gigantescas máquinas. O centro estava assinalado por um
círculo amarelo de cerca de cem metros de diâmetro. Um tanto contrariado, o Tenente-
Coronel Uwanok examinou o revestimento liso do piso.
Finalmente descobriu um buraco que ficava no centro do círculo.
Dirigiu-se imediatamente ao mesmo. Estendeu cautelosamente o pé e colocou-o
sobre a abertura. Sentiu imediatamente a tração característica de um campo
antigravitacional direcionado.
Aino não teve a menor dúvida de que acabara de descobrir a entrada do centro de
comando. Sabia perfeitamente que seria muito arriscado entrar no poço antigravitacional.
Se no centro de comando houvesse outros robôs à sua espera, estaria numa armadilha.
Mas de outro lado não via outra possibilidade de resolver o enigma das instalações
energéticas. E tinha de resolvê-lo, se quisesse voltar ao seu plano existencial normal.
Com um movimento resoluto confiou seu corpo ao poço. O campo antigravitacional
levou-o suavemente para baixo. Aos poucos foi escurecendo. Aino tirou o farol
infravermelho que trazia preso ao cinto e ligou-o. O feixe de luz atingiu o nada. Por um
instante Aino chegou a recear que o conteúdo energético do plano existencial tivesse
sofrido mais um deslocamento, conforme já acontecera duas vezes. Mas finalmente o
feixe de luz atingiu chão firme.
Não viu sinal da presença de robôs. Pouco antes que seus pés tocassem o chão, Aino
Uwanok sacou a arma de choque. Queria estar preparado para qualquer eventualidade,
inclusive a de encontrar um ser orgânico no centro de comando.
No momento em que seus pés tocaram o chão, dezenas de quadrados se iluminaram
nas paredes. O oficial olhou em torno. Encontrava-se numa sala octagonal baixa. Não
havia nada na mesma, além das luminárias. Uwanok saiu caminhando lentamente em
direção a uma das oito paredes estreitas. Os pêlos da nuca se arrepiaram quando de
repente parte da parede recuou, deixando à vista um corredor retangular, que também era
iluminado por lâmpadas quadradas.
Aino Uwanok experimentou a desconfiança que lhe fora incutida durante o
treinamento. Notou a discrepância entre os numerosos guardas-robôs postados na sala de
máquinas e a ausência de qualquer proteção contra a penetração de intrusos nos recintos
subterrâneos. Mas Aino não teve a menor dúvida de que essa proteção existia.
Afastou-se da porta que acabara de abrir-se. Aproximou-se de outra parede e a
reação foi a mesma. Foi experimentando as oito paredes, uma após a outra. Todas se
abriram quando se encontrava a três passos das mesmas. Com exceção da sétima.
Aino Uwanok sorriu enquanto caminhava em direção à sétima parede. Tinha certeza
de que as outras portas não passavam de armadilhas mortais. Menos a sétima.
Bateu na mesma com a coronha de sua arma de choque. Ouviu um som metálico
oco. Satisfeito, deu um passo para trás. Seria impossível arrombar portas com uma arma
de choque e um projetor hipnótico. Mas um oficial da USO estava preparado para
enfrentar qualquer situação, por mais difícil que fosse. Treino de sobrevivência, era o que
diziam os instrutores a todos os candidatos... Realmente, o mais importante sempre era
encarar o problema sem qualquer preconceito e realizar um trabalho mental que não
deixasse nada entregue ao acaso.
Aino teve de sorrir ao lembrar-se de tudo isso. O problema que estava enfrentando
exigia um trabalho mental insignificante. Soltou seu conjunto retro-propulsor e removeu
um dos propulsores químicos. Tratava-se de um cartucho de apenas cinco centímetros de
comprimento, que proporcionava um empuxo de 450 quiloponds durante dez minutos.
Aino dispôs-se a desparafusar com a maior calma as duas partes de que era feito o
cartucho. Um bastão fino e transparente caiu em sua mão. Tratava-se da carga propulsora
propriamente dita.
Deixou cair o bastão e esmagou-o com o salto da bota. Depois recolheu o pó com
sua faca de aço terconite e soprou-o para dentro das frestas quase invisíveis da porta que
ficava na sétima parede. Espalhou uma camada finíssima desse pó até o centro da sala.
Tirou o isqueiro de um bolso externo no traje espacial. Bastante triste, lembrou-se
dos charutos que tinham sido destruídos na explosão do planador.
Ajoelhou junto à extremidade do estopim improvisado, encostou o isqueiro ao pó
propulsor e acendeu-o. Uma chama azul acendeu-se, seguida de um fogo ofuscante que
emitia um forte chiado.
Aino Uwanok atirou-se imediatamente ao chão, com os pés voltados para a porta.
Quando estava deitado, ocorreu a explosão. A onda de calor fez com que todas as
luminárias se arrebentassem. Se não fosse o traje espacial, Aino teria morrido.
Contou lentamente até três e levantou-se.
Estava escuro. O feixe de luz infravermelho atingiu cacos de revestimentos e
paredes calcinadas. O material da sétima porta se deformara. Uma metade tinha sido
impelida para dentro, enquanto a outra saía para fora em ângulo agudo.
O Tenente-Coronel Uwanok atravessou cuidadosamente a abertura que se formara,
com a arma de choque empunhada. Estava com os músculos tesos. Até parecia um grande
felino rastejando, preparado para a qualquer momento dar o salto.
Mas não havia nenhuma proteção contra a entrada de intrusos. Aino Uwanok
chegou sem incidentes ao fim do corredor. Um pedaço da parede recuou e Aino ficou
desconfiado. Saltou através da abertura e foi parar de quatro. Levantou de um salto e
olhou em torno.
Viu uma figura e levantou abruptamente a arma de choque. Mas logo sorriu,
irônico. Baixou a mão que segurava a arma.
A figura era humanóide. O crânio estreito assentava num pescoço musculoso. Os
ombros largos mostravam que o corpo era muito robusto. O tronco e os membros
estavam envoltos num traje azul-brilhante muito justo. Um par de mãos cheias de tendões
pousava sobre as armas que apareciam no interior do cinto.
Mas da mesma forma que a figura, as armas não eram perigosas. Tratava-se de uma
escultura.
O oficial permaneceu em silêncio por alguns segundos. Aos poucos foi tendo a
impressão de que havia algumas diferenças importantes em relação às raças humanóides
conhecidas. A escultura não representava um terrano, nem um arcônida ou outro
representante dos humanóides galácticos. Seria mesmo de admirar se não fosse assim.
Passou a dedicar sua atenção às instalações da sala. Teve a atenção atraída
imediatamente por um console de cerca de um metro de altura. O mesmo estava
completamente isolado, encostado a uma das oito paredes. Havia luzes de controle
amarelas em cima do mesmo.
As instalações não eram complicadas. Enquanto caminhava em direção ao console,
Aino notou alguns detalhes importantes. Começou a compreender que acabara de
encontrar aquilo que estava procurando. Parecia que ali se fazia a regulagem da energia
que estabilizava o nível artificial do plano existencial em que Aino se encontrava. Ou
melhor, que deveria estabilizar. Devia haver uma influência de fora que fizera com que
esse nível já tivesse sofrido dois deslocamentos.
Só notou o perigo quando já tinha passado uns quinze minutos verificando o sistema
de controle e observando as luzes de controle.
O sistema de comando era automático. Em virtude disso, suas reações a qualquer
influência externa seriam implacáveis. Ia enchendo os bancos de energia disponíveis um
após o outro, usando a indesejável energia estranha. Aino não tinha a menor dúvida de
quais seriam os planos do sistema automático para o caso de todos os bancos de energia
ficarem completamente carregados. Liberaria a energia e transferiria o planeta a outro
plano existencial.
Aino Uwanok não poderia permitir que isso acontecesse.
Pôs-se a refletir desesperadamente, à procura de uma solução. Nem notou que sua
testa estava coberta de suor.
Finalmente parecia ter encontrado a solução.
Mas nesse momento ouviu o arranhar típico dos robôs.
***
Cinco gigantes espaciais precipitaram-se para fora de seus hangares escavados no
gelo de Arctis e subiram ao céu, com os propulsores chamejantes.
Tratava-se da Crest II, da Thora II, da Alarico, da Napoleão e da Imperador. Eram
cinco supercouraçados, com mil e quinhentos metros de diâmetro cada. Uma das
unidades, a Imperador, não pertencia à Frota Solar. Tratava-se de uma nave da USO.
Perry Rhodan estava sentado na poltrona de emergência, ao lado do Coronel Cart
Rudo, comandante da Crest II. A figura enorme do epsalense preenchia completamente a
larga poltrona especial. Pingos de suor muito pequenos porejavam em seu rosto enorme.
A tarefa de caçar um moby enlouquecido não era nada agradável.
A tela panorâmica mostrava um quadro apavorante. O ácido Stog parecia ter um
efeito retardado. O moby já não era dono dos seus atos. Deslocava-se cambaleante em
direção ao sol, desviava-se para o lado, parava, voltava a acelerar e constantemente
arremessava bombas atômicas energético-orgânicas para o espaço.
Dali a um segundo viu-se que as naves perseguidoras corriam grande perigo de
serem atingidas por acaso. De repente uma bola de fogo ultra clara acendeu-se quatro
quilômetros acima da Crest II. Os braços da erupção sacudiram a estrutura dos campos
defensivos.
— Solicitação de cem por cento! — rangeu a voz mecânica do robô de segurança.
— Velocidade máxima! — ordenou Rhodan.
Mas Cart Rudo já tomara suas providências. Os feixes de impulsos de velocidade
superior à da luz empurraram a Crest II para fora da área perigosa. Doze bolas de fogo já
se tinham formado no espaço.
— Que tipo nojento! — esbravejou o rato-castor. — Até estou com vontade de
saltar para lá e... e...
Icho Tolot deu uma risada.
— Nojento por quê, Gucky? Só um ser racional pode ser bom ou mau. Acontece
que o moby não é racional nem inteligente. Não passa de um animal selvagem bem
treinado, de um assassino. Não conhece os padrões morais e por isso não pode ser
julgado pelos mesmos. Aliás, não acho recomendável saltar para lá. Você só queimaria o
pêlo, baixinho.
O nariz de Gucky tremeu.
— Queimar o pêlo...! — soltou um assobio agudo. — Eu lhe mostro uma coisa.
O imediato olhou com uma expressão de perplexidade para seu cachimbo, que
abandonara sua boca, subindo ao teto. Uma vez lá, efetuou um mergulho elegante. O
fornilho virado martelou o crânio em cúpula de Tolot. Fogo, cinzas e tabaco picado foram
caindo sobre o mesmo.
Perry Rhodan virou abruptamente a cabeça.
— Pare com isso, oficial especial Gucky! O senhor passará três dias na prisão e
ficará uma semana sem cenouras.
O rato-castor encolheu visivelmente. A pior coisa que lhe podia acontecer era
Rhodan chamá-lo de senhor com tanta rispidez. Em comparação com isso quase não
chegava a sentir a privação das cenouras, embora estas fossem seu prato predileto.
Icho Tolot passou a mão enorme pelo crânio. Gucky mal teve tempo para afastar o
cachimbo telecineticamente e enfiá-lo na boca do imediato.
— Deixe para lá, senhor — disse a Rhodan. — O culpado sou eu. Não deveria ter
esquecido que depois de sua missão especial em Isan Gucky demonstra uma reação
alérgica a tudo que diz respeito ao seu pêlo — lançou um olhar para o rato-castor, que
estava muito deprimido. — Desculpe, sim, baixinho?
Gucky saiu andando na direção do halutense. Estava com os ombros caídos. Parou à
frente do gigante e olhou para ele com uma expressão ingênua. Por pouco não perdeu o
equilíbrio.
— Quem deve pedir desculpas sou eu, Icho. Um rato-castor nunca deve perder o
autocontrole. Mas se você souber como consegui salvar sozinho os paraescravos de Isan,
você me perdoará. Imagine só! Um dos nativos me aplicou um emplastro vegetal numa
ferida. Fiquei que nem uma galinha na panela.
O halutense foi baixando a mão enorme e passou a mesma pela nuca de Gucky.
— Vamos esquecer o incidente, pequeno. Combinado?
O rato-castor acenou com a cabeça. Lançou um olhar ansioso para Perry Rhodan.
— Mas é claro! — Tolot compreendeu imediatamente. — Vou interferir junto ao
Administrador-Geral.
Rhodan pigarreou.
— Está bem. Também vou esquecer. Mas quero que você peça desculpas também
ao imediato...!
O rato-castor deu um salto de alegria. No último instante usou a energia telecinética
para deter a queda. Depois teleportou para junto do imediato.
Rhodan sorriu. Parecia mais descontraído. Mas seu rosto logo voltou a assumir uma
expressão séria. Ficou rígido que nem uma máscara. Não era hora para sentimentos.
— Rhodan chamando comandante da Napoleão! — disse para dentro do microfone
do setor de telecomunicação. — Peço que venha imediatamente. Desligo.
O rosto estreito e escuro de um terrano apareceu em uma das telas.
— Coronel Rigard falando. Chamando o Administrador-Geral. Responda, por favor.
Desligo.
— Acelere com a potência máxima, Coronel Rigard. É urgente. Desligo.
O comandante da Napoleão confirmou a ordem. Sua voz parecia espantada, mas a
nave não levou um segundo para arrancar.
Dali a cinco segundos a bola incandescente de uma explosão atômica se formou oito
quilômetros atrás dela. Atlan franziu a testa e olhou fixamente para o amigo.
— Diga uma coisa, Perry. Como sabia que a Napoleão estava em perigo? Não
venha me dizer que mantém contato telepático com o monstro.
Rhodan deu de ombros.
— Não sei absolutamente nada. Foi por intuição, caso esteja interessado em saber.
Talvez tenha notado que a Napoleão foi a única nave contra a qual ainda não tinha sido
lançada nenhuma bomba.
O campo defensivo da Crest II voltou a ser sacudido por uma explosão. A nave
tremeu. Rhodan segurou-se na poltrona anatômica.
Atlan deu uma risada áspera.
— Vejo que você não é nenhum vidente. Ou será que não estava prestando atenção?
Rhodan não respondeu. Limitou-se a sorrir, zangado. Observava atentamente o
moby cambaleante. Ligou para o rastreamento e pediu que fornecessem a distância.
Depois disso fez uma ligação coletiva para todos os comandantes de unidades.
— Atenção! Rhodan falando. Os movimentos do moby já estão sofrendo a
influência da gravitação do sol. Vamos fazer o possível para levá-lo de vez para dentro do
mesmo. Dentro de sessenta segundos os raios de tração de todas as naves agirão de forma
concêntrica. A coordenação ficará a cargo do centro de comando de tiro da Crest II.
Inclinou o corpo e colocou o dedo sobre o botão do cronômetro.
— Atenção! Contagem regressiva será iniciada... É agora!
***
O Tenente-Coronel Uwanok virou-se apavorado. Olhou para a porta de trás da qual
vinham os ruídos provocados por robôs.
Era tarde! Tarde demais para fazer qualquer coisa!
Dali a pouco não haveria mais ninguém que pudesse impedir que o dispositivo
automático prosseguisse em sua ação implacável. O planeta Arctis e tudo que havia sobre
ele fatalmente desapareceria dentro de algumas horas.
O oficial lançou um olhar desesperado para o quadro de comando. Logo agora que
ele tinha encontrado a solução tinham de aparecer os guardas desse plano existencial.
Levariam apenas alguns minutos para agarrá-lo. Não haveria tempo para manipular os
comandos que se tomavam necessários.
Por um instante uma idéia audaciosa atravessou o cérebro de Aino. Mas ele logo a
abandonou. Se usasse sua carga propulsora para destruir o console de comando, o curto-
circuito faria com que a energia armazenada fosse liberada imediatamente. Era
exatamente o que queria evitar.
Os ruídos vinham de junto da porta.
Quando esta se abriu, os robôs desajeitados entraram na sala de comando em massa.
Aino Uwanok apertou o botão que acionava a arma de choque. Não houve nenhuma
reação, conforme se esperava. Os robôs aproximavam-se inexoravelmente.
O tenente-coronel lançou mão do último recurso que ainda lhe restava. Colocou-se
ao lado do console de comando, para que seus perseguidores vissem a ele e também as
teclas. Colocou as mãos sobre as mesmas, com os dedos bem abertos.
A frente de robôs estacou.
Aino Uwanok respirou aliviado.
— Esta linguagem vocês entendem, não é mesmo? Se não abandonarem
imediatamente o quadro de comando, destruo tudo. Seus donos ficarão muito zangados.
Um único robô foi passando lentamente sobre as costas encurvadas de seu colega.
— Pare! — gritou Aino.
— Meu nome é Lub — disse o robô. — O senhor pediu que lhe mostrasse o
caminho de volta ao seu nível existencial. Estou disposto a fazer isso, desde que não
mexa nesses comandos.
— Não é possível, Lub — respondeu Aino. — E não é possível desde o momento
em que sei como funciona o controle automático destas instalações. Se eu sair à vontade,
o controle arremessará todo o planeta num plano existencial desconhecido. E na
superfície, ou melhor, no nível normal, há seres como eu. Não posso permitir que
desapareçam do plano existencial a que pertencem. São pessoas muito importantes. Você
compreende?
— Nossas ordens são mais importantes — respondeu Lub sem abalar-se. — A base
em que nos encontramos é secreta e tem de continuar secreta.
Aino Uwanok deu uma risada estridente.
— Você acaba de se trair, robô! Se a existência desta base deve continuar em
segredo, vocês nunca permitirão que eu volte ao meu plano existencial.
— Por que não? Se estiver morto, não poderá contar mais nada. Nossa luta não
admite transigências.
— Luta...! — Aino colocou certo desprezo em sua exclamação. — Contra quem ou
contra o quê vocês estão lutando?
— Não somos nós que estamos lutando, mas nossos senhores. Mas para o senhor
isso já não importa.
— Parece que nem para vocês — resmungou Aino. — Como é que seus donos
poderiam encontrá-los, se o planeta for arremessado para um plano existencial diferente?
— Isso é um problema — confessou Lub.
De repente o tenente-coronel teve uma idéia.
— Quanto tempo já estão esperando o regresso de seus senhores? Indique o número
de circunvoluções do planeta.
A resposta veio confirmar a suposição de Aino. Arctis levava quatorze anos terranos
para dar uma volta completa em tomo de seu sol. Feita a conversão do número fornecido
por Lub, isso correspondia a cerca de cem mil anos terranos. Era provável que a raça que
tinha construído Lub e as outras máquinas de sua espécie já estava extinta e esquecida.
Disse isso a Lub.
Conforme esperara Aino, o robô não acreditou nele. Era um defeito básico de todo e
qualquer robô. As máquinas eram capazes de compreender a expressão numérica do
tempo, mas não possuíam a sensação do mesmo. Os números não representavam nada
para eles.
— Está bem! — disse Aino, cansado e resignado. — Vocês não querem nem podem
compreender o que eu lhes digo. Por isso volto a dizer pela última vez. Abandonem
imediatamente este recinto, senão provocarei uma destruição total.
Os robôs executaram alguns movimentos hesitantes. Fizeram recuar os corpos
metálicos em movimentos abruptos. Aliviado, Aino Uwanok enxugou o suor da testa.
Neste momento de desatenção uma tampa pequenina abriu-se à sua esquerda. Alguns
tentáculos brilhantes saíram dela. Ventosas prenderam-se ao traje espacial de Aino.
Houve um forte solavanco, que fez com que perdesse o apoio dos pés.
O Tenente-Coronel Uwanok parecia grudado na parede. As ventosas não o
soltavam. Furioso, quis dar um pontapé num robô que passou rastejando. Mas logo seus
olhos se arregalaram. Dois dos guardas mecânicos haviam subido centímetro após
centímetro pelo console de comando. Parecia que só queriam examinar o teclado, mas de
repente suas garras aparentemente desajeitadas passaram a apertar as teclas.
A idéia do estrago que os robôs poderiam causar fez com que o Tenente-Coronel
Uwanok soltasse um gemido. Mas aos poucos compreendeu que havia um método no
apagar das luzes amarelas e no acender das luzes azuis. Aino viu que os robôs pretendiam
executar o plano concebido por ele.
Cerrou os lábios, para não dar um grito de alegria. Logo compreendeu por que os
robôs só podiam agir assim. Sua observação de que seus senhores não os encontrariam se
deixassem tudo entregue ao dispositivo automático fora entendida e aceita.
Dessa forma já não importava o que iria acontecer dali em diante. Aino deixou que
o amarrassem e levassem. Como que através de um véu, viu que estava sendo empurrado
para uma área aberta.
A última coisa que viu foi uma língua de fogo.
***
O moby deixou que o empurrassem para dentro da coroa do sol. Nem notou a
presença das cinco espaçonaves. E não sentiu os potentes raios energéticos, que o
empurravam em direção ao sol.
Absorveu com uma gula tremenda a energia que desabava sobre ele. Seu instinto
não o preveniu contra o perigo, já que os setores correspondentes de seu cérebro tinham
sido desmanchados pelo ácido Stog. À medida que aumentava o volume de energia
absorvida, sua gula aumentava.
Inchou, entrou em pulsações e ansiava por quantidades cada vez maiores de energia.
Viu a turbulência fervilhante da superfície do sol bem à sua frente. Sentiu-se atraído pela
energia farta, suficiente para saciar mil mobys.
O monstro expelia feixes de radiações à velocidade da luz. Penetrou profundamente
no inferno atômico do sol e foi sugando energia.
Finalmente o moby explodiu.
O sol vermelho inchou e os homens que se encontravam nas cinco espaçonaves
irromperam em júbilo. Alguns oficiais chegaram a abraçar-se, e Gucky foi dando
cambalhotas na sala de comando da Crest II.
Perry Rhodan deixou o pessoal à vontade. Faziam jus ao triunfo que tinham
alcançado. Depois de algum tempo deu ordem para que voltassem imediatamente para
Arctis.
Os supercouraçados voltaram a mergulhar nas galerias, e novas camadas de gelo
passaram a cobrir os hangares.
Rhodan levantou. Gucky estava à sua frente.
— Por que essa seriedade animalesca, Perry? — gracejou. — Está se sentindo mal
do estômago?
Rhodan suspirou.
— Antes estivesse, baixinho. Bem que eu gostaria que não tivesse outras
preocupações.
— O que houve mesmo?
— Você logo saberá, Gucky. Teremos uma conferência com Grek-1.
— Esse maahk voltou a soprar alguma coisa ao seu ouvido?
Rhodan sorriu. Parecia triste.
— Não. Fui eu que marquei a conferência. Então! Quer ir comigo? Ou prefere
dormir?
— Que pergunta! — disse o rato-castor, indignado. — É claro que irei com você.
Ou você quer que eu o leve?
— Obrigado, Gucky. Bem que eu gostaria.
O rato-castor segurou a mão de Rhodan. No mesmo instante os dois se viram na
ante-sala dos alojamentos de Grek.
***
— O senhor quer mesmo que eu acredite nisso?
O Coronel Heske Alurin cruzou os braços sobre o peito enorme. Seus olhos
chamejantes de raiva fitavam Aino Uwanok.
Aino bateu os calcanhares.
— Sinto muito, senhor, mas é a pura verdade. É bem verdade que não tenho provas.
O plano existencial dos robôs está mais inacessível que nunca.
Heske Alurin soltou uma estrondosa gargalhada. Lançou um olhar apressado para o
relógio.
— Vamos! Conte logo! Dentro de dez minutos terei de comparecer a uma
conferência a bordo da Crest.
— O que mais poderei dizer, senhor? — perguntou Aino Uwanok em tom paciente.
— Já contei tudo.
O Coronel Alurin aspirou fortemente o ar.
— Pois é, Uwanok! O senhor me disse que esteve num nível energético mais baixo.
Não pense que minha mente é incapaz de compreender isso. Mas o senhor também me
falou em sua execução. Como é que isso combina com o fato de o senhor se encontrar à
minha frente? Ou será que é apenas seu espírito?
Aino sorriu. Seu comandante gostava de gritar com os outros. Mas no fundo não se
podia desejar chefe melhor.
— Não senhor!
— Não senhor o quê?
— Não sou meu espírito. Continuo a ser o Tenente-Coronel Uwanok, que serve no
supercouraçado Imperador, pertencente à USO — pigarreou ao notar que Alurin não
dizia nada. — Minha transferência para um nível diferente deve ter uma relação direta
com o aparecimento do moby ativado. Além disso é de supor que a energia armazenada
na base tenha sido retirada das ondas energéticas expelidas pelo monstro. No momento
em que o moby explodiu no sol, ocorreu uma espécie de inversão da polarização. Por
favor, não me pergunte o que quero dizer com isso. De qualquer maneira, ao que tudo
indicava, meu conteúdo energético nunca combinava com o do outro plano. Em virtude
disso a inversão da polarização acarretou meu retorno ao chamado nível normal.
Heske Alurin acenou com a cabeça.
— E foi assim que o senhor se salvou. Mas ainda há muita coisa que eu não
compreendo. Suas palavras também não contribuíram muito para esclarecer as coisas,
Uwanok. Use o centro de computação positrônica sem limite de tempo e faça uma
interpretação rigorosa dos dados. Enquanto não dispusermos de uma base matemática,
não me atreverei a contar a história ao Administrador-Geral ou ao lorde-almirante.
— Perfeitamente, senhor!
Aino Uwanok fez continência e ia sair correndo para o centro de computação
positrônica.
— Aonde vai, jovem? — gritou a voz trovejante de Alurin. — Antes de mais nada
vá à cantina e peça uma ração especial classe A. Depois deite na cama e durma à vontade.
Entendido?
O tenente-coronel confirmou com o rosto radiante. Saiu correndo. Mas Alurin
chamou-o de volta mais uma vez.
— Enquanto o assunto não for esclarecido, o mesmo naturalmente permanecerá em
segredo! — disse.
***
Os comandantes das naves estacionadas em Louvre estavam todos reunidos na ante-
sala de Grek.
Perry Rhodan acabara de dar algumas explicações sobre o aparecimento do moby.
Fitou os rostos dos oficiais sem dizer uma palavra. Eram rostos de feições duras,
endurecidas por uma luta prolongada e cheia de privações e pelo confronto constante com
o perigo.
— E agora — disse Rhodan — vou dar a palavra ao nosso aliado Grek-1.
Houve um silêncio profundo quando o maahk passou a falar aos humanos por
intermédio da máquina tradutora.
— O senhor alcançou uma vitória, terrano, mas peço-lhe que não se iluda quanto
aos perigos que ainda têm pela frente. O senhor conseguiu derrotar um moby isolado,
mas se aparecerem vários nem poderá lutar.
“O que acabaram de ver foi apenas uma amostra do inferno que vai desabar sobre
Andro-Beta. Os mobys também aparecerão no sistema de Alurin. Os senhores não teriam
nenhuma chance!”
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— É verdade. Em virtude da operação executada pelos gêmeos Woolver, nossas
reservas de ácido Stog sofreram uma forte redução. Com o que resta provavelmente não
conseguiremos pôr fora de ação um único moby, quanto mais vários.
O Coronel Alurin levantou a mão.
— Pois não, coronel! — disse Rhodan.
— Só quero fazer uma pergunta, senhor — disse a voz retumbante de Alurin. — O
senhor acredita que os mobys ativados acabarão destruindo totalmente a civilização dos
twonosers?
— Quanto a isso tenho praticamente certeza absoluta, coronel. Sei o que quer dizer.
Enquanto estes seres gigantescos dominarem a nebulosa anã, nem se pode pensar na
ampliação do poder terrano. Teremos de preparar nossa fuga, senhores. Queiram informar
os oficiais mais graduados de suas unidades.
Perry Rhodan retirou-se e deixou que os comandantes passassem à sua frente.
Gucky e Atlan foram os únicos que permaneceram a seu lado.
O arcônida deteve-se junto ao poço do elevador.
— Você não acha que seria preferível abandonarmos Andro-Beta de vez, Perry?
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Se os terranos firmam os pés num lugar, eles continuam lá, meu caro. Você já
deveria saber disso.

***
**
*

Enquanto os mobys ativados cruzam a


nebulosa de Beta, o prosseguimento da operação
cabeça-de-ponte se tornou ilusório.
Por isso Perry Rhodan dá ordem para que as
unidades de sua frota se retirem da área perigosa.
Mas Cinco Homens da Crest voltam ao
inferno de Andro-Beta!
Leia a história destes homens, que têm de
cumprir uma missão vital, no próximo volume da
série Perry Rhodan.

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www.perry-rhodan.com.br

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