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FACULDADE CANTAREIRA
São Paulo – SP
2019
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FACULDADE CANTAREIRA
São Paulo – SP
2019
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DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a minha mãe-avó, Elvira Dias, por sempre me deixar à
vontade nas minhas escolhas, mas sempre me guiando e mostrando o caminho do
bem, para me tornar uma pessoa correta, honesta com todos e consigo mesmo.
Também dedico ao meu pai-avô, Antonio Dias, que nesse momento está
desfrutando da sua mansão no céu, por me mostrar que temos que ser guerreiros e
nunca desistir dos nossos sonhos e mesmo não presente fisicamente, continua me
protegendo e guiando para o caminho do bem, me livrando de todas as energias
negativas.
Também dedico esse pequeno e simples trabalho para todos os mestres que
fazem parte da história da música popular brasileira, que infelizmente não tem o
reconhecimento merecido e que nos alegram com suas histórias e poesias musicais.
Com milhões de agradecimentos, dedico esse trabalho a banda de pífanos de
Caruaru, pelo imenso carinho e recepção que tiveram comigo durante a pesquisa.
Também com milhões de agradecimentos, dedico esse trabalho a banda de
pífanos Zé do Estado, que me receberam imensamente de braços abertos,
acompanhado com muita delicadeza e carinho durante a minha aventura em
Caruaru/PE.
4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar material didático que ensine as maneiras
peculiares da Banda de Pífanos de Caruaru e da Banda de Pífanos Zé do Estado de
tocarem seus instrumentos de percussão na variedade de ritmos que compõe seu
repertório musical. O material será apresentado na forma de partituras para as quais
foram desenvolvidas notações específicas que instruem o manejo de cada
instrumento em ritmos tais como a valsa, a marcha de novena, o baião, o
caboclinho, entre outros exemplos. Para entender a importância da Banda de
Pífanos de Caruaru e da Banda de Pífanos Zé do Estado no universo da música
popular brasileira, e também entender a importância de se dispor material didático
para ensinar seus estilos de interpretação musical, este trabalho apresenta um breve
histórico destas bandas desde as suas origens até sua inserção no cenário da
indústria fonográfica. Deste longo trajeto histórico se destacou a evolução das
formações musicais e instrumentais de cada banda. Ao fim do relato deste trajeto
histórico procurou-se elucidar os vários modos de se entender os termos Cultura
Popular Brasileira para entender o lugar e a originalidade musical das bandas de
pífanos no universo dos ritmos da Cultura Popular Brasileira, em especial aquela
produzida na região do nordeste, enfatizando o papel que a música teve para as
famílias que constituíram essas bandas na luta pela sobrevivência diante do cenário
das graves secas que assolaram o nordeste nas três primeiras décadas do século
XX. Para propiciar ao leitor deste trabalho pleno entendimento do material didático
nele apresentado foi feita uma descrição dos instrumentos de percussão utilizados
pelas bandas de pífanos como também da maneira peculiar que os integrantes
dessas bandas têm de manusear cada um dos instrumentos no contexto de cada
ritmo selecionado para exemplificar seu repertório. Para complementar o
entendimento das partituras apresentadas foi feita descrição comparativa da
maneira como cada umas das bandas executam os ritmos exemplificados. Por fim,
são apresentadas as legendas dos sinais gráficos criados para as notações musicais
de cada instrumento e as partituras de cada ritmo.
ABSTRACT
The main objective of this work is to present didactic material that teaches the
peculiar ways of the Banda de Pífanos de Caruaru and of the Banda de Pífanos Zé
do Estado to play their percussion instruments in the variety of rhythms that compose
their musical repertoire. The material will be presented in the form of music scores for
which specific notations have been developed to instruct the handling of each
instrument in rhythms such as waltz, novena march, baião and caboclinho, among
other examples. In order to understand the importance of the Banda de Pífanos de
Caruaru and of the Banda de Pífanos Zé do Estado in the universe of Brazilian
popular music, and also to understand the importance of providing didactic material
to teach their styles of musical interpretation, this work presents a brief history from
its origins to its insertion in the music industry. From this long historical trajectory the
evolution of the musical and instrumental formations of each band was highlighted.
At the end of the story, we sought to elucidate the various ways of understanding the
terms Brazilian popular culture to understand the place and the musical originality of
the fife bands in the universe of rhythms of Brazilian popular culture, especially that
produced in the region emphasizing the role that music played for the families that
constituted these bands in the struggle for survival in the face of the severe droughts
that swept the northeast during the first three decades of the 20th century. In order to
provide the reader with the full understanding of the didactic material presented in it,
a description was made of the percussion instruments used in the Banda de Pífanos
de Caruaru and of the Banda de Pífanos Zé do Estado as well as in the peculiar way
that band members have to handle each instrument in the context of each selected
rhythm to exemplify its repertoire. Still to complement the understanding of the music
scores presented, a comparative description was made of how each of the bands
performs the exemplified rhythms. Finally, the subtitles of the graphic signals created
for the musical notations of each instrument and the music scores of each rhythm are
presented.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Talabarte.. ................................................................................................. 31
Figura 2 - Baqueta de zabumba e empunhadura. ..................................................... 31
Figura 3 - Zabumba. Toque na pele superior ............................................................ 33
Figura 4 - Zabumba. Mão-bacalhau. ......................................................................... 33
Figura 5 - Chimbal. Posição inicial. ........................................................................... 34
Figura 6 - Chimbal. Som abafado.............................................................................. 34
Figura 7 - Chimbal. Som solto. .................................................................................. 34
Figura 8 - Caixa tradicional........................................................................................ 35
Figura 9 - Posição da caixa no corpo. ....................................................................... 35
Figura 10 - Contra-surdo som grave aberto. ............................................................. 37
Figura 11 - Contra surdo som grave abafado. ........................................................... 37
Figura 12 - Contra surdo rimshot............................................................................... 37
Figura 13 - Pandeiro polegar som aberto grave. ....................................................... 38
Figura 14 - Pandeiro ponta dos dedos som platinelas. ............................................. 38
Figura 15 - Pandeiro punho som de platinelas. ......................................................... 38
Figura 16 - Pandeiro tapa no centro som agudo. ...................................................... 38
Figura 17 - Pandeiro ponta dos dedos som grave aberto. ........................................ 38
Figura 18 - Pandeiro abafando no interior polegar grave pele superior. ................... 38
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
APÊNDICE ................................................................................................................ 65
10
INTRODUÇÃO
Como educador musical na área de percussão popular sempre me interessou
os ritmos da Cultura Popular Brasileira, em particular os ritmos nordestinos. Nas
aulas de percussão da Escola de Música do Estado de São Paulo - EMESP o
professor e percussionista Ari Colares nos apresentou a sonoridade, as
peculiaridades e o repertório musical das bandas de pífanos de várias regiões do
Brasil. Com a orientação do professor Colares pesquisei o repertório musical das
bandas de pífanos pernambucanas e por meio de escuta analítica e práticas
percussivas pude comprovar a profunda originalidade musical dessas bandas que,
se apropriam de várias manifestações musicais presentes no universo da Cultura
Popular Brasileira, como por exemplo, a valsa, a marcha de novena, o baião e o
caboclinho entre outros, criando uma maneira própria de interpretar esses ritmos.
Nesta mesma época com incentivo e apoio de meus professores da EMESP
iniciei meu trabalho como educador musical nos polos da Fundação CASA do
programa governamental denominado Projeto Guri1, onde ocorreu pela primeira vez
a experiência de tentar ensinar o modo peculiar de manejo dos instrumentos de
percussão das bandas de pífanos. No entanto tive dificuldade de encontrar material
didático ou métodos que ensinassem especificamente os aspectos e as
características dos instrumentos de percussão das bandas de pífanos. Nasceu neste
momento uma vontade de produzir algum tipo de material para suprir esta falta.
A necessidade de produzir este trabalho de conclusão de curso forneceu a
oportunidade concreta para a produção do material com a orientação acadêmica
adequada.
Para realizar este trabalho estabeleceram-se como tema o universo
percussivo do repertório musical da Banda de Pífanos de Caruaru e Banda de
Pífanos Zé do Estado, ambas da cidade de Caruaru em Pernambuco. Como objetivo
principal deste trabalho estabeleceu-se a meta de produzir material didático para
ensinar a maneira peculiar da Banda de Pífanos de Caruaru e da Banda de Pífanos
Zé do Estado de tocar os instrumentos de percussão presentes nelas. Como
estratégia de abordagem do tema e aproximação ao objetivo, este trabalho foi
1O Projeto Guri é uma política publica de atendimento sócio cultural da população de São Paulo e oferece aulas
de iniciação e pratica musical. Os polos do Projeto Guri dentro da Fundação CASA são responsáveis por
oferecerem aulas de iniciação musical a jovens menores em conflito com a lei.
11
2
ANDRADE, Mário. (1989). Dicionário Musical Brasileiro. Coordenação Oneyda Alvarenga, Flávia Camargo Toni, Belo
Horizonte (Itatiaia; Ministério da Cultura) São Paulo (Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo).
3
CASCUDO, Luís da Câmara. (1999). Dicionário do Folclore Brasileiro. 9ª edição. Rio de Janeiro, (Ediouro Publicações).
4
DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. (1940). “Dansas negras do nordeste” in O Negro no Brasil (vários autores), Trabalhos
apresentados no 2º Congresso Afro-Brasileiro (Bahia). Rio de Janeiro (Civilização Brasileira S/A Editora).
5
BRAUNWIESER, Martin. (1946). “O Cabaçal” in Boletim Latino-americano de Música. Rio de Janeiro, (Instituto Interamericano
de Musicologia).
6
ALMEIDA, Renato. (1942). História da Música Brasileira. 2ª Ed.. Rio de Janeiro, (F. Briguiet & Comp. Editores).
7
ALVARENGA, Oneyda. (1982). Música Popular Brasileira. 2ª Ed. São Paulo, (Duas Cidades).
8
GUERRA PEIXE, César. (1970). “Zabumba, orquestra nordestina” in Revista brasileira de folclore. (Abril, nº26, p.15-38) Rio de
Janeiro (A Campanha).
15
sob influência das bandas de rock divulgadas no Brasil pelo movimento musical
chamado Jovem Guarda, antes disso as bandas de pífanos eram mais comumente
denominadas pelo nome de um dos instrumentos de percussão que integram sua
formação instrumental, o Zabumba usado principalmente em Pernambuco, ou a
designação cabaçal, usado principalmente no Ceará e na Paraíba, cuja origem ou
motivo para seu uso não são esclarecidos nem por Pedrasse nem pela literatura
consultada por ele.
Quanto à formação instrumental característica das bandas de pífanos,
Pedrasse (op. cit., p. 26) nos informa que, dependendo da época e da região em que
os autores realizam sua pesquisa, a formação instrumental apresenta variações
relativas tanto à quantidade de instrumentos quanto ao tipo de instrumento utilizado,
porém verifica-se uma constante nessas formações instrumentais: a predominância
dos instrumentos de percussão e o uso do pífano como único instrumento melódico.
Nas formações mais recentes das bandas de pífanos pernambucanas de
1970 para cá, podemos assinalar a seguinte formação predominante: pífanos, caixa,
zabumba ou um bombo e um par de pratos, também chamados de chimbal ou prato-
de-choque, como se pôde constatar pela análise da discografia da Banda de Pífanos
de Caruaru e Banda de Pífanos Zé do Estado.
Do material referente aos nomes e composição instrumental das bandas de
pífanos colhido por Pedrasse vale a pena, por conta de sua riqueza, reproduzir aqui
o léxico composto por Guerra-Peixe:
Zabumba — O nome mais generalizado. Provém da importância do
Zabumba com seu toque bem cadencial.
Tabocal — Em virtude de os pifes serem construídos de taboca.
Banda de pife — em referência as flautas.
Terno ou Terno-de-oreia — O pesquisador assinalou duas informações:
Primeira: o grupo instrumental é composto de três parelhas que são dois
pifes, dois tambores e dois pratos. E como os músicos executam de oitiva,
daí o de-oreia. Segunda: outrora os músicos se esmeravam no trajar das
festas religiosas, vestindo roupa branca completa, de calça, paletó e colete.
O branco conviria como símbolo da pureza.
Quebra-resguardo — Pejorativo aplicado a conjunto que executa mal e
fortemente, quebrando assim, o sossego alheio. Este nome se estende a
Zabumba.
Esquenta-mulher — Duas informações. Primeira: em determinadas ocasiões
a Zabumba sai à rua em busca de donativos para festas religiosas de uma
das igrejas. E nessa oportunidade as mulheres acorrem ao apelo, fazendo
suas ofertas. Segunda: a música da Zabumba é alegre e contagiante, cujo
toque se torna irresistível convite.
Cabaçal — Nome que parece restrito ao Ceará e noroeste da Paraíba.
Conquanto possa sugerir a participação da cabaça (também chamada
afoxê), este instrumento não parece integrar o conjunto, salvo em caráter de
eventualidade.
16
Estas citações de autores portugueses sobre o pífano nos levam a crer que
o instrumento já era popular em Portugal de longa data. Interessante notar
que o material e o processo usados para a fabricação dos pífanos
portugueses é muito similar aos brasileiros, pois Sebastião Biano, pifeiro da
Banda de Pífanos de Caruaru, descreveu que constrói seus próprios
pífanos, utilizando um ferro quente para fazer os furos no instrumento.
Quanto ao material, Oliveira cita o vime, espécie de junco, da mesma
família que a taquara e a taboca, bastante similar ao material usado pelos
cabaçais brasileiros. (PEDRASSE, 2002, p. 29).
Pedrasse nos informa que a Banda de Pífanos de Caruaru, foi criada por
Manoel Clarindo Biano que nasceu em Alagoas em 1989. Casado com Maria
Pastora em 1910 “tiveram vários filhos dos quais apenas Benedito, Sebastião,
Antônio, Maria José e Josefa sobreviveram.” (2002, p. 43). Em depoimento colhido
de Sebastião Biano, este informa que o pai, Manoel, que tocavam junto como o
irmão em bandinhas e conjuntos cabaçais de Alagoas, foi sensível ao interesse
precoce dos irmãos Benedito e Sebastião, que improvisavam com o talo das folhas
da aboboreira pequenas flautas, comprando para eles “uma parelha de pífanos”
(Sebastião Biano em Depoimento à Pedrasse. op. cit., p. 44) e lhes ensinou “umas
duas musica no pife.” (idem, ibdem). Assim conclui Pedrasse seu relato sobre a
origem mais remota da Banda:
Neste ponto de sua dissertação, Pedrasse (op. cit. p.61) apresenta uma
cronologia comentada das diversas formações da Banda de Pífanos de Caruaru,
que será resumida a seguir. Em 1939, ano da chegada da família Biano a Caruaru, a
formação do grupo era Manoel na zabumba, Benedito e Sebastião nos pífanos, e
duas filhas9 de Manoel, uma no triângulo e a outra cantando.
Em 1942 Manoel Biano inseriu a caixa tocada por Chico Preto e o surdo tocado
por José Moisés. As filhas de Manoel continuaram a cantar e às vezes tocar o
ganzá. Quando José Moisés faleceu, um primo de Maria, esposa de Sebastião,
apelidado como Lolô assumiu o lugar de caixeiro. Em 1950 Manoel Biano, inspirado
pelas bandas de coreto e pelas fanfarras, acrescentou ao seu grupo os pratos de
choque, construídos pelo próprio Manoel com folhas de zinco. O irmão de José,
João Moises, foi chamado para tocar os pratos. Nesta mesma época as filhas de
9
Note-se que as duas filhas não são nomeadas nem por Manoel Biano em seus depoimentos, nem por Pedrasse
em sua dissertação.
19
do Monteiro na Paraíba...” (op.cit., p. 17). Até o ano de 1929 José Feliciano e sua
família viveram na cidade de Coxixola, também na Paraíba. Em 1930 devido à
severa seca na região sua família, como tantas outras da região na época 11, inicia
sua saga retirante. Durante três meses caminharam em direção à cidade de São
Bento do Una, em Pernambuco, distante cento e cinquenta quilômetros de Caxixola,
parando em diversas fazendas no caminho para realizar jornadas de trabalho que
garantissem a sobrevivência da família. (Anderson, 2018, p. 18).
A família, nos conta Anderson, fixou residência no sítio Pimenta, localizado na
zona rural de São Bento do Una, aonde em 1930 José Feliciano e Zé Jota formaram
o terno de Zabumba do Pimenta, que se notabilizou por introduzir uma formação
instrumental diferente daquela tradicional na região12: O pífano, tocado por Zé Jota;
a zabumba, por José Feliciano da região, pandeiro, tocado por Eduardo do pandeiro;
caixa de guerra, tocada por Dete e a concertina13, tocada por José Feliciano.
Incentivados por seu pai Antônio, José e seu Terno de Zabumba se
apresentavam em novenas, festas de aniversários, casamentos e alguns
‘assustados’14. (idem, ibdem).
Em 1937 José Feliciano, que acabara de completar 18 anos, é obrigado a
deixar seu Terno de Zabumba, para se apresentar ao serviço militar obrigatório em
Caruaru15. O Terno de Zabumba do Pimenta continuou suas apresentações na
região, mesmo sem a presença de José Feliciano. (idem, p. 19).
Em 1941 dois integrantes do Terno de Zabumba do Pimenta faleceram16
interrompendo as apresentações do grupo. Neste mesmo ano José Feliciano
Rodrigues, retorna ao sítio Pimenta e se casa com sua prima Maria Francisca da
Conceição indo então morar em Panelas de Miranda, em Pernambuco. Neste local,
11 Para conhecer os dilemas vividos pelas famílias nordestinas neste período a leitura da obra prima de
Graciliano Ramos vidas secas, publicado em 1938, é uma das fontes mais indicada. Este romance também
conta com magistral adaptação para o cinema feita pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos em 1963.
12 C.f. Pedrasse (2018) a formação mais tradicional na região era zabumba, caixa e dois pífanos.
13CONCERTINA é um pequeno acordeão, geralmente com caixa em formato poligonal ou quadrado, de origem
Feliciano na guerra junto com as Forças Expedicionárias Brasileiras – FEB. Esta só foi criada em 1939 que
somente em 1944 embarcaram para a Europa para combater na 2ª guerra mundial.
16Em nenhum ponto de sua narrativa Anderson (2018) esclarece quais membro do Terno de Zabumba do
Pimenta faleceram.
23
nasceram seus dois primeiros filhos17 e foi onde permaneceram por dois anos.
(idem, Ibdem).
Em 1945 José Feliciano Rodrigues, sua esposa e filhos se mudam para a
cidade de Caruaru, em Pernambuco. Nesta cidade, se valendo das amizades que
fizera em suas passagens anteriores, José Feliciano se torna funcionário público do
estado de Pernambuco, com a função de guardar e tratar o gado em Campo de
Monta18, local onde ocorriam as vaquejadas promovidas pelos fazendeiros mais
abastados da região. Com emprego e salário, a família fixou residência em Caruaru.
(Anderson, 2018, p. 19 e 21).
José Feliciano Rodrigues viveu muitos anos com sua família em Campo de
Monta, trabalhando na lida com o gado e outros afazeres. Mesmo sem atuar
musicalmente não deixou de transmitir aos filhos seu amor e conhecimento da
música regional dos Ternos. Diz Anderson:
Logo que nasciam eram introduzidos ao meio musical, já que o Senhor José
Feliciano Rodrigues tinha alguns instrumentos como zabumba, pandeiro,
triângulo, oito baixos, concertina e outros que ficavam espalhados pela sua
residência, principalmente nos dias em que chegava das tocadas nas
fazendas e assim um a um foi tomando gosto pelo fazer musical do pai. (op.
cit., p. 20).
17O Blog A ponte (in médium.com) informa que o casal teve um total de 20 filhos dos quais apenas 11
sobreviveram e apenas três se dedicaram a música. Já a esposa, Maria Francisca da Conceição, informa em
entrevista concedida a Anderson (2018, p. 20) que pariu dezesseis filhos, dos quais somente oito
sobreviveram.
18O local onde José Feliciano fixou residência e trabalhava recebeu este nome em meados dos anos 1950,
segundo o filho Antônio Feliciano Rodrigues em entrevista cedida a Anderson (2018, p. 20).
19Segundo Anderson (2018, p. 21), usar apelidos para designar pessoas é costume bem disseminado no interior
do nordeste. Em geral esses apelidos identificam as pessoas pelas suas atividades profissionais ou pelos
locais onde vivem ou trabalham. Também é costume local reduzir o nome José para simplesmente Zé. Daí a
alcunha de Zé do Estado.
24
Entre 1970 e 1983, José Feliciano Rodrigues que nesta época era conhecido
como Mestre Zé do Estado ofereceu às crianças e jovens da região de Caruaru,
oportunidade de formação musical promovendo, entre uma festividade e outra,
encontros musicais nos quais exploravam variadas células rítmicas da música
popular brasileira, em particular da música tradicional nordestina. Sendo o
caboclinho, maracatu, samba, frevo e os ritmos tradicionais, como valsa, rancheira,
xote, baião, executados pelo grupo de Zé do Estado em festas, eram explorados
nesses encontros de aprendizado musical. Isto se tornou um diferencial da Banda de
Pífanos Zé do Estado em relação às outras bandas de pífanos da região. Anderson
(op. cit., p. 22) ainda assinala que devido à falta de recursos econômicos do Mestre
Zé do Estado, todos os instrumentos usados pelas crianças em seus encontros eram
feitos com latas de margarina20, o que fez com que ele montasse uma orquestra na
cidade que recebeu o nome de Orquestra Só Latas. A respeito destas práticas
Anderson ressalta que:
Desse modo não é exagero afirmar que esse grupo se transformou em uma
escola aberta de ritmos brasileiros, com ênfase na rítmica nordestina e
consequentemente em ritmos regionais o que possibilitou também o
surgimento de grupos como La Ursas, Bumba Meu Boi e até mesmo
Mazurca e Reizado. A continuidade do trabalho do Mestre em todos os
meses do ano, não só como músico “Tocador”, mas como representante
legítimo da Cultura Popular e militante da causa atribuiu à banda esse
significado formativo. (ANDERSON, 2018, p. 23) [aspas e grifos do autor].
“O enterro do meu pai não foi triste não. Veio gente de todo lugar pra fazer
uma festa, do jeito que ele queria. A gente passou a noite todinha tomando
cachaça e tocando forró, aquilo nem parecia um velório, parecia era uma
festa mesmo. É, foi assim mesmo. (risos)” (Mestre Basto, apud
ANDERSON, 2018, p. 24.).
20 Latas confeccionadas em folhas de flandres medindo 23, 2x23, 2x34, 8 cm com capacidade de para 18,8 litros.
25
[...] agente quis “fazê” uma banda pra “tocá” nas festa que “tava”
aparecendo. Essas “festa” de casamento, batizado e que só queria banda
que tivesse tocando as música do tempo. Aí era tudo orquestra, mas era um
barato, como agente via muita música de fora, agente botou o nome da
banda e Jack’s Black’s...[risos]... A gente nem sabia o que danado era isso,
mas o nome pelo menos era de fora. (Antônio Feliciano Rodrigues. Apud
ANDERSON, 2018, p. 26).
Anderson do Pife, por fim, por não conseguirem conciliar o trabalho profissional com
as atividades da banda, Mestre Gerson, substituído por Júnior Francês, e Gebson
Rodrigues se afastam. (Idem, p. 30). O que indica para nós que atividade musical da
banda não consegue prover o sustento de seus integrantes, que precisam se
dedicar a outras atividades profissionais para isto.
Após este período de mudanças, a formação que permanece até os dias de
hoje da Banda de Pífanos Zé do Estado é a seguinte: Anderson Silva, no pífano e
concertina, Júnior Francês, na caixa de guerra, Mestre Tonho, no pandeiro, Mestre
Zé Gago, nos pratos e Mestre Basto, na Zabumba. (idem, p. 31). Com esta formação
a Banda de Pífanos Zé do Estado inicia uma série de apresentações na Feira de
Caruaru aos sábados em um projeto denominado Ensaio na Feira.
Em 2013, Anderson do Pife iniciou as atividades da Casa do Pife, centro de
pesquisa e difusão das “práticas de ensino musical a partir das técnicas de
transmissão oral empregadas por José Feliciano Rodrigues, Mestre Zé do Estado,
desde 1930 na cidade de Caruaru. A Casa do Pife hoje abriga, além de uma escola
de pífanos e ritmos tradicionais nordestinos, um centro de prática e pesquisa das
bandas e mestres do pífano de Caruaru. Sendo esta detentora do Prêmio Ariano
Suassuna de Cultura Popular, concedido pelo governo de Pernambuco e Leandro de
Barros de Cultura Popular, concedido pelo Ministério da Cultura”21. Porém, apesar
da inegável importância cultural e honrarias recebidas por esta iniciativa cultural no
final de 2017 os responsáveis pelas atividades da Casa do Pífe declararam22 que
esta estava ameaçada de fechamento por falta de recursos financeiros e apoio
institucional para manutenção de seu espaço.
Mas a despeito dos percalços que fazem parte de toda sua trajetória,
prevalece nos integrantes da banda o espírito de resistência e bravura do sertanejo
retirante. Com seu espírito inovador a banda mescla elementos da tradição musical
do nordeste brasileiro com elementos da moderna música popular brasileira,
abrindo-se para novas sonoridades, desbravando de novos espaços de
apresentação fora do circuito nordestino tradicional, chegando ao seu ápice em 2017
quando a Banda de Pífanos Zé do Estado integra a programação oficial do Rock in
Rio, um dos maiores festivais do gênero realizado na América latina. (SILVA, 2018,
p. 32).
1.3.1 Discografia da Banda de Pífanos Zé do Estado
23Devido ao interesse inicial pelas manifestações norte-nordestinas o senso comum geralmente associa o termo
cultura popular com as manifestações destas regiões.
30
Não cabe neste trabalho tomar partido nesta discussão, muito menos propor
significados alternativos ao conceito de cultura popular ou de música popular, no
entanto ao se referir às bandas de pífanos como expressão da Cultura Popular
Brasileira quer-se apenas assinalar as peculiaridades de suas origens intimamente
ligadas ao uso da música como instrumento de resistência e sobrevivência frente
aos desatinos do nordestino retirante em sua luta contra a seca. Destacar como
estas famílias musicais, na maioria das vezes sem instrução musical ou educacional
formal, constituíram uma tradição musical cuja formação percussiva e modo de
execução abrange desde a construção dos próprios instrumentos até a construção
de uma sonoridade rítmica e melódica absolutamente original em relação às outras
variantes da música brasileira, seja ela dita popular, folclórica ou erudita. Cabe ainda
notar que em sua evolução histórica as bandas de pífanos incorporaram em seu
repertório tanto formas musicais folclóricas, marcadamente rurais, quanto formas
musicais desenvolvidas nos ambientes urbanos e, claro, composições musicais
próprias.
3.1 Talabarte
3.2 Baquetas
3.3 Zabumba
Segundo Pedrasse (2002, p. 159) para tocar o zabumba este deve estar
apoiado no corpo por meio do talabarte posicionando o tambor diagonalmente em
relação ao tronco do instrumentista de forma que fique em contato com o abdômen.
As bandas de pífanos não utilizam a baqueta denominada bacalhau,
utilizando a própria mão na pele inferior em técnica denominada mão-bacalhau. “O”
Rocha descreve da seguinte maneira a técnica da mão-bacalhau utilizada pelas
bandas de pífanos:
Diz ele, para se obter o som aberto grave o instrumentista deve percutir a
pele superior com uma baqueta macia e afastá-la imediatamente aproveitando o
rebote da pele e deixando a vibrar livremente. Para obter o som fechado grave,
prossegue “O” Rocha (2005, p. 11), o instrumentista deve percutir com a baqueta na
pele superior sem pressioná-la ao mesmo tempo em que utiliza a palma da mão
para abafar a pele inferior, sem fazer acentuação nesta pele. A simultaneidade dos
gestos na pele superior e inferior é imprescindível para obtenção do resultado
desejado.
3.4 Chimbal
fazia antigamente, a gente fazia de folha de zinco [...] não era metal24, o metal aqui
na nossa região era muito caro [...]”. (Mestre Zé Gago em depoimento à Jonathan
Dias Nunes, 19/12/2017, Casa do Pífe em Caruaru/PE).
Para tocar o chimbal, instrui Pedrasse (2002, p. 158) “Os pratos são seguros
um em cada mão por tiras de couro (que o músico mesmo confecciona) presas na
parte interna do mesmo através de nós, e são tocados através de impacto entre
suas partes internas”. O chimbal produz basicamente dois tipos de sons, um som
abafado e um som solto. O som abafado é produzido percutindo os pratos, isto é
fazendo contato de toda área interna dos pratos e segurando os pratos em contato
para abafar o som imediatamente, produzindo assim um som seco. O som aberto se
produz percutindo os pratos por meio de contato rápido em seguida separando-se os
pratos para deixar o som soar livremente, produzindo assim um som cheio.
Figura 5 – Chimbal. Posição inicial Figura 6 – Chimbal. Som abafado Figura 7 – Chimbal. Som solto
3.5 Caixa
25 O grip tradicional é a técnica de percurssão pela qual o instrumentista segura as baquetas em posições
diferentes em cada mão.
36
Os galhos ião crescendo, dava mai ou meno 18 cm. Era um contra surdo.
[...].Ai agente pegava cortava a arvore,ela era muito grande, o tambor é
enorme,enorme, ai agente Cortava aquela arvore derruba na mata aquela
árvore pra fazer o instrumento ai uma vez derruba a arvore e saia
quebrando az’outras arvores. Mas isso ai qui Zé do Estado oiô, disse:
Rapai, aqui tão matando a natureza. Ai depoi começou justamente, agente
comprar madeira compensadona serrelharia. [...] (Mestre Zé Gago, em
depoimento á Jonathan Dias Nunes, 18/12/2017, Casa do Pífe em
Caruaru/PE).
3.7 Pandeiro
26O pandeiro não é classificado como tambor porque seu aro estreito não forma uma caixa de ressonância como
na maioria dos instrumentos de percussão.
38
retirando rapidamente o polegar para que o som grave soe livremente. Na posição
denominada ponta dos dedos o instrumentista percute o pandeiro com a ponta dos
dedos na pele junto à borda para dar destaque ao som das platinelas. Na posição
denominada punho o instrumentista percuti com o punho na borda do pandeiro para
também destacar o som das platinelas. Na posição denominada tapa, o tocador
percute o instrumento com a mão dominante aberta fazendo movimentos em direção
ao centro, no movimento rápido de retirada da mão o instrumentista direciona as
pontas dos dedos para o contato com a pele e para abafar o som obtido com o tapa.
Para obter o som grave com a ponta dos dedos, o tocador percute a ponta
dos dedos direcionando o movimento um pouco acima do centro do pandeiro
próximo das bordas do aro. Para obter um som grave abafado o instrumentista toca
o instrumento com o polegar da mão dominante enquanto abafa com o movimento
simultâneo o som com o dedo central da mão que segura o pandeiro, neste tipo de
manuseio o som é abafado a partir da parte de dentro do instrumento.
27 “Na terminologia dos músicos populares, a levada é uma célula rítmica, ou rítmico-harmônica,
que caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de identificação
dos gêneros musicais”. (TRAVASSOS, 2005, p. 18).
41
31Aobra de Anderson (2018) sobre a Banda de Pífanos Zé do Estado que também apresenta notações musicais
em forma partituras não pôde ser considerada para este trabalho porque sua publicação ocorreu quando esta
monografia já estava em fase de finalização.
49
1 2 3
Fechado-grave Aberto-grave Mão-Bacalhau
1 2 3 4
Fechado-grave Aberto-grave Rimshot Nota fantasma
1 2 3 4 5 6
Polegar Ponta de dedos Punho Polegar Ponta de dedos Tapa
Grave-aberto Grave-fechado Grave
1 2
Som abafado Som aberto
50
1 2 3
Nota fantasma Nota acentuada Rulo
51
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIAS, Guilherme Marques. Airto Moreira: Do sambajazz à música dos anos 70.
Dissertação de mestrado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, Campinas.
2013.
SILVA, Valéria Levay Lehmann da. Seu Zé, Qual a Sua Didática?: Aprendizagem
Musical na Oficina de Pífano da Universidade de Brasília. Mestrado em Música.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, Brasília. 2010.
APÊNDICE
Discografia:
Banda de Pífanos de Caruaru
1972: Banda de Pífanos de Caruaru (CBS) 1973: Banda de Pífanos de Caruaru (CBS)
1982: Banda de Pífanos de Caruaru 1999: Isso tudo é São João (Trama)
Discografia:
Banda de Pífano do Zé do Estado