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NA TRILHA DO DISCO

Relatos sobre a indústria fonográfica no Brasil

Organização

Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente

Rio de Janeiro, 2010


© Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente (org.)/E-papers Serviços Editoriais Ltda., 2010.
Todos os direitos reservados a Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente (org.)/E-papers
Serviços Editoriais Ltda. É proibida a reprodução ou transmissão desta obra, ou parte
dela, por qualquer meio, sem a prévia autorização dos editores.
Impresso no Brasil.

ISBN 978-85-7650-264-7

Projeto gráfico, diagramação e capa


Livia Krykhtine

Revisão
Helô Castro

Imagem de capa
urbancow

Esta publicação encontra-se à venda no site da


E-papers Serviços Editoriais.
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Rio de Janeiro – Brasil

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Sindicato Nacional dos Editores de Livro, RJ

N11
Na trilha do disco : relatos sobre a indústria fonográfica no Brasil/
organização Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente. - Rio de Janeiro : E-papers,
2010.
184p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7650-264-7
1. Registros sonoros - Indústria - Brasil - História. 2. Rádio - Brasil - História.
3. Música popular - Brasil. I. Guerrini Junior, Irineu. II. Vicente, Eduardo. III.
Título: Relatos sobre a indústria fonográfica no Brasil.

10-2899. CDD: 780.2660981


CDU: 681.84(81)
SUMÁRIO

5 APRESENTAÇÃO

9 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA:


os anos dourados da Gravadora RGE
José Eduardo Ribeiro de Paiva

23 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS


TELENOVELAS: pressupostos sobre o processo de
difusão da música
Heloísa Maria dos Santos Toledo

41 SOMZOOM: música para fazer a festa


Andréa Pinheiro e Flávio Paiva

57 SELO EVOCAÇÃO: o pequeno notável


Marta Regina Maia

75 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


Angela de Moura, Nair Prata, Sônia Pessoa, Waldiane
Fialho e Wanir Campelo

91 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA


BAHIA
Ayêska Paulafreitas
111 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A
PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA
Marcos Júlio Sergl e Eduardo Vicente

127 DISCOS EM BANCAS: da indústria cultural à guerrilha


cultural
Irineu Guerrini Jr.

149 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA:


um estudo sobre a Continental AM, de Porto Alegre,
a partir de 1971
Sergio Francisco Endler

165 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E


REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA
Micael Herschmann
APRESENTAÇÃO

Os textos que se seguem foram produzidos por membros do NP de


Rádio e Mídia Sonora da Intercom, Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação, e apresentados, em sua quase to-
talidade, durante os Congressos da Sociedade realizados nos anos de
2007 e 2008 (em Santos e Natal, respectivamente). O Núcleo tem de-
senvolvido, ao longo dos últimos anos, um extraordinário trabalho de
pesquisa em relação ao rádio, contemplado por numerosas publicações.
Nosso desejo é de que esse livro colabore para a consolidação, dentro do
NP, também de uma frente de pesquisa expressiva nas áreas da Música
Popular e da Fonografia.
Embora exista um volume bastante razoável de obras enfocando
artistas e gêneros de nossa música popular, o tema da indústria fo-
nográfica, ou seja, das condições materiais que foram determinantes
para a gravação, divulgação e distribuição de suas obras, ainda é pouco
explorado. Um trabalho coletivo, como o que apresentamos aqui é, até
onde sabemos, uma iniciativa ainda inédita no país e entendemos que
os temas escolhidos pelos diferentes autores oferecem um cenário bas-
tante abrangente, tratando de aspectos como história, características
regionais, distribuição, divulgação e perspectivas da indústria.
O livro é composto por 10 textos. Os quatro primeiros são dedicados
às trajetórias de diferentes gravadoras nacionais do passado e do pre-
sente. A paulistana RGE, objeto do trabalho de José Eduardo Ribeiro de
Paiva, foi a gravadora responsável pelos primeiros trabalhos de artistas
fundamentais para a música brasileira como Maísa, Miltinho e Chico
Buarque, entre muitos outros. Já a carioca Som Livre, apresentada no
texto de Heloísa Maria dos Santos Toledo, é o braço fonográfico da Rede
Globo e tem respondido pela quase totalidade da produção de trilhas
de novelas e minisséries que, há mais de três décadas, influencia o gos-

APRESENTAÇÃO 5
to musical do público e os rumos do mercado fonográfico nacional. A
SomZoom, apresentada por Andréa Pinheiro e Flávio Paiva, praticamen-
te criou e manteve sob seu domínio, por longo tempo, o chamado Forró
Eletrificado de Fortaleza – demonstrando que o cenário independente
também pode comportar forte concentração econômica e rígido con-
trole sobre a produção cultural. O selo paulistano Evocação, analisado
aqui por Marta Regina Maia, ilustra as possibilidades para a ação indi-
vidual abertas pelo uso das novas tecnologias digitais, que permitiram
a um aficcionado recuperar e distribuir as gravações originais de seus
grandes ídolos.
Os dois próximos textos dão conta da grande segmentação regional
da indústria. O primeiro deles, produzido pelas pesquisadoras Ângela
de Moura, Nair Prata, Sonia Pessoa, Waldiane Fialho e Wanir Campelo,
oferece um panorama atualizado da cena de Minas Gerais. Já Ayêska
Paulafreitas, com seu brilhante relato, oferece-nos a trajetória das em-
presas baianas de publicidade que responderam pelas primeiras pro-
duções de artistas locais como Antonio Carlos & Jocafe, Sarajane e Luiz
Caldas, entre muitos outros, que posteriormente alcançaram grande
sucesso nacional através de grandes gravadoras.
No texto seguinte, Eduardo Vicente e Marcos Júlio Sergl apresentam
um importante relato histórico sobre as últimas décadas da indústria
do disco no país, detendo-se especialmente no modo pelo qual um seg-
mento de menor peso mercadológico – no caso, o da produção erudita
– tem enfrentado as agruras de um cenário marcado por crises e dese-
quilíbrios. A seguir, Irineu Guerrini Jr. nos oferece um relato bastante
abrangente sobre o modo pelo qual as bancas de jornais tornaram-se
um importante espaço de distribuição tanto para selos independentes e
artistas autônomos quanto para grandes grupos de comunicação.
O rádio, que não poderia estar ausente desse cenário, é enfocado
na sequência através da Continental AM, emissora de Porto Alegre que,
além de promover importantes artistas gaúchos dos anos 70 e 80 (como
Hermes Aquino e Almôndegas), envolveu-se também na atividade de
produção fonográfica. O texto é assinado por Sérgio Francisco Endler.
Fechando o livro, Micael Herschman discute o cenário atual, onde os
shows ao vivo parecem estar se tornando mais centrais para os artistas
do que a gravação e venda de seus discos.
Como organizadores da obra, gostaríamos de expressar nosso pro-
fundo agradecimento aos autores acima citados, tanto pela confian-

6 APRESENTAÇÃO
ça depositada em nosso trabalho como pelo compromisso assumido
– dentre os múltiplos que suas carreiras acadêmicas certamente lhes
impõe – com a produção dos textos aqui apresentados. Agradecemos
ainda aos integrantes do Núcleo de Rádio e Mídia Sonora da Intercom
que acompanharam nossas mesas e, muito especialmente, a Luiz Artur
Ferraretto que, na condição de coordenador do Núcleo, apoiou esse pro-
jeto de publicação desde o seu início.

São Paulo, janeiro de 2010.


Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente

APRESENTAÇÃO 7
VACINADO COM AGULHA DE VITROLA:
os anos dourados da Gravadora RGE

José Eduardo Ribeiro de Paiva

Este trabalho pretende descrever o que se pode chamar de primeira


fase da gravadora RGE (Rádio Gravações Especializadas), que abrange o
período compreendido entre sua fundação, nos anos 50 até sua venda
em 1965 à gravadora Fermata. A RGE tem características bastante pró-
prias, e trouxe alguns procedimentos até então inexistentes em nosso
mercado fonográfico, através de seu fundador, José Scatena, pioneiro
na área de áudio no Brasil, que diz ter sido “vacinado com agulha de
vitrola”.1 A RGE, de certo modo, pode ser considerada como decorrência
de um contrato da Standart propaganda com a Colgate-Palmolive, que
previa a montagem de um estúdio de gravação em São Paulo e outro
no Rio de Janeiro para atender a propaganda do creme dental Colgate e
do Sabonete Palmolive, e José Scatena foi convidado, “pelo velho amigo
José Roberto Whitaker Penteado”,2 publicitário e seu colega na facul-
dade de direito, a realizar um teste, ainda em 1941, juntamente com o
Valdir Vei e a cantora Agnes Aires. “Como eu disse a você, foi a minha
primeira picada de agulha de gravação, foi nesse dia de manhã, lá nesse
domingo”.3 É nessa época que as rádios são autorizadas a ter 10% de
sua programação em publicidade, o que permite a “...alguns anuncian-
tes se transformarem em verdadeiros produtores de publicidade, como

1. Entrevista concedida por José Scatena, em 18/11/2005.


2. Idem.
3. Idem.

VACINADO COM AGULHA DE VITROLA 9


o caso da Standart Propaganda e da Colgate-Palmolive, que contrata-
vam atores, escritores e tradutores de telenovelas”.4
Aprovados, depois de realizarem o teste com “As futuras aventuras
do vingador e do seu fiel amigo índio Calunga”, o trabalho começou a
ser feito no pequeno estúdio da Standart.

Aí começaram as gravações e durante algum tempo


nós gravamos nesse estúdio que era na rua perto da
faculdade, uma ruazinha pequena que sai ao lado da
faculdade...Era um prediozinho de sete andares. O séti-
mo andar tinha uma coisa importante, que era o Ibope.
O Ibope começou no sétimo andar desse prédio com o
Auricélio Penteado, o fundador do Ibope.5

Muita coisa foi produzida nesse estúdio, além de peças publicitá-


rias, como as aventuras do Vingador, as aventuras do Tarzan e diversas
novelas, entre outras produções sonoras. Isso durou até 1948, quando
finalizou o contrato com a Colgate-Palmolive, e o estúdio ficou sem uma
função prática.

Era um empate de capital morto. Eu tive a ideia de pro-


por ao Cícero Leuenroth que era o dono da Standart
Propaganda, que morava no Rio, fazer uma sociedade,
em que eu tocaria o estúdio, não em nome de Cícero
nem de coisa nenhuma, era um estúdio independente
que seria o primeiro estúdio de gravação para as agên-
cias de propaganda de São Paulo.6

Até então, os serviços publicitários eram realizados nos estúdios da


Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, e o estúdio RGE pretendia cobrir essa
lacuna e também ser um espaço para gravações musicais para outros
clientes.

Em 1948 nós deixamos o prédio lá da Standart, que era


muito pequeno e fomos montar um pequeno estúdio
na Xavier de Toledo, continuando ainda a gravar para
publicidade e já gravando com pequenos conjuntos

4. ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 140.


5. Entrevista concedida por José Scatena, em 18/11/2005.
6. Idem.

10 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA


musicais para terceiros. Lá gravávamos também os ca-
louros da Rádio Cultura, que era o “Calouro Rodine”,
uma marca de comprimido para dor de cabeça. E nós
gravávamos e sintonizávamos num rádio a Rádio e de-
pois os calouros sabiam que estava sendo gravado e iam
lá para o estúdio querendo ouvir o que eles cantaram.
E nós passamos a comercializar essa jogada, cobran-
do dois cruzeiros, naquele tempo acho que eram dois
mil réis. E calouro era gente pobre, não tinha dinheiro,
então fazia sociedade com outro calouro, um dava mil
réis, o outro, outro mil réis e cada um tinha 50% do
disco, um era lado A e o outro era lado B.7

Logo depois, com a aquisição de um gravador de fita portátil, os


estúdios RGE dão um salto de qualidade, e passam a gravar outros ma-
teriais sonoros além da publicidade.

A primeira gravação realmente com possibilidades co-


merciais foi feita com Cauby Peixoto e uma orquestra já
bem desenvolvida. Como nós tínhamos um gravador, o
primeiro gravador de fita que tinha chegado, portátil,
nós levamos o gravador de fita para a Rádio Gazeta, e já
tínhamos conseguido o beneplácito lá do pessoal para
gravar, o auditório deles, a orquestra, e o Cauby Peixoto
gravou a primeira gravação que saiu do estúdio RGE,
era um baião e outra coisa que agora não me lembro.8

Posteriormente, os estúdios mudam para o prédio da Rádio


Bandeirantes, na Rua Paula Souza número 181, a rua conhecida como
a dos “secos e molhados”, e ocupam o segundo andar do prédio, onde
“... montamos um novo estúdio, agora amplo, grande, com capacidade
para uma orquestra, e com uma novidade que não existia no Brasil:
uma câmara de eco natural, que dava uma impressão de profundidade
muito grande”.9
As gravações ainda são realizadas em mono, agora no gravador
Ampex, que veio da Columbia, deixado no estúdio com a condição de
ser utilizado somente em gravações para ela.

7. Idem.
8. Idem.
9. Idem.

VACINADO COM AGULHA DE VITROLA 11


A Columbia trouxe o gravador e deixou lá no estúdio,
com a condição de gravar só para a Columbia. É lógico
que logo depois nós estávamos comercializando com
grande êxito as gravações com Ampex. Ele gravava ape-
nas com um canal. Depois nós fizemos umas alterações
e viemos a gravar com dois canais, a tomada de som do
estúdio era feita diretamente do estúdio para a grava-
ção, para a fita.10

Uma ginástica técnica gigantesca, realizar a gravação em mono


com todos os participantes ao mesmo tempo. “Era um negócio terrível.
Posteriormente descobrimos que gravaríamos a orquestra e depois bo-
távamos o gravador, o som no estúdio para o cantor, sem a orquestra,
aí melhorou muito”.11 Além das dificuldades técnicas inerentes aos pro-
cessos de gravação da época, fosse aqui ou em qualquer grande estúdio
do eixo EUA-Europa, existia também o descompasso do conhecimento
tecnológico aqui existente na época, que dava bem a dimensão do de-
safio enfrentado por eles.

Tudo empírico. Tinha um antigo grande amigo meu, que


já faleceu, era o Sérgio Lara Campos...12 era um garoto
curioso, que estava sempre lendo revistas e gostava de
som, o Lara! Ele, garoto, já tinha algumas informações
para melhorar a acústica de um estúdio. E nós fizemos
isso à brasileira, fomos lá, achamos, riscamos no chão e
no corredor onde atendia o expediente normal da RGE,
tinham os microfones e o alto-falante captando o som.
A câmara de eco era feita aí nesse local. Na hora da gra-
vação não podia ninguém passar, não podia ninguém
sair, porque atrapalhava a gravação. Jogava o som por
um falante e captava esse mesmo som a 10, 12 passos
para frente no microfone e esse som voltava para gra-
vação. Então dava a sensação de uma câmara de eco.13

10. Idem.
11. Idem.
12. Sérgio Lara Campos teve uma intensa atuação como engenheiro de som na Columbia
e em projetos da TVE.
13. Entrevista concedida por José Scatena, em 18/11/2005.

12 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA


Além do empirismo tecnológico, existia a questão da divulgação,
de como distribuir e vender os discos. Não se deve esquecer que o mer-
cado fonográfico da época era bastante restrito, e a visão comercial
de Scatena, para a promoção do primeiro disco gravado pela RGE, em
1954, foi trágica.

O primeiro disco que foi gravado, foi em 1954, o hino


do Corinthians, o famoso hino do Corinthians.14 Mas
não ainda, não tínhamos nenhuma organização espe-
cializada para isso, nem corpo de vendas, nem coisa
nenhuma. O Corinthians em 1954 se tornou o campeão
dos campeões, ganhou fora e ganhou o campeonato de
São Paulo, então, no Pacaembú, eu julgava que podia
vender facilmente 20 mil discos na porta do estádio.
Depois, o que aconteceu, fui para a fábrica e pedi para
a Continental, que tinha a fábrica, que eu queria de iní-
cio 50 mil discos. O rapaz que atendia quase teve um
desmaio: “isso nunca aconteceu no Brasil...”, “ih, não
é nada disso...”. A conversa resultou que reduziu para
5 mil discos. Mandamos um caminhão pro estúdio, pro
portão do Corinthians e tal, aquela coisa toda, com al-
to-falante, e já tinha distribuído o disco também para
ser tocado lá dentro do estádio, depois da vitória e nas
estações de rádio também, e aconteceu que na euforia
do futebol ninguém queria saber de disco e não vendeu
coisa nenhuma.15

Em 1956, surgem os primeiros lançamentos da RGE no forma-


to de 10 polegadas,16 sendo: Panorama Musical (RLP 001) – Henrique
Simonetti e Sua Orquestra, Jazz Festival no. 1 (Jam Session) (RLP 002)
(com Dick Farney, gravado ao vivo no Teatro de Cultura Artística – São
Paulo, durante o Primeiro Festival Brasileiro de Jazz, organizado pelo

14. Apesar de mencionado em diversas entrevistas por José Scatena, este disco não consta
entre o catálogo da gravadora RGE disponível no site www. jornalmusical.com.br. O pri-
meiro disco do catálogo RGE é um 78 RPM, número 10.000-a, constando como Orquestra
e Coro RGE/Hernani Franco, contando com as faixas “Leão do Mar” (Maugéri Neto/Maugeri
Sobrinho) e “Falam Os Campeões-Santos FC” – 1955.
15. Entrevista concedida por José Scatena, em 18/11/2005.
16. Conforme Sérgio Cabral.“Os primeiros long-plays de 33 rotações, tinham 10 polegadas
e ofereciam o máximo de 8 faixas” in CABRAL, Sérgio. A MPB na era do rádio. SP, Moderna,
1996.

VACINADO COM AGULHA DE VITROLA 13


Jazz Club de São Paulo) e Ritmos Latinos de Lina Pesce (RLP 003).17 É inte-
ressante notar que “se os anos 40 e 50 podem ser considerados como
momentos de incipiência de uma sociedade de consumo, as décadas de
60 e 70 se definem pela consolidação do mercado de bens culturais”,18
e é justamente no início dessa consolidação que a RGE se insere no
mercado fonográfico de forma mais incisiva, apesar do empirismo que
dominava boa parte das suas atitudes empresariais.19 Também é im-
portante lembrar que em momento algum a RGE foi uma gravadora no
sentido exato do termo como eram as que então dominavam o mercado
fonográfico brasileiro, como Columbia, RCA, Odeon e Continental, que
possuíam toda a estrutura necessária para a duplicação e distribuição
das gravações. A RGE, antes de ser uma gravadora em seu sentido ple-
no, era um selo de gravações criado a partir de um estúdio de gravação,
que dependia de serviços terceirizados de prensagem e distribuição de
discos, que acabaram sendo feitos pela RCA20 e pode ser chamada de
“gravadora independente”. Isso já era uma forte tendência no mercado
norte-americano que, em 1957, já possuía mais sucessos nas paradas
oriundos das gravadoras independentes que das majors.21
Walter Silva trabalhava na Rádio Bandeirantes, dois andares acima
da RGE, e foi contratado como o primeiro divulgador da gravadora. “Eu
tentei reunir o útil ao agradável. Falei com o Scatena se rolava um em-
prego na gravadora dele, que era no mesmo prédio, e ele disse que es-
tava precisando de um divulgador”.22 Foi dele uma das ideias que proje-
tou a RGE definitivamente no mercado fonográfico: o aniversário RGE.

Não era o aniversário da RGE, mas nós inventamos a


data e, neste dia, todas as emissoras de São Paulo toca-
riam discos RGE. Fiz um acerto com cada discotecário e

17. Segundo http://www.jornalmusical.com.br/gridGravadora.asp.


18 ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 113.
19. “Eu era um poeta, sonhava muito, fiz tudo com a cara e a coragem. Neófito, não tinha
a menor ideia de como colocar discos à venda no Brasil inteiro. A manutenção de um
corpo de vendas era quase inviável, e acabei fazendo um acordo de distribuição com a
RCA”, entrevista de José Scatena citada em Souza, Tarik, “Som Livre lança RGE Clássicos”.
Clube do Jazz, 21/09/2006. Disponível em: http://www.clubedejazz.com.br/noticias/noti-
cia.php?noticia_id=380.
20 SOUZA, Tarik. Som Livre lança RGE Clássicos. Clube do Jazz, 21/09/2006.
21 SILVA, E. Origem e desenvolvimento da indústria fonográfica brasileira. In: http://repos-
com.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/4609/1/NP6SILVA.pdf.
22. Entrevista concedida por Valter Silva em 11/04/2007.

14 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA


fizemos o dia da RGE, que terminava à noite com um
baile no escritório da própria gravadora, onde todos os
participantes se reuniam. Naquele dia, todas as rádios
tocavam só discos RGE, da manhã à noite, todas as emis-
soras, sem exceção, indo pelo dial, desde a Jovem Pan até
à Rádio América. Foi um sucesso muito grande.23

Também foi o responsável pela divulgação feita para promover a


então desconhecida cantora Maysa,24 que havia vendido, segundo ele,
apenas 247 cópias de seu primeiro disco, e que, com um intenso traba-
lho junto as rádios, inicialmente no Rio de Janeiro, tornou-se um gran-
de sucesso. Alguns cronistas da época, como Ricardo Galeno, do Diário
Carioca, e Antonio Maria também foram importantes para lançar seu
trabalho junto ao grande público carioca,25 algo que se repetiu também
em São Paulo. Provavelmente, a RGE tenha sido a primeira gravadora
a contratar um profissional de rádio com boa penetração no mercado
para atuar como divulgador, e isso com certeza, se refletiu nos resulta-
dos de vendas e divulgação de seu catálogo.
Com o sucesso e um espaço crescente na mídia, diversos artistas
de expressão tem seus trabalhos lançados lá na primeira metade dos
anos 60, quando também principiam as primeiras gravações em esté-
reo. Novamente, um gravador vindo da Columbia é utilizado, onde os
trabalhos são gravados diretamente em estéreo criando um diferencial
de sonoridade com os discos da época, algo que a RGE já vinha fazendo
desde o final dos anos 50.

...no Rio de Janeiro gravava a Odeon, a RCA e a


Continental, era tudo gravado no Rio de Janeiro, os es-
túdios antiquados, com um som abafado....as fábricas
começaram a gravar lá com a gente. E começou então
nesse sentido ‘ah, esse som é som RGE’, diferenciado do
som da gravação do Rio de Janeiro.26

23. Idem.
24. Maysa registrou, na RGE, 21 de 78 RPM, 2 LPs de 10 polegadas e 10 LPs, entre materiais
originais e coletâneas.
25. Walter Silva, com Maysa, “correu todas as rádios do Rio e conseguiu junto a Henrique
Pongetti um artigo de página na revista Manchete, cujo título era “Quando Canta um
Matarazzo”, in http://www.waltersilvapicapau.com/radio.html, consulta em 14/04/2007.
26. Entrevista concedida por Valter Silva em 11/04/2007.

VACINADO COM AGULHA DE VITROLA 15


O diferencial sonoro faz escola, e se torna algo a ser seguido pelos
outros estúdios de gravação,27 mesmo com todos os problemas e buro-
cracias legais para aquisição de equipamentos importados que vigora-
va na época.28

O som dos discos RGE era escandalosamente melhor.


Tinha um som perfeito, graças ao Sérgio de Lara Campos
e ao Carlos Moura, que conseguiram dar um padrão de
qualidade que ficou conhecido como “o som da RGE”.
Todo mundo pedia na época para que seu disco ficasse
com o som da RGE, que acabou sendo um padrão in-
confundível.29

Tecnologicamente, o atraso dos estúdios de gravação no Brasil neste


período era gritante. A própria câmera de eco mencionada por Scatena
anteriormente já era largamente utilizada desde muito antes no exte-
rior, e os sistemas de gravação multipistas de oito canais lançados em
1955, pela empresa Ampex, já estavam se tornando padrão. Em 1958, a
gravadora norte-americana Atlantic (um selo de gravação independen-
te) foi a primeira a possuir um estúdio neste formato,30 instalado por
Tom Dowd, um dos maiores engenheiros de som da história,31 e cabe
lembrar que no Brasil, muitas das grandes gravadoras somente passa-
ram seus estúdios para oito canais a partir dos anos 70.
Maysa foi o primeiro grande sucesso da RGE, ao que se seguiu uma
série de outros, oriundos também dos contratos internacionais firma-
dos com gravadoras do México, Inglaterra, França, Estados Unidos. Mas
o maior sucesso foi Miltinho.

O Miltinho que também era um sambista lá do Rio de


Janeiro foi lançado por nós e se tornou o grande ven-
dedor de disco e também de shows. Ele passou a ser

27. Os discos da RGE lançados neste período realmente possuem uma sonoridade bastan-
te destacada em relação aos outros, principalmente por uma maior definição e transpa-
rência dos instrumentos e vozes.
28. As restrições alfandegárias à importação de equipamentos vigorou até o início dos
anos 90.
29. Entrevista concedida por Valter Silva em 11/04/2007.
30. In http://www.answers.com/topic/multitrack, consultado em 21/04/2007.
31. Como curiosidade, no filme Ray, sobre Ray Charles, a cena do que talvez tenha sido a
primeira utilização de um gravador de oito canais em uma gravação comercial é recriada,
quando o cantor faz todos os backing vocals de uma canção.

16 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA


uma figura muito interessante. Agora, o nosso vende-
dor de disco que era marcante para nós era o mexica-
no Bienvenido Granda, o bigode que canta! Era bolero,
aquela coisa de música para cabaré, música para pros-
tituta. Eu fiz algumas tentativas de lançamento de mú-
sica brasileira com cantores e cantoras, mas ninguém
colou assim para valer.32

Porém, a batalha era desigual, quando se compara a RGE com as


multinacionais que atuavam no mercado, que possuíam estruturas de
trabalho muito mais elaboradas e muito mais facilidade de acesso aos
materiais dos selos internacionais que representavam.

As internacionais tinham muito mais facilidade para


receber as matrizes que vinham do exterior para se-
rem lançadas aqui. A RGE recebia um disco, e do disco
transformávamos o disco em matriz, coisa que é um
crime que se faz. Recebíamos um disco que não tinha
sido tocado ainda. E depois transferia esse disco para o
acetato, para ir pra fábrica.

O forte da RGE acabou sendo a produção da música brasileira, como


mostra a série de 10 CDs lançados recentemente pelo selo Som Livre,
em um projeto coordenado pelo produtor Carlos Alberto Sion, onde,
além dos mais conhecidos, como Convite para Ouvir Maysa, pode-se en-
contrar Embalo(1964), um inspirado trabalho de samba-jazz do pianista
Tenório Jr. (tragicamente desaparecido nos anos 70 em meio à ditadura
argentina), ou A música de Jobim e Vinícius (1962), da cantora paulista
Elza Laranjeira, uma esmerada produção pouco conhecida pelo públi-
co, além de outros trabalhos bastante significativos realizados após a
aquisição da RGE pela Fermata, no ano de 1965. Provavelmente, um
dos lançamentos mais significativos desse período tenha sido A Bossa
no Paramount, gravado em 1964, lançado em 1965 (RGE XRLP 5268) e
relançado em 1989 como 30 Anos de Bossa Nova – vol. 3, a partir do
show produzido por Valter Silva com a participação de Marcos Valle,
Elis Regina, Vinicius de Moraes, Zimbo Trio, Oscar Castro Neves, entre
outros.

32. Entrevista concedida por José Scatena, 23/11/2005.

VACINADO COM AGULHA DE VITROLA 17


O catálogo do período compreendido entre os anos 1956-1965
abrange um número considerável de gravações, onde, com certeza, se
encontram os lançamentos mais importantes da história da RGE. De
acordo com o Instituto Memória Musical Brasileira,33 são, ao todo, 512
discos de 78 RPM, (lançados entre 1956 e 1963), 22 discos de 10” e 248
discos LP. Fazendo parte de seu sólido catálogo de artistas brasileiros,
pode-se encontrar, além dos citados Maysa e Tenório Jr., Agostinho dos
Santos, Silvio Caldas, Paulinho Nogueira, Dick Farney, Toquinho, Juca
Chaves, Zimbo Trio, Hector Costita, entre outros. De todos eles, Maysa
tornou-se a mais famosa, conforme lembra Scatena:

Foi o produtor Roberto Corte-Real34 quem trouxe a


Maysa Matarazzo, uma mulher da alta sociedade pau-
lista, para gravar conosco. Como publicitário achei
aquilo sensacional, mas deu tudo errado no início. O
marido a proibiu de usar no disco o sobrenome e vetou
fotos na capa. Fizemos uma loucura: lançamos um dez
polegadas sem foto de capa, com oito músicas compos-
tas e cantadas por uma desconhecida. Mas ela ganhou
um programa de televisão, separou-se do marido e ex-
plodiu para o sucesso.35

Esse era um dos diferenciais de Scatena: sua experiência como


publicitário lhe permitia um outro olhar sobre as questões de produção
fonográfica de sua época, dando importância a coisas ignoradas pelas
outras gravadoras, sobretudo na divulgação dos discos de sua empresa.
Poucos teriam arriscado lançar uma cantora como Maysa, desconhecida
e sem passado musical.

Eu fui considerado pelos diretores de fábricas de dis-


cos como a Odeon e a Columbia. Eles me consideravam
muito porque eu mexi muito com o mercado, alterei
muito o processo de divulgação de disco. Então, era
considerado. Muito respeitado. Eu estava como se fosse
um “Ford de bigode” fazendo muito barulho com aque-
le pessoal.

33. http://www.memoriamusical.com.br/jm/gridGravadora.asp
34. Também diretor artístico da Columbia.
35. SOUZA, T. “Som Livre lança RGE Clássicos”. Clube do Jazz, 21/09/2006.

18 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA


Um dos artistas que mais gravaram por lá foi o regente e arran-
jador Enrico Simonetti, que à frente da Orquestra de Câmera RGE, da
Orquestra de Cordas RGE ou da sua própria, realizou 1 de 78 RPM, 1
compacto duplo, 2 LPs de 10” e 17 LPs no período de 1958 até 1965.

“Caravelle” é uma fantasia musical do executante.


Inicialmente ouve-se um fervilhante vozerio de um ae-
roporto. Logo após, uma voz convida os passageiros a
tomar seus lugares e, em seguida, o ruído dos reato-
res, que tem como continuação a fantasia do maestro.
Trata-se, evidentemente, de um sucesso brasileiríssimo
que Enrico Simonetti vem lançar através do selo das
três cores. Brasil a Jato apresenta na capa um aparelho
Caravelle em vôo, da Varig.36

Existem outros discos do maestro onde os “ganchos” do momen-


to são utilizados. Se em Brasil a Jato a homenagem era aos primeiros
Caravelles recebidos pela Varig, Samba do 707 homenageava o pri-
meiro Boeing 707 a ser incorporado à frota da mesma empresa aérea.
Simonetti também era um arranjador talentoso, estando à frente de
quase todos os grandes discos produzidos pela RGE, como os de Maysa,
Juca Chaves e Agostinho dos Santos, entre outros, onde realizou traba-
lhos notáveis.
Juca Chaves foi outro dos grandes sucessos da empresa, principal-
mente pelo seu primeiro LP, onde ele registrou a antológica “Presidente
Bossa Nova”, sátira do presidente Juscelino Kubitschek. Seu LP As duas
faces de Juca Chaves37 “é um marco da música popular brasileira, pois
retoma um de nossos mais autênticos gêneros musicais. É o primei-
ro disco de modinhas contemporâneas brasileiras, servindo também
como marco fundador das sátiras da política moderna”.38
Mensurar efetivamente a posição da RGE, nessa fase, dentro do mer-
cado fonográfico é uma tarefa praticamente impossível, uma vez que
somente a partir de 1965 surgiram os levantamentos dos discos mais

36. Matéria publicada na coluna Discovion, O Estado do Rio Grande, em 19-11-1959.


37. Juca Chaves gravou na RGE 9 de 78 RPM e 2 LPs.
38. LISBOA JUNIOR, L. Juca Chaves: As Duas Faces de Juca Chaves – 1961. In: http://www.
luizamerico.com.br/fundamentais-juca-chaves.php. Acesso em 2/05/2006.

VACINADO COM AGULHA DE VITROLA 19


vendidos e produzidos pela empresa de pesquisa de mercado Nopem,39
quando a gravadora já havia sido incorporada à Fermata,40 sendo que
desta incorporação surgiu o selo RGE-Fermata, adquirido pela Som Livre
em 1980. Porém, examinando-se os dados do Nopem referente aos anos
subsequentes, pode-se verificar uma participação de mercado razoavel-
mente expressiva, principalmente em relação as gravadoras como RCA,
Odeon ou CBS,41 mais bem estruturadas comercialmente e com longo
tempo de atividade. Em 1965, na lista dos 50 discos mais vendidos,
entre LPs, compactos simples e compactos duplos, encontra-se Miltinho
(A Bossa é Nossa), quarto lugar; Chico Buarque (Quem te Viu, Quem te Vê),
23º e Erasmo Carlos (Festa de Arromba), 40º. Em 1966, Chico Buarque (A
Banda), terceiro lugar; Erasmo Carlos (Festa de Arromba) 44º e Gilliard
(Não Diga Nada), 50º. É interessante notar que nestas listagens, ainda
não aparece a menção ao selo RGE-Fermata, mas apenas a RGE. Não
se deve esquecer que uma contribuição definitiva para o sucesso da
primeira fase da RGE foi justamente a efervescência da música popular
brasileira da época com o surgimento da bossa nova, que trouxe toda
uma série de novos procedimentos musicais e também toda uma gera-
ção de artistas extremamente significativos, muitos dos quais procura-
vam a RGE para serem contratados.
Posteriormente a venda da RGE, José Scatena dedicou-se aos estú-
dios de gravação, tendo sido proprietário de vários estúdios que se tor-
naram parte da história musical do Brasil, como o Estúdio Scatena e o
Estúdio Prova, entre outros. Pode-se considerar a RGE como uma das
pioneiras, que compreendeu de forma efetiva a transição da incipiên-
cia dos anos 50 para a consolidação do mercado de bens culturais nos
anos 60, conforme mencionado por Ortiz, inaugurando assim uma nova
ótica para a moderna produção fonográfica, onde a mídia exerce um
papel preponderante.42 Com isso, funções como gravação e divulgação

39. VICENTE, Eduardo. Organização, crescimento e crise: a indústria fonográfica brasi-


leira nas décadas de 60 e 70. In: http://www.eptic.com.br/Revista%20EPTIC%20VIII-3_
EduardoVicente.pdf
40. Segundo Scatena, a RGE foi vendida em 31/03/1965.
41. No ano de 1965, a RCA teve sete títulos entre os 50 mais vendidos, a CBS oito títulos
e a Odeon 11.
42. Conforme José Scatena, “um instinto publicitário que eu tinha, eu fui durante tanto
tempo publicitário, eu tinha um instinto publicitário, e durante muito tempo fui publici-
tário, e então, achava que tinha que fazer propaganda para poder... E é verdade, o disco
só vende se ele for ouvido”.

20 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA


passam a ter uma importância até então inédita na indústria fonográ-
fica, ainda baseada na ideia da duplicação e distribuição. Além disso,
pode-se especular que o surgimento de diversos selos de gravação que
surgiram nos anos 60 e 70 a partir de estúdios de gravação existen-
tes que não possuíam estrutura de duplicação ou distribuição, como o
Eldorado ou Nosso Estúdio, é consequência do sucesso e da visibilidade
que a RGE conseguiu nesta primeira fase.

Referências bibliográficas
ANSWERS Multitrack Recorders, 2006. Disponível em: http://www.answers.
com/topic/multitrack. Acesso em 21 abr. 2007.
CABRAL, Sérgio. A MPB na era do rádio. São Paulo: Moderna, 1996.
JORNAL MUSICAL. Catálogo da Gravadora RGE, 2007. Disponível em: http://www.
memoriamusical.com.br/jm/gridGravadora.asp. Acesso em: 20 abr. 2007.
LISBOA JUNIOR, Luiz Américo. Juca Chaves As Duas Faces de Juca Chaves
1961. Disponível em: http://www.luizamerico.com.br/fundamentais-juca-cha-
ves.php. Acesso em: 2 maio 2006.
O ESTADO DO RIO GRANDE. Brasil a Jato. Discovision. 19 nov. 1959. Disponível
em http://discomentando.vilabol.uol.com.br/sim.htm. Acesso em 20 abr. 2007.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1991.
SILVA, Walter. Radio, 2006. Disponível em: http://www.waltersilvapicapau.com/
radio.html. Acesso em: 14 abr. 2007.
SOUZA, Tarik. Som Livre lança RGE Clássicos. Clube do Jazz, 21 set. 2006.
Disponível em: http://www.clubedejazz.com.br/noticias. Acesso em: 3 maio
2007.
SILVA, Edison. Origem e desenvolvimento da indústria fonográfica brasileira.
Disponível em: http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstre-
am/1904/4609/1/NP6SILVA.pdf. Acesso em: 3 abr. 2007.
VICENTE, Eduardo. Organização, crescimento e crise: a indústria fonográfica brasi-
leira nas décadas de 60 e 70. Disponível em: http://www.eptic.com.br/Revista%20
EPTIC%20VIII-3_EduardoVicente.pdf. Acesso em: 2 maio 2006.

Discos
40 ANOS DE MÚSICA 1961. São Paulo: Comercial Fonográfica RGE, 1996. CD
Áudio.
40 ANOS DE MÚSICA 1965. São Paulo: Comercial Fonográfica RGE, 1996. CD
Áudio.

VACINADO COM AGULHA DE VITROLA 21


Entrevistas
SCATENA, José. Entrevista. 18 nov. 2005. Transcrição de Tânia Jacomini.
—. Entrevista. 23 nov. 2005. Transcrição de Tânia Jacomini.
SILVA, Valter. Entrevista. 11 abr. 2007.

22 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA


SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS
TELENOVELAS: pressupostos sobre
o processo de difusão da música

Heloísa Maria dos Santos Toledo

Sabe-se que em poucos países do mundo a canção popular ocupa um


papel tão relevante na cultura, de uma maneira geral, como no caso
brasileiro. Aqui, a música/canção possui um papel insólito; está forte-
mente inserida no cotidiano das pessoas e representa, possivelmente, a
principal forma artística pela qual os brasileiros se reconhecem e são re-
conhecidos pelo mundo. É também a manifestação artística que, espe-
cialmente a partir da segunda metade do século XX, mais interage com
praticamente todas as outras formas da produção cultural, associando-
se ao rádio, ao cinema, ao teatro, à televisão, às agências publicitárias,
etc., possibilitando que o espaço de atuação da indústria fonográfica se
expanda para outros setores da produção cultural. Numa dessas rela-
ções, temos a associação da música com a novela, esta última que apa-
rece, em tempos da cultura industrializada, como nosso produto mais
bem acabado, de reconhecimento internacional e de grande penetração
no imaginário popular. É dessa relação que resulta, pois, a trilha sonora
ou trilha musical da telenovela, produto cultural específico da indústria,
resultado de uma complexa rede de relações que envolve os interesses
tanto da indústria televisiva quanto fonográfica e dos diversos agentes
que delas fazem parte. Nessa imbricada relação que envolve o processo
de produção e difusão da trilha sonora, nos deparamos não apenas com
a falta de uma suficiente transparência dos elementos que compõem
todo esse processo, como, também, das suas possíveis consequências

SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS 23


nas esferas culturais, econômicas e artísticas da indústria fonográfica
como um todo.
Entretanto, apesar de toda diversidade e tradição musical pelas
quais o Brasil é reconhecido, os estudos sobre a consolidação e forma
de atuação da indústria fonográfica, especialmente quando compara-
dos às discussões em torno de outras mídias, como a televisão, o rádio
e a imprensa, foram pouco privilegiados. Apenas mais recentemente
alguns pesquisadores têm se dedicado ao tema e, ainda assim, são ra-
ras as pesquisas que se propõem especificamente ao debate dos aspec-
tos relativos à difusão das mercadorias musicais. Tal tema aparece, na
maioria das vezes, dentro de uma discussão mais geral sobre a atuação
da indústria fonográfica brasileira e mundial. Entretanto, penso que
a complexidade e amplitude das questões relacionadas à difusão, es-
pecialmente no caso das mercadorias musicais e, particularmente das
trilhas sonoras como produto cultural inerente ao audiovisual, acabam
por justificar um olhar mais atento aos seus aspectos.43
Quando fala da peculiaridade da produção das mercadorias culturais
no contexto do que conhecemos como indústria cultural (aqui, entendi-
da em seu sentido mais amplo), Thompson (1995, p. 290) ressalta o fato
destas serem marcadas por uma espécie de “indeterminação”, causada
pela “ruptura entre a produção e a recepção dos bens simbólicos”. Isto
significa dizer que os receptores, não estão presentes fisicamente nem
no lugar da produção nem no lugar da transmissão desses bens, fato
este que impõe que o percurso entre as mercadorias culturais e seus
possíveis consumidores seja permeado por uma complexa estrutura en-
volvida por inúmeras mediações. Ora, se considerarmos que os conglo-
merados e empresas da mídia, de uma forma geral, visam, sobretudo,
a valorização econômica de seus produtos, são empregadas uma série
de técnicas que buscam vencer, justamente, essa “indeterminação” da
qual fala Thompson. É essa necessidade que caracteriza a especificida-
de da difusão, pois é por meio de suas técnicas de marketing e promoção
que é feito o elo entre o produtor e seu público potencial.
Podemos pensar nas trilhas sonoras das telenovelas como o resul-
tado da sofisticação de todo este processo: é um produto específico

43. É comum entre alguns pesquisadores e, sobretudo, entre os profissionais que atuam
neste segmento, a distinção entre trilhas sonoras e trilhas musicais. Trilha sonora englo-
baria também, além do fundo musical, todos os ruídos, falas e a sonoplastia da cena. As
trilhas musicais, por sua vez, diria respeito somente às músicas utilizadas como tema. No
caso deste artigo, as duas serão usadas indistintamente.

24 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


da produção cultural que, no caso das trilhas das telenovelas da Rede
Globo, é de uso comercial exclusivo da gravadora Som Livre, braço fo-
nográfico do conglomerado Globo. E, ao mesmo tempo, é também um
veículo de divulgação maciça de artistas e canções diversas, pertencen-
tes às outras grandes gravadoras que dominam o mercado fonográfico
brasileiro.44 A interação entre televisão e indústria fonográfica acaba,
dessa forma, sendo benéfica para ambos os lados. Além do mais, se lem-
brarmos que estamos diante da performance de grandes conglomerados
da mídia, o impacto sobre o mercado é bastante relevante. Apresento,
nesta oportunidade, alguns elementos que permitem um olhar panorâ-
mico sobre essa relação música e televisão, vista, especialmente, atra-
vés das trilhas sonoras e da forma de atuação da gravadora Som Livre.

A especificidade da música na produção cultural


É preciso ter em conta que a música tem se apresentado como uma mer-
cadoria cultural de características muito particulares, não somente pela
proximidade que tem com os indivíduos, mas, sobretudo, por sua ampla
capacidade de se difundir. Graças ao desenvolvimento tecnológico que
acompanha a história da sociedade contemporânea – e que está intima-
mente ligado ao desenvolvimento da indústria cultural –, pode-se ouvir
música praticamente em qualquer lugar e a qualquer hora: nos rádios
portáteis ou não, no carro, no computador, no walkman, nos aparelhos
celulares, nos iPods e aparelhos de MP3 (cada vez menores e com mais
capacidade de armazenagem de canções), etc.
Ao mesmo tempo, a música tem se diferenciado de outras merca-
dorias da indústria cultural justamente pela interação que consegue
estabelecer com os outros setores da produção cultural, funcionando
como pano de fundo a diferentes formas narrativas: publicidade, cine-
ma, peças teatrais e à produção televisiva.
Temos, então, algumas características dessa produção cultural: o ca-
ráter limitador, inerente a toda mercadoria cultural, a saber, a necessi-
dade da mediação de algum equipamento técnico para sua reprodução

44. E que dominam também o mercado mundial de música. À exceção da Som Livre,
todas as grandes gravadoras atuantes no Brasil são multinacionais: Sony, EMI, Warner
e Universal.

SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS 25


e para que o indivíduo possa consumi-la.45 Há ainda – e isso é o que
mais nos interessa aqui –, o fato de que a indústria fonográfica, dife-
rentemente de outros setores da indústria cultural não coloca sozinha
seu produto no mercado, mas necessita dos diversos canais de divulga-
ção (como televisão, rádio, revistas, jornais, cinema, etc.) para torná-lo
conhecido. Graças à sua ampla capacidade de difusão, as mercadorias
musicais são muito especiais no que diz respeito à integração entre
as diferentes mídias. Tudo isso somado, constitui uma das principais
razões que tornaram a indústria fonográfica um dos setores mais lucra-
tivos de todo o sistema de produção dos bens culturais.46
No caso específico das trilhas sonoras das telenovelas, a hegemo-
nia de sua produção e difusão no mercado brasileiro pertence à duas
empresas do maior conglomerado de mídia do país e um dos maiores
do mundo, a saber, as Organizações Globo.47 As empresas em questão,
responsáveis pelas decisões que envolvem a escolha das trilhas sono-
ras são a TV Globo, fundada em 1965 – principal produtora de teleno-
vela no Brasil e umas das principais do mundo – e a gravadora Som
Livre, criada em 1969 como parte da Sigla (Sistema Globo de Gravações
Audiovisuais) a quem cabe o direito exclusivo de reproduzir e comercia-
lizar as trilhas sonoras das novelas realizadas pela emissora de TV. Cabe
aqui, nesse momento, explicitar o que estamos tomando como trilha
sonora: trata-se do conjunto de canções conhecidas ou não, compostas
e interpretadas por artistas conhecidos ou não, nacionais e internacio-
nais e que durante o período de transmissão da telenovela servirá de
fundo musical às cenas e aos personagens. É desse conjunto que resul-
tará o disco da trilha sonora da novela, oferecido ao público na forma

45. Este é, certamente, um dos pontos centrais da crítica de Adorno à indústria cultural.
Cf.: Theodor Adorno. A indústria cultural. São Paulo: Ática, 1984 (col. Grandes Cientistas
Sociais).
46. De acordo com dados do IFPI (International Federation of the Phonografic Industry),
no ano de 2004, a indústria fonográfica mundial movimentou US$ 33,6 bilhões (áudio e
vídeo). No Brasil, contando apenas as grandes gravadoras, foram R$ 706 milhões, o que
dá uma média de 66 milhões de unidades de discos vendidas. Dados da ABPD. Fonte:
www.ifpi.org e www.abpd.org.br. Acesso em julho/2006.
47. O Grupo Globo, pertencente à família Marinho, atua em diversos segmentos extrarra-
mos, porém, intrassetoriais: rádios, jornais, revistas, internet, cinema, televisão (aberta
e paga), fonográfica, multiplicando, dessa forma, sua capacidade de ação, numa atitude
análoga aos grandes oligopólios de mídia do mundo. A atual configuração do grupo é a
reunião da TV Globo, da holding Globopar e do portal de internet Globo.com numa única
empresa: Globo Participação e Comunicações. A Globosat, Editora Globo e a gravadora
Som Livre atuam como suas subsidiárias integrais. Além delas, fazem parte do grupo o
Sistema Globo de Rádio e o Infoglobo.

26 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


de uma coletânea de canções de diferentes gêneros e intérpretes, na
maioria das vezes em uma versão nacional e outra internacional, prá-
tica essa que a TV Globo e a Som Livre mantêm desde 1971, quando,
juntas, lançaram a primeira trilha sonora.48
Coube, então, a essas duas empresas a consolidação de um modelo
que não apenas confirmou a especificidade da trilha sonora como mer-
cadoria cultural, mas o fez, sobretudo, a partir de uma estratégia bas-
tante peculiar e em consonância com a indústria fonográfica como um
todo. Isso porque a gravadora Som Livre atua de uma maneira bastante
sui generis, quando comparada às outras gravadoras: desde seu início
priorizou o segmento das trilhas sonoras em sua estratégia de atuação
em detrimento de trabalhos individuais de artistas.49 Para a composição
dos discos de trilhas, a TV Globo e a Som Livre recorrem aos artistas e
canções pertencentes aos quadros das demais gravadoras do mercado
fonográfico, sobretudo as majors, criando com essas um processo de
interação que perdura até os dias de hoje e possibilitando que a Som
Livre tenha se consolidado como uma grande gravadora sem ser vista
como uma rival pelas demais. Nesse sentido, para além das questões
estéticas que se colocam quando discutimos um produto audiovisual, a
junção entre imagem e som / novela e música acabou se revelando um
espaço de difusão, por excelência, de artistas e canções na grade de pro-
gramação da televisão, especialmente pelos altos índices de audiência
que a novela detém. Música na novela desfruta, então, do que podemos
chamar de promoção subliminar, ou seja, aquela cujo estímulo não é
suficientemente intenso para que o ouvinte/consumidor tome consci-
ência dele, mas, por conta do grau de repetição na qual é executada,
atua no sentido de alcançar o efeito desejado. Provoca aquilo que Dias
(2000) chamou de consumo aleatório; independe de o indivíduo gostar
ou não de música, de consumi-la ou não: o fundo musical da novela é
onipresente, faz parte do nosso cotidiano e proporciona à trilha sono-
ra o status de um acontecimento cultural, econômico e estratégico ao
mesmo tempo.

48. Trata-se da novela O Cafona. Antes disso, a TV Globo produzia suas trilhas sonoras des-
de 1969 – novela Véu de Noiva – em parceria com a gravadora Phillips. Cf. Trilha Sonora,
disponível em www.teledramaturgia.com.br. Acesso em 17/05/2007.
49. Desde 1985, a única contratada da Som Livre é a apresentadora de programas infantis
Xuxa Meneghel, uma das artistas com maior número de vendagens de discos no mercado
brasileiro.

SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS 27


Música em cena: o impacto da presença de uma
canção na novela
Tomamos, então, alguns exemplos de como a presença de canções a ar-
tistas nas trilhas sonoras das telenovelas podem causar uma espécie de
efeito cascata que alcança a indústria fonográfica como um todo.
A novela Laços de Família, escrita por Manoel Carlos, exibida no ho-
rário nobre pela Rede Globo entre junho de 2000 e fevereiro de 2001 e
depois reprisada durante a tarde em 2005, teve como um dos seus pon-
tos altos a cena em que a personagem Camila, interpretada pela atriz
Carolina Dieckmann, decide raspar os cabelos por conta do tratamento
quimioterápico que enfrentava contra a leucemia. A cena foi ao ar no
final do capítulo de um sábado e foi reprisada na íntegra no dia seguin-
te como matéria de abertura do Fantástico. Com duração de pouco mais
de três minutos, foi um dos picos de audiência da novela, alcançando
61 pontos.50 Como fundo musical da cena, a música Love by Grace, in-
terpretada pela belga Lara Fabian. De todas as repercussões que uma
novela de tamanha audiência alcança nos diferentes meios da indústria
cultural (como tema de debates ou matérias de outros programas da TV,
até mesmo de outras emissoras; reportagens de revistas e jornais, etc.,)
é essa ligação entre música e cena, indústria fonográfica e televisão que
interessa nesse momento.
A cantora Lara Fabian era, até então, desconhecida do mercado e
do público consumidor brasileiro. Depois de inserida como tema da
personagem Camila, a situação se transforma: Love by Grace entra nas
paradas de sucesso em 39º lugar e na semana seguinte já estava em 2º,
atingindo depois o 1º lugar e permanecendo nesta posição por oito se-
manas consecutivas. A música foi, ainda, a segunda mais executada nas
rádios em 2001 e ajudou o CD da trilha sonora internacional da novela
Laços de Família atingir a marca de dois milhões de cópias vendidas,
tornando-se o disco mais vendido em 2001, número altamente expres-
sivo num ano em que a indústria fonográfica sofria um dos seus piores
índices de vendagem por conta da popularização dos CDs piratas.51 À

50. A média de audiência da novela foi de 50 pontos. Em sua reprise no sessão Vale a pena
ver de novo, a novela alcançou 35 pontos, num horário em que a média da Rede Globo
costuma ser a metade disso. Cf.: Cláudia Croitor. “Sem grandes mistérios ‘Laços’ tem o
maior ibope do ano”. Folha de São Paulo, 4/02/2001; Daniel Castro. “Maior ibope de 2001
foi de novela de 2000”. Folha de São Paulo, 28/12/2001.
51. Os dados são da ABPD – Associação Brasileira de Produtores de Discos e podem ser
consultados na página da associação na Internet: http://www.abpd.org.br.

28 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


época de sua reprise, em 2005, a Som Livre lançou no mercado O melhor
de Laços de Família, compilação das músicas das duas trilhas lançadas
originalmente.
Há também casos em que o impacto da trilha musical no mercado
fonográfico não se limitou ao aumento das vendagens de determinados
artistas, canções ou da trilha sonora completa, mas, ultrapassou em
alguma medida esses limites e acabou por impulsionar algumas modas
musicais. Chama a atenção, por exemplo, a “febre” das discotecas no
final dos anos 70, simultaneamente ao sucesso da novela Dancing’ Days,
escrita por Gilberto Braga e exibida entre julho de 1978 e janeiro de
1979. A trilha da novela, cujo carro-chefe era a música Dancing’ Days,
interpretada pelo grupo As Frenéticas, vendeu um milhão de cópias e
fez parte de uma estratégia diferenciada de divulgação por parte da
Som Livre. Até então, o disco com a trilha musical das novelas era co-
mercializado dois meses após a estreia do folhetim. Dancing’ Days, en-
tretanto, foi lançado simultaneamente à novela e grande parte das mú-
sicas que compunham a trilha já havia sido tocada exaustivamente no
rádio, na TV e divulgada pela gravadora Warner, detentora dos direitos
de comercialização das Frenéticas (WYLER; ROMAGNOLI, 8/12/1978). À
época, acusado de escrever a novela somente para vender a moda das
discotecas, estilo que a indústria fonográfica havia importado do mer-
cado americano, Gilberto Braga se defendeu, queixando-se, inclusive,
de não ter participação na escolha das trilhas de suas novelas, revelan-
do a pouca autonomia que o autor dispunha na escolha das canções que
comporiam a trilha sonora do folhetim:

Eu escrevo meu texto sem me preocupar com qualquer


tipo de anúncio que venha a ser colocado no cenário da
novela. Não sou obrigado a nada. Espero que na próxi-
ma novela eu possa participar da escolha dos temas,
pois acho importante a parte musical como marca das
situações. E acho também que a intenção deveria ser
vender discos por causa da novela, como acontece no
cinema, e não o contrário, fazer novelas em função dos
discos (WYLER; ROMAGNOLLI, 08/12/1978).

Podemos citar, ainda, outro exemplo de como a presença de deter-


minado segmento musical acaba alavancando a indústria fonográfica
como um todo. Similar ao fenômeno das discotecas citado acima, foi

SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS 29


o que ocorreu com o gênero musical da lambada. Sua presença na tri-
lha sonora de uma determinada novela acabou sendo decisivo para a
prospecção do gênero de uma maneira mais geral por toda a indústria
fonográfica. A canção chamariz desse processo foi Me chama que eu vou,
do cantor Sidney Magal que figurou como tema de abertura da novela
Rainha da Sucata, trama exibida às 21:00hs pela TV Globo, em 1990. O
disco da trilha sonora da novela, em sua versão nacional, figurou entre
os 50 discos mais vendidos, conforme os dados do Nopem52 e serviu
para potencializar o gênero musical como um todo. A banda Kaoma
teve duas músicas entre as mais executadas pelas rádios (8º e 52º);
Beto Barbosa também repetiu o feito (21º e 66º); Banda Mel figurou
com a quarta colocação entre as músicas mais executadas naquele ano
(ECAD).53 No mesmo sentido, coletâneas e artistas das demais grava-
doras que contemplassem o gênero constaram nessa mesma listagem
de discos mais vendidos, única ocasião em que o segmento musical
lambada apareceu em tal pesquisa. A gravadora CBS apostou, por exem-
plo, nesse segmento, contratando, justamente, o cantor Sidney Magal
(Folha de São Paulo, 30/mar/1990). Com o fim da novela e a exaustão da
divulgação por todos os canais de difusão, a lambada e seus principais
expoentes – Beto Barbosa, Kaoma, Sarajane – não voltaram mais a fi-
gurar entre os discos mais vendidos ou as músicas mais executadas,54
dando fim a essa moda musical, então.
São exemplos que demonstram a bem-sucedida interação entre mú-
sica e televisão, do quanto essa relação pode ser vantajosa para uma
indústria que busca difundir ao máximo o seu produto. E resultados
semelhantes aos citados logo acima são bastante comuns: não é raro
encontrar artistas que participam da trilha da novela ou mesmo a trilha
sonora completa figurando muitas vezes entre os discos mais vendidos.
Da mesma forma, em alguns momentos específicos, a novela, por meio
da sua trilha, impulsionou determinados gêneros e segmentos musi-
cais, fazendo com que a indústria fonográfica investisse maciçamente
em canções e discos de artistas que se enquadrassem em tais formas

52. Nopem – Nelson Oliveira Pesquisa de Mercado – é uma empresa voltada à análise das
vendagens da indústria fonográfica. Agradeço a Eduardo Vicente a disponibilização dos
dados.
53. ECAD – Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais – é responsável pela
medição dos valores referentes às execuções de obras musicais e o cálculo dos direitos
autorais que dela decorrem.
54. A banda Kaoma teve duas músicas entre as mais executadas pelas rádios.

30 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


musicais. Se as gravadoras puderam com isso vender grande quanti-
dade de discos, é certo, porém, que na grande maioria das vezes, essas
modas musicais duraram apenas o tempo de exibição da novela: é o
caso das já citadas discoteca (Dancing’ Days, 1978), da lambada (impul-
sionada pela novela Rainha da Sucata, 1990) e da música italiana (Terra
Nostra, 1999).

O “lugar” da música na TV
A trilha sonora da novela, desde seu surgimento no final da década de
1960, é um dos produtos de maior repercussão da indústria fonográfica
brasileira. Não há dúvidas de que isso está intimamente relacionado à
importância que a televisão, no plano geral, e a novela, especificamen-
te, têm entre nós. Divulgar a música através da cena é uma estratégia
que acaba por permitir que seu consumo seja potencializado através
de sua associação com personagens ou situações propostos por deter-
minado enredo. Ademais, ter uma canção como tema de uma novela da
Rede Globo significa adentrar diariamente e por meses em milhões de
lares brasileiros.55
A eficácia de tal estratégia, do ponto de vista do consumo, fica in-
questionável quando atentamos para o fato da posição privilegiada em
que se encontra a gravadora Som Livre. A gravadora, a única brasileira
entre as cinco transnacionais que dominam 85% do mercado de dis-
cos no Brasil, foi criada quase que exclusivamente para lançar as tri-
lhas sonoras nacionais e internacionais das telenovelas e minisséries
produzidas pela Rede Globo. Historicamente, sua criação coincide com
um processo de mudança do lugar ocupado pela música no conjun-
to da programação televisiva: de atração principal para coadjuvante.
Evidentemente, a canção ainda continua a desempenhar um papel im-
portante enquanto parte da narrativa. Mas, o espaço destinado à divul-
gação das canções na televisão ficou circunscrito quase que totalmente
ao fundo musical da novela. Assim, o músico Luiz Tatit faz uma obser-
vação muito interessante sobre este ponto:

55. Alguns pesquisadores apontam à contínua queda de audiência que as novelas globais
sofreram especialmente na última década. Mesmo assim, ela continua sendo um dos pro-
gramas mais vistos no Brasil. Cf.: Silvia Borelli e Gabriel Priolli (Orgs.). A deusa ferida. São
Paulo: Summus, 2000.

SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS 31


Nos anos 60 e começo de 70, toda música popular bra-
sileira estava numa emissora de televisão: a Record.
Fazia parte da programação, inclusive, todos os grupos
antagônicos: eles tinham do Tropicalismo até a Jovem
Guarda, a MPB de linha dura, de protesto, que não deixa-
va passar nada que não fosse a música engajada. Tinha
ainda a linha do tipo Simonal, do tipo Fino da Bossa,
Ronnie Von, dissidências da Jovem Guarda, enfim, tudo
estava na Record. Isso acabou durante os anos 70. [...]
Depois disso, já não havia nenhuma emissora que con-
gregasse todo mundo. Acabou a história de música em
televisão. A televisão passou a ser o lugar da novela. O
máximo que se tem hoje é o fundo musical da novela
(TOLEDO, 2005, p.159).

Assim, é interessante notar como nos anos 60 e início de 70 à músi-


ca, como produto específico da indústria fonográfica, era destinado um
espaço privilegiado de divulgação na programação da televisão, her-
dada de uma tradição já consolidada pelo rádio, marcada, sobretudo,
pelos programas de calouros e os musicais. A TV seria palco, ainda, dos
Festivais de Música Popular e dos programas musicais comandados por
artistas, ambos consagrados, especialmente, pela TV Record.56 Dessa
forma, o fato da novela já neste período dominar a grade de programa-
ção da televisão brasileira, ainda não impedia que os programas exclu-
sivamente musicais ocupassem também um espaço distinto.
Especificamente no caso da Rede Globo, salvo raras exceções, não há
mais programas exclusivamente musicais. Nos últimos anos, a emisso-
ra apostou no programa Fama, um reality show onde jovens aspirantes
à carreira musical disputavam entre si, apresentando semanalmente,
cada um, uma canção escolhida pela produção do programa. O público
e um grupo de jurados formado por produtores musicais determina-
vam quem saía e quem continuava no programa. A atração teve três
edições.
No mais, cabe à novela o espaço de divulgação de artistas e canções
no meio televisivo, de forma que é grande a disputa por um lugar na
trilha sonora. Sem contar os grandes índices de audiência dos quais a

56. É o caso dos programas musicais criados para serem comandados por artistas oriun-
dos destes festivais como, por exemplo, O Fino da Bossa, Bossaudade e Jovem Guarda.
Sobre isso, cf.: Marcos Napolitano. Seguindo a canção: engajamento político e indústria
cultural na MBP (1959-1969). São Paulo: Annablume, 2001.

32 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


canção pode desfrutar; ter uma música em uma novela significa tam-
bém ter acesso aos outros programas da emissora, como Domingão do
Faustão, Xuxa, Caldeirão do Huck, Fantástico, Altas Horas. Num espaço
altamente competitivo, o CD de um artista que tenha uma música na
novela certamente se beneficia de toda essa divulgação e, com isso,
atinge mais facilmente todos os outros meios de difusão: da programa-
ção das rádios aos espaços de destaque nas lojas. Não há dúvidas de que
o domínio sobre as trilhas sonoras confere à Rede Globo um alto poder
na transação junto às gravadoras.

Rede Globo e Som Livre: maior racionalidade ao


mercado fonográfico
Nos estudos sobre o desenvolvimento e consolidação da indústria cul-
tural no Brasil há, com frequência, destaque ao papel que assumiu a
televisão neste processo. Estudiosos como Ortiz (2001) e Dias (2005)
apontam que, nesse contexto, assim como a chegada da Rede Globo
transformou significativamente a televisão brasileira, o mesmo ocorreu
com a Som Livre e o mercado fonográfico.
É num período de intensa manifestação cultural e, também, de ex-
pansão dos mecanismos da indústria cultural no mercado brasileiro –
que favoreceu, entre outras coisas, a instalação no país das grandes
empresas transnacionais do disco (DIAS, 2000) –, que a Rede Globo ini-
cia suas atividades e a consolidação de um padrão de atuação que se
tornaria hegemônico até os dias de hoje. Estruturada no que é conhe-
cido como um processo de dupla integração (vertical e horizontal), a
emissora assegura os mais diversos mercados, atuando em segmentos
extrarramos, porém, intrassetoriais: rádios, jornais, revistas, Internet,
cinema, televisão (aberta e paga), fonográfico.
Especificamente no que diz respeito às trilhas sonoras, coube à Rede
Globo, através da gravadora Som Livre, o mais bem-sucedido, do ponto
de vista econômico e estratégico, – processo de interação entre música
e televisão. Na Globo, a telenovela faz parte da grade de programação
desde sua fundação em 1965. A emissora também é a única entre as
redes de TV brasileiras a manter, desde o início, um projeto regular de
teledramaturgia, consolidando um padrão próprio de produção – co-
nhecido comumente como “padrão Globo de qualidade” – e destinando

SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS 33


vários horários à exibição de suas produções.57 Também está na novela
um dos “tripés” (ao lado dos telejornais e dos programas de variedade)
que sustenta toda a base de funcionamento da TV brasileira. A novida-
de trazida pela emissora de Roberto Marinho foi que ela impingiu uma
maior racionalidade ao setor, ao fixar uma grade horizontal e vertical
de programação, com destaque ao horário prime-time: duas novelas e
entre elas seu principal telejornal, o Jornal Nacional. Segundo Borelli
e Priolli (2000) está na consolidação desse padrão de atuação um dos
elementos fundamentais que explicaria a posição de quase monopólio
de audiência, detida pela Globo, até o final dos anos 90.
A Som Livre, por sua vez, surge quase que simultaneamente à con-
solidação do espaço e da importância que adquire a teledramaturgia na
emissora carioca: no início, em 1969, como parte integrante da Sigla –
Sistema Globo de Gravações Audiovisuais – e produzindo sua primeira
trilha sonora em 1971.
Tratava-se, na verdade, de uma estratégia típica dos grandes conglo-
merados de mídia que diz respeito, sobretudo, à integração dos diver-
sos setores ligados à produção dos bens culturais. Nesse sentido, para
as Organizações Globo, a gravadora funcionava como uma maneira de
melhor gerenciar seus investimentos, apostando em um novo produto
(no caso, as trilhas sonoras) a partir da integração áudio e vídeo, dando
maior funcionalidade a um sistema que envolve o público consumidor
de várias formas, impingindo, assim, maior racionalidade ao processo.
Aliás, a exploração do filão da trilha sonora como um produto especí-
fico era uma estratégia que a própria emissora já havia comprovado a
eficácia, antes mesmo de iniciar essa atividade por meio da Som Livre,
quando encomendou à gravadora Phillips a primeira trilha para uma
novela (Véu de Noiva, 1970). O disco vendeu mais de 100 mil cópias, fato
que motivou a criação da Som Livre. O produtor Nelson Motta, então
responsável pela criação desta trilha, relata alguns detalhes do proces-
so e as consequências depois do sucesso de vendas do disco:

O André Midani (então presidente da Phillips) havia


trabalhado no México, onde já havia isso de lançar tri-
lhas. Ele me chamou para a produção e eu tive que con-

57. Sílvia Borelli e Gabriel Priolli, op.cit. Embora a Globo tenha se consolidado como maior
produtora de telenovela no país e uma das maiores do mundo, ela não é a pioneira na
produção deste gênero. Em 1951, a TV Tupi colocou no ar a primeira novela Sua vida me
pertence.

34 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


vencer Caetano Veloso, Chico Buarque e Marcos Valle a
fornecerem músicas inéditas. Havia muito preconceito
contra a novela na época. Depois do sucesso que foi,
eu tive que desligar o telefone de tanto artista pedindo
pra entrar. [Mas] ninguém pensou em dinheiro; 3% das
vendas ficaram para a Globo e o resto para a gravadora.
Quando vendeu 100 mil cópias é que a Globo viu que
podia ser um bom negócio. No fim do contrato de um
ano com a Phillips, é claro que a Globo quis fazer ela
própria. Foi pra isso que a Som Livre foi feita (SANCHES,
17/04/2001).

Em menos de um mês após sua criação, a Som Livre colocou no


mercado a trilha da novela O Cafona que alcançou a marca de 200 mil
cópias vendidas. A interação música e televisão se revelou uma estra-
tégia compensadora e em menos de 10 anos de existência, a grava-
dora já era líder de vendagens no país. Esta posição alcançada pela
Som Livre fica mais interessante se atentarmos à configuração geral
do mercado fonográfico neste período. Nos anos 70, as grandes compa-
nhias transnacionais do disco já eram atuantes no mercado brasileiro.
As maiores empresas fonográficas eram: Phonogram, Odeon, CBS, RCA,
WEA, Continental, Copacabana e Som Livre (estas três últimas eram
empresas nacionais). No que diz respeito à participação no mercado da
música, em 1979, o cenário era o seguinte: Som Livre, 25%; CBS, 16%;
Phonogram, 13%; RCA, 12%; WEA, 5%; Copacabana e Continental, 4,5%
cada uma; Odeon, 2%; e outras 16%. (DIAS, 2000, p.74). O que chama
atenção nesta configuração é que, exceto a Som Livre, todas as outras
gravadoras (especialmente as transnacionais) desfrutavam de grandes
vantagens técnicas, como estúdios, fábricas, publicidade, etc. Autores
como Dias (2000) e Vicente (2001) chamam a atenção para este fato,
destacando que justamente o domínio das condições técnicas da linha
de produção é que caracterizava como “grandes” estas gravadoras (em
oposição às gravadoras médias, pequenas e independentes) e acabava
também por justificar a posição vantajosa destas empresas no mercado.
Além disso, as transnacionais contavam também com o benefício das
matrizes de músicas estrangeiras, gravadas no exterior, que eram dis-
tribuídas aqui com todos os custos de produção amortizados.
Diante de todos esses fatores, como explicar a posição de lideran-
ça da Som Livre, alcançada pouco tempo depois de seu surgimento,

SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS 35


que não contava com nenhum destes suportes técnicos de produção?
Parece adequada a hipótese de que isto relacionado, sobretudo, ao peso
e à visibilidade do seu principal produto: as trilhas sonoras. Não por ou-
tro motivo, a gravadora abriu mão da posse de um cast fixo de artistas;58
sua área de atuação concentra-se em coletâneas e, sobretudo, nas tri-
lhas das novelas e minisséries que produz. Ante este cenário, parece
plausível considerarmos que não mais o domínio sobre a esfera da pro-
dução determina a sobrevivência e a liderança das grandes gravadoras
no mercado de discos. A posição ocupada pela Som Livre é, ao contrário,
reveladora de outra situação: o domínio sobre o mercado da música
se faz, principalmente, pelo controle dos canais de divulgação e neste
ponto a posição da Som Livre é estratégica.
Se a trajetória da Som Livre e sua forma de atuação são dignas de
uma análise, principalmente se levarmos em conta que ela é a única
gravadora nacional entre as maiores atuantes no mercado,59 a impor-
tância das trilhas como meio difusor de artistas e canções e a sua re-
lação com a promoção de músicos e segmentos no cenário nacional
também merece um exame. De qualquer forma, apenas para apresentar
alguns dados, ter uma música incluída como tema em alguma novela
apresenta resultados muito favoráveis à indústria do disco. Conforme
reportagem da revista Veja, depois de incluídas em trilhas sonoras das
novelas da Globo, os discos, por exemplo, de Ivete Sangalo (1999) que
havia vendido 200 mil cópias, vendeu mais 200 mil; Maurício Manieri
(1998) com 12 mil cópias, vendeu mais 388 mil; e Caetano Veloso (1998)
vendeu, além das 700 mil cópias, mais 800 mil.60 Para os músicos re-
presenta a oportunidade de se tornarem conhecidos nacionalmente,
conforme atesta o produtor musical Guto Graça Mello em reportagem à
revista Época (9/04/2001):

Os CDs da Daniela Mercury e Ivete Sangalo só deco-


laram depois que Como vai você e Se eu não te amasse

58. Já fizeram parte do cast fixo da Som Livre artistas como: Francis Hime, Oswaldo
Montenegro, Elisete Cardoso, Quarteto em Cy, Jorge Ben e Alceu Valença, Rita Lee, Cazuza,
Moraes Moreira. Desde o final da década de 1980, a única artista contratada é a apresen-
tadora infantil Xuxa Meneghel.
59. A Copacabana deixou de funcionar em 1991; seu cast de artistas passou a ser divulga-
do pela Sony. A Continental foi adquirida pela Warner em 1993.
60. “Para de reclamar, João”. Veja. São Paulo, p. 36, 2/08/2000. Caetano Veloso, aliás, e Gal
Costa são os campeões de participação em trilhas sonoras das novelas globais: cada um
já participou de quase 50.

36 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


tanto assim entraram em trilhas. [...] A Vanessa Rangel
nem tinha gravado Palpite quando a música estourou
em Por Amor [novela exibida em 1997]. Mas onde está
a Vanessa agora?

Se as trilhas têm representado para os artistas a oportunidade de


veicularem maciçamente suas músicas, com relação a Som Livre, elas
têm garantido a permanência da gravadora nas listas dos discos mais
vendidos. Apenas para citar um exemplo, na relação dos CDs mais ven-
didos em 2003, entre os 20 discos mais vendidos, cinco eram trilhas
sonoras (ocupavam 1º, 6º, 8º, 14º, 20º). E parte dos outros CDs presen-
tes nesta listagem era de artistas que tinham músicas veiculadas em
novelas: Maria Rita, Roberto Carlos, Zezé di Camargo e Luciano, Bruno
e Marrone, Zeca Pagodinho.61

À guisa de conclusão
No início dos anos 90, descontente com o valor dos royalties pagos pela
TV Globo para usar suas músicas e canções e impedindo a gravadora
Som Livre de comercializar nos EUA o LP em espanhol da dupla serta-
neja Chitãozinho e Xororó, a gravadora Universal (na época Polygram)
viu seu cast de artistas ser impedido de participar de qualquer pro-
grama veiculado pela TV Globo. A decisão partiu de José Bonifácio de
Oliveira Sobrinho, então vice-presidente da Globo – e vetou a partici-
pação, na grade de programação da emissora da família Marinho, de
qualquer artista ou canção que fosse vinculado com a Universal, entre
eles Caetano Veloso, Tom Jobim, João Gilberto, Maria Bethânia, além de
U2, Elton John, Sting, Luciano Pavarotti e Faith No More, além de outros
(Cezimbra, 11/08/1991). As duas empresas voltariam a se acertar for-
mando inclusive um selo musical – Globo/Polydor – dois anos depois.
A situação mostra, de certa forma, o que significava perder o espaço de
difusão na maior emissora de TV do país num mercado altamente com-
petitivo e concentrado. Tendo como principal vitrine as trilhas sonoras
de suas novelas, a TV Globo possibilitou ao mercado produtor de discos
no Brasil condições muitos particulares de divulgação: associação da

61. “Resgatando as origens”. Revista do Nopem, nº 26, abr/2001. Confira também Os CDs
e DVDs mais vendidos em 2003. Disponível em http://www. universomusical.com.br.
Acesso em 25/07/2005. Dados semelhantes foram divulgados pela ABPD.

SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS 37


música com o personagem, exibição diária por meses e altos índices de
audiência. Claro que como contrapartida, as empresas das Organizações
Globo puderam contar com as produções das majors que garantiram em
grande parte que a Som Livre permanecesse entre as principais grava-
doras do país sem contar com os custos da produção de um disco.62 Essa
interdependência entre a emissora de TV e as gravadoras do mercado
fonográfico acabam revelando o círculo vicioso do processo de difusão
de canções e artistas: nesse cenário, o espaço de divulgação da música
passou a ser o da promoção inserida no conjunto da programação, mais
especificamente, como fundo de música da novela, gerando o disco de
trilha sonora, produto que tem garantido nesses anos seu lugar privi-
legiado não apenas da TV Globo, mas de toda indústria fonográfica. A
seleção de canções e artistas, feitas sob encomenda ou selecionadas a
partir da diversidade de canções já gravadas, obedece a uma série de
interesses tanto dos produtores de telenovelas como também da indús-
tria fonográfica, que acabaram determinando quem participava ou não
do grande mercado de música do país.
No mais, a importância assumida pela Som Livre no mercado fono-
gráfico brasileiro é, sobretudo, consequência de uma maneira sui gene-
ris de atuação. A gravadora assumiu, logo após sua criação, posição de
destaque entre as principais – e mais lucrativas – empresas do mercado
fonográfico, funcionando de maneira peculiar: diferentemente de todas
as outras, a Som Livre não priorizou a ideia de “concepção” do produto
dentro da empresa, ou seja, contratação de artistas e produção dos dis-
cos e repertórios. A empresa nem sequer investiu em fábricas, estúdios
e/ou em todo aparato necessário à gravação de um disco, numa época
onde isso era quase uma regra entre as multinacionais. Ela fixou-se na
distribuição de canções e artistas já gravados por outras empresas fa-
zendo uso, dessa forma, de toda a estrutura favorável de divulgação
em massa com a qual ela conta. A decisão em investir no segmento das
compilações fez, inclusive, com que a Som Livre deixasse de investir em
um elenco fixo de artistas, como faziam, por exemplo, as grandes gra-
vadoras. Notadamente, tal estratégia tornou-se prática entre as multi-
nacionais do disco somente em meados da década de 1990, quando a

62. Nos últimos dois anos, a gravadora Som Livre, por meio de um selo próprio, Slap (Som
Livre Apresenta) voltou a gerenciar e divulgar discos individuais de artistas, além das
trilhas sonoras, depois de ter desistido de seu cast fixo de artistas há mais de 20 anos. A
estratégia que vem a reboque da troca de toda a diretoria da gravadora parece coadunar
com esses novos tempos.

38 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


popularização e barateamento dos meios de gravação criaram condi-
ções favoráveis à produção independente, fazendo com que a grande
gravadora abrisse mão do processo de produção, passando a terceirizá-
lo. Podemos afirmar que a Som Livre antecipou em pelo menos duas
décadas essa forma de atuação?

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40 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS TELENOVELAS


SOMZOOM: música para fazer a festa

Andréa Pinheiro
Flávio Paiva

Introdução
No início dos anos 90 pouco se ouvia no rádio a tradicional música
nordestina brasileira. No campo do entretenimento, o balanço do fri-
cote baiano ganhara destacada dimensão mercadológica, passando a
ser chamado de “axé music” e extrapolando o calendário carnavalesco
em sua propagação pelo País. No entanto, os ritmos que compõem o
forró continuavam praticamente restritos aos períodos das festas juni-
nas e a feiras populares como a de Caruaru, em Pernambuco, e de São
Cristóvão, no Rio de Janeiro.
Mesmo nas rádios do Nordeste, via de regra, as músicas de forró
eram consideradas “bregas” e “cafonas” e estavam ausentes da progra-
mação das emissoras. Somente as rádios comprometidas com a difusão
da autêntica música nordestina não se renderam ao poder dessas ad-
jetivações.
Porém, a partir da primeira metade dos anos 90, a despeito da baixa
qualidade artística, a sonoridade nordestina ganhou novas feições comer-
ciais e passou a tomar conta do Brasil com os sucessos da banda Mastruz
com Leite. É a estratégia comercial empreendida pelo grupo SomZoom,
proprietário da Mastruz com Leite, que discutiremos em seguida.
Antes, contudo, convém lembrar que o conceito de forró, enquanto
sinônimo de festa, é anterior à criação do “baião” (Humberto Teixeira /
Luiz Gonzaga), nos anos 40. O Dicionário do Folclore Brasileiro (1972),
de Câmara Cascudo, conceitua forró como sendo uma corruptela de for-
robodó, que “caracteriza uma festança em que tomam parte indivíduos
de baixa esfera social, a ralé”, também definido como “festança, diver-

SOMZOOM 41
timento, pagodeiro”. O autor considera ainda que forró é o mesmo que
arrasta-pé, sinônimo para designar “baile reles”(1972). Quer dizer, não
diz respeito a um ritmo, mas designa um tipo de diversão popular.

Intuição empreendedora
A observação de que os salões que frequentava ficavam cheios quando
as bandas tocavam uma sequência de xote e baião foi o que despertou
o empresário Emanoel Gurgel para a criação da banda Mastruz com
Leite, em 1992. Com esse achado, oriundo da intuição e não de qualquer
conhecimento mercadológico da indústria da música, ele partiu para
produzir uma inflexão no setor.
A cena do entretenimento ganhou uma banda com nome que ex-
pressa uma inusitada mistura nordestina. A palavra mastruz é uma
derivação de mastruço, planta medicinal muito conhecida no Nordeste
e que misturada ao leite tem efeitos curativos para gripes e doenças
respiratórias.
No mundo do “axé music” a combinação de nomes estranhos como
nome de grupo musical já estava presente no mercado de bailes com
a banda Chiclete com Banana, nome adotado pela banda Scorpius, a
partir de uma história que os músicos inventaram, segundo a qual um
dia, depois de um show, eles chegaram em uma barraca para comer e
só tinha chiclete com banana.
O nome Mastruz com Leite, da SomZoom, também segue a linha
mercadológica do humor na construção da diversão. Diferentemente da
expressão “Chiclete com Banana” de Gordurinha, popularizada pelo rit-
mista paraibano Jackson do Pandeiro (1919-1982), que tinha um cunho
mais político, além de maior significado artístico: “Eu só ponho bebop
no meu samba / quando o Tio Sam pegar o tamborim / quando ele
pegar no pandeiro e no zabumba / quando ele aprender que o samba
não é rumba / Aí eu vou misturar Miami com Copacabana / Chiclete eu
misturo com banana”.
A forma que o empresário concebeu para organizar a Mastruz com
Leite foi completamente diferente da que estava estabelecida no merca-
do. Ao forró tradicional de triângulo, zabumba e sanfona, foram incor-
porados outros instrumentos como sax, teclados e guitarra, nascendo
aí o que inicialmente se convencionou chamar de “oxente music”, em
uma referência à música comercial baiana.

42 SOMZOOM
O modelo sonoro formatado pela SomZoom passou a ser identifi-
cado posteriormente como “forró eletrônico” e, da mesma forma que
incentivou o surgimento de um sem-número de bandas clonadas da
Mastruz com Leite, contribuiu fortemente para que houvesse uma rea-
ção dos defensores e amantes do “forró de raiz”, com a propagação de
apresentações do tradicional forró pé-de-serra, e o nascimento do “for-
ró universitário”, caracterizado pela participação de jovens de classe
média, que passaram a formar grupos musicais inspirados em clássi-
cos da música nordestina como Zé do Norte, Jackson do Pandeiro, Luiz
Gonzaga, Anastácia, Marinês, Trio Nordestino e Dominguinhos, entre
outros.
Essa movimentação generalizada em torno dos mais genuínos dos
gêneros musicais nordestinos intensificou o processo de fusão de signi-
ficados da palavra forró, no sentido de festa, como anteriormente havia
sido identificado por Câmara Cascudo. E mais, o termo forró passou
também a denominar uma síntese de ritmos nordestinos, ocultando as
variantes de marcação de tempo próprias de gêneros musicais como
o xote, o coco, o xaxado e o baião, que originalmente compõem o am-
biente do forró.
Na sua condição de festeiro e de empresário, Gurgel percebeu que
os intervalos esfriavam as festas e passou a realizar shows onde sua
banda tocava quatro ou cinco horas sem parar. Para viabilizar esse tipo
de jornada, desenvolveu uma estrutura interna de grupo, que não dava
destaque ao vocalista, como era comum até então. Desse modo, a estra-
tégia era formar grupos musicais, cujos membros pudessem ser substi-
tuídos sem qualquer prejuízo para a festa.
Como grupos de mercado e não grupos artísticos, as bandas da
SomZoom são na verdade marcas musicais direcionadas ao entreteni-
mento. Não interessa quem é o cantor nem quem são os músicos, o que
interessa é vender diversão.

A música é um produto igual a uma geladeira, igual a te-


levisão, igual a qualquer negócio. Quando você roda uma
música no Faustão, na televisão, numa rádio, você está
fazendo um comercial de um produto. Porque da músi-
ca vem o CD, vem o direito autoral, vem a festa, vem o

SOMZOOM 43
comercial, vem o cachê, movimenta-se uma quantidade
absurda de valores, gerada por uma música.63

O marketing intuitivo de Emanoel Gurgel inovou no mercado fono-


gráfico quando as bandas da SomZoom passaram a mencionar seus pró-
prios nomes no meio das faixas dos discos e durante as apresentações
em shows (“É o forró Mastruz com Leite”). A identificação dos nomes
das bandas dentro das músicas foi o jeito que ele encontrou para popu-
larizar suas marcas, já que os comunicadores do rádio não costumam
dar os créditos dos compositores e dos intérpretes.
Antes de montar o próprio negócio, tendo a música como produto,
Gurgel, que era dono de uma fábrica de confecções e atuava como juiz
de futebol, tentara convencer a Black Banda, grupo para a qual fazia as
vezes de empresário, de que o modelo em que eles atuavam não teria
sustentação comercial.
Visionário, ele conta que já percebia a importância de bancar a festa
como o grande negócio. Enquanto as bandas faziam shows só em troca
de cachê, ele queria uma participação maior, queria entrar com a banda
e conseguir parceiros que entrassem com a estrutura de mídia, para
no final dividir a bilheteria meio a meio. O empresário já tinha alguma
experiência com organização de festas com grande retorno comercial e
percebia o potencial desse filão.

Em 1992, a FM 93 teve prestes a perder o 1º lugar, en-


tão propus ao Will Nogueira, que a gente fizesse trans-
missão ao vivo diretamente dos forrós e foi um grande
sucesso. Começou de graça e depois o ingresso da festa
era uma embalagem do Café Santa Clara, que na época
estava chegando no mercado. O sucesso foi tão grande
que eu tinha um funcionário só para juntar embalagem
de café.64

Depois da consolidação da Mastruz com Leite em Fortaleza, Gurgel


partiu para ampliar o mercado, ocupando as praças dos estados vizi-
nhos. Ele conta que o primeiro show que fez fora da capital cearense,
onde a banda já era um sucesso, a bilheteria registrou apenas 49 pagan-
tes. Para ele, o fracasso da bilheteria em Recife foi recebido como um

63. Emanoel Gurgel, em entrevista concedida aos autores em 26/05/2007.


64. Idem, ibidem.

44 SOMZOOM
sinal de que era preciso ter uma estrutura que tocasse forró o ano todo
e em todo lugar. Assim, nasceu a rede SomZoom Sat, da qual falaremos
mais adiante.

Razões da gravadora
Reportagem da revista Exame, publicada na edição de 22 de março de
2000, revela que em 1999, a gravadora SomZoom vendeu 2,5 milhões
de CDs. Gurgel confirma que chegou a ter 8% do mercado brasileiro de
venda de CDs, mas que hoje nem aparece nos índices de participação
de mercado. Diz, com orgulho saudoso, que todas as multinacionais do
disco o procuraram para comprar a sua empresa. Isso, antes de a pira-
taria tomar conta do mercado, espalhando CDs a baixo custo pelas fei-
ras populares do Brasil. Ele declara que, de 1999 a 2006, perdeu muito
dinheiro com a pirataria e a falsificação e que, praticamente, teve que
começar tudo de novo.
A SomZoom chegou a fazer até 3 CDs por ano da Mastruz com Leite.
Era a forma encontrada para neutralizar as ações de falsificação. Gurgel
explica que os chineses levavam cerca de quatro meses para pegar um
disco no Brasil, levar para falsificar na China e trazer de volta para co-
mercializar nas diversas regiões brasileiras.
Com essa estratégia ele neutralizava o efeito da falsificação, pois no
momento em que o disco falsificado chegava ao mercado ele já estava
fazendo o marketing de um novo produto. Além de muito cara, a mesma
estratégia não serviu para evitar os efeitos da pirataria interna, que era
muito mais ágil e, diferentemente da falsificação feita na China, não se
preocupava com a reprodução do material de capa e encarte, “os chine-
ses copiavam até o código de barras”, reclama.
O primeiro trabalho fonográfico da Mastruz com Leite foi lançado
pela Continental, mas, segundo Gurgel, a gravadora não cumpriu o que
havia sido acordado, então ele resolveu montar uma estrutura própria
para editar, gravar e distribuir os trabalhos da banda.
A longo de 15 anos foram 39 discos gravados. Com o sucesso da
música “Meu vaqueiro, meu peão”, o empresário conta que pagou o
investimento de cerca de US$ 150 mil que havia feito para montar um
moderno estúdio de gravação.
Com a popularização e o sucesso comercial da Mastruz com Leite
novas bandas foram criadas, seguindo sempre o mesmo modelo. Assim

SOMZOOM 45
nasceu Mel com Terra, Rabo de Saia, Cavalo de Pau, Catuaba com
Amendoim e mais outras tantas, ao ponto da SomZoom chegar a ter 11
bandas em seu portfólio.
A pirataria, segundo Emanoel Gurgel, foi responsável pela redução
na produção dos CDs das bandas do grupo SomZoom. Na verdade, esse
fenômeno teve grandes repercussões em todas as gravadoras, não só no
Brasil, mas em todo o mundo. O estímulo massivo ao consumo da música
comercial encontrou, nas altas margens de lucro, praticadas no mercado
fonográfico pelas multinacionais do disco, uma barreira para a grande
maioria das pessoas que se motivaram a adquirir CDs e DVDs nas lojas
de disco. Essa demanda reprimida contou com as facilidades dos recur-
sos tecnológicos para gravações caseiras, criando, assim, uma excelente
oportunidade para o surgimento da pirataria e da falsificação.
A venda ilegal de produtos musicais já assustava quando, em 1997,
de cada 19 fitas cassetes vendidas no Brasil, só uma era fabricada legal-
mente.65 O que começou com as fitas cassetes, rapidamente chegou ao
CD e em 1998, o Brasil era o sexto maior mercado do mundo em pirata-
ria, com vendas calculadas em US$ 1,4 bilhão.
No site da Associação Brasileira de Produtores de Discos(ABPD), gru-
po que reúne as maiores gravadoras com atuação no país, os dados
sobre o comércio ilegal de CDs são alarmantes. De acordo com os le-
vantamentos, publicados no site pela Associação Protetora dos Direitos
Intelectuais Fonográficos, em 2005, no período de janeiro a dezembro,
“mais de 31 milhões de unidades de CDs ilegais foram apreendidas no
país, entre gravadas e virgens”.66
Mais do que com a ação da pirataria e das falsificações, o merca-
do da música passou a contar com o fenômeno da disponibilização de
fonogramas em arquivos MP3. Pesquisa feita pela ABPD no primeiro
semestre de 2006 com 1.209 pessoas, em 10 regiões metropolitanas do
Brasil – São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Porto
Alegre, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Recife e Brasília – “revelou que
8,2% da população pesquisada, baixara música na internet no ano de
2005, contabilizando quase 1,1 bilhão de canções sendo baixadas da
rede mundial de computadores”.67

65. Dados publicados no jornal Folha de São Paulo em 4/02/1998.


66. Informação obtida na página www.abpd.org.br, acesso no dia 29 de maio de 2007.
67. Idem.

46 SOMZOOM
O perfil dos internautas também é apresentado pela pesquisa. A
maioria é jovem, tem entre 15 e 34 anos e tem ensino superior comple-
to ou colegial completo/superior incompleto.
“A indústria fonográfica está morta”, sentencia o crítico de música,
João Marcos Coelho, em artigo publicado no dia 27/5/2007 no jornal O
Estado de São Paulo. Segundo ele, a tecnologia e a internet são respon-
sáveis pelo fim do ciclo da música gravada e “não há nada que se possa
fazer sobre isso”, conclui.
Emanoel Gurgel, tendo essa mesma visão, desistiu da venda de CD
como impulsionadora dos negócios da SomZoom. “O CD hoje é cartão
de visita. A Mastruz está lançando o Arrocha o Nó II. São 100 mil cópias,
dessas, 50 mil são para dar para as pessoas”, explica. As mudanças no
mercado fonográfico fizeram com que o CD, que já foi a principal fonte
de ganho da SomZoom, passasse a servir basicamente de peça promo-
cional da empresa.

Quanto mais músicas eu espalhar, mais tenho como le-


var as pessoas para dançar os sucessos na festa. A festa
é o negócio. Descobri isso há 15 anos. O segredo pra
mim é não ter intermediário, eu banco tudo, da grava-
ção, ao show.68

Em 1999, quando o Public Enemy, grupo de rap norte-americano co-


nhecido pela postura agressiva com relação às gravadoras, disponibili-
zou de graça para os fãs uma faixa, em MP3, do novo álbum que estava
lançando, ninguém imaginaria que essa seria uma prática corriqueira
de muitos grupos musicais. Na época, o grupo rompeu um contrato de
15 anos com a gravadora e lançou o novo trabalho pela internet e só
meses depois o CD chegava às lojas.
A SomZoom tem adotado essa prática. O CD Arrocha o Nó II, do
Mastruz com Leite, está integralmente disponível para download no
endereço http://www.mastruz.com.br.69 A disponibilização das músicas
para serem baixadas e copiadas sem custo segue a mesma lógica do
uso promocional do CD. Ou seja, quanto mais tiver pessoas conhecen-
do as músicas da banda, mais aumenta o potencial de frequentadores
das festas por ela animadas. Além de trabalhar com casas noturnas de

68. Emanoel Gurgel, em entrevista concedida aos autores em 26/05/2007.


69. Acesso no dia 29/05/2007.

SOMZOOM 47
terceiros, o empresário possui duas casas próprias, a Casa do Forró, o
Parque do Vaqueiro e a Fazenda Mastruz com Leite, onde promove cir-
cuitos de vaquejada.

Editora da casa
A Editora Passaré, de propriedade de Emanoel Gurgel, tem atualmente
11.500 músicas editadas. A maioria delas, bem como os maiores suces-
sos, são dos compositores cearenses Rita de Cássia e Luís Fidélis que
cresceram junto com a SomZoom e suas bandas.
A opção por ter uma estrutura própria para editar as músicas gra-
vadas pelas bandas nasceu da necessidade de ficar independente dos
crivos estéticos para a obtenção das liberações para gravação e do valor
cobrado pelas editoras. Segundo Gurgel, muitas editoras não liberavam
as músicas para serem gravadas em ritmo de forró por mero preconcei-
to. Para ele, a qualidade artística não interessa, o que vale no mercado
é o produto ser bom ou não para fazer sucesso.
No começo, os sucessos das bandas foram as regravações de músi-
cas conhecidas. Assim, Mastruz com Leite, gravou Teixeirinha, Roberto
Carlos e músicas sertanejas em ritmo de forró, além de clássicos da
música nordestina como Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga.
Gurgel explica que percebeu que gravar “música inédita era muito
mais forte do que gravar sucesso dos outros”. Sendo o dono do reper-
tório ele poderia fazer o que quisesse com as músicas. Embora já tendo
passado a administração dos negócios para os filhos, ainda hoje ele é o
responsável pela escolha do repertório das bandas.

Não sei tocar uma nota musical, só sei dizer se dá certo


ou não dá certo. Eu escolho música de um meio lógico,
pegando um tema que serve pra todo mundo, digamos,
universal. Porque só existem dois tipos de música, a que
dá no pé e a que dá no coração. Por exemplo, música
que fale em primeiro beijo, dá pra mim, dá pra você, dá
pra veado, sapatão, velho, dá pra todo mundo.70

O sucesso de 2007 da Mastruz com Leite, “Bomba de Cabaré” (Dada


di Moreno/Maninho Santana), foi escolhida pelo próprio empresário.

70. Emanoel Gurgel, em entrevista concedida aos autores em 26/05/2007.

48 SOMZOOM
“Eu estava aqui na fazenda, ia visitar uma irrigação, e o cara estava
aqui comigo, cantou um pedacinho e eu disse: esse é boa, pode gravar.
Essa as mulheres vão gostar por causa dos maridos e os veados também
porque vai diminuir a concorrência”, conta ele rindo.
A estratégia usada por Emanoel Gurgel é conhecida no mundo
dos negócios como “a lógica das emoções”, conceito bem recente de-
senvolvido por Clotaire Rapaille, mestre em Psicologia e doutor em
Antropologia Médica. O especialista francês desenvolveu uma técnica
para pesquisa de mercado a partir da sua atuação nas áreas de psiquia-
tria, psicologia e antropologia cultural.
Em entrevista a revista SuperVarejo (abril/2007), o especialista expli-
ca que o cérebro registra marcas e impressões inconscientes que serão
utilizadas para o resto da vida e que essas “impressões não existem
sem emoção. Sem emoção, não há produção de neurotransmissores,
portanto, não há memória”, afirma. O pesquisador esclarece ainda que
o código que possibilita acesso a esse sistema de referência do cérebro,
é a cultura. “A cultura não é somente a linguagem, mas as estruturas de
aprendizagem na escola, nos supermercados, no cinema”, explica.
O pensamento de Rapaille aplica-se bem na prática empresarial
intuitiva de Emanoel Gurgel, considerando-se que ele trabalha com o
produto música e com o serviço festa, menos por ser um conhecedor
de qualquer modelo de excelência em gestão desse mercado e mais por
ter no seu gosto pela dança, como diversão, um ponto de relevância
cultural determinante em sua vida.

Via satélite e com toque local


A criação de uma rede de rádio via satélite foi outra inovação do grupo
SomZoom. O Nordeste, tradicionalmente, polo de recepção dos conteú-
dos gerados pelas redes de rádio e televisão estabelecidas no Sudeste
do país, passou a produzir e gerar programação musical 24 horas para
praticamente todas as regiões brasileiras, com exceção apenas dos es-
tados do Sul.

Todo o dinheiro ganho com a venda de CD era investido


na SomZoom Sat em busca de mais emissoras. Em 1997,
chegamos a possuir 71 afiliadas no Brasil tocando só

SOMZOOM 49
forró. Hoje, são 51, mas cada afiliada tem que ter cinco
ou seis horas de programação local.71

Gurgel diz que respeitar as peculiaridades de cada região é a melhor


maneira de ser aceito nos mais diversos locais. Lembra que as pessoas
de um lugar se interessam pelo que vem de fora, mas querem saber o
que está acontecendo à sua volta. Ele não cobra nada para que as emis-
soras retransmitam a programação da SomZoom.
Segundo o empresário, essas emissoras são parceiras nos shows
das bandas e a opção pela programação em rede, muitas vezes, é uma
maneira de baratear os custos das rádios. A parceria com as emissoras
locais é feita principalmente para a realização de festas, dentro da visão
de “ganha-ganha”. Ele entra com a banda e a emissora com a divulga-
ção do evento e, no final, depois de tirarem todas as despesas, dividem
a bilheteria em valores iguais para os dois.

A SomZoom Sat foi montada para tocar forró o ano todo


e acabar com uma figura muito conhecida no meio mu-
sical chamada jabá. Eu deixava aparelho de televisão
para a rádio fazer promoção, para tocar as bandas da
SomZoom, mas o retorno era duvidoso, porque o jabá ia
para o dono da rádio e o radialista não tocava a música
combinada.72

Da programação oferecida pela rede, o carro-chefe é o programa Só


forró, veiculado de segunda à sexta no horário das 16h às 19h. Além
desses horários, as emissoras afiliadas optam com frequência pela
transmissão da meia-noite às seis da manhã. Em Fortaleza, onde está
sua sede, a SomZoom transmite pela 90.7 FM.
A estratégia adotada pela SomZoom Sat é analisada por Lima sob
a perspectiva do “contrafluxo” e apontada como uma experiência de
mídia local com inserção regional e nacional.

A Rede SomZoom faz parte das novas tecnologias apli-


cadas à mídia, além claramente, do processo de globa-
lização que vai determinar o “contrafluxo” de um gru-
po de mídia regional, enquanto negócio econômico e

71. Idem, ibidem.


72. Idem, ibidem.

50 SOMZOOM
também cultural. (...) A emissora, além da proposta de
uma identidade tipicamente nordestina – ressaltando
em sua programação a cultura segmentada e industrial
do Nordeste, através do forró, – também aponta para
o cenário nacional, mas carregando uma programação
tipicamente regional. No Brasil, não há condições de
grupos regionais virem a apresentar uma dimensão
nacional, enquanto formato, conteúdo, aceitação, dis-
tribuição. Grupos regionais possuem alcance nacional,
enquanto presença física em algumas partes do territó-
rio, mas buscam comunidades específicas que os iden-
tifiquem. (...) Neste ponto, o rádio é o meio através do
qual o empresário Emanoel Gurgel promove seus ne-
gócios: venda de discos, promoção de shows, produção
(LIMA, 2005: 4/8).

Além dessa perspectiva, podemos compreender a experiência da


transmissão de músicas e programas radiofônicos a partir de uma ma-
triz situada no Nordeste para outros estados brasileiros, como uma ten-
tativa de estabelecer vínculos com as populações migrantes.
Como é sabido, por razões econômicas e sociais, o povo nordestino
viveu uma diáspora ao longo dos séculos XIX e XX e há levas de nordes-
tinos espalhados por todo o país, especialmente no Acre, em Brasília e
no eixo Rio de Janeiro-São Paulo.
Para Thompson (1998) as crenças e tradições acompanham as popu-
lações que se deslocam do seu lugar de origem. E, segundo ele, cabe à
mídia o papel de reconectar as tradições e os grupos de migrantes.

A mídia fornece os meios de sustentar a continuidade


cultural, apesar do deslocamento espacial, e de renovar
a tradição em novos e diversos contextos através da
apropriação das formas simbólicas mediadas. Por isso,
os meios de comunicação desempenham um papel im-
portante na manutenção e no renovamento da tradição
entre os migrantes e os grupos deslocados (THOMPSON,
1998:178).

Por esse ângulo, a experiência da Rede SomZoom pode ser encarada


como esse meio de religação com os nordestinos que vivem fora da sua
terra natal. Como explicitou Gurgel, ao focar na apresentação musical

SOMZOOM 51
como seu espaço principal de negócios, o rádio passou a ser um instru-
mento de mediação entre o público e os elementos da diversão nordes-
tina, transmitidos sob o guarda-chuva da linguagem musical.
No entendimento do pesquisador Expedito Leandro Silva, para compre-
ender a expansão do forró Brasil afora é preciso relacionar a música com a
questão do fluxo migratório dos nordestinos para o centro-sul do país.

Para compreendermos o forró, é necessário procurar


entender o migrante e seu imaginário, bem como a sua
relação com a cidade grande e as pessoas que moram
nela, sua busca de identidade. O forró é música urba-
na, mas de origem rural, e funciona como uma ponte
conectando culturas e gostos ecléticos distintos. Foi a
cidade do Rio de Janeiro que abrigou pela primeira vez
o xaxado e o baião. Mas com o tempo é a Grande São
Paulo que se consagra como “grande polo” do forró e da
música nordestina fora do Nordeste (SILVA, 2003:76).

Fazendo uma aproximação entre o universo musical de Luiz Gonzaga,


que teve no rádio o seu principal divulgador, e as bandas de forró da
atualidade, Honório e Chaves elegem o rádio como lugar de construção
de uma nova identidade para o nordestino.

O rádio contribuiu para que houvesse o surgimento e a


consolidação de uma nova cultura, um espaço propício
para a construção de uma linguagem onde se entrecru-
zam o tradicional e o moderno, carregada de significa-
ções (SILVA e HONÓRIO, 2004:7).

É inegável a força do rádio na comunicação com os mais variados es-


tilos de público. Desde a sua consolidação no Brasil, nos anos 40, como
mídia massiva, o rádio tem permanecido como veículo estratégico. Tem
sabido aproveitar a relação com as novas tecnologias e consolidado a
sua forte característica de mídia regional.
Em Fortaleza, por exemplo, a audiência de rádio tem aumentado e
a capital cearense tem se mantido como a terceira maior audiência pro-
porcional de rádio no Brasil. Dados do Ibope73 apontam que no pico de

73. Informação disponível no folder feito pela Associação Cearense de Emissora de Rádio
e Televisão(ACERT), em 2005, a partir de pesquisa realizada pelo IBOPE.

52 SOMZOOM
audiência do rádio, entre 9h e 10h, Fortaleza alcança o maior índice do
país com 43% da população ligada a esse meio de comunicação.
Uma informação relevante para as reflexões que vem sendo feitas
ao longo desse trabalho, diz respeito ao crescimento, em Fortaleza, da
audiência das emissoras de rádio associadas ao “gênero” musical forró.
Nos últimos anos, assim como a SomZoom Sat, muitas rádios estão
diretamente associadas ao mercado musical das bandas de forró, como
a Tropical FM e a Liderança FM, em cuja programação predomina a di-
vulgação das músicas de forró, muitas vezes, transmitindo os progra-
mas diretamente das casas de shows onde acontecem as apresentações
das bandas.
Segundo dados do Ibope/Easy Media 3, de março de 2007, as rádios
classificadas como do segmento popular, respondem juntas por 69% da
participação de mercado das emissoras de Fortaleza, onde estão incluí-
das as rádios alinhadas à divulgação do forró, como a SomZoom (90,7
FM). Só para termos um elemento de comparação, as rádios religiosas,
segundo lugar em termos de participação, respondem por 13% da pre-
ferência, seguidas pelos segmentos jovem, 11% e adulto, 6%.

Considerações finais
A SomZoom é uma experiência de negócio ancorada na música, que
tem em sua trajetória a valorização da intuição, da inovação e do senso
de oportunidade. Emanoel Gurgel montou o seu grupo empresarial ins-
pirado na sua própria diversão, que é gostar de dançar, independente
da qualidade artística da música executada. Em 15 anos de atividades,
considerando a criação da banda Mastruz com Leite como o marco ini-
cial do seu sucesso, ele comandou a empresa, acreditando que o que
funciona é o que o coração sente e não o que podem dizer as pesquisas
e os planejamentos estratégicos.
A gestão dos seus negócios é baseada na adaptabilidade das evidên-
cias. Cada passo da montagem da indústria do forró no Brasil puxou o
seguinte, até chegar no foco atual da empresa que é ganhar dinheiro
com festa. Gurgel tem em suas mãos todos os elos da cadeia produtiva
da música. Não para cuidar de música, mas para poder monitorar e
garantir a geração de valor em todo o processo que culmina com a
realização da festa.

SOMZOOM 53
Depois de sofrer os efeitos da pirataria e da falsificação no mercado
fonográfico, migrou para o conceito de que as bandas são marcas de
diversão e passou a investir, normalmente em parceria com emissoras
de rádio, para conquistar a fidelidade dos consumidores dos produtos
(CDs/DVDs) e serviços (festas) de suas bandas. Pela imagem que pro-
duziu nos últimos 15 anos, a banda Mastruz com Leite tornou-se um
produto de grandes eventos públicos. Gurgel encerra a sua argumen-
tação a respeito dessa dimensão atingida por sua banda mais famosa,
relatando que na festa de 150 anos da forrozeira cidade de Caruaru,
entre as bandas contratadas para arrebanhar uma multidão de pessoas
estava a Mastruz com Leite. “Um grande forró tem que ter Mastruz com
Leite”, proclama envaidecido.

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54 SOMZOOM
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Wagner de Oliveira Brandão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

SOMZOOM 55
SELO EVOCAÇÃO:
o pequeno notável

Marta Regina Maia

Introdução
Desde o período inicial da gravação mecânica, passando pela elétrica e
agora com os mecanismos digitais de reprodução, além da distribuição
aberta pela web, a história da indústria fonográfica no mundo passa por
alterações relevantes e o Brasil acompanha estas mudanças. Esta evolu-
ção tecnológica, entretanto, pelo menos no caso brasileiro, não é dire-
tamente proporcional a democratização do acervo musical acumulado
desde que Frederico Figner criou a Casa Edison que, a partir de 1902,74
iniciou o trabalho de divulgação de artistas nacionais.
Se no começo do século XXI há mais possibilidades tecnológicas,
tanto para a produção quanto para a preservação da memória musi-
cal brasileira, paradoxalmente alguns aspectos cruciais dificultam esta
realidade em potencial: o direito de reprodução das obras e o direito
autoral, tais como são definidos no Brasil,75 além da falta de vontade
das transnacionais que detêm as matrizes da produção fonográfica da
época de ouro da música brasileira e ainda a ausência de uma política
pública de acervo mais consistente.

74. Ver Humberto M. FRANCESCHI. Registro sonoro por meios mecânicos no Brasil. Nesta
obra, o autor prova que o primeiro catálogo brasileiro da Casa Edison surgiu em 1900,
mas este não apresenta tantos detalhes como o de 1902.
75. O Ministério da Cultura colocou como uma de suas prioridades a discussão sobre o
direito autoral, assunto polêmico que já foi motivo de seminário em dezembro de 2006 e
contará com uma série de atividades durante 2007 com o intuito de equilibrar os diversos
interesses em jogo. Ver site www. http://www.cultura.gov.br.

SELO EVOCAÇÃO 57
Da história da música popular brasileira, por exemplo, é possível
focar na época em que o disco e o rádio representavam elementos sig-
nificativos da cartografia cultural, que são as décadas de 1930 a 1950
do século XX. A produção musical do período foi bastante expressiva e
eclética, com o surgimento de compositores, arranjadores e intérpretes
portadores de uma tradição simbólica reverenciada até os dias de hoje,
ainda que de maneira restrita. Esta demanda musical conseguiu, inclu-
sive, abrir algumas brechas no interior da própria indústria cultural,
que já começava a se desenhar naquela época. Muitas destas produções
participaram da construção de um projeto de identidade nacional, mas
muitas também foram tidas como “vozes dissonantes” a uma perspec-
tiva de homogeneização, mesmo durante a vigência do Estado Novo
(1937-1945).76
Um suporte essencial para a disseminação das produções musicais
são as gravadoras. Afinal, em paralelo ao aspecto subjetivo da com-
posição musical, há a necessidade material de gravação, reprodução e
distribuição da mesma. No Brasil, a evolução histórica das gravadoras
comprova que somente algumas destas detêm o controle do processo
produtivo musical, dificultando a proliferação de pequenas gravadoras
que poderiam, por exemplo, contribuir para a produção e relançamen-
tos de compositores e intérpretes brasileiros que passam pelo crivo do
esquecimento cultural.77 No caso da história da indústria fonográfica
em São Paulo, nota-se que não há muita diferença com a história dos de-
mais estados brasileiros, pois as grandes gravadoras, ligadas ao capital
internacional, sempre tiveram mais infraestrutura para garantir a sua
permanência no mercado, já que a falta de condições materiais de al-
guns selos que tentaram ingressar neste mercado impediram a sua per-
manência, como é o caso do selo Evocação, criado em 1987 na capital do
Estado de São Paulo, e que terá sua história contada neste artigo.
O que se observa, no cenário atual, é o vínculo cada vez mais es-
treito entre a cultura e o comércio transnacional. Ao analisar os des-
dobramentos da indústria fonográfica, a partir do processo econômico
mais geral, Eduardo Vicente observa que “no caso específico da indús-
tria musical, o processo não só reduziu para apenas 5 o número de

76. Ver Adalberto PARANHOS. “Vozes dissonantes ao regime de ordem unida”, 2002.
77. Vale destacar o empenho de colecionadores que criaram os selos Revivendo, Moto
Discos, Filigranas Musicais e Collector’s, que contribuíram e ainda contribuem com a
divulgação da música brasileira da época em foco.

58 SELO EVOCAÇÃO
grandes gravadoras transnacionais que controlam o mercado mundial
como associou praticamente todas elas a gigantescos conglomerados
de comunicação”.78

O selo Evocação no contexto cultural brasileiro


No início de 1980, o Brasil era o sétimo mercado mundial de televisão e
publicidade e sexto na produção de discos.79 Segundo Renato Ortiz, as
décadas de 1960 e 1970 são responsáveis pela consolidação do mercado
de bens culturais no país. Ainda de acordo com ele, há um incremento
nas vendas de aparelhos eletrônicos domésticos que, entre 1967 e 1980,
crescem 813%. Igualmente elevado é o lucro das empresas fonográficas
que têm o faturamento ampliado em 1.375% entre 1970 e 1976. Como
consequência do desenvolvimento tecnológico, o preço dos LPs sofre re-
dução e consegue atingir setores da sociedade com menor poder aqui-
sitivo. Um dado significativo é que, além das transnacionais, o próprio
mercado nacional, por intermédio da Som Livre, ligada a Rede Globo de
Televisão, abocanha uma fatia considerável do mercado fonográfico, ao
produzir LPs com as trilhas sonoras de suas novelas, o que representou
em 1982, 25% do faturamento deste mercado.
Diante deste quadro, surge, em 1987, o selo Evocação. O colecio-
nador de discos e pesquisador autônomo da música brasileira, Paulo
Iabutti, resolve caminhar na contramão das produções musicais da
época e decide criar o selo com o intuito de divulgar a chamada “fase
de ouro” da MPB em suas gravações originais, já que as gravadoras da
época, seguindo um esquema já consagrado internacionalmente,80 co-
meçam a se voltar para a massificação de músicas estrangeiras.
As enormes dificuldades enfrentadas para a produção dos LPs do
Evocação não impediriam o produtor independente de dar continui-
dade ao selo, que terminou suas atividades em 1992. A divulgação da
música nacional foi o objetivo maior da criação do Evocação, de acordo
com seu idealizador. O problema é que Iabutti tinha uma capacidade

78. Eduardo VICENTE. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80
e 90, p. 18.
79. Renato ORTIZ. A moderna tradição brasileira. Os dados citados neste parágrafo foram
extraídos deste livro.
80. Márcia Tosta DIAS. Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização da
cultura, 2000.

SELO EVOCAÇÃO 59
muito limitada de produção, pois realizava a pesquisa para a definição
do repertório e informações que acompanhavam os discos, as próprias
gravações, criava as ilustrações ou fotografias das capas e contracapas
e até a embalagem, de maneira artesanal.
Este pequeno selo, durante os cinco anos de existência, lançou
nove LPs, com uma tiragem média de 1.500 discos por edição. O pri-
meiro disco lançado, com o título Lágrimas de rosa, foi o do “cantor das
multidões” Orlando Silva, seguido do álbum Saudades de minha terra,
com intérpretes notadamente paulistanos; o terceiro, Sempre presente,
retoma as interpretações de Orlando Silva. O quarto LP, denominado
Antigamente era assim, trouxe Carlos Galhardo e Sylvinha Mello, segui-
do de Sou um namorado errante, com canções interpretadas por Sylvio
Caldas e marchinhas cantadas por Januário de Oliveira. O sexto disco,
Tanger do coração, veiculou músicas interpretadas por seis cantores,
entre eles Nelson Gonçalves e Gilda de Abreu. Um disco louvado pela
crítica,81 O Bando da Lua trouxe sambas de H. Cordovil, Assis Valente,
entre outros. Os dois últimos LPs seguem outro rumo ao divulgar a mú-
sica estrangeira da velha guarda, sendo o oitavo intitulado A severa – de
filme homônimo, com fados portugueses cantados por Dina Tereza – e o
último denominado Movie Stars, com músicas emblemáticas do cinema
das décadas de 1930 a 1950.
Além do pagamento dos direitos de reprodução fonográfica das
grandes gravadoras e dos direitos autorais, Paulo Iabutti ainda tinha
uma outra batalha: a busca pela matriz original das músicas escolhidas.
Ele não conseguiu localizar nenhuma matriz de todos os discos produ-
zidos. Se o próprio Estado brasileiro não tem uma política pública de
acervo eficaz, não é de se estranhar que as grandes gravadoras multi-
nacionais não tivessem esse material arquivado.82
No processo de garimpagem, o produtor recorria ao seu acervo par-
ticular e aos de outros colecionadores paulistanos. Ao encontrar um
disco em ótimo estado de conservação, viajava para o Rio de Janeiro
e, com a ajuda de um profissional da área, passava para a fita de rolo

81. Na coluna “Artes e Espetáculos” do Jornal da Tarde, s/d, há uma referência a alguns
lançamentos do Evocação e da Revivendo, sendo o LP Bando da Lua definido pela coluna
como “um dos melhores de toda a MPB”.
82. Matéria veiculada pela revista Carta Capital (http://www.cartacapital.com.br/edico-
es/2004/09/307/1678/) exemplifica bem esta questão. Ela relata que a EMI foi obrigada a
recorrer ao acervo de Leon Barg, da Revivendo, para poder lançar uma coleção de Carmem
Miranda, em 1996, pois a gravadora não tinha mais as matrizes originais.

60 SELO EVOCAÇÃO
de 10 polegadas. A prensagem dos discos era feita na BMG Ariola, em
São Paulo, sendo a única exceção o disco Saudades de minha terra, com
cantores paulistanos, que foi prensado na Continental. Além disso, o
produtor, que trabalhou como engenheiro em uma grande empresa
multinacional, tinha boas noções de desenho e fazia questão de ideali-
zar e produzir as capas.
A distribuição, um dos momentos mais difíceis do processo, tam-
bém era feita por Iabutti, que conhecia os principais estabelecimen-
tos musicais do gênero. Ele conta que os dois discos de Orlando Silva
esgotaram-se logo após o lançamento, o que demonstra a demanda da
sociedade por este tipo de música.83 A respeito do segundo deles, um ál-
bum duplo, Eduardo Martins, do jornal O Estado de S. Paulo, afirmou que
sua grande vantagem residia “na variedade do repertório. Se apenas
cinco canções das 24 são inéditas em LP, as demais não figuram entre
as já muito conhecidas de Orlando”. E acrescentava: “além da evocação,
serve como documento precioso dos anos mais ricos da música popular
brasileira e da arte de um intérprete que figura entre os dois ou três
maiores do País em todos os tempos”.84
Sobre este disco, Paulo Iabutti lembra que “...tinha certeza que sen-
do do Orlando Silva ia vender. Muitos dos meus amigos falaram que
era um risco tremendo soltar um duplo, porque o custo é o dobro, mas
acreditei na ideia, achei que ia vender, e já na primeira noite vendeu
200 LPs; depois de dois meses tinha esgotado”.85
Outro aspecto pertinente ao trabalho deste pequeno selo era a
perspectiva de relançar artistas paulistanos que não tinham e ainda
não têm espaço na história da produção fonográfica. Foi o que ocorreu
com o lançamento do segundo LP da gravadora, uma coletânea de anti-
gos e raros 78 Rotações, com 12 intérpretes diferentes. Cantores como
Moacyr Bueno Rocha, Jorge Amaral, Jurandyr Santos, pouco conhecidos
até mesmo por alguns estudiosos da música popular, tiveram a opor-
tunidade de ser relançados pelo Evocação. Um trecho do artigo de Rui
Ribeiro, pesquisador de MPB, veiculado pelo jornal Folha de S. Paulo,
tenta justificar o motivo desse anonimato: “é provável que o motivo

83. Alguns filmes e espetáculos teatrais que retratam este período, produzidos no final do
século XX e início do XXI, têm logrado êxito junto à população, o que mostra o interesse,
de parcela da sociedade, sobre o assunto.
84. O Estado de S. Paulo, 27/9/1988.
85. Entrevista em 26/3/2007.

SELO EVOCAÇÃO 61
do desconhecimento decorra do fato de alguns de seus intérpretes te-
rem desaparecido de repente do cenário artístico, ou militarem à época
no rádio paulista, que não alcançara ainda a penetração das emissoras
cariocas”.86
A bibliografia específica sobre a história das gravadoras e selos cria-
dos em São Paulo ainda é escassa,87 entretanto, o surgimento destes ao
longo da história não alterou muito o processo de produção fonográfica
que está atrelado ao poderio das majors que dominam este mercado. O
que interessa, neste caso, é que a repercussão advinda do chamado “pe-
ríodo de ouro” das produções cariocas é muito mais amplificada do que
a produção paulistana. Um aspecto essencial para a ocorrência deste
fato é que, nesta época, o Rio de Janeiro era a capital federal e caixa de
ressonância da cultura nacional. Alguns artistas, portanto, que optaram
por desenvolver suas atividades em solo paulistano, não conseguiram
alcançar muita visibilidade em seu trabalho.
Embora trabalhe especialmente com a produção musical na década
de 1930, a pesquisadora Camila Koshiba Gonçalves evidencia estes as-
pectos, ao analisar o caso paulistano:

Sob essa perspectiva, as pequenas gravadoras paulistas


podem ser consideradas como um importante espaço
de aprendizado e troca de experiências de artistas radi-
cados na cidade (...) Além disso, estas empresas existi-
ram por pouco tempo e contavam com poucos recursos
financeiros, pois não faziam anúncios, nem “eram no-
tícia” nos principais jornais da época. Assim, dados seu
curto período de atuação, os poucos canais de distribui-
ção de seus discos, e a peculiaridade da trilha sonora
que compuseram, é possível supor que sua produção foi
elaborada e difundida por e para um mercado cultural
local paulistano.88

86. Folha de S. Paulo, 03/08/1988.


87. Há alguns trabalhos como o do Departamento de Informação e Documentação
Artísticas (Idart). Disco em São Paulo. Org. Damiano Cozzella. São Paulo: Secretaria
Municipal de Cultura: Centro de Pesquisa de Arte Brasileira, 1980 e a dissertação de mes-
trado de Camila Koshiba GONÇALVES. Música em 78 rotações: “discos a todos os preços” na
São Paulo dos anos 30, 2006.
88. Música em 78 rotações. Por uma história das gravadoras no Brasil, p. 5.

62 SELO EVOCAÇÃO
Esta análise tem continuidade com as pesquisas realizadas por
Renato Ortiz, ao avaliar que o rádio paulistano, nas décadas de 1930 a
1950, tinha “características marcadamente locais, e se pautava segun-
do um padrão regional”.89
O produtor Paulo Iabutti, profundo conhecedor da história da mú-
sica e do rádio, em particular a paulistana, apresenta três grandes em-
pecilhos que o levaram a encerrar a curta existência do selo. O primei-
ro refere-se ao tempo de manutenção do direito autoral que, para ele,
deveria ser menor para a reprodução mais democrática. Atualmente,
segundo o artigo 41, da Lei 9.610, de 1998, que atualiza o Decreto de
1973, “os direitos patrimoniais do autor perduram por 70 anos conta-
dos de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obede-
cida a ordem sucessória da lei civil”. A argumentação de Paulo Iabutti é
bem contundente:

Uma das grandes invenções do século XX é a xerox, por-


que permite a reprodução perfeita. Antes você era obri-
gado a tirar uma fotocópia que ficava pronta em um ou
dois dias, era um atraso de vida. Isso foi uma grande
revolução. O inventor da xerox teve 20 anos para ex-
plorar isso, quer dizer, o filho dele não teve o direito de
explorar aquilo. Eu acho que na música, na literatura,
é a mesma coisa, o artista fez aquela criatividade, ele
tem 20 anos para ganhar, fora disso tinha que acabar
com aquilo para os outros terem acesso. Por que eu digo
isso? Porque a música popular brasileira ficou esqueci-
da; Por que predomina a música internacional, especial-
mente, a americana? Porque eles têm a mídia, têm o po-
der econômico nas mãos, eles massificam, eles ganham
muito dinheiro com isso. Elvis Presley, por exemplo, que
é coisa antiga, ainda manda milhões de dólares para os
Estados Unidos. E por que o Brasil é esquecido?... Eu an-
tes perguntava assim: Por que uma grande gravadora
não faz isso que eu fiz? Não interessa para eles tirar 5
mil cópias de disco, o que interessa para eles é tirar um
milhão de cópias. Quer dizer, a gente teve que tomar
esta iniciativa justamente para poder manter um pou-

89. Op. cit., p. 54.

SELO EVOCAÇÃO 63
co da memória da cultura brasileira. Eu sou totalmente
contra direito autoral dessa forma.90

As discussões sobre direito autoral são intermináveis. O Brasil


tornou-se signatário de vários acordos internacionais, a começar pela
Convenção de Berna de 1886, revista em Paris, em 1971, na medida
em que os países perceberam a necessidade de se estabelecer algumas
regras sobre estes direitos. A polêmica versa ainda sobre o próprio pa-
gamento dos familiares dos artistas que, muitas vezes, dependem dele
para garantir a preservação das obras. Por outro, levanta-se o problema
de preços exorbitantes cobrados por familiares para a autorização de
utilização destas obras. No caso dos discos, levanta-se ainda a impos-
sibilidade de controle, por parte dos familiares, da produção, já que os
mesmos não são numerados, o que dificulta a fiscalização. Além disso,
Gilberto Gil, na condição de ministro da Cultura, afirmava que, “com o
advento da Internet, a legislação precisaria ser revista”.91
Ao lado do problema autoral, uma segunda dificuldade apontada
por Iabutti relaciona-se à chamada cultura do esquecimento.92 Na “épo-
ca de ouro” do rádio houve uma grande produção nacional que depois
não foi assimilada pelas novas gerações. E, nas décadas posteriores, a
nova produção passava a atender as demandas de um mercado em rápi-
da ampliação, com a instalação de inúmeras gravadoras transnacionais
como demonstra Eduardo Vicente ao analisar a indústria do disco nas
décadas de 1960 e 1970:

Diversas das majors transnacionais que hoje dominam


o mercado iniciaram ou ampliaram suas atividades no
país durante o período: a Phillips-Phonogram (depois
PolyGram e, atualmente, parte da Universal Music) ins-
talou-se em 1960 a partir da aquisição da CBD; a CBS
(hoje Sony Music) – instalada desde 1953 – consolida-se
a partir de 1963 com o sucesso da Jovem Guarda; a EMI
faz-se presente a partir de 1969, através da aquisição
da pioneira no país e também internacional Odeon (...)

90. Entrevista em 26/3/2007.


91. Ver discurso do ministro: http://www.cultura.gov.br/noticias/discursos/index.
php?p=21815&more=1&c=1&pb=1.
92. Vale registrar o trabalho de preservação da memória musical brasileira realizado por
algumas organizações privadas como o Instituto Moreira Sales que adquiriu várias cole-
ções e disponibiliza as mesmas, publicamente.

64 SELO EVOCAÇÃO
a subsidiária brasileira da WEA, o braço fonográfico
do grupo Warner, é fundada em 1976 e a da Ariola –
pertencente ao conglomerado alemão Bertellsman –
em 1979. A RCA, que mais tarde seria adquirida pela
Bertellsman tornando-se o núcleo da BMG, operava no
país desde 1925 e completava o quadro das empresas
internacionais mais significativas em nosso cenário do-
méstico (...).93

A memória dos cantores do rádio acabou não sendo objeto de preo-


cupação dessas grandes majors, que estavam mais interessadas em
ampliar o mercado consumidor e assim aumentar o seu poder de pene-
tração. Os dados da época mostram que houve um crescimento do con-
sumo de música estrangeira, mas ainda não suficiente para se sobrepor
à produção nacional. O pesquisador Eduardo Vicente, embora observe
que não é possível afirmar que tenha havido uma maior internaciona-
lização do consumo, pois a vendagem de discos com música brasileira
era maior do que a estrangeira, admite uma forte influência da música
internacional na década de 1970, que “desempenhou um papel cultural
e econômico significativo no sentido da massificação do consumo mu-
sical (...) como importante via para a incorporação de novas camadas de
consumidores ao mercado (...) esses consumidores eram, basicamente,
jovens”.94
Ao discutir o fenômeno da presentificação, característica da mo-
dernidade, o historiador Eric Hobsbawm afirma que “a destruição do
passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa ex-
periência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais
característicos e lúgubres do final do século XX”.95 Ao ter como objetivo
principal a divulgação de uma época, por intermédio da chamada “mú-
sica da velha guarda”, o selo Evocação tinha como uma de suas metas
contribuir para a memória da cultura brasileira.
O terceiro aspecto apontado pelo produtor refere-se ao surgimento
de gravadoras na mesma linha. Na década de 1990, por exemplo, ele
estava com um LP praticamente pronto quando outra gravadora lançou
um LP com músicas já escolhidas e definidas pelo Evocação. O produ-

93. Op. cit., p. 53.


94. Ibid., p. 58.
95. Eric HOBSBAWM, Era dos extremos: O breve século XX – 1914-1991, p. 13.

SELO EVOCAÇÃO 65
tor teve que refazer todo o caminho da pesquisa de repertório, alterar
a parte gráfica já pronta, etc. Para contornar esse problema, Iabutti
acabou lançando na sequência dois LPs com trilhas de filmes, mas aca-
bou desistindo, pois o projeto original era o da divulgação da música
brasileira mesmo, com destaque para a produzida em São Paulo. O que
ele lamenta, entretanto, é que a memória da música regional paulistana
corre o risco de se perder.

Evocar é preciso
Uma breve contextualização das décadas de 1930 a 1950 pode ajudar
a compreender melhor o apogeu do rádio e da música popular neste
período. As conquistas técnicas alcançadas no campo da radiodifusão
e da produção dos discos levaram estes dois campos a uma integração
intensa, especialmente após a década de 1930. Quando surgem as pri-
meiras emissoras de rádio, tendo como precursora a Rádio Sociedade
do Rio de Janeiro, em 1923, ainda não há, de imediato, o interesse mais
generalizado da sociedade por este veículo. Somente a partir da década
seguinte é que o rádio provoca uma interação jamais vista na história
da comunicação social. Com a indústria cultural ainda incipiente, é pos-
sível afirmar que as emissoras radiofônicas representaram um elemen-
to democratizador das práticas culturais. Afinal, antes do surgimento
deste meio eletrônico, as pessoas necessitavam de habilidades espe-
cíficas de leitura e escrita para ter acesso ao que era veiculado pelos
meios impressos.96 Embora o rádio e o disco tenham participado do
circuito comercial e contribuído para o estímulo do consumo de produ-
tos, também participaram de um processo de construção simbólica que
permeou a própria constituição da cultura de uma época.
Um dos aspectos mais importantes da memória radiofônica é a mú-
sica. A chamada “fase de ouro” da MPB consagra compositores e intér-
pretes que até hoje são apreciados não só por antigos radiouvintes, mas
também por músicos e estudiosos como Jairo Severiano e Zuza Homem
de Mello:

A Época de Ouro [1929/1945] originou-se da conjunção


de três fatores: a renovação musical iniciada no período

96. Raymond WILLIAMS (Ed.). Historia de la comunicación, p. 207.

66 SELO EVOCAÇÃO
anterior com a criação do samba, da marchinha e de ou-
tros gêneros; a chegada ao Brasil do rádio, da gravação
eletromagnética do som e do cinema falado; e, principal-
mente, a feliz coincidência do aparecimento de um consi-
derável número de artistas talentosos numa mesma ge-
ração. Foi a necessidade de preenchimento dos quadros
das diversas rádios e gravadoras surgidas na ocasião que
propiciou o aproveitamento desses talentos.97

É importante pensar que o rádio e o disco, em seu auge, podem ser


vistos como meios amplificadores da diversidade musical. A populari-
zação da programação radiofônica permitiu a ampliação do repertório
musical dos ouvintes, o que possibilitou “a diversificação e o alarga-
mento das possibilidades de escolha dos artistas e dos ouvintes, prova-
velmente ampliando e desenvolvendo seu universo de escuta ao invés
de regredi-lo”.98 A diversidade da programação é um componente fun-
damental da prática radiofônica do período, já que havia emissoras com
programas mais voltados para a elite e outras com uma programação
mais popular. Muitas vezes, o rádio era a principal fonte de audição das
músicas, já que inúmeras pessoas não tinham condições de adquirir
todos os discos lançados pela indústria fonográfica.
Se a tradição pode ser fruto de um projeto político deliberado, ela
também pode ser reinventada pela própria sociedade, desde que os me-
canismos de reprodução estejam mais acessíveis. A gravação e conse-
quente distribuição de obras lançadas em 78 rotações, por exemplo,
precisam acontecer para que novas gerações tenham acesso a estas
obras mesmo nas novas mídias de audição. Ao relacionar memória e
mídia, a pesquisadora Heloísa Helena de Araújo Duarte Valente con-
sidera que um signo musical pode ser recuperado por intermédio de
diversos atores sociais. Para ela, é possível que uma canção possa ser
rememorada, pois ocorre que “signos musicais, por razões nem sempre
facilmente verificáveis, reaparecerem graças ao esforço de um traba-
lho individual ou de uma equipe destinada a desenvolver um projeto
particular”.99

97. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras, p. 85.


98. José Geraldo Vinci de MORAES, Rádio e música popular nos anos 30, p. 76.
99. As vozes da canção na mídia, p. 138.

SELO EVOCAÇÃO 67
O projeto desenvolvido por Paulo Iabutti, este produtor obstinado,
também é reconhecido por José Ramos Tinhorão, estudioso e profundo
conhecedor da história da música popular brasileira. É interessante ci-
tar um trecho escrito por ele na contracapa do primeiro LP lançado pelo
Evocação:

Um desses apaixonados guardiães da chama do cantor


Orlando Silva é o paulista Paulo Iabutti que, tendo ouvi-
do pela primeira vez no rádio a voz que o deslumbraria
em 1937, quando tinha apenas 11 anos de idade, de-
cidiu agora, meio século depois, fazer ainda uma vez
resplandecer para outros o canto luminoso que nunca
mais se lhe apagou da memória. E a forma que encon-
trou para isso foi a mais nobre e desinteressada: reti-
rar do esquecimento algumas gravações originais de
Orlando Silva nunca reeditadas, e financiar do próprio
bolso um disco que já nasce raro, porque fazendo revi-
ver o brilho da voz do Cantor das Multidões, é um disco
que só a paixão pode explicar.100

Ao lançar o selo Evocação, Iabutti teve o intuito de contribuir para


a disseminação da música popular brasileira como foco gerador de um
lastro de identidade. O que reforça a noção de que a música popular,
entre outras propriedades, pode ser considerada “uma espécie de reper-
tório de memória coletiva”.101

Considerações finais
O circuito cultural que se formou nas décadas de 1930 a 1950, em espe-
cial com o advento do rádio e o crescimento e consolidação da indústria
do disco, projetou inúmeros compositores e intérpretes que ainda hoje
sobrevivem no imaginário nacional. A valorização do artista ofereceria
a possibilidade de participação dos excluídos nesse circuito. José Ramos
Tinhorão, ao discutir o aspecto da profissionalização do músico, com
expressiva contribuição do rádio, cita como exemplo a letra de uma

100. Contracapa LP Orlando Silva, Lágrimas de Rosa, 1987, Evocação.


101. Marcos Napolitano, A síncope das ideias: a questão da tradição na música popular,
brasileira, p. 5.

68 SELO EVOCAÇÃO
música composta por Germano Augusto e Gabriel Meira, intitulada
“Maestro caixa de fósforo”:

Nunca ouvi seu nome


Lá no microfone
Seu samba
Nasce e morre no botequim
Quanto tempo perdido
Quanto café pequeno
Quanto papel rabiscado
Quantas noites de sereno...102

Este samba, ao reconhecer que o rádio estratifica o papel cultural


do artista, reforça o poder da radiodifusão no período. As inúmeras pos-
sibilidades oferecidas pelo binômio rádio-disco, embora construídas a
partir da própria lógica de mercado, na medida que o consumo também
era a meta dessa parceria, qualificam a produção cultural do período e
podem ser percebidas por trabalhos que versam sobre esta época. Uma
pesquisa de recepção midiática, realizada com radiouvintes paulistanos
das décadas de 1930 a 1950, considera a música uma das mediações
mais importantes da memória radiofônica: “mesmo após várias déca-
das, ouvintes conseguem cantarolar corretamente as canções ouvidas
na juventude. E um grande respeito pelos cantores daquela época per-
manece, independente dos gostos atuais no campo musical”.103
É preciso evitar um certo ufanismo ao avaliar a produção cultural do
período, pois as influências externas já começavam a se fazer presentes
na sociedade. Afinal, não se pode esquecer a maior aproximação entre
Brasil e EUA a partir da década de 1940. A música, evidentemente, tam-
bém foi influenciada por esse processo. Entretanto, é possível afirmar
que a música brasileira sempre teve seu espaço garantido, seja nos dis-
cos lançados, seja nas emissões radiofônicas:

A música teria o mesmo potencial do cinema como


via do americanismo? (...) As pesquisas realizadas pelo
Ibope em julho 1944 confirmam que a música brasilei-
ra era mais ouvida que a americana. Para ficarmos só

102. Música popular – do gramofone ao rádio e TV, p. 131.


103. Marta R. Maia, Quadros radiofônicos: Memórias da comunidade radiouvinte paulistana
(1930-1950), p. 127.

SELO EVOCAÇÃO 69
com um exemplo: Bing Crosby era ouvido por 0,5% dos
entrevistados, enquanto Carlos Galhardo tinha 26,7%
da preferência. A música não foi o melhor veículo do
americanismo.104

A quase inexistência de uma memória dos cantores do rádio passa


por uma série de eventos culturais relacionados ao surgimento da te-
levisão em 1950 e aos mecanismos de interesses dos produtores fono-
gráficos. Estes aspectos podem ser associados ao surgimento da Jovem
Guarda e da Bossa Nova, sendo esta última uma oportunidade ímpar do
próprio mercado fonográfico de ver ampliada a sua possibilidade de in-
serção no plano internacional, já que este movimento musical carrega
elementos jazzísticos que permitiram seu ingresso no mercado exter-
no.105 Outro aspecto relevante foi o surgimento das FMs e o advento das
redes radiofônicas, o que contribuiu em muito para uma consequente
padronização musical, em que pese o aspecto positivo da segmentação
de algumas emissoras.
A ausência de uma memória cultural também é uma marca que
identifica, paradoxalmente, a sociedade brasileira.

Um compromisso ético parece sobreviver junto àqueles


poucos que não conseguem assistir impassíveis a tudo
que se desenrola à sua frente e que acreditam que à cul-
tura [deve ser dado] voto de confiança. Há um desenvol-
vimento midiático contemporâneo na direção da des-
truição do passado (niilismo, fragmentação, pilhagem,
falsificação, descrédito, apagamento do passado), que
atua no sentido de zerar a lembrança histórica e cultu-
ral dos tempos. Tudo no sentido de se forjar um homem
novo, leve, livre da “doença histórica”, absolutamente
indiferente a tudo o que se passou. Uma máquina de
triturar as experiências e as vivências de outros tempos
e que substitui tudo isso por um Nada, uma ausência
total de passado.106

104. Antonio Pedro Tota, O imperialismo sedutor: A americanização do Brasil na época da


Segunda Guerra, p. 157.
105. Ver análise mais aprofundada desta discussão em Eduardo Vicente, op. cit.
106. Ciro Marcondes Filho, Contra a banalização da violência. A recuperação produtiva do
passado como garantia contra a barbárie do futuro, p. 2.

70 SELO EVOCAÇÃO
A constituição do mercado fonográfico que se verifica a partir da
década de 1980, período em que surge o selo Evocação, tem como base
a inserção do Brasil no contexto da modernidade, que busca no público
jovem o seu perfil de consumidor. Neste sentido é extremamente perti-
nente um exemplo dado por Eduardo Vicente, ao discutir a organização
da indústria na década de 1970 e citar como destaque a saída de André
Midani da direção da Polygram, em 1976, quando este tem a missão de
fundar a WEA do Brasil: “A afirmação de que o futuro da indústria está
no rock e o cast de sua gravadora será formado apenas por artistas com
menos de 30 anos, que saibam administrar suas carreiras, é sintomática
do novo momento que se inicia”.107 Para uma cultura da presentificação
nada mais justo do que excluir aqueles que cantaram a história da mú-
sica popular brasileira, movimento que está presente tanto no campo
privado como na esfera pública.
Ao privilegiar a história deste selo paulistano, busca-se mostrar que
mesmo um pequeno selo, com todas as dificuldades inerentes, pode
ajudar a “retirar do esquecimento” inúmeros intérpretes e composito-
res, depositários de parte da memória musical do país, e assim contri-
buir para a circulação de sons que transitam no espaço etéreo que a
música pode proporcionar.

Referências bibliográficas
DEPARTAMENTO DE INFORMAÇÃO e Documentação Artísticas (Idart). Disco em
São Paulo. Org. Damiano Cozzella. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura:
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SELO EVOCAÇÃO 73
INDÚSTRIA FONOGRÁFICA
EM MINAS GERAIS

Angela de Moura
Nair Prata
Sônia Pessoa
Waldiane Fialho
Wanir Campelo

Este trabalho visa fazer um levantamento da indústria fonográfica em


Minas Gerais, caracterizando-a no mercado brasileiro. A pesquisa traça
um breve panorama do setor no Estado relacionando o tipo de ativida-
de exercida, a infraestrutura, a rotina de promoção e divulgação de CDs,
os artistas e os desafios diante das novas tecnologias. Além de levan-
tamento bibliográfico, foram realizadas entrevistas e visitas técnicas às
gravadoras em Belo Horizonte.
O mercado fonográfico brasileiro parece ser marcado, no final do
século XX e início do XXI, por alguns fenômenos importantes, que têm
sido objeto de estudo de pesquisadores ainda que o tema não ocupe
muito espaço na academia. Assemany (2001) aponta dois movimentos
relacionados à pirataria e ao advento da internet: a venda de cópias
falsificadas e a transferência de músicas (fonogramas digitais) pela rede
mundial de computadores. O autor não demonstra otimismo em rela-
ção ao que ele considera os principais problemas ainda insolúveis da
indústria fonográfica. Tanto a pirataria108 quanto a internet estariam
tirando cifras consideráveis da receita do setor. De acordo com as esta-
tísticas da Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos

108. Pirataria é entendida aqui como cópia indevida de programas de informática, de fitas
de vídeo ou de som.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS 75


(APDIF),109 o Brasil está entre os 10 países mais afetados pela pirataria
de CDs. Ainda segundo a APDIF, a maior apreensão de cópias ilegais
no Brasil teria ocorrido em 2006, quando mais de 47 milhões de CDs e
DVDs foram recolhidos, um aumento de 57% em relação ao montante
confiscado no ano anterior. Pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos,110
em 10 regiões metropolitanas do Brasil, traça o perfil do consumidor
brasileiro de CDs originais e piratas. Em Belo Horizonte, por exemplo,
nosso cenário de pesquisa, metade dos entrevistados declarou, no le-
vantamento do Ipsos, consumir CDs piratas.
Silva (2001) acredita que a globalização trouxe outro movimento
mercadológico digno de registro: a fusão entre grandes empresas no
cenário de produção e distribuição de discos, cuja consequência prin-
cipal é a formação de conglomerados de mídia. As fusões provocam
consequências paradoxais para o mercado, levando-se em consideração
os jogadores envolvidos no processo: grandes corporações, funcioná-
rios e prestadores de serviços. O impacto social não pode ser descon-
siderado nesse processo cada vez mais frequente. Grosso modo, se por
um lado, a concentração de empresas em um conglomerado permite às
corporações aumentar lucros, reduzir despesas e compartilhar fatores
mercadológicos de risco, por outro, pode significar demissões em massa
(MORAES, 2004).
O Digital Music Report 2008 (DMR 2008), desenvolvido pela Federação
Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), que agrega cerca de 1.400
gravadoras em 76 países, aponta novidades no setor. O documento111
indica outra mudança significativa nas atividades da indústria fonográ-
fica: as gravadoras estariam se transformando em companhias digitais,
uma vez que a venda de músicas on-line e via celular cresceu 185%
no Brasil e 40% no mundo em 2007. São 2,9 bilhões de dólares movi-
mentados no mundo com tais vendas, cifra superior aos 2,1 bilhões
registrados em 2006. As vendas digitais representam atualmente, ainda
segundo o DMR 2008, 15% do mercado musical no mundo. A indústria
fonográfica estaria experimentando uma série de novidades de mode-
los de negócios e de produtos de música digital. Quatro milhões de
faixas musicais já estão disponíveis na internet em formatos diversos.

109. Publicada em www.abpd.org.br.


110. Publicada em www.abpd.org.br.
111. O relatório foi publicado nos sites da Federação Internacional da Indústria Fonográfica
( www.ifpi.org) e da Associação Brasileira de Produtores de Discos (www.abpd.org.br).

76 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


Quinhentos serviços de música on-line são considerados legítimos pela
IFPI em 40 países. No Brasil, a entidade relaciona 20 serviços, apontan-
do os portais Terra e Uol como os dois maiores no segmento. De acordo
com análise da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), o
relatório demonstra que a indústria fonográfica se adapta à combina-
ção das habilidades tradicionais de comercialização da música com a
tecnologia digital.
O mercado fonográfico brasileiro reúne 10 grandes gravadoras que
fazem parte da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD),
criada em 1958, além de diversas outras gravadoras consideradas in-
dependentes ou que não fazem parte da Associação. Com sede no Rio
de Janeiro, a ABPD representa a EMI Music, Indie Records, Microservice
Tecnologia Digital, MK Music, Paulinas, Som Livre, Sony, Sunshine
Records, Universal e Warner Music. Quatro das 10 gravadoras associa-
das à ABPD são empresas multinacionais: Sony, Warner Music, Universal
Music e EMI Music. O restante é constituído por empresas de capital na-
cional. O mercado de vendas on-line no Brasil vem crescendo de maneira
significativa. O site da ABPD traz a informação de que 2,9 milhões de
pessoas baixaram música da internet em 2005, representando 8,2% do
universo pesquisado. O dado indica que foram extraídas da rede mun-
dial de computadores 1,1 bilhão de canções. No ranking mundial da
IFPI, o Brasil não figura entre os 10 primeiros colocados em vendas on-
line, como acontece com a comercialização de fonogramas musicais.

Mapeamento da indústria fonográfica em Minas Gerais


Esta pesquisa adotou os seguintes procedimentos, baseados em meto-
dologia definida por Borges, Ferreira e Jambeiro (2006), que estudaram a
indústria fonográfica de Salvador e sua inserção no mercado brasileiro:
1) Coleta e análise de dados sobre as empresas nacionais e/ou multina-
cionais, que constituem a indústria fonográfica no Brasil e que têm es-
critórios regionais em Belo Horizonte, baseando-se na relação disponi-
bilizada pela Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) e da
Associação Brasileira da Música Independente (ABMI); 2) Mapeamento
das empresas produtoras de fonogramas sediadas em Belo Horizonte,
a partir de informações de produtores culturais e funcionários de emis-
soras de rádio sediadas na cidade; 3) Visitas técnicas à sede e/ou escri-
tórios regionais das empresas com o objetivo de checar os dados; 4)

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS 77


Entrevistas,112 com aplicação de questionário, contendo perguntas obje-
tivas e subjetivas sobre dados institucionais, funcionais, mercadológi-
cos, técnicos e tecnológicos. Responderam ao questionário funcionários
e representantes das empresas que constituem a indústria fonográfica
mineira; 5) Sistematização dos dados e redação do trabalho.
A ideia do nosso grupo de pesquisa é que este seja um levantamento
preliminar sobre a indústria fonográfica mineira que, posteriormente,
possa ser detalhado e melhor explorado. Os dados apresentados neste
trabalho foram coletados em 2007/2008. Entendemos como indústria
fonográfica, ainda com base em Borges, Ferreira e Jambeiro (2006), o
conjunto de empresas que:

(...) concebem, produzem, distribuem e comercializam


gravações de som, em seus diversos formatos. Ela atua
associada a editoras – onde são registradas as autorias
de textos e partituras – e a um conjunto de organiza-
ções industrial-comerciais. Todo o conjunto movimenta
no mercado centenas de milhões de reais anualmente
(BORGES, FERREIRA e JAMBEIRO, 2006, p. 1).

As multinacionais em Minas
Das quatro maiores empresas da indústria fonográfica mundial, três
delas estão representadas em Minas Gerais, com escritórios regionais
localizados em Belo Horizonte: EMI Music, Universal Music e Sony. As
atividades de cada uma estão relacionadas a seguir, a partir do depoi-
mento dos profissionais que as representam e das informações publi-
cadas nos sites das empresas. Um dos termômetros das gravadoras é o
relatório diário da Crowley Broadcast Analysis do Brasil, empresa que
monitora a quantidade de vezes que determinada música é veiculada
em uma emissora. A empresa tem escritórios em diversos Estados bra-
sileiros. A partir da gravação da programação, a Crowley emite rela-
tórios nos quais se pode consultar a música, a emissora, o horário em
que foi tocada e o número de execuções diárias. Para as gravadoras, o

112. A transcrição das entrevistas foi realizada por bolsistas e voluntários integrantes do
Projeto de Extensão Radioescola Ponto Com, coordenado pela professora Wanir Campelo
da Uni-BH: Juliana Garcia, Bianca Vargas, Michelle Leal, Rosânia Felipe, Marney Vilela e
Thiago Pereira.

78 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


monitoramento equivale ao Ibope diário da própria indústria fonográ-
fica, apontando gravadoras, selos e bandas que aparecem na grade de
programação. Para o produtor musical mineiro Rubem di Souza, que
nos últimos sete anos produziu mais de 90 discos, o mercado fonográ-
fico teve excelentes resultados entre 1992 e 2002, mas a consolidação
da internet, da música digital e do MP3 modificou o cenário: “O merca-
do fonográfico, iludido e maravilhado com os lucros fáceis do CD, não
prestou atenção neste fenômeno e não se preparou para esta crise que
está enfrentando hoje, com o disco se tornando obsoleto e o mercado
vivendo a sua pior crise dos últimos 50 anos”.113

EMI Music
A EMI (Electric and Musical Industries) é uma das quatro maiores gra-
vadoras do mundo. Sua sede fica em Londres e ela opera em 25 países.
Em Minas, está há quase meio século e hoje é representada pelo pro-
motor de vendas e divulgador Alessandro Adolfo Viriato,114 que traba-
lha no setor há 19 anos e está na EMI há cinco. Fica também sob a
responsabilidade dele representar a EMI nos Estados de Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul. O divulgador da EMI Music tem rotina atribula-
da. Vive com um olho no dial para verificar as músicas mais tocadas e
outro nas promoções realizadas em parceria com as emissoras. “Levo
o produto novo e apresento a intenção da companhia diante daquele
produto. Como estou há muito tempo no mercado, conheço cada um
em cada veículo dessa cidade e todos também já me conhecem. Temos
uma relação muito respeitosa, mas muito informal também. Trocamos
impressões, batemos um papo e discutimos estratégias”, afirma Viriato.
Ao representante de Belo Horizonte cabe o recebimento da música que,
na maioria das vezes, chega por e-mail. Grava-se daí o CD, que será
levado às emissoras de rádio para ser distribuído e executado. “É uma
negociação que pode depender de promoções com o artista, sua agenda
de shows e uma série de outros fatores”.
Todos têm metas a serem alcançadas. As de Viriato chegam mensal-
mente e servem tanto para divulgação, quanto para venda. Para atingi-
las, ele garante que mantém contato constante com os responsáveis

113. Entrevista ao grupo de pesquisa em 03/2007.


114. Entrevista ao grupo de pesquisa em 06/2008.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS 79


pela seleção das músicas que vão compor a grade de programação das
emissoras, fazendo visitas cordiais e atendendo a todos no instante em
que é solicitado. Aqui em Belo Horizonte, Viriato é responsável pelas
rádios BH FM, do Sistema Globo de Rádio, Alvorada, Transamérica, 98 e
Rádio Inconfidência, mas a divulgação do trabalho, que inclui assesso-
ria de imprensa e promoções em TV, é toda feita em São Paulo.
O monitoramento da execução das músicas pelas emissoras de rá-
dio, realizado pela empresa Crowley, tem função dupla. Por um lado,
serve como parâmetro para negociação com as rádios que, porventura,
não estejam tocando de acordo com o interesse e a necessidade mer-
cadológica da gravadora. Por outro lado, é um instrumento de pressão
da gravadora. Afinal, se o artista não corresponde às expectativas da
empresa no que diz respeito ao número de vezes em que a música é exe-
cutada na rádio, o prejuízo é grande, pois houve um alto investimento e
o retorno esperado teria que ser alcançado. Atualmente, a EMI tem em
seus quadros cantores como Jorge Vercillo, Charlie Brown Júnior e Diogo
Nogueira, além dos mineiros Milton Nascimento e Marina Machado.

Universal Music
Até 2007, as tarefas na Universal em Minas Gerais eram divididas. Havia
um divulgador, um representante comercial para a capital e outro para
o interior. Em 2008, a exemplo do que aconteceu com a EMI, todas
essas funções se concentraram nas mãos de um único profissional:
Sílvio Antônio de Moraes, que está há 30 anos na mesma gravadora. A
Universal não tem mais a sala onde funcionava, em 2008, localizada na
Avenida Afonso Pena, bem no coração da cidade. Hoje, Sílvio tem o seu
escritório em casa mesmo. “Passo a maior parte do meu tempo levando
meu produto para as rádios. Minha missão é transformar a música lan-
çada pela gravadora em um produto conhecido mundo afora.”115
Os selos independentes e o grande número de artistas por eles re-
presentados trouxeram duras consequências ao mercado fonográfico,
entre elas a dificuldade para emplacar músicas no ranking das mais
tocadas em emissoras de rádio. Percebe-se que não tem sido nada fácil
conseguir esse espaço, mesmo que seja para um artista consagrado.
Se antes se lançava uma música qualquer de um grande artista com

115. Entrevista ao grupo de pesquisa em 06/2008.

80 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


a certeza do sucesso, hoje as gravadoras lançam muitos produtos e o
mercado não assimila tudo que é disponibilizado. Convencer o radialis-
ta a “comprar” um produto é tarefa árdua, mas, segundo Sílvio, é uma
via de mão dupla, pois a rádio precisa tocar o sucesso, já que se torna
impossível programar apenas aquilo que é de catálogo, ou seja, com-
posições do passado. O rádio busca audiência e, para obter os índices
exigidos, precisa tocar o sucesso atual. Segundo Moraes, esse sucesso
é a fusão entre o bom artista e a boa música, opinião que contraria a
forma de pensar de João Bosco Leite, antecessor de Moraes na Universal
e que hoje trabalha em outra gravadora. Para Leite, só o nome de um
artista, hoje, não faz mais sucesso. “O que faz sucesso é a música. O
mais importante para o radialista é o produto final. Tem radialista que
não quer nem saber de quem é o produto. Ele quer saber se a música é
boa. Se for condizente com a programação dele, ele toca, senão, ele não
toca”, explica.
Sílvio Moraes afirma que na Universal não existe a prática do jabá
ou jabaculê, expressão que no meio radiofônico significa gorjeta, gra-
tificação ou dinheiro utilizado para “convencer” alguém a tocar uma
música em emissoras de rádio. “A palavra é inapropriada para definir
algo que realmente fazemos e que se chama promoção. Todo mundo
utiliza esta ferramenta quando tem que mostrar um produto para al-
guém. É uma estratégia de convencimento, para que as pessoas saibam
qual é o produto mais vantajoso”,116 diz ele. A estratégia à qual se refere
o divulgador está relacionada ao sorteio de brindes, tais como bonés e
camisas, entre outros, para os ouvintes da emissora, por ocasião do lan-
çamento de determinado CD. “Eu faço a distribuição dos CDs na rádio.
E um gerente faz o contato com a emissora. O jabá é coisa do passado”,
revela Moraes. Ele diz ainda que a preocupação hoje é com o presente:
é com a pirataria, responsável por quase 45% da queda das vendas de
CDs. Moraes conta que a venda de fonogramas musicais pirateados traz
resultados negativos tanto para as gravadoras, quanto para as lojas
que comercializam os produtos originais. “Muitas lojas desse segmento
acabaram fechando suas portas, pois os prejuízos têm sido enormes
nos últimos anos”. Os principais artistas da Universal são Ivete Sangalo,
Cláudia Leite, César Menotti e Fabiano, Rio Negro e Solimões e Zeca
Pagodinho, entre outros.

116. Idem.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS 81


Sony Music Entertainment Inc
A Sony, que tem sua sede brasileira no Rio de Janeiro, é resultado da
fusão de duas gigantes do mercado fonográfico internacional. A em-
presa se associou à gravadora BMG, em 2004, criando a joint venture
Sony-BMG. Em 2008, a Sony anunciou a conclusão de um acordo de
compra dessa segunda gravadora e a marca BMG desapareceu do mer-
cado, com a empresa resultante passando a ser denominada Sony Music
Entertainment Inc. (SMEI).117
O escritório regional em Belo Horizonte também funciona na casa
do próprio divulgador da gravadora, Carlos Alberto Capurucho, que tra-
balha no setor há quase 30 anos. Além dele, a empresa conta com um
representante de vendas, responsável pela capital mineira e interior.
De acordo com Capurucho, a tecnologia é forte aliada para ganhar
tempo na hora de fazer a divulgação dos produtos: “Muitos trabalhos
são apresentados pela gravadora às emissoras de rádio via internet
para adiantar sua chegada até o destino”.118 A ideia é que a Sony se
beneficie da tecnologia ao adaptar-se à nova realidade do mercado. A
digitalização do processo de divulgação dos fonogramas, no entanto,
não faz com que as mídias tradicionais como o CD e o DVD sejam dei-
xadas de lado.
De acordo com Capurucho, a sua rotina de trabalho é como a de
qualquer divulgador, especialmente diante desse quadro imposto pela
pirataria de CDs. “É dedicação exclusiva. É um trabalho de corpo a cor-
po para levar ao conhecimento das emissoras o lançamento de nossos
artistas, para que elas se dediquem mais na execução da música x ou y.
A partir de então, vamos ter reflexos no aumento das vendas e, conse-
quentemente, na quantidade de shows contratados”.
Para ele, o jabá não existe, nem nunca existiu, mas a resposta vem
acompanhada de um sorriso. Capurucho afirma que é obrigação de uma
emissora de rádio tocar a boa música. Os principais artistas da Sony
Music são Zezé de Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, Skank, J. Quest,
Capital Inicial, Ana Carolina e Adriana Calcanhoto, entre outros.

117. Sony compra 50% restantes da gravadora Sony BMG por US$ 900 mi. Disponível
em http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,OI3054781-EI4795,00.html. Acesso em
5/08/2008.
118. Entrevista ao grupo de pesquisa em 07/2008.

82 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


Gravadoras independentes
Dos cerca de cem sócios da Associação Brasileira da Música Independente
(ABMI) listados no website da entidade, apenas um está localizado em
BH. A gravadora é a Sonhos e Sons, que representa artistas mineiros
como Marcus Vianna e Sagrado Coração da Terra. Além dela, levanta-
mento preliminar realizado pelo nosso grupo de pesquisa entre pro-
dutores culturais e profissionais do mercado fonográfico, mostrou que
há, pelo menos, outras quatro gravadoras regionais com sede em Belo
Horizonte: Cogumelo Discos e Fitas, Do Brasil Projetos e Eventos Ltda,
Lapa Discos Ltda e Navegador Produções Fonográficas. É provável que
muitas outras gravadoras independentes atuem em Belo Horizonte e
apareçam em pesquisa posterior. O mercado fonográfico independente,
em Minas Gerais, é considerado efervescente e promissor pelo produtor
Rubem di Souza: “Para mim é maravilhoso. Belo Horizonte é uma cidade
que tem um movimento musical muito presente. (...) Tudo isso é inde-
pendente e só acontece no planeta Minas”.

Cogumelo Discos e Fitas


A Cogumelo Discos e Fitas conta com cinco funcionários que trabalham
em uma loja alugada no centro de Belo Horizonte. Ali, são realizadas
as atividades relacionadas às áreas administrativa, jurídica e de marke-
ting. A atividade-fim da empresa é praticamente toda terceirizada, ou
seja, produção, criação, gravação, fabricação e distribuição do material
fonográfico.
A Cogumelo foi fundada em 1980, como uma loja de discos. Cinco
anos depois, passou a abrigar a Cogumelo Records, a partir do lança-
mento do LP do Sepultura e do Overdose, com um lado do disco para
cada banda.119 Tem em seu catálogo artistas de todos os estilos mu-
sicais, com destaque para a música underground, heavy metal, punk e
hardcore. O administrador João Eduardo de Faria Neto,120 responsável
pelo marketing da Cogumelo, explica que a empresa já recebeu prêmios
como o Top of Mind, promovido pelo jornal Gazeta Mercantil, em 1996.
Mas, segundo João Eduardo, o prêmio não foi significativo para reforçar

119. http://www.cogumelo.com/portuguese/gravadora.htm Acesso em 30/06/2008.


120. Em questionário respondido, por e-mail, ao grupo de pesquisa. Recebido em
04/2007.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS 83


a imagem institucional da Cogumelo junto aos clientes, como era espe-
rado pela equipe.
A rotina de fabricação dos CDs e de outros produtos comercializados
pela empresa envolve relações com outros Estados. De Manaus chegam
os produtos fonográficos já fabricados e um distribuidor do Paraná se
responsabiliza por abastecer os pontos de venda em todo o país. A in-
ternet possibilita a conexão de Belo Horizonte com o mundo e as ven-
das para o exterior são realizadas pelo escritório central, via web. É por
meio da internet também que se faz a comunicação interna e externa
da gravadora.
O diretor financeiro da empresa, João Eduardo de Faria Filho,121 in-
forma que a Cogumelo utiliza equipamentos analógicos e digitais em
suas produções atuais. Por causa da falta de segurança na internet, a
empresa mantém um site institucional desde 2000. Ele explica que par-
te do acervo musical é disponibilizada pelo site www.imusica.com.br e
que a Cogumelo está acompanhando de perto as mudanças tecnológi-
cas do setor. Ele revela dois trunfos na atuação da gravadora: a remas-
terização, em CD, de clássicos da música underground, e a retomada da
produção de LPs a partir de 2008. O fato de trabalhar especialmente
com música underground exige estratégias diferenciadas da gravadora.
A Cogumelo reconhece que esse tipo de música não encontra espaço
nas emissoras de rádio tradicionais. Por isso, a mídia escolhida pela em-
presa para divulgar os produtos por ela representados é composta por
revistas segmentadas, como fanzines e webzines. Shows realizados pela
própria gravadora divulgam e promovem os artistas em Belo Horizonte,
em outras cidades e até mesmo em outros Estados.

Do Brasil Projetos e Eventos Ltda


Em 12 anos de existência, a gravadora Do Brasil coleciona alguns prêmios,
que reforçam a credibilidade da empresa no mercado mineiro. Entre os prin-
cipais estão o terceiro lugar no Prêmio Visa 2003, Prêmio Tim para Vander
Lee e melhor cantora do Troféu Faísca e semifinalista do Prêmio Visa, em
2002, para Alda Rezende. O mais recente é o prêmio de Melhor Disco de
Música Popular de 2007 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA),
concedido a Fernanda Takai pelo disco Onde brilhem os olhos seus.

121. Entrevista ao grupo de pesquisa em 07/2008.

84 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


Vinte e quatro funcionários – produtores artísticos, artista gráfico,
secretária e office-boy, entre outros – trabalham em casa alugada no
bairro Santo Antônio, na zona Sul de Belo Horizonte. O fluxo de pro-
dução se dá a partir da seleção do repertório musical do artista, da
definição da equipe, com produtor musical, e do estúdio de gravação,
além da geração do código ISRC122 para o controle dos direitos auto-
rais. Em seguida, se dão a mixagem (processo ou resultado de combinar
vários canais de som, amplificados e/ou gravados separadamente), a
masterização (prensagem de discos fonográficos) e o planejamento de
lançamento do CD. Para a divulgação do produto, a Do Brasil utiliza
ferramentas convencionais como assessoria de imprensa, contatos com
emissoras de rádio, internet e distribuição de flyers.
A publicitária Patrícia Ferreira Tavares, fundadora e sócia-diretora
da Do Brasil, aposta no processo de digitalização da indústria fonográ-
fica. Ela afirma que a empresa está atenta às novidades e vem imple-
mentando novas estratégias de divulgação dos cantores após a chegada
de ferramentas como a internet e o Ipod. Por outro lado, a publicitária
faz questão de lembrar que a ética tende a ser ameaçada em função de
algumas facilidades para se capturar músicas da internet. “O merca-
do, no momento, não tem ética, tentamos disponibilizar para as pes-
soas escutarem o CD ao invés de baixá-lo na internet, mas é realmente
difícil”,123 admite.

Lapa Ação Cultural Ltda


Duas empresas formam a Lapa Ação Cultural Ltda. A primeira delas foi
fundada há 20 anos, a Lapa Discos, que é gravadora de discos e editora
de livros infantis. A segunda, a Lapa Multishow, é uma casa de eventos
culturais e artísticos, inaugurada há 10 anos. Ambas funcionam no bair-
ro Santa Efigênia, zona Leste da capital mineira, em um galpão alugado,
de importante valor simbólico para os profissionais da área cultural. No
local, funcionava o antigo cine Santa Efigênia.
A Lapa Discos tenta um trabalho diferenciado das outras gravadoras
mineiras. De acordo com o diretor da empresa, Guilardo Veloso,124 que

122. International Standard Recording Code (Código Internacional de Normatização de


Gravações).
123. Entrevista ao grupo de pesquisa em 03/2007.
124. Entrevista ao grupo de pesquisa em 03/2007.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS 85


atua como produtor artístico, a Lapa busca valorizar a música folclórica e
regional. Ela chegou a ter vários funcionários e vendedores nas principais
capitais brasileiras, mas os custos de manutenção da empresa a levaram
à terceirização de serviços. Atualmente a Lapa não representa cantor al-
gum, mas lançou, nos últimos anos, 22 discos de catálogo. A produção
da empresa está parada no momento. O período de jejum na produção
fonográfica é atribuído pelo diretor da Lapa Discos à crise conjuntural.

Navegador Produções Fonográficas


A Navegador se desdobra em duas empresas: a Navegador Estúdio, criada
há sete anos, é um estúdio de gravação que cuida de todo o processo de
produção do disco. A Navegador Música, criada há cinco anos, é a responsá-
vel pela distribuição, comercialização, promoção e divulgação dos artistas.
A sede da Navegador Estúdio é uma casa própria, que fica no bairro Padre
Eustáquio, região nordeste da capital mineira. Já a Navegador Música fun-
ciona em uma casa alugada, na região central de Belo Horizonte.
Na Navegador Música, quatro profissionais realizam a comunicação
da empresa via e-mails e fazem contatos diversos, além de cuidarem dos
contratos e do gerenciamento de uma editora, que funciona como um
banco de músicas. O artista que vai gravar um trabalho, mas não tem
repertório próprio, pode fazer uso desse banco de músicas elaboradas
por um compositor contratado. O fluxo de produção de um disco pela
empresa leva de dois a três meses e o processo de divulgação consome
de seis meses a um ano, dependendo da capacidade de investimento
do artista.
O diretor artístico da Navegador, Eduardo Toledo, fundador das em-
presas, explica que as gravações são realizadas em sistema digital, haven-
do, inclusive, a utilização de unidades portáteis quando se faz necessário.
“A vantagem do digital é que te permite recursos de edição mais sofistica-
dos do que o analógico. Por isso, hoje, eu só gravo com digital”,125 afirma.
Eduardo Toledo lembra, no entanto, que antes de se pensar em aparatos
tecnológicos, é preciso ter bons equipamentos, como microfones, além
de bons músicos e bons instrumentos musicais.
O mercado fonográfico brasileiro teria se tornado um feudo nas pa-
lavras do diretor da Navegador. Ele explica que a cobrança em dinheiro

125. Entrevista ao grupo de pesquisa em 03/2007.

86 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


por algumas emissoras de rádio para tocar determinadas músicas in-
viabiliza o lançamento de novos artistas. Ainda assim, o caminho para
a divulgação dos artistas são as promoções em rádio: “No interior, se
você quer tocar uma música, tem que dar um aparelho de DVD para a
emissora. Há emissoras em São Paulo, por exemplo, que pra você tocar
lá, fechar uma promoção por três meses, tem que pagar 60 ou 70 mil
reais. Se aparece artista novo, ou é filho de artista ou é filho de rico.”
Uma das sócias da Navegador, Cristiane Abreu,126 diz que a empresa
tem procurado alternativas para se diferenciar no mercado. “Estamos
apostando no fortalecimento da equipe e abrindo novos espaços como
a criação de uma emissora na web .”127

Sonhos & Sons


O selo independente Sonhos & Sons, criado pelo músico Marcus Vianna,
em 1982, tem sede no bairro Serra, zona Sul de Belo Horizonte. De
acordo com a gerente comercial da empresa, Laura Teatini Viana,128 a
Sonhos & Sons conta com 14 funcionários e se divide em duas áreas:
estúdio (para gravação, mixagem e masterização) e distribuição de CDs.
“Atualmente, nossa demanda maior tem sido a elaboração de projetos
para captação de recursos previstos na Lei de Incentivo à Cultura.”
Além do compositor Marcus Vianna, o selo Sonhos & Sons é utilizado
por artistas como Celso Adolfo, Geraldo Vianna, Tadeu Franco, Rubinho
do Vale e o Grupo Uakti. Entre as trilhas sonoras da gravadora, o desta-
que é para as produções televisivas Pantanal, Chiquinha Gonzaga, Terra
Nostra, Aquarela do Brasil, O Clone, A Casa das Sete Mulheres, Olga e
Filhas do Vento. O repertório da gravadora traz, ainda, músicas infantis,
rock progressivo, música instrumental e colonial erudita.129

Considerações finais
Pelo menos dois fenômenos provocam mudanças no mercado fonográfi-
co mundial, com consequência, como não poderia deixar de ser, para as

126. Entrevista ao grupo de pesquisa em 07/2008.


127. www.delaswebradio.com.br
128. Entrevista ao grupo de pesquisa em 07/2008.
129. Cf site www.sonhosesons.com.br. Acesso em 06/2008.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS 87


empresas que atuam em Minas Gerais: a pirataria e a internet. O Estado
conta hoje com escritórios regionais de três das maiores empresas da
indústria fonográfica mundial: EMI Music, Sony Music, e Universal
Music. Todas têm estrutura física modesta, com poucos funcionários,
geralmente um divulgador experiente que também é o representante
comercial, e utilizam poucos recursos tecnológicos como ferramenta de
trabalho. Entre as atividades constantes, estão a divulgação e a promo-
ção dos artistas e das músicas, o relacionamento com as emissoras de
rádio e o monitoramento das músicas tocadas nas emissoras por meio
de uma empresa terceirizada, além da participação em shows dos artis-
tas contratados. A internet é a ferramenta utilizada tanto para o envio
de material às rádios quanto para o acompanhamento da execução das
músicas pelas emissoras.
As gravadoras consideradas independentes encontram nichos de
mercado para trabalhar no Estado. Registramos as atividades de pelo
menos cinco delas em Belo Horizonte: Cogumelo, Do Brasil, Lapa,
Navegador e Sonhos & Sons. Algumas se dedicam à música underground,
como a Cogumelo, enquanto outras buscam valorizar a tradição minei-
ra, como a Lapa. Por questão de sobrevivência, uma parece não atuar
no segmento da outra. A terceirização foi o caminho encontrado pela
Cogumelo e pela Lapa para garantir a produção e a industrialização
de fonogramas musicais. Outras, no entanto, como a Navegador e a
Sonhos & Sons, realizam todas as fases do processo de produção.
As grandes gravadoras não admitem, mas as pequenas enfrentam
com frequência a tentativa de algumas emissoras de rádio de garantir
recursos financeiros, o chamado jabaculê, para que determinados ar-
tistas tenham espaço na programação. Por isso, como o próprio nome
indica, as independentes costumam buscar formas alternativas de di-
vulgação de suas produções.
Multinacionais e independentes se adaptam à nova realidade do
mercado, lidando com a pirataria física e eletrônica, além de se moder-
nizar para a geração de conteúdo digital. Algumas, como a EMI Music,
lançam produtos exclusivamente on-line, sem a produção de CDs, con-
firmando tendência apontada pela Associação Brasileira de Produtores
de Discos (ABPD).
O registro da memória das gravadoras, especialmente das multina-
cionais, praticamente inexiste em Minas Gerais. Como parece não haver
preocupação com o resgate dos fatos que marcaram a trajetória dessas

88 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


empresas, a história da indústria fonográfica em Minas tem passado
despercebida, sem informações escritas ou audiovisuais. O pouco que
se tem está na lembrança dos profissionais mais antigos no ramo.

Referências bibliográficas
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2006. 44 p.
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Federal do Rio de Janeiro, 2001. (Monografia de graduação.)
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3, s/d.
DE MARCHI, Leonardo. A nova produção independente: mercado fonográfico e as
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2004.
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http://www.abpd.org.br. Acesso em 19 jun. 2008.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS 89


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DE MORAES, Dênis. A lógica da mídia no sistema de poder mundial. Revista de
Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, v. VI, n. 2,
maio-ago. 2004. Disponível em: http://www.eptic.com.br. Acesso em: 4 maio
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Report 2008. Disponível em: http://www.ifpi.org. Acesso em: 19 jun. 2008.
SONHOS & SONS. Disponível em: http://www.sonhosesons.com.br. Acesso em:
30 jun. 2008.

90 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS


TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA
FONOGRÁFICA NA BAHIA

Ayêska Paulafreitas

Este trabalho tem por objetivo apresentar um panorama da indústria


fonográfica no estado da Bahia, situando-a no contexto nacional e mun-
dial. Para tanto, abrange um período que inicia em 1960 – com a criação
da Gravações JS e do selo JS Discos, pioneiros e únicos até 1975 – e che-
ga à cena independente atual, na qual se encontram inúmeros selos e
editoras, alguns criados para atender a um único artista ou segmento
musical. Destaca-se a atuação dos Studios WR e do produtor Wesley
Rangel, responsável pelo lançamento da maior parte dos artistas de
sucesso da música baiana nas décadas de 1980 e 1990.

Salvador, anos 60
Desde a segunda metade da década de 1950, na esteira do desenvolvi-
mentismo do governo JK, a cidade do Salvador vivia em ebulição cultu-
ral. O reitor Edgard Santos, da Universidade da Bahia, compreendendo
a vocação artística da cidade, criou os Seminários de Música (1954),
para onde o maestro Kollreuter levou a dodecafonia; a Escola de Dança
(1956) que viria a ser o primeiro curso superior de dança no Brasil, co-
ordenado pela polonesa Yanka Rudzka, uma das pioneiras na dança mo-
derna mundial; e a Escola de Teatro (1956), dirigida por Eros Martim
Gonçalves, que contava com professores do Actor’s Studio. Somando-se
à antiga Escola de Belas Artes,130 esses cursos atraíam gente de todo

130. Criada em 1877 por Miguel Navarro y Cañizares e incorporada à Universidade por
Edgard Santos em 1948.

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 91


o país para uma cidade que começava a se modernizar e apostava na
cultura – nessa época surgiram, por exemplo, o Museu de Arte Popular,
o Teatro Castro Alves e o cinema novo de Glauber Rocha. Em 1960,
Salvador contava com cinco grandes jornais diários (A Tarde, Jornal da
Bahia, Diário de Notícias, Estado da Bahia, Diário da Bahia), três emisso-
ras de rádio (Rádio Sociedade da Bahia, Rádio Excelsior, Rádio Cultura)131
e preparava-se para receber sua primeira emissora de televisão, a TV
Itapoan, inaugurada em novembro de 1960.
A década em que estourou a ditadura militar foi também a que re-
velou nacionalmente os baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria
Bethânia, Tom Zé, Gal Costa – os tropicalistas que saíram em busca do
sucesso no eixo Rio-São Paulo. Mas permaneceram na Bahia artistas
representativos da música local, alguns dos quais lançados nacional-
mente nos festivais que marcaram a década. O principal espaço para
divulgação do trabalho dos que ficaram eram as rádios locais e a TV
Itapoan.

Gravações JS
Três meses antes da inauguração da TV, em agosto de 1960, o radia-
lista e músico Jorge Santos,132 atento ao mercado que surgiria, criou a
Gravações JS, que viria a ser a primeira gravadora e o primeiro selo mu-
sical da Bahia, o JS Discos – na época, só havia uma gravadora em todo
o Norte-Nordeste: a Mocambo, em Pernambuco (Sousa; Maranhão Filho,

131. As emissoras de rádio apresentavam musicais com cantores nacionais e interna-


cionais, acompanhados por pequenos conjuntos ou por grande orquestra com cordas e
sopros, e revelaram artistas que permaneceram por muito tempo no cenário do show e do
disco. Alguns migraram para a TV Itapoan que, como outras dos primórdios da televisão
brasileira, apostou nos grandes musicais, a exemplo do Escada para o Sucesso, coman-
dado por Nilton Paes, no qual foram revelados nomes como Maria Creuza e Tom Zé – que
subiu a escada por conta de uma música chamada “Rampa para o Fracasso”. José Jorge
Randam, apresentador da televisão baiana, apresentava, em parceria com Jorge Santos,
o programa J & J Comandam o Espetáculo, levado ao ar aos sábados, das 17:00 às 18:30,
destacando-se um quadro de calouros chamado “Céu ou Inferno”.
132. Em 46, quando era aluno da Escola de Música do maestro Pedro Jatobá, Jorge Santos
estreou no programa Caderno de Música, da Rádio Excelsior, onde acabou comandando
um programa de auditório. Depois trabalhou na Cultura e na Sociedade e dirigiu a Piatã
FM. Fundou em Salvador um sistema de música funcional, o Musifam – Música Funcional
Ambiente, por linha telefônica. A sua entrada no meio publicitário tem início nos anos
40, quando foi fazer teste para locutor da Rádio Excelsior, e Reinaldo Moura, o locutor-
chefe, lhe disse: “Você passou no teste, mas você só vai sentar na cabine pra ser locutor
se vender anúncio” (Santos, 2004).

92 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


2007). Em seguida, junto com José Jorge Randam, criou a Publicidade
Chama, agência produtora de comerciais que nasceu para atender à TV
Itapoan e veio a ter uma filial em Sergipe: a Chama Aracaju.
Como a publicidade da época, quando não era feita ao vivo com
garotas-propaganda, reproduzia o modelo radiofônico porque não
havia videotape,133 Jorge Santos só precisava de um pequeno estúdio
de gravação, e a JS funcionou inicialmente em uma sala de apenas 20
metros quadrados e sem ar refrigerado, por isso apelidada de “estúdio
de ar comprimido”, no quinto andar do Edifício Sulacap, localizado na
confluência das ruas Carlos Gomes e Sete de Setembro, bem defronte
à Praça Castro Alves, centro da cidade. O equipamento restringia-se a
uma mesa Supersom, fabricada em São Paulo, um gravador importado
Ampex 600 de 4 canais, uma máquina de gravar acetato americana,
marca Rek-O-Cut, e microfones Newman. Em 1964, a JS passou a ocu-
par todo o terceiro andar do Edifício Martins Catharino, situado numa
transversal da rua Chile, então o lugar mais chique da cidade, tornan-
do-se capaz de acolher uma orquestra com 20 músicos. Recebeu trata-
mento acústico, planejado e executado pelo engenheiro Jorge Coutinho,
e teve como técnicos Américo Ribeiro e Djalma Bahia, sendo que este
último trabalhou na empresa por cerca de 15 anos, até o encerramento
das atividades, em 1982.
A expansão física da JS foi resultado do crescimento e diversificação
da produção: além das locuções de spots, começaram a gravar jingles,
o que abriu as portas para músicos, cantores e compositores, como
aquele que chegou “com uma sanfona debaixo do braço e o talento
dos escolhidos por Deus: Gilberto Gil. Foi então que apareceram jingles
deliciosos, um dos quais, da Calba, teria tudo para ser preservado, como
memória” (Berimbau, 2004).134 A passagem do jingle para a música se
deu naturalmente:

133. Segundo Fred Souza Castro (2007), diretor da TV Itapoan nos seus primeiros anos,
a publicidade veiculada, com produção local, era feita ao vivo ou com imagens em still e
áudio em off, no formato do spot radiofônico. Os slides que surtiam melhor efeito na tela
da TV eram os produzidos com letras amarelas em fundo preto, que ajudava a “descolar”
as letras, dando a impressão de que saltavam. Raramente exibia-se um filmete, mas este
não era produzido na Bahia.
134. “Você pensava que fosse impossível/Mas afinal seu calçado chegou/ É mais durável,
pois é flexível/ É bossa nova que a Calba criou” – era a letra do jingle. Mas, além dos
Calçados Calba, havia outros clientes assíduos: lojas O Cruzeiro, Milisan, Polígono Filmes,
Fratelli Vita, Casa Alberto, Laranja Turva, Envelopes de Ouro.

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 93


O estúdio, às tardes, era uma maravilha. Pra ganhar
dinheiro, eu tinha o estúdio, de manhã, para propagan-
da. À tarde, a gente se via. Lacerda ia pra lá, ficava no
piano, batendo, batendo, batendo... E tinha Tom e Dito,
tinha toda uma raça bonita lá dentro. (Santos, 2004)

Nessa época, a música não era compreendida como um produto


com valor de mercado, como o jingle, e a JS era também ponto de en-
contro de artistas. Além do maestro Carlos Lacerda e do Trio Inema,
que se transformou na dupla Tom & Dito após a saída de Douglas, gra-
vavam na JS a cantora Maria Creuza, a dupla Antonio Carlos e Jocafi
(depois famosa com a música Você Abusou), José Emmanuel, Ilma
Gusmão, Luis Berimbau, Aloísio Silva, Ivan Reis, Oswaldo Fahel, Diana
Pequeno, Carlos Gazineo, Celeste, Claudete Macedo, Gilberto Batista,
José Canário, Odraude Silva, Antônio Moreira, Fernando Lona, Trio
Xangô, As Três Baianas; os músicos Fernando Lopes, Tuzé de Abreu,
Kennedy, maestro Chachá (Alberto Aquino), Perna Fróes, Jessildo Caribé,
Toninho Lacerda, Cacau do Pandeiro, Vivaldo Conceição, Alcyvando Luz,
Carlinhos Marques, Tom Tavares, Hermano Silva, Geraldo Nascimento,
Perinho e Moacir Albuquerque, Edil Pacheco, Ederaldo Gentil, Walter
Queiroz... Também deixaram registro os sambistas tradicionais da
Bahia: Batatinha, Panela, Riachão e Tião Motorista,135 e a família de
Osmar Macêdo, da dupla Dodô & Osmar que inventou o trio elétrico em
1950: a banda formada pelos filhos Aroldo, Betinho e André trazia como
atração principal o caçula Armandinho.136 Outro espaço de concentra-
ção de talentos eram os festivais que, a exemplo do Sudeste, também
aconteciam na Bahia: Festival do Samba, Festival do Nordeste, seção
Bahia de O Brasil canta no Rio, Festival de Música Popular da Bahia e
outros no interior do estado, como o I Festival Regional da Canção, em
Ilhéus (1968), que teve disco gravado na JS.
Nessa efervescência musical, Jorge Santos garimpava o cast da JS.
Duas jovens cantoras vindas da cidade de Ibirataia, Cylene e Cynara,
destacaram-se no programa Escada para o Sucesso e passaram a gravar

135. Batatinha é Oscar da Penha; Tião Motorista é Raimundo Cleto; Riachão é Clementino
Rodrigues.
136. Revelação do programa A Caminho da Grande Chance (preliminar local do A Grande
Chance, de Flávio Cavalcanti), Armandinho foi apontado como gênio do bandolim. Na
década de 1970, criou com outros músicos a banda A Cor do Som e hoje é guitarrista
mundialmente reconhecido.

94 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


jingles. Como os grupos vocais estavam em voga, juntou à dupla a apre-
sentadora Ana Lúcia e formou o trio As Três Baianas, que deu origem ao
Quarteto em Cy. Com elas, Jorge Santos gravou o disco As Três Baianas
cantando Gilberto Gil, em 1962, que inaugurou o selo JS Discos.

A primeira música que Gil compôs chama-se Bem deva-


gar, que está desaparecida. Quinhentas cópias. E esse
disco não existe. Gil acompanhou as meninas no acor-
deon. Eu fiz o arranjo. Das nove músicas que ele gravou
no estúdio só está faltando essa, no meu acervo só tem
oito músicas. Depois eu negociei essas músicas, o direi-
to do fonograma, com Marcelo Fróes, que é produtor de
Gil, e recebi um presente dele espetacular. Eles pegaram
as oito músicas, fizeram um CD, e quando lançaram o
Baú do Gil eu recebi um CD único, com as oito músicas
que foram gravadas na JS (Santos, 2004).

Nesse mesmo ano, Gilberto Gil fez sua primeira gravação como in-
térprete em um 78 RPM em cera de carnaúba, com as músicas “Coça,
Coça Lacerdinha” e “Povo Petroleiro”, uma homenagem de Everaldo
Guedes, funcionário da Petrobras, aos colegas de profissão. Em 1963,
gravou um compacto duplo em 33 RPM, Gilberto Gil: sua música, sua in-
terpretação, no qual aparece como autor e intérprete de quatro músicas:
“Serenata do Telecoteco”, “Maria Tristeza”, “Meu Luar, Minhas Canções”
e “Vontade de Amar”. Nesse mesmo ano, saiu seu segundo disco pela JS,
também em 78 RPM, com as músicas “Decisão (Amor de Carnaval)”, de
sua autoria, e “Vem Colombina”, de Silvan Castelo Neto e Jorge Santos.
A JS era uma extensão da TV Itapoan, que foi responsável pela re-
velação de praticamente todos os artistas da música surgidos naquela
década. Ali, os talentos locais tinham oportunidade de encontrar ar-
tistas vindos “do Sul como Elis Regina, Jair Rodrigues, Silvio Caldas,
Clara Nunes, Lana Bittencourt, Gregório Barrios e muitos outros, nos
dava a oportunidade de comparar nosso valor, sentíamos quase sempre
que estávamos no mesmo nível, entretanto, estávamos na Bahia” (José
Emmanuel, 2004). Estar na Bahia significava não ter acesso às gravado-
ras, à divulgação, ao sucesso.137

137. Em seu lugar de origem, a música baiana sofria preconceito: “Um dia apresentei a
Lacerda, que era diretor musical, o Trio Inema, ele os colocou no programa, iriam cantar
uma música minha. Miranda Filho [diretor da emissora] não gostava nem permitia que
cantássemos músicas da Bahia desconhecidas, e quando perguntaram a eles de quem era

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 95


Embora tenha dado o pontapé inicial no disco baiano e registrado
em fonogramas os primeiros passos de artistas que chegaram a ter re-
conhecimento nacional, a JS não foi adiante, segundo José Emmanuel,
porque

Não havia divulgação, não havia um planejamento


com as rádios para divulgação, mesmo sendo um ho-
mem de rádio também, não acontecia nada, o próprio
artista ia pedir às rádios para tocar o disco, nenhuma
distribuição ou muito pouca era feita pela gravadora.
(...) Teve que chegar a WR para dar início ao processo.
(Emmanuel, 2004)

Studios WR
No que se refere à gravação de música e à existência de um selo, a JS
foi pioneira e, durante toda a década de 1960, esteve sozinha no mer-
cado de gravações da Bahia,138 mas em 1975 o administrador Wesley
Rangel instalou um novo estúdio no edifício A Tarde, na Praça Castro
Alves, para atender ao mercado publicitário.139 Até o início da década
de 1980, a quase totalidade da produção dos Studios WR Gravações e
Produções era de jingles para rádio e TV, com algumas raras exceções:
os discos São Jorge dos Ilhéus, de um grupo de instrumentistas lidera-
dos por Saul Barbosa; a música caatingueira de Ubiratan; Os Ingênuos;
Osmar Pinheiro; Josmar Assis; Sertania: Sinfonia do Sertão (1983), de
Ernest Widmer e o experimentalismo de Walter Smetak.
Para atender ao mercado de jingles, Rangel mantinha uma banda
de estúdio, cuja base era formada por Toninho Lacerda nos teclados e
arranjos, Carlinhos Marques no baixo e Leléu na bateria. Aos poucos a
banda foi ampliando-se, com os vocalistas Silvinha Torres e Paulinho

a música, eles disseram que era de Vinicius de Moraes, assim cantaram ‘Menino do Acaçá’
várias vezes sem problema. Lacerda se divertia” (José Emmanuel, 2004).
138. Há notícia de gravações de jingles para campanhas políticas em estúdio de emissora
de rádio no Centro Histórico de Salvador: “Nós fizemos uma gravação, e não foi pra cá.
Foi uma gravação pra político. Música. Era Leandro Maciel, que era sergipano. O maestro
foi Aurindo, o saxofonista que toca com Roberto Carlos, ele vive no Rio. Eu me lembro que
Deny Moreira estava cantando” (Cacau, 2004).
139. A WR mudou-se depois para uma casa na rua Manoel Barreto, bairro da Graça, e hoje
tem sede própria, com vários estúdios, na rua Maestro Carlos Lacerda Garibaldi, bairro
do Rio Vermelho.

96 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


Caldas, que trouxeram o guitarrista Luiz Caldas e a cantora Sarajane.
Com a morte de Leléu em 1982 e a de Toninho Lacerda em 1984, a ban-
da ganhou nova formação: “Carlinhos no contrabaixo, guitarras Luiz
Caldas (e vocais), Silvinha e Paulinho Caldas nos vocais, Toni Mola e
Carlinhos Brown na percussão, Cesinha na bateria e Alfredo Moura re-
vezando com Luizinho Assis nos teclados” (Rangel, 2004). Era pratica-
mente a banda Acordes Verdes, criada por Luiz Caldas.140

No início dos anos 80, a WR já havia lançado, com festa


no Circo Troca de Segredos, o compacto Luiz Caldas e
Acordes Verdes que tinha, no lado A, a música “O Beijo”
(Acordes Verdes); no lado B, “Como um Raio”, uma
canção em homenagem ao jogador de futebol Osny.
Em 1984, Rangel iniciou as experiências com a ban-
da de estúdio: gravou “Mrs Robinson”, em dueto de
Luiz e Paulinho Caldas, “Nouai” e o reggae “Visão do
Cíclope”,141 estas na voz de Luiz Caldas,142 e mandou
em fita demo para as rádios. Nessa época, rádio baiana
não tocava música baiana, mesmo porque a produção
fonográfica local era praticamente inexistente desde
que a JS fechara as portas em 1982. A programação era
majoritariamente de música estrangeira romântica, à
exceção da Educadora FM que, embora tivesse por slo-
gan “Só dá Brasil”, fazia uma programação seletiva, que
excluía segmentos populares como a música brega e a
de carnaval. Mas na Itapoan FM, o experiente radialis-
ta Cristóvão Rodrigues, atuante em rádio e TV, decidiu
arriscar e expô-las ao público. Até então, a identidade

140. Nessa época houve uma certa mistura entre a Acordes Verdes, criada e batizada por
Luiz Caldas em 1980, que se apresentava no trio elétrico Tapajós, e a banda de estúdio
da WR, formada e contratada por Rangel. A maioria do músicos integrava uma e outra, e
ambas sofreram mudanças em suas formações. A Acordes Verdes aliava a sonoridade de
trio elétrico – duas guitarras baianas e baixo – às composições de artistas locais, que se
inspiravam no movimento de corpo do próprio público e nos fatos do cotidiano de bairros
populares. Tinha influências de outras bandas, especialmente a Chiclete com Banana, e
de compositores da geração anterior, como Moraes Moreira e Caetano Veloso, que deram
importantes contribuições ao carnaval baiano. Mas a banda de estúdio, dirigida por um
empresário, estava voltada para o mercado e visava ao lucro.
141. “Mrs Robinson” (Paul Simon, 1968); “Nouai” (Val Macambira e Enzo); “Visão do
Cíclope” (Jéferson Robson, Carlinhos Brown e Luiz Caldas).
142. Segundo Carlinhos Marques (2005), “Luiz Caldas já era um personagem de destaque
no [trio elétrico] Tapajós, como band leader, guitarrista e cantor, seguindo a trilha de
Moraes Moreira” e puxando o bloco Beijo com a banda que nominara de Acordes Verdes.

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 97


da nova música baiana, aquela que viria a ser batizada
por axé music, ainda não havia se constituído, mas, no
carnaval de 1984, tocava nas barracas de rua a lambada
“Quero Você”,143 um grande sucesso popular, e Rangel
percebeu que a sensualidade daquela música chamava
mais atenção do que o trio elétrico que passava com
aqueles frevos tocando. Era mais sensual, era mais... era
bom de paquerar, era mais... era bom de você dançar, de
brincar o carnaval. Então, as pessoas da barraca, elas
se deliciavam com essas músicas. Aí foi que eu pensei:
vamos começar a gravar o disco de Luiz Caldas e vamos
começar a encontrar músicas desse gênero (Rangel,
2004).

Essa música de forte sotaque caribenho encontrava solo arado por


um grupo de instrumentistas de diversas partes do mundo – alemão,
sueco, chileno, argentino e baiano – que se reuniam para tocar salsa
em um bar frequentado por jornalistas, artistas e intelectuais atraídos
principalmente por sua música marcada pela sensualidade, com uma
sonoridade diferente, piano e sopros tocando “autêntica música caribe-
nha, mas com um forte tempero baiano”:144 era a banda que veio a se
chamar Rumbahiana.
O projeto do disco de Luiz Caldas, no entanto, só foi definido com o
estouro da música “Fricote (Nega do cabelo duro)”, primeiro na Itapoan
FM, depois nas festas de largo do verão. Nas barracas da Festa de
Iemanjá, a música emparelhava com “Escrito nas Estrelas”, hit nacio-
nal na voz de Tetê Espínola. O entusiasmo do público deu a Rangel a
garantia de que poderia fazer o disco Magia145 (1985), que lançaria um
novo ritmo: o ti-ti-ti, e que marcaria o nascimento da axé music. Esse
disco, que foi o estopim dos bons negócios da WR, curiosamente não

143. “Meu amor / Não se esqueça de mim / Por favor, diga que sim / Eu não consigo esque-
cer você / Ouça meu bem o que eu vou lhe dizer // Quero você / Quero você / Quero você
/ Todinha pra mim // Meu amor / Só uma condição / Pra me poder fazer você feliz / Quero
ser dono do seu coração / Você é a coisa que eu sempre quis // Quero você...” (Quero você,
de Carlos Santos e Alípio Martins).
144. Cf. http://www.salsa.com.br.
145. Faixas: “Magia” (L. Caldas), “Tilintar” (L. Caldas), “Visão do Cíclope” (Jeferson Robson,
C. Brown, L. Caldas), “Sonho bom” (Silvinha Torres, Paulinho Caldas, Alfredo Moura),
“Nouai” (Val Macambira, Enzo), “Fricote” (Paulinho Camafeu, Luiz Caldas), “Pinta jamai-
cana” (Edmundo Carôzo, L. Caldas), “A vida é assim” (Zé Paulo), “Contramão” (Silvinha,
Alfredo Moura), “Nara” (L. Caldas).

98 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


levou o selo da gravadora. O processo foi assim resumido por Carlinhos
Marques:

Um fato importante: a Acordes Verdes, com a explosão


de uma música que não tinha característica nenhuma,
não se identificava com nada que a gente fez nos dois
ou três anos anteriores, foi escolhida pra fazer parte de
um disco, do selo Nova República, uma sociedade entre
Roberto Sant’Ana e Brizolinha. Resolvemos rejeitar EMI,
CBS, PolyGram, Som Livre, para fazer um trabalho com
uma gravadora nova, que levava o símbolo da abertura,
da democracia (Marques, 2005).

Nesse início dos anos 80, época de tantas aberturas, também co-
meçavam a ganhar mais espaço no carnaval os blocos afro – blocos
carnavalescos de afirmação étnica e música de base percussiva –, e o
Olodum despontava com seus tambores sob o comando de Neguinho
do Samba, mostrando uma ritmia própria que atraiu músicos estran-
geiros como Paul Simon e Mickael Jackson ao Brasil para gravar seus
clipes no Pelourinho. Essa levada – denominada samba-reggae – acabou
contribuindo para a formação da identidade que iria ter a nova música
baiana. O disco Magia, a banda Acordes Verdes e o reconhecimento da
música dos blocos afro, especialmente o samba-reggae do Olodum, de-
terminaram o carnaval de 1985 como o marco histórico do nascimento
de um movimento de renovação da música popular de rua batizado
pejorativamente de “axé music” por um jornalista adepto do rock.

Então, a música baiana, ela nasce com várias influên-


cias genéticas, principalmente a influência da salsa, do
merengue, do carimbó, e recebe, junto com isso, essa
influência dos tambores do Olodum. Então, tudo isso
resultou numa música extremamente rica, do ponto de
vista rítmico, de letra simples, porque surgida basica-
mente no povão (Rangel, 2004).

Das ruas, a axé music foi para o programa do Chacrinha, que apa-
drinhou Luiz Caldas, Sarajane146 e Zé Paulo, dando visibilidade nacional
a uma música que nascia associada a uma coreografia alegre e sensu-

146. Sarajane caiu nas graças da Rede Globo e participou também de 14 programas “Os
Trapalhões”.

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 99


al. O rádio baiano passou, então, a tocar música baiana, dando espaço
a outros artistas. Em 1991, Daniela Mercury estourou com a música
“Swing da Cor”147 e, no ano seguinte, fez um grande show na Praça da
Apoteose, no Rio, no qual a canção “Canto da Cidade” se consagrou. O
show, transmitido pela Rede Globo, contribuiu para o acesso da mú-
sica produzida na Bahia a esta e outras emissoras. Os anos 90 foram
a década da axé music, mas não é possível dizer que concentrava-se
na Bahia o ciclo produção-circulação-consumo. Banda Reflexus, Banda
Mel, Daniela Mercury, É o Tchan, TerraSamba, Companhia do Pagode,
Timbalada, Araketu, As Meninas... segundo Rangel, “100% dos sucessos
da música da Bahia iniciaram suas gravações na WR”. No entanto, essas
gravações entraram no mercado com selos de gravadoras nacionais,
como a Continental, a Eldorado, a PolyGram e a Nova República, porque
a WR não tinha como fazer a distribuição de seus produtos.

Novos selos e editoras


Acompanhando a tendência nacional, a cena independente na Bahia se
mostra bastante movimentada desde meados dos anos 90, apesar de
pulverizada em diversas entidades. A Associação Brasileira de Música
Independente – ABMI (São Paulo, 2002), por exemplo, tem poucos as-
sociados na Bahia: a Cooper-arte, cooperativa de artistas de diversos
segmentos, e os selos Estrela do Mar, Maianga Discos, Muralha Records
e Caco Discos. No entanto, a ideia da criação da ABMI nasceu na Bahia,
em 1994, durante a realização do Pré-ENGAI (Encontro Nacional de
Gravadoras e Artistas Independentes), que veio a ter sua primeira edição
no ano seguinte, com a participação de Tarik de Souza e Fernando Brandt
(Santana, 2007). Quanto às editoras, embora a Associação Brasileira dos
Editores de Música – ABEM (1973) tenha apenas seis associados baia-
nos – Caco Discos Produção Ltda, Candyall Music Produções Artísticas
Ltda, Duma Criações e Produções Artísticas, Fábrica da Música, Leke
Empreendimentos Artísticos Ltda e Maianga Produções Culturais Ltda
– há outros editores e selos locais.
A cena do rock, por exemplo, é bem rica e já projetou nomes como
Cascadura e Pitty, hoje celebridade nacional. Na primeira edição do
Tomada Rock Festival, em 2005, cinco selos (Atalho Discos, Estopim

147. Do disco Daniela Mercury, produzido pela cantora e Wesley Rangel para a Eldorado.

100 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


Records, BigBross Records, MUV Discos e Maniac Records)148 se reuni-
ram para criar a ABASIN – Associação Baiana de Selos Independentes,
que agregava a maior parte das bandas baianas independentes do seg-
mento, mas em 2008 só BigBross, Estopim e MUV continuavam em ati-
vidade. A Maniac, criada em 1988, manteve uma loja de discos e aces-
sórios, investiu em shows e, em 1990, lançou a Mystifier, banda de black
metal que se tornou cult, faliu no ano seguinte e foi reaberta em 1999;
em 2001, lançou a banda Carnified e depois se tornou produtora e gra-
vadora. Segundo Janotti Jr. (2004), era o único selo baiano especializado
em heavy metal em Salvador e o principal responsável pela divulgação
da produção local em revistas nacionais. A Estopim nasceu em 1999
para distribuir material de bandas de hardcore em Salvador e tornou-se
um dos maiores selos de hardcore do país, com 15 lançamentos em CD
de bandas do Brasil, Chile e Estados Unidos. Além de loja e estúdio para
ensaios e gravações, realizou shows em Salvador e em 2008 inaugurou o
braço virtual do selo com a banda Veredicto. A BigBross, criada em 2002
pelo produtor de rock Rogério Britto (o Big) lançou, entre outras, as
bandas Soma, Brinde, brincando de deus, Zambotronic e as que foram
consideradas por Castro Jr. (2009) as mais importantes de Salvador: a
Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta, a Cascadura – hoje com 17 anos
de estrada, quatro discos e o DVD Efeito Bogary, recém-lançado pelo
selo baiano independente Pianoforte – e a Retrofoguetes. Em 2009, os
produtores BigBross, Cássia Cardoso e Theo Filho, todos com larga expe-
riência em shows e festivais, se reuniram para lançar o Coletivo Quina
Cultural, com o propósito de levar o festival Grito do Rock para Salvador
e fortalecer a agenda no interior do estado.
Nos demais segmentos, as editoras baianas têm um cast muito re-
duzido; foram criadas para proteção da autoria de obras de poucos au-
tores, caso da Páginas do Mar (Daniela Mercury), Cocobambu (Durval
Lelys) e Candyall Music (Carlinhos Brown). O destaque fica para a edito-
ra e selo Jupará Records (1995), situada no município de Itabuna, região
sul do estado, que lançou coletâneas de música regional, editou cerca
de 1.300 músicas e assinou projetos de bandas e cantores de sucesso
local, como Cacau com Leite e Guiga Reis, e proporciona a seus artistas
divulgação no exterior: “Já tivemos 23 inclusões de músicas nossas no

148. A Atalho lançou as bandas Autômata, Cobalto, Malcom e Mirabolix (2005), Plane of
Mine e The Honkers (2006). A MUV não está presa a um estilo; lançou a banda Flauer e
administra uma casa de eventos.

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 101


programa World Chart Show, produzido em Los Angeles e transmitido
por 150 rádios mundo afora. Tivemos duas faixas incluídas em coletâ-
neas latinas da TM Century, de Dallas, Texas” (Leal, 2007). A venda é
feita em pequenos pontos como bancas e padarias, mas em breve será
exclusivamente pela internet.
Outro selo importante é o Pelourinho, criado em 1990 pelo músico
Bira Santana (um dos responsáveis pelo Festival de Música Instrumental
da Bahia, 16ª edição em 2009), que segue a linha cult e tem em seu
portfólio mais de 20 CDs, a maioria de conceituados artistas locais da
música instrumental, como Ataualba Meirelles, Sergio Souto, Aderbal
Duarte e Zeca Freitas; mas também faz resgates históricos como os da
obra do maestro Lindemberg Cardoso, os poemas musicados de Castro
Alves, além de uma parceria com o Itaú Cultural para integrar a caixa
Cartografia Musical Brasileira. A Maianga Discos149 tem o diferencial de
não se ater à produção local: criada para valorizar artistas mais autorais
e fora do padrão do mercado, respondeu por CDs de Elza Soares (Do
cóccix até o pescoço, 2002), Zé Miguel Wisnik, Jussara Silveira e Joatan
Nascimento, além de angolanos como Paulo Flores Vivo, Wysa e Carlitos
Vieira Dias.
Seguindo a tendência contemporânea de pulverização das ações,
esses selos e editoras não têm estúdio próprio. Tomando como exemplo
Carlinhos Brown, embora ele grave no estúdio Ilha dos Sapos, de sua
propriedade, este é independente da Candyall Music; e, por ser um dos
mais bem equipados da América Latina, é utilizado para gravação de
produtos de outros selos, independentes ou não. Outros estúdios muito
usados são o Groove (Durval Lelys), o Base, Canto da Cidade (Daniela
Mercury), Clave de Sol, além da pioneira WR.
Embora a fonografia baiana registre vários selos,150 sozinhos eles
não conseguem dar conta da cadeia produção-distribuição-consumo.
Muitos dos que conseguiram ultrapassar as fronteiras do estado fize-

149. A Maianga Discos e a Maianga Editora Musical são segmentos da Maianga Produções
e Promoções (2000), empresa do publicitário e fotógrafo Sergio Guerra que atua também
como editora de livros, produtora de vídeo e promotora de shows e eventos no Brasil e em
Angola. Lançou 18 CDs/DVDs.
150. Foram encontradas, ainda, referências aos selos Frangote, Plataforma de Lançamento
e Torto Fono Gramas (2006), este criado para bandas “que mesmo dentro do cenário inde-
pendente fazem um som nem um pouco fácil ou popular” (Sergio Franco Filho, in: www.
bahiarock.com.br). Em 2010, Paulo Brandão, do espaço Midialouca, onde se realizam
shows e venda de música independente, lançou o selo Caramuru.

102 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


ram parcerias com majors para distribuição. A Caco Discos,151 selo e
editora que lança os produtos de Ivete Sangalo, Banda Eva, Netinho,
Luiz Caldas e Adelmário Coelho, tem parceria com o Canal Multishow/
Globosat e a Universal Music; a Candyall Music, selo e editora criados
para editar e produzir álbuns fonográficos e audiovisuais interpreta-
dos, concebidos ou produzidos por Carlinhos Brown, editou centenas
de músicas e lançou produtos em CD e DVD do músico e da Timbalada,
distribuídos por diferentes empresas, no Brasil e em outros países; a
Cocobambu Records, criada para os produtos de Durval Lelys e ban-
da Asa de Águia, já teve parcerias com a Abril Music, Unimar Music,
Universal e, atualmente, com a Som Livre.
Merecem registro, ainda, iniciativas sazonais que obtiveram bons
resultados. Em 2001, a Rede Bahia (a mais poderosa do estado, concen-
trando jornal, gráfica, sites e emissoras de rádio e TV na capital e no
interior, e filiada à Rede Globo) promoveu uma ampliação do segmento
rádio e criou o selo Bahia Discos e a Bahia Edições Musicais. Embora
hoje esteja desativado, o selo lançou coletâneas temáticas como Rádio
Bazar – o melhor do pop-rock baiano, Forró da Lua 1 e 2, Kaya no Reggae
e Bahia Mania de Pagode, com distribuição da Som Livre e vendas em
supermercados. A parceria da Bahia Discos com a Som Livre se deu tam-
bém em discos das bandas Timbalada e Jammil e Uma Noites.
A extinta Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia criou
dois selos em 2004: o Emergentes da Madrugada, com artistas inician-
tes, e o Sons da Bahia – que estreou com a Banda de Boca (V Prêmio
Visa-2002) e lançou desde Assis Valente e Orquestra Sinfônica da Bahia
até Targino Gondim e Trio Elétrico Armandinho, Dodô & Osmar.

Balanço da fonografia baiana


Considerando-se a usual divisão do mercado fonográfico em indies e
majors, a indústria fonográfica na Bahia sempre restringiu-se às indies.
É conhecido o fato de Gilberto Gil ter gravado apenas violão e voz da
música “Aquele abraço” na JS, porque problemas técnicos impossibi-
litaram o acréscimo de outros instrumentos, e a fita seguiu para ser
complementada por orquestra no Rio, com selo da Phillips. Já a WR,

151. Criada em 2005, por Jesus Sangalo, Fábio Almeida e Alexandre Lins, integra a holding
Caco de Telha, que cuida da carreira de Ivete Sangalo.

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 103


segundo o próprio Rangel, nunca teve um selo de fato, e foi sempre
uma produtora: “as pequenas produtoras, elas faziam seus produtos,
mas não tinham condições de botar no mercado. Não tínhamos dinhei-
ro para prensagem, não tínhamos dinheiro para distribuição, não tínha-
mos nada, então, tínhamos que estar à mercê dessas grandes gravado-
ras” (Rangel, 2004). Gravava-se na WR e o produto levava o selo de uma
gravadora nacional, como a Nova República (Luiz Caldas, Gerônimo),
Eldorado (Daniela Mercury), Continental (Durval Lelys, Gerônimo,
Banda Mel) – esta a que mais lançou produtos baianos.
Por certo, ambas as gravadoras baianas nasceram em função da de-
manda do mercado publicitário local, mas o contexto nacional também
favoreceu o surgimento da WR. Como lembra Rita Morelli (1991), o pe-
ríodo de linha dura, que começou em 1968 e fez crescer o cerceamento
à liberdade de expressão, as perseguições e torturas, foi também o do
“milagre econômico” do governo Geisel, que permitiu à classe média
um aumento do seu poder aquisitivo e consequente acesso ao mercado
de bens de consumo. O mercado fonográfico aumentou o número de
lançamentos em LPs e compactos e estes, por serem mais baratos, con-
tribuíram para facilitar o acesso ao disco por parte de classes de menor
poder aquisitivo, especialmente os jovens. Diferente dos grandes mer-
cados internacionais, onde tinham participação significativa, os jovens
brasileiros só então começavam a se fazer presentes, em parte devido
ao sucesso da Jovem Guarda.
A expansão do mercado, na verdade, beneficiou a música estran-
geira porque, apesar dos impostos, era muito mais barato importar a
gravação em fita master para ser prensada no Brasil, do que arcar com
todos os custos de uma produção local. Embora houvesse uma lei que
restringia em 50% a música estrangeira nas gravadoras, o lucro era fa-
cilmente alcançado devido ao baixo custo. Por conta da estreita relação
entre a indústria fonográfica e a mídia, a música estrangeira predomi-
nava também nas rádios. Essa demanda justificou a entrada, no merca-
do brasileiro, de grandes gravadoras transnacionais.
Acentuando esse quadro, a música nacional, perseguida pela cen-
sura assim como as demais manifestações artísticas, representava um
risco de investimento para as gravadoras, porque bastaria uma assina-
tura e seria inutilizado todo um lote de discos. Essa mesma censura foi,
aos poucos, minando o sucesso dos festivais da década de 1960, que
tiveram seu último exemplar em 1972.

104 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


Apesar dos riscos, é no transcorrer da década de 1970 que se começa
a identificar cultura com mercado, e impulsiona-se o desenvolvimento
da indústria nacional do entretenimento.152 No início dos anos 80, au-
mentam os investimentos no cinema nacional, na publicação de livros
de autores nacionais e na música popular brasileira, o que proporcionou
o recuo de multinacionais e o avanço de novas gravadoras nacionais.
Citando Patrice Flichy, que as denomina “multinacionais discretas”,
Renato Ortiz explica que essas empresas “atuam na periferia através
de filiais cuja função é produzir discos com os cantores locais” (Ortiz,
1995, p.194). É quando a WR passa a acreditar que “santo de casa faz
milagre” e investe em equipamentos: “os Studios WR, operando com
16 canais, estruturaram-se para a gravação de discos, com o nível das
melhores gravadoras do sul do País e cria, com isso, um novo mercado
de trabalho para técnicos, músicos, arranjadores, maestros, vocalistas”
(Tribuna da Bahia, 1983, p.18).
Peterson e Berger (1975), em trabalho sobre a ocorrência de ciclos
na música popular norte-americana no período de 1948 a 1973, iden-
tificam cinco períodos que alternam uma intensa concentração em oli-
gopólios com uma segmentação da indústria e do mercado em selos in-
dependentes.153 Os autores mostram como essas mudanças afetaram a

152. Segundo Ortiz (1995), o Estado autoritário da ditadura militar aprofunda medidas
econômicas do governo JK, reorganiza a economia brasileira e consolida-se o “capitalismo
tardio”. “Em termos culturais, essa reorientação econômica traz consequências imedia-
tas, pois, paralelamente ao crescimento do parque industrial e do mercado interno de
bens culturais, fortalece-se o parque industrial de produção de cultura e o mercado de
bens culturais” (p. 114). Ortiz afirma que os interesses do Estado – ao mesmo tempo re-
pressor e incentivador das ações culturais – e dos empresários da cultura são os mesmos,
diferenciando-se na ideologia, moralista do Estado e mercadológica dos empresários.
Estes se queixam do excessivo rigor da censura, que acarreta prejuízos materiais, o que
permite deslocar a questão cultura/censura para o plano econômico (p.120). Ortiz acres-
centa que “o que caracteriza a situação cultural nos anos 60 e 70 é o volume e a dimensão
do mercado de bens culturais” (p. 121), cuja expansão podemos comprovar nos números:
livros, de 43,6 milhões de exemplares (1966) para 112,5 milhões (1976); filmes, crescem de
13,9% do mercado (1971) para 35% (1982). O mercado fonográfico deu uma arrancada em
1970, em parte devido à facilidade de aquisição de eletrodomésticos: “entre 1967 e 1980
a venda de toca-discos cresce 813%” e o faturamento das empresas fonográficas cresce
1.375% entre 1970 e 1976 (p. 127). Em 1970 havia cerca de 4 milhões de domicílios com
aparelho de TV; em 1982, eram mais de 15 milhões, e o hábito se disseminara por todas
as classes sociais (p. 130).
153. 1) de 1948 a 1955, houve uma intensa concentração corporativa em quatro compa-
nhias, com controle total do fluxo da produção; 2) de 1956 a 1959, selos independentes
ganham maior expressão e novos artistas e segmentos não prestigiados ocupam posi-
ções predominantes; 3) de 1959 a 1963, o cenário manteve-se estável; 4) de 1964 a 1969,
uma re-arrumação no mercado, motivada pelo surgimento de uma segunda geração do
rock, provoca a volta à concentração nas grandes gravadoras; 5) de 1969 a 1973, selos

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 105


inovação e a diversificação da música popular e concluem que a grande
concentração do mercado conduz à homogeneização e estandardização
do produto. Os dois períodos nos quais há uma diversificação e expan-
são de selos independentes – 1956-1959 e 1969-1973 – praticamente
coincidem com o nascimento das duas gravadoras baianas, se consi-
derarmos que, na época, a tendência internacional se refletia na esfera
local com um certo retardo.
Os autores preveem, para depois de 1973, um longo período de in-
tensa concentração em grandes companhias que controlariam todo o
fluxo de produção e a consequente diminuição na inovação e diversi-
dade de artistas e selos. No caso brasileiro, no entanto, o processo de
segmentação do mercado nos anos 80 favoreceu a música nacional, oca-
sionando tanto o relançamento de artistas tradicionais em CD, como
o lançamento de música infantil, de segmentos ligados a identidades
culturais locais – a axé music, por exemplo – e os influenciados por
referências mundializadas, como o rap (Vicente, 2002). Nos anos 90,
a estabilidade econômica se reflete no mercado fonográfico, e o Brasil
ocupa o sexto lugar no mercado mundial, com acentuado crescimento
no índice de música nacional (Canclini, 2003). O Brasil exporta música,
e a Bahia também. Impulsionados pela alta tecnologia do trio elétrico e
um esquema que envolve bandas, blocos, camarotes, produtoras, em-
presas ligadas ao turismo e até o comércio informal, a axé music ganha
o Brasil com a expansão dos carnavais fora-de-época. As principais ban-
das integram o cast das transnacionais e se apoiam numa estrutura de
divulgação que inclui programas de rádio e TV, videoclipes, sites e shows
de palco.
A diversificação dos anos 80 implicou na adoção de um “sistema
aberto”, que estabelece vínculos com selos independentes menores e
produtores de discos independentes e garante não só grandes lucros
pelo monopólio da fase final de produção e distribuição, como a segu-
rança de poder atender à instabilidade do mercado no que se refere à
demanda por novos produtos (Lopes, 1992). Este cenário favoreceu o
lançamento dos inúmeros produtos da WR nos anos 80 e 90. No final da
década de 1990, porém, a lógica do blockbuster usada pelas majors, que

independentes são adquiridos pelas majors, uma estratégia para atender a toda gama
de gosto dos consumidores, com a ampliação do leque de artistas; no entanto, apostam
que a tendência seria retornar à posição inicial, de concentração e total controle do fluxo
pelas majors.

106 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


se caracteriza por concentrar as ações e investimentos em poucos artis-
tas, restringiu ainda mais as possibilidades das indies, que se limitaram
a descobrir o talento e lançá-lo no âmbito local ou descobrir e passar
seu contrato à major (Vicente, 1999). No entanto, as indies têm tido
papel fundamental para o lançamento de artistas locais. Com o avan-
ço da tecnologia digital, que possibilita a montagem de estúdios com
baixo custo e boa qualidade de gravação, elas vêm se multiplicando, o
que explica o sem-número de selos na Bahia. Uma pequena estrutura,
como a da Jupará Records, garante produção e a divulgação de várias
bandas regionais que dificilmente chegarão a constar do catálogo de
uma major.
Em pouco mais de quatro décadas, muita coisa mudou na fonografia
baiana. A JS começou com uma mesa, um gravador de 4 canais e uma
máquina de gravar acetato. Segundo Jorge Santos, a gravadora encer-
rou suas atividades em 1982 porque ficara impossível concorrer com
o mercado do Sul e Sudeste. Reconhecia a necessidade de se atualizar,
mas “importar era caro e tinha restrições. Por exemplo: só podia vender
depois de cinco anos. Tinha financiamento para equipamento de cine-
ma, mas não havia para estúdio de som” (Santos, 2004). A concorrência,
no entanto, começava mesmo na Bahia, com a WR. Desde que entrou no
mercado, em 1975, Wesley Rangel fez altos investimentos na estrutura
física e em equipamentos, mas foi apanhado de surpresa por uma gui-
nada no avanço tecnológico. Logo depois de adquirir uma sofisticada
aparelhagem analógica, o mercado lançou equipamento digital e soft-
wares que ofereciam mais recursos e custavam muito menos. Além de
obrigá-lo a novo investimento, a inovação propiciou uma proliferação
de estúdios caseiros. Paradoxalmente, embora a quase totalidade dos
sucessos da música baiana das décadas de 1980 e 1990 tenha iniciado
suas gravações na WR, raros levaram o seu selo, enquanto hoje nos per-
demos em um mundo de pequenos selos da cena independente.

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SOUSA, Moacir; MARANHÃO FILHO, Luís. A fábrica de melodias. In: INTERCOM.
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VICENTE, Eduardo. A indústria fonográfica brasileira nos anos 90: elementos
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BERIMBAU, Luis. Luis Audíface. Via e-mail, 14 e 29 maio 2004.
CACAU DO PANDEIRO. Carlos Lázaro da Cruz. Entrevista, 24 abr. 2004.
CASTRO, Fred Souza. Via telefone, 26 ago. 2007.
EMMANUEL, José. José Emmanuel Ataíde. Via e-mail, 18 jun. 2004 a 21 nov.
2004.

108 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA


JOVITA MARIA (CocoBambu Records). Via telefone, 5 jun. 2007.
LEAL, Marcel (Jupará Records). Via e-mail, 1 e 2 maio 2007.
MARQUES, Carlinhos. Entrevista, fev. 2005.
RANGEL, Wesley. Entrevista, 10 abr. 2004.
SANTOS, Jorge. Entrevista, 9 fev. 2004.
SANTANA, Bira. Via telefone, 29 maio 2007.
SILVEIRA, Valéria (Maianga Discos). Via e-mail, mar. 2007.
VALLADARES, Júlia (Candyall Music). Via e-mail, 12 mar. 2007.

Sites
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www.abmi.com.br. Acesso em: 10 jan. 2010.
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www.abpd.org.br. Acesso em: 4 set. 2008.
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www.abem.com.br. Acesso em: 10 jan. 2010.
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SALSA.COM.BR. Portal brasileiro de salsa. Disponível em: http://www.salsa.com.
br. Acesso em: 4 set. 2008.

TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA 109


MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL
E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA

Marcos Júlio Sergl


Eduardo Vicente

A pretensão desse artigo é discutir a questão da produção de músi-


ca erudita no mercado fonográfico nacional. Para tanto, iniciaremos o
texto discutindo o desenvolvimento desse segmento no país desde o
seu início até a década de 1980. Em seguida, iremos nos voltar para
o cenário mais geral da indústria fonográfica nacional, discutindo seu
desenvolvimento da década de 1980 até o momento atual. Diante desse
quadro, discutiremos então o quadro atual da produção de música eru-
dita, tentando estabelecer algumas tendências que nos parecem domi-
nantes e – na medida em que isso seja possível dentro de um cenário
tão conturbado – perspectivas para o futuro dessa produção.

Histórico
O surgimento das sociedades e clubes musicais na segunda metade do
século XIX, aliado ao hábito das serenatas e dos saraus importados da
Europa pelos filhos dos fazendeiros que vão a Paris e Coimbra realizar
seus estudos superiores, amplia o público receptor de música erudi-
ta no Brasil. Entidades como o Club Mozart (1867), o Club Beethoven
(1882) e a Sociedade de Concertos Clássicos (1883), no Rio de Janeiro, e
o Club Haydn(1883), em São Paulo, ampliam o repertório executado e
trazem virtuoses para essas cidades. Ainda em 1883, o público carioca

MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA 111


presencia a montagem da ópera Tannhäuser, de Richard Wagner, am-
pliando o leque de opções de escuta.
A constância de concertos, possibilitada pelas sociedades, cria há-
bitos de escuta e, quando surgem os primeiros aparelhos reprodutores
no Brasil, a procura por árias de óperas italianas, em particular inter-
pretadas por Caruso, é grande. Vale dizer que o consumo de música
erudita – especialmente a produção operística – foi uma tendência mais
ou menos geral do início da produção fonográfica mundial. Já em 1901,
Fred Gaisberg percorria a Europa, a serviço da Victor Machine Company,
com o objetivo de gravar os cantores de maior destaque das principais
companhias de ópera daquele continente. Assim, “a série ‘Red Label’,
top line da Victor, incluía gravações de canções e árias em todas as lín-
guas europeias e em muitas línguas orientais, bem como gravações da
Ópera Imperial Russa” (GAROFALO, 1993: 22).
O surgimento e a manutenção do rádio no Brasil, na segunda dé-
cada do século XX, são possíveis graças à elite das grandes cidades,
que mantém emissoras na formatação de sociedades, que pagam para
escutar concertos. Os primeiros momentos de nosso rádio estão cal-
cados predominantemente na escuta de música erudita. Vale lembrar
que a Sociedade Rádio Educadora Paulista, primeira emissora de São
Paulo, criada em novembro de 1923 possuía, já em 1928, uma orques-
tra com cerca de 25 integrantes, a maioria membro da Sociedade de
Concertos Sinfônicos ou do Teatro Municipal (GUERRINI Jr, 2009: 18).
A Rádio Gazeta, surgida a partir da compra da emissora por Cásper
Líbero, em 1943, manteria essa tradição, ampliando consideravelmente
as proporções da orquestra e realizando grandes apresentações ao vivo
de óperas e música de concerto (GUERRINI, 2009).
Ainda não tínhamos, porém, uma indústria de gravação de música
erudita brasileira. Embora Frederico Figner, o pioneiro da indústria no
país, tenha fundado a mitológica Casa Edison, no Rio de Janeiro, em
1897, passando rapidamente a atuar na gravação comercial de música,
seu foco foi a música popular, sendo seus primeiros contratados os can-
tores de serenata Antônio da Costa Moreira, o Cadete, e Manuel Pedro
dos Santos, o Baiano.
Por conta disso, compositores como Heitor Villa-Lobos gravaram
suas composições em selos estrangeiros como a RCA e a EMI, numa
situação que iria perdurar por toda a primeira metade do século.

112 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA


É a partir do surgimento da Gravadora Festa, fundada no Rio de
Janeiro em 1956, pelo jornalista Irineu Garcia, que esse cenário começa
a mudar. Garcia criou a gravadora a partir da perspectiva de registrar e
valorizar uma produção de menor apelo mercadológico, mas de grande
relevância artística. Com esse objetivo, ele realizou importantes regis-
tros de poesia, música popular e música erudita.154
Nessa última área, a Festa produziu discos de importantes compo-
sitores brasileiros, que foram distribuídos pela Companhia Brasileira
de Disco, o braço fonográfico da Philips no país.155 Dentre os títulos
destacamos: a Missa de Réquiem, do padre José Maurício Nunes Garcia,
com interpretação da Orquestra Sinfônica Brasileira e coro misto da
Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro; Antologia da Música Erudita
Brasileira, obras para piano gravadas por Arnaldo Estrela; Sonatas de
Cláudio Santoro e Camargo Guarnieri, interpretadas por Oscar Borgeth,
violino, e Ilara Gomes Grosso, piano; Heitor Villa-Lobos, obra diversa;
Do tempo do Império; interpretada pelo Collegium Musicum do Rio de
Janeiro; Francisco Mignone, obra diversa interpretada pela Orquestra
Sinfônica Brasileira, regida pelo autor; Sinfonia nº 5, de Cláudio Santoro,
em performance da Orquestra Sinfônica Brasileira, regida pelo autor;
Sonatas de Villa-Lobos e Radamés Gnattali, Iberê Gomes Grosso, violonce-
lo, e Radamés Gnattali, piano, em 1968; Camargo Guarnieri, obras diver-
sas interpretadas pela Orquestra Sinfônica Brasileira e Coro Feminino
da Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro; Alexandre Levy: Suíte
Brasileira, executada pela Orquestra Sinfônica Brasileira; Radamés
Gnattali: Concertos, interpretação da Orquestra Sinfônica Brasileira, re-
gida por Radamés Gnattali; Sinfonia nº 6, de Cláudio Santoro, Orquestra
Sinfônica Brasileira, regida pelo autor; Sinfonia em sol menor, Alberto
Nepomuceno, interpretada pela Orquestra Sinfônica Brasileira, sob re-
gência de Edoardo de Guarnieri; Suíte Brasileira, de Alberto Nepomuceno,

154. O registro de poesias, normalmente interpretadas por seus próprios autores, foi o
aspecto mais importante da atuação da Festa, que gravou trabalhos de Carlos Drummond
de Andrade, Manoel Bandeira, Pablo Neruda e Rafael Alberti, entre muitos outros. No
campo da música popular, ela foi responsável pela gravação do álbum Canção do Amor
Demais (Elizete Cardoso, 1958), considerado como o marco inaugural da Bossa Nova. A
atuação da Festa na área da música erudita será discutida adiante.
155. A CBD, Companhia Brasileira de Discos, fora fundada em 1945 com o nome de Sinter.
Pertencia à família Pittigliani desde 1955 e, em 1958, fora adquirida pela Philips, sendo
a base a partir da qual essa gravadora (hoje parte da Universal Music) iniciou suas ativi-
dades no Brasil.

MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA 113


em execução da Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Souza Lima,
em 1969, entre muitas gravações.
Pela produção da gravadora Festa nos anos de 1968 e 1969, po-
demos deduzir que houve uma conscientização acerca do registro da
produção musical da orquestra sinfônica brasileira mais importante do
momento, em performances de obras fundamentais de compositores
brasileiros conceituados. Com esta opção de gravar obras significativas
do repertório erudito brasileiro, a gravadora Festa mostrou ser pioneira
no registro da memória cultural brasileira. Em 1970, a Festa iniciou
uma série especial de gravações de obras históricas. Nesse primeiro
volume foi registrada A Missa a 8 vozes e instrumentos, de André da Silva
Gomes, pela Orquestra “Cordas de São Paulo” e o Coro “Vozes de São
Paulo”, sob a regência de Júlio Medaglia.
Sempre enaltecendo a iniciativa de Irineu Garcia na criação do selo,
convém observar que o seu surgimento demarca o início de um perío-
do de grande efervescência cultural em que, no dizer de Renato Ortiz,
constituía-se no país um público consumidor que “sem se transformar
em massa”, era constituído “pelas camadas mais escolarizadas da so-
ciedade” (Ortiz, 1994: 102). Essa situação iria evidentemente ser rever-
tida ao longo dos anos 60 das décadas seguintes mas, mesmo assim, o
constante crescimento do mercado fonográfico até o final dos anos 70156
permitiu não apenas a manutenção de iniciativas como a de Irineu, mas
também a realização de importantes investimentos em cultura por par-
te de organizações oficiais. E será a nova onda de organização e inter-
venção oficial na cultura, sustentada pela ditadura militar e associada
à crescente presença do capital internacional no país, que norteará em
grande parte os rumos da produção de música erudita a partir daí.
Esse novo quadro criará dificuldades para a manutenção de projetos
independentes como o da gravadora Festa. Garcia, que por suas posições
políticas enfrentava dificuldades com o novo regime, estabelecera em
1967 um contrato de três anos com a gravadora Philips para a comerciali-
zação de seu acervo. O contrato, como se pode constatar pelos lançamen-
tos citados aqui, foi bastante produtivo, mas acabou não sendo renovado
em 1970, com Irineu seguindo para o autoexílio em Portugal naquele

156. Os índices de crescimento da indústria, conforme dados disponibilizados pela ABPD,


Associação Brasileira dos Produtores de Discos, foram sempre positivos entre 1966 – ano
de início das estatísticas – e 1979.

114 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA


mesmo ano.157 Também em 1970, o Serviço de Radiodifusão Educativa do
Ministério de Educação e Cultura patrocinava a gravação de dois discos
de Música de Câmara, com obras compostas por Marlos Nobre, Rinaldo
Rossi, Nicolau Kokron, Edino Krieger, Ernst Widmer e J. Lins.
Ainda no campo das iniciativas de órgãos oficiais merecem destaque
a do Museu da Imagem e do Som, de São Paulo, que em 1979, lança a
série de seis discos Músicas e Músicos de São Paulo, com o intuito de di-
vulgar a criação erudita paulista do momento.
Além dele, a Funarte, por meio do Instituto Nacional de Música, cria
o projeto Memória Musical Brasileira – Pro-Memus – em julho de 1979,
com o intuito de documentar e divulgar a criação musical brasileira,
imprimindo partituras e gravando discos. A primeira série, intitulada
Documentos da Música Brasileira, é destinada a fixar e divulgar grava-
ções de caráter histórico-documental. Os 12 volumes iniciais surgem a
partir de gravações originais realizadas pela Rádio MEC, entre os anos
de 1958 e 1972, em seu próprio estúdio, para o programa “Músicas
e Músicos do Brasil”, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e na Sala
Cecília Meireles. A partir dessa série, a Funarte lança dezenas de discos,
durante cerca de 20 anos, tornando-se a mais significativa gravadora de
música erudita brasileira. Também na década de 1970, o Museu Villa-
Lobos, em parceria com a Funarte, patrocina o lançamento de diversos
discos com obras de Heitor Villa-Lobos.
Mas o significativo crescimento econômico obtido nos anos do “mi-
lagre” também irá propiciar o desenvolvimento de iniciativas privadas
com um sentido mais fortemente cultural, em moldes semelhantes à de
Irineu Garcia. E a mais importante dessas iniciativas será, sem dúvida,
a criação da Gravadora Eldorado, que se tornará um marco fundamen-
tal na produção nacional de música erudita. A gravadora praticamente
surgiu como uma decorrência da criação, em 1972, do Estúdio Eldorado.
Dedicado inicialmente à produção publicitária, o estúdio passou rapi-
damente a ser utilizado também para a gravação de discos (por nomes
como Milton Nascimento, Miles Davis, Roberto Carlos e Elis Regina,
entre outros) e para a gravação de especiais para a Rádio Eldorado. A
partir dessas experiências com a produção musical, a empresa acabou
constituindo sua gravadora em 1977.158

157. Ele morreria em Lisboa, em 1984.


158. “Selo Eldorado, alternativa que completa três anos” (O Estado de São Paulo,
27/09/1980).

MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA 115


Embora administrada de forma independente, a Eldorado – que en-
globa também duas rádios (AM 700 KHz e FM 92.9 MHz, em São Paulo)
e uma editora musical – é ligada ao Grupo Estado. A gravadora se carac-
terizou, desde o seu início, pela gravação de música erudita, de música
instrumental e de trabalhos de música popular de maior valor histórico
e artístico.
A partir de 1978, a Eldorado FM passou a utilizar o seu auditório para
promover a gravação de música erudita brasileira, passando a manter
diversos programas dedicados ao segmento em sua programação. A
seguir, desenvolveu o Prêmio Eldorado de Música, que revelou nomes
da música erudita como o quarteto de clarinetes Sujeito a Guincho e o
trompista Roberto Minczuk, vencedor da primeira edição do prêmio. A
Eldorado alega ainda haver lançado o primeiro disco de uma orquestra
sinfônica brasileira gravado em estúdio, com a Orquestra Sinfônica de
Campinas, regida pelo maestro Benito Juarez.159
Além da Eldorado, merece menção a iniciativa da Edições Tacape
que, sob a supervisão de Conrado Silva, lançou em 1979 a série Memória
Musical, com gravações de obras inéditas do repertório das orquestras de
São João del Rei e, posteriormente, a série Música Nova da América Latina,
com um disco dedicado a Hans Koellreutter. Embora fora do âmbito desta
pesquisa, gostaríamos de citar ainda o trabalho da Discos Marcus Pereira,
por seus registros de música de raiz, música folclórica e compositores
de fronteira entre a música popular e a música erudita, como Ernesto
Nazareth, além de discos dedicados a Osvaldo Lacerda, interpretado por
Isabel Mourão, e às Danças Brasileiras (para piano, também com perfor-
mance de Isabel Mourão), entre os anos de 1973 a 1978.
Especialmente a partir dos anos 80, a produção de música erudita
no país esteve também vinculada às ações promocionais de grandes
empresas, que utilizavam esse recurso para agregar valor às suas mar-
cas institucionais.
Nessa área merece destaque a atuação da Basf que, a partir de 1980,
cria a série Discos de Cultura, como brinde aos clientes, com dois subtí-
tulos: “Música Sacra Brasileira”, com três discos dedicados a André da
Silva Gomes, Jesuíno do Monte Carmelo e Francisco de Paula Ferreira,
músicos do período colonial paulista, e “Música de Câmara”, com dois
discos dedicados a Henrique Oswald, Radamés Gnatalli e Waldemar
Henrique. Outras empresas que também patrocinaram o lançamento de

159. http://distribuidoraindependente.uol.com.br/selo/index.jsp?id=452

116 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA


discos para distribuição entre os clientes foram a Sul América Unibanco
Seguradora, com obras para piano de Camargo Guarnieri; o grupo
Mannesmann, com o disco Matinas do Natal, de José Maurício Nunes
Garcia, e a Petrobras, através de projetos como o Lubrax de Apoio à
Cultura Brasileira, com o disco Missa e Credo a oito vozes, do padre João
de Deus Castro Lobo. Todas essas obras são do ano de 1985.
Não temos elementos para considerar essas iniciativas de grandes
empresas como uma possível substituição da ação de gravadoras no
âmbito da música erudita, mas pode-se afirmar com certeza que, com o
cenário de crise que se instala a partir da década de 1980, muitas difi-
culdades surgirão para a sobrevivência das gravadoras (especialmente
as de menor porte). Se o crescimento da indústria nunca fora interrom-
pido entre 1966 e 1979, a partir de 1980 as quedas nas vendas irão se
suceder e será somente no final da década, durante o Plano Cruzado,
que a indústria encontrará algum alívio. Mas apenas para enfrentar no-
vamente o abismo com o Plano Collor, em 1990. Nesse cenário, a indús-
tria viverá um momento de grande racionalização de suas atividades,
deixando pouquíssimo espaço para produções com finalidades menos
imediatistas.160
Entendemos que essa crise estabelece um divisor de águas na his-
tória da indústria. As mudanças ocorrerão em diversos campos. No
âmbito tecnológico, ela passará a adotar o CD como mídia dominante,
com o uso generalizado das tecnologias digitais de produção oferecen-
do diversas alternativas tanto para a gravação independente de traba-
lhos quanto para a recuperação e o relançamento de produções mais
antigas. A segmentação do mercado se ampliará grandemente, ofere-
cendo condições para o surgimento e sobrevivência de inúmeras em-
presas independentes. Viveremos, ainda, um extraordinário processo
de recuperação econômica da indústria a partir da metade da década de
1990 e, posteriormente, o surgimento de uma nova crise que se arrasta
até hoje, mas que carrega algumas características únicas. Em função
de todas essas mudanças, gostaríamos agora de proceder a uma breve
discussão do cenário da indústria dos anos 1990 até o presente, antes
de seguirmos com uma apresentação do segmento da música erudita
dentro de seu contexto.

160. Uma discussão mais aprofundada sobre essa crise pode ser encontrada em VICENTE,
Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nos anos 80 e 90. Tese de douto-
rado. São Paulo, ECA/USP, 2002.

MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA 117


O cenário atual da indústria
Os percalços enfrentados pela indústria fonográfica no início da década
de 1990 foram dramáticos. Em seu pior momento, as vendas recuaram,
em 1993, para a casa dos 32 milhões de unidades, nível inferior ao de
1976. Após 1994, no entanto, tivemos um período de intensa recupera-
ção em que as vendas, impelidas pelo Plano Real e pela consolidação do
formato CD no país alcançaram, em 1997, os 103 milhões de unidades,
elevando o país à condição de quinto mercado mundial de discos.
A partir do final do século, no entanto, o setor mergulha numa nova
crise, onde parecem intervir diversos fatores locais e mundiais. Dentre
eles, podemos considerar, além da estagnação econômica, o crescimen-
to da pirataria digital e de formatos, as dificuldades de distribuição, o
esgotamento de alguns dos segmentos de maior apelo popular e a redu-
ção dos investimentos das grandes empresas. Além disso, talvez possa-
mos falar em uma crise do próprio modelo de atuação da indústria, que
não só enfrenta grandes dificuldades para estabelecer um modelo único
(e pago) para a distribuição digital, como parece não conseguir manter
seu padrão de venda massificada de uns poucos artistas e segmentos
com a mesma intensidade observada nos anos 80 e 90.
Embora esse quadro de crise não pareça oferecer perspectivas de
melhora para um futuro imediato, não podemos deixar de observar
que ele também apresenta alguns aspectos positivos. O mais impor-
tante deles parece ser o de que, apesar da retração geral do mercado,
é possível verificar um avanço da participação das gravadoras de
pequeno e médio porte – as chamadas indies – diante dos grandes
conglomerados que controlam o setor. Os fatores para o crescimento
da importância das indies parecem estar vinculados tanto às tec-
nologias de produção e distribuição digital (que permitem a redu-
ção dos custos de produção e a venda através da internet) quanto
a uma pulverização do consumo, que amplia o leque de segmentos
nos quais essas pequenas empresas podem atuar. Tornou-se comum,
também, a atuação de artistas autônomos no mercado, que podem
alcançar projeção e vendas significativas mesmo sem a estrutura de
uma gravadora.
É importante salientar esse aspecto já que, tradicionalmente, o
mercado fonográfico inclusive no Brasil – tem sido controlado por um
pequeno grupo de grandes empresas (majors) que estão, via de regra,
integradas a conglomerados de atuação múltipla. Atualmente, são qua-

118 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA


tro as grandes empresas mundiais do setor: Universal Music (França),
Warner Music (EUA), Sony (Japão) e EMI (Inglaterra). No nosso caso, po-
demos acrescentar a esse grupo também a gravadora Som Livre, per-
tencente à Rede Globo.
De qualquer modo, o crescimento dos independentes implica, ne-
cessariamente, num aumento do número de empresas nacionais no
setor, já que a quase totalidade das empresas independentes são na-
cionais. Esse crescimento levou, inclusive, à criação em 2001 da ABMI,
Associação Brasileira de Música Independente.
Mas gostaríamos de ressaltar o fato de que a crescente presença
do capital transnacional no setor não significou, em momento algum,
uma internacionalização decisiva do consumo musical no país. Deve-
se salientar, inclusive, que o percentual brasileiro de consumo musical
doméstico tem se mantido entre os maiores do mundo, tendo crescido
de 61% para 73% entre 1991 e 1999, (IFPI, 2002).
Consideramos necessária essa breve introdução acerca do setor
fonográfico como um todo para melhor contextualizar a produção
de música erudita atualmente desenvolvida no país, que apresenta-
remos a seguir.

O cenário atual da produção de música erudita


De um modo geral, o segmento da música erudita é dominado, no país,
pelo lançamento de catálogos internacionais. O lançamento desse tipo
de coleções em bancas ainda é muito frequente e a pioneira nessa área
parece ter sido a Abril Cultural que, em 1968, lançou para distribuição
em bancas, a série Grandes Compositores da Música Universal que, como
salienta Irineu Guerrini Jr., era a tradução de uma coleção lançada na
Itália pela Editora Fratelli Fabbri e consistia “de 48 fascículos com uma
biografia ilustrada de um compositor e uma análise das obras grava-
das, acompanhados de LPs de 10 polegadas, monofônicos” (GUERRINI,
2007).161
Vale salientar que esse recurso ao lançamento de discos como encar-
te de publicações apresenta no Brasil grandes vantagens fiscais, espe-
cialmente a isenção do ICMS (idem).

161. O texto em questão também faz parte dessa coletânea.

MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA 119


Por ocasião do lançamento do compact disc no país, o recurso aos
catálogos internacionais foi utilizado, inclusive, para fortalecer o ca-
ráter distintivo e a sofisticação do novo equipamento. Em 1991, por
exemplo, a Sony anunciava o lançamento de um pacote de 11 álbuns
(em fita cassete de cromo e em CD) de sua etiqueta Sony Classical, que
reunia o acervo da CBS (adquirido pela Sony para a formação de sua
gravadora) e era dirigida por Gunther Breest (ex-diretor da Deutsche
Grammophon).162
Mas a líder no setor de lançamentos de coleções parece ser a
Movieplay, empresa de origem portuguesa que chegou ao Brasil no final
dos anos 80 já com a proposta de trabalhar exclusivamente com CDs.
Ela não possui um elenco próprio de artistas e, atualmente, destaca-se
por oferecer um vasto catálogo erudito, a preço bastante acessível, e
eventualmente distribuído em bancas.
Embora tenham o mérito de ampliar o público do segmento, esses
relançamentos podem apresentar alguns problemas. Em primeiro lugar,
a baixa qualidade técnica e artística de algumas das produções, que re-
sultaram de gravações precárias realizadas, normalmente, por orques-
tras e regentes obscuros do Leste europeu. Adicionalmente, os encartes
dos CDs são muito sumários, trazendo pouca (ou nenhuma) informação
sobre autor, intérpretes e obra. Além do baixo custo dessas gravações,
vale lembrar que o relançamento de música erudita é, normalmente,
facilitado pelo fato da maioria das obras ser de domínio público e não
exigir pagamento de direitos autorais para sua utilização.163
Em segundo lugar, as gravações visam normalmente umas poucas
obras de um número limitado de autores, o que tende a limitar grande-
mente a variedade do repertório que é oferecido ao público em geral.
Além disso, os lançamentos nem sempre trazem as gravações integrais
das obras, já que se tornou comum a produção de coletâneas de tre-
chos, descontextualizando e banalizando passagens musicais que, em
muitos casos, ficaram conhecidas pelo uso em filmes ou peças publici-
tárias. Esse tipo de procedimento também ocorre em situações onde
a produção musical erudita pode acabar, inclusive, incorporada por

162. A Sony Classical chega ao Brasil, com um pacote de primeira qualidade. Jornal da
Tarde, 21/02/1991. O artigo é assinado por J. Jota de Moraes.
163. Pela legislação brasileira e internacional, uma obra musical torna-se de domínio
público 70 anos após a morte do autor. Vale sublinhar que o domínio público refere-se
à composição em si, e não ao registro fonográfico, que sempre necessita de autorização
para ser utilizado.

120 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA


outros segmentos como o da música infantil (através de séries como
a “for babies”, por exemplo, que reúne obras de Mozart e Beethoven,
entre outros) e da New Age (onde algumas seleções são vendidas como
“música para relaxamento”).
Fizemos referência a essas séries e coletâneas, das quais os intér-
pretes e compositores nacionais – com a exceção provavelmente úni-
ca da “Bachiana n. 4” e do “Trenzinho Caipira”, de Villa-Lobos – estão
praticamente excluídos, porque elas representam uma parcela muito
expressiva do repertório erudito consumido no país.
Assim, ao contrário do que acontece em relação à música popular,
pode-se afirmar tranquilamente que o repertório internacional respon-
de maciçamente pelo consumo de música erudita no país. Esse desin-
teresse do consumidor por produtos nacionais foi, inclusive, constata-
do em uma pesquisa encomendada pela Gravadora Eldorado e, como
aponta Murilo Pontes, atual diretor da empresa, determinou sua de-
cisão de se retirar desse mercado. Assim, a gravadora acabou abando-
nando o segmento que, mesmo nas rádios do grupo, perdeu muito de
sua relevância:164 o próprio Prêmio Eldorado tornou-se o Prêmio Visa de
Música, voltando-se exclusivamente para a música popular.
Para a produção de novos artistas eruditos no país são pouquíssi-
mos os espaços hoje disponíveis, sendo a gravadora Paulus a grande al-
ternativa ainda disponível na área. A Paulus surgiu em 1993 e é ligada à
Pia Sociedade de São Paulo, criada na Itália pelo padre Tiago Alberione,
em 1914, e presente no Brasil desde 1931.165 O catálogo de repertório
erudito nacional disponível no site da gravadora elenca 67 obras e
reúne intérpretes como Roberto de Regina, Perez Dworecki, Gilberto
Tinetti, Dorotéa Kerr, Sinfonia Cultura e Camerata Fukuda, entre outros,
além de compositores como Guerra Peixe, Francisco Mignone e Alberto
Nepomuceno.
Embora exista uma carência de gravadoras, abriu-se para os artistas
nacionais a possibilidade de criar suas próprias produtoras e responder
pela gravação e distribuição de seus discos, como é o caso de Amaral

164. Apesar disso, a Rádio Eldorado ainda inclui um programa de música erudita em sua
programação radiofônica e mantém em catálogo algumas gravações antigas.
165. A Pia Sociedade Paulina, assim como a Pia Sociedade Filhas de São Paulo, criada
um ano depois, em 1915, pertencem, assim, como outras instituições, à Família Paulina,
que compreende o conjunto das Congregações e Institutos Religiosos fundados pelo Pe
Alberione, conf. www.paulinos.org.br/site/quemsomos_6.jsp

MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA 121


Vieira, com a Scorpius/Amadeus Empreendimentos Artísticos, e Ana
Maria Kiefer, com a Akron.
De qualquer modo, as gravadoras internacionais mantém-se parti-
cularmente atrativas para nossos artistas. Em 1995, a gravadora alemã
Marco Pólo ostentava em seu catálogo 19 CDs de compositores bra-
sileiros, como Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Alberto Nepomuceno,
sendo várias das gravações executadas ou regidas por brasileiros (como
Roberto Duarte, Clara Sverner e Maria Inês Guimarães, entre outros).166
E nomes com vendagem garantida como Marlos Nobre e Nelson Freire
tem sua obra registrada em gravadoras internacionais como a EMI.
Também a Osesp, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, criada
em 1954 pelo maestro Souza Lima para divulgar a música sinfônica
entre os paulistas, optou por uma gravadora internacional.167 No caso,
a BIS, da Suécia.
Pelo menos dois fatores pesam nessa escolha por gravadoras in-
ternacionais. O mais evidente é, obviamente, a carreira internacional
desses artistas e o grande potencial de consumo de seu público. Nesse
sentido, vale atentar para os percentuais de consumo de repertório eru-
dito no Brasil em comparação com outros países. Entre 1997 e 2001,
esse percentual oscilou por aqui entre 1 e 3%, enquanto na Argentina
esteve entre 4 e 9 % e, no Chile, entre 3 e 6%. Em mercados europeus, os
números são também muito expressivos: entre 6 e 9% no Reino Unido,
4 e 9% em Portugal, 4 e 7% na Itália, 5 e 10% na França e 7 e 10% na
Alemanha (IFPI, 2002).
Ao menos no caso da Osesp, também a questão técnica parece ter
influenciado na opção por uma gravadora internacional. Nesse sentido,
vale observar que, no Brasil, é escasso o número de engenheiros de gra-
vação especializados nessa área, ou seja, com conhecimento de leitura
musical e capazes de acompanhar a performance do intérprete, além
de possuir o domínio das técnicas mais adequadas à gravação de cada
instrumento, posicionamento dos microfones, etc.
De qualquer forma, o aspecto mais evidente do momento atual da
produção fonográfica no país não parece ser o lançamento de novas
produções, mas a possibilidade para a recuperação e relançamento de
matrizes antigas viabilizada pelas tecnologias digitais. Esse foi o caso

166. “A Marco Pólo e o Brasil”, Jornal da Tarde, 16/05/1995. A matéria é assinada por Jota
J. Moraes.
167. A orquestra é dirigida atualmente pelo maestro John Neschling.

122 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA


do relançamento do Acervo Funarte, realizado em parceria pela grava-
dora paulista Atração Fonográfica e pelo Instituto Cultural Itaú. Por
seu intermédio, voltaram a ser disponibilizadas obras de autores como
Francisco Mignone, Carlos Gomes, Camargo Guarnieri e Guerra Peixe.
Outro projeto que merece menção é o da série Grandes Pianistas
Brasileiros, lançada pela Master Class. A empresa tem uma origem bas-
tante curiosa. Segundo Denis Wagner Molitsas, um de seus diretores, a
Master Class surgiu das reuniões semanais iniciadas por cinco amigos
em 1980. Ligados pela música erudita, todos eram colecionadores de
gravações e traziam seus discos particulares para as audições. Sentindo
as carências do país nessa área, eles criaram a Master Class em 1996,
procurando lançar no mercado produtos que pudessem preencher as
lacunas existentes através do conhecimento dos membros do grupo
e de suas coleções particulares, que incluíam muitas gravações raras,
realizadas ao vivo.
O primeiro lançamento do grupo foi a gravação completa em CD das
óperas de Carlos Gomes (com exceção de Joana de Flandres, até hoje iné-
dita). A série Grandes Pianistas também é caracterizada pelo ineditismo,
já que nunca houve uma coleção dedicada especialmente a esses intér-
pretes. Outro critério que orienta as ações da Master Class é o da rele-
vância nacional e internacional das obras, de modo a garantir inclusive
a repercussão do lançamento junto à mídia. Há também grande cuidado
na apresentação gráfica dos trabalhos e na elaboração dos textos.
Ainda segundo Molitsas, a série Grandes Pianistas originou-se de um
projeto apresentado à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo por
meio da LINC (Lei de Incentivo à Cultura). Após sua seleção e aprovação,
o projeto recebeu da Secretaria uma subvenção equivalente a 70% de
seu valor total, ficando a contrapartida de 30% por conta da Master
Class. A série esgotou-se no final de 2006 mas o projeto deveria ter
continuidade em 2008, quando foram comemorados os 200 anos da
entrada dos primeiros pianos no Brasil, vindos com a comitiva de D.
João VI.

Conclusão
Diante do impasse vivido atualmente pela indústria fonográfica como
um todo, a produção musical erudita num país que, como o nosso, tem
pouca tradição na área, vive um momento particularmente complexo.

MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA 123


Praticamente ignorada pelas grandes gravadoras internacionais aqui
instaladas, a cena vive das iniciativas de pequenos grupos ou empresas
dispostos a atuar sem objetivos econômicos imediatistas. Ao contrário
do que ocorria nos anos 60 e 70, quando chegamos a contar com um
projeto nacional como o da Gravadora Festa ou uma atuação articula-
da como a da Eldorado (que unia a rádio, o auditório, a gravadora e o
concurso, além da previsível cobertura jornalística do grupo Estado),
o mercado hoje é atendido primordialmente pela gravadora Paulus e
por produções independentes no que se refere ao lançamento de novas
gravações e artistas. Paralelamente, verifica-se uma distribuição massi-
ficada de produtos no grande mercado, que não só ignora o repertório
nacional como tende a banalizar e descontextualizar as obras, através
da oferta de gravações sem maiores referências ou mesmo de coletâne-
as de fragmentos musicais.
Embora seja um quadro difícil, considerando-se especialmente os bai-
xos índices de consumo do repertório erudito no país, entendemos que o
potencial oferecido pelas tecnologias digitais – no sentido da redução dos
custos de gravação e da facilidade nas ações de divulgação e distribuição
– aparentemente não tem sido plenamente utilizado no sentido do lan-
çamento de novas produções. Talvez a articulação de um projeto coletivo
envolvendo alguns dos grandes atores desse cenário – como orquestras,
universidades, grandes conservatórios, associações culturais, etc. – pu-
desse modificar essa situação, já que essas entidades não apenas reúnem
muitos dos possíveis novos artistas como também um expressivo público
potencial para o consumo das produções. Vale lembrar, também, que esse
é um mercado que tende a não sofrer com alguns dos principais proble-
mas do mercado convencional, como o caráter descartável de muitos dos
artistas e segmentos e a ação intensiva da pirataria.
No campo da recuperação e relançamento de gravações históricas
e/ou inéditas, vimos que ações concretas foram estabelecidas e que a
atuação de instituições de fomento públicas e privadas foi fundamental
(a Secretaria Estadual de Cultura, no caso da série Grandes Pianistas e o
Instituto Cultural Itaú, no caso do Acervo Funarte).
Mesmo assim, parece ainda existir um vasto campo a ser explorado.
O acervo da gravadora Festa, por exemplo, ao que parece jamais foi
relançado, apesar de ter sido disponibilizado para gravadoras interes-
sadas ainda em fevereiro de 1997.168

168. “A Volta de um Fabuloso Acervo Musical”, O Estado de São Paulo, 23/02/1997.

124 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA


Referências bibliográficas
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try, indentity and cultural imperialism. In: Music of the World: Journal of the
International Institute for Traditional Music (IITM), Berlim, n. 35(2), 1993.
GUERRINI Jr., Irineu. A elite no ar: óperas, concertos e teorias na Rádio Gazeta de
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VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nos anos 80 e
90. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes, 2002.
(Tese de doutorado.)

MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA 125


DISCOS EM BANCAS:
da indústria cultural à guerrilha cultural169

Irineu Guerrini Jr.

Este trabalho procura demonstrar a importância das gravações fono-


gráficas vendidas em bancas de jornais. Inicia discorrendo sobre a pu-
blicação de fascículos pela Livraria Martins Editora, e mais tarde pela
Editora Abril que, após o êxito de algumas coleções, lança, em 1968,
a primeira acompanhada de discos: Grandes Compositores da Música
Universal, versão brasileira de um original italiano e, em 1970, História
da Música Popular Brasileira, totalmente produzida no Brasil. Passa pelo
Disco de Bolso, iniciativa de produção e distribuição independente de
Sérgio Ricardo, comenta coleções de MPB, de jazz e de música clássica
dos anos 80 e 90 e dos primeiros anos deste século, analisa os CDs mais
recentes que acompanham a revista Caras e termina falando da expe-
riência de outracoisa, revista também acompanhada de CD lançada pelo
intérprete e compositor Lobão.

Introdução
A expressão é usada até os dias de hoje: “banca de jornais”. Mas numa
banca de jornais é comum encontrarmos, além de jornais e revistas,
uma oferta dos mais variados produtos: livros, CDs, DVDs, objetos cole-
cionáveis – como canetas e relógios – cigarros, balas, brinquedos... Até
meados dos anos 50, entretanto, uma banca de jornais vendia somente
jornais e revistas. Quando muito, um ou outro álbum de figurinhas. Em

169. Trabalho apresentado ao NP de Rádio e Mídia Sonora, do VII Encontro dos Núcleos
de Pesquisa da Intercom.

DISCOS EM BANCAS 127


1956, a Livraria Martins Editora lançava Trópico – Enciclopédia ilustrada
em cores, traduzida e adaptada de originais italianos, vendida em ban-
cas de jornais em formato de fascículos, colecionáveis e encadernáveis.
Mais tarde, essa enciclopédia seria vendida já em formato de livro, a
ser pago em prestações.170 Mas a mudança de escala nesse tipo de pu-
blicação ocorre em maio de 1965: a poderosa Editora Abril, sediada em
São Paulo e já muito presente em bancas de jornais com os quadrinhos
da Disney e com as revistas Cláudia e Realidade, entre outras, lança a
sua primeira coleção de fascículos: A Bíblia mais bela do mundo, ver-
são brasileira de uma obra também vendida em fascículos, lançada na
Itália pela Fratelli Fabbri Editori. Victor Civita, o proprietário da Abril,
conhecia de perto o sucesso dos fascículos na Itália, e resolveu publicar
no Brasil essa versão fartamente ilustrada da Bíblia mesmo contra as
recomendações da sua equipe. A voz do patrão falou mais alto, como
lembra Pedro Paulo Poppovic, na época conduzido ao cargo de diretor
da Divisão de Fascículos:

Ele veio de uma viagem, reuniu a diretoria e disse:


“vi uma coisa formidável, são os fascículos, o sujeito
paga em prestações na medida em que ele recebe pe-
daços de uma obra”. A diretoria foi contra, inclusive
eu. Dizíamos: “no Brasil, as pessoas estão acostumadas
a primeiro receber o produto e depois pagar em pres-
tações, e por que a Bíblia, que é distribuída de graça,
como nos hotéis?” E ele: “as pessoas vão comprar, sim,
porque é a Bíblia mais bela do mundo, com milhares de
ilustrações. E, além disso, como eu tenho 51% das ações
desta empresa, nós vamos fazer”.171

Como em outras ocasiões, o tempo provou que Victor Civita es-


tava certo, pois o êxito de A Bíblia mais bela do mundo foi tamanho
que estimulou o lançamento de outras coleções de fascículos, até
hoje na memória e nas estantes de muitos brasileiros: a enciclopédia
Conhecer (1966) a coleção Gênios da Pintura (1967) e, em 1968, Grandes
Compositores da Música Universal. De culinária (Bom Apetite, que vendeu

170. Informação prestada por José Fernando Martins, filho do editor José de Barros
Martins, no dia 3 de outubro de 2007.
171. Entrevista concedida por Pedro Paulo Poppovic ao autor no dia 8 de fevereiro de
2007.

128 DISCOS EM BANCAS


um milhão e duzentos mil exemplares na primeira semana) à filosofia
(Os Pensadores, coleção que foi concebida e só existe no Brasil, tendo
tornado a Abril a maior editora de livros de filosofia do mundo!), os
fascículos, nos primeiros anos, sustentavam a então deficitária Veja.172
Em nenhum outro país tiveram a importância que conseguiram obter
no Brasil. Parte da classe média brasileira estava beneficiando-se com
a política econômica do regime militar, e as coleções, devidamente en-
cadernadas, eram um símbolo de status para essa parcela da população
que havia melhorado de vida.

Discos em bancas, pela primeira vez


Assim como A Bíblia mais bela do mundo, Conhecer e Gênios da Pintura, a
coleção Grandes Compositores da Música Universal era uma versão de um
original italiano, da mesma Fratelli Fabbri. Consistia de 48 fascículos
com uma biografia ilustrada de um compositor e uma análise das obras
gravadas, acompanhados de LPs de 10 polegadas, monofônicos. Com o
primeiro vinha um encarte: A arte da música: a linguagem musical – sua
história – uma orquestra sinfônica – os instrumentos. Segundo Poppovic,
embora os originais tivessem sido comprados da editora italiana, as ne-
gociações dos direitos sobre as gravações tinham que ser feitas direta-
mente pela Abril com editoras de partituras, intérpretes e herdeiros de
compositores, o que dava muito trabalho, especialmente os herdeiros,
“que tinham mais apetite”. E havia uma barreira legal a ser vencida, o
que só foi conseguido pela importância política e econômica da editora
e após um ano de negociações com o governo federal:

A legislação não previa essa possibilidade, porque


discos, ao contrário de revistas, não eram isentos do
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias, o ICM.
Exigência de Victor Civita: “Eu quero um advogado
com pelo no peito! Eu lhe digo o que quero fazer, ele
me diz como”. Solução: os advogados convenceram o
ministro da Fazenda, Delfim Neto, a conversar com to-
dos os secretários estaduais da Educação, e o Governo
Federal passou a recolher o ICM na fonte (as bancas),

172. Para muitos fascículos, a Abril chegou a contratar o trabalho de intelectuais, muitos
deles da USP, que estavam sendo perseguidos pela ditadura militar.

DISCOS EM BANCAS 129


redistribuindo-o para os Estados. O primeiro exemplar
da coleção, o Concerto Nº. 1 para Piano e Orquestra, de
Tchaikovsky, vendeu 270 mil exemplares.173

A RCA, encarregada da prensagem, inicialmente relutou em fabricar


um número tão grande de discos: 270 mil exemplares representam uma
cifra extraordinariamente alta para um disco de música clássica, mes-
mo hoje, quando o país conta com o dobro da população que tinha no
final dos anos 60. Mas o eficiente esquema de divulgação e distribuição,
com comerciais no rádio e na TV e fascículos presentes em todas as ban-
cas, funcionou: a coleção era vendida inclusive em muitas cidades que
não dispunham de nenhuma loja de discos. Pedro Paulo conta que sua
empregada, na época, gostava de música clássica, mas não tinha cora-
gem de entrar numa loja e pedir um disco, pois não sabia pronunciar o
nome dos compositores. Na banca, além de o preço ser muito mais em
conta, era só pegar e pagar...174
Os fascículos, de música ou não, deram tão certo que, após os pri-
meiros anos, a Abril resolver criá-los em casa, aproveitando a experi-
ência adquirida com o lançamento de versões de originais italianos, e
assim nasceu a coleção História da Música Popular Brasileira, também
com 48 volumes, lançada em 1970, proposta por Pedro Paulo Poppovic.
Para a sua realização, montou-se um esquema que funcionava assim:
três assessores selecionavam consultores, tidos como especialistas em
determinados aspectos da música popular brasileira, que indicavam a
pauta do fascículo e as músicas a serem incluídas. Em seguida, vinha a
fase de negociação de direitos. Segundo Pedro Paulo, no início os deten-
tores dos direitos comportavam-se como quem estivesse fazendo um
favor à editora; mas quando perceberam o tamanho das tiragens, come-
çaram a fazer fila para oferecer as gravações. Negociados os direitos, o
consultor indicava um pesquisador, com base na pauta já elaborada. O
resultado da pesquisa voltava para o consultor, para aprovação do con-
teúdo. Em seguida, ia para um redator dar a forma final. O trabalho do
redator era checado pelo consultor, e depois ia para o diretor da Divisão
de Fascículos. Em seguida, era encaminhado para o Departamento de
Arte, para pesquisa iconográfica e elaboração das artes, a cargo de Elifas

173. www.abril.com.br/institucional/50anos/fasciculos.html. Último acesso em


28/5/2007.
174. Entrevista com Pedro Paulo Poppovic concedida ao autor no dia 8 de fevereiro de
2007.

130 DISCOS EM BANCAS


Andreato, que se notabilizaria pelo seu trabalho com capas de LPs. O
resultado, antes de ir para a gráfica, passava novamente pelo diretor.
O primeiro fascículo foi dedicado a Noel Rosa e vinha acompanha-
do de uma síntese ilustrada da história da música popular do Brasil
– O som brasileiro: do lundu à tropicália – e de um encarte explicativo
– História da Música Popular Brasileira. Uma coleção que vai mudar o seu
ritmo de vida.
Muitas gravações que fazem parte dessa coleção estavam inacessí-
veis ao grande público e outras foram feitas especialmente para os fas-
cículos. Houve até a transcrição de cilindros de cera.175 Logo no primei-
ro volume, dedicado a Noel Rosa, são incluídos registros dos anos 30,
como a de “Palpite Infeliz”, com Aracy de Almeida, de 1936, mas tam-
bém duas versões de outros clássicos de Noel – “Conversa de Botequim
e “Com que Roupa”, feitas especialmente por Martinho da Vila para
a coleção. O segundo fascículo, dedicado a Pixinguinha, recupera uma
gravação mecânica do chorinho “Urubu” feita pelos Oito Batutas, em
Buenos Aires. O terceiro, com músicas de Dorival Caymmi, traz o re-
gistro original de “O que é que a baiana tem?” com Caymmi e Carmen
Miranda, de 1939. O sexto volume, com obras de Lamartine Babo, inclui
uma gravação de “O teu cabelo não nega” de 1931, “um milagre técnico
de recuperação”, como diz a publicação do fascículo (lembre-se que não
havia processos digitais naquela época).
Assis Valente assina as músicas do fascículo número 13, e uma delas
também foi gravada em Buenos Aires, em 1935, durante uma tempora-
da do Bando da Lua naquela cidade. Já o de número 16 reúne músicas
de Antônio Carlos Jobim, incluindo dois registros até então inéditos:
“Dindi”, com Sílvia Telles, uma versão feita na Alemanha para a MPS
– Musik Produktion Schwarzwald, em 1966, que seria a sua última gra-
vação, e “A felicidade”, com Agostinho dod Santos e apenas o piano de
Jobim, considerada demasiadamente moderna na sua época (1959) para
ser lançada no mercado.
O fascículo de Sérgio Ricardo (nº 37) traz um trecho da trilha sonora
de Deus e o diabo na terra do sol, que havia sido lançada pela gravadora
Forma em 1964. A estreia de Orlando Silva no disco está incluída no vo-
lume de Catulo da Paixão/Cândido das Neves: “Última estrofe”, de 1935.
No fascículo nº 40, dedicado a Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga,

175. Nos aparelhos que seguiam o modelo do fonógrafo de Edison, as gravações eram
registradas em cilindros recobertos de cera.

DISCOS EM BANCAS 131


“Apanhei-te cavaquinho” aparece numa gravação com o próprio autor
ao piano, de 1930, e “Falena”, de Chiquinha Gonzaga, num registro me-
cânico recuperado, com o próprio grupo da compositora. No volume nº
43, com músicas de Johnny Alf, está incluída a primeira gravação de
“Rapaz de bem”, de 1955, música precursora da Bossa Nova, interpre-
tada pelo próprio autor.
Capiba e Nelson Ferreira são os nomes do fascículo nº 44, e nele
incluem-se várias gravações especiais, feitas pelos Titulares do Ritmo
e por coro e orquestra executando arranjos de Cyro Pereira. O volume
seguinte – Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini – traz registros que só
figuravam num álbum distribuído como brinde por uma empresa de
financiamento. O último volume, de número 48, volta ao início da mú-
sica popular brasileira gravada, com Donga e os primitivos. Nele, está
incluído o primeiro samba gravado: “Pelo telefone”, de 1917, além de
registros com Radamés Gnatalli, Altamiro Carrilho e outros nomes im-
portantes da música popular brasileira.
Além da recuperação de gravações raras e daquelas feitas especial-
mente para a coleção, é de se notar a qualidade do texto e das capas,
bem como a estatura e heterogeneidade de alguns colaboradores. Eram
assessores: José Lino Grünewald, José Ramos Tinhorão e Tarik de Souza.
O colégio de consultores era formado por nomes que iam de Aracy de
Almeida a Augusto de Campos. Esse último assina um texto no fascículo
nº 30, dedicado a Gilberto Gil, e, no mesmo volume, trava um diálogo
com Rogério Duprat.
O fascículo nº 24, com músicas de Vinícius de Moraes, traz um tex-
to sobre a trajetória literária do poeta assinado por Antônio Cândido,
um dos nomes mais venerados da Universidade de São Paulo. E tanto
o volume de Gil como o de Caetano (nº 22) apenas mencionam que
eles estão em Londres, sem entrar em maiores detalhes. Era o auge da
repressão da ditadura militar, e não poderia haver uma explicação do
seu exílio. Também não podia ser dito, com todas as letras, o que levou
Geraldo Vandré a sair do país (fascículo nº 34) depois da sua apresenta-
ção da “Pra não dizer que não falei de flores” no Festival Internacional
da Canção, promovido pela Globo, em 1968. Mas o texto fala das suas
andanças, difíceis, pelo Chile e pela Europa. E da sua partida: a fita dei-
xada num gravador cantava a nova despedida. O recomeço, o fim e o
princípio: “Vou-me embora. / Não chore não, amor, eu volto...”176

176. História da Música Popular Brasileira. Fascículo nº 34, p. 9

132 DISCOS EM BANCAS


Esses discos foram importantes não somente para os colecionado-
res particulares: nas emissoras de rádio e televisão era muito comum
recorrer “àqueles discos da Abril” quando se precisava de uma música
de Pixinguinha ou Ary Barroso que, de outra maneira, não seria encon-
trável.
Em 1971, a Abril volta a lançar uma versão de original italiano: As
Grandes Óperas. Os fascículos também eram acompanhados de um LP,
este já de 12 polegadas e em estéreo. O primeiro trazia os principais
trechos de Aida, de Verdi, e com ele vinha um encarte contendo uma
Pequena História da Ópera e incluindo uma síntese da história da ópera
no Brasil, com uma lista das óperas brasileiras levadas à cena de 1860
a 1952. Também marcando a versão brasileira, havia a versão para o
português dos trechos do libreto correspondentes às gravações.
Em 1972, é lançada a coleção Povos e Países, composta de fascículos
com informações históricas e geográficas sobre variados países e um
compacto duplo (disco de vinil, com sete polegadas de diâmetro e duas
músicas de cada lado) com músicas autênticas dos países focalizados.
O número Mundo Árabe, por exemplo, traz um disco com “Danças dos
homens dos Oásis por ocasião das núpcias” e “Danças tradicionais dos
beduínos”, com o conjunto de música popular de Hamadi Laghbabi, e
no outro lado, “Yaboulid Essifa”, com Cherif Khaeddam.
A série de MPB é relançada com algumas alterações em 1976, agora
com o título Nova História da Música Popular Brasileira. Entre 1979 e 1984
são publicadas as coleções Mestres da Música e Música pelos Mestres, com
ilustrações que vinham da Itália, textos ao menos parcialmente escritos
por brasileiros (Luís Antônio Giron e J. Jota de Moraes) e que já incluíam
obras de autores do século XX, como “Petruchka”, de Stravinsky, ou
“Alexander Nevsky”, de Prokofiev. Alguns dos intérpretes estavam en-
tre os mais prestigiados da época, como o pianista Lazar Berman, que
executa obras de Liszt, e o conjunto de câmara I Musici, que interpreta
Vivaldi. Os fascículos incluíam uma cronologia do compositor focali-
zado, uma análise da sua produção dentro de um determinado gênero
ou forma correspondente às obras registradas no disco, um guia do
ouvinte, com uma análise das obras apresentadas e informações sobre
os intérpretes. Em nenhuma das coleções de música clássica foi possí-
vel incluir um autor como Villa-Lobos por causa das dificuldades com a
editora Max Eschig, sediada em Paris, que detinha os direitos de muitas
obras desse compositor.

DISCOS EM BANCAS 133


Em 1980/1981, mais uma versão de original italiano: Gigantes do
Jazz, com volumes dedicados a Duke Ellington, Theloneous Monk, Art
Tatum e outros “gigantes”. Além de uma biografia do intérprete e/ou
compositor, os volumes incluíam um Guia do Disco e uma transcrição
para partitura da melodia de uma das faixas.
Em 1982/1984, é lançada uma nova versão da História da Música
Popular Brasileira, desta vez com o subtítulo Grandes Compositores.
Como a primeira, contava com colaboradores tão diversos como J. Jota
de Moraes, José Ramos Tinhorão, Maurício Kubrusly, Sérgio Cabral e
Tarik de Souza. E acrescentava alguns compositores que não estavam
presentes na primeira edição: Alceu Valença, Fagner, Bide, Marçal e
Paulo da Portela, entre outros. E ainda, fascículos dedicados a gêneros
e intérpretes. Um deles é o volume Música Sertaneja, que inclui alguns
clássicos do gênero, como “Beijinho doce”, com as Irmãs Castro; “O me-
nino da porteira”, com Tião Carreiro e Pardinho; “Moda da Pinga”, com
Inezita Barroso; e “Tristeza do Jeca”, com Tonico e Tinoco.

O Disco de Bolso
Se as coleções de fascículos da Abril representam o poder de uma das
maiores editoras do país e foram realizadas num esquema altamente
industrial, encontra-se no outro extremo uma iniciativa do cantor, com-
positor e sempre rebelde Sérgio Ricardo, do ano de 1972: o Disco de
Bolso. A proposta, que tinha a parceria do semanário O Pasquim, era,
com recursos mínimos, romper as barreiras comerciais impostas por
gravadoras, emissoras de rádio e TV, produzindo discos independentes,
com gravações inéditas, para serem vendidos em bancas de jornais. O
primeiro deles, um “compacto simples” (disco de vinil com sete pole-
gadas de diâmetro e uma música de cada lado) tinha o título O tom de
Antônio Carlos Jobim e o tal de João Bosco. A ideia era sempre reunir uma
música desconhecida de um compositor consagrado e uma composi-
ção também desconhecida de um autor promissor. Esse primeiro disco
apresenta nada menos que a primeira gravação mundial de “Águas de
março”, cantada pelo próprio Jobim, e a primeira gravação de uma com-
posição – “Agnus Sei” – da então desconhecida dupla João Bosco (então
com 24 anos) e Aldir Blanc. O disco vinha juntamente com uma peque-
na revista, ao estilo do Pasquim, que trazia na sua primeira página um
artigo do próprio Sérgio Ricardo: “Qual é a do Disco de Bolso”, em que

134 DISCOS EM BANCAS


ele afirma que o Disco de Bolso entrava na briga pra romper um círculo
vicioso:

Do modo que as coisas andam, o autor (novo ou velho)


quer gravar e procura a gravadora. Como ela tem que
investir no disco, faz uma pesquisa de mercado. Aí o
lojista diz que não vai ficar com o disco na prateleira
porque não há procura daquele artista. A procura diz
que não procura o artista porque não sabe nem que ele
existe, não ouve nada dele no rádio nem na televisão.
O rádio diz que não toca porque: primeiro, tem pouco
tempo de música brasileira no ar; segundo, porque o
artista é mascarado e não vem pedir pra tocar; terceiro,
que esse cara não dá ibope; quarto, não tá na onda jo-
vem, parará-pororó; quinto, por umas e outras fofocas;
sexto, porque não vou com a cara dele; sétimo, a televi-
são diz que é porque não tem muito programa musical;
oitavo, que não vai ficar na geladeira por causa daque-
le problema com a censura; e nove, o círculo se fecha
quando a gravadora responde ao artista que por hora
não tá dando pé.177

A gravação de “Águas de março” contou com um arranjo do próprio


Tom Jobim e com conjunto de cinco flautas (uma delas tocada por Paulo
Jobim, filho do compositor), percussão, contrabaixo e violão, além do
vocal de Jobim. Na revista, é reproduzida uma partitura simplificada
da composição para piano. “Agnus sei” foi gravada apenas com a voz
e o violão de João Bosco – padrão que o cantor/compositor iria adotar
em muitos dos seus shows e gravações – e também traz uma partitura,
com a melodia e cifras. A revista também inclui desenhos de Jaguar,
entrevistas e biografias dos compositores, além de um artigo de Sérgio
Cabral marcando os 35 anos da morte de Noel Rosa.
Também lançado em 1972, o segundo número do Disco de Bolso
traz o novato Fagner cantando “Mucuripe”, uma composição sua e
de Belchior. No outro lado, Caetano Veloso interpreta “A volta da Asa
Branca”, homenageando Luiz Gonzaga e Zé Dantas.
Esse número foi também o último: inexperiência dos administra-
dores, pouca divulgação fora do Rio de Janeiro e uma crise n’O Pasquim

177. Disco de Bolso: o tom de Antônio Carlos Jobim e o tal de João Bosco, p. 1

DISCOS EM BANCAS 135


fizeram com que mesmo duas gravações já prontas para o terceiro nú-
mero – com Geraldo Vandré e Elomar – nunca fossem para as bancas.
Conta Sérgio Ricardo:

Havia já uma fila de novos e conhecidos, alguns deles


já gravados pelo DB [Disco de Bolso], quando o Pasquim
pediu um tempo, devido a uma crise interna que quase
o levou à falência. Interrompeu-se o projeto, para nun-
ca mais ser retomado. Era uma ideia boa demais para
permanecer no marasmo daquela mediocridade vigen-
te. Lamentei sua interrupção, praticamente superável,
porque teria sido mais uma arma de resistência contra
a perda da memória de nossa música.178

Outras coleções aparecem


Nos anos 80 e 90 outras coleções passam a frequentar as bancas de jor-
nais, concentradas em jazz e música clássica, e sendo todas elas ideali-
zadas no exterior. De início, abandonam o formato LP e passam a usar
fitas cassete, pois os “compact discs” (CDs) ainda não tinham grande
disseminação no Brasil: eram bem mais caros que um LP e os aparelhos
reprodutores, também pelo seu custo, só podiam ser adquiridos por um
público muito restrito. É dessa época a coleção Clássica: a história dos gê-
nios da música, lançada pela Nova Cultural em 1988, versão de original
italiano publicado dois anos antes pela Fabbri italiana. Cada unidade
dessa coleção era composta por um livro de, aproximadamente, 50 pá-
ginas dedicado a um compositor e uma caixa com quatro minicassetes
contendo algumas de suas obras. Com a popularização do CD, espe-
cialmente a partir dos anos 90, as coleções começam a aparecer nesse
tipo de mídia. Mas, numa fase de globalização, nota-se que, na maioria
dos casos, não são versões brasileiras de produções estrangeiras, muito
menos produções nacionais: os textos são da Espanha e de Portugal, o
material impresso já vem pronto de fora e, em algumas dessas coleções,
também os CDs.
Em 1994, o público brasileiro toma contato com a Opera Collection,
da Orbis Fabbri. São 41 óperas completas, gravadas em 91 CDs, com

178. Sérgio Ricardo. Quem quebrou meu violão, p. 231.

136 DISCOS EM BANCAS


gravações que já haviam sido lançadas em vinil pela Decca inglesa, uma
das gravadoras mais importantes no campo da música clássica.
Uma série lançada em 1996 foi The Jazz Masters: 100 anos de Swing –
Folio Collection. Essa coleção foi publicada por Ediciones Folio, com sede
em Barcelona. Criada em 1980, trabalhava apenas com livros, até que
em 1992 lançou-se no mercado de vendas em bancas de jornais com a
publicação de livros e fascículos acompanhados de CDs, CD-ROMs ou
DVDs.179 Nos anos 90, a editora expandiu suas vendas para a América
Latina, e é com essa iniciativa que a coleção The Jazz Masters aparece
no Brasil, em 1996. Os fascículos em português foram impressos em
Barcelona, e os CDs, como não contêm nenhuma palavra em português,
nem mesmo aqueles avisos que proíbem a sua transmissão, duplicação,
etc., (aparecem em inglês) provavelmente também foram fabricados no
exterior.
O ano de 1996 foi rico em lançamentos: junta-se às anteriores a
coleção Os grandes clássicos: história da música clássica, de Ediciones del
Prado, de Madri, formada por 75 fascículos e CDs que já vieram pron-
tos da Espanha e foram distribuídos pela Fernando Chinaglia Editores.
Embora em português, nota-se que a revisão deixou escapar palavras
que remetem ao original espanhol, como “independientes”, “alternan-
dose” e “herença”.180
Ainda em 1996, uma coleção mais especializada é colocada nas ban-
cas: Mestres do Blues, da espanhola Altaya, com 40 fascículos e CDs que,
como no caso anterior, já vieram prontos do seu país de origem e tam-
bém foram distribuídos pela Fernando Chinaglia.
Também em 1996 chegava ao Brasil outra coleção dedicada ao jazz,
publicada por Ediciones del Prado, de Madri, que tinha como título sim-
plesmente a palavra “Jazz”. A editora foi fundada em 1988 e sempre
se especializou em fascículos vendidos em bancas de jornais.181 A co-
leção era uma versão espanhola de original italiano: nos CDs, consta a
informação: “Licencia SAAR, Milano, 1994” e os dizeres aparecem em
espanhol, o que faz supor que também foram feitos no exterior. A parte
impressa ficou a cargo de uma gráfica em Madri.

179. www.folio-sa.es/. Último acesso em 24/5/2007.


180. Fascículo 25, primeira contracapa e página 25.
181. www.delprado.com. Último acesso em 28/5/2007.

DISCOS EM BANCAS 137


Em 1996/1997 é lançada nas bancas brasileiras a coleção Música
Sacra, por Ediciones Altaya,182 de Barcelona, composta de 75 fascículos
e 75 CDs. Os fascículos foram impressos na Espanha e os CDs, aparente-
mente, também vieram do exterior.
Uma importante coleção de música clássica vendida em bancas de
jornais foi a Deutsche Grammophon Collection, composta de 75 volumes
e 76 CDs (o primeiro contém dois CDs), também de Ediciones Altaya. A
Deutsche Grammophon é uma gravadora que sempre trabalhou exclu-
sivamente com música clássica, e em 1998 comemorou seu centenário.
Em 1999, a coleção era lançada, reunindo intérpretes de grande cele-
bridade: entre os solistas, Yehudi Menuhin, Sviatoslav Richter, Itzhak
Perlman e Plácido Domingo; como regentes, Karajan, Giulini, Barenboim,
Bernstein, entre outros; entre as orquestras, a Filarmônica de Berlim,
a de Viena e a Sinfônica de Chicago figuravam entre as incluídas. Na
verdade, assim como em outros casos, eram gravações que já haviam
sido lançadas no mercado, e estavam sendo reeditadas para um público
mais amplo. O fascículo introdutório dá uma ideia do planejamento de
marketing para que a coleção fosse bem vendida, quando diz:

Os fascículos poderão ser encadernados em três volu-


mes de 300 páginas cada um: o volume I apresenta o
período da Antiguidade até o final do classicismo; o vo-
lume II engloba o período romântico e o volume III, a
música contemporânea [aqui entendida como música
do século XX]. A coleção, de publicação semanal, inicia-
se com os fascículos correspondentes ao segundo vo-
lume, que serão seguidos pelos do terceiro e primeiro,
respectivamente.183

Dessa forma, a coleção começava com os compositores do período


romântico, mais apreciados pelo público. (Vale lembrar que a primei-
ra coleção da Abril, de 1968, iniciava com o Concerto nº 1 para piano e
orquestra de Tchaikovsky, uma das obras eruditas mais divulgadas em
todo o mundo – o gosto do grande público não mudou muito, mesmo de-
pois de três décadas...) Mais uma vez, os fascículos foram impressos na
Espanha, e no seu texto percebe-se que foram traduzidos em Portugal,

182. www.altaya.es. Último acesso em 28/05/07.


183. Deutshche Grammophon Collection. Fascículo de apresentação, p. 5.

138 DISCOS EM BANCAS


pois adotou-se a grafia desse país. Já a fabricação dos CDs ficou a cargo
da empresa brasileira Videolar, no Polo Industrial de Manaus.
Grandes Compositores é uma coleção lançada em 2005 por outra edi-
tora de Barcelona – Editorial Sol90 – que foi distribuída juntamente
com jornais em vários países. A que apareceu nas bancas brasileiras
é a edição portuguesa, vinculada ao jornal Expresso, de Lisboa, cuja
marca aparece na capa. A mesma editora também lançou uma coleção
de óperas, que foi vendida em bancas neste país. Em ambos os casos,
os fascículos na verdade são pequenos livros, com cerca de 50 páginas
cada um, que sintetizam a vida e a obra de um compositor e trazem um
comentário sobre a obra que consta do CD.
Também em 2005, e seguindo a mesma linha de Grandes Compositores,
o jornal Folha de S. Paulo lança a coleção Royal Philharmonic Orchestra.
Reafirmando a hegemonia espanhola nessa área, os originais vieram
do Mediasat Group, com sede em Madri. Esse grupo é especializado em
produzir coleções sob medida para seus clientes, como afirma no seu
site em inglês:

O repertório musical é selecionado de acordo com as


necessidades individuais dos clientes. Preparamos dis-
cos com compilações musicais para todas as ocasiões
e para cada público-alvo dos clientes, fazendo uso de
nosso bem provido catálogo musical. É sua decisão qual
tipo de música e quais intérpretes será incluído num
disco promocional (tradução minha).184

A coleção da Folha de S. Paulo é formada de 36 pequenos livros, com


cerca de 60 páginas cada um, acompanhados de um CD. Os livros foram
impressos no Brasil pela multinacional RR Donnelley Moore, e os CDs,
fabricados no Polo Industrial de Manaus pela empresa alemã Sonopress.
As informações para a divulgação são imprecisas, como quando dizem
que cada CD trará “as principais obras”185 do compositor (num só CD? e
suas obras não sinfônicas?). O volume dedicado a Chopin, por exemplo,
traz seus dois concertos para piano, e ignora toda a sua produção para
piano solo, muito mais importante.

184. www.mediasatgroup.com. Último acesso em 28/5/2007.


185. musicaclassica.folha.com.br. Último acesso em 28/5/2007.

DISCOS EM BANCAS 139


Nos últimos anos, a revista Caras, dedicada a falar da vida das cele-
bridades, também tem lançado coleções de CDs (além de coleções em
vídeo e objetos variados). Uma delas foi Jóias da Música, formada por 10
CDs que vinham acoplados à revista e, direcionados ao público de Caras,
continham somente trechos das composições clássicas mais conhecidas,
como a “Valsa das flores”, da suíte O quebra-nozes, de Tchaikovsky, ou
“Aleluia”, do oratório O Messias, de Haendel. Essa série teve o apoio cultu-
ral da Vinólia (provavelmente com a utilização de alguma lei de renúncia
fiscal). A versão original é da Barsa Produciones, também da Espanha.
Outra coleção de Caras foi a Música do século, com clássicos da música
popular norte-americana (somente estes constituem a “música do sécu-
lo”?). Para tanto, a Editora Caras apelou para a HHO – Henry Haddaway
Organization Ltd – “o maior licenciador independente de material au-
diovisual do mundo”, segundo o seu site.186 Do mesmo modo que a ci-
tada Mediasat, essa empresa, baseada em Londres, tem um catálogo do
qual se pode licenciar músicas ao gosto do cliente. Os CDs contêm um
“bônus”: reafirmando a vocação da revista, de alimentar o gosto do seu
público pela vida das celebridades, um deles traz uma faixa multimídia
sobre “Edward e a Sra. Simpson” (Eduardo VIII, tio da Rainha Elizabeth
II, foi o rei britânico que renunciou ao trono em favor de seu irmão e
casou-se com Walli Simpson, uma americana divorciada).
A coleção de fonogramas mais recente da revista Caras foi lançada
em parceria com a Azul Music, gravadora criada em 1993 e que, ini-
cialmente, se destacou no segmento de músicas para meditação e re-
laxamento. Essa gravadora ultimamente vem incursionando em outros
estilos musicais, como o lounge e a música eletrônica.187 A coleção dis-
tribuída pela Caras e produzida pela Azul Music é composta de “25 CDs,
onde traços culturais e musicais de cada região foram retratados pelo
cast de produtores e artistas da gravadora, e também por músicos e
artistas convidados de todo o planeta”, como diz a contracapa de todos
os CDs. A música de Bali, A música da África, A música do Tibete e A música
dos países árabes são os títulos de alguns CDs. Na verdade, trata-se de
simulacros da música desses países. De modo muito diferente da citada
coleção Povos e Países, muitas das faixas são interpretadas por artistas
nacionais que adotam nomes exóticos, e todas apresentam um produto
bastante pasteurizado, frequentemente com elementos de música pop,

186. www.hho.co.uk. Último acesso em 3/10/2007.


187. www.azulmusic.com.br Último acesso em 25/5/2007.

140 DISCOS EM BANCAS


lounge e new age. O CD com “a música de Bali”, por exemplo, apresen-
ta faixas com títulos como “Bali Sunrise” (Crepúsculo de Bali) e “Bali
Nights” (Noites de Bali), títulos que já sugerem um simulacro com um
perfume de Hollywood. Parece destinar-se a um público que só aprecia
entrar em contato com uma cultura diferente de longe e sem nenhum
envolvimento – como passageiros de um navio de cruzeiro observando
os nativos da amurada da embarcação.
Em setembro de 2007 era lançada pela Folha de S. Paulo a coleção
Clássicos do Jazz, composta de 20 pequenos livros, cada um com um CD,
com gravações de um grande nome do jazz. O formato é muito seme-
lhante ao da coleção Royal Philharmonic Orchestra, lançada pela mes-
ma Folha, mas desta vez os textos são assinados pelo brasileiro Carlos
Calado, crítico de jazz do jornal. O licenciamento dos fonogramas foi
feito utilizando-se o catálogo da Mediafashion, empresa com sede em
Portugal e escritórios em vários países europeus, Moçambique, México
e Brasil, e que, como outras companhias já citadas, fornece música ao
gosto do cliente para que este monte o seu produto.188 As seleções mu-
sicais nem sempre são as melhores. Um exemplo é o primeiro CD da
série, dedicado a Nat King Cole: embora o músico escolhido tenha sido
um grande pianista de jazz e a coleção seja dedicada a esse gênero, 12
das 14 faixas trazem o Nat King Cole cantor, interpretando um reper-
tório de música popular americana sem demonstrar as suas qualidades
jazzísticas. E não as melhores versões que Cole gravou dessas canções,
mas sim registros de um show em Las Vegas, em 1960.
Uma produção brasileira de 2009 foi a Coleção Folha 50 anos de Bossa
Nova, composta também de pequenos livros, com bonitas fotos – algu-
mas muito pouco conhecidas – e textos de Ruy Castro, um verdadeiro
“sacerdote” da bossa nova, acompanhados, cada um, de um CD. O gran-
de ausente dessa coleção é, sem dúvida, João Gilberto. Provavelmente
tendo como causa questões de direitos autorais, trata-se de uma ausên-
cia e tanto: João Gilberto foi quem estabeleceu um padrão de canto para
o gênero, quem gravou pela primeira vez a famosa batida ao violão (num
disco de Elizeth Cardoso) e quem registrou o primeiro disco do qual se
pode dizer que é integralmente bossa nova (Chega de Saudade – embora
a primeira gravação tenha sido a de Elizeth) e que foi lançado no mer-
cado, ainda em 78 RPM, em 1958. Nesta coleção, consta como editora a
já citada empresa Mediafashion, mas as produtoras originais das gra-

188. www.mediafashion.com.pt. Último acesso em 03/10/2007.

DISCOS EM BANCAS 141


vações são citadas na última página de cada número, com a tradicional
expressão “fonogramas gentilmente cedidos por” Sony BMG, Universal
Music, etc. Embora aqui e ali se notem inclusões não muito importantes,
e com a ressalva feita acima, de modo geral a coleção conta com grava-
ções bastante representativas do gênero que propõe celebrar.
Uma importante coleção lançada em 2009 foi Tesouros da Ópera, edi-
ção brasileira da coleção Los Clásicos de la Ópera: 400 años, publicada ori-
ginalmente pela editora Altea na Espanha em 2006. São 25 livros com
CDs que trazem gravações completas de óperas famosas, com obras
que vão do Orfeo de Monteverdi a Wozzeck de Alban Berg. Os livros são
visualmente atraentes, com textos de qualidade, oferecidos a um preço
nas bancas que é uma pequena fração do que se paga pela gravação
completa em CD de uma ópera, quase sempre importada. Trazem sem-
pre o libreto original na íntegra, com uma competente tradução para o
português, ao lado do texto original. As gravações, boa parte delas feita
nos anos 50, passaram por uma digitalização que produziu, em muitos
casos, uma surpreendente qualidade sonora: veja-se, por exemplo, o
registro de Rusalka, de Dvorak, feito em Praga, em 1952. Se para os es-
pecialistas no gênero nem sempre se trata das melhores gravações, ou a
sua qualidade de áudio não se compara a de gravações posteriores, em
alguns casos elas satisfazem mesmo os mais exigentes. É o caso de La
Traviata, de Verdi, gravada em 1953, com Maria Callas no papel-título,
de Tristão e Isolda, de Wagner, com Kirsten Flagstad, considerada uma
das maiores intérpretes wagnerianas de todos os tempos, ou de Lucia de
Lammermoor, de Donizzetti, com Renata Scotto e Luciano Pavarotti.
Deve-se mencionar, ainda, a coleção Grandes Compositores da Música
Clássica, lançada pela revista Bravo!/Abril Coleções também em 2009.
São 40 pequenos livros com um CD cada um. É uma coleção criada
no Brasil, com textos de João Marcos Coelho e Leonardo Martinelli, e
supervisão musical do maestro Roberto Minczuk. Os CDs trazem gra-
vações da Naxos, gravadora que lançou no mercado, a preços baixos,
numerosos registros de música clássica feitos na Europa Oriental. No
Brasil, muitos desses títulos da Naxos foram lançados pela gravadora
Movieplay. Curiosamente, o folheto de publicidade dessa coleção afir-
ma que a Naxos é uma gravadora americana, mas no site da própria
Naxos, informa-se que a “Naxos é criação de Klaus Heymann, um em-
presário alemão e amante da música, baseada em Hong Kong”, e que
suas atividades tiveram início em 1987.

142 DISCOS EM BANCAS


Os independentes nas bancas: o Disco de Bolso, versão
atual?

Pierre Aderne, a Gol Records e a Panela Records


Em sua tese de doutorado, Eduardo Vicente189 relata o trabalho do mú-
sico e produtor Pierre Aderne. Um CD com hinos de clubes de futebol
encartado na revista Placar foi o primeiro lançamento de Aderne para
ser vendido nas bancas. O êxito foi tamanho – 500 mil cópias vendidas
– que o levou a criar um selo, a Gol Records, especializada em produzir
e distribuir CDs para serem encartados em jornais e revistas. Alguns
números são astronômicos: foram vendidos 14 milhões de CDs com Cid
Moreira lendo trechos da Bíblia que, somados às gravações de Miguel
Falabela lendo poemas e às de um curso de inglês resultaram em 18
milhões de CDs! Mas Aderne queria viabilizar a produção de trabalhos
independentes, e cria um novo selo – o Panela Records.
Vicente lembra também que o primeiro álbum da Panela Records
foi do grupo Blitz, distribuído juntamente com o jornal O Dia, do Rio
de Janeiro. Segundo o site cliquemusic.uol.com.br esse CD, lançado
em 1999, vendeu 50 mil cópias.190 Em seguida, segundo o mesmo site,
Aderne inova mais uma vez pois, em vez de se limitar aos jornais e re-
vistas do Rio ou de São Paulo, tem feito lançamentos acoplados a perió-
dicos de cidades menores, como é o caso do CD de Oswaldo Montenegro,
distribuído juntamente com o jornal Tribuna do Norte, de Natal. Numa
semana, vendeu 10 mil cópias, número bastante expressivo para uma
cidade relativamente pequena como aquela. Aderne assinou contratos
com 440 jornais do interior do Brasil e outros 27 de capitais de estados
para comercializar seus CDs.

Lobão e outracoisa
Com a sua costumeira rebeldia, discordando dos critérios artísticos das
grandes gravadoras e desconfiando da lisura das suas contabilidades,
em 1999 o cantor e compositor Lobão resolveu lançar o seu CD A vida é
doce em bancas de jornais (além de algumas megastores e sites de ven-
das). O resultado não decepcionou: foram vendidos cem mil exemplares

189. Eduardo Vicente. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80
e 90.
190. www. cliquemusic.uol.com.br. Último acesso em 4 de outubro de 2007.

DISCOS EM BANCAS 143


dessa produção independente. Em 2002, ele foi um dos líderes do mo-
vimento que batalhou pela aprovação da lei que tornou obrigatória a
numeração de CDs lançados no Brasil, bem como a adoção, para cada
música, do ISRC (International Standard Recording Code), um código
alfanumérico que funciona como identificador básico de gravações fo-
nográficas digitais, contribuindo para a moralização da arrecadação de
direitos autorais.
Em 2003, Lobão punha nas bancas, em parceria com a editora L&C,
do Rio de Janeiro, o primeiro número da revista outracoisa (assim mes-
mo, em caixa baixa e com as duas palavras unidas), acompanhada de
um CD inédito, com periodicidade bimestral e uma tiragem inicial de
20.000 exemplares. Ele dizia no editorial:

Uma revista? Um CD? Um projeto híbrido de cultura


independente e guerrilha poética? Uma aposta em no-
vas possibilidades de veiculação da expressão e de arte
em geral? Sim. Tudo isso e muito mais paira por nossas
cabeças, nossos corações e nossos sonhos. Nasce essa
tal de outracoisa sob a égide do caos e processo, com o
objetivo insuspeito de a gente se repensar, se reinven-
tar, se reorganizar para se ter a liberdade de seduzir,
apavorar, provocar, perceber, criar muitos problemas e,
quem sabe, agenciar algumas soluções.191

A revista já lançou solistas e grupos de várias partes do país, como


BNegão (Rio de Janeiro), Wander Wildner (Goiânia), Cachorro Grande
(Porto Alegre), Mombojó (Recife) e Fauichecleres (Curitiba), além de um
CD com Arnaldo Batista (ex-Mutantes) e outro com o próprio Lobão. Na
sua busca por uma independência das gravadoras e das emissoras de
rádio e TV, e pela distribuição em bancas de jornais, as produções in-
dependentes de Aderne e da revista outracoisa não deixam de ter certa
semelhança, no que se refere à produção e distribuição, com o Disco de
Bolso dos anos 70. Mas situam-se em registro diferente em matéria de
estilos musicais: o seu universo é o do pop e do rock.

191. revistaoutracoisa.com.br. Último acesso em 23/05/2007.

144 DISCOS EM BANCAS


Considerações finais
Este pequeno estudo das coleções de fonogramas vendidos em ban-
cas de jornais está longe de pretender esgotar o assunto. Uma ou ou-
tra coleção pode ter sido deixada de lado e certamente haverá outras
maneiras de abordar o tema. Mas a sua importância parece ter sido
demonstrada: trata-se de milhões de exemplares discográficos, de va-
riados gêneros que, há 40 anos, têm sido distribuídos até em regiões do
país onde a banca de jornais é o único ponto onde se pode (ou se podia)
encontrar música gravada. Deve-se registrar o pioneirismo da Editora
Abril, primeiro lançando versões brasileiras de originais italianos e de-
pois produzindo o que, para o autor deste texto, é a mais importante
coleção já vendida em bancas: História da Música Popular Brasileira, não
somente por se tratar de música brasileira, mas pelo extenso trabalho
de pesquisa, elaboração de textos e recuperação de fonogramas, quan-
do não, de gravações feitas especialmente para a série (por essa razão
ela mereceu um espaço maior neste trabalho). Registre-se também a
possibilidade que a banca de jornais tem oferecido para a distribuição
de gravações independentes, de Sérgio Ricardo a Lobão.
Não foram incluídas neste artigo as gravações em VHS e DVD que
têm sido distribuídas em bancas, pois isso o tornaria demasiado longo
e abrangente: certamente esses produtos, com gravações musicais, mas
também documentários, filmes de longa-metragem, etc., poderão ser
objeto de outro trabalho.
CDs não musicais também mereceriam outra pesquisa: é o caso,
por exemplo, das gravações do padre Marcelo Rossi que jornais como
o Correio da Bahia ofereceram, em 2007, aos seus leitores – mas estes
não puderam adquiri-los nas bancas: apenas em dois postos do jornal
em Salvador.192
Nestes tempos de distribuição de música pela web, quando se afir-
ma que as próprias lojas de discos não sobreviverão, pode-se imaginar
que discos em bancas de jornais (e as próprias bancas) daqui a algum
tempo sejam coisa do passado. Mas nestas últimas décadas, a sua im-
portância tem sido enorme.

192. Conforme recortes de 16 de setembro de 2007, p. 2, enviados pela pesquisadora


Ayêska Paulafreitas.

DISCOS EM BANCAS 145


Referências bibliográficas

Fascículos e revistas
CLÁSSICA: A história dos gênios da música. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
DEUTSCHE GRAMMOPHON COLLECTION. Barcelona: Ediciones Altaya, 1999.
DISCO DE BOLSO: O tom de Antônio Carlos Jobim e o tal de João Bosco. Rio de
Janeiro: L&C Editora, n. 1, 1972.
GIGANTES DO JAZZ. São Paulo: Abril Cultural, 1980/1981.
OS GRANDES CLÁSSICOS. Madri: Ediciones del Prado, 1994.
GRANDES COMPOSITORES. Barcelona: Editorial Sol90, 2005.
GRANDES COMPOSITORES DA MÚSICA UNIVERSAL. São Paulo: Abril Cultural,
1968.
AS GRANDES ÓPERAS. São Paulo: Abril Cultural, 1971.
HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. São Paulo: Abril Cultural,
1970/1971.
HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: GRANDES COMPOSITORES (nova
versão). São Paulo: Abril Cultural, 1982/1984.
JAZZ. Madri: Ediciones del Prado, 1996.
JÓIAS DA MÚSICA. São Paulo: Caras, s/d
THE JAZZ MASTERS: Os reis do Swing. Barcelona: Ediciones Folio S.A., 1996.
MESTRES DA MÚSICA. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
MESTRES DO BLUES. Barcelona: Ediciones Altaya, 1996.
MÚSICA PELOS MESTRES. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
MÚSICA SACRA. Barcelona: Ediciones Altaya, 1996/1997.
A MÚSICA DO MUNDO. São Paulo: Caras, 2004.
OPERA COLLECTION. Orbis Fabbri.
OUTRACOISA. Rio de Janeiro: L&C, 2007.
POVOS E PAÍSES. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
ROYAL PHILHARMONIC ORCHESTRA. Madrid: Mediasat Group, 2005.

Tese
VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas
de 1980 e 1990. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes, 2002. (Tese de doutorado.)

146 DISCOS EM BANCAS


Livro
RICARDO, Sérgio. Quem quebrou meu violão. Rio de Janeiro: Record, 1991.

Periódicos
CORREIO DA BAHIA, 16 set. 2007.

Sites
www.altaya.es
www.azulmusic.com.br
www.abril.com.br/institucional/50anos/fasciculos.html
www.delprado.com.
www.folio-sa.es
www.hho.co.uk
www.mediasatgroup.com
www.musicaclassica.folha.com.br
www.revistaoutracoisa.com.br.
www. cliquemusic.uol.com.br

DISCOS EM BANCAS 147


RÁDIO, MEMÓRIA
E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA:
um estudo sobre a Continental AM,
de Porto Alegre, a partir de 1971

Sergio Francisco Endler

O som nosso de cada dia


Até 1971, a Rádio Continental AM 1120, de Porto Alegre, embora inte-
grante do Sistema Globo de Rádio, está isolada não somente na posição
do dial. Com programação inexpressiva, apenas sobrevive, como rádio
e empresa, no extremo sul da rede. Naquele ano, entretanto, tem início
a renovação radical.
Coordenada pelo radialista e publicitário Fernando Westphalen,
a nova programação da Continental surpreenderá a cidade com pro-
gramação inovadora, quer no radiojornalismo, quer na programação
musical ou, ainda, na customização da publicidade. Na Continental, a
nova música da cidade ganha microfone, estúdio e gravação, ainda que
artesanal. Logo, os novos artistas terão audiência, sempre crescente,
formada pela programação diária da Continental.
Em apenas três meses, sob o slogan “o som nosso de cada dia”, ou-
vintes e agências de publicidade já prestigiam, com a liderança no seg-
mento, a programação daquela equipe formada pela mescla de radialis-
tas experientes oriundos da então hegemônica Rádio Guaíba e jovens
jornalistas, alguns ainda cursando Jornalismo.
Musicalidade atualizada pela inovação e radiojornalismo interpreta-
tivo, com defesa da democracia, formam os pilares da programação da
Continental, cuja linguagem é alinhavada com humor, com os sotaques

RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 149


da cidade, nos modos de fala do jovem porto-alegrense, agora, radio-
fonizados.
Embora não seja a primeira emissora porto-alegrense com progra-
mação segmentada, nem sequer seja a única a buscar o público jovem,
a Continental inova ao selecionar o público estudantil e universitário,
exclusivamente, como foco da programação. E inova, sobretudo, na lin-
guagem e na oferta de cultura midiática ao público segmentado.
No contexto, a programação musical será o resultado otimizado de
estratégia de comunicação de massa até ali inédita para a cidade. Com
a Continental, o público estudantil e universitário sintoniza, ao mes-
mo tempo, com atualização aos padrões da música internacional, com
a inovação oportunizada pela nascente denominada MPB e, de modo
particular, pela organização e programação diária da emergente música
popular gaúcha (MPG), urbana e contemporânea, até ali desconhecida
do grande público e ignorada pelas demais emissoras concorrentes.
As limitações para (SEM O “a) o pleno desenvolvimento da progra-
mação da Continental e publicização dos produtos gerados pela emisso-
ra eram de diferentes grandezas. Primeiro, a restrição geográfica, pela
rádio estar distante do eixo Rio-São Paulo. Segundo, a restrição técnica,
a Continental possuía, inicialmente, equipamento defasado e pequena
potência de antena. Terceiro, a limitação física, embora a sede da rádio
estivesse no centro de Porto Alegre, o espaço físico era restrito a um
conjunto comercial e, depois, dois. A quarta restrição era política, pois
a rádio, sendo de oposição, operava sob a censura da ditadura militar
imposta ao país.
A utilização maximizada do material discográfico existente e, logo,
a produção de gravações caseiras próprias serão alternativas impor-
tantes na estratégia da Continental. Era através dessa dupla articula-
ção que a rádio conseguia, por exemplo, rodar lançamento de música
de John Lennon apenas 24 horas após a música ter rodado na matriz.
E, também, oferecer gravações exclusivas, inicialmente em fita mag-
nética, de sucessos locais com Hermes Aquino, Almôndegas, Fernando
Ribeiro, Nelson Coelho de Castro, Inconsciente Coletivo e Discocuecas,
entre outros. A consequente contratação de gravadoras nacionais des-
tes nomes surgidos na Continental contou com o trabalho de DJs como
Mestre Julio e Cascalho e as gravações de Francisco Anele e Bertoldo
Filho. As ações para garantir qualidade, criatividade e ineditismo ao
som da Continental contavam, ainda, com arranjos como a colaboração

150 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA


do Agente 1120, na verdade, anônimo e amigo comissário de bordo da
Varig, que garantia à emissora a colocação imediata de sucessos inter-
nacionais.
A estratégia da Continental incluía o lançamento de nomes emer-
gentes da MPB e não rodados em outras emissoras, como Milton
Nascimento, Sergio Sampaio, Sá & Guarabira, Gonzaguinha e Sidnei
Miller, entre outros. A programação contemplava, ainda, o Lado B de
inúmeros artistas cujo sucesso obliterara a rodagem de segunda can-
ção.
Enquanto a atualização do som internacional chegava, igualmente,
pela assinatura de listas top ten, como Billboard e Clashbox, a emisso-
ra alimentava a memória recente, rodando músicas no espaço “Flash
Back”, sob o slogan “jovem também tem saudade”.
Mas foi pela ação dos DJs e pelas gravações na máquina de dois
canais do chamado estúdio B que o grupo de radialistas e músicas ins-
creveram a Continental como marco fundamental para a divulgação e
memória da música popular gaúcha contemporânea. O quadro “Pediu,
rodou, ganhou”, por exemplo, garantia ao ouvinte que tivesse sua carta
sorteada, a programação da música preferida e o recebimento em casa
daquela gravação exclusiva, em “fitinha cassete”.

Machu Pichu e Vento Negro


O modelo de programação da Continental pode consolidar-se livre de
concorrência antes do surgimento da primeira rádio em FM de Porto
Alegre, que ocorre em 1975, com a estreia da Itaí FM. Aquele ano, tam-
bém é a data-chave para o início da avalanche Continental, que se de-
senvolve, em audiência e comercialização, programando a música local,
com sucesso.
Em 1975, surge, como expressão de acordo comercial-operacional
com a Lee, o personagem protagonizado por Julio Fürst, na condição de
“Mr. Lee” que, em breve tempo, reunirá músicos locais de diferentes ten-
dências, que passam a aparecer na programação diária da Rádio. Antes
disto, numa articulação que envolve Francisco Anele, Hermes Aquino,
grupo “Almôndegas”, entre outros, algumas músicas foram gravadas,
em experimentação, utilizando-se gravadora de rolos, nos estúdios da
própria Continental, em condições técnicas “heróicas”, dando início ao
ciclo de músicas aqui produzidas, gravadas e lançadas pela emissora.

RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 151


O mestre artífice destas gravações é Francisco Anele, com supervisão
técnica de Bertoldo Lauer Filho.
No ano de 1974, segundo entrevista de Anele para o autor, ele pre-
cisará dispor os instrumentos em diferentes distâncias dos microfo-
nes, para poder garantir efeitos de sonoridades desejadas para efetiva
equalização dos instrumentos nos arranjos musicais. O arranjo dos ins-
trumentos musicais, assim, nasce pela disposição física dos mesmos
em estúdio. É particularmente difícil gravar, em apenas dois canais, o
grupo Almôndegas. O resultado, entretanto, junto ao público, recom-
pensa músicos e técnico. O mesmo ocorre com Hermes Aquino, à época,
músico e compositor trabalhando como produtor de “Cascalho Time”.
“Machu Pichu”, de Aquino, em que o músico consegue simular o som
de um charango, utilizando uma viola de 12 cordas, “Vento Negro” e
“Até não mais”, com os Almôndegas, inscrevem-se, então, entre as mais
solicitadas músicas da Continental.
Na cidade de Porto Alegre, a juventude local contava, a partir daque-
le ano de 1974, com uma articulação, com uma experiência de constru-
ção de identidade, que ofertava música, rádio e, logo, shows, num espa-
ço compartilhado, onde as significações de ser urbano, porto-alegrense,
gaúcho, universitário e cosmopolita ganhavam corpo para milhares de
jovens participantes, a partir da articulação empreendida pela Rádio
Continental.
Na Rádio, aquele trabalho das gravações, segundo relatos do produ-
tor musical Beto Roncaferro, era feito após o horário normal de traba-
lho, altas horas da noite, em ritmo de mutirão. As produções ocorriam
utilizando-se mesa de dois canais, gravadas em fitas-rolo, no espírito
de “vamos gravar para ouvir como é que fica”. E foi um sucesso ines-
perado.
Inicialmente, as gravações rodam apenas no programa de Julio
Fürst. Daquelas exposições em parcos minutos, nos próximos meses,
Julio aumentará o espaço para 30 minutos de apresentação e, logo, pre-
cisará de uma hora exclusiva para a música local. O sucesso alcançado
garantiria, depois, espaço para as mesmas músicas dentro da progra-
mação normal de toda a emissora.
Depois deste sucesso local e regional, o próximo passo significou a
assinatura de contratos com gravadoras do centro do país. No mesmo
ano de 1974, as citadas “Machu Pichu”, de Hermes Aquino, e “Vento
Negro” e “Até não mais”, com os Almôndegas, garantem contratos para

152 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA


gravações, respectivamente, pela Tapecar e pela Continental. Esta úl-
tima gravadora contava com a coincidência de ser homônima à Rádio
como fator de atratividade, embora fossem empresas diferentes, sem
vínculos formais. Os artistas lançados pela Rádio Continental, a partir
de 1975, ganham exposição nacional, através de programas massivos
de televisão, como o Fantástico, na Globo, e igualmente, se transformam
em sucesso nacional de vendas de discos.
O ex-diretor Fernando Westphalen, até hoje, orgulha-se pelo fato de
ter a Continental “apresentado os músicos gaúchos para o seu público”.
Logo, entretanto, aqueles artistas serão cooptados pela rede maior da
indústria cultural nacional e, assim, no ano de 1976, tanto Almôndegas
quanto Hermes Aquino conseguem furar o bloqueio Centro-Sul, colo-
cando diferentes músicas em discos de telenovelas produzidas pela
Rede Globo.
Hermes Aquino conta com o sucesso do disco compacto simples,
que reúne “Nuvem Passageira” e “Machu Pichu”, pela Tapecar. Em 1976,
a Som Livre inclui a primeira música no LP da trilha sonora da novela
Casarão, de Lauro César Muniz.
Naquele mesmo ano, os Almôndegas têm a gravação da música
“Canção da Meia-Noite”, composição de Zé Flávio de Oliveira, instru-
mentista integrante do grupo, incluída no LP da trilha musical da te-
lenovela Saramandaia, de Dias Gomes, na TV Globo. O grupo, a contar
pela própria designação, que indica uma espécie de alimento compacto
e reprocessado, na prática, mescla a riqueza de sons regionais gaúchos
com a influência pop e rock, sem abrir mão do diálogo com a MPB da
atualidade, desenvolvendo acurada sonoridade musical.
A Continental já dispõe de inúmeras fontes musicais que alimen-
tariam, de modo distinguido, sua programação ao longo dos anos. O
manancial está por toda a Porto Alegre que, além do Musipuc, conta,
desde o início de 1975, com as chamadas “Rodas de Som”, organiza-
das pelo músico e compositor Carlinhos Hartlieb. Naquele espaço do
Teatro de Arena, Carlinhos convidaria, a cada sexta-feira, a partir da
meia-noite, nomes como Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves, Mauro
Kwitko, Mutuca, a banda Bixo da Seda (com alguns integrantes do an-
tigo Liverpool), entre outros. Para todos os movimentos, para todas as
tendências musicais, para todos os apreciadores de música, entretanto,
ainda faltava mestre Julio Fürst lançar, ironicamente, dia 1º de abril, o
aparecimento de Mr. Lee in Concert.

RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 153


“Vivendo a vida de Lee”
Julio César Fürst sempre apreciou muito a música e, por isso, desde
menino, esteve com ela, primeiro, por prazer e, logo, para trabalho.
Fará breve carreira como músico, chegando a atuar, profissionalmen-
te, antes do rádio, e, mesmo já profissional, como comunicador e DJ,
terá carreira eclética, passando pela música jovem internacional, fará
incursões pela black music and soul, investido no personagem “Julius
Brown”. No ano de 1973, sempre a partir das 22 horas, na voz de Beto
Roncaferro, a vinheta anunciava Mr. Julius com “O som é uma viagem
pra toda magrinhagem”. Depois, na cronologia, seria a vez de “Mr. Lee”
e, em seguida, Mestre Júlio.
Em 1972, Júlio iniciou carreira radialística, estreando na Rádio
Pampa, no mesmo período em que dirigia a loja Mozart Discos, na rua
24 de Outubro, que iniciava descentralização da oferta de vendas de
disco na cidade, até ali restrita ao centro de Porto Alegre, através da
King’s.
Julio Fürst, na época, gerenciava a loja e gravava fitas cassetes es-
peciais para amigos. Indicado por amigo comum, será contratado por
Otávio Dumit Gadret que, após enorme sucesso da programação seg-
mentada na popularesca Rádio Caiçara, pretendia investir, também, no
segmento jovem, através da recém-adquirida Rádio Pampa. Em 1972,
Julio Fürst era contratado para ser o programador da primeira concor-
rente no mercado da Continental. Fürst, apaixonado por rádio, desde os
tempos em que tocava bateria no conjunto The Rockets, iniciava, ali,
carreira como radialista. Com ele, estava o parceiro dos tempos de esco-
la e da loja de discos, George Gilberto Dorsch, o Beto Roncaferro.
Em 1973, Fürst é contratado pela Continental, junto com Roncaferro,
e leva consigo o personagem Julius Brown, com o qual apresentava, na
Pampa, programa de black music e soul. A experiência dura até 1975,
quando Brown será “exportado para o Nepal”, dando lugar ao novo
personagem “Mr. Lee”, a partir do momento em que aquela marca de
jeans recém-chegava ao Brasil, oficialmente.
Como profissional do rádio, Fürst, sobretudo, atuará movido pelo
enorme talento pessoal, associado à curiosidade musical e pelo sen-
so de oportunidade. Estas qualidades ensejam a oportunidade de ser
contratado como DJ patrocinado por marca de jeans internacional.
Inicialmente, embalado pela country music, Fürst será a nova voz radio-

154 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA


fônica que, definitivamente, reunirá, no mesmo espaço radiofônico, a
maior amostragem da música jovem urbana gaúcha, a partir de 1975.
Aquele movimento de aproximação e consagração entre o artista
local e o público representava uma imensa novidade para o rádio porto-
alegrense. Até ali, o dial do rádio mostrara-se descuidado com o público
jovem universitário, embora existissem opções mais popularescas.
Através da Continental, esta primeira parte daquele feito, responsá-
vel pela música local em microfone da emissora de Porto Alegre, devia-
se às ações de Julio Fürst. A outra parte, mais ampla e, igualmente,
significativa, ficou com o público e suas construções simbólicas e iden-
titárias de audiência, no acolhimento da programação diária e, depois,
na aceitação das exibições em concertos públicos, reunindo milhares
de ouvintes.
Entretanto, na origem do surgimento de “Mr. Lee”, existe uma cam-
panha publicitária bem articulada e um contrato comercial, selando
uma associação entre os fabricantes de jeans Lee e o grupo Renner, de
indústria e comércio de confecções. A agência de publicidade contrata-
da é a MPM, a mídia escolhida é a Rádio Continental e o DJ selecionado
para viver o personagem “Mr. Lee” é Julio Fürst. No dia 1º de abril de
1975, o primeiro programa entra no ar pela Continental, revelando o
“cowboy do rádio”, o “mocinho da Porto City”.
Os fabricantes da calça Lee, segundo entrevista para o autor Julio
Fürst, escolheram iniciar campanha nacional, a partir de Porto Alegre.
Certamente, contavam, nesta escolha, com a presença, aqui, do grupo
Renner, tradicional no ramo do vestuário, atuando desde a fábrica até a
oferta no balcão de lojas próprias, e, também, com a presença da MPM
Propaganda, a maior do Estado e entre as detentoras de maiores contas
no País. A Continental e Julio Fürst pegavam carona neste pool.
O projeto tivera protagonismo direto de Américo Bender, que per-
cebera oportunidade de realização de negócio de representação da Lee,
diante da demanda pelo vestuário jeans e pelo fato de não existir, a
não ser através de contrabando, possibilidade de oferta daquele tipo de
roupa para jovens.
Interpretamos que o fator regional possa ter auxiliado bastante
para aquela aposta da Lee no solo gaúcho como porta de entrada no
País. A tradição agropastoril do estado e o mito do gaúcho foram, tal-
vez, dados considerados relevantes pelos investidores, estrangeiros e
locais, quando da opção. Nos Estados Unidos, a Lee estava associada à

RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 155


figura do cowboy e, aqui no Brasil, trabalharia a mesma ideia, a partir
de um Estado que construíra a figura do gaúcho. De resto, conforme
localizamos na pesquisa, em passado recente, outra iniciativa seme-
lhante havia sido realizada com boa eficácia empresarial, associando
rádio, programa musical e roupa de brim.
Referimos, no caso, a associação entre programa de música e cultura
regionalista da Rádio Farroupilha AM, de Porto Alegre, criado em 1955
e outro patrocinador fabricante de jeans. O programa “Grande Rodeio”,
espaço para música, poesia e trova gauchesca, tornaria conhecida a
linha de produtos denominada de “Brim Coringa”, sobretudo calças,
produzidas, no Brasil, pela São Paulo Alpargatas. Ao longo da década
iniciada em 1960, os apresentadores Darci Fagundes e Luiz Meneses
consagrarão aquele espaço radiofônico, que passa a ser denominado
“Grande Rodeio Coringa”, levado ao ar todos os domingos à noite.
No projeto da Continental, o “Vivendo a vida de Lee” será programa
diário, sempre a partir das 22 horas. A emissora, antes, chega a divulgar
teaser, onde anunciava: “Não banque o bobo, não perca o 1º de abril”.
Na data indicada, em 1º de abril de 1975, o programa entrava no ar,
pela primeira vez, conforme vinheta histórica, recuperada pelo acervo
de Francisco Anele, tal como transcrevemos a seguir:193

TEC – RODA TRILHA INSTRUMENTAL EM B.G. E FICA.

LOC 1 – Primeiro de abril de 1975./ Um primeiro de abril


diferente./ Sem dúvida, uma data histórica para a des-
contraída moda da Brazuca./ A M.P.M. Propaganda e a
Rádio Continental anunciam o início de uma nova vida
para você./ A partir de hoje, você estará realmente viven-
do com total autenticidade e liberdade, a Vida de LEE./

TEC – RODA MÚSICA “Living the Life of LEE”. (TEMPO:


20 segundos). DESCE PARA BG e FICA.

LOC 1 – Com vocês, o enviado especial da H. D. LEE


Company./ MISTER LEE./

193. No roteiro de rádio, Loc é abreviação para locutor, assim como Tec indica acionamen-
to da técnica de áudio. Neste roteiro, procuramos manter grafia e modo para apresenta-
ção original.

156 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA


TEC – SOBE TRILHA SONORA em CHICOTE. (ouvem-se
efeitos de sons de tropel de cavalos, de tiros de revólver,
de relinchos)

LOC 2 – YAHOOO./ YAHOOO./ IORULEÍÍÍÍ./ IORULEÍÍÍÍ./


Respire fundo, Chará./ O Cowboy da LEE chegou./ Cheio
de som e comunicação nos cartuchos./

LEE, a marca registrada na totalmente transistori-


zada./ MISTER LEE, o Disk Jóquei batizado pela H. D.
LEE Company./ Trazendo um mundo novo todo azul
pra você./ Equipe técnica com MISTER LEE, o Cowboy
do Rádio, o Mocinho da Porto City./ MISSIÊ ANELE,
AUGUSTO ALMEIDA, e BERTOLDO LAUER FILHO./ É a es-
treia nacional de MISTER LEE in Concert./////

A voz do Locutor 1 é de Marcus Aurélio Wesendonk, e a do Locutor


2, de Julio Fürst, que imitava, caricatamente, um falar de cowboy. Os
efeitos de sonoplastia estão embutidos na trilha musical original, pro-
duzida sob encomenda para a Lee, na campanha original nos Estados
Unidos. A melodia é fortemente marcada pelo som de banjos, em estilo
country music, e a letra da música, em inglês, sugere, em resumo, que
viver a vida de Lee significa fazer tudo aquilo que se quer. A gravação,
no conjunto, é uma amostra do estilo Continental de fazer chamadas,
aberturas, peças institucionais e publicitárias, articulando gíria, língua
estrangeira, certo humor e informalidade no trabalho de linguagem,
em discurso marcado, também, pela autorreferência elogiosa (A peça
tem cerca de 2 minutos e 20 segundos de tempo total).
Nos Estados Unidos, a estratégia da Lee estava organizada de modo
a oferecer, uma vez por mês, shows ao vivo, com duas ou três bandas
famosas, através de cadeia de rádio, coast to coast.
No Brasil, a ideia de formar rede nacional com “Mr. Lee” sempre
existiu e, dessa forma, o programa “Vivendo a vida de Lee”, apresenta-
do por Fürst, será também transmitido pela Rádio Iguaçu, de Curitiba.
Naquele tempo, sem poder contar com serviços de satélites para trans-
missão, Fürst gravava todos os programas para Curitiba, que eram
apresentados no mesmo horário da edição porto-alegrense. Tratativas
com emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro chegam a ser firmadas.

RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 157


O acordo entre Renner e Lee baseava-se, do ponto de vista indus-
trial, na fabricação de vestuário, utilizando a infraestrutura da sócia
gaúcha, instalada em Porto Alegre. O marketing da Lee, inicialmente,
conforme sugestão do responsável brasileiro, Américo Bender, apoiava-
se na figura do personagem que subiria o Brasil, através de rede de
rádio, conforme os produtos Lee fossem ganhando mercado, rumo ao
centro e norte do Brasil.
No mesmo ano de 1975, Julio Fürst está sendo convidado para ser
jurado do Musipuc, tradicional competição que reúne músicos e uni-
versitários gaúchos, já em terceira edição. Igualmente, são jurados
João Batista Schuler, então, pela Rádio Porto Alegre; Alice De Lorenzi,
do Jornal Hoje; e Fernando Vieira, da TV Difusora, entre outros. Das 52
composições escritas, foram selecionadas 24, divididas entre duas noi-
tes classificatórias, dias 5 e 6 de junho. A cada noite, seis músicas fo-
ram selecionadas para a finalíssima, dia 7. Segundo o cronista do Jornal
Minuano, na edição daquele mês, o público “soube aceitar e aplaudir o
resultado final”, embora tenha chegado a vaiar o show de abertura do
grupo “Em Palpos de Aranha”.
O grande vencedor foi o conjunto “Status 4”, grupo vocal misto, que
apresentou a composição “Violeiro cantador”, com música de Edson
Santos e letra de Roberto Gonçalves da Silva. O segundo lugar ficou para
“Em mar aberto”, de Arnaldo Sisson e Fernando Ribeiro (ganhadores do
II Musipuc). A terceira colocada foi “Quem sabe?”, de Mauro Rotemberg
e Irineu Goldspan e, em quarto lugar, “Lar doce lar”, de Alexandre Vieira
e José Antonio Araújo (que defenderam a canção acompanhados de
Ângela Langaro, formando o Inconsciente Coletivo).
Julio Fürst relata que, em meio a todo o processo do Musipuc, ocor-
reu com ele uma conscientização de como articular toda aquela riqueza
musical ali mostrada, com o poderio da Rádio Continental e o interesse
do público universitário. A partir desta conscientização, transmite pelo
programa a participação dos finalistas. O sucesso é imediato. Então,
convida os participantes para realizarem gravações na Continental.
Segundo o técnico responsável pelas gravações, Francisco Anele, a
Continental ganha uma identificação imediata ao valorizar os músicos
daqui. “Havia naquilo uma coisa de porta a porta, porque, agora, era
o vizinho, o amigo, o colega da universidade, o conhecido de alguém
tocando sua música no rádio”, relata Anele.

158 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA


Fürst recorda que o horário do programa, a partir das 22 horas, coin-
cidia com o horário de saída dos estudantes, na Grande Porto Alegre, das
universidades. “Era uma ligação direta, entre a Rádio, os músicos daqui e
os universitários nos rádios dos carros e radinhos individuais”, conclui. O
operador Anele refere que a Continental “cedia o estúdio para os grupos
sem cobrar nada, à noite, quando o estúdio não estava sendo usado. A
gravação era feita em dois canais para reproduzir somente em mono”.
Mesmo assim, o interesse crescente do público pelas gravações na
programação da Continental levaria Julio Fürst para novas iniciativas:
a realização dos “concertos”, shows em teatros e, depois, a utilização
de uma hora inteira de programa tocando, então, somente músicas e
músicos locais. Para colocar esta ideia em prática, Julio Fürst reporta-se
ao responsável pelo marketing do programa “Vivendo a vida de Lee” e
grande idealizador do próprio personagem “Mr. Lee”, Américo Bender.
“Fui falar com meu patrão imediato sobre as minhas ideias. Era muita
novidade para fazer sozinho. A Lee com a ideia de cowboy e eu levando
sugestão para fazer programa com música de Porto Alegre.” Após argu-
mentar, Fürst recebe sinal verde de Bender, incluindo-se, a ideia de logo
fazer os chamados concertos, shows ao vivo com as bandas e músicos
locais. Bender concorda, até onde houver sucesso da empreitada. Se fa-
lhasse, ele retiraria o patrocínio. Os contratos para patrocínio exclusivo
de “Mr. Lee” eram iguais aos regularmente celebrados em campanhas
de rádio, isto é, com três meses de vigência, renováveis ou não.
Aquela ponte iniciada entre Rádio Continental, música de Porto
Alegre e público, sob patrocínio da Lee, entretanto, duraria três anos in-
tensos e marcantes. O rádio, a música e a cultura porto-alegrense, entre
1975 e 1978, ficaram marcados pelas estratégias e ações do “Mocinho
da Porto City” e seus parceiros, nos palcos e microfones.

Os concertos e os “Discocuecas”
A estratégia de visibilidade pelo oferecimento de shows de bandas e ar-
tistas locais, na verdade, completava o conjunto de ações iniciadas com
as aparições de Hermes Aquino, Fernando Ribeiro, Almôndegas, dentro
da programação da Continental, anterior à organização do “Vivendo a
vida de Lee”.
Pela ordem, primeiro fora necessário gravar as músicas, em muti-
rão. Depois, obter espaço mínimo e ir ampliando-o para apresentações

RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 159


aos ouvintes na programação da Continental. A aceitação dos ouvintes
garantia mais espaço na programação. Nenhuma outra rádio realizava
aquilo na cidade. Agora, tudo em rápido espaço de tempo, chegava a
vez de aparições em shows ao vivo nos teatros da cidade. Julio Fürst,
sempre acompanhado pelo parceiro Beto Roncaferro e equipe, estava
erguendo o “Vivendo a vida de Lee”, nas versões in concert.
Dia 13 de agosto de 1975, “Mr. Lee” leva ao palco do Teatro
Presidente, que estava inteiramente lotado, 13 bandas. O segundo in
concert ocorre dia 9 de novembro do mesmo ano, quando 18 bandas se
apresentam no Auditório Araújo Viana lotado, numa mostra de som que
iniciou às 17 horas daquele domingo e terminou, aproximadamente, às
2h30min da segunda-feira.
As edições do “Vivendo a vida de Lee in concert”, sempre transmiti-
das ao vivo pela Continental, logo, ganhavam platéias em Caxias do Sul,
Pelotas, Santa Maria e Passo Fundo, no interior gaúcho, e chegavam até
Curitiba, onde a produção mesclou bandas gaúchas e paranaenses no
show para cerca de seis mil pessoas.
Os esforços para movimentar a parafernália inteira levaram Julio
Fürst a constituir uma produtora, associando-se a Bayard Steigger. “A
empresa de sonorização contratada era a Cotempo, e os iluminadores
eram o Oscar, da equipe do Teatro Leopoldina e o Jerry”, relembra Fürst.
Segundo Julio, a “Lee dava apoio de mídia não somente ao programa,
mas dentro da Rádio e na mídia impressa e, ainda, alcançava algum
recurso para custeio básico inicial. Depois, tínhamos o rateio das bilhe-
terias para divisão entre todos os músicos, artistas e técnicos partici-
pantes”, segundo “Mr. Lee”.
O imenso prazer de reunir, no palco, artistas, bandas e grupos como
Mantra, Bobo da Corte, Byzzarro, Palpos de Aranha, Fernando Ribeiro,
Utopia, Gilberto Travi e Cálculo 4, Almôndegas, Hermes Aquino, Status
4, Mercado Livre, Nelson Coelho de Castro, Inconsciente Coletivo, Halai
Halai não excluía tarefas tão enfadonhas quanto delicadas como sub-
meter todo roteiro de cada show à Censura Federal: “Submetíamos cada
tomada de som, cada fala de artista ou minha no palco, cada letra de
música. Tudo parava na Censura e ganhava carimbo de autorização,
folha por folha.” Segundo Fürst, ele foi chamado, mais de uma vez, à
sede da Polícia Federal, porque “o pessoal se entusiasmava no palco, ou
para extravasar, ou por vontade de se manifestar mesmo, e terminava
falando coisas que não estavam no roteiro”, lembra “Mr. Lee”. Segundo

160 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA


ele, músicos como Fernando Ribeiro e Gilberto Travi, este último pelas
músicas de humor e ironia, estiveram, também, explicando eventuais
manifestações junto aos censores.
Quando chega o verão de 1978, os shows já não mais acontecem
e o programa, na Continental, igualmente, teria carreira encerrada.
Por questões comerciais e mercadológicas, segundo depoimento de
Julio Fürst, a Lee decide retirar o patrocínio exclusivo e encerrar aquela
campanha. No ar, morria “Mr. Lee” e nascia “Mestre Júlio”, que levaria
para novo horário, a partir das 18 até às 19 horas, onde antes estivera
“Cascalho Time”, novo programa somente de música popular brasileira,
que continuaria a programar, também, músicos de Porto Alegre.
Segundo depoimento de Beto Roncaferro, a maioria dos artistas
que participava do “Vivendo a vida de Lee” estava satisfeita. Havia boa
exposição na mídia, alguns já estavam com discos gravados, mas ha-
via muito trabalho, muita produção e esforços para deslocamentos e
ensaios e o rateio de bilheteria não era milionário. No contexto, dois
ou três grupos passaram a reclamar, pedindo melhor remuneração e,
com o descontentamento de alguns chegando a aparecer em jornais da
época, teria desgostado gestores da Lee que decidiram encerrar com o
patrocínio e, em consequência, com os shows.
Enquanto durou o patrocínio exclusivo, entretanto, “Mr. Lee”, com
ajuda na produção de Beto Roncaferro, e nas gravações com Francisco
Anele e nas transmissões, com auxílio fundamental de Bertoldo Lauer
Filho, todos eles associados a grande elenco de artistas locais, haviam
construído uma ponte musical, até então, absurda de realizar, antes
de existir a ação radiofônica da Continental, como afirmava o músico
e compositor Kledir Ramil, em depoimento para o autor. “A música de
Porto Alegre até existiria sem a Continental, mas não seria aquilo que
foi, nem seria aquilo que veio a ser, se não houvesse aquele espaço da
Rádio”, disse Kledir.
No mesmo ano de 1978, Beto e Julio serão escolhidos, respectiva-
mente, melhor discotecário programador e melhor apresentador de pro-
gramas musicais, ambos recebendo o troféu Negrinho do Pastoreio, na
promoção “Melhores do Rádio”, da Secretaria de Turismo do Estado. Os
dois amigos, em parceria com Gilberto Travi e João Antônio, davam início,
ainda, à carreira do grupo musical e humorístico Discocuecas. O grupo
ocupava os 15 minutos finais, diariamente, do novo programa de Mestre

RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 161


Júlio e, em 1978, ainda, lançava o primeiro LP pela gravadora gaúcha
ISAEC.
A experiência do grupo Discocuecas possibilitou, no mesmo mo-
vimento, organizar, na Continental, espécie de grupo espontâneo de
radiocomédia, já utilizado para gravação de peças publicitárias, e, pos-
teriormente, com ação na linha de programa de entretenimento. Assim,
o grupo fazia humor paródico, a começar pelo nome, alusão à onda de
música disco e a continuar com a criação de personagens que ganha-
ram memória, como Anacleto Batata, o repórter da colônia, em que
Gilberto Travi vivia uma recriação do típico “colono” alemão, e, ainda,
a dupla Rancheirinho e Mári Farmacinha que ironizava a famosa dupla
Teixeirinha e Meiry Terezinha, músicos regionalistas com programas de
rádio sempre patrocinados por diferentes marcas de remédios.

“Inconsciente Coletivo”
Ângela Lângaro, Alexandre Vieira e José Antônio Araújo são acadêmi-
cos de Psicologia da UFRGS que decidem formar o grupo Inconsciente
Coletivo, que ergue, na cidade, a trilha musical do grupo Halai Halai,
investindo na criação local da música country e de protesto. Logo,
Anginha, Xandi e Tonho conquistam o público pelos belos arranjos me-
lódicos e pelas letras de inspiração sessentista, de linha aproximada,
espelhada no proposto poético de Bob Dylan.
Naqueles dias, a pequena e brava sede do Diretório Acadêmico dos
Institutos Unificados – Daiu, antigo Instituto de Filosofia, Ciências
Sociais e Letras, fica ao lado do famoso Bar do Antônio e serve como lo-
cal para os primeiros encontros musicais, além de espaço para os deba-
tes políticos, discussões de conjunturas e realização de peças escritas, à
base do velho mimeógrafo.
Logo, a participação na mostra do III Musipuc levaria o “Inconsciente”
para palcos e públicos maiores, até a gravação de disco, pela Tapecar, e
novas excursões. Atualmente, Xandi continua a carreira como músico
profissional, sendo também um dos sócios-proprietários, hoje, do pub
Sgt. Pepper’s. Tonho tornou-se profissional liberal, e Anginha é psicólo-
ga clínica, tendo acrescido o sobrenome Becker do marido.
Além de peripécias, como acima apresentadas, o presente trabalho
resgatou, parcialmente, a história da Rádio Continental e seu protago-
nismo diante da indústria fonográfica. O trabalho é recorte de capítulo

162 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA


de pesquisa mais ampla, que pode ser consultada, na íntegra, no texto
final de minha tese de doutoramento.

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RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 163


REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO
E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA
DA MÚSICA194

Micael Herschmann

A música – como outros produtos da indústria do entretenimento –


sem dúvida segue perdendo valor, e as grandes corporações não sabem,
até o momento, ao certo como reagir e superar esta crise. Parte-se do
pressuposto neste trabalho195 de que os concertos ao vivo vêm cres-
cendo de importância dentro da indústria da música, e que isso está
relacionado ao alto valor que esta “experiência” tem no mercado, isto é,
à sua capacidade de mobilizar e seduzir os consumidores e aficionados
a despeito: a) do preço pago (muitas vezes bastante alto) para assistir
ao vivo às performances; b) e da alta competitividade que envolve as
várias formas de lazer e entretenimento na disputa de um lugar junto
ao público hoje no cotidiano.
Em uma entrevista concedida em 2007, Scott Ian, guitarrista da ban-
da norte-americana Antrax, fez uma afirmação bastante sugestiva: “(...)
nosso disco é o cardápio, mas o show é a refeição” (Sandall, 2007, p.
5). Diante da nova realidade de mercado que vem despontando, Edgar
Brofam, diretor da Warner, sentenciou em um depoimento concedido
recentemente: “A indústria da música está crescendo, entretanto, a in-
dústria fonográfica, não” (Economist.com, 2007). Desenvolvendo um

194. Uma versão mais resumida deste artigo foi publicada na coletânea intitulada Novos
Rumos da Cultura da Mídia (Ed. Mauad X), em 2007.
195. Agradeço não só ao CNPq e à Faperj pelo apoio a esta pesquisa, mas também às
bolsistas de iniciação científica Carolina Leal e Taiane Linhares pela colaboração na ela-
boração deste artigo.

REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA 165


argumento similar, a artista Marisa Monte, estrela da MPB, afirmou em
uma entrevista concedida em 2007 que pode vir a não lançar mais dis-
cos daqui em diante, pois, segundo ela, o valor do CD não passa hoje de
um real (Helal Filho, 2007).

Tecnologias/suportes e indústria da música


Os formatos ou suportes196 são temas significativos para a música po-
pular e proporcionam dados importantes aos pesquisadores que que-
rem estudar a história dos ciclos de mercado, mudanças no gosto dos
clientes e novas oportunidades que surgem para os músicos com as mu-
danças. Os formatos exerceram influência, afetando significativamente
a indústria da música (com reflexos especialmente sobre o marketing de
gêneros e, consequentemente, sobre o comportamento do consumidor)
e a cultura da música.

A primeira revolução foi deflagrada pela invenção da


prensa, que permitiu o armazenamento das partituras
musicais. As partituras não só deram um novo relevo à
criação musical, passando a exigir uma capacidade de
virtuosidade dos músicos, como também permitiram o
desenvolvimento da indústria de edição e, consequen-
temente, de empresas editoriais e de processos de re-
gulação de direitos de autor. (...) A segunda resultou do
desenvolvimento das tecnologias de gravação, que per-
mitiram armazenamento em discos e cilindros. A partir
daí se passou a ter música em casa, sem necessariamen-
te se dominar o ofício de “fazer música”. Os proprietá-
rios de direitos agora eram donos dos sons gravados e
das obras musicais. Isso gerou ganhos sem precedentes
na história da música e expandiu significativamente a
indústria: no século XX, os ingressos obtidos pelos usos
públicos da música passaram a ser tão importantes
quanto aqueles derivados da venda de música gravada.
Surgiram as supergravações – “perfeitas” (fruto da ma-
nipulação técnica em estúdio) –, que já não eram ape-

196. Antes da era digital e em rede, a indústria fonográfica utilizou vários formatos,
tais como cilindros, discos de vinil (álbuns simples e LPs) e as fitas K-7 (Shuker, 2005,
p. 143-144).

166 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA


nas reproduções fidedignas de interpretações realizadas
em concertos ao vivo. (...) A terceira revolução, a atual,
está relacionada ao desenvolvimento e à aplicação da
tecnologia digital ao universo musical. Essa tecnologia
amplia a definição de proprietário de um produto mu-
sical – desde a obra em si (partitura), passando pela in-
terpretação (disco), bem como pelos sons empregados
(a informação digital) – e as possibilidades de roubo e
pirataria. Além disso, ao mudar a composição digital
desde a criação até o processamento – tornando o ato
de criação musical uma prática multimídia –, intensi-
fica a crise da noção de autoria, tornando mais difícil
distinguir os papéis de músico e engenheiro, ou mesmo
de criador e consumidor. Esta tecnologia afeta também
a circulação e comercialização, produzindo o fenômeno
da “des-intermediação” (facilitando o contato direto do
músico com o público) (Frith, 2006b, p. 56-61).

Frith enfatiza que escrever a história da cultura associada à música


popular – especialmente do século XX – é analisar, por um lado, o seu
deslocamento do plano coletivo para o individual, e, por outro, a cons-
trução de uma aliança poderosa com os meios de comunicação.

O fonógrafo veio a significar que as atuações musicais


públicas podiam agora ser escutadas no âmbito do-
méstico. O gramofone portátil e o transístor de rádio
deslocaram a experiência musical até o dormitório. O
walkman da Sony possibilitou que cada indivíduo con-
feccionasse seleções musicais para a sua audição pesso-
al, inclusive, nos espaços públicos. Em termos gerais,
o processo de industrialização da música, entendida
em suas vertentes tecnológicas e econômicas, descreve
como a música chegou a ser definida como uma expe-
riência essencialmente individual, uma experiência que
escolhemos para nós mesmos no mercado e se constitui
em assunto de nossa autonomia cultural na vida diária.
(Frith, 2006a, p. 55)

Evidentemente, o fato de ser um consumo musical individualizado


– pelo menos até o momento atual (em que existe ainda uma hegemo-
nia da música gravada) – não significa que não ocorra também uma

REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA 167


contaminação dessa experiência de consumo no espaço público. Aliás, a
música sempre teve uma função coletiva, e mesmo quando compramos
discos e revistas ou escutamos rádio, fazemos isso com o objetivo tam-
bém de nos sentir parte de uma determinada coletividade que compar-
tilha gostos e códigos sociais. Podemos perguntar: ver concertos ou as-
sistir a shows na televisão são realizações específicas do âmbito público
ou privado? Nesse sentido, os meios de comunicação de massa tiveram
um importante papel neste processo, ao construir fronteiras entre o
espaço público e o privado relacionado a este tipo de consumo, o qual,
quando analisado com atenção, deixa transparecer que essas esferas
tendem a se embaralhar e contaminar. Na verdade, mais do que a pri-
vatização, ocorreu até o final do século XX um processo de individuali-
zação do consumo musical – a popularização, especialmente através da
mídia, da ideia de que a música é um bem de consumo, isto é, algo que
as pessoas podem possuir – que foi vital para o desenvolvimento des-
sa indústria. Os meios de comunicação mais tradicionais tiveram um
importante papel no desenvolvimento da indústria e na formação das
comunidades de consumidores: por exemplo, a aliança desta indústria
com a televisão (mesmo antes da existência de programas e emissoras
ao estilo da MTV), mas principalmente com o rádio, foi fundamental
para que essas empresas atingissem o mercado consumidor ao longo
do século XX.
Curiosamente, apesar do seu poder e da forte presença na vida so-
cial, os principais conglomerados de entretenimento que controlam o
mercado fonográfico – Universal (que detém 25,5% do mercado), Warner
(11,3%), Sony-BMG (21,5%), EMI (13,4%)197 – não vem conseguindo im-
pedir que a tecnologia digital, no seu agenciamento pela sociedade, ve-
nha gerando uma nova cultura da música em que não se dá tanto valor
aos fonogramas. Esta cultura atual, que se apoia na popularização das
novas tecnologias, está – como veremos ao longo deste artigo – impac-
tando profundamente esta indústria.
Evidentemente, com este argumento não se está sugerindo uma
maior autonomia dos consumidores e/ou se está relativizando o poder
dos grandes conglomerados de comunicação e entretenimento sobre
a sociedade contemporânea. Claro que, no mundo atual globalizado,
é cada vez mais evidente não só a forte presença econômica e política

197. Nos dados divulgados pela IFPI em 2004, as indies detinham 28,4% do mercado (IFPI,
2005).

168 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA


dos grandes conglomerados de comunicação e cultura, mas também os
processos de concentração de capitais (que oferecem inúmeros riscos
à democracia e ao pluralismo nas etapas de criação, produção e distri-
buição), o que poderia nos levar a conclusões simplistas: de que a tare-
fa destas empresas é fácil, de que controlam o mercado, de que quase
sempre obtêm êxito e assim por diante. Na realidade, a música sempre
se constituiu em um business marcado mais pelo fracasso do que pelo
êxito: quase 90% dos produtos geram perdas, o que acaba criando uma
“cultura da culpa” nas empresas (com uma tensão frequente entre os
departamentos de marketing e de Artistas & Repertório). Se já era com-
plicado antes desta crise da indústria fonográfica, hoje é muito pior o
ambiente dentro das gravadoras, especialmente no das majors: há uma
enorme pressão por resultados financeiros expressivos.
Negus ressalta a complexidade da vida social e avalia de forma bas-
tante crítica a tendência de alguns estudos conservadores em consi-
derar os conglomerados como uma estrutura monolítica e os artistas,
funcionários e consumidores como completamente guiados e absorvi-
dos pela lógica da indústria do entretenimento (Negus, 2006). Assim, o
que se constata – analisando as estratégias desenvolvidas pelas majors
nas últimas décadas – é que para obterem êxito ou menos fracasso,
elas vêm estabelecendo parcerias com as indies, a mídia, formadores de
opinião e fãs.
Se, por um lado, constantemente nos deparamos com matérias jor-
nalísticas que nos lembram que há uma crise da indústria da música,
por outro, é possível constatar sem muito esforço que a música – ao vivo
e gravada – é onipresente no cotidiano da sociedade contemporânea.
Atualmente, a música gravada, em especial, acentuou sua capilaridade
na vida social, e crescentemente vem sendo veiculada nos mais dife-
rentes suportes analógicos e digitais, sendo comercializada não apenas
como produto final, mas também como insumo para a composição de
mercadorias ou na forma de produtos e serviços que são oferecidos di-
reta e indiretamente aos consumidores.
Zallo ressalta que a indústria da música gravada se desenvolveu tan-
to no século XX que, em determinado momento, passou a usar a música
ao vivo praticamente apenas como forma de promover a música grava-
da, invertendo a situação de centralidade que a música ao vivo gozava
na atividade musical, até pelo menos as primeiras décadas do século
XX. Ao lado das apresentações de música ao vivo – em turnês e festi-

REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA 169


vais –, outra estratégia importante para a promoção dos fonogramas da
grande indústria era a da utilização da aprovação ou do aval de árbitros
do universo musical, tais como críticos de publicações musicais, pro-
gramadores de rádio e televisão, DJs que atuam em diferentes espaços,
promotores e comerciantes de discos, entre outros (Zallo, 1988).
Entretanto, analisando com mais cuidado as mudanças na cultura
e na indústria da música que vêm ocorrendo recentemente, é possível
atestar que a música ao vivo está recuperando um pouco do terreno
que havia perdido para a música gravada, ou seja, a música ao vivo está
ocupando, cada vez mais, um lugar menos periférico. E, em algumas
situações encontradas na indústria da música hoje – especialmente en-
volvendo os selos independentes e pequenas gravadoras – poder-se-ia
dizer que os fonogramas gravados é que vêm se tornando um comple-
mento, uma forma de reconhecer e rememorar uma experiência vivida
(Herschmann, 2007). Pode-se considerar que parte dos consumidores
mobilizados e que vão aos concertos de música dos mais variados gê-
neros, na realidade, buscam vivenciar ali “experiências” e sensações
consideradas por eles como sendo de significativa importância no coti-
diano (Pine e Gilmore, 2001).

Uma produção fordista?


Como já foi assinalado por boa parte dos estudos da indústria da mú-
sica, vêm-se produzindo em grande medida, ao longo das últimas
décadas, uma espécie de divisão de trabalho entre indies e majors: as
gravadoras e os selos independentes se especializaram na exploração
inicial de novos artistas, e as grandes companhias do disco controlam
a produção musical dos artistas “descobertos” (em geral pelas indies)
que tenham potencial para fazer sucesso em uma escala massiva (o que
significa um amplo controle e exploração, por parte dessas empresas,
das etapas de promoção, difusão e comercialização).
Podemos a esta altura perguntar: como está constituída a indústria
da música atual? Quais são as suas características? Será que nesse novo
contexto as indies vêm se tornando competitivas e alcançando êxito?
Para entender isso, é preciso analisar as mudanças estruturais que ocor-
reram na grande indústria e as dificuldades que essas empresas vêm
enfrentando. Yúdice argumenta:

170 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA


(…) a partir dos anos 1980, as grandes gravadoras já
não se concebiam como simples produtoras e distribui-
doras de música, mas sim como conglomerados globais
de entretenimento integrado, que incluem a televisão,
o cinema, as cadeias da indústria fonográfica, as redes
de concertos e mais recentemente a internet, e a difu-
são por cabo e via satélite (Yúdice, 1999, p. 116).

Nesse sentido, Negus também enfatiza que

(…) a indústria fonográfica (…) procura desenvolver


personalidades globais que possam ser veiculadas atra-
vés de vários meios – gravações, vídeos, filmes, tele-
visão, revistas, livros – e mediante também a publici-
dade, endossando produtos e o patrocínio de bens de
consumo (…). No final do século [XX], a indústria da
música tornou-se um componente integral de uma rede
globalizante de indústrias interconectadas de lazer e
entretenimento (Negus, 2005, p. 1).

Aliás, Negus critica alguns pesquisadores que insistem em consi-


derar a indústria da música como uma produção fordista. Este autor
enfatiza que o cotidiano desta indústria parece indicar mais do que a
lógica massiva de uma simples linha de montagem. Parece conviver
nesse tipo de produção uma dinâmica também mais flexível, de cunho
pós-fordista (Lash e Urry, 1994).

(...) desde sua aparição no século XIX, o negócio da mú-


sica gravada (e a indústria editorial das partituras nas
quais se baseiam muitas práticas de trabalho) foi orga-
nizado nos moldes de uma produção de pequena escala
e com vendas dirigidas a nichos de mercado instáveis,
junto à elaboração de grandes êxitos bombásticos (a
maioria das gravações que saíram à luz no século XX
nunca se comercializou ou foi vendida a um público de
massa). Além disso, desde seu início, a indústria fono-
gráfica empregou diversas atividades de marketing e
promocionais, legais e ilegais, em pequena escala e ba-
seadas em equipes, como estratégia para se aproximar
dos consumidores através de práticas que poderiam ser
etiquetadas como flexíveis (Negus, 2005, p. 41).

REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA 171


Nesse sentido, para Frith e Negus, há outros fatores que são deter-
minantes para o sucesso da produção musical atual (tais como a infor-
mação e o conhecimento que passam a ser utilizados como base para
a atuação das empresas) crescentemente segmentada (Frith, 2006a,
Negus, 2005). Aliás, nos últimos anos, alguns autores argumentam
que, principalmente nos países mais desenvolvidos, vêm sendo feitas a
gestão e a transição para uma nova economia, a qual se caracterizaria
justamente pela aplicação da informação e do conhecimento na busca
da geração de valores agregados associados aos produtos e serviços,
produzindo assim importantes reflexos nos processos produtivos e ope-
rações comerciais (Castells, 1999).
Nesse contexto – de transição da produção – constata-se que al-
gumas empresas do setor da música vêm encontrando caminhos para
alcançar a sustentabilidade. Ao mesmo tempo, inúmeras empresas de
música que estão focadas apenas na produção em grande escala e que
não estão empenhadas em perceber tendências e atuar em nichos de
mercado maiores vêm tendo dificuldades de obter êxito. Grande par-
te da “cultura do fracasso” da indústria da música está relacionada a
uma incapacidade dos profissionais deste setor de entenderem e sa-
berem enfrentar essas mudanças de paradigma produtivo. Não é sem
motivo que um significativo número de majors adota como estratégia
importante a busca de uma aliança com os selos independentes. O fato
é que várias majors demonstram dificuldades de flexibilização e vêm
buscando, através de sua articulação com as indies (mais flexíveis), in-
corporar novas estratégias para enfrentar os novos desafios do mundo
capitalista atual.
Assim, as indies investem na articulação com os atores sociais e na
cultura local: DJs e produtores musicais locais fazem um trabalho cru-
cial de mediação entre a produção independente e os nichos de mercado
cada vez mais pulverizados em diferentes territórios. Assim, quando a
EMI contrata uma cantora como Teresa Cristina da indie Deckdisc – que
está profundamente articulada à cultura local e ao território da Lapa
(RJ) –, está capitalizando o trabalho imaterial e a produção flexível já
realizada por alguns profissionais e pelas pequenas empresas do setor
(Herschmann, 2007).
Obviamente, não se está querendo dizer com isso que a tradicional
estratégia das majors em investirem em artistas capazes de produzir

172 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA


“supervendas”198 – em escala nacional/internacional – não seja mais
empregada de forma exitosa. Continua sendo a principal estratégia
adotada por essa grande indústria em transformação hoje. A indústria
que parece ter um perfil mais fordista quando lança um CD ou DVD do
U2, da Madonna ou do Coldplay é a mesma que busca flexibilizar sua
produção, articulando-se a pequenos selos independentes e/ou quando
faz contratos (muitas vezes temporários) com jovens que foram capa-
zes de mobilizar um público expressivo utilizando a internet, tais como
Artic Monkeys (na Inglaterra) ou Bonde do Rolê e Cansei de ser Sexy
(no Brasil). E é em razão disso que se parte do pressuposto de que este
momento é mais de transição do que propriamente de ruptura de pa-
radigma produtivo.
Mesmo com o êxito alcançado em vários momentos por essa tradi-
cional estratégia das majors, é possível identificar algumas mudanças
que sugerem a presença de uma lógica mais pós-fordista nas empresas
do setor. Primeiramente, reduziu-se significativamente a ocorrência de
“supervendas”, mesmo de artistas de renome. Nos últimos anos, o nú-
mero de artistas que alcançam este nível de vendas reduziu drasticamen-
te, a ponto de várias associações nacionais e internacionais de música
terem reduzido os índices de vendas que eram associados às premia-
ções dos discos (como, por exemplo, de ouro, platina ou diamante). Em
segundo lugar, é cada vez mais evidente a dependência crescente das
grandes empresas em relação aos profissionais que realizam trabalho
imaterial de grande peso simbólico no imaginário dos consumidores,
como os marqueteiros e designers (Lazzarato e Negri, 2001). E, finalmen-
te, a constatação de que muitas das grandes empresas de música – que
hoje são setores dentro dos grandes conglomerados transnacionais de
informação e entretenimento – reduziram tanto suas dimensões (com
a redução do cast de artistas contratados e da estrutura das empresas
pelo emprego da prática do downsizing, bem como do estabelecimento
de parcerias com os selos independentes) e praticamente terceirizam a
maioria das suas atividades, seja na produção, distribuição ou vendas.

198. As majors investem em artistas que demonstram capacidade de sobrepujar a con-


corrência, iniciando assim um “círculo virtuoso” que poderá converter um determinado
disco em um campeão de vendas (que geralmente está nas listas dos mais vendidos). Com
o aumento das vendas, cresce o espaço ocupado pelo artista ou pela banda nos veículos
de comunicação e, consequentemente, seu protagonismo no público (Buquet, 2002, p.
79-80).

REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA 173


Indústria da música – crise e perspectivas
Como já sugerimos no argumento desenvolvido até aqui, quando se
faz referência à crise da indústria da música, na realidade está se consi-
derando o atual contexto como sendo marcado pela reestruturação do
grande business da música gravada. É notório que a indústria da músi-
ca encolheu bastante desde 1997, não conseguindo atingir ainda o pa-
tamar de 1996, quando vendeu 39 bilhões de doláres; evidentemente,
vêm emergindo oportunidades de crescimento para as indies (tanto que
em 2005 elas já ocupavam 28% do mercado mundial) – especialmente
para empreendimentos culturais, capitaneados por elas, que envolvam
a música ao vivo; mas devemos evitar leituras ingênuas que sugerem a
simples decadência irreversível das majors ou dos fonogramas. Ou seja,
o contexto atual sugere mais um momento de transição e de reorgani-
zação do mercado.
Apesar de uma maior articulação das associações de indies, o merca-
do continua sendo controlado em grande medida pelas majors, e várias
indies são sustentáveis em função de uma relação de complementarida-
de com as majors. Alguns autores sugerem que ao consolidarem um mo-
delo de negócio on-line as majors poderão estar completando o estágio
atual de transição desta indústria: inclusive mostram que este processo
está em curso – destacando que inúmeras companhias transnacionais
têm investido pesado no mercado on-line, apostando no seu potencial
de crescimento num futuro próximo e comprando diversos empreendi-
mentos culturais das ponto.com, da mesma forma que tradicionalmen-
te ao longo de sua trajetória absorveram as empresas independentes,
fora da rede.
Generalizando, pode-se dizer que a crise da indústria está relacio-
nada aos seguintes fatores: a) um crescimento da competição entre os
produtos culturais, entre as empresas que oferecem no mercado globa-
lizado bens e serviços culturais – há claramente um aumento da oferta,
das opções de lazer e consumo; b) limites dados pelo poder aquisitivo
da população, especialmente em países periféricos como o Brasil; c) e o
crescimento da pirataria, não só aquela realizada através de downloads,
na rede, mas também a concretizada fora da rede.
É importante ressaltar que, em boa medida, esta crise da indústria
fonográfica, hoje em todo o mundo, refere-se em especial a uma perda
de legitimidade das majors frente ao seu público. Segundo alguns auto-
res, a pirataria bastante disseminada no mundo inteiro – especialmente

174 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA


depois da popularização do MP3 – é de certa forma uma “resposta” de
um público que não quer pagar o preço dos fonogramas exigido pelas
majors, através de um trust velado já estabelecido há algumas décadas
no mundo inteiro. A música gravada, portanto, parece ter perdido valor,
e a indústria até o momento tenta de alguma forma reagir a esta situa-
ção e sair da “crise”, adotando estratégias de intensa repressão aos sites
peer to peer (P2P), que oferecem trocas e downloads gratuitos de música,
e ao mercado ilegal de venda de CDs – aliadas ao emprego de ferramen-
tas de controle de circulação e reprodução dos fonogramas, oferecidas
pelas novas tecnologias.
Apesar dos esforços das gravadoras em mobilizar diversas entida-
des em vários países, o mercado ilegal de música continua a crescer:
estima-se que de cada três CDs vendidos no mundo um é pirata, totali-
zando, em 2004, aproximadamente 1,2 bilhão de unidades. No caso dos
downloads gratuitos, o levantamento é muito impreciso, mas trabalha-
se com a estimativa de que, em 2004, existiam 870 milhões de arqui-
vos de música circulando na internet (IFPI, 2005). Ao mesmo tempo, de
acordo com a IFPI, o Brasil figura entre os países que mais praticam a
pirataria no mundo (está na categoria daqueles países em que a atua-
ção ilegal já domina mais do que 50% do mercado), o que tem levado
diversas entidades a se empenharem em minimizar este quadro.
Curiosamente, mesmo as bandas e os cantores não parecem se opor
muito a que a pirataria seja praticada. Apesar de a maioria não apoiar
abertamente a livre circulação dos fonogramas, parece haver uma cons-
ciência mais ou menos clara não só de que a rede é fundamental para a
formação e a renovação de seu público, mas também de que os seus ga-
nhos advirão principalmente da comercialização da música executada
ao vivo, e que para isso precisam formar públicos. Em um polêmico arti-
go, bastante conhecido na internet, um dos músicos do grupo espanhol
Metallica,199 Ignácio Escolar (2002), argumenta que “é mais lucrativo
para ele ser pirateado”.
Em outras palavras, o aumento do consumo de música através dos
sites peer to peer (P2P) produz problemas para a grande indústria, mas
não necessariamente efeitos negativos para os artistas, pois essas redes
“(...) ajudam a proporcionar mais informações aos fãs, que assim podem

199 Não confundir com a famosa banda de heavy metal norte-americana, cujo nome o
grupo assumiu como forma de homenagem.

REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA 175


descobrir músicas, artistas e selos fonográficos que não têm tanta difu-
são como as majors (...)” (Miguel de Bustos e Arregocés, 2006, p. 42).
Portanto, o quadro que vem se desenhando no Brasil não é muito
diferente do que ocorre em outras partes do mundo – com a vantagem
(para a produção independente) de que a população aqui ouve mais
música local. Com o pouco investimento das majors em repertórios,
nota-se que há crescimento (ainda que limitado) da diversidade da pro-
dução musical nacional. Mas, ao mesmo tempo, ainda que contando
com as facilidades ofertadas pelas NTICs, o alcance destes fonogramas
produzidos autonomamente pelos atores ou pelas indies é limitado: sua
circulação se dá em certos nichos de mercado.
O fato novo dentro deste contexto de crise é que vem crescendo a
consciência dos profissionais de que a produção de música ao vivo con-
tinua valorizada e muito demandada pelo público. Os músicos, produ-
tores e gestores de indies que têm concentrado seu poder nos eventos
musicais têm tido não só um retorno interessante, mas também a pos-
sibilidade de perceber que a questão da pirataria passa a ser incorpora-
da não mais como um problema, mas uma oportunidade – como uma
estratégia para se angariar reconhecimento junto ao público. Se, por
um lado, talvez no business das indies seja possível constatar de forma
mais clara o crescimento da relevância da música ao vivo e a perda de
importância dos fonogramas, por outro, Yúdice (2007) nos lembra que
os concertos ao vivo – mesmo no universo das majors – vêm represen-
tando um percentual cada vez maior dos rendimentos produzidos pela
indústria da música: segundo dados da IFPI (de 2005), vêm crescendo,
só nos Estados Unidos, algo em torno de 15% nos últimos anos.
Segundo dados divulgados pela revista norte-americana Pollstar, se
é verdade que até bem pouco tempo os músicos conseguiam dois terços
da sua renda através das gravadoras, isto é, das vendas de CDs (o ter-
ço restante era obtido através de shows e publicidade/merchandising),
é preciso ressaltar que atualmente esta proporção se inverteu. Só nos
Estados Unidos as vendas de shows passaram de 1,7 bilhão de dólares
em 2000 para mais de 3,1 bilhões em 2006. A publicação destaca ainda
a preocupação das gravadoras, hoje, em garantir seus lucros: um núme-
ro expressivo delas está fazendo seus artistas assinarem contratos mais
abrangentes, ou seja, acordos de direitos plenos ou múltiplos (Revista
Pollstar, 2007). Em outras palavras, como uma alternativa para enfren-
tar o encolhimento de 30% do mercado de fonogramas dos últimos cin-

176 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA


co anos, as gravadoras vêm buscando adotar novas fórmulas, isto é,
vêm adotando como medida compensatória às suas perdas a alteração
dos contratos que preveem, entre outras coisas, a taxação de 10% das
bilheterias de seus artistas (Ney, 2006).
Cabe destacar ainda que, evidentemente, o interesse pelos concer-
tos ao vivo não vem impedindo que a reprodução on-line/off-line e o
comércio ilegal venham contribuindo para a “quebra” da cadeia pro-
dutiva da indústria da música. No contexto atual, fica difícil imaginar
como compositores que não fazem execução ao vivo, empresários do
mundo editorial-musical e outros profissionais vinculados aos grandes
estúdios de gravação poderão garantir sua sustentabilidade nesta ca-
deia de produção e consumo. É possível que, quando baixar a poeira e a
indústria da música terminar de se reestruturar, constatemos que não
só várias atividades profissionais do universo musical estarão em vias
de desaparecer, mas também que outras novas estarão emergindo. Em
resumo, poder-se-ia afirmar que atualmente a indústria da música vem
redefinindo seus modelos de negócio e sua cadeia produtiva e isso cer-
tamente trará implicações diretas para os profissionais que trabalham
neste setor das indústrias da cultura.
Mesmo a relativa recuperação que a indústria está vivenciando des-
de 2002 é consequência dos desdobramentos produzidos pela experi-
ência de se consumir música ao vivo. Os dados de 2004 e 2005 indicam
que o êxito das vendas dos DVDs tem permitido que a grande indústria
da música respire e em parte se recupere um pouco nos últimos anos.
Parece que o consumidor está de fato disposto a consumir e pagar por
este tipo de “experiência”.
O crescente número de espetáculos realizados é um forte indicativo
da importância econômica desses eventos para mover a indústria atual.
Os megaeventos continuam sendo realizados, apesar dos altos cachês
dos artistas e das bandas. Ao mesmo tempo, nunca se viram tantos
pequenos concertos realizados em diferentes localidades do Brasil e do
mundo. Segundo a Revista Forbes Brasil (edição de janeiro de 2003), o
mercado de espetáculos – de música ao vivo – no Brasil vem crescendo
significativamente. Além disso, examinando os números do mercado
nota-se que há claramente, desde 2005, uma elevação expressiva dos
preços dos ingressos, até hoje, bem acima da inflação registrada no
Brasil. Basta examinarmos os preços que eram cobrados por alguns mú-
sicos de renome do país – tais como Marcelo D2, Marisa Monte, Caetano

REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA 177


Veloso e constatamos isso facilmente. Para que se tenha uma ideia, an-
tes da crise da indústria, o preço dos shows era praticamente o mesmo
dos CDs.
Enquanto o preço dos CDs vem permanecendo bastante estável já
há alguns anos, o preço das entradas de concertos de vários astros in-
ternacionais vem atingindo preços estratosféricos: por exemplo, para
assistir a um concerto da Madonna, do The Police ou dos Rolling Stones,
um fã teve que pagar em 2006/2007, na Inglaterra, mais de 450 reais.200
A subida desses valores não afugentou o público e indica que este tipo
de receita passou a ser fundamental para os artistas e, em geral, para
os profissionais desta indústria.
Outra tendência no mercado é a realização de shows intimistas –
para um público VIP ou de superfãs – com mega-astros da música mun-
dial. Em 2007, o artista pop Prince, por exemplo, realizou um concerto
para aproximadamente 200 pessoas no Roosevelt Hotel (em Hollywood)
e as entradas para a performance custaram cerca de 3 mil reais cada.
Apesar do elevadíssimo preço, o público, de modo geral, dizia-se satis-
feito com o serviço, ou melhor, com a “experiência” ofertada.

Os shows de Prince no Roosevelt (...) atraíram uma mul-


tidão completamente mesclada, formada não só pelos
ricos e famosos, mas também por médicos, professores
e antigos fãs, dispostos a fazer pelo menos uma extra-
vagância na vida. Para Robert e Silvia Faris, delegado
aposentado e professora de Orange County, a experi-
ência incluiu Prince circulando por sua cabine, como
se ele estivesse tocando na sala de estar do casal. “Ele
ficou dançando bem na nossa frente”, disse Robert, 52.
“Daqui a 10 anos não vou me lembrar do preço dos in-
gressos, mas vou me lembrar da experiência” (Globo.
com, 2007).

É possível que a indústria da música consolide em breve novos mo-


delos de negócio e as vendas de música on-line venham a se constituir
em uma alternativa mais efetiva para a atual crise da indústria fonográ-
fica. É importante que se ressalte que as execuções ao vivo – a realiza-

200. Não é um fenômeno apenas local: em 2006, a entrada para o show de Elton John em
Las Vegas (EUA) custou em média 1.300 reais, e a de Robbie Williams, em Hong Kong, algo
em torno de 600 reais (Sandall, 2007).

178 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA


ção de concertos, turnês e festivais – continuam sendo uma importante
estratégia de promoção porque auxiliam o processo de mobilização da
mídia para a “cobertura” de um determinado trabalho musical, conso-
lidando uma imagem do produto. Portanto, não se está afirmando aqui
que a música gravada vá se tornar necessariamente complementar à
música ao vivo, mas que certamente a música ao vivo não é mais tão
periférica em relação à gravada como já foi no passado. Obviamente,
os relatórios econômicos da indústria revelam que os maiores ganhos
continuam relacionados à música gravada, mas essa proporção já foi
bem maior em anos anteriores (IFPI, 2006).
Em suma, é preciso reconhecer que vem ocorrendo uma reestrutura-
ção na indústria da música, na qual as experiências e sensações geradas
pelas apresentações ao vivo vão adquirindo claramente maior relevo.
Este dado é indicativo de mudanças mais profundas, que provavelmen-
te tenderão a ocorrer na indústria do entretenimento e, em geral, nas
atividades econômicas nos próximos anos.

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180 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA


SOBRE OS AUTORES

Andréa Pinheiro
Mestre em Educação Brasileira (UFC) e professora da Universidade
Federal do Ceará

Angela de Moura
Jornalista e mestre em Educação (PUC Minas). Professora do Centro
Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH). Coordenadora do Laboratório
de Rádio do Uni-BH.

Ayêska Paulafreitas
Mestre em Letras (UFBA) e doutoranda em Ciências Sociais (Unicamp).
Professora do Curso de Comunicação Social da UESC (BA).

Eduardo Vicente
Professor no Departamento de Cinema, Rádio e TV (CTR) da ECA/USP,
vice-coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Meios
e Processos Audiovisuais do mesmo departamento. A pesquisa desen-
volvida pelo autor para a produção desse texto foi realizada dentro do
projeto “O Outro Lado do Disco: a memória oral da indústria fonográfi-
ca brasileira”, desenvolvido entre 2007 e 2009 com o apoio da FAPESP
– Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

SOBRE OS AUTORES 181


Flávio Paiva
Jornalista, articulista do Diário do Nordeste e compositor.

Heloísa Maria dos Santos Toledo


Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista – Unesp/
Araraquara, com o trabalho intitulado Produção Independente de
Música – 1979-2001. Doutoranda pela Universidade Estadual Paulista –
Unesp/ Araraquara, com o projeto Trilhas Sonoras das Telenovelas: uma
discussão sobre os canais de difusão da música. Projeto apoiado pela
FAPESP. heloisatoledo@yahoo.com.br

Irineu Guerrini Jr.


Doutor pela USP. Professor de graduação e pós-graduação da Fac. Cásper
Líbero e da FAAP/SP. Funções já exercidas: produtor/diretor/narrador de
programas da TV Cultura de SP; diretor das emissoras Cultura AM e FM
de São Paulo; produtor/diretor/apresentador de programas de rádio da
BBC Brasil em Londres; apresentador da TV Bandeirantes, avaliador e
negociador de programas para a TV Cultura; diretor de programação e
aquisições da TV Escola, do MEC; idealizador e co-organizador do currí-
culo do curso de Tecnologia Musical, a ser implantado na USP Leste.

José Eduardo Ribeiro de Paiva


Professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação e dos
programas de pós-graduação em Artes e em Música do Instituto de
Artes da Unicamp. Atualmente, é diretor da Rádio e TV Unicamp.

Marcos Júlio Sergl


Pós-doutor em Comunicação pela ECA/USP, professor do curso de Rádio
e Televisão na FAPCOM – Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação
e na Unisa – Universidade de Santo Amaro, e do curso de Produção
Musical na Universidade Anhembi-Morumbi. Líder do Grupo de Estudos
de Comunicação da Unisa.

182 SOBRE OS AUTORES


Marta Regina Maia
Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e presidente do
Colegiado do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, da Universidade
Federal de Ouro Preto.

Micael Herschmann
Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do NEPCOM-
ECO/UFRJ.

Nair Prata
Jornalista e doutora em Linguística Aplicada (UFMG). No Centro
Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH) é professora do curso de
Jornalismo e do curso de especialização Criação e Produção em Mídia
Eletrônica – Rádio e TV e coordenadora do Núcleo de Imprensa.

Sergio Francisco Endler


Doutor em Comunicação Social e professor no Curso de Comunicação
Social da Unisinos,RS.

Sônia Pessoa
Jornalista e mestre em Linguística (UFMG). Professora do Centro
Universitário Newton Paiva e da Faculdade Estácio de Sá. Professora do
curso de especialização Criação e Produção em Mídia Eletrônica – Rádio
e TV do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH).

Waldiane Fialho
Publicitária e mestre em Artes Visuais (UFMG). Professora e pesquisa-
dora do curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade Estácio de Sá
de Belo Horizonte. Professora dos cursos de especialização Criação e

SOBRE OS AUTORES 183


Produção em Mídia Eletrônica – Rádio e TV e Comunicação Empresarial
do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH).

Wanir Campelo
Jornalista e mestre em Comunicação (Universidade São Marcos-SP).
Professora do curso de Jornalismo do Centro Universitário de Belo
Horizonte (Uni-BH). Coordenadora do projeto de extensão Radioescola
Ponto Com do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH).
Coordenadora e professora do curso de especialização Criação e
Produção em Mídia Eletrônica – Rádio e TV do Centro Universitário de
Belo Horizonte (Uni-BH).

184 SOBRE OS AUTORES

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