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EDITORA

GlOBO
capítulo 1
Um doce olhar para oalém 9

capítulo 2
Das estrelas para opapel 19
capítulo 3
Olivro encontra seu público 31
capítulo 4
Doutrina, história eciência 43
capítulo 5
"O telefone só chama de lá" 51
capítulo 6
Oprisioneiro de Uberaba 71

ílulas d ieo vier 4


Quase um ocom os espíritos
1910 Chico Xavier nasce em Pedro 1927 Tem oprimeiro contato com a 1939 Passa a psicografar os trabalhos do 1965 Vai aos Estados Unidos ara
Leopoldo (MG), no dia 2 de abril. doutrina espírita por causa d escritor Humberto de Camposl difundir o espiritismo e para fazer
191 Com a morte da mãe, Chico é uma irmã doente. mor oem 1934. um tratamento oftalmológico.
levado para acasa dos padrinhos. Torna-se secretário do 19 4 Éprocessado pela família de 1972 Concede uma entrevista de quatro
Amadrinha, mulher recém-fundado Centro Espírita lu's Humbe de Campos. AJustiça horas ao programa Pinga Fogo, da
desequilibrada, aplica-lhe surras e Gonzaga. No mesmo ano psicografa decide afavor do mé ium. extinta TV Tupi.
lhe inflige outros sofrimentos. pela primeira vez oconteúdo de Publica olivro Nos Lar, campeão 1980 Éindicado para receber oPrêmio
1917 Seu par casa-se com Cidália Batista, 17 páginas com a assinatura final de vendas dent todos os livros Nobel da Paz de 1981.
que volta a reunir todos os filhos de "Um espírito amigo': te psicogr u, com cerca de 1989 Apóia acandidatura de Fernando
do marido à família. 1931 Encontra-se com seu mentor 1.300.00 emplares até 2006. Collor de Mello à Presidência da
1919 Começa afreqüentar oGrupo espiritual, oespírito Emmanuel. 1 46 Fica doe e, vítima de tuberculose. República.
Escolar São José eatrabalhar 1932 Edita seu primeiro livro, Parnaso 1959 Muda-se para Uberaba ( G). 995 Um enfisema pulmonar deixa-o
numa fábrica de tecidos. de Além-túmulo. 1960 Pu tica, em parceria com o com apenas 35 quilos e preso a
1923 Conclui ocurso primário, após 1935 En para oMinistério da ambém médium W !do ieira, uma cadeira de rodas.
repetir a quarta série. Agricultura, trabalhando o livro Mecanismos da 1999 Publica sua última obra, Escada
1925 Começa atrabalhar como auxiliar na Fazenda Modelo de Pedro Mediunidade. de Luz, totarzando mais 40
de cozinha em um bar edepois Leopoldo. 1963 Aposenta-se após 30 anos livros edita 05.
como caixeiro em uma venda. de serviço. 2002 Morre enamente em sua {as I

em Uberaba, no dia 30 de junho.


Chi X vi I

Um doce o I h a r para o a I é m

o Maior Brasileiro da História, de acordo com os resultados da


eleição realizada pela revista Época na internet, com quase 10 mil vo-
tos, equivalentes a 36% do total de votos dados pelo público, partiu
para o mundo espiritual - do qual foi durante muitas décadas entre
nós uma espécie de embaixador e intérprete - há pouco mais de
quatro anos. Ele pode ser descrito como um exemplo acabado de
"antimaior': pela figura física frágil, modos simples, origem paupér-
rima e tom angelical com que, como muitos acreditam, foi o instru-
mento da transmissão de orientação espiritual para os estimados 30
milhões de simpatizantes do espiritismo em nosso país.
Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, conseguiu tornar-se, RENÚNCIA, SOFRIMENTO,
em 92 anos de vida, uma unanimidade nacional acima de qualquer incompreensões,
religião, tão importante para os espíritas quanto o fundador dessa obediência às
religião, o pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, co- determinações
nhecido como Allan Kardec, o Codificador. Kardec estabeleceu as do que os espíritas
/ bases e sistematizou a doutrina à qual o caboclo da mineira Pedro chamam de plano
Leopoldo adicionou o calor do espiritismo à brasileira, tornando-se, espiritual.
I sem favor, o maior e mais prolífico médium psicógrafo do mundo Uma vida quase
I
em todos os tempos. centenária de
trabalho duro
Ao falecer em 2002, a poucos dias de inteirar 75 anos de trabalho
e ininterrupto,
mediúnico ininterrupto, Chico Xavier havia psicografado mais de 400
psicografando
obras de aproximadamente 600 autores espirituais, abrangendo os centenas de livro
mais diferentes gêneros literários: poesia, romance, conto, crônica, e recebendo ou
história geral e do Brasil, ciência, religião, filosofia, literatura infantil. indo ao encontr
Mais de 25 milhões de exemplares de seus livros foram vendidos no de todos qu d I
Brasil. Apenas Paulo Coelho vendeu mais livros que ele no País. necessit m.
Chico Xavi r 11
10 Um doce olhar para o além

em família muito humilde. Era filho do operário e vendedor de bi-


REFUGIADO NO FUNDO Para o menino órfão que freqüentou apenas as quatro primeiras
do quintal da casa séries da escola e, mais tarde, para o obscuro caixeiro de armazém, lhetes João Cândido Xavier e de Maria João de Deus, mulher de forte
dos padrinhos, o escrever livros a um ritmo de até dez por ano foi um compromisso sentimento religioso, que lavava roupas para famílias da cidade e
menino Francisco, às vezes quase insuportável. Era, porém, segundo ele, uma determi- transmitira aos nove filhos o hábito da oração e do amor a Deus.
maltratado, conversa Dona Maria João adoeceu gravemente e morreu quando Chico
nação do mundo espiritual, que não lhe cabia questionar. O espírito
com oespírito da tinha 5 anos. Viúvo, desempregado e sem condição de cuidar dos
Emmanuel, tido como seu principal mentor, teria estabelecido para
mãe, que oconsola, nove filhos, João Cândido se viu obrigado a distribuí-los entre os
enquanto um grande
ele esta missão: escrever livros, formar leitores e espalhar os funda-
mentos da doutrina. Pois, segundo Emmanuel, "o livro é achuva que amigos. Chico foi morar com os padrinhos, José Felizardo Sobrinho
cão oalimenta,
fertiliza lavouras imensas, alcançando milhares de almas". A propó- e Maria Rita de Cássia.
fazendo lembrar,
sito de livros, em de abril de 2007 comemoram-se os 150 anos de No quintal da casa destes, onde morou e sofreu por dois anos
segundo um de seus
publicação da pedra angular dessa religião/filosofia/ciência, que é O - desde a morte da mãe até que seu pai se casasse novamente -,
biógrafos, oque a
Bíblia conta a Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. o pequeno Chico via, ouvia e falava com diversos espíritos. O espí-
respeito do profeta rito da mãe o consolava: "Tenha paciência, meu filho! Você precisa
Elias, alimentado com o DOLOROSO ABC DA MEDIUNIDADE crescer mais forte para o trabalho. Equem não sofre não aprende
pão e carne por a lutar". A mãe também anunciava que um anjo bom logo apare-
Faminto, com o corpo miúdo todo marcado pelas surras diárias
corvos, na caverna ceria para ajudá-lo.
que a madrinha lhe dava com vara de marmelo, e filetes de sangue
onde buscara abrigo. Assim ele aprendeu a apanhar calado, sem chorar.
escorrendo de pequenos furos produzidos por garfos que ela, sa-
dicamente, enfiava em sua barriga, o menino se refugiava todas as Desde que chegara à casa da madrinha, Chico sentiu o desprezo
tardes no fundo do quintal para rezar. com que ela o tratava. Dona Rita criava um sobrinho de 15 anos,
Aos 6 anos de idade, aturdido pelo sofrimento a que a madri- Moacir, que todas as manhãs sujava a cama onde Chico dormia, cul-
pava-o e ela, então, o surrava com vara de marmelo.
nha desequilibrada o submetia, o pequeno Francisco encontrava
Moacir tinha, também, uma ferida incurável na perna. A madri-
ali, depois de muito rezar, a calma e o convívio consolador com os
nha resolveu, então, seguir a simpatia de uma benzedeira, que man-
espíritos, sem saber ainda que aquela convivência viria a ser a razão
de toda a sua vida. dava que uma criança lambesse a ferida durante três sextas-feiras,
em jejum. A tarefa coube ao pequeno Chico. Inconformado, como
Mas naquele tempo ele não era ainda capaz de distinguir espíri-
contaria depois, ele se queixa ao espírito da mãe, que o aconselha
tos encarnados de desencarnados, ou de diferenciar o que perten-
a ter paciência. Eexplica que a simpatia não é remédio mas pode-
cia ao mundo material ou ao espiritual, tal a naturalidade com que l

ria aplacar a ira da madrinha. A ira de Dona Rita, diz a mãe é que
desde muito cedo circulava por essas duas esferas. l

poderia colocar em risco a sua vida. Mas avisa que os espíritos se


Muito cedo mesmo. Um fato sempre lembrado em suas bio-
encarregariam de curar a perna de Moacir.
grafias é uma explicação que ele deu em linguagem médica
- soprada por um espírito, disse - à família, com apenas 4 anos, Eassim foi feito. Ao ver que o ferimento do sobrinho fora curado,
a madrinha melhorou um pouco o tratamento que lhe dava.
sobre as razões do aborto de uma vizinha: "O que houve foi um
problema de nidação inadequada do ovo, de modo que a criança Chico também não recebia alimento suficiente para seu sus-
adquiriu posição ectópica". tento. Contou muito tempo depois que, durante um período,
Francisco Cândido Xavier havia nascido em São Leopoldo, na enquanto brincava sob as bananeiras do quintal, era visitado por
um cão de grande porte, que a cada dia trazia na boca um jatobá,
hoje região metropolitana de Belo Horizonte, em 2 de abril de 1910,
Chico Xavi r

fruta brasileira de grande valor nutritivo, mas de gosto e cheiro


não muito agradáveis.
O cão depositava o jatobá no chão, junto dele. Pequeno ainda,
Chico não tinha forças para quebrar agrossa vagem da fruta. O bom
animal, que ele nunca soube definir se era material ou espiritual,
rompia, então, a casca com os dentes e só desaparecia quando o
menino começava a comer afruta.
Seu amigo e biógrafo Carlos A. Baccelli, que narra esse aconteci-
mento no livro Chico Xavie( Mediunidade e Vida (editora Ideal), nota
que "o episódio faz lembrar o profeta Elias, refugiado em lugar ermo.
Conforme está em I Reis, 17:4 e 6, Jeová ordenou que alguns corvos
o alimentassem diariamente de pão e carne, e assim aconteceu".
....
CERTIFICO que, ~~ ~ ~.>-I ~._._ :....~_ -=-....
-" - ..... -.-..
...... ,... ~- ... ... "-
.• . .
.• a flse_ Ü9 • V_ _do livro N.o_ _1. _ João Cândido, afinal, casa-se novamente, agora com Dona Cidá-
de.. ~egistro ... de :~~~~m~~.tC?. e~C9n~ra-s·e. assent~:1~.,: :~ ~/ ~nc' sco de aula.....Qãng... _ lia Batista, pessoa sempre descrita como de grande generosidade e UM HOMEM, DOIS

~~ -~~---.-_ .. ·~~ido:a~~·· ·J2·~..de__ Abril de 1..2.1.º-. .. , disposição. No dia do casamento, ela pede ao marido que vá buscar nomes: o registro de
~~
todos os filhos que estão nas casas dos amigos. Ao ver o estado de nascimento aponta o
~ ...l ,;::..:;~::..horas e:--:.:--==..:::m~~.:..ne.t...a...c. "dane d.";). dro eo old{), . Chico, ela cuida de suas feridas, promete que ninguém mais baterá nome que ele deixaria
de lado na juventude
.........: _.~::.::.:"'-==-_do· sexo.._~~scUlt_~_:. de c6r~_or~D.~~. filhº-__~. e!?~.t..i .._~.º_.Qª- _ . nele e que, daquele dia em diante, ele passaria a ser seu filho.
para incluir o
. . ~.2.€g .....ºª.2_.. t,g_º.. _1;ǪY..-:-.._+.:_...'::;..J!.._..•....::...I.?-à .de ê O _~;r..r:?'§~ __ ~§'_~~...l ..:..!..::.:..:.:-_:_-:.:::::::::.._._.__
ã Chico começa a estudar aos 7 anos, apesar das muitas dificulda-
sobrenome do pai,
des de seus pais para manter os filhos na escola. A família decide
e dt!' -ao:n'l':.:_:.:-.;::..: _. .._.__.._._._.__:::;::.~..::::::.::._. ._ ;._ __ ; __.__._ __._ ~- _.. então plantar e vender legumes e verduras para a compra de ma-
Xavier. Este, afinal,
o culpado, pois pedira
sendo avós paternps ..:::.~~ .. r.:~2.~P_"t~._:ptn..t.Q.a..::.=:~ __ .__. _ terial escolar, uniformes e outras despesas. Chico ficou encarregado a um amigo para ir
e Dona ._3 oa~l~~.·_.ª~~~C·,.. gj~.?-_-;a~.~.l.~~_L.::=.::.::.=.:._._. ~._ _._._.__._ _ __ _. de oferecer os produtos nas ruas. ao cartório registrar
. , Como todos precisassem sair para trabalhar, dona Cidália era o menino. Era dia
sendo avós maternos.~ .. Jose á.. oc3_~.:..~ . ._.__..__ _.__
--- .. _--_._-.__... _ _-- ..
obrigada, algumas vezes, a deixar a casa só, pois precisava buscar
lenha em local distante. Foi quando a vizinha, aproveitando-se da
ausência de todos, passou a colher as verduras. A madrasta, não
de São Francisco de
Paula e, na católica
Pedro Leopoldo
te'ndo sido declarante_~~:.~......... .Q..... _r..._.==..iº.....:c.a.:... . . -. _
de então, dar aos
querendo ofender a vizinha, sugeriu a Chico que pedisse um con-
selho ao espírito de sua mãe. À tardinha, o menino foi ao quintal, re- nascidos o nome do
santo do dia parecia
zou, como fazia sempre que queria conversar com ela, e lhe contou
ser o mais correto.

.
Observ3ções _ ~ _ , __ _........................ . . o problema. A mãe lhe disse que realmente não deviam brigar com

: . :. : =.= =~ : ~.~ ~ .
Chico só veio a
os vizinhos, e deu uma idéia: que toda vez que sua madrasta preci-

====~=--= ~-, ._~=~~


alterar oficialmente
sasse se ausentar, fosse entregue achave da casa à vizinha, para que seu nome para
ela tomasse conta de tudo. Dessa forma, com tal responsabilidade, Francisco Cândido
o referido é verdade e dou fé. a vizinha não tocou mais nas hortaliças. Xavier na décad
Com o passar do tempo, Chico começa a ter contatos cada vez de 1960.
_ _.. _Pe .ro--_._.................
-.
L 09wldo . _ ~
Ii Xl1vi( I 1/

mais freqüentes com os espíritos. Nas missas! pela manhã! vê fi-


guras brilhantes transformarem hóstias em focos de luz e pessoas
já mortas trazendo rosas nas mãos. Ele relata o que vê e ouve a
Cidália e a seu pai. Assustado! João Cândido o leva para fazer a
primeira comunhão com o vigário de Pedro Leopoldo! Padre Se-
bastião Scarzello. Como isso não fora suficiente! o padre sugere
ao pai colocar o menino para trabalhar na Companhia de Fiação e
Tecelagem Cachoeira Grande! indústria em torno da qual a cidade
havia nascido! no final do século 19.
Ao conversar com o espírito da mãe! triste por não ser compreen-
dido por ninguém! Chico escutou dela que ele precisava modificar
sua maneira de pensar e se tornar uma criança disciplinada! para
não merecer a antipatia das pessoas. Deveria aprender a se calar e
manter silêncio ao se lembrar de alguma lição ou experiência rece-
bidas em sonho. Precisava ser obediente a Deus para que Ele! um
dia! lhe concedesse a confiança dos outros. Durante 7 anos conse-
cutivos de 1920 a 1927! ele não teve mais qualquer contato com a
mãe. Amoldou-se à comunidade católica! obedecia às obrigações
ditadas pelo catolicismo! confessava-se! comungava! comparecia
pontualmente à missa e acompanhava as procissões.
Chico Xavier 19

Das estrelas para o papel

Aos 10 anos, Chico encon rava sua primeira ocupação pro-


fissional, como tecelão, ao mesmo tempo em que se livrava da
incompreensão do pai, que muitas vezes pensara em interná-lo
num hospital psiquiátrico. O menino trabalhava na fábrica das 3 da
tarde à 1 da madrugada, repousava até as 6 horas, ia para a escola,
onde as aulas terminavam às 11 da manhã, almoçava, fazia outro
breve repouso e seguia para a tecelagem, para novo expediente.
Vamos encontrá-lo dois anos depois, em 1922, quando o País
comemora o centenário da Independência e o governo de Minas
institui vários prêmios para redações escolares sobre o tema. Apesar
do trabalho noturno, Chico vai bem na escola, onde surgem suas
primeiras manifestações de psicografia. CHICO CONSIDERAVA
No grupo escolar de Pedro Leopoldo, pré-adolescente, Chico que toda criança
escreve, ditado por um ser invisível: "O Brasil, descoberto por Ál- deve ser educada no
vares Cabral, pode ser comparado ao mais precioso diamante do trabalho. "Trabalho
mundo...". Ele comunica a visão à professora, dona Rosário, que desde pequeno e, não
não lhe dá crédito. Manda-o voltar à carteira e terminar a redação. fosse por semelhante
O trabalho recebe menção honrosa da Secretaria de Educação de providência, com
Minas, mas os colegas de classe, achando que ele tivesse copiado certeza eu teria me
o texto de um livro, exigem dele uma comprovação pública de perdido. No currículo
escolar deveria
sua capacidade de redação. Sortearam um novo tema, mais difícil:
ser incluída uma
"Areia". O espírito que havia ditado as palavras da outra redação
espécie de avaliação
marca presença novamente: "Ninguém escarneça da criação. O do que as crianças
grão de areia é quase nada, mas parece uma estrela pequenina cumprissem em
refletindo o sol de Deus...". casa, cooperando
Ele anotaria depois: "Muitas vezes, em aula, quando criança, ou- com os pais nos
via vozes dos espíritos ou sentia mãos sobre as minhas mãos que afazeres domésticos."
20 Das estrelas para o papel Chi X vi r

CHICO ESCREVERIA eu senti vivas, guiando meus movimentos de escrita, sem que os do espírito de dona Maria João, que ditou mensagens para a filha
a respeito dos outros as vissem. Isso me criava muitos constrangimentos". por intermédio de dona Carmem. A moça, algumas sessões depois,
primeiros tempos: Trabalhando e sofrendo, Chico concluiu o primário em 1923. Re- pôde voltar recuperada para casa.
/IÉcom saudade que petiu o último ano por ter adoecido mais de uma vez, vítima de di- Em 8 de julho de 1927, durante uma sessão, um espírito solici-
me lembro daqueles ficuldades respiratórias decorrentes da poeira de algodão da fábrica tou à dona Carmem Perácio que aquele rapaz de 17 anos - Chico
dias em Pedro de tecidos onde se empregara. - tomasse o lápis e escrevesse. Ele obedeceu e o espírito lhe ditou o
Leopoldo, quando, em Enquanto isso, sua família crescia com o nascimento de outros conteúdo de 17 laudas, que ele preencheu.
companhia de alguns Assim, Chico lembraria, mais tarde, essa sua primeira expe-
cinco irmãos. Com a saúde prejudicada pela longa jornada de tra-
poucos amigos,
balho, Chico muda de emprego. Vai trabalhar no Bar do Dove, de riência mediúnica:
visitávamos
Claudomiro Rocha, onde varria o chão, lavava louça e cozinhava. "Era uma noite quase gelada e os companheiros que se acomo-
os irmãos que
residiam na periferia. Mas, como o salário era tão pequeno que não lhe permitia comprar davam junto à mesa me seguiram os movimentos do braço, curio-
Repartíamos com sequer um par de sapatos, dois anos depois trocou esse estabeleci- sos e comovidos. A sala não era grande, mas, no começo da primeira
eles oque nos mento pelo armazém do padrinho José Felizardo Sobrinho, onde, transmissão de um comunicado do mais Além, por meu intermédio,
era possível levar, apesar de ter de trabalhar como balconista das 7 às 20 horas, o esfor- senti-me fora do meu próprio corpo físico, embora junto dele. No
orávamos juntos, ço físico era bem menor que na fábrica de tecidos e o pagamento, entanto, ao passo que o mensageiro escrevia as dezessete páginas
comentávamos maior que no bar. que nos dedicou, minha visão habitual experimentou significativa
o Evangelho, Maria da Conceição Xavier, irmã de Chico, adoece em maio de alteração. As paredes que nos limitavam o espaço desapareceram.
transmitíamos 1927, apresentando um grave desequilíbrio mental, tratado sem su- O telhado como que se desfez e, fixando o olhar no alto, podia ver
passes... Aqueles estrelas que tremeluziam no escuro da noite. Entretanto, relancean-
cesso pela medicina convencional. Afamília, então, recorre ao auxílio
inesquecíveis
espiritual prestado pelo casal José Hermínio Perácio e Carmem Pena do o olhar no ambiente, notei que toda uma assembléia de entida-
momentos de
Perácio, esta considerada uma médium dotada de raras faculdades. des amigas me fitava com simpatia e bondade, em cuja expressão
felicidade até hoje me
servem de sustento É a primeira sessão espírita que acontece na casa de Chico. O adivinhava, por telepatia espontânea, que me encorajavam em si-
para as lutas" . casal, que atendera ao pedido de João Cândido, deslocando-se de lêncio para o trabalho a ser realizado, sobretudo animando-me para
Curvelo até Pedro Leopoldo, deixa sobre a mesa dois livros: OEvan- que nada receasse quanto ao caminho a percorrer:'
gelho Segundo o Espiritismo e OLivro dos Espíritos, de Allan Kardec. Algumas reuniões depois, dona Carmem contou que os espíri-
Nessa sessão, narraria o próprio Chico, o espírito de dona Maria tos lhe mostraram um quadro: do teto do recém-fundado Centro
João se manifesta por dona Carmem. Diz: "Meu filho, eis que nos Espírita Luiz Gonzaga, "chovia livros" sobre a cabeça do jovem Chico
achamos juntos novamente. Os livros à nossa frente são dois tesou- Xavier. Só mais tarde, o grupo pôde compreender a alegoria: o que
ros de luz. Estude-os, cumpra com seus deveres e, em breve, a bon- se via eram as centenas de livros que ele psicografaria, dos "mortos':
dade divina nos permitirá mostrar a você seus novos caminhos". nas décadas seguintes.
O jovem Chico lê os dois livros, informa-se sobre o que é me-
di unidade e compreende então a razão das visões que tivera desde o MESTRE SE APRESENTA
muito pequeno com as pessoas mortas. Echega àconclusão de que Fazendo um retrospecto de sua trajetória, anos depois, Chico re-
só a doutrina espírita é capaz de explicar tais comunicações e de conheceria: "A meu ver, tive três períodos distintos em minha vida
ajudá-lo a equilibrar-se. mediúnica. O primeiro, de completa incompreensão para mim, é
O tratamento bem-sucedido da irmã contou com a orientação aquele dos 5 anos de idade, quando via minha mãe desencarnada,
22 Das estrelas para o papel

a proteger-me, até os 17 anos, época em que me via sob a infiuên-


cia de entidades felizes e infelizes, até que a misericórdia do Senhor
penetrou nossa casa, em maio de 1927".
Chico, o casal José Hermínio e dona Carmem, além do irmão José
Xavier e do padrinho José Felizardo, haviam criado o primeiro centro
espírita de Pedro Leopoldo, num barracão onde morava seu irmão.
José se torna presidente, Chico, secretário, e o padrinho, tesoureiro
do Centro Espírita Luiz Gonzaga. O nome homenageava o religioso
italiano quinhentista e santo da Igreja Católica, nascido na nobreza,
que renunciou à herança paterna para tornar-se jesuíta, considerado
modelo de pureza. A primeira mensagem que Chico recebe é do
espírito da mãe, dona Maria João.
As mensagens saídas do lápis de Chico atraem os moradores de
Pedro Leopoldo e região. Para atender ao número crescente de filia-
dos, o centro espírita se muda, cerca de um ano depois, para instala-
ções mais estruturadas, numa sala alugada na casa de José Felizardo.
Seu ato de fundação prevê sessões públicas às segundas, quartas e
sextas-feiras, para estudo e divulgação da doutrina espiríta, científica
e cristã; e, às quintas, "sessões privadas e de caridade".
Otrabalho mediúnico de Chico Xavier, em que se destacava, des-
de os 17 anos, sua capacidade de psicografar mensagens transmiti-
das pelos espíritos desencarnados, vem receber em 1931 o impacto
de um encontro espiritual formidável e·fundamental para o futuro
da doutrina espírita no Brasil e no mundo. JOVEM CHICO
Naquele ano, seu encontro com o espírito Emmanuel teve o efei- caminha com o
to de catapultar o caixeiro obscuro e exemplar da minúscula Pedro pai, João Cândido
Leopoldo de então, a despeito da sua genuína humildade, à con- Xavier, por Pedro
dição de - no dizer das organizações religiosas espíritas - "maior e Leopoldo. Este
mais prolífico médium psicógrafo do mundo em todos os tempos". não entendia por
Emmanuel será seu instrutor daquela data em diante. Os espí- que um jovem
dotado de recursos
ritas consideram que ele foi em encarnações passadas o senador
espirituais, como
romano Públio Lentulus, morto durante a erupção do Vesúvio, no
Chico, continuava
ano 79; depois, voltou a encarnar como o escravo judeu Nestório, a viver em situação
morto na arena entre cristãos; veio a ser, séculos mais tarde, o je- de penúria material,
suíta português Manuel da Nóbrega, catequizador de índios em trabalhando
nosso país, fundador da cidade de São Paulo; e, ainda, o padre es- como caixeiro
de armazém.
)/

PHRNASO panhol Damiano, vigário em Ávila, destemido opositor dos merca-


dores de escravos. Como Emmanuel, um sábio condutor de almas,

DE A'LE TU ,IL tem como missão, segundo os espíritas, disseminar a doutrina do


espiritismo cristão, ditando mediunicamente livros de conscienti-
zação e elevação espiritual.
O primeiro encontro de ambos acontece quando Chico, ao bus-
car refúgio à beira de um açude nas cercanias de Pedro Leopoldo,
para meditar e orar, é surpreendido pela imagem de um senhor
imponente, vestido com túnica típica dos sacerdotes. Essa é uma
passagem de sua biografia relatada por diversos autores, entre eles
Carlos A. Baccelli.
Como Chico relatou, Emmanuel se apresenta e explica a ele as
exigências que teria de cumprir caso quisesse trabalhar na mediuni-
dade. Segundo biógrafos, relatos do próprio médium e incontáveis
matérias em diferentes meios de comunicação, teria ocorrido o se-
guinte diálogo entre ambos:
- Está você realmente disposto atrabalhar na mediunidade com
Jesus? - perguntou-lhe Emmanuel.
- Sim, se os bons espíritos não me abandonarem ... - respondeu
o médium.
- Não será você desamparado - disse-lhe Emmanuel. Mas, para
isso, é preciso que você trabalhe, estude e se esforce ~o bem.
- Eo senhor acha que eu estou em condições de aceitar o com-
promisso? - perguntou Chico.
- Perfeitamente, desde que você procure respeitar os três pontos
. \, básicos para o serviço ...
Como o protetor se calasse, o rapaz perguntou:
- Qual é o primeiro?
PÁGINA DE ROSTO DA
A resposta veio firme:
primeira edição do
- Disciplina.
polêmico Parnaso
- Eo segundo?
de Além-Túmulo,
- Disciplina. de 1932, com a
Eo terceiro? dedicatória de Chico
- Disciplina. Xavier ao amigo,
A segunda orientação que Emmanuel dá ao médium é assim jornalista eescritor
descrita por este: espírita Jorge Rizzini.
28 Das estrelas para o papel hi X lvi I

"Lembro-me de que num dos primeiros contatos comigo ele me enquanto outras adversidades o infelicitam nesse ínterim: falece
preveniu que pretendia trabalhar ao meu lado, por tempo longo, a boa madrasta Cidália Batista, que ele considerava sua segunda
mas que eu deveria, acima de tudo, procurar os ensinamentos de mãe, e Chico descobre, no olho esquerdo, uma catarata no olho
Jesus e as lições de Allan Kardec e, disse mais, que se, um dia, ele, que o acompanhará avida inteira. Os espíritos Emmanuel e do mé-
Emmanuel, algo me aconselhasse que não estivesse de acordo com dico Bezerra de Menezes o orientam a tratar-se com os recursos
as palavras de Jesus e de Kardec, que eu devia permanecer com da medicina humana e não contar com quaisquer privilégios da
Jesus e Kardec, procurando esquecê-lo:' esfera espiritual.
O acordo inicial com Emmanuel previa a produção conjunta O impacto provocado por Parnaso de Além-Túmulo para além do
de cem livros. círculo espírita foi tanto maior quando se soube que o livro tinha
Chico resumiu: "Desde que Emmanuel assumiu o comando de sido escrito por um "modesto caixeirinho" de armazém do interior
minhas faculdades, tudo ficou mais claro, mais firme. Ele apareceu de Minas Gerais, que mal completara o primário. Mas os direitos
em minha vida mediúnica assim como alguém que viesse comple- autorais da obra são doados à Federação Espírita Brasileira e Chi-
tar a minha visão real da vida". co continua atendendo ao balcão do armazém e mantendo suas
A partir de então, chegam ao papel trabalhos de diversos poetas funções no Centro Espírita Luiz Gonzaga, servindo aos necessitados
falecidos. E, do papel, saltam para o livro. Apoiado pela Federação com receitas, conselhos e psicografando as obras do Além.
Espírita Brasileira, ele publica em 1932 sua primeira obra psicogra- Junto com a notoriedade trazida pelo livro, Chico tem sua sobrie-
fada, o célebre Parnaso de Além-Túmulo, coletânea de 56 poemas dade colocada à prova por ofertas de presentes e distinções, que o
atribuídos a espíritos de 14 poetas brasileiros e portugueses. acompanharão por toda a sua vida e que ele recusará. Foi o caso do
O livro provoca polêmica, elogios e críticas às vezes duras e mes- milionário Frederico Figner, proprietário da Casa Edison e introdutor
mo ofensivas. Não são poucos os literatos da época que o acusam do fonógrafo no Brasil, que destinou em testamento uma soma con-
de haver produzido um pastiche . "Quem ler durante 60 dias, noite e siderável ao médium. Chico Xavier fez doação de todo o dinheiro.
dia, dia e noite, apenas Euclides do Cunho, escreverá no estilo de Eucli- Da mesma forma, prosseguem os ataques de adversários, que
des sem notável esforço, sem fazer uma ginástica mental muito duro" tentam desmoralizá-lo, e de inimigos espirituais, que buscam atingi-
- escreveu o acadêmico Raymundo Magalhães Júnior. lo com tentações.
Outro crítico literário de prestígio na época, Agripino Grieco,
emendou: "Se émistificação, parece-me muito bem conduzido. Tendo
lido os paródias de Albert Sorel, Paul Reboux eCharles Mulle( julgo ser
difícil (isso digo com o maior lealdade) levar tão longe o técnico do pas-
tiche. Não sei como elucidar o coso. Fenômeno nervoso? Intervenção
extra-humano? Faltam-me estudos especializados poro concluir".
O poeta Menotti Del Picchia se expressa mais favoravelmente:
IIDeve haver algo de divindade no fenômeno Francisco Xavier. O mila-
gre de ressuscitar espiritualmente os mortos pelo vivência psicográfica
de inéditos poemas é prodígio que somente pode ocorrer no faixa do
sobre-humano".
O espírito da mãe aconselha-o a não responder aos críticos,
o livro encontra seu público

A década de 1930 marca o surgimento dos romances na obra


psicográfica de Chico, logo após o Parnaso de Além-Túmulo. Em es-
pecial os romances ditados por Emmanuel, além da famosa obra
atribuída ao espírito de Humberto de Campos, Brasil, Coraçõo do
Mundo, Pátrio do Evangelho, em que a história do País recebe uma
interpretação mítica e teológica. São eles:
Crônicos de Além-Túmulo (Humberto de Campos), de 1937; Emma-
nuel, de 1938; ACominho do Luz (Emmanuel), de 1938; e Há Dois Mil
Anos (Emmanuel), de 1939.
DA DÉCADA DE 1930
Em 1935 sai asegunda edição de Parnaso de Além-Túmulo, revista
em diante, pela
e ampliada com ainclusão de poemas psicografados de Olavo Bilac.
primeira vez, o
A edição definitiva juntaria 259 poemas de 56 poetas. público leitor passa a
Naquele mesmo ano, o jornalista Clementino de Alencar, de dispor de uma gama
O Globo, vai a Pedro Leopoldo, onde permanece por um mês, variada de obras que
participa de diversas sessões no Centro Espírita Luiz Gonzaga, abordam a doutrina,
realiza várias entrevistas com Chico e publica uma série de re- a história do
portagens sobre o médium, divulgando seu nome para além cristianismo eos
das fronteiras de Minas Gerais e atraindo pessoas de todo o País. aspectos científicos
Inaugura assim o que se tornaria uma rotina nas décadas seguin- do espiritismo
captados pelo lápis
tes: a interminável sucessão de romarias chegando diariamente
do médium de Pedro
a Pedro Leopoldo.
Leopoldo. Oano
Por esse tempo, José Felizardo fica doente e não consegue man-
de 2007 marca o
ter em dia o magro salário de Chico, que busca trabalho temporário sesquicentenário
na Inspetoria Regional do Serviço de Fomento da Produção Animal, de publicação da
na Fazenda Modelo de Pedro Leopoldo. Meses depois, o armazém obra inaugural de
vai à falência e Chico consegue tornar-se servidor da Inspetoria, na Kardec - OLivro
função de escrevente-datilógrafo. dos Espíritos.
32 O livro encontra seu público
(hi X vi I

A catarata no olho esquerdo surgiu quando recebia um dos os raminhos e os batia delicada e repetidamente no pé de Chico.
poemas publicados em Parnaso de Além-Túmulo. Chico sentiu Depois enxugou-o, beijou-o e calçou-o.
uma coceira forte, "como se fossem grãos de areia': contou depois. Dois dias depois, emocionado, Chico contava o episódio aos
Esfregava o olho, mas não adiantava, mal conseguia distinguir os amigos. Sua vidência lhe mostrou que o líquido da bacia foi ficando
versos que sua mão ia colocando no papel. escuro e lodoso à medida que a moça banhava seu pé, fazendo com
A catarata o faria sofrer diariamente, por toda a vida. Em de- que a dor o deixasse lentamente.
terminada noite, com muitas dores, Chico resolve pedir auxílio a
Emmanuel, que lhe responde com dureza: "Sua condição não o UMA PLANTINHA NA VENTANIA
exonera da necessidade de lutar e sofrer em seu próprio bene- Em 1944, Chico Xavier e a Federação Espírita Brasileira são sur-
fício, como acontece às outras criaturas. Se nem Cristo teve pri- preendidos por um processo movido contra ambos pela viúva do
vilégios, por que você os teria?". Conformado, Chico mais tarde escritor Humberto de Campos, dona Catarina Vergolino de Cam-
11 ' definiria a doença que o fazia sofrer dia e noite como sua "melhor pos, e seus filhos.
enfermeira': agradecendo a Deus pela oportunidade de evolução Como titular dos direitos autorais das obras escritas em vida por
espiritual que ela lhe proporcionava. Humberto de Campos, afamília ingressa com uma ação declaratória
O olho direito sofria de um estrabismo divergente pronunciado. em que solicita que a Justiça determine se os livros psicografados
Apesar da catarata e de diversas outras doenças que o castigaram por métodos mediúnicos são de autoria, ou não, do escritor.
durante toda a vida, ao longo dos 30 anos em que foi servidor da Caso se julgasse que não, a família pleiteava a apreensão dos
Secretaria da Agricultura de Minas Gerais, Chico não faltou um dia exemplares em circulação, mais as sanções da lei, além de proibição
sequer ao trabalho. do uso do nome de Humberto de Campos em qualquer publica-
Data desse tempo um episódio interessante narrado por Carlos ção e pagamento de indenização por perdas e danos. E, se ficasse
Baccelli no livro Chico Xavier, Mandato de Amor. Segundo esse relato, provado que os livros eram mesmo do espírito de Campos, que a
Chico vinha sofrendo de fortes dores num dos pés, e mancava, sem Justiça declarasse se os direitos sobre tais obras deveriam perten-
que os médicos que o atenderam pudessem aliviá-lo. Diariamente, cer exclusivamente à família, como detentora dos direitos sobre as
os funcionários da Fazenda Modelo eram trazidos de volta para casa obras escritas em vida, ou à Federação Espírita Brasileira, a quem
em charretes, que, ao retornarem a Pedro Leopoldo, tinham de pas- Chico havia cedido os direitos autorais.
sar pelo Biriba, nome dado à zona de meretrício da cidade. Para determinar aautoria dos cinco livros póstumos de Humber-
Uma tarde, ao passarem pelo local, Chico e seus companheiros to de Campos psicografados por Chico, a viúva pedia que fossem
foram chamados pelas moças que viviam ali. Uma delas, dirigindo-se produzidas todas as provas científicas possíveis, incluindo demons-
ao Chico, disse: "Venha até a minha casa, preciso lhe falar". Os cole- trações mediúnicas para verificação da sobrevivência e "operosida-
gas logo fizeram gracejos e comentários maliciosos, mas ele desceu de" do espírito do escritor, exames grafológicos e estilísticos dos
da charrete e foi até a residência da moça. textos escritos por Chico Xavier e depoimentos dos envolvidos e
Ali, as prostitutas reunidas o receberam com profundo respei- também de testemunhas.
to. Pediram-lhe que sentasse, a moça que o abordara trouxe uma O advogado Miguel Timponi, convidado a patrocinar a causa da
pequena bacia com água limpa, pediu permissão para descalçá-lo, Federação Espírita Brasileira, baseou sua defesa no argumento de
colocou seu pé doente na bacia e, segurando uns raminhos de flo- que não caberia ao Poder Judiciário declarar por sentença que uma
res do campo, rezou, secundada pelas companheiras. Ela molhava ou mais obras literárias tivessem sido ou não escritas por um morto.
Ii Xllvl 'I

Uma sentença que entrasse nesse mérito, dizia sua contestação, es-
taria ferindo o princípio de liberdade religiosa assegurada pela Cons-
tituição. Seria, portanto, decisão ilícita e contrária à lei.
Mas o advogado, apesar disso, apontou como uma das teste-
munhas da defesa ... o espírito de Humberto de Campos, que anos
antes escrevera no prefácio do livro Crônicas de Além-Túmulo estar
feliz por se ver livre dos contratos com sua editora. Da esfera espi-
ritual, Campos ditara: "Enquanto aí consumia o fosfato do cérebro
para acudir aos imperativos do estômago, posso agora dar o volu-
me sem retribuição monetária".
O processo pôs novamente o médium mineiro nas manchetes
dos jornais, em meio às notícias sobre a Segunda Guerra Mundial,
que já se encaminhava para o seu término.
Mais que preocupado, pois se dizia que ele poderia ser preso a
qualquer momento, Chico apela novamente para o severo Emma-
nuel. Pergunta se seria preso ali mesmo, onde era mais conhecido,
ou se iria para o cárcere em Belo Horizonte, ou, pior, no Rio de Ja-
neiro. Emmanuel o tranqüiliza: "Meu filho, você é planta muito fraca
para suportar a força das ventanias. Tem ainda muito que lutar para
um dia merecer ser preso e morrer por Cristo'~
A nova onda de popularidade, em que "figurões" da cultura na-
cional se viram forçados a tomar posição a respeito dos livros psi-
cografados por Chico Xavier para tratar do "processo Humberto de
Campos" nas colunas que mantinham nos mais destacados jornais
e revistas do Brasil, foi, de qualquer forma, muito benéfica à causa
espírita e à missão do médium. Deu a ambos visibilidade e desper-
tou em pessoas de todo o País enorme curiosidade a respeito dos
fenômenos que estavam sendo discutidos nos tribunais.
Exemplo do que se discutia naqueles dias é este artigo publica-
do em O Estado de S. Paulo de 12 de agosto de 1944, assinado pelo
escritor Mário Donato:
"A Justiça deverá pronunciar-se dentro em breve sobre a ques-
tão das reportagens que, por intermédio do médium mineiro
Francisco Xavier, o saudoso Humberto de Campos tem feito nos
espaços interplanetários desde que nos abandonou. A questão
é inédita e fascinante. Afinal, o Conselheiro XX continua, e abre
38 O livro encontra seu público

com a sua sobrevivência todo um largo horizonte para a nossa


esperança, ou não continua e, nesse caso, corre de novo o véu
sobre os destinos humanos? Acreditaríamos piamente nas suas
palavras se ele nos falasse; mas seria realmente ele quem nos fa-
lou? Se resolverem que as produções psicografadas pelo médium
são mesmo de autoria de Humberto de Campos, os magistrados,
círculo dos mais conspícuos da inteligência brasileira, dão como
liquidado que o Espiritismo é que está com a razão; e se resolver-
se que o Humberto de Campos das Crônicas de Além-Túmulo não
é o Humberto de Campos da Bacia de Pilotos, nesse caso o modes-
to funcionário da Agricultura, que é o Chico Xavier, tem que ser
considerado um gênio de primeira grandeza, como não há outro
entre os nossos intelectuais. Ou se aceita Humberto subsistindo
no outro mundo, ou se aceita Chico Xavier falando por Humberto
e mais meia dúzia de cérebros arqui privilegiados:' (A Psicografia
Ante os Tribunais, Miguel Timponi, FEB, 1999, 6ª edição.)
No anedotário de Pedro Leopoldo, porém, conta-se que aalguns
amigos que lhe perguntaram se aceitaria uma vaga na Academia
Brasileira de Letras, Chico respondeu modestamente: "Mas já admi-
tem cavalos por lá 7".
Em agosto de 1944 sai a primeira sentença do "processo Hum-
berto de Campos". O juiz da 8ª Vara Cível do então Distrito Federal,
João Frederico Mourão Russell, conclui não haver interesse legítimo
na ação proposta por dona Catarina, considerando que seu pedido
constitui mera consulta, e "o Poder Judiciário não é órgão de consul-
ta. Isto posto, julgo a suplicante carecedora da ação proposta (. .. )".
O processo ainda renderia agravos e outros recursos até a sen-
tença final, também favorável à Federação Espírita Brasileira e a Chi-
co, dada por um acórdão da 4ª Câmara do Tribunal de Apelação do
Distrito Federal, três meses mais tarde.

o GANHADOR NADA LEVA


Poucos meses antes, quando ainda não se sabia que decisão a
Justiça daria ao processo, Chico foi vítima da mais famosa e ousa-
da dupla de repórteres sensacionalistas de então - David Nasser e
Jean Manzon, de OCruzeiro. A revista tinha naquele tempo pene-
40 O livro encontra seu público li Xdvi t 111

tração extraordinária, com tiragens semanais de centenas de mi- berto de Campos". Por que Emmanuel não o avisara a respeito dos
lhares de exemplares. Nasser e Manzon eram as estrelas maiores jornalistas "estrangeiros"? Marcel Souto Maior, que conta essa histó-
da sua equipe de jornalistas. O noticiário a respeito do processo ria em As Vidas de Chico Xavier, acrescenta ainda a resposta um tanto
fez a dupla famosa interessar-se por uma entrevista com o contro- irônica que Emmanuel dá ao seu protegido:
vertido médium de 34 anos. "Chico, você deve agradecer. Jesus foi para a cruz e você foi só
Depois de algumas experiências pouco animadoras com os pa ra O Cruzeird'.
meios de comunicação, os amigos de Pedro Leopoldo tinham cria- Porém, o episódio não termina aí. A parte final da história só veio
do um círculo de proteção para poupar Chico de exposição indese- a ser revelada cerca de 30 anos depois. Em outra reportagem publi-
jada. No caso de Nasser e Manzon, porém, a dificuldade de acesso cada no jornal O Dia, Nasser confessou que, depois de voltar para o
ao entrevistado só os estimulou ainda mais. Desviando da muralha Rio de Janeiro e na noite em que passava para o papel as anotações
de protetores, os jornalistas foram encontrá-lo, desavisado, em casa. feitas em Pedro Leopoldo, ele recebeu um nervoso telefonema do
Apresentaram-se como pertencendo a uma revista americana (em- parceiro Jean Manzon:
bora Manzon falasse com o médium em francês!) e Chico os recebeu - David, você trouxe aquele livro que o homem nos deu?
de portas abertas, respondendo a todas as perguntas e se dispondo - Claro que sim.
a ser fotografado da forma como desejassem. - Então, abra-o na primeira página e leia a dedicatória.
A reportagem "Chico Xavier, detetive do além': foi publicada em Nasser procurou o livro, abriu-o e levou um susto ao ler o trecho
dez páginas na edição de O Cruzeiro de 12 de agosto de 1944. A a que o amigo se referia:
foto de abertura, de meia página, mostrava Chico sentado numa "Ao irmão David Nasser, oferece Emmanuel".
banheira, com a mão cobrindo o rosto, como se estivesse psico- Na confissão feita a O Dia, Nasser reconheceu que ele e os co-
grafando alguma mensagem. Em outra foto, Chico estava deitado legas combinaram que esta parte da história não seria incluída na
numa cama estreita, lendo um livro. A legenda da foto, maliciosa, reportagem. Etambém procurou se penitenciar ao reconhecer ali
dizia: "Ele lê muito. Dizia-se que Chico é um ignorante, analfabeto, Chico Xavier como "o maior remorso da minha vida".
pouco amante das belas letras. Pura invenção. Chico lê tanto, que
um dos seus olhos foi atingido por cruel catarata inoperável. Mesmo
assim, continua lendo". Efaltavam apenas 11 dias para a sentença do
processo ser conhecida!
Em outros trechos da reportagem, Nasser escreve que Chico teria
se mostrado cansado de receber os grupos de visitantes vindos do
Rio de Janeiro e São Paulo, e também de receber tantos telefonemas
interurbanos, que não o deixavam em paz. "Eu não quero nada, se-
não a paz dos tempos antigos, o silêncio de outrora': queixou-se.
Os jornalistas partiram, certos de terem enganado o médium
simplório, e ainda ganharam exemplares de livros que ele havia
psicografado.
Chico ficou apavorado quando leu a reportagem. Imaginou que
certamente seria condenado como plagiador no "processo Hum-
Doutrina, história c i nci a

Nos anos seguintes Chico passaria a psicografar livros que os es-


tudiosos da sua obra classificam como de esclarecimento. A primeira
fase havia sido, segundo eles, a de chamamento, e a seguinte seria a
de consolação. Alguns dos livros surgidos nesse segundo período são
incluídos entre os mais importantes da literatura espírita do século
20. Outros têm Emmanuel como figura central, e surgem, a partir de À ESQUERDA, o AINDA
1944, os primeiros volumes da série André Luiz, nome adotado pelo jovem Chico Xavier
prepara-se para mais
espírito de um médico sanitarista morto precocemente no Rio de Ja-
uma sessão de
neiro, na década de 1930. A série completa teria 15 volumes, de Nosso
psicografia. Um dos
Lar, daquele ano, até Ea Vida Continuo.. ., de 1968.
mais célebres autores
André Luiz é tido como o mais "científico': "jornalístico" e"socioló- psicografados pelo
gico" dos espíritos que "falaram" por Chico Xavier, segundo o profes- médium foi André
sor de antropologia Bernardo Lewgoy, da Universidade Federal do Luiz, omédico que
Rio Grande do Sul, em seu trabalho Chico Xavier eo Cultura Brasileiro. revela em seus livros
Sua entrada em cena estabelece uma divisão do trabalho espiritual como funcionam as
com Emmanuel, este funcionando como ponto de referência para instâncias da vida
questões doutrinárias e aquele para as científicas, esclarecendo espiritual. André não
pontos polêmicos sobre a vida após a morte, sobre problemas ex- quis se identificar
para os vivos,
perimentais da mediunidade e da obsessão e também como fonte
temendo causar dor
de aconselhamento para o convívio familiar.
aos familiares que
O período foi prolífico, pois data da mesma época uma seqüên-
deixou na terra.
cia de romances históricos que reconstituem os primeiros tempos Onome pelo qu I
do cristianismo: além do já citado Há Dois Mil Anos (1939), vieram na ficou conhecid I
seqüência 50 Anos Depois (1940), Paulo e Estêvão (1942), Renúncia tomou empr t
(1943) e Ave, Cristo! (1953). E, mais adiante, ditados por Emmanuel, de um irm'" d
ganham vida obras de estudo do Novo Testamento, como Cominho, Chico X vi r.
44 Doutrina, história e ciência

o RITMO DE TRABALHO Verdade e Vida (1949), Põo Nosso (1950), Vinho de Luz (1952), Fonte
do médium não dava Vivo (1956), Pa!avras de Vida Eterno (1964) e outros.
muitas chances para A fase de esclarecimento é a mais longa de todas em que seu
o lazer. Chico dormia trabalho foi dividido, com duração aproximada de 35 anos, de 1939
de três a quatro
a 1974, quando aparece Entre Duas Vidas.
horas por noite,
Durante esse tempo, debruçaram-se sobre o trabalho psico-
psicografava livros
nas primeiras horas
gráfico de Chico Xavier tanto pesquisadores espíritas quanto es-
da manhã, corria tudiosos como Hernani Guimarães Andrade, diretor do Instituto
para oexpediente de Brasileiro de pesquisas Psicobiofísicas (IBPP). Para ele, as obras
tempo integral na psicografadas pelo médium podem ser divididas em populares,
Fazenda Modelo científicas e filosóficas. Eassim, diz, o público pode encontrar, en-
de Pedro Leopoldo tre as centenas de trabalhos já publicados, aquele texto que tem
e, à noite, passava condições de assimilar.
horas psicografando "Não é de admirar que muitas pessoas': lembra Andrade,"pou-
mensagens e co informadas a respeito do espiritismo, da parapsicologia, da
atendendo pessoas
biologia ou da física, classifiquem tais livros como coletâneas de
no Centro Espírita
historietas ou dramalhões água-com-açúcar e de péssimo gosto
Luís Gonzaga.
literário. O uso excessivo de adjetivos e a forma literária muito re-
buscada, do tipo'romance antigo: concorrem ainda mais para con-
duzir o leitor ingênuo a semelhante julgamento errôneo acerca do
valor dessas obras."
Andrade lembra que, em vários trabalhos de Chico Xavier, é pos-
sível encontrar "interessantes previsões científicas, algumas delas
concernentes a avançadas cogitações, somente acessíveis aos cien-
tistas ultra-especializados. Não se trata de meras coincidências, do
tipo de profecias de cartomantes, adivinhos ou astrólogos de alma-
naque e televisão. São realmente citações concisas e expressam-se
com propriedade e precisão impecáveis".
Por outro lado, a produção literária que resultou da parceria Chi-
co Xavier e André Luíz veio despertar de forma mais acentuada a
preocupação, no meio espírita, com assistência social. O médium
passa a participar mais intensamente da criação de centros de ajuda
às vítimas do pênfigo, ou fogo-selvagem, e de amparo a velhos e
crianças abandonadas ou a ex-presidiários.
Esse trabalho, em especial, é dos que mais o atraem. Chico apóia
pessoalmente a luta pelos donativos e a construção dos centros
A DÉCADA DE 1950,
quando cheg v
ao fim o período
de permanência d
Chico Xavier em
Pedro Leopoldo, foi
também um tempo
de muito trabalho
para o médium
mineiro. Nesta foto
ele autografa um
dos muitos livros
publicados naqueles
anos, tendo ao lado
o também psicógrafo
e autor espírita
Divaldo Franco.
48 Doutrina, história e ciência Chico Xavier 49

A ENTRADA EM CENA hospitalares ou de refúgio. Segundo Elsie Dubugras, redatora da foi registrado ao nascer) para Uberaba. O documento de designa-
do espírito André Luiz revista P/oneto, são "inúmeros os hospitais psiquiátricos e casas de ção do novo posto data de 18 de dezembro de 1958. Ele tomou
na literatura espírita saúde dedicados ao tratamento de doentes mentais, orientados pe- o rumo da cidade do Triângulo Mineiro em 4 de janeiro do ano
da primeira metade las diretrizes contidas nos livros de Chico Xavier". seguinte, sem levar consigo nenhum de seus pertences e sem se
do século passado
Todos esses hospitais seguem a linha de pensamento de An- despedir de ninguém.
deu um novo
dré Luiz-Chico Xavier, atuando numa área que, é claro, deveria ser
direcionamento
ao trabalho social coberta pelas secretarias ligadas aos governos. Chico, no entanto,
desenvolvido pelos não pede, não espera, não reclama nada da parte das chamadas
kardecistas. Inúmeras autoridades: por meio de todos aqueles que ainda têm compaixão,
instituições com "auxilia os carentes, os doentes, os desequilibrados e os sofredores':
o nome do como lembra Dubugras.
médico e doutrinador, Para ele, pessoalmente, a vida reservava sofrimentos de outro
voltadas para tipo. Euma mudança imprevista.
oatendimento Em 1958, Chico enfrenta um escândalo provocado pelas de-
a crianças carentes núncias de seu sobrinho, Amauri Xavier Pena, filho da irmã Maria,
e idosos, ou doentes
curada de obsessão. Amauri, de 25 anos, ele mesmo médium psi-
diversos, se
cógrafo em Sabará, procurou o jornal Diário de Minas e se confes-
espalharam por
todo o País. sou um falso médium. Fosse porque quisesse impressionar uma
jovem católica por quem estaria apaixonado, ou por promessa de
dinheiro da parte de pessoas interessadas em desmoralizar o es-
piritismo, o fato é que o jovem estendeu a acusação de falsidade
ao tio. Chico defendeu-se em seu estilo habitual, extremamente
suave, sem culpar o sobrinho.
O rapaz, com antecedentes de alcoolismo e com sérios remorsos
pelos danos causados à reputação do tio, é internado num sanató-
rio psiquiátrico no interior de São Paulo, onde acabou morrendo.
Anos depois, ao ser lembrado do caso, Chico diria do sobrinho:
"Era um perturbado. Bebia muito, não trabalhava direito, acabou
louco. Emorreu há alguns anos. Ele fez aquilo, ao que parece, pela
sedução do dinheiro. Que o Altíssimo o perdoe".
No entanto, o episódio o havia deixado profundamente depri-
mido. A decepção com o sobrinho, ajá desnecessária assistência
que dava aos irmãos, todos agora casados e encaminhados, e os
problemas causados por uma labirintite foram as razões que ele
deu mais tarde para explicar o pedido de transferência do escre-
vente-datilógrafo Francisco de Paula Cândido (nome com o qual
"O telefone só chama de lá"

Ao deixar Pedro L opoldo, Chico Xavier levava no bolso o en-


dereço do jovem psicógrafo Waldo Vieira, que ele conhecera qua-
tro anos antes e em cuja casa iria morar, nos arredores de Ube-
raba. Em 1957, Waldo e ele haviam formado dupla psicográfica
para o livro ditado por Emmanuel, Evolução em Dois Mundos, um
enviando os capítulos ímpares de Uberaba para Pedro Leopoldo,
onde o outro intercalava os capítulos pares. Chico não fazia idéia
de que, algum tempo depois, Waldo renegaria o espiritismo e ata-
caria duramente o ex-parceiro.
Com ele e alguns primeiros seguidores, Chico inaugura em Ube-
Pouco DEPOIS DE CHICO
raba, ao lado de sua residência, a Comunhão Espírita Cristã, com ter chegado a Uberab
reuniões às segundas, sextas e sábados, sessões de desobsessão às e criado a Comunh" o
quartas, sopa para os pobres todas as tardes, visitas aos bairros da Espírita Cristã, a
periferia aos sábados e cursos sobre o Evangelho. cidade do Triângulo
Também data de 1959 a publicação de Mecanismos da Mediu- Mineiro se transform
nidade, ditado por André Luiz, outro fruto do trabalho conjunto de no maior centro
Chico e Waldo Vieira. É obra que exige do leitor alguma base de co- de peregrinação
nhecimento científico, porque por seu texto desfilam expressões e espírita do Brasil, com
conceitos avançados de física e eletricidade, como fótons, analogia caravanas chegando
diariamente de todo
de circuitos e corrente elétrica, entre outros.
os pontos do P í. ..
Na irreverente década que se inicia, a psicografia de Chico acom-
pessoas em bu d
panha os temas que marcaram a revolução de costumes dos anos mensagens d
60, como o sexo, as drogas, os hippies, atecnologia, as viagens espa- parentes m rt 1\
ciais e o homem artificial. um cont
Paulatinamente, Uberaba se transforma em centro de peregri- com o m
nação do espiritismo nacional, então em franca expansão. As filas carism iI
52 "O telefone só chama de lá" I ~

que se formam para atendimento diante do Comunhão Espírita MARILYN MONROE:"NÃO ME SUICIDEI"
Cristã acumulam centenas de acólitos aflitos. Caravaneiros chega- 1965 é o ano da primeira viagem de Chico Xavier e Waldo Vieira
vam diariamente, motivados pela possibilidade de um contato com aos Estados Unidos para divulgação do espiritismo. Desembarcam
parentes falecidos, graças aos dons extraordinários de Chico Xavier. em maio em Washington, onde criam o Christian Spirit Center na re-
Etambém ansiosos por cumprimentar o médium, tocá-lo, receber sidência de um casal de brasileiros que os recebeu, e passam uma
dele um sorriso, uma palavra mansa. temporada em Nova York.
Muitos voltam para suas cidades sem as mensagens dos paren- A viagem prosseguiria do outro lado do Atlântico, em Paris, onde
tes mortos, mas pacificados e retemperados em sua fé e esperança. adupla visitou a sepultura de Allan Kardec no cemitério Pêre Lachai-
Consolavam-se com uma frase que Chico repetiria muitas vezes, até se, e Lisboa. Os médiums psicografam alguns textos e lançam ali as
morrer, e que servia de explicação para o imponderável que rege a bases do que se chamou, erroneamente, na visão dos estudiosos
comunicação entre mortos e vivos: 110 telefone só toca de lá para cá'~ espíritas, de "kardecismo made in Brazil'~
Ganham força ainda maior as campanhas de distribuição de ali- Eles voltam aos Estados Unidos no ano seguinte, lançam ali a ver-
mentos e roupas para os pobres da cidade e popularizam-se desde são inglesa de OIdeal Espírito, que ganhou o nome de The World ofThe
esse tempo os livros de IImensagens': que constituem a terceira fase Spirits e viabilizam a chegada ao país de dois outros títulos, Agendo
j

da produção literária do médium de Uberaba. Essa fase recebeu o Cristõ e Nosso Lar. Nessa viagem visitaram o túmulo de Marilyn Mon-
nome de consolaçõo. roe, no cemitério Memorial Park, em Hollywood, onde tedam manti-
Como o nome diz, reúne trabalhos que buscam amenizar o sofri- do contato com o espírito da atriz por meio do espírito de Humberto
mento dos que perderam entes queridos e deles recebem mensa- de Campos, aquem aex-estrela esclarece que não se suicidou, como
gens de conforto e ânimo. Pertencem a esse gênero Jovens no Além todos foram levados acrer pelo noticiário de sua morte."lngeri, quase
(1975), Somos Seis (1976) , Crianças no Além (1977), Amor Sem Adeus semi-consciente" - explicou -"e sob profunda depressão, os elemen-
(1978\ Enxugando Lágrimas (1978), Claramente Vivos (1979), Vida em tos mortíferos que me expulsaram do corpo, na suposição de que
Vida (1980), Eles Voltaram (1981) e Amor eSaudade (1985). tomava uma simples dose de pílulas mensageiras do sono:' A men-
Segundo o professor de antropologia Bernardo Lewgoy, as obras sagem está incluída no livro Estante do Vida, de Humberto Campos,
dessa fase antecipavam uma pluralização nos modos de ser e de
lI psicografado por Chico, mas o espírito do poeta, ao narrar sua visita
participar do espiritismo, inspiradas no médium de Pedro Leopoldo: ao cemitério, não menciona a presença de Chico eWaldo.
mais voltado a públicos maiores, menos científico, mais 'evangélico' O término dessa viagem coincide, também, com o fim da par-
e simplificado em sua linguagem, mais aberto em sua referência aos ceria psicográfica de Chico Xavier com Waldo Vieira. Este toma o
santos católicos e à figura da Virgem Maria. Com Chico Xavier, o es- rumo do Japão, para estudos de especialização em medicina e, ao
piritismo atinge uma espécie de ápice de uma vocação mediadora, regressar ao Brasil, meses depois, se estabelece no Rio de Janeiro, dá
centrado na preeminência carismática dos médiuns e dos espíritos'~ as costas ao espiritismo, que passa a definir como "estreito demais':
O médium se aposenta, após 32 anos de serviços prestados e cria as bases da "projeciologia': algo como uma ciência que estuda
como auxiliar de serviço na antiga Inspetoria Regional do Serviço de as projeções de consciência e experiências fora do corpo. Juntos
Fomento da Produção Animal, por incapacidade. Além da catarata, eles haviam trabalhado em 17 livros.
outros males, como atuberculose e a labirintite, que o haviam fusti- Em 1971, Chico participou de dois longos programas Pingo Fogo,
gado na década anterior, tinham feito dele alguém já sem condição então célebres na TV. No primeiro, inovou ao dar respostas surpreen-
plena de desempenhar suas atribuições profissionais. dentes aos jornalistas, durante mais de três horas, a perguntas sobre
58 "O telefone só chama de lá" Chico X vier 59

temas então polêmicos como sexo, cremação, bebês de proveta e re- O diálogo terminou por aí.
encarnação. No segundo, respondeu com prudência sobre o governo Apesar da negativa ao seu pedido de férias, os biógrafos de Chi-
militar então no poder. Disse, por exemplo: "Devemos pedir para que co interpretam a década de 1970 como de bonança, um período
tenhamos a custódia das Forças Armadas, até que possamos encon- de "colheita" de tudo quanto antes ele havia plantado. Depois do
trar um caminho em que elas continuem nos auxiliando como sempre enorme sucesso no programa "Pinga Fogo': ele ganhou perfis e ar-
para que não descambemos para qualquer desfiladeiro de desordem'~ tigos respeitosos nos melhores veículos da grande imprensa, sua
Os dois programas alcançaram índices altíssimos de audiência, notoriedade provocou reações por parte da Conferência Nacional
a ponto de terem de ser reexibidos na mesma semana mais de dos Bispos do Brasil (CNBB) e de jornais paroquiais, e ele passa a
uma vez, a pedido do público. Ecriaram um novo surto de interes- receber homenagens em todo o País, títulos de cidadão honorário
se pelo espiritismo e por seu médium mais célebre, evidenciado de cidades de muitos Estados brasileiros e intermináveis noites de
pelo aumento nas vendas dos livros psicografados por ele e pelo autógrafos, pois seus livros já se vendiam aos milhões. Todos os di-
fiuxo que não pára de crescer dos que procuram um contato pes- reitos autorais eram doados às editoras espíritas.
soal com ele em Uberaba.
Por esse tempo, Chico já ganhara um verbete da enciclopédia ACAMPANHA PELO NOBEL DA PAZ
Delta Larousse, que o descreve como "vulto do espiritismo brasileiro". Eram tantos atendimentos, tanta gente chegando à rodoviária
Ele chegara, afinal, aos cem livros psicografados. Porém, ao dizer de Uberaba, tantos carros procurando vagas para estacionar nas
ao seu guia espiritual, Emmanuel, que desejava "diminuir o ritmo" de imediações da Comunhão Espírita Cristã, que Chico achou que esta
trabalho, suas expectativas receberam mais um balde de água fria, ficara grande demais para ele. E pediu seu desligamento da obra,
como já havia acontecido antes. Segundo Chico Xavier, a resposta em maio de 1975. Um punhado de amigos se cotizou e lhe ofereceu
do seu mentor foi: "Estou na obrigação de dizer a você que os men- uma quantia em dinheiro que lhe permitiu comprar um terreno e
tores da Vida Superior que nos orientam expediram uma instrução: nele construir o Grupo Espírita da Prece, ao lado da Comunhão Espí-
ela determina que sua atual encarnação seja desapropriada em be- rita Cristã. Chico queria um centro simples e pequeno.
nefício da divulgação dos princípios espírita-cristãos. Sua existência, Dois jovens seguidores o acompanharam nesse movimen-
do ponto de vista físico, fica à disposição das entidades espirituais to, dispondo-se a morar com ele. O primeiro era Vivaldo Cunha
que possam colaborar na execução das mensagens e livros enquan- Borges, um estudante de medicina que trocara a faculdade pelo
to seu corpo se mostre apto para nossas atividades". trabalho de assistência espiritual na Comunhão Espírita Cristã. Ele
Inconformado, Chico voltou a perguntar: "Devo trabalhar na re- datilografava e organizava o material psicografado por seu "pai
cepção de mensagens e livros até o fim da minha vida atual?". espiritual". O outro era Eurípedes Higino dos Reis, que convivia
"Sim': disse Emmanuel. "E se eu não quiser? A doutrina espírita com Chico desde os 8 anos de idade. Ele viria a ser o presidente
ensina que somos portadores do livre arbítrio para decidir sobre os do novo centro espírita e, na qualidade de seu filho adotivo, con-
nossos próprios caminhos': insurgiu-se o médium. EEmmanuel en- trolaria o acesso ao médium.
tão explicou: "A instrução a que me refiro é semelhante a um decre- A angina pectoris vem se juntar à lista de padecimentos físicos
to de desapropriação quando lançado por uma autoridade na Terra. com os quais Chico tem de conviver. Para aliviar as dores, ele embe-
Se você recusar o serviço a que me reporto, os orientadores dessa bia um lenço no álcool e o colocava no peito, por baixo da camisa,
obra de nos dedicarmos ao cristianismo redivivo terão autoridade para suportar as muitas horas diárias de trabalho. Apesar disso, sua
bastante para retirar você de seu atual corpo físico". produção literária só aumenta, perfazendo uma média de oito livros
68 "O telefone só chama de lá"

por ano entre 1970 e 1977. Este ano marca também o cinqüentená-
recebê-lo com todas as atenções de que ele é digno" - disse - "e que
rio do seu trabalho mediúnico. tanto fez por merecer, conduzindo acristandade com tanta abnegação
Medicada a angina, havia também os desmaios provocados por e com tanto tato para evitar que adiscórdia se alastre no mundo'~
quedas bruscas de pressão, tornando-o ainda mais vulnerável e de-
Nem Walesa, nem João Paulo li, nem Chico Xavier. O ganhador
pendente de amigos e auxiliares para os atos rotineiros do dia-a-dia.
do Prêmio Nobel da Paz de 1981, pela segunda vez, foi o escritório
Apesar disso, Chico prossegue escrevendo em velocidade crescente
do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, que presta assis-
e vendendo mais e mais exemplares em comparação aos anos ante-
tência a vítimas de guerras e de perseguições políticas em várias
riores. Nessa altura de sua vida, em 1980, o cenário está pronto para
partes do mundo. Ao saber do resultado, Chico declarou:
algo que vinha sendo acalentado por grande parte dos 1,5 milhão
"Estamos muito felizes sabendo que um prêmio dessa ordem
de espíritas brasileiros da época, o lançamento de sua candidatura
coube a uma instituição que já atendeu a mais de 18 milhões de re-
ao Prêm io Nobel da Paz de 1981.
fugiados. Nós todos deveríamos instituir recursos para uma organi-
Augusto César Vanucci, uberabense, espírita de longa data e en-
zação como essa, em que tantas criaturas encontram apoio, refúgio,
tão diretor da linha de shows da TV Globo, com outros amigos que amparo e bênção'~
se reuniam regularmente debaixo de um abacateiro, na região da
Chico não levou o prêmio, mas conseguiu atrair ainda mais
cidade conhecida como Vila dos Pássaros Pretos, tornou-se o ponta-
atenção para a doutrina que divulgava há tantos anos. Só em 1981
de-lança da campanha. Ele idealizou e levou ao ar o programa Um
foram vendidos 700 mil exemplares de livros psicografados por
Homem Chamado Amor, que contou com a presença do médium e
ele. As vendas acumuladas rendiam milhões, emborq o médium
no qual a campanha do Nobel da Paz para Chico Xavier foi lançada.
continuasse a viver com uma modestíssima aposentadoria e con-
O show mostrou astros e estrelas da TV Globo recitando poemas e
tasse com doações de amigos e admiradores para sobreviver. Ele
mensagens de Chico, e cantores como Elis Regina, Roberto Carlos e
nada pedia e, do que recebia, distribuía a maior parte. Ainda hoje,
Vanusa interpretando canções cujas letras diziam respeito à figura
segundo a Federação Espírita Brasileira, que edita apenas parte de
do homenageado da noite.
sua obra, 'os direitos autorais dos livros de Chico Xavier, cedidos
Criou-se uma comissão pró-indicação de Chico ao prêmio, da
em cartório, beneficiam mais de 100 mil famílias.
qual faziam parte, além de Vanucci, o deputado Freitas Nobre, sua
esposa, Marlene Severino Nobre, e o médium Divaldo Franco. Mi-
lhões de assinaturas foram colhidas em todo o País. O documento
de sua apresentação ao Comitê de premiação destacou seus "53
anos de vida pública dedicada à paz entre as criaturas, quando
atendeu a mais de um milhão de pessoas, uma a uma". Havia muita
esperança de que seria ele o escolhido dessa vez, pois Chico estava
respaldado por 2 mil obras sociais que havia criado ou inspirado.
Seus concorrentes mais destacados ao prêmio eram o líder operário
polonês Lech Walesa e o papa João Paulo 11.
João Paulo li, que tinha sido eleito papa havia pouco tempo, visitaria
o Brasil nos meses seguintes. EChico, ao ser convidado por alguns re-
pórteres acomentar avisita, não economizou na diplomacia: "Devemos
Chico Xavier 71

prisioneiro d U b e a b

uitos os ei ores que ele conqu·stara em décadas de trabalho


e centenas de livros, viajantes habituais vindos de cidades distantes
às vezes centenas de quilômetros, passaram, com o tempo, a ser
impedidos de vê-lo e de falar com ele. Seus auxiliares os mantinham
à distância, selecionavam com rigor aqueles que ele recebia.
Comentava-se que o filho adotivo Eurípedes dava a vez aos ricos,
famosos e poderosos, aos artistas, cantores e deputados, enquanto a
gente comum era barrada. Havia quem sentisse raiva e indignação.
Alheio ao que se passava, Chico mantinha sua rotina de escrita
diária e discretamente visitava, amparado por poucos amigos, a pe-
riferia de Uberaba. Entrava nos barracos, animava mendigos, para-
NA SUA ÚLTIMA DÉCADA
plégicos, doentes mentais, oferecia alimentos e presentes. Também de vida, Chico eo
continuava a participar aos sábados das reuniões sob o abacateiro, público que o
onde comentava com voz fraca passagens do Evangelho Segundo o procurava com
Espiritismo e do Livro dos Espíritos. insistência em
Mais de uma vez, suas mensagens influenciaram decisivamente Uberaba foram sendo
sentenças judiciais proferidas em processos criminais de grande re- afastados um do outro
percussão. Em 1982, o jovem deputado Heitor Alencar Furtado foi em razão da condição
morto por um tiro de carabina disparado pelo policial José Apare- precária de saúde do
médium, pela
cido Branco quando repousava no interior de um carro, à beira de
dificuldade deste em
uma rodovia. O crime revoltou as autoridades, pois o jovem Heitor
se movimentar e pela
era filho do político Alencar Furtado, conhecido ex-líder do então
seleção rigorosa dos
MDB. O réu alegou que o disparo havia sido acidental, mas aparen- que podiam chegar
temente tudo se encaminhava para a sua condenação. Até que, até ele, feita por seus
numa mensagem escrita por Chico Xavier, o espírito de Heitor con- auxiliares. Chico se
firmou que o tiro tinha sido acidental. O pai da vítima esteve com rebelava eopúblico
Chico, leu outras mensagens atribuídas ao filho e concluiu que as ficava indignado.
72 O prisioneiro de Uberaba Chico Xavier 73

declarações que inocentavam o policial tinham sido de Heitor. Em Quem substituiria Chico Xavier? Baccelli foi categórico: "Não
vez da pena para homicídio doloso, o réu foi julgado por homicídio existe sucessão em espiritismo'~ Para Celso, "ele é o rio Amazonas,
culposo e cumpriu pena de poucos anos de reclusão. nós somos só afiuentes". Mas, para o próprio Chico, "morre um ca-
Três anos depois, o mundo espiritual se serviu novamente de pim, nasce outro".
Chico para esclarecer a morte da ex-miss Campo Grande, Gleide Os anos derradeiros transcorreram em isolamento, sob domínio
Dutra de Deus. Tudo indicava que se tratava de um crime passional de seus dedicados guardiões domésticos: o filho Eurípedes, adireto-
reunindo uma beldade e um marido ciumento, o bancário Francisco ra da Casa da Prece, Kátia Maria, o amigo e médico Eurípides Tahan
João de Deus, voltando de uma festa. Também aqui, alegando que Vieira. Impedido de receber visitas, quase sem sair de casa ou ver
o tiro que matara Gleide havia sido acidental, Francisco procurou o pessoas, Chico entregou-se à companhia dos espíritos, tanto - ou
médium. Chico recebeu uma mensagem da ex-esposa em que ela mais ainda - quanto nos tempos de vida ativa, quando convivia
confirmava que o tiro não havia sido proposital, mas um acidente, com multidões de vivos e mortos.
quando o marido limpava a arma. As palavras recebidas por Chico A saúde cada vez mais delicada era seu salvo-conduto para a so-
coincidiram com os depoimentos de enfermeiras que acompanha- lidão. Para não se desgarrar de vez deste mundo, apegava-se agora
ram os últimos momentos da moça no hospital. No leito de morte aos cães e gatos da casa e participava das sessões no Grupo Espírita
ela dissera que o tiro tinha sido mesmo acidental. da Prece apenas quando sua saúde apresentava alguma estabilida-
Em 1989 ele é visitado por Fernando Collor de Mello, candidato de. Às vezes revoltava-se contra o retiro forçado e se queixava: dizia-
à Presidência da República, dá apoio público à sua candidatura e o se um prisioneiro.
presenteia com um volume do Brasn Coraçõo do Mundo, Pátrio do Em As Vidas de Chico Xavier, uma das boas biografias do médium,
Evangelho. Collor voltaria a procurá-lo em 1991, como presidente, o jornalista Marcel Souto Maior reproduz uma história, contada por
pouco antes do impeachment e tornou a receber do médium de- Chico, que mostra a irreverência espanhola de Teresa de Ávila num
monstrações de amizade. momento de provação e, de quebra, o senso de humor do prisionei-
À medida que aidade avança e acoleção de doenças passa aexi- ro de Uberaba. A história conta que Teresa viajava pelo interior em
gir cuidados médicos crescentes, diversos medicamentos, restrições meio a uma tempestade e, ao atravessar um rio, foi arrastada pela
na movimentação e fragilidade cada vez maior, Chico vai-se retiran- tormenta. Estava para se afogar quando foi salva por Jesus. A san-
do da vida pública, ficando quase todo o tempo em seu quarto e ta agradeceu e ouviu as seguintes palavras do Filho de Deus: "Estás
raramente vendo mais do que as três ou quatro pessoas com quem vendo,Teresa? Éassim, em meio aos perigos da estrada, que Eu trato
dividia a casa. os meus discípulos e os meus amigos queridos". ETeresa, segundo
Ele contou, na época, que convivia muito mais com os espíritos Chico, não resistiu e acrescentou: "Oh, compreendo, Senhor. É por
do que com gente de carne e osso. E, como se já não bastassem to- isso que os tendes tão poucos". Às vezes, alguns dos seus auxiliares
das as mazelas físicas que o infelicitavam, no final dos anos 80, início lhe diziam, em tom de brincadeira: "Por isso é que os tendes tão
dos 90, ainda sobrevêm pneumonias e um enfisema pulmonar. poucos': e Chico sorria.
Sua ausência do Grupo Espírita da Prece faz aumentar o número Agora, visitantes vindos de longe se contentavam em parar dian-
dos que passam a freqüentar outros centros espíritas de Uberaba, te do portão de sua casa, em Uberaba, se concentravam por alguns
onde sessões são dirigidas por seus amigos e discípulos, como o minutos, circunspectos, faziam uma oração e seguiam em frente.
cirurgião-dentista Carlos A. Baccelli, autor de diversas obras espíritas, Chico estava se preparando para morrer. Doou seu único bem
algumas em parceria com o mestre, e Celso de Almeida Afonso. material, a casa, para os filhos adotivos Eurípedes, Vivaldo e José
80 O prisioneiro de Uberaba Chi X vi I

Geraldo, formalizou o desejo de ser sepultado em Uberaba, e não truídos com fantasias, certamente porque seus autores acreditam
em Pedro Leopoldo, e pediu a Vivaldo que queimasse todos os que, agindo assim, glorificam ainda mais Chico Xavier. Mais realistas
manuscritos das mensagens publicadas. que o rei, eles tendem a colocar sobre sua cabeça uma auréola de
Ele também pediu que houvesse um velório de 48 horas e vigília santo. Se pudessem, transformá-lo-iam em anjo:'
de 72 horas, tempo que julgava necessário para que o espírito dei- O Chico real, diz ele, é o que é descrito por ele mesmo numa
xasse o corpo físico e para que o público que quisesse homenageá- entrevista dada ao jornal Espiritismo e Unificação, da União Mu-
lo tivesse tempo de chegar a Uberaba. nicipal Espírita de Santos, republicada em outubro de 1977 pelo
Chico sabia que depois de sua morte apareceriam falsas mensa- jornal Oesobsessão. Nessa entrevista, Chico faz o inventário de
gens atribuídas a ele. Combinou, então, um código de identificação suas penas, concluindo que está longe de poder ser considerado
com o filho Eurípedes, com Kátia Maria, da Casa da Prece, e com o um privilegiado:
médico Eurípedes Tahan Vieira. É um segredo e uma responsabilida- "Nunca me identifiquei com a condição de um ser privilegiado.
de para os três. O código contém o que Chico dirá em sua mensa- Perdi minha mãe aos cinco janeiros de idade. Fui entregue a um lar
gem, e como dirá. Eavisou que também daria um descanso ao lápis, estranho ao que me vira nascer, onde, felizmente, apanhei muitas
isto é, não mandaria nenhuma mensagem tão cedo. surras. Comecei a trabalhar aos dez anos de idade, numa fábrica de
O jornalista e escritor Jorge Rizzini, autor, psicógrafo espírita e tecidos, onde estive quatro anos. Adoecendo dos pulmões por ex-
amigo de Chico, aponta, porém, tentativas recentes de mistificação cesso de pó, ao respirar com meu corpo ainda frágil, passei imedia-
partidas de figuras de destaque do espiritismo. Uma delas anunciou tamente a servir na condição de caixeiro num pequeno armazém
ter recebido mensagem do espírito Chico Xavier em Uberaba. Outra onde dividia o trabalho entre as vendas e os cuidados com a horta
gravou um CD e o enviou às redações dos principais jornais espíritas. dos proprietários, num esquema de horários que ia das sete da ma-
Na gravação, o mistificador, segundo Rizzini, finge estar em transe e nhã às nove da noite.
imita a fala cansada e sussurrada de Chico em seus últimos anos. Em 1931 entrei para o Ministério da Agricultura, ao qual servi por
Rizzini usa um argumento do próprio Chico Xavier para explicar trinta e dois anos consecutivos. Adoeci dos olhos, igualmente em
algumas confusões encontradas às vezes nas comunicações dos es- 1931, e perdi totalmente a visão do olho esquerdo há 46 anos. Já
píritos com os homens. "O psiquismo do médium': ele diz, "constitui passei por cinco operações cirúrgicas de grande risco; sempre lutei
tremenda barreira a ser superada. Sua memória guarda aconteci- com doenças e conAitos em meu corpo e minha mente e, por fim,
mentos que podem infiltrar-se na mensagem mediúnica sem que sou agora portador de um perigoso processo de angina, com crises
ele tome total consciência disso. Alguém já disse, com toda a razão, periódicas que me levam a moderar todos os meus hábitos.
que a profecia está sujeita ao profeta:' Ele considera que a chamada Com tantos problemas que me vão ajudando a viver e com-
mediunidade de efeitos inteligentes, isto é, a que se manifesta pela preender a vida, não sei que privilégio a mediunidade teria trazido
psicografia e pela psicofonia, é instrumento muito delicado, cuja afi- em meu favor. Digo assim porque, se completo agora 50 anos su-
nação exige conhecimento e persistência. cessivos de tarefas mediúnicas ativas, também completei 40 anos
Para o jornalista, a"beatice" é um dos vícios dos que escrevem a de trabalho profissional intenso, em 1961, de cuja aposentadoria
respeito de Chico Xavier. "Seus biógrafos pecam por omitir episó- trouxe a consciência de não haver faltado com as minhas obriga-
dios dramáticos em que ele se viu envolvido. Quando não ocultam ções. (. .. ) Sou sempre um Chico Xavier lutando para criar um Chi-
tais passagens, descrevem-nas sem aprofundamento, chegando ao co Xavier renovado em Jesus e, pelo que vejo, está muito longe
ponto de deturpar detalhes fundamentais. Alguns textos são cons- ainda de aparecer como espero e preciso."
88 O prisioneiro de Uberaba
Ch ico Xavier 89

Outro assunto importante surgido nos últimos anos de vida de No final da tarde, Chico pediu para tomar banho e vestir-se. O
Chico - e que continua em aberto na imprensa espírita, em que é país inteiro, naquelas horas, acompanhava eufórico o jogo final da
discutido com empenho pelos que são favoráveis ou contrários à Copa do Mundo, em que a seleção brasileira de futebol venceria a
idéia - é a especulação de que Chico Xavier poderia ter sido a reen- da Alemanha por 2 x Oe conquistaria o pentacampeonato mundial.
carnação de Allan Kardec. Chico não assistiu ao jogo, mas quis saber o resultado. Deitou-se
Os que acham que sim apresentam alguns argumentos: ambos às 19h20, como fazia todas as noites, e estava sereno. "Dez minutos
teriam sido austeros, amáveis, determinados e bons; Chico foi o depois': conta o filho Eurípedes dos Reis, "a Kátia estava perto dele
legítimo continuador de Kardec; depois que Chico nasceu, Kardec e me chamou. O doutor Eurípedes tinha chegado há pouco. Chico
não teria estabelecido ele mesmo nenhum contato com qualquer só levantou as mãos para o céu e não deu nem tempo de falarmos
médium, o que pode ser contestado pelas mensagens recebidas alguma coisa. Nem assim eu pensei em morte, porque não quería-
de Kardec em 1925 e 1926, em Paris, e incluídas no livro O Gênio mos que isso acontecesse'~ Horas depois, o dr. Eurípedes Tahan Vieira
Céltico eo Mundo Invisível, de autoria do francês Leon Denis, amigo repetiria diversas vezes a mesma explicação dada aos muitos jorna-
e continuador da obra de Kardec na França; o mentor da Socieda- listas que o procuraram: Chico sofrera uma parada cardíaca. Desen-
de Parisiense de Estudos Espíritas, criada por Kardec, era São Luís; o carnou, como dizem os espíritas, sem sofrimento e sem dor, num dia
do Centro Espírita de São Leopoldo, fundado por Chico, foi São Luís de felicidade nacional, como era seu desejo.
Gonzaga. Para os íntimos, Chico teria revelado um conhecimento
da vida do Codificador que não se encontra em nenhuma de suas A HERANÇA DO MÉDIUM MINEIRO
biografias. Por exemplo: um de seus sobrinhos, após a sua morte, Os autores consideram que o espiritismo moderno, como é co-
entrou na justiça reivindicando parte dos direitos autorais das obras nhecido e praticado hoje, ganhou força desde as experiências reali-
da Codificação, o que, segundo Chico, atrasou adivulgação da Dou- zadas com as irmãs norte-americanas Fox (Lia, Margareth e Kate), na
trina em 50 anos. Coincidência ou não, Chico teve um sobrinho que cidade de Hydesville, Estado de Nova Iorque, em 1848.
lhe criou sérios problemas por tê-lo difamado caluniosamente. Muito jovens, elas ouviam batidas no assoalho e nas paredes
Os contrários à tese lembram que Kardec foi um cientista, um da casa onde afamília morava. As batidas levaram ao contato com
pensador dotado de métodos precisos e rigorosos, enquanto Chico o espírito de Charles B. Rosma, ex-morador que havia sido assassi-
Xavier foi um médium extraordinário, com capacidades únicas, o nado e sepultado no porão da residência. Esses fenômenos foram
que faz de ambos personalidades muito diferentes. Kardec foi co- testemunhados por diversas pessoas e noticiados pela imprensa,
rajoso, austero, viril e objetivo. Chico era doce, amoroso, emocional dando início a uma série de demonstrações públicas de mediu-
e com forte vocação literária e poética. Como se vê, dificilmente se nidade supervisionadas por comissões de análise que atestaram
chegará a alguma compreensão conclusiva a esse respeito. sua autenticidade.
Chegou, afinal, para o operário do espiritismo, seu tão esperado Por esse tempo, na Europa, as chamadas mesas girantes faziam
domingo, 30 de junho de 2002, dia de descansar de uma encarna- sucesso nos círculos sociais elegantes e eram alvo de curiosidade e
ção de tanto trabalho. Pela manhã, Chico pediu para fazer a barba. de extensas reportagens, pois moviam-se, erguiam-se no ar e res-
Dona Dinorá, auxiliar de muitos anos, lembrou que, por ser domin- pondiam a questões mediante batidas no chão (tiptologia).
go, não havia barbeiro. Mas ele insistiu que desejava mesmo barbe- O fenômeno chamou a atenção de Hippolyte Léon Denizard Ri-
ar-se. Dona Dinorá quis saber o motivo e ele respondeu: "Senão, não vail, um pedagogo francês fluente em diversos idiomas, autor de
dá tempo..:'. Ea barba foi feita. livros didáticos e adepto de rigoroso método de investigação cien-
CHICO XAVIER MORREU
como queria, em um
dia em que o povo
comemorava a conquista
do pentacampeonato
mundial de futebol.
Ainda assim, milhares de
comovipos admiradores
quiseram participar dos
funerais do médium em
Uberaba, que reuniu
milhares de pessoas.
94 O prisioneiro de Uberaba Chico Xavier 95

tífica, que não acreditou imediatamente nos fenômenos das mesas ponto de vista doutrinário, uma oposição ostensiva à Igreja Católi-
girantes. Estudou-os atentamente, observou que uma força inteli- ca, atribuiu pouca importância àfigura do médium e valorizou mais
gente as movia e investigou a natureza dessa força, que identificou o espírito crítico que o exercício da piedade. O sistema de Chico
como os "espíritos dos homens que haviam morrido". Rivail fez cen- Xavier enfatiza a "mediunidade com Jesus': que o antropólogo vê
tenas de perguntas aos espíritos, analisou as respostas, comparou- como uma proposta de sincretismo religioso, dá suma importância
as e codificou-as. Assim, em abril de 1857, chegou às livrarias O Livro ao médium e oferece oposição branda à Igreja Católica, absorvendo
dos Espíritos, que ele publicou com o pseudônimo de Allan Kardec. mesmo algumas de suas crenças. Nos livros de Kardec há redações
Nos anos seguintes ele escreveria OLivro dos Médiuns (1861), O Evan- conjuntas, enquanto nas obras psicografadas pelo médium mineiro
gelho Segundo o Espiritismo (abril de 1864), O Céu e o Inferno (agosto as mensagens vêm sempre com indicação da autoria.
de 1865) e AGênese (janeiro de 1868), que compõem uma bibliote- O espiritismo clássico de Kardec aboliu a noção de graça, des-
ca básica do kardecismo. A elas viriam se juntar O Que é o Espiritismo, tacando, em vez dela, o princípio do merecimento. No espiritismo
em 1859, e as Obras Póstumos, em 1890. de Chico, a idéia da dádiva divina convive harmoniosamente com o
A doutrina de Kardec, de caráter ao mesmo tempo científico, sistema da dívida cármica. O racionalismo moral abstrato de Kardec
religioso e filosófico, chegou ao Brasil em 1865 e desde então não previu uma justiça cármica baseada na inflexibilidade do princípio
parou de reunir adeptos. O País, se já era a maior nação católica de causa e efeito, pregou a necessidade da reforma íntima do indi-
do mundo, tornou-se também o que reúne o maior número de víduo e tratou a caridade de forma mais reflexiva, enquanto Chico
espíritas. A Federação Espírita Brasileira, organização de caráter pregou a aceitação da intercessão e da graça, típicas da espiritu-
nacional, tem registradas aproximadamente dez mil instituições alidade católica, conjugando dívida e perdão. Para ele, a caridade
espíritas. O censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia é meio de se alcançar a evolução espiritual e a graça de Deus. A
e Estatística (IBGE) em 2000, por sua vez, apontou que há 2,3 mi- unidade de trabalho do kardecismo tradicional era o centro espírita.
lhões de espíritas no País. No kardecismo de Chico Xavier, a unidade de trabalho está dividida
Os espíritas são o terceiro maior grupo religioso do país, com entre o centro espírita e o lar, como no culto do Evangelho no lar.
imagem fortemente associada à prática da caridade. Os livros de Lewgoy conclui que a implantação do espiritismo no Brasil não é
Kardec já venderam mais de 20 milhões de exemplares em nosso alheia ao fenômeno do sincretismo religioso, embora não reconhe-
território. Segundo a FEB, se forem contabilizados todos os livros ça explicitamente a influência católica, a não ser partindo de críticos
espíritas inspirados nas obras de Allan Kardec, o mercado editorial e dissidentes do movimento espírita. "Ora, o fenômeno Chico Xavier
brasileiro espírita totalizará mais de 4 mil títulos já editados e acima mostra-nos que o espiritismo kardecista está longe de ser apenas
de 100 milhões de volumes vendidos. uma tendência européia, branca e de classe média, ou uma mera
No já citado artigo "Chico Xavier e a Cultura Brasileira': publicado matriz de religiosidades vividas em nosso país. Ao contrário, a do-
na Revisto de Antropologia, editada pelo Departamento de Antro- minante cultura católica brasileira impregnou os diferentes espaços
pologia da FFLCH da Universidade de São Paulo (vol. 44, nº 1, de sociais, tradições e atores que vivenciam o espiritismo no cotidiano
2001), o professor Bernardo Lewgoy traça um curioso paralelo em das grandes cidades brasileiras, operando-se uma síntese original de
qwe relaciona as diferenças às vezes significativas entre o espiritismo catolicismo e de kardecismo, que ganha uma definitiva referência
concebido por Allan Kardec e o praticado por Chico Xavier, no qual nacional na vida e na obra do médium mineiro:'
alguns vêem traços do que poderia ser um "espiritismo à brasileira". Os espiritas consevadores - no sentido da preservacão da dou-
Segundo o professor Lewgoy, o modelo de Kardec sinalizou, do trina - rebatem essas teses: Kardec não teria ficado fazendo oposi-
Chico Xavier 97

ção à Igreja Católica. Defendem que o espiritismo jamais absorveu


crenças do catolicismo e que Chico Xavier não teria o apoio dos
espíritas se o fizesse. Sobre a questão da importância dos médiuns,
os espíritas lembram que uma das obras basilares de Kardec é O
Livro dos Médiuns, um volume inteiro dedicado à mediunidade. E
quanto à valorização do espírito crítico em detrimento da piedade,
em Kardec, dois textos do codificador do espiritismo parecem con-
trariar também essa tese: OHomem de Bem e Fora da Caridade nõo
há Salvaçõo.
MESMO DEPOIS DA
morte de Chico
Xavier, Uberaba
continua atraindo
admiradores do
médium, que têm
no mausoléu erguido
I no cemitério local
um ponto obrigatório
I de visitação, onde
podem viver suas
boas lembranças.
o QUARTO MODESTO
do médium, em sua
casa de Uberaba,
hoje transformada
em Museu Chico
Xavier: uma vida de
trabalho eabnegação
dá lições de
simplicidade.
UM COLABORADOR
ajuda o médium
afirmar a cabeça,
enquanto ele sorri ao
atender a visitante.
Ocorpo, muito
desgastado, pouco
pode fazer, mas o
espírito de Chico,
mesmo nos
momentos finais,
continua alegre,
distribuindo bênçãos.
Chico Xavier 105
104 Pílulas de Chico Xavier

"Devemos orar pelos políticos, pelos administradores da vida pú-


íllllac tide Chi n la i~ blica. A tentação do poder é muito grande. Eu não gostaria de estar
ílulas Chico Xavier no lugar de nenhum deles. A omissão de quem pode e não auxilia o
povo é comparável a um crime que se pratica contra a comunidade
FRASES EXTRAíDAS DE SEUS
inteira. Tenho visto muitos espíritos dos que foram homens públicos
LIVROS EDE ENTREVISTAS
na Terra em lastimável situação na vida espiritual..:'
DADAS POR ELE.
"O Cristo não pediu muita coisa,
"O desespero é uma doença. E um povo desesperado, lesado
não exigiu que as pessoas escalas-
por dificuldades enormes, pode enlouquecer, como qualquer indi-
sem o Everest ou fizessem grandes
víduo. Ele pode perder o seu próprio discernimento. Isso é lamentá-
sacrifícios. Ele só pediu que nos
vel, mas pode-se dizer que tudo decorre da ausência de educação,
amássemos uns aos outros:'
principalmente de formação religiosa:'
"Nenhuma atividade no bem
"Sem Deus no coração, as futuras gerações colocarão em risco a
é insignificante... As mais altas ár-
vida no planeta. Por maior que seja o avanço tecnológico da huma-
vores são oriundas de minúsculas
nidade, impossível que o homem viva em paz sem que a idéia de
sementes. A repercussão da prática do bem é inimaginável... Para
servir a Deus, ninguém necessita sair do seu próprio lugar ou reivin- Deus o inspire em suas decisões:'
dicar condições diferentes daquelas que possui:'
"Devemos fazer tudo para evitar uma guerra, que viria, sem dúvi-
da, a ser um atraso na marcha progressiva da humanidade. Quando
"Os espíritos amigos sempre mostram disposição de nos auxiliar,
surge uma guerra de proporções maiores, quase tudo se desmante-
mas é preciso que, pelo menos, lhes ofereçamos uma base... Muitos
ficam na expectativa do socorro do Alto, mas não querem nada com la e, praticamente, tem que ser reiniciado..:'
o esforço de renovação; querem que os espíritos se intrometam na
"Gente há que desencarna imaginando que as portas do Mun-
sua vida e resolvam seus problemas... Ora, nem Jesus Cristo, quando
do Espiritual irão se lhes escancarar... Ledo engano! Ninguém quer
veio àTerra, se propôs a resolver o problema particular de alguém ...
saber o que fomos, o que possuíamos, que cargo ocupávamos no
Ele se limitou a nos ensinar o caminho, que necessitamos palmilhar
mundo; o que conta é a luz que cada um já tenha conseguido fazer
por nós mesmos:'
brilhar em si mesmo..:'
"Nunca quis mudar a religião de ninguém, porque, positivamen-
"Sem a idéia da reencarnação, sinceramente, com todo respeito
te, não acredito que a religião "a" seja melhor que a religião "b"... Nas
às demais religiões, eu não vejo uma explicação sensata, inclusive,
origens de toda religião cristã está o pensamento de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Quem seguir o Evangelho... Se Allan Kardec tivesse es- para a existência de Deus:'
crito que fora do espiritismo não há salvação, eu teria ido por outro
caminho. Graças a Deus ele escreveu: 'Fora da caridade: ou seja, fora
do amor, 'não há salvação':'
Chico Xavier 107
106 Pílulas de Chico Xavier

IIUma das coisas que sempre aprendi "Tudo que criamos para nós, de que não temos necessidade, se
com os benfeitores espirituais é não tolher transforma em angústia, em depressão..:'
o livre arbítrio de ninguém; os que viveram
na minha companhia sempre tiveram a li- "A doença é uma espécie de escoadouro de nossas imperfei-
berdade para fazer o que quiseram..:' ções; inconscientemente, o espírito quer jogar para fora o que lhe
seja estranho ao próprio psiquismo..:'
IIExistem pessoas que se sentem
ofendidas, magoadas por qualquer coi- "Abençoemos aqueles que se preo-
sa: à mais leve contrariedade, se sentem cupam conosco, que nos amam, que nos
humilhadas... Ora, nós não viemos a este mundo para nos ba- atendem às necessidades... Valorizemos o
nhar em águas de rosas... Somos espíritos altamente endividados amigo que nos socorre, que se interessa
- dentro de nós o passado ainda fala mais alto... Não podemos ser por nós, que nos escreve, que nos telefo-
tão suscetíveis assim." na para saber como estamos indo... Aami-
zade é uma dádiva de Deus ... Mais tarde,
"Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não fosse por elas, haveremos de sentir falta daqueles que
eu não teria saído do lugar... As facilidades nos impedem de cami- não nos deixam experimentar solidão!"
nhar. Mesmo as críticas nos auxiliam muito."
liA caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem colo-
"Emmanuel sempre me ensinou assim: - Chico, se as críticas di- ca em movimento as forças da alma. Quando os espíritos nos reco-
rigidas a ~ocê são verdadeiras, não reclame; se não são, não ligue mendam com insistência a prática da caridade, eles estão nos orien-
para elas... tando no sentido de nossa própria evolução; não se trata apenas de
uma indicação ética, mas de profundo significado filosófico..:'
IIGraças a Deus, não me lembro de ter revidado à menor ofensa
das inúmeras que sofri, certamente objetivando, todas elas, o meu "Tudo o que pudermos fazer no
aprendizado, e não me recordo de que tenha conscientemente ma- bem, não devemos adiar... Carecemos
goado a quem quer que fosse..:' somar esforços, criando, digamos, uma
energia dinâmica que se anteponha às
"Emmanuel sempre me disse: - Chico, quando você não tiver forças do mal...... Ninguém tem o direito
uma palavra que auxilie, procure não abrir a boca..:' de se omitir:'

"Sabemos que precisamos de certos recursos, mas o Senhor não "Uma das mais belas lições que tenho
nos ensinou a pedir o pão, mais dois carros, mais um avião... Não aprendido com o sofrimento: não julgar,
precisamos de tanta coisa para colocar tanta carga em cima de nós. definitivamente não julgar aquem quer que seja:'
Podemos ser chamados hoje àVida Espiritual..:'
108 Pílulas de Chico Xavier
Chico Xavier 109

"O exemplo é uma força que repercute, "Tudo tem seu apogeu e seu declínio... Énatural que seja assim;
de maneira imediata, longe ou perto de todavia, quando tudo parece convergir para o que supomos ser o
nós... Não podemos nos responsabilizar nada, eis que avida ressurge, triunfante e bela!... Novas folhas, novas
pelo que os outros fazem de suas vidas; flores, na indefinida bênção do recomeço!"
cada qual é livre para fazer o que quer de Fonte: "O Evangelho de Chico Xavier", de Carlos A. Baccelli.
si mesmo, mas não podemos negar que
nossas atitudes inspiram atitudes, seja no "Ah... mas quem sou eu senão uma
bem quanto no maL" formiguinha das menores, que anda pela
terra cumprindo sua obrigação:'
"Sempre recebi os elogios como incentivos dos amigos para qu~
eu venha a ser o que tenho consciência de que ainda não sou..:' "Eu me sinto feliz de ser obstinada-
mente médium ... Eu gosto de ser mé-
"Fico triste quando alguém me ofende, mas, com certeza, eu fica- dium, gosto dessa palavra ... Quero mor-
ria mais triste se fosse eu o ofensor... Magoar alguém é terrível!" rer médium... É tudo o que eu sempre
quis ser..."
"A gente deve lutar contra o comodis-
mo e a ociosidade; caso contrário, vamos "A morte é a mudança completa de casa, sem mudança essen-
retornar ao Mundo Espiritual com en~rme cial da pessoa:'
sensação de vazio... Dizem que eu tenho
feito muito, mas, para mim, não fiz um dé- "A revolução em que acredito é aque-
cimo do que deveria ter feito..." la ensinada por Nosso Senhor Jesus
Cristo, que começa pela corrigenda de
"A questão mais aflitiva para o espí- cada um, na base do façamos aos outros
rito no Além é a consciência do tempo aquilo que desejamos que os outros nos
perdido." façam:'

"Confesso avocês que não vi o tempo correr... Por mais longa que "A dor de tanta gente me penetra a
nos pareça, a existência na Terra é uma experiência muito curta. A alma toda:'
única coisa que espero depois da minha desencarnação é a possibi-
lidade de poder continuar trabalhando:' "Sinto-me na maravilhosa máquina do serviço espírita à feição de
insignificante peça de emergência, precisando de repelões e con-
"Devemos aceitar a chegada da chamada morte, assim como o sertos constantes pelas imperfeições que trai'
dia aceita a chegada da noite, tendo confiança que, em breve, de
novo há de raiar o sol..."
"Sei que sou um espírito imperfeito e muito endividado, com ne-
cessidade constante de aprender, trabalhar, dominar-me e burilar-
me perante as leis de Deus:'
110 Pílulas de Chico Xavier

IIDevemos efetuar campanhas de si-


lêncio contrá as chamadas fofocas, culti-
vando orações e pensamentos caridosos
e otimistas em favor da nossa união e da
nossa paz, em geral:'

IIReconheço-me à maneira de um
trabalhador do campo, preparando-se
para o regresso ao lar depois de um
1I
longo dia de trabalho.

IIQuando os espíritos julgam necessário, eles vêm e falam ou es-


crevem mensagens para mim. A convivência com eles prossegue.
Aliás, já me sinto um pouco desencarnado:'
Fonte: ChicoXavieG o Homem-Amor. Editoro Publicações S.A.

"Chega de desconsideração com os dignos, chega do esqueci-


mento daqueles que trabalham ou que estão trabalhando por uma
Terra melhor:'

"O empresário brasileiro é um homem bom. Eu também fui


operário de fábrica. Trabalhei numa máquina chamada abridor, que
recebia algodão em rama e depois dividia entre os filatórios. Eu tra-
balhava num dos filatórios e era muito feliz:'

"Quando agente escuta um grito de guerra soando em qualquer


parte do mundo, seja no Iraque, na Cochinchina, na Rússia, na In-
glaterra, na França... nós sentimos muita dor. Porque nos dói pensar
no sofrimento das mães que criaram seus filhos até a maioridade, às
vezes com imensos sacrifícios, se verem privadas dessa mocidade,
1I
que veio para iluminar o mundo e criar novos caminhos para nós.
EDITORA
GlOBO
PERSONAGENS QUE MARCARAM ÉPOCA - CHICO XAVIER

Copyright © 2006 by Editora Globo S.A. para a presente edição

DIRETORIA
Diretor Geral: Juan Ocerin
Diretor Editorial: Paulo Nogueira
Diretor de Finanças e Recursos: Frederic Zoghaib Kachar
Diretor de Mercado Leitor: Stravos Frangoulidis Neto
LIVROS
Diretora da Unidade de Livros: ~andra R. Ferro Espilotro
Coordenadoras editoriais: Aida Veiga e Maria Cristina Fernandes da Silva
Assistentes editoriais: Lilian Scutti Santos e Paula Korosue .
Produtor gráfico: Rogério Luiz dos Santos
Assistente de arte: Clayton da Silva Viana
COLABORADORES
Texto: Sebastião Aguiar
Edição: Esníder Pizzo
Revisão: Irene Incaó
Fotos: Arquivo Editora Globo: págs. 1,2, 3, 4, 30, 82, 84, 86, 87, 90, 92, 102 (Glaucio Dettmar), 34, 36, 39,45,46, 70;
Agência O Globo: págs. 23, 42, 60, 62, 64; Jornal de Uberaba: págs. 24, 25, 76, 78, 91, 96, 98, 100;
Prensa Três: pág. 66; Arquivo FEB: págs. 8, 12, 18,50; AE: pág. 14 (Mauricio de Souza);
Jorge Rizzini: págs. 26, 54, 56, 57; Manoel Serafim: pág. 74; Divulgação: págs. 16

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

A232c

Aguiar, Sebastião
Chico Xavier / Sebastião Aguiar. - São Paulo: Globo, 2006
il. - (Biblioteca Época)(Personagens que marcaram Época)

1. Xavier, Francisco Cândido, 1910-2002.2. Médiuns-


Brasil - Biografia. I. Título. 11. Série.

06-4309. CDD 920.913391


CDU 929:133.9
24.11.06 28.11.06 017120

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Impressão e acabamento: Vida e Consciência. 1a reimpressão, 2007.

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