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Criação ou Evolução?

Fonte: Catolicos a Caminho


Transmissão: Aline Cristina

O que dizer da evolução das espécies?

A Igreja não se opõe a nenhuma teoria científica realmente


comprovada. No caso da evolução das espécies, a Igreja deixa a cargo da
Ciência falar sobre a questão. O que ela não aceita é a teoria materialista da
evolução, segundo a qual esta teria ocorrido, ou ocorre, apenas pela força
biológica da própria matéria, sem a intervenção, o querer, de Deus. A
Igreja não pode aceitar que a matéria tenha gerado a alma, o espírito do
homem; isto é contra a própria filosofia que não aceita que um ente menos
nobre (matéria) possa ter gerado um mais nobre (a alma). É só aqui que a
Igreja discorda da teoria da evolução.

Criação ou Evolução?

D. Estevão Bettencourt . sb Mosteiro de S.Bento - Rio de Janeiro

Primeiro relato: ”No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra


estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus
pairava sobre as águas. Deus disse: ‘Faça-se a luz!’ E a luz foi feita.” [...]
(Gn 1, 1-3).
O segundo relato da criação do mundo e do homem (Gn 2, 4b-3724),
em síntese, põe em confronto o homem e a mulher para afirmar que
compartilham a mesma natureza e tem a mesma dignidade. Assim, criação
e evolução não se opõem entre si, desde que se admita que Deus criou a
matéria inicial, dando-lhe as leis de sua evolução, e cria até hoje toda alma
humana (que é espiritual).
A explanação do hexaemeron exige naturalmente um estudo do
relato que lhe é paralelo e se encontra em Gn 2, 4b-25. Por conseguinte as
páginas subsequentes abordarão o assunto.

1. O relato javista e a origem do homem

Em Gn 2, 4b tem início outra narração referente às origens, de estilo


mais primitivo que a anterior: Recorre a muitos antropomortismos (Deus é
oleiro, jardineiro, cirurgião, alfaiate, em vez de criar com a sua palavra
apenas, como em Gn 1,1-2, 4a); não menciona nem o mar com seus peixes
nem os astros (o que revela horizontes limitados). Data do século X a.C.
(fonte javista, J). Essa descrição começa por notar que não havia arbusto,
nem chuva, nem homem, mas apenas uma fonte de água, que ocasionava a
existência de barro. Para compreender a intenção do autor sagrado,
examinemos, antes do mais, a dinâmica do texto em pauta:

Muito estranhamente, Deus cria em primeiro lugar o homem (2, 7).


Depois planta um jardim ameno, onde o coloca (2, 8.15); verifica que o
homem está só (2,18). Cria os animais terrestres (2,19); mas o homem
continua só (2, 20). Então Deus cria a mulher e a apresenta ao homem, que
exclama: “Esta sim! É osso dos meus ossos e carne da minha carne!” (2,
23). Este curso de idéias poderia ser assim reproduzido:

HOMEM
MULHER
Plantas, animais.
(o homem está só)

Vê-se, pois, que o relato não tem em mira descrever a fenomenologia


ou o aspecto científico da origem das criaturas, mas, sim, visa a responder a
uma pergunta: qual o relacionamento existente entre o homem e a mulher?
Qual o papel da mulher frente ao homem? Estas questões de ordem
filosófico-religiosa perpassam todo o relato. Para responder-lhes, o autor
apresenta o homem (varão) sozinho; verifica duas vezes que ele está só,
porque nenhuma planta e nenhum animal se lhe equiparam; finalmente
Deus tira matéria do próprio homem para com ela formar a mulher; assim
se justifica a exclamação: `Esta sim! E da minha dignidade!` Desta forma,
o texto sagrado nos diz que a mulher não é inferior ao homem, mas
compartilha a natureza do homem; é o vis-à-vis do homem. Esta afirmação
é de enorme valor: já no século X a.C. a Sagrada Escritura propunha uma
verdade que muitos povos hoje não conseguem reconhecer e viver.

2. Evolucionismo e Criacionismo

O autor sagrado apresenta origem distinta para o homem e para a


mulher. Analisemos um e outro caso.

1. Origem do homem.

Será que o texto de Gn 2, 7 quer dizer algo sobre o modo como


apareceu o homem na face da terra ?

Respondemos negativamente.
O autor sagrado utilizou a imagem do Deus-Oleiro, que era assaz
freqüente nas tradições dos povos antigos. Com efeito, no poema
babilônico de Gilgamesh conta-se que, para criar Enkidu, a deusa Aruru
`plasmou argila`. Na lenda assiro-babilônica de Ea e Atar-hasis, a deusa
Miami, intencionando criar sete homens e sete mulheres, fez quatorze
blocos de argila; com estes, suas auxiliares plasmaram quatorze corpos; a
deusa rematou-os, imprimindo-lhes traços de indivíduos humanos e
configurando-os à sua própria imagem.
No Egito um baixo-relevo em Deir-el-Bahari e outro em Luxor
apresentam o deus Cnum modelando sobre a roda de oleiro os corpos
respectivamente da rainha Hatshepsout e do Farad Amenofis III; as deusas
colocavam sob o nariz de tais bonecos o sinal hieroglífico da vida (ank),
para que a respirassem e se tornassem seres vivos.
Entre Os Maoris da Nova Zelândia, conta-se o seguinte episódio: Um
certo deus, conhecido pelos nomes de Tu, Tiki e Tané, tomou argila
vermelha à margem de um rio, plasmou-a, misturando-lhe o seu próprio
sangue, e dela fez uma cópia exata da Divindade; depois, animou-a
soprando-lhe na boca e nas narinas; ela então nasceu para a vida e espirrou.
O homem plasmado pelo criador Maori parecia-se tanto com este que
mereceu por ele ser chamado Tiki-Ahua, isto é., Imagem de Tiki.
Compreende-se, pois, que o tema do Deus-Oleiro, ocorrente também
na Bíblia, não passa de metáfora. Quer dizer que, como o oleiro está para o
barro, assim Deus está para o homem. E como é que está o oleiro para o
barro? Numa atitude de sabedoria, carinho, maestria, providência... Assim
também Deus está para o homem, qualquer que tenha sido a modalidade de
origem do ser humano. Não se queira extrair desta passagem alguma lição
de teor cientifico.

2. Origem da mulher.

Que significa a costela extraída de Adão (= homem) para dar origem


a mulher? Não implica que esta tenha tido princípio diferente do homem. O
tema da costela há de ser entendido a partir das palavras finais de Adão:
`Esta é osso dos meus ossos e carne da minha carne` (Gn 2, 23); tal
afirmação é rnetafísica, e significa: a mulher é da natureza ou da dignidade
do próprio homem, em oposição aos demais seres (pois, embora cercado
destes, o autor enfatiza que o homem estava só). Ora, para preparar e
justificar esta asserção a respeito da dignidade da mulher, o autor descreve
o próprio Deus a tirar carne e osso (uma costela) do homem a fim de
formar o corpo da mulher; a `extração` da costela e a formação da mulher,
no caso, não tem sentido literal, mas vem a ser a maneira `plástica` de
afirmar a igualdade de natureza do homem e da mulher.
É à luz desta verdade que se deve entender também o desfile de
animais perante o homem e a imposição de nome a cada um deles (2, 1 9s).
`Impor o nome`, para os antigos, significa `reconhecer a essência, a
identidade do ser nomeado`. O autor sagrado magma Adão a impor nomes
aos animais para poder enfatizar de modo muito concreto que nenhum
animal era adequado ao homem; notemos que, antes e depois do `desfile`,
O texto verifica que o homem estava só (2,18.20). Devemos, pois, concluir
que tal cena não tem sentido literal, mas visa apenas fazer o contraste entre
o homem e os animais inferiores e assim preparar o surto da mulher `feita
da costela` ou participante da dignidade do homem.
Não se deve, pois, na base do texto bíblico, atribuir a mulher origem
diversa da que tocou ao homem.

3. Resta, então, indagar: que diz o texto sagrado sobre a maneira como
apareceu o ser humano?

A Bíblia não foi escrita para dirimir o dilema `criação ou evolução`.


Todavia, a partir de premissas filosóficas e teológicas, é preciso dizer que o
dilema não existe. Vejamo-lo por partes.

Quanto ao homem, a pergunta é colocada popularmente nestes termos:


`Vem do primata ou não?`

Responderemos distinguindo entre corpo e alma do homem. O corpo,


sendo matéria, pode provir de matéria viva preexistente; não proviria dos
macacos hoje existentes, pois estes já são muito especializados e não
evoluem mais; proviria, porém, do primata ou do ancestral dos macacos e
do corpo humano. A alma, contudo, não teria origem por evolução, mas por
criação direta de Deus; sendo espiritual, ela não provem da matéria em
evolução (o espírito não é energia quantitativa, nem fluído nem éter; por
isto não pode originar-se da matéria). Assim, se conciliam criação e
evolução no aparecimento do homem; pode-se admitir que, quando o corpo
do primata estava suficientemente evoluído ou organizado, Deus lhe
infundiu a alma espiritual, diretamente criada para dar-lhe a vida de ser
humano. Isto terá ocorrido tanto no surto do homem como no da mulher.
Considerando agora o universo, podemos dizer que a matéria inicial,
caótica (nebulosa), donde terá procedido a evolução, foi criada diretamente
por Deus (não é matéria eterna). Deus lhe haverá dado as leis de sua
evolução de modo que dela tiveram origem os minerais, os vegetais e os
animais irracionais até o limiar do homem. Quando o Senhor Deus quis que
este aparecesse na face da terra, realizou outro ato criador, infundindo a
alma espiritual no organismo do ser evoluído. que se pode reproduzir no
seguinte esquema:
Ato criador
Matéria inicial
Minerais, vegetais, animais,organismo aperfeiçoado, (nebulosa),irracionais
Evolução
Ato criador da alma espiritual

No tocante à origem da vida, é preciso distinguir vida vegetativa, da


sensitiva e vida intelectiva. As duas primeiras modalidades dependem de
um princípio vital material, que bem pode ter sido eduzido da matéria em
evolução. Ao contrário, a vida intelectiva depende de um princípio vital (a
alma) espiritual, que só pode provir de um ato criador de Deus.

3. Monogenismo ou poligenismo?

Pergunta-se: quantos indivíduos houve na origem do gênero humano atual?

É costume responder: um homem (Adão) e uma mulher (Eva). Esta


afirmação pode ser licitamente repensada em nossos dias.

A ciência reconhece três hipóteses referentes ao número de indivíduos


primitivos:

Polifiletismo: muitos troncos ou berços do gênero humano (na Ásia, na


África, na Europa...).

Monofiletismo:
- poligenismo: um só berço com muitos casais. (um só tronco e vários
seres)
- monogenismo: um só berço com um casal só.

Ora, a primeira hipótese (polifiletismo) contraria a fé e as


probabilidades científicas. Não se diga que o gênero humano apareceu
sobre a terra em localidades diversas simultaneamente.
0 monofiletismo monogenético (um casal só) é a clássica tese,
aparentemente deduzida da Bíblia. Todavia verifica-se, após leitura atenta
do texto sagrado, que não é a única hipótese conciliável com a fé. O
poligenismo não se opõe a esta. E por quê?
A palavra hebraica Adam significa homem; não é um nome próprio,
mas substantivo comum. Por conseguinte, quando o autor sagrado diz que
Deus fez Adam (ou Adão) quer dizer que fez o homem, o ser humano, sem
tencionar especificar o número de indivíduos (um, dois ou mais...). Muito
significativo é o texto de Gn 1, 27: `Deus criou o homem (Adam) a sua
imagem; à imagem de Deus Ele o criou; homem e mulher Ele os criou`.
Neste versículo verifica-se que a palavra Adam não designa um indivíduo,
mas a espécie humana diversificada em homem e mulher. O nome `Eva`
também não é nome próprio, mas significa em hebraico `mãe dos vivos`
(Gn 3, 20). Fica, pois, aberta ao fiel católico a possibilidade de admitir mais
de um casal na origem do gênero humano. O que importa, em qualquer
hipótese, é afirmar que os primeiros pais (dois ou mais) foram elevados à
filiação divina (justiça original) e que, submetidos a uma prova, não se
mantiveram no estado de amizade com Deus (cometeram o pecado
original). - Seria falso, porém, dizer que Adão e Eva nunca existiram ou
que são fábula ou alegoria: são tão reais quanto o gênero humano é real; o
texto sagrado nos diz que Deus tratou com o homem nas suas origens,...
com o homem real, e não com um ser fictício. E a história referente aos
primeiros pais da história real, embora narrada em linguagem figurada
(serpente, árvore, fruto...). De resto, é inútil insistir sobre a questão
`poligenismo ou monogenismo?`, pois não há critérios científicos para
dirimi-la (a ciência até hoje não tocou a estaca zero do gênero humano);
apenas interessa notar que a hipótese poligenista não contraria a fé.
A origem das raças não exige o polifiletismo. Com efeito: o conceito
de `raça` é assaz flexível; raça resulta de um conjunto de determinados
elementos do ser humano (cor da pele, forma dos olhos, tipo de cabelo...).
Todavia a mesclagem desses elementos é tão variegada sobre a face da
terra que há uma gama contínua de tipos entre o indivíduo branco, o negro,
o amarelo... Em conseqüência, a origem desses tipos raciais pode explicar-
se a partir de um só principio: devem-se não somente as diversas condições
de clima, alimentação, trabalho, das populações, mas também ao fenômeno
do mutacionismo (mudanças bruscas em indivíduos raros, que se
transmitem estavelmente).

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