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Belo Horizonte
2012
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Belo Horizonte
2012
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FOLHA DE APROVAÇÃO
A música nas interações humanas: um estudo teórico aplicado no Hospital Espírita André
Luiz
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
A Deus e à espiritualidade superior, por terem nos guiado, iluminado e colocado em nosso
caminho pessoas especiais.
Aos nossos pais, pelo incentivo da vida e por permitirem nossa liberdade de escolhas,
pensamentos e ações.
A todas as pessoas do Hospital Espírita André Luiz, que abriram as portas nos possibilitando
compartilharmos nosso aprendizado e, ao mesmo tempo, aprendermos com sua equipe e
pacientes.
À Edna Martins por fazer parte do nosso grupo musical e das nossas vidas.
À banca do projeto, composta pelos professores Marcelo Pereira e Wagno Gomes que com
suas sugestões contribuíram para a conclusão desta pesquisa.
Finalizamos por agradecer ao nosso professor e orientador Doutor José Antônio Baêta Zille,
que com sua altíssima competência, e um lado humano invejável, com ternura, dedicação,
compreensão, esmero e acessibilidade, tornou este caminho menos tortuoso e mais agradável.
Agradecemos a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a realização desse
trabalho.
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Václav Havei
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RESUMO
OLIVEIRA, Kelly Elaine e MOURA, Ludmila Helena de Assis e Freitas. A música nas
interações humanas: Um estudo teórico aplicado no Hospital Espírita André Luiz. 2012.
51f. Monografia (Graduação em Licenciatura em música) – Escola de Música, Universidade
Estadual de Minas Gerais, Belo Horizonte.
O presente trabalho tem como objetivo estudar a música e a performance musical como
coadjuvantes das relações e como promotora de afetos no ambiente do Hospital Espírita
André Luiz (HEAL). O HEAL, na prática do cuidado aos pacientes, tem buscado uma junção
às propostas holísticas, aliadas às outras áreas de tratamento, direcionando assim, seu enfoque
para além da doença e do sintoma. Dentro deste universo, este estudo busca se fundamentar
na literatura científica que considera a forte influência dos estímulos ambientais no
desenvolvimento do ser. Ser que, no contexto dessa pesquisa, inserido num contexto social, se
torna um agente interativo em uma experiência estética musical. Utilizando-se de experiência
em trabalho voluntário desenvolvido neste hospital elaborou-se a pesquisa, tomando como
referencial teórico, ideias interacionistas e da complexidade.
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................... 07
1 Interligação Sujeito-Objeto.............................................................................. 10
Considerações finais................................................................................................ 45
Referências.................................................................................................................. 48
7
INTRODUÇÃO
A entrada no século XXI proporcionou uma perspectiva filosófica que permitiu a confirmação
de hipóteses já aventadas, de que a realidade é complexa e que ultrapassa os paradigmas até
então vigentes. Esta perspectiva vem nos mostrando que estamos todos conectados. Todas as
formas de vida organizam-se em padrão reticular, rizomático, demonstrando que a existência
está interligada, interagindo com objetos, pensamentos, seres, desejos, em todas as suas
dimensões e abrangendo todo o universo.
Dentro deste contexto complexo, o ser humano se constitui, assim como constitui o meio em
que vive. Nesse processo, se estabelece como ser social e cultural. Enquanto ser social, se
relaciona com os demais e estabelece estruturas que garantem vínculos institucionais e
pessoais, ao mesmo tempo em que se elabora como sujeito e como parte dessa estrutura.
Enquanto ser cultural, produz um universo de significados e significantes que dão forma a sua
existência, como sujeito e como espécie.
Neste ponto, surgem inquietações que nos levam a pensar: em que aspectos a produção
humana pode afetar seus criadores? Mais especificamente: como o fazer artístico pode afetar
aquele que o realiza, o meio e aqueles que, por ventura, se encontram doentes?
Sob esta perspectiva que este trabalho foi desenvolvido. Longe de se entender a música como
elemento terapêutico, este trabalho se limitou em avaliar os afetos e suas consequências junto
ao universo pesquisado.
8
O interesse pela realização desta monografia surgiu da nossa experiência de trabalho como
musicistas voluntárias em instituições sociais, como hospitais, penitenciárias, asilos entre
outros. Dentro deste contexto, atualmente, exercemos a prática da performance musical no
Hospital Espírita André Luiz (HEAL), para os pacientes em tratamento. Essa atuação
despertou o desejo de maior aprofundamento no estudo dos fenômenos que envolvem a
interação música, musicistas e ouvintes neste ambiente hospitalar.
Ao longo do tempo em que vimos realizando nossos trabalhos nas instituições, pudemos notar
que algo acontece na interação entre nós músicos e ouvintes. Ambos, em contato com a
música, são afetados e, consequentemente, reflexos são gerados no meio 1. Ou seja, a música é
capaz de atuar nas relações que se processam entre o meio, músicos e ouvintes. Interações
estas que são comumente descritas na literatura como aspectos que podem favorecer ou não a
harmonia do meio. Foi na tentativa de buscar uma maior compreensão deste universo, que
decidiu-se realizar o presente trabalho, tomando como objetivo a tentativa de identificar a
ação da música como coadjuvante das relações e como promotora de afetos no ambiente do
HEAL.
Para tanto elaborou-se, no primeiro capítulo, uma reflexão teórica acerca do que é interação
dentro do paradigma emergente da complexidade, em que se enfatiza o funcionamento
sistêmico dos elementos que compõem o todo.
No terceiro capítulo, levantou-se um breve histórico sobre o Hospital Espirita André Luíz –
HEAL, sua organização e seu cotidiano, como forma de apresentar o universo em que a
pesquisa foi realizada.
1
Meio neste contexto será utilizado como as relações que se estabelecem entre as pessoas, num determinado
ambiente cultural ou social.
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1 INTERLIGAÇÃO SUJEITO-OBJETO
“Isto sabemos.
Todas as coisas estão ligadas
como o sangue que une uma famlia...
Ted Perry
A interação dos elementos do ambiente com os seres vivos possibilita a troca de matéria,
energia e informação, interligando coisas, processos, pessoas e consciências, garantindo a
dinâmica vital da Terra. A qualidade desse ambiente não é fator nem do espaço físico, tão
pouco do homem, mas da relação que se processa entre eles. Relação esta, que se organiza em
sistemas complexos e abertos, sujeitos a toda sorte de influências e interferências. Por sua
vez, por ser complexo, o ambiente não deixa de ser um sistema, que em última análise,
envolve uma infinidade de outros sistemas. São as relações entre estes sistemas, o fator
essencial que favorece ou não o desenvolvimento e a existência dos seres inseridos no
ambiente.
Neste capítulo, estudar-se-á o paradigma emergente que abarca uma nova concepção
sistêmica, em que as interações entre os seres humanos e meio são determinantes para um
ciclo vital saudável. Em seguida, serão apresentadas algumas ideias interacionistas que fazem
eco com essa visão e, por último, serão traçadas algumas considerações sobre a arte e seu
papel no meio e sua relação com o ser humano.
concepção, entre outras coisas, não se concebe uma separação entre mente e corpo. A
consciência e a mente, sob essa perspectiva, são entendidas como processos integrados.
A física quântica permitiu entender que a matéria é energia. Sob essa perspectiva, a relação
que se estabelece entre matéria e energia pode ser compreendida a partir do todo. Esta
maneira de ver o universo e tudo que o constitui, levou a conceber que corpo e ambiente
podem ser compreendidos a partir também de um todo, mostrando que as barreiras que os
colocavam em condições distintas se tornam cada vez menos definidas. Esta concepção
sistêmica da vida não classifica as coisas como elementos separados, mas como partes de
padrões vibratórios integrados, onde as características mais importantes não estão em suas
partes, mas na maneira como estas se relacionam (CAPRA, 2002). Os elementos que
compõem o universo perdem os seus contornos e estendem-se num continum onde “os objetos
têm fronteiras cada vez menos definidas; são constituídos por anéis que se entrecruzam em
teias complexas com os dos restantes objetos, a tal ponto que os objetos em si são menos reais
que as relações entre eles.” (SANTOS, 1991, p. 34)
É também de Santos (1991) a afirmação de que “Heisenberg e Bohr demonstram que não é
possível observar ou medir um objeto sem interferir nele, sem o alterar, e a tal ponto que o
objeto que sai de um processo de medição não é o mesmo que lá entrou”. O mesmo autor cita
Ilya Prigogine, cuja teoria estabelece que as estruturas funcionam através de sistemas abertos,
com interação de processos segundo uma lógica de auto-organização em que a mínima
flutuação de energia pode conduzir a um estado distinto. Neste sentido, os ambientes e os
indivíduos nele inseridos estão em constante interação. Assim, qualquer interferência
produziria uma modificação neste ambiente e nos indivíduos nele inseridos.
Analogamente às ideias de Prigogine apresentadas por Santos (1991), Morin (2000) considera
os ambientes funcionando em redes de interação em que seus elementos agem e retroagem
uns sobre os outros, assim como entre as partes e o todo. Este processo se dá mediante lógicas
já conhecidas, e ainda, consideras as que estão por conhecer, numa dialógica que consiste em
reconhecer a unidade, a multiplicidade e a diversidade. Esta lógica funciona numa perspectiva
de organização e reorganização permanente tendo na sua base a instabilidade e o caos.
Estas ideias deram condições para se considerar o planeta Terra como um grande ser vivo,
como proposto na hipótese de Gaia, do autor Lovelock, citado por Capra (2002). Para aquele
autor o mundo possui a capacidade de auto sustentação, ou seja, é capaz de gerar, manter e
alterar suas próprias condições de existência. A partir dessa visão, Maturana e Varela (1984)
desenvolvem a teoria de Santiago, que consiste numa formulação sistemática dos princípios
de organização dos seres vivos e não vivos com seu ambiente. A ideia central dessa teoria é a
identificação da cognição, o processo de conhecimento com o processo do viver. Segundo
Maturana e Varela (1984) a cognição é a atividade que garante a auto geração e a auto
perpetuação das redes vivas. Em outras palavras, o processo cognitivo é o próprio processo da
vida. A atividade organizadora dos sistemas vivos, em todos os níveis de vida é, portanto,
uma atividade mental.
Com o avanço da ciência, cada vez mais as diferenças entre o orgânico e o inorgânico se
tornam menos evidentes. Santos (1991, p. 37) cita:
Aristóteles (1973), em seu livro, Metafísica, em sua explicação sobre o Cosmos, refere-se ao
significado do ser4 como uma variada e extensa gama de possibilidades. Segundo o autor, que
viveu entre 384 a 322 a.C., todo ser compartilha de um mesmo princípio, uma essência que
une todos os seres. Afirma, ainda, que esta essência se apresenta em diversas aparências e que
há quatro causas responsáveis por proporcionar mudanças em sua aparência: causa material,
causa formal, causa eficiente e causa final. Assim, tudo o que compõe o universo é
constituído da mesma essência que se manifesta segundo essas causas, fazendo com que umas
sejam distintas às outras. Com base nestes princípios é que Aristóteles reconhecia o cosmos
como parte do ser e vice versa.
2
Ilya Prigogine aponta para a instabilidade do universo e sustenta que a ciência deve incorporar no seu escopo
os critérios do indeterminismo, da assimetria do tempo e da irreversibilidade.
3
O modelo bootstrap de Geoffrey F. Chew afirma que a percepção de concretude e finitude da matéria devem-
se a uma ilusão provocada pelas limitações humanas no nível sensorial e de consciência.
4
Para Aristóteles o Ser é tudo o que é passível de existência.
14
Em outro estudo5, Aristóteles amplia seu pensamento e discorre sobre a estrutura da sociedade
e evidencia a essência do homem enquanto um ser social. Sob uma perspectiva semelhante,
Vygotsky (1995) postula que o homem não se constitui humano por características
unicamente biológicas, mas por fatores sócio culturais. Segundo o mesmo autor, o humano
não está apenas nas suas características genéticas, mas na combinação dessas características
com as interações que ele estabelece com o outro, no meio em que vive. “Na ausência do
outro, o homem não se constrói homem”. (VYGOTSKY, 1994, p.68)
O foco de Vygotsky (1995) é sobre a relação que cada indivíduo estabelece com o meio. Ou
seja, sobre a experiência pessoalmente significativa, em que o homem modifica o meio e é por
ele modificado. Este autor ainda postula que cada ser humano se desenvolve de acordo com
suas vivências, aliadas a processos biológicos, psicológicos e genéticos e que o aprendizado
se dá no contato do homem com o seu meio.
Segundo este autor, para Vygotsky os quatro planos de desenvolvimento, juntos, caracterizam
o funcionamento psicológico do ser humano. O processo de evolução da espécie humana e do
desenvolvimento de cada um resultam das evoluções naturais e culturais e ambas estão
interligadas.
5
Em A Política, Aristóteles, trata do sistema social da sua época, influenciando muitos dos pensadores que
vieram posteriormente.
15
Esta ideia, de que os seres humanos nascem num meio sócio cultural, e isso será uma das
principais influências no seu desenvolvimento, é a base da teoria interacionista de Vygotsky.
Segundo suas ideias, é pela interação social que o ser humano aprende e se desenvolve, cria
novas formas de agir no mundo, ampliando ferramentas de atuação no contexto cultural
complexo em que se está inserido, durante todo o ciclo vital.
Pensamento semelhante tem Mogilka (2005), para quem o homem se torna homem pelo
resultado da interação de três grandes forças: a genética, a sociedade e a cultura. Segundo o
autor, sem a interação desses fatores, não seria possível a construção do ser homem, pois o
que existe “são potencialidades, tendências, funções, impulsos, desejos. As formas e
estruturas são o resultado da interação dessas tendências e potencialidades com a cultura e as
relações sociais.” (MOGILKA, 2005, p. 372). Segundo o mesmo autor, sem a interação entre
cultura e genética não existiria a construção humana. O ser humano precisa de uma boa
constituição genética e bons estímulos culturais para que, cognitivamente, possa se
desenvolver.
Nesse contexto, a mediação do outro e com o outro e, também, das coisas e com as coisas são
fundamentais para que ocorra o desenvolvimento, já que é por meio das interações, que o
sujeito passa a ter uma significação subjetiva, internalizando suas vivências. Quando essa
mediação é feita pelo outro, trata-se de mediação pedagógica, assim como a mediação
semiótica são as interações feitas pelos e com os signos. Nesse sentido, o autor esclarece que:
“todo estímulo condicional criado pelo homem artificialmente e que se utiliza como meio para
dominar a conduta – própria ou alheia – é um signo [...]” (VYGOTSKY, 1995, p. 83).
na cultura existem artifícios para se conseguir unificar estas duas dimensões do humano. Um
destes artifícios é a arte.
[…] nos fatos que encontra e vivencia no decorrer das interações sociais. As
fantasias seriam combinações de elementos retirados da realidade e
reelaborados pela imaginação. Percebe-se por essa exposição que os
sentimentos, imagens e pensamentos que se reorganizam enquanto o ser
humano partilha a música, procedem de vivências reais, de experiências já
apropriadas e constituintes de suas subjetividades.
A arte seria um instrumento que possibilitaria equilibrar o organismo ao seu meio, além de
também, externalizar emoções e sentimentos como: alegria, ansiedade, agressividade, medo,
raiva, angústia e outros. Os sentimentos provocados pelo contato com a arte podem superar os
sentimentos vivenciados e ainda não resolvidos, rompendo o equilíbrio interno. Assim, ao ser
afetado pela arte, toda sorte de sensações podem se manifestar e vir a tona. Nesse sentido,
Vygotsky (2001, p. 315) esclarece que “a refundição das emoções fora de nós realiza-se por
força de um sentimento social que foi objetivado, levado para fora de nós, materializado e
fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumentos da sociedade”.
Como foi apresentado, o ser humano é parte de um sistema complexo no qual, como parte
complexa deste sistema, é sujeito e também objeto. Nesse sentido, o ser humano é capaz de
criar instâncias que o coloca frente a frente a este universo complexo assim como a si mesmo,
alterando o seu exterior bem como seu interior. Dentre estas instâncias estão as artes.
Para Vygotsky (2001, p. 57) "a arte é trabalho do pensamento, mas de um pensamento
emocional inteiramente específico [...]". Ao tocar o interior do sujeito ela, a arte, proporciona
mudanças em sua subjetividade com reflexos diretos na sua objetividade e, portanto, no seu
meio.
17
Guattari (1992) faz eco com estas ideias. Para este autor a arte promove desestabilizações que
agenciam novas maneiras de pensar e viver. Em suas palavras:
A música, enquanto arte, como salientou Cunha (2009), proporciona a mediação entre o
sujeito, o mundo e as emoções, ao mesmo tempo em que é objeto sobre o qual o sujeito age.
Nesse sentido, pode-se considerar que a música, como qualquer outra expressão artística tem
o “poder” de promover alterações no meio em que se realiza. O fenômeno se dá na relação
que se estabelece entre o músico, a música em si e, também o ouvinte. A interação se dá num
contexto complexo, difícil de prever, controlar, sistematizar. Emoções fluem e o que se pode
absorver são apenas impressões do processo.
Será mais, especificamente, sobre à música e às sensações que ela promove no indivíduo e no
meio é que o próximo capítulo tratará.
18
Nietzsche
É sabido que aspectos estruturais da música – som, ritmo, melodia, harmonia, timbre,
dissonância, silêncio, e também os gestos, entre outros –, se organizam numa linguagem
simbólica que podem provocar sensações e expressões subjetivas nas pessoas. Como foi visto
no capítulo anterior, segundo alguns autores, tudo acontece concomitantemente de forma
complexa e interligada. A arte tem um significado subjetivo para cada indivíduo que a
experimenta. Conceituar a arte é algo complexo, mas o que há de comum em muitas das
ideias que partem de especialistas ou leigos, é que arte tem uma significação afetiva.
Levando em consideração o que foi dito, e sendo a música uma das possíveis manifestações
artísticas, abordar-se-á algumas ideias sobre a musica, conceituando, refletindo sobre sua
função e importância no campo da interação entre as pessoas e entre as pessoas e o seu meio.
A palavra música, tem origem do grego e se define como μουσική τέχνη - musiké téchne -, a
arte das musas. A música constitui-se, estruturalmente, de uma sucessão de sons e silêncios
organizados ao longo do tempo6 e espaço, constituindo um complexo de interpretantes7. É
considerada por diversos autores como uma manifestação cultural e humana. Embora nem
sempre seja feita com um objetivo artístico, a música é considerada por muitas sociedades
como um elemento importante dentro das representações culturais.
Apesar da música ser intuitivamente conhecida por todos, seu entendimento completo é algo
relativamente complexo. Encontrar um significado que abarque todos os sentidos da sua
6
Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Musica>.
7
Para Peirce (2000), o interpretante é o potencial interpretativo contido em algo. É o terceiro elemento que,
atuando como mediador entre objeto e signo, completa a tríade que faz emergir a semiose. Assim, o
interpretante, através da síntese intelectual frente ao objeto e o signo, deixa de ser apenas potencialidade para
gerar outro(s) signo(s).
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prática é um desafio. Segundo Blasco (1999), o valor da música está no fato dela causar no ser
humano efeitos no campo biológico, fisiológico, psicológico, intelectual, social e espiritual; e
é por estes efeitos que o indivíduo buscará significar a música.
Um dos poucos consensos sobre o conceito de música é que ela consiste em uma combinação
de sons e de silêncios ou em sequências sucessivas e simultâneas que se desenvolvem ao
longo do tempo. Para Schafer (1991, p. 35) “música é uma organização de sons (ritmo,
melodia etc.) com a intenção de ser ouvida. Música é algo que soa. Se não há som, não é
música”. Neste contexto incluem-se as
Por sua vez, são inúmeros os conceitos que interpretam a música como uma forma de
comunicação. La Compôte (1977) avalia a música como uma “linguagem sonora, isto é, a arte
de expressar e transmitir os sentimentos vindos da alma, por meio de sons dispostos em séries
e combinações de acordo com uma lógica”. Nesse contexto, Hargreaves (2004) considera que
a música transcende fronteiras físicas e culturais. Desse modo, é possível, através da música
estabelecer comunicação mesmo para pessoas que falam línguas distintas.
De modo análogo, Cunha (2009) considera a música como uma das mais importantes
manifestações sociais. A autora postula que a arte musical quando ultrapassa o exercício
desencadeador de sentimentos, de descarga emocional e do contágio afetivo, pode fazer parte
da vida cotidiana, como um fato que, simbolicamente, se transporta aos sentimentos e
emoções do ser. Também Blacking (1981), acredita que “a música é um fato social”. Segundo
o autor, a arte não existe em produtos, mas sim em processos, através dos quais, cada pessoa
por mais que esteja compondo um grupo, dá um significado específico à sua experiência.
Para efeito desse trabalho, será abordado o conceito da música como linguagem, atribuindo à
música o caráter de uma ferramenta capaz de gerar significante, comunicar e facilitar a
interação entre as consciências e seu meio, capaz de provocar sensações, de alterar e
reorganizar o meio. Para Craveiro de Sá (2003, p. 131), música são
A música é uma maneira de sistematização que alia som, silêncio e ruído, numa sequência
interativa, dentro do tempo, possibilitando combinações entre sua estrutura e seu meio.
É fato que a música tem um efeito de ‘tocar’ o ser humano de várias formas. Para Montagu
(1905, p. 275)
Em várias passagens do seu livro Tocar – o significado humano da pele, este autor relata
experiências de culturas distintas em que a presença da música ou sons ritmados causam
efeitos sobre os indivíduos e que todas as emoções provêm dos primeiros estímulos sensoriais
que o bebê recebe do meio ambiente. Para este autor, as emoções estão associadas aos sons
que o bebê ouviu ainda no ventre, como as batidas do coração e/ou a voz da mãe e outros sons
que, quando já fora do útero, o bebê ouviu como as conversas, as cantigas de ninar, as
músicas. Esses sons podem ter um efeito tranquilizador ou aterrorizador, dependendo dos
condicionamentos operados naquela tenra infância. Em um relato sobre as mães esquimós, o
autor escreve:
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Montagu (1905) lembra que Sally Carrighar, em sua autobiografia, conta que, aos seis anos,
ouviu um famoso violinista tocar e sua sensação era de que recebia o som não apenas pelos
ouvidos, mas também, através da pele de todo o corpo. O mesmo autor também lembra que
Edmund Carpenter comenta que, não raro, cantores determinarem a altura do som pela
sensação que o mesmo lhe causa. Uma experiência que não seria diferente do rock, em que a
pessoa sente a música, geralmente com o corpo todo.
Segundo Langer (2004) os psicólogos Helmholtz e Wundt, consideravam a música como uma
sensação prazerosa, ocasionadas por seus arranjos. A mesma autora acrescenta que os
pensadores Rousseau, Kierkegaard e Croce, acreditavam na ideia da música como catarse
emocional e sua essência seria a auto expressão. Esta mesma ideia também é compartilhada
pelos músicos Beethoven, Schumann e Liszt. Para Howard (1984, p.23) “a música é a relação
entre os sons e não o próprio som, qualquer que seja o grau de artifício e de complexidade de
sua sucessão”.
Para a mesma autora a música é capaz de nomear e acessar os sentimentos, visto que atinge
uma comunicação em linguagem não verbal. A autora considera que a música pode ser um
mecanismo para “descarregar nossas experiências subjetivas e restaurar nosso equilíbrio
emocional” ( LANGER, 1989, p. 217). Ou seja, o sujeito se constitui como uma realidade que
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Subitamente tudo parece mais suave e mais complexo, o mundo vira uma
mistura discernível de múltiplos tons, cores, ritmos, intensidades,
reverberações, cadências, qualidades, acontecimentos... O que era Um vira
muitos, o que estava subsumido a um Plano único vira um folheado, o que
parecia hierarquizado torna-se ramificado, uma pulverização,
reagrupamentos, novas dimensões, proliferações... (PELBART, 1993, p.
96).
Aspectos que Sacks (2007) ratifica ao transcrever um trecho de carta de um de seus pacientes,
portador da Síndrome de Tourette8. Nesta carta, seu paciente comenta os efeitos da música
sobre seus tiques, quando em contato com a música, quando narra: “Pode ser tanto uma
bênção como uma maldição para os meus tiques. Pode pôr-me em um estado no qual me
esqueço completamente da síndrome de Tourette ou provocar um surto de tiques difícil de
controlar ou de suportar” (SACKS, 2007, p. 221).
8
A Síndrome de tourrete é uma doença de fundo neurocerebral que foi descrita em 1885 por Gilles de La
Tourette e consiste em manifestação de tiques compulsivos, repetitivos, com movimentos rápidos, muitas vezes
repentinos e acompanhados de coprolalia, que são vocalizações de palavrões descontextualizados. Ainda não foi
descoberta a cura para essa doença que se inicia na infância, mas que pode ter seus sintomas diminuídos na vida
adulta.
23
A música pode não ser uma invenção humana, é algo inato à natureza. No entanto, a criação
musical sim é uma invenção humana. Somente os seres humanos são capazes de criar música
que, como produto da cultura e está interligada ao processo dinâmico e energético no
universo. Como tal, a música proporciona condições para reflexão ao mesmo tempo em que
promove a mediação entre os indivíduos e este meio.
O ambiente, como visto no capítulo anterior, é constituído pelos seres vivos nele inseridos que
interrelacionam-se, como sugere Tomatis e Vilain (1991, p. 114-5):
Ao interagir no meio com sua frequência vibracional, como sugere Jenny (1967), as ondas
sonoras, independem da percepção ou até mesmo da audição de quem ou do que está exposto
a ela. Mesmo assim, a música interage com as unidades celulares ou atômicas, podendo
modificar suas estruturas, de acordo com o tipo de vibração a ela exposto. Para o autor, várias
substâncias, principalmente as líquidas, são bastante susceptíveis às transformações. Vale
lembrar, então, que o corpo humano, na fase adulta, como postula Macêdo (2004), é
constituido de 70 à 74% de água. Petráglia (2008) acredita que a música pode atuar tanto no
nível da matéria com suas ondas vibratórias em organismos e objetos, num caráter estrutural,
quanto em processos cognitivos, acompanhados pelas sensações, percepções e emoções.
Ao interagir com o meio através do seu conteúdo simbólico, a música deixa aflorar todo o
conteúdo subjetivo de seus interpretantes, ou seja, seu potencial interpretativo. Para que este
potencial passe a significar algo é necessário o processo cognitivo.
Assim a música, por seu conteúdo significante comunica tanto com quem a produz, quanto
com quem a ouve. Desse modo, a música atua junto aos afetos, possibilitando emergir novas
maneiras de significação do indivíduo frente ao seu meio (WAZLAWICK; CAMARGO;
MAHEIRIE, 2007). Ou seja, a música é capaz de atuar na subjetividade daquele que a ouve
fazendo com que a sua relação com o seu meio se altere. Também, Castro (2007) afirma que o
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contato com a música é uma interação ser vivo/meio ambiente e que a possibilidade de escutar
é algo que traz o ambiente para dentro do ser e o posiciona diante dele.
Dentro deste contexto, a música tem a capacidade de atuar na extensa e complexa rede em que
o homem é apenas mais um de seus constituintes. Aí, estabelece um diálogo entre seus
componentes dentro de um processo sígnico, reformulando e reconfigurando a ecologia em
que o homem é sujeito e objeto.
Música, inserida em um meio, pode favorecer ou não este ambiente. Conforme pesquisado
por Petráglia (2008), em termos vibracionais, músicas eruditas, como as de Bach, podem ser
favoráveis a organismos vivos, como as plantas, enquanto que as musicas ruidosas, do estilo
Acid Rock de Jimi Hendrix e Led Zeplin, podem ser desfavoráveis a estes organismos. Por
sua vez, em termos simbólicos, as sensações e emoções pessoais permitem construir
significados na música ou mesmo resignificá-la, assim como a cada vivência do sujeito que
entra em contato com ela. Além disso, numa dimensão sócio cultural a música possibilita
aflorar de modo objetivo, a própria subjetividade, como nos sugere Wazlawick, Camargo e
Maheirie (2007).
Este contexto último, o sócio cultural, é a dimensão espaço temporal do meio em que a
música se concretiza. Nesse sentido, a música tem estado presente em vários ambientes e com
as mais variadas funções. Independente do tempo e de sua aplicação, sua função primordial se
resumem em “afetar”, não só aquele que a ouve, mas também quem a faz e o contexto em que
se desenvolve. Assim, independente se a música se apresente naqueles lugares “normalmente”
eleitos como espaços apropriados para ela, como teatros, salas de concertos, templos etc, e
independente da intenção, ela está apta a afetar.
25
Segundo as ideias de Shaffer (1991), todo ambiente tem sua particularidade sonora, sua
paisagem sonora9. Assim é comum se imaginar cânticos de louvor em igrejas evangélicas,
gritos em brinquedos como montanhas russas e buzinas no trânsito, mesmo que estes sejam
apenas parte do complexo sonoro que compõe cada um desses ambientes, dando-lhes uma
identidade própria. E como afirma Schafer (1991), os sons da paisagem sonora, em especial
os sons fundamentais de uma cultura, influenciam o comportamento de um grupo social.
Portanto, qualquer som introduzido num dado ambiente, estará interferindo na paisagem
sonora deste mesmo ambiente. Nesse sentido, uma música introduzida num ambiente
“estranho” a ela, pode interferir num meio, modificando-o. A presença de uma música pode
modificar essa paisagem e por consequencia, pode proporcionar ao meio e a seus integrantes,
uma nova perspectiva deste ambiente.
É neste sentido que a música pode e tem estado inserida nos mais diversos ambientes e
afetando-os. É de um destes ambientes, que tratará o próximo capítulo.
9
Paisagem Sonora “é constituída de ruído, som, timbre, amplitude, melodia, textura que se encontram num cone de tensões,
instalado num horizonte acústico”. Como por exemplo,“uma composição musical é uma viagem de ida e volta através desse
cone de tensões [....] Cada peça de música é uma paisagem sonora elaborada, que pode ser delineada no espaço acústico
tridimensional” (SCHAFER, 1991, p. 78).
26
Platão
A Organização Mundial de Saúde (OMS) conceitua saúde não apenas como ausência de
doença, mas como uma situação favorável de bem-estar físico, mental e social (BRASIL,
2004). Sob essa perspectiva, o Hospital Espírita André Luiz – HEAL –, entende que no
exercício ao cuidado ao próximo deve buscar, a partir de uma visão holística, unir várias
formas de tratamento. Ou seja, o HEAL, vê no atendimento ao paciente, não apenas
patologias, mas uma integração como ser psicológico, social, cultural e espiritual.
Este capítulo traz um breve histórico do HEAL, sua concepção e criação, seguindo pela
descrição de sua organização e de seus recursos terapêuticos utilizados, mostrando o
cotidiano, suas atividades e sua terapêutica. A intenção é possibilitar a contextualização das
atividades que serviram de espaço de pesquisa que resultou neste trabalho.
Na base dessa doutrina, a filantropia é uma das referências mais relevantes diante da
sociedade. Muitas instituições como hospitais, asilos e creches, são ligadas e mantidas
diretamente às federações espíritas, responsáveis pela manutenções e direcionamento
filosófico das mesmas. Dentre muitas das instituições espíritas se encontra aquela em que o
presente estudo foi realizado.
10
Compreendido como uma doutrina de cunho filosófico-religioso voltada para o aperfeiçoamento moral do
homem que acredita na possibilidade de comunicação com os espíritos. (CAVALCANTI, 1985)
27
Segundo Costa (2001) foi a partir da década de 1930 que se deu o início à construção de
hospitais psiquiátricos espíritas no Brasil11. Puttini (2004), ao pesquisar hospitais mantidos e
administrados por adeptos ao espiritismo, passa a conceituar estas instituições como
híbridas12. Para este autor:
De acordo com este mesmo autor, foi a partir do trabalho espiritual desenvolvido pelo médico
alopata Bezerra de Menezes, que surgiu a primeira estrutura religiosa para fins médicos com
bases no espiritismo no Brasil. Por sua vez, Inácio Ferreira, médico psiquiatra, foi um dos
primeiros médicos a institucionalizar as ideias de tratamento espírita defendidas por Dr.
Bezerra de Menezes. O autor ainda traça o perfil de alguns hospitais espíritas:
Dentro desse perfil, o Hospital Espírita André Luiz foi concebido em 25 de dezembro de
1949, por um grupo de simpatizantes da doutrina espírita que, segundo eles, tinham
orientação e instrução direta dos espíritos. Segundo documentos e atas de reuniões do HEAL,
uma equipe de médiuns recebiam orientações dos espíritos de Joseph Gleber, Irmã Scheilla,
André Luiz e Fritz Schein. Através dessa equipe e com as orientações recebidas, foi, então,
concebida a fundação e construção do hospital. A partir daí, iniciou-se dois anos de intensos
trabalhos filantrópicos como forma de arrecadação de fundos, o que resultou em muitas
11
Para mair aprofundamento deste tema consulte Associação Médico-Espírita do Brasil. Disponível em:
<www.amebrasil.org.br>.
12
Puttini (2004) definiu como locais onde há prática médica e espírita ao mesmo tempo.
28
doações vindas de várias partes do país, para a aquisição de um terreno para a construção do
HEAL.
Em Agosto de 1951, deu-se a compra do terreno para a construção. O objetivo era construir
um hospital que pudesse atender pessoas carentes, que necessitassem de cuidados,
independente de suas crenças religiosas. O hospital foi idealizado para ser para atendimento
de caráter geral. No entanto, com o advento da Segunda Guerra Mundial e crescente demanda
específica, acabou sendo destinado a atender pessoas com transtornos mentais variados,
inclusive transtornos mentais relacionados ao uso de substâncias (álcool e drogas).
Em 1955, dá-se início as obras em terreno, então adquirido no Bairro Salgado Filho, em Belo
Horizonte. Nessa época, a secretaria do Hospital já funcionava à Rua Rio de Janeiro, na
mesma cidade, possibilitando assim, a conselheiros e diretores do hospital reunirem-se para o
planejamento da construção.
Em 1961, ainda antes de ter efetuado a sua inauguração e a normalização dos atendimentos, o
HEAL recebe o certificado de utilidade pública Federal, conforme decreto nº 48.661 daquele
mesmo ano. Somente em Outubro de 1967, o então secretário de saúde de Belo Horizonte,
Professor Clovis Salgado, declara o HEAL oficialmente inaugurado. A partir desta data, o
atendimento aos pacientes passa a ter, além do tratamento psiquiátrico convencional, um
enfoque bio-psico-social, tendo o tratamento espiritual sido oferecido como um tratamento à
parte.
O HEAL é uma instituição filantrópica, sem vínculo direto com o Sistema Único de Saúde
(SUS). Recebe pacientes particulares, de diversos órgãos gestores da saúde, bem como
pessoas carentes. É dirigido por uma Diretoria Administrativa e um Conselho, que realizam os
seus trabalhos voluntariamente, sem nenhum tipo de ônus para o Hospital.
13
Refere-se ao regime de assistência intermediária entre internação e atendimento ambulatorial, para realização de
procedimento clínico, cirúrgico, diagnóstico e terapêutico, sendo indicado quando a permanência do paciente é requerida por
um período do dia.
14
Praxiterapia, segundo Ferreira (1986), significa “técnica de tratamento usada, em geral, com doentes crônicos
internados, e que consiste na utilização terapêutica do trabalho, distribuindo-se aos pacientes tarefas de complexidade
crescente”.
15
Disponível em: <http://www.heal.org.br/>.
30
e os transtornos mentais são o foco de atenção nas atividades deste hospital. O hospital ainda
está apto a atender as necessidades dos pacientes em diagnóstico, tratamento e reabilitação
dos mesmos.
16
Disponível em: < http://www.heal.org.br/heal/jornal/Informativo%202.pdf>.
31
Consta ainda no site do hospital17 que o corpo clínico do HEAL oferece atendimento médico
dentro das propostas mais modernas de terapia. Estes profissionais se dividem em:
O Serviço Social compreende o paciente psiquiátrico como indivíduo que tem papéis
significativos no contexto familiar, social e no trabalho. Fazem parte do serviço social do
hospital, uma equipe interdisciplinar com o objetivo de atender pacientes e suas respectivas
famílias, buscando junto a elas, uma posição de parceria e compromisso no tratamento
proposto. A orientação do trabalho do Serviço Social com pacientes e familiares é de natureza
informativa e socioeducativa. Esta mesma equipe efetua uma triagem a fim de definir a forma
do atendimento, filantrópica ou coberto por convênios de saúde.
17
Disponível em: <http://www.heal.org.br/>.
18
Disponível em: <http://www.heal.org.br/heal/servicos/ambulatorio.asp>.
32
O DAE – Departamento de Assistência Espiritual, por sua vez, é um setor que se dedica
exclusivamente às atividades ligadas à doutrina espírita dentro do hospital. A Assistência
Espiritual prestada aos pacientes é opcional, respeitando a liberdade de credos. Os recursos
utilizados são a fluidoterapia (passe e água fluidificada), a desobsessão, os estudos
doutrinários, as orientações espirituais, orações e atendimentos fraternos. Todas essas
atividades são realizadas por voluntários.
O hospital adota uma filosofia de liberdade de escolha junto aos pacientes. Nesse sentido, os
pacientes têm a liberdade de participar ou não das atividades e orientações ligadas à doutrina
espírita. A única obrigatoriedade no contexto do hospital é a medicação.
Mesmo que não se exija do paciente a obrigação de participar das atividades oferecidas a ele,
são vários os recursos que auxiliam nos tratamentos terapêuticos, seja no contexto da terapia
ocupacional ou grupos terapêuticos, ou mesmo como a educação física e apresentações
musicais. Estas últimas, foco deste trabalho, serão tratadas com mais detalhe no próximo
capítulo.
33
Marcelo Petraglia
Uma das possibilidades que se insere na pesquisa qualitativa é que se realize pelo uso da
observação participante. Esta é uma técnica que tem como objetivo a compreensão de alguns
fenômenos circunscritos à realidade empírica de um grupo social. Observar é utilizar dos
sentidos do pesquisador para obter informações sobre uma realidade específica de forma
sistematizada, com planejamento e controle da objetividade (ANGUERA, 1985). Se este
procedimento é feito com a inserção do pesquisador no grupo a ser observado, participando e
interagindo com seus membros, então, trata-se de uma observação participativa.
Nesse tipo de procedimento, o pesquisador tem a liberdade para desenvolver seu trabalho em
cada situação direcionando seu olhar para qualquer direção que considere adequada. É uma
forma de poder explorar mais amplamente as diversas situações que se lhe apresentam.
A sistematização e organização dos dados, juntamente com o estudo teórico que fundamenta a
pesquisa facilita a interpretação da realidade observada. O tempo para a pesquisa pode ser
determinado pelo pesquisador segundo os objetivos do estudo.
19
ROMAGNOLI, Roberta C. Anotações de aula da disciplina Metodologia de Pesquisa em Psicologia, PUC-
MG, 2012
20
Morin E. Complexidade e ética da solidariedade. In: Castro G, Carvalho EA, Almeida MC. Ensaios da
complexidade. Porto Alegre (RS): Sulina;1997. e; Beto Frei. Inderteminação e complementariedade. In: Castro
G, Carvalho EA, Almeida MC. Ensaios da complexidade. Porto Alegre (RS): Sulina;1997. dentre outros.
35
Para o cumprimento dos preceitos estabelecidos para uma pesquisa que se amparam na
técnica da observação procurou-se, inicialmente, entender o funcionamento e filosofia da
instituição. Concomitantemente, procurou-se estabelecer qual a relação da atividade
pesquisada, dentro do contexto daquela instituição. O que se observou serviu para delinear os
passos seguintes que se calcaram em observações nos espaços em que se realizavam as
apresentações e possíveis reflexos no contexto da instituição. Para tal, anotaram-se dados em
diário de campo, entre Julho de 2011 a abril de 2012. Ao longo desse tempo foram analisadas
quatorze apresentações que se realizaram no auditório, na Unidade Novos Passos e no pátio
do hospital.
Com base nos dados levantados junto ao corpo administrativo da instituição, documentos e
peças publicitárias pode-se constatar , como anteriormente mencionado, que o HEAL busca
uma junção transdisciplinar e interdisciplinar nas suas linhas de tratamento de forma a
interagir entre as propostas convencionais, recursos terapêuticos e holísticos. A intenção é
dirigir um olhar para além da doença e do sintoma.
Dentro deste contexto, este estudo parte de considerações que se apoiam na teoria da
complexidade e na teoria interacionista utilizando-se do contexto do HEAL, numa interface
entre performance musical, interação entre musicistas, ouvintes e ambiente como um todo.
Apoia-se, também, nas ideias de Santos (1998) quando afirma que um dos papéis do
profissional da música é atuar como agente que pode levar emoções na utilização da música
em vários ambientes, mesmo em momentos que não comportem uma abordagem que não seja
clínica. Neste trabalho a música não será considerada como ferramenta para terapia, porém, o
foco será observar a mudança do meio diante das interações ocorridas em contato com a
música.
A partir destas premissas, alguns cuidados foram tomados no sentido de se atingir o objetivo
proposto. Nesse sentido, as apresentações eram precedidas da definição de repertório, que era
preparado a cada semana. Este repertório era diversificado e baseado nas escolhas dos
pacientes que deixavam seus pedidos e sugestões com um profissional do HEAL, que
encaminhavam às instrumentistas via e-mail. Geralmente iniciava-se e encerravam-se as
apresentações com músicas eruditas e/ou músicas com temas religiosos. No entremeio,
36
executavam-se várias obras do gênero música popular brasileira, tais como samba, forró, entre
outros.
Também havia uma preparação dos quesitos básicos a se observar: espaço físico, ouvintes,
reações, musicistas, músicas e suas interações. Tais quesitos se apoiavam na perspectiva de se
obter informações sobre os sujeitos presentes nas audições, em torno do ambiente do hospital
e naqueles que se apresentavam, buscando informações sobre os reflexos destas interações
como um todo. Naturalmente, como já mencionado sobre a técnica escolhida, e por se tratar
de um ambiente inconstante no que diz respeito aos espectadores entre uma apresentação e
outra, era constantemente ressaltada a importância de se observar o que o universo
apresentasse, mesmo que em situações inéditas. Desta forma, poder-se-ia, colher uma maior
diversidade de informações que demonstrasse o já previsto do escopo teórico da pesquisa.
As musicistas se reuniam ao final das apresentações para anotar, em bloco de notas destinado
a esta pesquisa, suas observações.
O grupo iniciou esse trabalho com três integrantes sendo duas instrumentistas e uma cantora:
Edna Martins (canto), Kelly Elaine (teclado, violão, saxofone e flauta transversal) e Ludmila
Helena (violino). Os instrumentos musicais utilizados, na maioria das vezes, foram o teclado,
com timbre de piano, e o violino, embora o saxofone, a flauta transversal, o violão e a voz,
fizessem, eventualmente, parte dessas apresentações. Atualmente o trabalho é realizado
apenas pelas instrumentistas.
37
O auditório comporta aproximadamente 150 pessoas assentadas. Este é o espaço que acontece
o maior número das apresentações musicais. Este ambiente é composto de amplas janelas, 150
poltronas de madeira, uma espécie de tablado, (em desnível de aproximadamente 40 cm, que
chamaremos de palco, nele um piano de armário sem condições técnicas para uso, uma grande
mesa e algumas cadeiras. No primeiro dia dessas apresentações no hospital, alguns
funcionários abordaram as musicistas para sugerir a utilização do piano do auditório. Foi feito
um teste no mesmo e foi atestado seu estado “desafinado”.
Para as apresentações na unidade Novos Passos, utilizou-se uma das suas salas: a sala de
terapia em grupo, em que pacientes sob dependência química e de álcool assistiram as
apresentações musicais acompanhados de um psicólogo responsável naquele horário. Esta
sala tem aproximadamente 15m2, com paredes brancas, cerca de 20 cadeiras que ficavam
todas ocupadas por ouvintes, uma pequena mesa ao fundo, um quadro branco e uma janela
sem cortina com a entrada da claridade ou da luz do sol.
Já o pátio é amplo, bem arejado com árvores, bancos e uma grande mesa de madeira que fica
sob uma área coberta. É nesta parte coberta que acontecem as apresentações musicais. Este
pátio foi utilizado para as apresentações, em ocasião de reforma no auditório e nas
comemorações de final de ano, em que se contou com a presença também dos diretores e
responsáveis pela administração do hospital, além da presença da maioria dos profissionais e
pacientes.
4.3.1 No meio
De acordo com o exposto por Santos (1991), que afirma que qualquer interferência produz
uma modificação no meio, observou-se que quando as musicistas chegavam com os
instrumentos para as apresentações já se percebia um deslocamento de pacientes, profissionais
e outros interessados direcionando-se para as salas onde seriam executadas as músicas. Isto já
aponta para a mudança da configuração no HEAL, que a presença das musicistas imprimem
neste meio.
39
Assim como visto no primeiro capítulo deste trabalho, Vygotsky (1995) postula sobre as
relações dos indivíduos com o meio. Segundo este autor, é através de uma experiência que
tenha o afetado de algum modo que o indivíduo dará significado as suas relações com o meio.
O tempo para acontecer essas apresentações foi cedido ao hospital pela terapia ocupacional,
pela psicologia e eventualmente por alguns médicos que paralisam suas atividades junto aos
pacientes para liberá-los para assistirem as apresentações. Neste horário, pacientes das
unidades Harmonia I e II, Renovar I e II que têm diagnóstico de transtorno mental, e pacientes
da unidade Novos Passos que têm diagnóstico de dependência química ou de álcool, são
convidados a participarem do evento conjuntamente, o que configura uma mudança no
cotidiano do hospital. A apresentação musical é a única atividade em que os pacientes com
transtorno mental participam em conjunto com os pacientes em tratamento por dependência
química ou de álcool, pois as outras atividades que o hospital oferece são para grupos
separados.
Por parte dos funcionários que antes lidavam com as apresentações musicais como algo
esporádico, atualmente já se sentem mais à vontade para expor suas opiniões sobre os efeitos
da música dentro do hospital, assim como para relatar casos de pacientes ou algum fato
ocorrido em decorrência da música ou até mesmo em tratamentos terapêuticos. As musicistas
observam que, de forma gradativa, o corpo profissional e administrativo do hospital absorve a
presença delas como parte integrante da equipe de profissionais do HEAL.
40
4.3.2 Os pacientes
Na primeira apresentação que estava prevista para ocorrer na sala de terapia em grupo, na
unidade Novos Passos, as musicistas chegaram ao local antes da presença de qualquer
ouvinte. Após a afinação dos instrumentos neste dia, a intenção era tocar e deixar que os
41
Neste dia, o que se observou, enquanto a música era tocada é que a maioria dos ouvintes foi
afetada pela música de alguma forma, pois muitos deles deixaram escorrer lágrimas, outros se
levantaram e foram embora. O observado, coincide com as afirmações de Montagu (1905), de
que a música toca o ser humano de várias formas. Também Langer (2004), afirma que a
música é capaz de acessar os sentimentos e promove uma comunicação não verbal, com vistas
a uma descarga e equilíbrio emocional.
Houve porém, uma pessoa que permaneceu apático, olhando para as paredes, sem deixar
transparecer nenhuma emoção, o que faz lembrar o relato de Sacks (2007) este autor aponta
para o fato de que o estímulo musical pode ser agradável, mas também pode ser indiferente ou
desagradável para algumas pessoas, principalmente dependendo da sua patologia.
Outro relato relevante é de uma paciente que, no seu último dia de permanência no hospital,
aproveitou do espaço das apresentações musicais no auditório para cantar uma música. Neste
dia, antes de iniciar as apresentações, ela procurou as musicistas, falou que já havia estudado
em conservatório de música e solicitou cantar uma música. Fez então um breve ensaio para a
21
Música de autoria de Francesco Sartori e letra de Lucio Quarantotto, gravada por Andrea Bocelli em 1994.
42
Apesar dos repertórios escolhidos serem constituídos de diversos estilos musicais, nunca
havia sido utilizado o Hino Nacional nessas apresentações. Num determinado dia, no meio da
apresentação de um repertório selecionado, um paciente solicitou a execução do Hino, o que
tornou essa solicitação inusitada dentro do contexto. À medida que se iniciou a execução,
todos os ouvintes se levantaram em postura respeitosa e muitos deles colocaram a mão sobre
o peito. Todos cantaram o hino e ao final aplaudiram bastante. Percebeu-se uma comoção
geral. Esta manifestação serve como um exemplo de como a música pode funcionar como
uma linguagem sonora, que num contexto cultural promove manifestações sociais. O Hino
Nacional, mesmo neste ambiente, não deixou de trazer consigo todo o seu simbolismo no
sujeito, conforme ressaltado por Cunha (2009) e Blacking (1981).
Cunha (2009), também afirma que a música facilita a manifestação de fantasias com a
combinação de elementos retirados da realidade e reelaborados pela imaginação. Num dia de
apresentação musical, tão logo se iniciou a execução de uma música, uma paciente adentrou o
auditório dançando como uma bailarina e pedindo para não parar de tocar. A paciente
permaneceu assim dançando, deitou-se no chão rastejando e chegou a colocar sua cabeça no
colo da violinista dizendo que “sentia-se possuída por uma bailarina”. Neste momento foi
interpelada por uma profissional que sugeriu que ela se retirasse do palco, mas as musicistas
autorizaram-na a ficar. A paciente permaneceu ali por mais algumas execuções musicais e
então se retirou para o tratamento.
Observação semelhante aconteceu com um paciente diante da música Ave Maria, de Gounod.
Tal paciente mostrou-se consternado e levantando-se, foi até ao palco e ajoelhou-se numa
43
atitude fervorosa, balbuciando alguma oração, dando mostras de que interpretava o palco
como um oratório.
O impacto dos afetos demonstrados pelos ouvintes interfere diretamente na atuação das
musicistas. Naturalmente, estas também foram afetadas, fazendo-as muitas vezes, corarem,
tremerem, perderem a sequencia das notas musicais, esquecerem a noção de tempo e espaço,
dentre outras manifestações.
Outra ocasião que deixou uma das musicistas muito afetada, chegando inclusive a perder a
atenção da partitura, foi numa apresentação no pátio, em razão das comemorações de final de
ano. As musicistas tocavam fazendo um fundo musical para a fala do diretor geral do hospital
que fazia um discurso. Então, uma paciente descontroladamente começou a gritar,
aparentemente calma, mas com traços de algum transtorno: Hipócrita, hipócrita! Tal
exacerbação da voz da paciente, junto aos murmúrios dos ouvintes fez uma das musicistas
descontrolar e parar com a música. Castro (2007) afirma que escutar uma música pode
possibilitar ao sujeito revivenciar uma experiência. A musicista relata que todas as vezes que
ouve a tal música que fazia fundo ao discurso, relembra da cena com todos os seus detalhes.
De um mesmo modo, as musicistas puderam perceber uma grande satisfação em estar ali se
apresentando para aquele público específico. Espontaneamente se apresentarem em ambientes
em que o que se espera não é o perfeccionismo técnico geram um prazer nas mesmas, sem
deixar, contudo, que elas não primem por uma performance de alto nível. Estas, por estarem
ali por vontade própria e de forma descontraída, acabam obtendo um resultado técnico e
sonoro muito satisfatório, acreditando ainda que a performance no HEAL sensibiliza e as
estimula para novas experiências artísticas e culturais.
45
Considerações finais
Com base nesses pressupostos, este trabalho se desenvolveu no sentido de buscar substratos
teóricos que permitissem compreender os processos que se instauram nas relações entre os
sujeitos e entre estes mesmos sujeitos e seu meio. Nesse sentido, pode-se constatar que num
processo constante e crescente, o ser humano cria e recria significados e, através de artifícios
como a ciência, a arte e suas crenças, constroem outros tipos de relações que atuam nas suas
subjetividades com reflexos que vão além se si mesmos.
Dentro deste contexto, se de um lado o ser humano produz seu universo cultural, nada impede
que este universo seja produzido por ele. Ou seja, o ser humano não é autor exclusivo de suas
obras, ou seu mero efeito. Os artefatos humanos promovem diferenças, desvios,
transformações no modo de se pensar e de lidar com o mundo que não podem ser totalmente
deduzidas ou extraídas de um conjunto de capacidades e habilidades mentais prévias.
46
Direcionados por esta perspectiva, neste trabalho, transitou-se pelo universo da música,
justamente aquele em que a ressalta no seu potencial de afetar e até mesmo promover
mudanças, seja nos sujeitos em contato com ela, seja no meio em que estes se encontram.
Nesse sentido, pode-se perceber que este potencial é verdadeiro e enorme. A música, mais que
uma produção humana, é um elemento da cultura que pode funcionar como catalisador das
relações entre os sujeitos e entre os sujeitos e seu meio.
Apesar de ser, este último, um dado interessante, para o contexto desse trabalho, apenas
aponta para pesquisas futuras, mais adequadas metodologicamente. Assim, esse trabalho,
além de poder ratificar as hipóteses levantadas inicialmente, ainda acena para possibilidades
de continuidade de estudos os quais aqui, apenas foram iniciados.
47
Com esse trabalho, puderam-se confirmar novas possibilidades de público, assim como novas
qualidades da música. Desse modo, público, músicos, música e ambiente, interligados e
interagindo entre si podem ser, e na verdade o são, uma coisa só. É isso que sugere Santos
(1991), Morin (2000), Capra (2002), Maturana e Varela (1984) entre outros ao formularem a
teoria da complexidade, no paradigma emergente. Executar música em um meio como o
Hospital Espírita André Luiz modificou o olhar das musicistas diante das pessoas, da saúde
mental. Também ampliou para as musicistas as inúmeras possibilidades que a música pode
favorecer enquanto instrumento de interação. Segundo as observações a música afetou
pacientes, profissionais, elas mesmas e com isso modificou o meio, proporcionando
momentos agradáveis de interação, ao mesmo tempo em que pôde ser utilizada como
ferramenta importante enquanto recurso terapêutico dentro do hospital.
48
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