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UNIVERSIDADE DE COIMBRA

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS EM CONTEXTOS ESCOLARES

Matheus Henrique Dos Santos

Diálogos interculturais Brasil-Portugal e os contextos escolares:

Memória e autonomia nas experiências socioeducativas comunitárias

COIMBRA

2020
ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................................................................3

2. REVISÃO DE LITERATURA.................................................................................................................................6

3. OJETIVOS E TRANSFORMAÇÕES.................................................................................................................109

4. METODOLOGIA................................................................................................................................................1210

5. ANÁLISE E AVALIAÇÃO................................................................................................................................1310

6. REFERÊNCIAS...................................................................................................................................................1310
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1. INTRODUÇÃO

A presente escrita consiste na construção de uma apreciação e de um diálogo teórico-prático de


um projeto de intervenções psicológicas em contexto socioeducativo realizadas no Brasil nos anos
de 2018 e 2019, chamado “Memória comunitária e autonomia na Vila Santa Marta: As
potencialidades da juventude a partir do Programa de Ação Socioeducativa na Comunidade
(PASEC)”. Esse projeto faz parte das intervenções de estágio básico realizadas no quarto semestre
do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo – RS , que, por
sua vez, tem como objetivo avaliar e dar sustentação para as experiências profissionais no contexto
de trabalho da Psicologia escolhido pelos estudantes.

POR FAVOR LEIA:

Professora! Preferi deixar a mensagem aqui porque fica mais expressiva para acompanhar o
trabalho. Quero requisitar uma ajuda porque acho que acabei me atrapalhando com o formato do
trabalho, e desconfio de dois motivos, mas acho que você pode me ajudar a identifica-los. Um
talvez seja pela sobreposição de objetivos, pois me mobilizei a fazer dois trabalhos nesse caso, um
em relação à DESCREVER O PROJETO FEITO ATRAVÉS DO REFERENCIAL DA IPCE e
outro em ARTICULAR O REFERENCIAL DO PROJETO COM O REFERENCIAL DA IPCE. No
decorrer da escrita à qual me propus, me vi diante de problemas difíceis de sistematizar, pois eu não
poderia apresentar o projeto e a Santa Marta sem trazer juntamente o escopo ético-político que
desenvolvi. Isso faria com que tivesse que apresentar todo o referencial teórico que utilizei. Diante
disso, precisei pensar não só sobre como descrever o projeto a partir do referencial da IPCE, mas
articular o meu referencial original ao referencial da IPCE. Pensei também que, além disso, tenho
intuito de produzir um diálogo intercultural. Sendo assim, gostaria de concluir explorando as
diferenças de valor que os ODS têm na Europa e na América Latina, visto que as complexidades
político-sociais de cada contexto podem fazer com que os ODS sejam assumidos de formas
totalmente diferentes em cada subcontinente.

Gostaria que você me ajudasse a identificar com mais clareza as partes fragmentadas dos
objetivos no decorrer do texto já escrito e no que sinalizei como tópico do que ainda pretendo
escrever. Acredito que essas inquietações dizem respeito à sua última pergunta nos comentários do
arquivo.

Ainda tem muita coisa em aberto para ser alinhada e escrita, e confesso que não me atentei a
resolver as referências com mais dedicação pois me estou emaranhado nessas problemáticas. Mas
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assim que me organizar melhor com a próxima devolutiva, tenho certeza de que deixarei um ótimo
trabalho ao final.

Espero que possa compreender as limitações que encontrei e me ajudar.

Visa-se, nesse caso específico, a integração dessa experiência de práticas socioeducativas e


sua própria fundamentação com e o escopo teórico-prático apresentado pela unidade
curricular “Intervençõesão Psicológicas em Contextos Escolares (IPCE)” do Mestrado
Integrado em Psicologia na Universidade de Coimbra e a Agenda 2030: Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). As
possibilidades de análise vão desde a reconstituição própria das minhas experiências enquanto
agente-pesquisador e o espaço-tempo discursivo que me constitui - e se entrelaça com a realidade
do território no quala se vai intervir - até a própria observação e sensibilidade ativa acerca da
atuação e da verbalização dos agentes (adolescentes na Vila Santa Marta) diante da proposta
interventiva. O sentido traduzido das experiências, nesse caso, diz respeito à percepção das linhas
de produção desejante que se fazem presentes nas formas de subjetivação dos agentes internos e
externos à comunidade, dos quais é impossível subtrair minha atuação no período de estágio. Desse
modo, desenvolve-se essa escrita com sustentação da primeira pessoa do singular, para que possa
me situar como corpo sensível aos afetos, que narra uma experiência própria ligada ao projeto de
intervenção e traduz as transformações (resultados) para uma “formatação acadêmica”, que acaba
sendo inevitavelmente reducionista. Porém, isso não impede que o trabalho possa ser feito, levando
em conta que não se trata necessariamente de intervir no campo original, mas de subsumir – em
nível intercultural - os conceitos da IPCE à fundamentação, ao desenvolvimento e aos resultados
apresentados no projeto e no relatório final do estágio.

Para tal empreendimento, torna-se importante apresentar os eixos específicos de análise e


desenvolvimento dos objetivos de apreciação e diálogo. Em primeira instância, reapresentar o
território existencial no qual ocorreram as intervenções e como se deram as condições para a
construção programática do cronograma, tendo em vista as problemáticas apresentadas no projeto
original. Num segundo momento, objetiva-se criar pontos de intersecção entre as ferramentas de
avaliação e análise e a fundamentação teórica estudadas na unidade curricular IPCE, acompanhadas
de uma segunda avaliação das transformações ocorridas durante o projeto na Vila Santa Marta.
Atento novamente para o fato de que não se trata de um trabalho que visa resolver, esgotar ou
hegemonizar as problemáticas do campo psicológico e educativo português ou brasileiro, mas
apresentar uma via de diálogo intercultural e interdisciplinar. No primeiro caso, devido aos dois
países em questão terem contextos estruturalmente distintos em nível societário, cultural e
econômico; e em segundo lugar pela disparidade entre a fundamentação teórico-conceitual trazida
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no projeto de intervenção no Brasil e as referências da unidade curricular IPCE da Universidade de


Coimbra.

Para melhor expor e delinear o espaço-tempo da intervenção, que vou caracterizar não só como
psicológica, mas como político-clínica, torna-se importante apresentar o Programa de Ação
Socioeducativa na Comunidade (PASEC). Ele faz parte de uma iniciativa de ação social e serviço
de fortalecimento de vínculos organizada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
por meio do Centro de Cidadania e Ação Social (CCIAS). Gerenciado pela instituição como forma
de aproximar a produção de conhecimento das comunidades envolventes, justificando a função
social mais fundamental da universidade: a reconstituição da produção intelectual como
fortalecimento da soberania e participação no bem estar social de um povo. Assim, aproxima-se dos
territórios mais fragilizados pela desigualdade social e econômica do Brasil, do estado do Rio
Grande do Sul e da própria história da cidade de São Leopoldo, na qual a Vila Santa Marta pertence
enquanto periferia. Para isso, há mais de 20 anos o PASEC vem sendo desenvolvido com sede na
Escola Santa Marta e subsede no núcleo do CCIAS na UNISINOS, contemplando estudantes de 6 a
15 anos - em contraturno - da escola anfitriã e da escola Tancredo Neves, também na mesma vila. O
principal dispositivo socioeducativo utilizado é a Horta Mãe da Terra, situada no espaço da Escola
Santa Marta e, para a tessitura técnico-educativa das atividades em torno da horta comunitária-
escolar, o programa conta com a atuação de profissionais e estudantes dos cursos de Biologia,
Serviço Social e Psicologia da universidade. O PASEC funciona com base nos princípios dispostos
na Constituição Brasileira de 1988 e da fundamentação ética da Norma Operacional Básica do
Sistema Único de Assistência Social, que incentivam como práticas de ação social, entre muitas
questões, o fortalecimento do protagonismo e a autonomia dos sujeitos e a “defesa da liberdade, da
dignidade da pessoa humana, da privacidade, da cidadania, da integridade física, moral e
psicológica, dos direitos socioassistenciais”. (Brasil, 2012, p.17).

No que diz respeito à comunidade Santa Marta, se constitui historicamente como um território
de ocupação urbana, que vem recebendo moradores desde meados de 1990 (Duarte, 2017). Essa
característica, apesar de conter multiplicidades no que diz respeito ao pertencimento cultural das
pessoas e famílias que migraram e fundaram a comunidade, ainda é profundamente entrelaçada por
determinadas configurações histórico-sociais da sociedade brasileira, que se entrecruzam nas muitas
periferias e favelas. E, especialmente quando falamos de ocupações urbanas, revelam uma demanda
social por habitação e melhor qualidade de vida diante da profunda desigualdade racial, política,
sexual e econômica do país. As favelas e periferias tornam-se marcadas a ferro pela violência e
precariedade em diversos níveis e, no caso da Santa Marta, não deixa de ser diferentes quando nos
perguntamos sobre os serviços básicos de saúde, segurança, educação e saneamento. Maricato
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(1995) explora, pela geografia crítica, essas determinações das cidades brasileiras enquanto
multiplicidades perpassadas por um contexto periférico ao capitalismo globalizado. Ela enfatiza que
o acelerado comprometimento político para com a globalização econômica do chamado “terceiro
mundo”, produziu no final do século XX um contexto que cobrou na mesma velocidade a produção
de desigualdade, violência e a predação ao meio ambiente inerentes ao modo de produção
capitalista, especialmente nas periferias. Diante disso, a miséria socioeconômica de certos setores
da população fizera com que as populações das cidades reinventassem suas configurações
territoriais e criassem movimentos de ocupação urbana.

Todo esse panorama político-social que constitui a Vila Santa Marta e muitas outras periferias
espalhadas pelo Brasil vai desencadear, na medida da violação de direitos, da exclusão e do
abandono, uma grande ampliação da violência. O quadro de violência e de instabilidade econômica
em relação aos futuros possíveis para a juventude de periferia vem instaurar novos fenômenos
subjetivos ao espectro de pertencimentos possíveis da adolescência e da infância. Isso se amplifica
quando falamos sobre jovens aos quais se marca um impedimento de participação no jogo cultural
produzido por uma sociedade consumista, bem como na interdição de possíveis trajetórias que
permitam ressignificação dos espaços de trabalho possíveis (Viscardi, 2011). Em geral, os
horizontes que se abrem para a adolescência na periferia acabam sendo os da instabilidade ou
impossibilidade de projetar um futuro possível de reconhecimentos ou que, ao menos, permita
habitar outros espaços além de seu contexto social de violência e medo. Juntamente a isso, enfatiza-
se que os mecanismos de inclusão social do estado ou de parceria público-privada não conseguem
dar conta da juventude e de suas ambivalências e instabilidades, e acabam produzindo outras formas
de exclusão ligados aos mecanismos de inclusão. (Dal Molin, 2011).

A banalização da violência e reprodutibilidade generalizada operada pelos participantes do


PASEC foram um dos principais fatores que mobilizaram a intervenção da forma como ela se deu.
Já a responsabilidade ética, mais do que simplesmente moralizar essas atitudes como insustentáveis,
concentrou-se no alargamento dessas expressões como contestadoras da institucionalidade do
programa. Havia, na maioria dos casos, uma demanda implícita por simplesmente romper com a
normalidade esperada, que acabava revelando as linhas de forças presentes nas vidas das famílias
das crianças e dos jovens na comunidade: desemprego, abandono, abuso, alcoolismo, violência,
entre outras coisas. Não se tratava, diante disso, de remediar os participantes por “comportamentos
problemas”, mas deslocar esse desejo de contestar em direção ao reconhecimento de suas próprias
potencialidades para tomar decisões e participar ativamente na construção da proposta do PASEC e
das problemáticas da comunidade à qual pertencem, focando, no âmbito dessa intervenção, através
dna memória comunitária e na autonomia.
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2. REVISÃO DE LITERATURA

É difícil abranger os determinantes específicos que compõem o fluxo de migrações e de


constituição da comunidade Santa Marta como uma totalidade complexa, mas não podemos abdicar
de algumas características fundamentais para explicação dos contextos de periferização das cidades.
Nesse sentido, muitas das problemáticas que giram em torno das experiências da juventude, assim
como de outras faixas etárias, se articulam à violência gerada por contextos de exclusão social e a
falta de políticas básicas de atenção psicossocial à população. Aliado a esses processos, uma
caracterização histórica do setor imobiliário de apropriação de território pelo capital financeiro, e a
exploração da especulação imobiliária que cada vez mais demarca a separação de classes e a
criminalização da pobreza nas cidades (Boulos, 2012).

Pensar novas possibilidades de existência com foco no bem viver das comunidades, das crianças
e dos jovens de periferia nos coloca em relação com múltiplos olhares. Eles se apresentam, não
apenas na gestão política e atenção aos lugares da exclusão enquanto processo democrático, mas de
crítica ao sistema capitalista e seus desdobramentos coloniais na contemporaneidade, podendo abrir
espaço para ressignificações da comunidade que enfatizem a valorização dos saberes populares, e a
importância da potencialidade criativa das relações humanas e das relações com entes não-humanos
que compõem igualmente a natureza. Vai, assim, mais além das trocas individualistas engendradas
pela cultura de consumo das massas e pela falácia discursiva da modernidade-colonial, na qual os
ideais de liberdade, igualdade e fraternidade não se sustentam quando levada em consideração a
divisão internacional do trabalho. Não se pode ignorar que existem povos que devem “jogar o jogo”
em um estado de precariedade e submissão constante e povos que devem “dar as cartas”. Há, nesse
campo de forças geopolítico, uma produção contíinua de periferização das sociedades não-europeias
e não-estadunidenses, do qual os colonialismos históricos são produtores e se atualizam na
contemporaneidade em modos de subjetivação da colonialidade do poder, do saber e do ser
(Quijano, 2002).

É, sem dúvida, um desafio sustentar uma prática ético-político-clínica que não é aprisionada
pelas estruturas ideológicas da modernidade-colonial, visto que na maioria das situações, apesar da
bibliografia nos mais variados campos de conhecimento levar em conta a heterogeneidade cultural e
as problemáticas da violência e da vulnerabilidade social, ainda assim, na maioria dos casos,
reduzem as problemáticas ao desenvolvimento dos sujeitos em direção aos ideais hegemônicos e
arbitrários. Esses horizontes nos quais se demanda a educação disciplinar dos sujeitos permeiam,
em muitos casos, conceitos esvaziados marcados pela idealização de um estado-nação que, em
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detrimento de uma soberania territorial e um controle populacional voltados à acumulação privada


dos grandes monopólios, contribui para destituir os sujeitos e coletivos de sua autonomia e
autodeterminação cultural.

Ignácio Martin-Baró (19986) contribui para o entendimento dos processos psicossociais


específicos de um contexto latino-americano a partir do conceito de fatalismo. Esse conceito, numa
posição crítica do autor, está identificado na organização social da América Latina, não pelas
disposições de caráter do povo, mas a partir dos processos históricos e sociais que são
ideologicamente organizados nos países periféricos enquanto submissão às formas hegemônicas da
existência social. Esse fatalismo produz nos sujeitos a resignação à a modelos subjetivos que
banalizam a violência e a exploração e que impossibilitam a ação capaz de reconhecer suas próprias
realidades psicossociais e poder afirmar qualquer valorização positiva dentro de seus próprios
territórios culturais e suas próprias narrativas.

O filósofo Michel Foucault (1987, 2008, 2015), em sua extensa contribuição, identifica as
práticas disciplinares que estão relacionadas à constituição de um sujeito oriundo do pensamento
racionalista, bem como as derivações epistêmicas no campo do direito e da psiquiatria. Essas
constatações nos permitem compreender algumas formas pelas quais a modernidade produz
subjetividades aprisionadas em modelos disciplinares, e em como essa experiência que dobra várias
dimensões da vida, compõe certos quadros de sofrimento psicossocial, e de reprodução de um modo
de vida próprio dos fluxos da modernidade. Na fábrica, no hospital, na escola, na prisão, em muitas
estratificações sociais ... os compartimentos institucionais do espaço e do tempo fazem com que o
corpo assuma uma periodicidade mecanicista. Se compartimenta os locais de atuação, organiza-se o
tempo ao qual todos estarão submetidos e os mantém constantemente vigiados. Essa configuração
social das instituições produz uma fragmentação da vida que se mantém vigiada com o corpo
habitando constantemente as diferentes instituições. Lendo o autor, me permito identificar que ele
não chega a explorar um contexto latino-americano em suas investigações. Apesar disso, ele
contribui para o entendimento de que as práticas de governo e os meios de produção (na
organização das fábricas) se valem de um poder disciplinar para governar as populações e explorar
a mais-valia (síntese minha para entendimento dos processos econômicos). Ao mesmo tempo,
enfatizo serem práticas oriundas de uma determinada manutenção de governo (não há como não
falar em elites econômicas aqui) que visam construir as técnicas e os conhecimentos que vão dar
validação aos contextos de dominação política e econômica. Dessas técnicas que não vão servir só
para marcar a periodicidade do corpo disciplinado, mas podemos enfatizar que servirá para
construir outras singularidades de governo da vida na América Latina pautadas também por
marcadores raciais. Com isso, podemos entender o quanto se atualiza para as sociedades latino-
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americanas essas relações de poder por meio do que Anibal Quijano (2002; 2005) vai delinear como
colonialidade.

Segundo Mignolo, o conceito de colonialidade é caracterizado como “o lado mais escuro da


modernidade” (2016,7 p. 2). O autor ressalta que o conceito tem sido explorado a partir de sua
constituição histórica pelas invasões europeias às Américas, pelo genocídio e etnocídio de diversos
povos e culturas, e pela escravização de milhões de pessoas, oriundas das corporações do tráfico e
da conquista bélica dos povos da África e das Américas. Nesse sentido ele toma o conceito como “a
lógica subjacente da fundação e do desdobramento da civilização ocidental desde o renascimento
até hoje, da qual colonialismos históricos têm sido uma dimensão constituinte, embora minimizada”
(Mignolo, 2016, p.2). A colonialidade está no centro da discussão sobre o caráter sócio-histórico da
América Latina, porque dispõe de uma capacidade de leitura que versa sobre a correlação entre as
estruturas patriarcais, coloniais e capitalistas, em que elas não existem nem operam
independentemente umas das outras. Essa estrutura sócio-histórica complexa organiza-se com
origem na universalização do sistema-mundo pela Europa, que como justificação de dominação
bélica, epistemológica/cultural e moral, constitui em suas sociedades o conceito de raça como
hierarquização da condição humana, tendo o sujeito europeu-homem-burguês como ser humano por
excelência. (Quijano, 2005).

Se considerarmos que as periferias são o ponto mais significativo onde se aglomeram as


múltiplas histórias de exclusão e opressão no Brasil, a colonialidade torna-se um conceito chave
para entender os aspectos psicossociais que esvaziam a vida cultural e política dos sujeitos e
coletivos periféricos. Nesse sentido, as práticas de intervenção político-clínica nos contextos
educacionais devem aproximar-se com mais atenção à potencialidade críticadas vias decoloniais,
que Mignolo (2016) e Quijano (2005) vão estipular como sendo as práticas decoloniais, e que se
aproximam na mesma medida da Psicologia da Libertação de Martin-Baró (1998) ao questionar e
propor práticas que rompam com o fatalismo. Essa práxis pauta-se na recusa em representar a as
cidades e a vida coletiva das comunidades de acordo com modelos que valorizem as culturalidades
e as subjetivações encobertas e oprimidas não são críticos pela ideologiaa esse conteúdo ideológico
da modernidade/colonialidade. Percebe, além disso, uma contíinua produção de sofrimento e de
encobrimento do um ethos que se constitui através dos conhecimentos populares, das relações que
se inventam e que ocupam a cidade de acordo com as possibilidades de vida material das pessoas,
que reinventam a solidariedade e que compõem através das diferentes histórias e memórias culturais
uma negação da falácia desenvolvimentista oriunda desses processos coloniais. Não se trata de
reeducar a periferia de acordo com um “ethos civilizado”, mas atuar juntamente na autonomia e
reconstituição de uma memória coletiva e autodeterminada diante de qualquer mecanismo de
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exploração, dominação e conflito que negarem a autodeterminação do povo enquanto força pela
qual o poder é constituído (Dussel, 2017).

Nesse ponto da escrita, já se torna presente o desenho geral da fundamentação teórico-


conceitual da intervenção clínico-política que se conduziu durante o projeto de estágio. Entretanto,
como nossa intenção não se resume à simplesmente expor o projeto, partiremos para as
considerações acerca das referências apresentadas pela IPCE e as vias possíveis de diálogo
intercultural e interdisciplinar. No primeiro caso, considerar os fenômenos culturais próprios de
cada país demanda um extenso trabalho de compreensão sociológica e histórica do contexto
português, os quais não há possibilidade nem proximidade suficiente de minha parte para abordar.
Ao invés disso, dou prioridade para a história do conhecimento ocidental, especialmente no que diz
respeito a inserir as multiplicidades formativas das sociedades europeias e sua centralidade no
sistema-mundo colonial-capitalista. Por outro lado, não muito distante, porém num campo mais
específico, abordar as diferenças no nível epistêmico, levando em consideração que existem saberes
empíricos e sistemáticos de explicação cosmológica e da vida social que não se resumem à
valorização moral da verdade enquanto cientificidade ocidental. Aqui entram em questão os limites
entre uma técnica protocolar a ser aplicada aos sujeitos e coletivos e suas próprias formas de narrar
e constituir os conhecimentos comunitários, o que no Brasil parece ser ainda mais emergente, visto
que são muitos as comunidades e povos, especialmente indígenas, que seguem resistindo à predação
e submissão desenfreada do modo de vida capitalista aos ecossistemas e culturas não-ocidentais.
Assim, a pergunta que se faz para abordar um contexto português é: Como se dão essas relações
entre um saber institucionalizado pelas relações de poder que a universidade organiza e os
conhecimentos próprios das comunidades, transmitidos e reconstituídos em sua própria história e
organização?

O novo escopo de caraterização - subsumido pela abordagem efetuada no projeto original - diz
respeito à Agenda 2030: Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das
Nações Unidas (ONU) e os aspectos de desenvolvimento abordados pelos objetivos das práticas
educacionais trazidas da IPCE. Nesse sentido, ressalto novamente que a importância dessa
sistematização acerca das práticas decoloniais surge como sustentação ético-política dessa nova
proposta, na qual também os ODS e a fundamentação das práticas educacionais sejam mediadas por
uma perspectiva mais integrada e atenta aos conflitos que se desdobram na contemporaneidade.
Nossa resistência aqui trata-se do cuidado em não resumir os contextos ao planejamento burocrático
das práticas institucionais, mas estarem integrados nas demandas e conflitos próprios dos povos e
populações.
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A agenda 2030 da ONU consiste em um conjunto de estratégias para o desenvolvimento


sustentável das pessoas e do planeta. Trata-se de um documento reconhecido e assinado por muitos
países no ano de 2015 em Nova York, enfatizando o compromisso dos povos e nações com as
demandas e discussões globais sobre sustentabilidade, redução da desigualdade, defesa do planeta,
prosperidade, paz e cooperação global. São 17 objetivos afirmados como forma de fundamentar as
práticas locais e globais para construir um mundo mais justo, solidário, igualitário e sustentável:
erradicação da pobreza, fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem-estar, educação de
qualidade, igualdade de gênero, água potável, energia limpa e acessível, trabalho decente e
crescimento econômico, indústria, inovação e infraestrutura, redução das desigualdades, cidades e
comunidades sustentáveis, consumo e produção responsáveis, ação contra a mudança global do
clima, vida na água, vida terrestre, paz, justiça e instituições eficazes, parcerias e meios de
implementação. (Nações Unidas Brasil, ANO).

Em se tratando das potencialidades da intervenção psicopedagógica-social, soma-se à


contribuição de releitura do projeto como dispositivo de desenvolvimento integral da vida, por meio
da transformação dos territórios de existência dos sujeitos tomada aqui especialmente no âmbito
comunitário e social. Apesar de não declaradamente assumir um sentido político-crítico específico,
as intervenções psicopedagógica e sociais vão recorrer a um conjunto de objetivos que contribuem
para o desenvolvimento dos sujeitos e coletivos. Dentre eles, encontram-se o protagonismo e a
transformação das situações de pobreza e fragilidade, atenção às dinâmicas contemporâneas das
cidades e da individualização produzida por elas, a reconstituição das formas pelas quais as famílias
se constituem e se organizam, entre muitas outras. Dentro disso, os modelos de orientação
correlacionam-se com as teorias de modo a delinear, dentre muitas perspectivas diferentes, um
ponto comum entre a prática e a teoria, entre o espaço da interpretação e da ação (Características de
la intervención psicopedagógica social, AUTOR, ANO?). Inferimos assim uma breve intersecção
das teorias decoloniais e as planificações metodológicas da psicologia comunitária como modelos
de orientação e sistematização das práticas de fortalecimento da memória comunitária e da
autonomia dos agentes internos e externos na Santa Marta.

*Pensar nas diferenças de importância da ODS para o contexto português/europeu e para o contexto
brasileiro/latino-americano

*Como se caracteriza o sofrimento psicossocial nos casos expostos pelas referências da IPCE?
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3. OBJETIVOS E TRANSFORMAÇÕES

Tomando como principal caracterização as práticas decoloniais, o projeto “Memória


Comunitária e Autonomia na Vila Santa Marta: As Potencialidades da juventude no Programa de
Ação Social na Comunidade (PASEC)” aconteceu através da formação de um grupo formado pelos
adolescentes do programa. Desse primeiro contorno coletivo, no qual os estudantes foram
especificados dos objetivos que tínhamos para a concepção do projeto de estágio básico pela
UNISINOS, chegamos à intervenção acerca da memória e autonomia da juventude. Os objetivos
mais específicos foram a organização de visitas frequentes às famílias dos adolescentes para escutar
as memórias e histórias que constituem a si próprios e à comunidade onde habitam e construir um
espaço de familiarização minha com os participantes, tomando como base as referências de
Psicologia Comunitária. Em linhas gerais, esse conceito versa sobre a proximidade entre agentes
externos e internos (Montero, ANO) e seus territórios de existência, respectivamente eu como
estudante-pesquisador-periférico (por morar na comunidade ao lado) e os adolescentes como
moradores e coprotagonistas das histórias da Vila Santa Marta. Nesse sentido, os primeiros
encontros foram de apreciação e discussão da proposta, enfatizando esses objetivos do projeto e
posteriormente me colocando como um dos sujeitos que reconstitui uma história de experiência
comunitária e se disponibiliza a atuar para reconhecer coletivamente as histórias dos adolescentes,
das famílias e da comunidade. Retomando as discussões do relatório e do projeto, os encontros
subsequentes podem ser reconhecidos tanto entre os momentos cotidianos na horta, na qual a ação
dos adolescentes iam apresentando diferenças e instaurando novas vivências, como na execução da
conversa com os familiares e os momentos experienciados nas casas escutando as histórias e
permitindo a revalorização da Vila Santa Marta, não mais apenas território periférico e vulnerável,
mas espaço de conhecimento e território de criação e autonomia cultural.

Ao intercalarmos o pensamento decolonial como modelo de orientação, objetiva-se acrescentar


outros modelos lógicos apresentados em IPCE como mediadores igualmente potenciais das práticas
realizadas no projeto da Vila Santa Marta. Desse modo, podemos empreender uma análise
diferencial das transformações e das experiências do projeto por meio dos eixos de sustentação dos
modelos apresentados pela IPCE, resumidamente referente aos eixos de ação direta-indireta,
reativa-proativa, externa-interna, grupal-individual (Características de la intervención
psicopedagógica social, AUTOR, ANO?).

De todo modo, é importante levar em consideração de que duas planificações entram em jogo
no projeto, a primeira diz respeito ao PASEC como modelo organizativo e a segunda à intervenção,
que segundo a literatura sugerida pela IPCE, situa-se como um modelo psicopedagógico-social de
programa, com intervenção grupal (Herreras, ANO). Essa diferenciação afirma-se no caráter
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institucional assumido através dos objetivos do PASEC; o que, por outro lado, apesar de estar
vinculado à uma demanda trazida pela universidade (além das próprias da comunidade), não
acontece com o projeto, visto que se trata de uma intervenção pontual com tempo limitado ao
planejamento do estágio pela instituição de ensino.

Os objetivos do desenvolvimento sustentável, diante disso, aparecem em uma planificação


específica para o caso apresentado nesse projeto de intervenção, visto que nem todos os modelos
lógicos respondem especificamente à análise crítica dos contextos comunitários, nem aos horizontes
mais globais aos quais o contexto de intervenção pode pertencer enquanto potencialidade criativa e
de transformação social. Dessa forma, para que possamos levar em conta as problemáticas
apresentadas pelos ODS é relevante levar em consideração as fases pelas quais o projeto foi
planificado (similar no estágio básica e nas referências de IPCE) e pode ser reavaliado, e que
também aparece sistematizado nessa escrita: 1) Contextualização; 2) Desenho teórico do projeto; 3)
Intervenção-ação; 4) Avaliação das transformações e resultados (Características de la intervención
psicopedagógica social, AUTOR, ANO?). Levando em consideração esses aspectos, assim como no
desenho teórico da colonialidade como expressão psicossocial do sofrimento da população à qual
irá se intervir, e tomando isso como campo privilegiado de transformação, visa-se subsumir os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como objetivos globais articulados à orientação ético-
política do projeto. Nesse sentido, se quer referenciar o plano de fundo ético-político derivado da
articulação entre os ODS e o pensamento decolonial à contextualização da comunidade e a
realidade psicossocial, sistematizar esses aspectos aos aspectos teóricos específicos acerca das
problemáticas locais e globais que atravessam o campo de intervenção e análise, aos aspectos
metodológicos que fundamentam a ação e avaliação e à análise do trabalho feito.

*Pensar nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, articular com autonomia e memória


comunitária, protagonismo da juventude.

4. METODOLOGIA

Para delinear a expressão metodológica dessa escrita dialógica, levo em consideração o trabalho
cartográfico, que, para além da concepção puramente aplicada à geografia, nos conduz para um
território das linhas de força que marcam os corpos e subjetividades através de um modelo
societário disciplinar, com maior ou menor liberdade de expansão da vida de acordo com o contexto
das populações e das relações de poder. O cartógrafo, em meio disso, atua e investiga permeado
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pelos afetos que compõem o campo de intervenção e faz da sensibilidade uma via potente para
construir conceitos e se implicar com os territórios existenciais que se apresentam pelos sujeitos e
coletivos. Sua intervenção é direcionada às dinâmicas próprias de subjetivação, que constituem os
sujeitos em suas narrativas históricas, mais além do discurso unidimensional da historiografia
hegemônica e aliadas à materialidade cultural, à agência coletiva própria da sociabilidade na qual
pertencem. formando, nesse entrecruzamento, um território existencial singular. Faz-se necessário
emergir, em detrimento disso, mais do que mera reprodutibilidade técnica, mas fissuras do poder
disciplinar e de controle, atentando à força motriz dos agentes político-sociais de um território como
potencializador de transformação e criação frente as condições na qual se encontram (Passos,
Kastrup, Da Escóssia, 2009).

*Como as taxonomias, os conceitos de intervenção psicopedagógicas sociais, os modelos de


orientação e modelos lógicos podem ser intercaladas com a cartografia e a conceituação da prática
clínico-política decolonial.

*Pensar nos recursos utilizados no projeto original e o que poderia ser ampliado com as
ferramentas aprendidas na ICPE.

5. ANÁLISE E AVALIAÇÃO

Indagando novamente os acontecimentos que se sucederam durante a intervenção, alguns eixos


podem ser analisados e avaliados. Destaca-se aqui, em primeiro lugar, o caráter grupal da
intervenção, visto que se voltou privilegiadamente para a expressão comunitária e familiar da
memória e a autonomia dos adolescentes como protagonistas nesse território. Porém apesar de a
coletividade ser privilegiada, a avaliação das transformações também foi identificada e assumida
como verbalização e ação individual, visto que no decorrer dos encontros cotidianos na Horta Mãe
da Terra, cada adolescente demonstrava uma forma de transformação e de aproximação diferente.
Alguns se implicavam em serem coorganizadores das atividades, outros enfatizavam a proximidade
que o projeto proporcionou para com as famílias e outros ainda relembravam as narrativas que os
enlaçaram nas histórias que escutaram.

*A cartografia como mediadora de um conhecimento produzido durante as intervenções.


Apresentar as limitações e como elas poderiam ganhar um contorno mais incisivo diante das
referências da ICPE.

*Diferenças entre a importância dos ODS para o contexto europeu e para o contexto latino-
americano.
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6. REFERÊNCIAS

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