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14/08/2018 Morto no ano passado, Hudinilson Júnior ganha mostras no MAC, em Glasgow e é disputado pela Tate - Cultura - Estadão

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Morto no ano passado, Hudinilson


Júnior ganha mostras no MAC, em
Glasgow e é disputado pela Tate
O mote da exposição é Narciso, figura mitológica cara a Hudinilson e representada em vários dos
trabalhos expostos

Antonio Gonçalves Filho, O Estado de S. Paulo


17 Janeiro 2014 | 19h52

Ao ser encontrado morto, aos 56 anos, em agosto do ano passado, em seu pequeno apartamento no
bairro do Paraíso, em São Paulo, o artista Hudinilson Júnior era uma irreconhecível sombra do Narciso
que, no começo dos anos 1980, fotocopiava o corpo nu em máquinas xerox. Consumido pelo álcool,
Hudinilson já não tinha motivos para apreciar esse mesmo corpo, maltratado pela dependência da
bebida e tentativas de autodestruição. Justamente quando sua obra começava a ser valorizada no
mercado doméstico e internacional, Hudinilson se foi. No dia 25, quando o Museu de Arte
Contemporânea (MAC) inaugurar sua exposição com 31 trabalhos doados pela família do artista e mais
5 do acervo do museu, um novo capítulo se abre. Ela precede outra individual do artista, em março, na
Galeria Jacqueline Martins, e outra em abril, no Festival de Glasgow, a mais completa mostra dele na
Europa, onde instituições como o Reina Sofia e a Tate Modern já disputam parte de seu acervo.

https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,morto-no-ano-passado-hudinilson-junior-ganha-mostras-no-mac-em-glasgow-e-e-disputado-pela-tate,1119775 1/4
14/08/2018 Morto no ano passado, Hudinilson Júnior ganha mostras no MAC, em Glasgow e é disputado pela Tate - Cultura - Estadão

Hudinilson Júnior 1/13

Uma das peç�as da coleção de postais do acervo do MAC, de autoria de Hudinilson Jr


JF Diorio/Estadão

A proposta de doação das 31 obras ao MAC – entre desenhos, xerox, colagens e objetos – não surgiu do
nada, segundo o diretor do museu, Tadeu Chiarelli. Os pais do artista, Maria Aparecida e Hudinilson
Urbano, procuraram o MAC por ter sido lá que Hudinilson Júnior fez 19 exposições, desde 1982. O
interesse do museu por sua obra, lembra Chiarelli, pode ser medido pela presença de Hudinilson em
duas das seis exposições gerais do acervo em exibição na nova sede do museu, agora totalmente
ocupado com a montagem de sua individual no segundo andar.

O mote da exposição é Narciso, figura mitológica cara a Hudinilson e representada em vários dos
trabalhos expostos a partir do próximo sábado. Ao contrário do herói grego da Beócia, cuja beleza
incomparável o tornava semelhante a um deus, Hudinilson não era nada bonito, mas talvez por isso
mesmo buscasse na beleza do outro um possível espelho. Certa vez, quando a arte postal estava ainda
em processo embrionário, enviou 2 mil cartas em busca de um sósia ao redor do mundo. Não achou.
Passou, então, a cultivar seu reflexo longe da lagoa de Eco, ao contrário de Narciso. Mais exatamente,
nas revistas de nus masculinos.

Indiferente ao apelo das ninfas, como seu modelo, Hudinilson foi também buscar apoio teórico numa
antiga obra de André Gide, Tratado de Narciso (Teoria do Símbolo), que virou seu livro de cabeceira.
Gide defendia que Narciso buscava na lagoa não a própria imagem, mas uma forma ancestral que se
perdera no paraíso edênico, onde cada coisa era exatamente aquilo que parecia. Incapaz de só
contemplar, ele queria possuir a própria imagem, beijando-a na superfície do lago, mas percebeu que
esse gesto a destrói. A verdade permanece atrás da forma. Solitário, pueril, Narciso, segundo Gide, é um
Adão no paraíso, “que está sempre a se refazer”.
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Hudinilson tentou sintetizar esse refazer eterno numa mala que traz sua imagem grafitada – pelo
próprio artista, talvez sob orientação de Alex Vallauri, seu mestre na técnica. Nessa mala, recuperada
pelo laboratório de restauro do MAC, estão os objetos que lhe eram mais caros (um espelho, um maço
de cigarros Campeão e uma xerox de seu RG). “A exposição flagra como o seu interesse pelo corpo
humano se constitui, seja a partir dos autorretratos produzidos à mão livre, seja por meio da colagem,
em que o uso de imagens de corpos outros sugere uma percepção do real como projeção do seu próprio
corpo”, analisa Chiarelli.

Hudinilson Júnior chegou a aprofundar essa questão de Narciso como espectador forçado de um
mesmo espetáculo, ao instalar num outdoor em frente à igreja da Consolação, em 1981, dois manequins
laqueados de branco sobre um fundo vermelho, um olhando para a rua e outro de costas. A solidão do
homem urbano (a mesma de Narciso), sua sexualidade e a distância forçada do outro são questões que
se repetiriam em outros trabalhos desse artista à margem do mercado, performático e precursor em
muitas áreas, inclusive na de intervenção urbana. Muito antes dos “rolezinhos”, lembra sua marchande
Jacqueline Martins, ele já protestava contra a discriminação – no caso, a praticada por galerias de arte.

Muitas delas amanheceram lacradas no dia 6 de julho de 1979 com um adesivo que trazia as seguintes
palavras: “O que está dentro fica, o que está fora se expande”. Era mais uma intervenção do grupo
3Nós3, formado em abril daquele ano por Hudinilson, Rafael Franca (1957- 1991) e Mário Ramiro. A
primeira intervenção, Ensacamento, foi memorável: na madrugada do dia 29 de abril, as estátuas da
cidade amanheceram cobertas por sacos de lixo, causando reações indignadas. Hudinilson, que
protestava contra a arte institucional, hoje é disputado por colecionadores estrangeiros: um norte-
americano pagou nada menos que 11 mil por uma xerox sua.

HUDINILSON JÚNIOR

MAC-USP. Av. Pedro Álvares Cabral, 1.301, tel. 3091-3039. 3ª, 10 h às 21 h; 4ª a dom., 10 h às 18 h.
Grátis. Abertura sábado, dia 25.

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