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Na madrugada silenciosa pegou o telefone fixo para ligar no intercine.

O primeiro
filme era aquele do Robson Crusoé com o Pierce Prosnan de 97 e o segundo era uma
adaptação do clássico do Charles Dickens, Great Expectations.

Esse segundo era o filme de sua vida até então. Quando o viu pela primeira vez
ainda criança, numa fita vhs verde, nunca mais se esqueceu daquela cena das
crianças se beijando na fonte e da arte do Pipe. Era a vida que imaginou que teria.
A arte o salvaria de uma vida de dormir na sala, sem quarto e privacidade, da
solidão e do tesão desenfreado da pré adolescencia. Hormonios a flor da pele e a
lingua que estalava de paixão no céu da boca.

Grandes esperanças ganhou. Ela sempre ganha. Seus olhos negros estavam vidrados na
tela da tv de tubo que iluminava a sala durante a noite com o volume baixinho, não
só para não acordar ninguém mas também para não ser interrompido no seu extase de
criança. A ilusão de gaia e o roteiro da vida tão detalhadamente imaginada que não
se cumpriu. Bem vindo ao deserto do real. Me upem para o São Junipero.

Mentiram pra gente. Sim, mentiram. Enquanto nos distraiamos com filmes, séries e
bandas de rock, os cusões da sala se tornaram policiais que hoje não nos reconhecem
mais. Nem nós reconhecemos mais nossos próprios pais. O que aconteceu nesse tempo
em que estavamos fazendo ciranda em volta de um sarau e falando sobre como a arte
salvaria o mundo?

Na cabeça de menino dele era tudo claro, lindo e branco. Não havia diferença nem
contraste pois todos naquele lugar estavam fudidos igualmente. Isso até primeira
entrevista de emprego mas isso é tema para outro conto. Por enquanto o sala
continuava escura com a tv ligada e no intervalo do filme ele vai até o banheiro.
Toca uma punheta pensando no sorriso branco da Gwennet Paltrow e nos seus lábios
com batom vinho. Aquele cabelo loiro dourado lhe esnobando Pulp — Like a friend e a
arte. A arte. A arte que faria todas se apaixonarem. A arte era tão produnda em sua
pequena grande alma. Mas até isso é mentira diante de um espelho negro.

Ás vezes parecia que de tanto acreditar em tudo que achavamos tão certo. Teriamos o
mundo inteiro e até um pouco mais. Faríamos floresta no deserto. Eu sei, é tudo sem
sentido. E hoje tentamos recuperar o tempo perdido que não volta mais.

Ouviu o som estridente e alto do plin plin enquanto lavava as mãos. Voltou rápido
do banheiro para não perder nem um segundo de filme. Deitou no sofá cama e se
cobriu com coberta azul cor da noite. Enquanto assistia pegou o caderno da escola e
anotou na ultima folha o nome do filme. Era uma espécie de filmow antes de ser
modinha entre os pseudo cinéfilos. Aproveitou o papel e a caneta e tentou desenhar
alguma coisa parecida com os desenhos do filme. Não tinha aptidão para desenho.
Saiam apena bonequinhos feios de cabelo longo e liso. Escreveu então seu primeiro
soft porn sem saber que o que era isso. Era só seus impulsos sexuais extrapolando a
barreira do tesão. Direcionando para o papel tudo aquilo que gostaria de viver e
não viveu. Talvez tenha vivido sim, mas não daquele jeito lindo e romantico como
tinha escrito e assistido nos corujoes da vida.

O filme acabara com aquele por do sol na praia e os personagens as mãos dadas com
ilusão. E ele continuou a escrever. Escreveu muitas histórias baseadas nos filmes
da sessão da tarde e nos do cine belas artes. Tentou viver nos filme de sessão da
tarde mas só encotrou os miseraveis na prateleira de filmes da locadora vida.
Porque continuar a escrever? Acho que depois perder tudo só nos resta o que já
sabemos fazer. Bem ou mal o tempo empregado retorna em forma de experiencia e
tecnica. Já não há mais tempo de tentar ter uma vida normal. O mundo me chamou para
a grande obra de muitas formas mas estive mergulhado no oceano ultra consumista,
perdido num labirinto de vaidades e desejos inalcançaveis e por isso decidiu
continuar a escrever já que para isso basta continuar a viver.
O narrador anuncia os filmes de amanhã. Exterminador do Futuro vs Uma linda mulher.
O futuro lhe da medo, prefiriu a Julia Roberts com aqueles pernões enrolados nele
numa banheira de hotel cinco estrelas. Como saberia que hoje viveriamos numa
distópia de roteiro tragicomico?

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