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ANÍBAL BRUNO E O DIREITO PENAL DE SUA ÉPOCA – 40 ANOS DE

FALECIMENTO

I DIREITO PENAL – PARTE GERAL

1 CONCEITO E FINS DO DIREITO PENAL


“O conjunto das normas jurídicas que regulam a atuação estatal nesse
combate contra o crime, através de medidas aplicáveis aos criminosos, é o Direito
Penal.” (p. 3)
“Assim, o Direito Penal se apresenta como o conjunto das normas jurídicas,
pelas quais se exerce a função do Estado de prevenir e reprimir os crimes, por meio
de sanções cominadas aos seus autores. Ou, em sentido mais estrito, como o
conjunto das normas jurídicas que cominam sanções em razão de determinados
fatos chamados crimes, por elas tipicamente definidos.” (p. 5)

2 CIÊNCIA DO DIREITO PENAL


“É essa dogmática ou sistemática jurídico-penal que aqui compreendemos por
ciência do Direito Penal e da qual fazemos propriamente objeto deste livro.
Nessa ciência do Direito Penal, devemos distinguir realmente, os três
momentos da exegese, da dogmática propriamente dita e da crítica.” (p. 12)

3 O PROBLEMA DO MÉTODO
“Essa ciência do Direito Penal é a ciência normativa. O seu objeto de estudo é
uma norma de comportamento, a norma jurídico-penal.” (p. 14)

4 POLÍTICA CRIMINAL
“A Política Criminal é, como o Direito Penal, ciência normativa, ciência prática,
ciência de fins e de meios. [...] Mas, para isso, ela deve, como observa EXNER,
desemprenhar dupla tarefa: determinar quais os fatos anti-sociais que devem ser
definidos crimes e estabelecer as medidas de que o Estado se deve valer, diante
deles, para a defesa social [...].” (p. 17)
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5 CRIMINOLOGIA
“Estas são ciências teleológicas, ciências de meios para alcançar
determinados fins, ciências não do que é, mas do que deve ser, enquanto que as
ciências a que nos vamos referir são ciências do que é, pertencem, para dizermos
com STAMMER, ao reino da percepção.” (p. 18)

6 CONCEITO DE FATO PUNÍVEL. CONCEITO FORMAL E CONCEITO MATERIAL


“Será o crime, assim, sob o ponto de vista sociológico-jurídico, um ato que
ofende ou ameaça um bem ou interesse jurídico julgado fundamental para a
coexistência social e por isso protegido pelo Estado sob a ameaça de uma pena. É
sempre um bem jurídico o objeto da especial proteção que a lei confere com a
cominação da pena, e a violação ou exposição a perigo desse bem é que constitui o
comportamento criminoso. Desse modo se chega à definição do crime como o ato
que ofende ou ameaça um bem jurídico tutelado pela lei penal.
Na realidade, uma concepção do Direito Penal em concordância com a
realidade faz dele um sistema de garantia e proteção de bens da vida do indivíduo
ou da sociedade, que em razão da sua importância social, são assim elevados à
categoria de bens jurídicos.” (p. 175)

7 CONCEITO ANALÍTICO
“Então, assinalou-se que o crime é essencialmente uma ação, isto é, uma
manifestação da vontade humana no mundo exterior, mas uma ação antijurídica, isto
é, contrária ao Direito, uma ação que contrasta com a proibição ou comando de uma
norma jurídica, e ainda uma ação típica, uma ação que realiza uma das descrições
do fato punível que se encontram na lei, uma ação que se ajusta a um tipo legal, e
finalmente uma ação culpável, isto é, uma ação pela qual deve pesar sobre o seu
autor a reprovação da ordem jurídica.
O crime é, portanto, uma ação a que se juntam os atributos da tipicidade, da
antijuridicidade e da culpabilidade, donde o conceito analítico do crime como ação
típica, antijurídica e culpável.” (p. 177)
“Há a considerar, portanto, no conceito do fato punível:
a) a ação;
b) a tipicidade;
c) a antijuridicidade;
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d) a culpabilidade.
A ação é o núcleo do conceito. Todo fato punível é antes de tudo a ação,
realização da vontade de um homem no mundo exterior. Ação em sentido amplo,
ação ou omissão.” (p. 177-178)
“A nota fundamental da ação punível é a sua antijuridicidade, a sua
contradição a uma norma de Direito que a opõe à proteção que a ordem jurídica
concede a determinado bem ou interesse. A ação punível é antes de tudo um ilícito.
A antijuridicidade e a tipicidade, com o seu caráter sobretudo objetivo,
justificam o juízo de reprovação da ordem jurídica diretamente sobre o fato. Mas a
ação antijurídica e típica é expressão da vontade do agente, que deve, para
completar o esquema do conceito do fato punível, penetrar nele com os seus
elementos subjetivos, puros e normativos, que justificam o juízo de reprovação da
ordem de Direito diretamente sobre o seu autor, isto é, que justificam a sua
culpabilidade.” (p. 178)

8 A AÇÃO
8.1 CONCEITO E ELEMENTOS
“A ação é que dá corpo ao fato punível constituindo o elemento central do seu
conceito, o suporte material, por assim dizer, sobre que assentam os outros
elementos da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.” (p. 183)
“A ação pode definir-se como um comportamento humano voluntário que
produz uma modificação no mundo exterior. Tem por componentes necessários: um
processo interno de vontade; a atuação dessa vontade no mundo exterior por meio
de um fazer ou não fazer do agente; o resultado dessa atuação.” (p. 184)

8.2 TEORIA FINALISTA DA AÇÃO


“O que marca mais profundamente a distinção do conceito de WELZEL não é
o conteúdo da vontade na ação é a sua necessária direção finalista. Vontade é um
movimento psíquico dirigido a um fim. Querer é querer alguma coisa. A ação, que é
a realização da vontade, é necessariamente finalista e este é um atributo que
sempre lhe foi reconhecido.
Esta inclusão do dolo no conceito da ação tem sido o ponto mais agudo das
críticas levantadas contra a nova teoria e o que tem gerado maiores dificuldades na
sua sistemática. Não só porque desmonta a estrutura clássica da culpabilidade,
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esvaziando-a de todo conteúdo psicológico e deixando-lhe apenas a substância


normativa, o que desfigura inteiramente esse elemento tão importante do fato
punível, como também porque impede a unificação de todas as formas de crime
dentro de um conceito geral da ação.” (p. 188)
“Daí resulta que o fato doloso e o fato culposo, que, segundo a doutrina
tradicional, só se distinguem no campo da culpabilidade, separam-se, na teoria
finalista, desde o momento inicial da ação.
A ação para os finalistas não é aquele passo inicial para a estruturação do
conceito do crime, a que se hão de juntar os atributos da tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade para que adquira relevância jurídica.” (p. 189)
“Incluir elementos dessa natureza no conceito da ação, como o faz a
concepção finalista, e ainda não só juízos de desvalor sobre o fato, mas sobre o
agente termina por destruir a necessária delimitação entre os elementos conceituais
do crime, ainda mesmo aquela fundamental entre ato e autor, sem que resulte clara
a vantagem dessa subversão ou a sua necessidade metodológica ou crítica.” (p.
189-190)

9 AÇÃO E OMISSÃO
“O comportamento humano que constitui a ação pode manifestar-se por uma
atitude positiva, um fazer agente, ação em sentido estrito, ou por uma atitude
negativa, um não fazer, que é a omissão. Ação é, assim, um termo genérico, que
compreende as duas formas possíveis do comportamento do agente.” (p. 190)
10 EXCLUSÃO DO CRIME POR AUSÊNCIA DE AÇÃO
“Sem ação não há crime, e não existe ação quando falta algum dos seus
componentes. Praticamente isso ocorre quando, havendo, embora, o movimento
corporal do agente ou o seu comportamento negativo, e mesmo o resultado, falta a
vontade, da qual esse conjunto venha a ser manifestação no mundo exterior.” (p.
196)

11 A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
“Dentro da ação, a relação causal estabelece o vínculo entre o
comportamento em sentido estrito e o resultado. Ela permite concluir se o fazer ou
não fazer do agente foi ou não o que ocasionou a ocorrência típica, e este é o
problema inicial de toda investigação que tenha por fim incluir o agente no acontecer
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punível e fixar a sua responsabilidade penal. Mas a questão da responsabilidade é


posterior. É preciso distinguir o problema do nexo causal da culpabilidade. Uma
coisa é determinar se o fato surge como resultado da manifestação da vontade do
agente, isto é, se entre o seu atuar e o resultado típico existe a necessária relação
de causa a efeito (imputação de fato); outra, se verificada esta relação, com ela
concorrem os pressupostos necessários da responsabilidade penal (imputação de
direito). A simples relação objetiva entre o comportamento e o resultado não basta
para justificar a responsabilidade penal. É preciso que ao fato, com os seus atributos
de tipicidade e antijuridicidade, se juntem os elementos que justificam o juízo da
culpabilidade. A relação causal faz apenas do agente o causador material do fato,
mas não o transforma desde logo em autor no sentido jurídico-penal. É na confusão
entre essas duas posições, que se podem suceder, porque sem a primeira não pode
ocorrer a segunda, mas que são perfeitamente distintas, que vêm cair as teorias que
fazem incluir no conceito do causal elementos do problema da culpabilidade.” (p.
199)
“No ponto em que nos encontramos, toda meditação do assunto há de partir
da teoria da conditio sine qua non, e, para nós, nela deve concluir-se. Essa teoria
oferece o critério preciso para determinar o enlace causal entre o comportamento do
agente e o resultado, como um acontecer que se desenvolve dentro do mundo
fenomênico, excluindo ao mesmo tempo, com justeza, desse momento inicial, todo
elemento de valor.” (p. 206)

12 TIPICIDADE E ANTIJURIDICIDADE
“Por mais distintos que se atenham os elementos conceituais do crime, na
realidade não é tão rígida e impermeável a fronteira que se possa traçar entre
tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, que não são partes que se somam, mas
que se integram no fato punível, que resulta sempre uma figura unitária.” (p. 218)
“Em princípio, toda ação típica é ao mesmo tempo e necessariamente
antijurídica, uma vez que configura a hipótese que a lei considera punível e,
portanto, juridicamente ilícita. [...] São casos, em que o comportamento do agente
ocorre em condições que a lei toma em consideração para excluir a ilicitude, as
chamadas causas de exclusão da antijuridicidade, bem como o estado de
necessidade ou a legítima defesa. Somente assim pode haver tipicidade sem
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antijuridicidade. Mas pode haver também antijuridicidade sem tipicidade, mas o ilícito
assim configurado não tem relevância para o Direito Penal.” (p. 219)

13 A ANTIJURIDICIDADE
13.1 CONCEITO DO ILÍCITO PENAL
“Todo crime é um ato contra o Direito, um ilícito jurídico. A antijuridicidade de
um fato é esse contraste em que ele se apresenta em relação às exigências da
ordem jurídica, ou mais propriamente esse contraste entre o fato e a norma. Por ser
contrário ao Direito, é que a lei lhe impõe a sanção penal; por constituir, como diz
VON LISZT, a transgressão de um mandado ou de uma proibição da ordem jurídica.
A antijuridicidade é, portanto, um dos elementos conceituais do crime. Não
basta que a ação seja típica, isto é, que retrace na realidade da vida a definição da
norma penal; é necessário ainda que seja antijurídica para que sobre ela recaia a
reprovação da ordem de Direito, e que o agente penetre no processo de sua
realização com os atributos da culpabilidade para que se venha a ter um fato
punível. A antijuridicidade é, entretanto, um atributo geral, em relação a toda ordem
jurídica, não particular ao Direito punitivo. Um fato que se apresenta como
antijurídico em face de qualquer ramo do Direito conserva esse atributo de
antijuridicidade em referência a qualquer outro domínio jurídico.” p. (223)
“No fundo desta antijuridicidade chamada formal está geralmente contida a
material. E só como conteúdo daquela pode esta ser tomada em consideração na
aplicação do Direito. À chamada antijuridicidade material deve atender o legislador
para que o ilícito formulado nas leis corresponda à realidade das exigências sociais.
Ela é que lhe traça os limites dentro dos quais deve manter-se na definição dos fatos
puníveis. Só devem ser declarados passíveis de pena os atos que violem ou
ameacem condições existenciais da sociedade.” (p. 224-225)
“Daí resulta que o domínio da chamada antijuridicidade material não coincide
necessariamente com o do ilícito formal, e, se um se apresenta discordante do outro,
é a este último, isto é, à definição legal que fica subordinado o juiz, podendo apenas
recorrer à noção de antijuridicidade material como elemento de interpretação da
norma.
A antijuridicidade tem de ser considerada no seu aspecto objetivo, de relação
contraditória entre um fato e uma norma. É este o caráter que lhe é geralmente
reconhecido e com este caráter objetivo é que ela afigura na construção tripartida do
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conceito do crime, ao lado da culpabilidade e da tipicidade, adjetivando o conceito


de ação.
Mas esta maneira de entender a antijuridicidade não deixa de ter
contraditores. Uma teoria chamada subjetiva reúne no conceito do ilícito o elemento
objetivo do atuar do sujeito contrário ao Direito e o subjetivo da sua vontade ilícita,
próprio da culpabilidade. Com esta concepção, o conceito do injusto perde a sua
precisão de contornos em face do elemento culpável do crime. Chega-se a um
momento em que estas duas características se confundem. E esta confusão é
contrária à clareza metódica dentro da moderna construção do conceito do fato
punível e dos princípios fundamentais do Direito vigente, que reclamam uma
culpabilidade bem definida e distinta do caráter objetivo do ilícito.” (p. 225)

14 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE


“Mas há ações típicas que, pela posição particular em que se encontra o
agente ao praticá-las, se apresentam em face do Direito como lícitas. Essas
condições especiais em que o agente atua impedem que elas venham a ser
antijurídicas. São situações de excepcional licitude que constituem as chamadas
causas de exclusão da antijuridicidade, justificativas ou descriminantes. Aí se
encontram principalmente situações de necessidade, em que se incluem o estado de
necessidade propriamente dito e a legítima defesa; casos de atuação do Direito por
cumprimento do dever legal ou exercício de direito ou faculdade legítima; ou
conjunturas em que deixa de existir interesse na proteção do bem, porque o seu
titular consente na lesão.” (p. 229)
“WELZEL distinguia, ao lado das genuínas causas de justificação, as ações
socialmente adequadas, que representam, não a exceção, mas a normalidade da
vida social, e entre as quais inclui as lesões ocorridas em práticas esportivas ou em
intervenções médico-cirúrgicas. Essas ações, que se diferenciam das causas de
exclusão do ilícito por limites pouco precisos, excluem, segundo WELZEL, não a
antijuridicidade, mas a tipicidade, conclusão que podia conciliar-se com a sua
maneira particular de conceituar o tipo, diferente da que acolhemos nestas páginas.
Essa ideia da ação socialmente adequada como causa de exclusão da tipicidade, o
fato não vindo a ser crime porque não concretiza o tipo legal, encontrou na Itália o
apoio de BETTIOL, mas já havia sido combatida na Alemanha por vários autores,
entre os quais HELLMUTH MAYER. Agora o próprio WELZEL a abandona e faz da
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adequação social da ação causa também de exclusão do ilícito. A ideia de que na


ação socialmente adequada estivesse uma causa de exclusão da tipicidade é
insustentável. Como diz HELLMUTH MAYER, está em contradição com o princípio
da determinação legal dos limites positivos do tipo.” (p. 230-231)

II CRIMES CONTRA A PESSOA

1 PARTE GERAL E PARTE ESPECIAL


“Daí resulta o que irá caber essencialmente à Parte Especial dos códigos:
a) fixar quais os valores que em determinado momento da evolução da
cultura são julgados merecedores da proteção penal;
b) definir de maneira precisa, pelos seus elementos distintivos, os fatos que,
por ofenderem ou ameaçarem qualquer daqueles valores, são passíveis
de punição;
c) estabelecer a qualidade e quantidade da pena imposta em cada caso;
d) classificar os fatos puníveis, ordenando-os segundo o critério admitido.”
(p. 24)

2 INOPORTUNIDADE DE UM CÓDIGO SEM PARTE ESPECIAL


“Houve quem pensasse em construir um código sem Parte Especial e,
portanto, sem tipicidade. O crime seria definido segundo uma fórmula amplamente
compreensiva contida na Parte Geral. Assim, o acento se apoiaria menos no fato em
si, reduzindo as formas concisas de um tipo, do que nas condições da personalidade
do agente, de acordo com a concepção sintomática do crime, ou no que se pudesse
deduzir da sua atitude, caracterizando-o como inimigo do regime jurídico-social
admitido. Na construção apoiada na personalidade do autor, seria essa uma
aspiração da corrente penalista mais avançada, mas, com a sua consequência de
alargar, praticamente sem medida, o arbítrio do julgador, com sacrifício da
fundamental garantia do princípio da legalidade, não corresponde ao pensamento
nem à consciência jurídica hoje dominante.” (p. 25-26)

3 A PARTE ESPECIAL PRECEDEU HISTORICAMENTE A PARTE GERAL


“A Parte Especial, por sua vez, foi-se afastando da imprecisão das antigas
normas. A técnica legislativa na construção dos tipos aperfeiçoou-se. Mas a
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antecipação que teve a Parte Especial sobre a Parte Geral não lhe assegurou uma
estrutura dogmática pelo menos equivalente à que os penalistas lograram conferir a
esta última. Seria preciso, então, retomar a obra de organização sistemática da
Parte Especial e leva-la adiante, restaurando-a na continuidade da evolução que
anima o Direito Penal.
É essa preocupação de levantamento técnico da Parte Especial dos códigos
que se vem refletindo na ciência penal mais recente.” (p. 27)

4 DEFICIÊNCIA DA CONSTRUÇÃO SISTEMÁTICA DA PARTE ESPECIAL E DA


MANEIRA PELA QUAL A SUA MATÉRIA É GERALMENTE ESTUDADa
“Na massa dos fatos desse gênero é que o legislador refletindo o sentimento
comum, e sobretudo o das classes dominantes, vai buscar aqueles que, pela sua
particular gravidade, justificam a sua proibição pelo Direito punitivo e são, assim,
definidos como crimes.
O critério da escolha é o da maior proteção àqueles bens cuja inviolabilidade
é julgada imprescindível para a coexistência social. Mas nessa distinção que faz o
legislador entre os fatos contrários ao interesse social, para elevar alguns deles à
posição de ilícito penal, não se pode excluir certa fração de oportunidade e arbítrio.”
(p. 29)
“Assim também, na evolução das legislações algumas figuras penais podem
perder esse caráter, como tende a ocorrer hoje com o adultério, por exemplo; ou
algum fato antijurídico, dantes não incluído como ilícito punível, passar a figurar no
catálogo dos crimes. Às vezes mesmo é uma categoria inteira de fatos que penetra
no campo do Direito punitivo, trazendo para aí a consideração de um bem jurídico
particular, que, sob esse caráter, escapava à ação das medidas penais. É o caso,
por exemplo, do genocídio, que em suas várias modalidades se vem introduzindo,
como figura autônoma, nas legislações penais mais recentes. Além das solicitações
de ordem prática que possam surgir quanto à proteção de certos bens, influi nas
decisões legislativas a pressão de novas concepções éticas, sociais ou políticas, em
suma o momento histórico vivido pela cultura.” (p. 29-30)
“Assim, o que orienta a determinação dos fatos puníveis é um critério de certo
modo flutuante, que não permite rigorosa fixidez no corpo legal das ações definidas
como crimes e impede que o quadro dessas figuras penais, na doutrina e mesmo
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nas legislações, possa apresentar-se como uma faixa contínua, isenta de lacunas,
firme e organicamente articulada.” (p. 30)

5 OS DOIS FUNDAMENTOS DA ESTRUTURA DA PARTE ESPECIAL


“Duas conquistas da dogmática vieram contribuir para aquela relativa
sistematização da Parte Especial – a ideia do bem jurídico como objeto da proteção
penal e a do tipo, isto é, de uma fórmula precisa, cujos termos devem ser realizados
pelo fato concreto para que este seja crime. Sobre esses dois pontos de apoio é que
terá de assentar a pretendida reconstrução da Parte Especial.” (p. 33)

6 O BEM JURÍDICO COMO VALOR PROTEGIDO PELA AMEAÇA PENAL


“Essa ideia de tomar o bem jurídico por objeto da particular proteção do
Direito punitivo na definição dos crimes veio trazer importante subsídio à construção
da Parte Especial. Encontrava-se nesse descobrimento o núcleo da estrutura do
tipo. A função do Direito Penal resolvia-se em assegurar a incolumidade de certos
valores, de interesse social, a cuja violação se contrapunha a sanção específica. [...]
O que faz o tipo é descrever a ação que ameaça ou ofende o bem a que se concede
proteção penal. Mesmo quando incerto ou indeterminado, o bem jurídico está
sempre presente como noção nuclear na formação do tipo.” (p. 34)

7 ESTRUTURA DA PARTE ESPECIAL


“A culpabilidade e a antijuridicidade, como componentes conceituais de todo
fato punível, estão implícitas no tipo e não precisam ser aí mencionadas, salvo
quando se pretende acentuar particularmente a sua presença.” (p. 39)
“A culpabilidade, porém, pode manifestar-se como dolo ou como culpa. O dolo
é a forma comum de atuar culpável, determinando sempre a inculpação do fato
punível e, assim, não necessita figurar explicitamente no enunciado do tipo. A
punição por culpa é fato de exceção e quando ocorre em relação a determinado
crime, deve ser expressamente prevista.” (p. 39-40)
“Assim, é na Parte Especial que se decide da punibilidade ou não dos fatos
culposos. Geralmente, quando se pune a culpa, ao dispositivo que define o fato
punível, tendo implícita a exigência do dolo, segue-se outro, prevendo a hipótese
culposa com atenuação da pena.” (p. 40)
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8 O CRITÉRIO DO BEM JURÍDICO


“O crime passou a ser entendido como ofensa ou ameaça a um daqueles
valores, isto é, a um bem jurídico penalmente tutelado. E essa ideia do bem jurídico
que a norma penal se destina a proteger e que se apresenta como o centro de
gravidade do preceito contido no tipo veio oferecer o necessário critério para a
ordenação dos fatos puníveis.” (p. 47-48)
“Nem sempre será fácil ou mesmo possível distinguir entre os bens jurídicos
admitidos qual o que constitui o objeto de proteção em determinado tipo. Ou
acontece que há mais de um bem ameaçado na mesma figura penal, naqueles fatos
que têm sido chamados crimes pluridimensionais, e surge, então, a incerteza sobre
qual deles deve servir de base à classificação, o que levou OPPENHEIM a falar em
crime com objeto de proteção indefinido.” (p. 48)

9 A CLASSIFICAÇÃO DO NOSSO CÓDIGO


“Para nós, em face do nosso código, não há problema porque a ordem legal
por ele adotada é perfeitamente aceitável, com o seu ponto de partida assente nos
crimes contra a pessoa e o término nos crimes contra o Estado. É essa a ordem que
seguiremos em nossa exposição. Alguma alternação que quiséssemos impor nesse
ou naquele particular é sacrificada à vantagem prática de acompanhar a lei.” (p. 54)

III TEORIA DA LEI PENAL


Merece especial destaque o fato de darmos início a esta série com a obra do Prof.
ANÍBAL BRUNO, notável mestre do Direito penal brasileiro, cujo livro Direito Penal
é, sem dúvida, a obra sistemática mais importante da moderna literatura jurídico-
penal em nosso país. (p. 5)

REFERÊNCIAS
BRUNO, Aníbal e BATISTA, Nilo. Teoria da lei penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1974.

BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 4. ed. rev. Rio de Janeiro: Rio, 1976.

______. Direito penal. Parte geral: introdução, norma penal, fato punível. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. t. I.

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