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Maria Eduarda de Toledo Chiarelli

Resumo:
Direito Patrimonial da
Família e Sucessões
| 2020/2021

Doutora Paula Távora Vítor

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Maria Eduarda de Toledo Chiarelli

O presente resumo representa um compilado de aulas teóricas e bibliografias.


Nele estarão contidos os seguintes assuntos:

• Direito patrimonial da família | introdução – página 2;


• Convenções antenupciais – página 3;
• Regime de bens do casamento – página 11;
• Administração dos bens do casal – página 22;
• Ilegitimidades conjugais – página 27;
• Responsabilidade por dívidas dos cônjuges – página 31;
• Direito das sucessões – página 36;
• Abertura da sucessão – página 63;
• Herança jacente – página 94;
• Aceitação sucessória – página 96;
• Repúdio da herança – página 99;
• Petição, alienação, administração e liquidação – página 100;
• Partilha da herança – página 102;
• Sucessão legítima – página 109;
• Sucessão legitimária – página 118.

DIREITO PATRIMONIAL DA FAMÍLIA – INTRODUÇÃO

| Princípios constitucionais do Direito da Família com relevância para


o Direito Patrimonial
Vale desde já ter como referência o artigo 36.º da Constituição da República
Portuguesa, o qual tem grande relevância na matéria de princípios,
principalmente os números 2, 3 e 4.

➔ Número 2:
Os efeitos da dissolução do casamento são os mesmos, seja por morte ou
por divórcio. Não há um regime diferente para os efeitos patrimoniais, a
não ser os entorses que existem no casamento civil facultativo na segunda
modalidade. Isto não afeta aqui os efeitos patrimoniais.

➔ Número 3:

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Princípio da igualdade dos cônjuges. Nas relações entre cônjuges


vigora uma paridade, o que é importante porque antes existia o poder
marital e também regras que atribuíam a administração dos bens do casal,
incluindo os bens da mulher, ao marido (antes da reforma de 76).

➔ Número 4:
Não discriminação dos filhos nascidos dentro e fora do casamento, o que
gerou implicações importantíssimas ao nível sucessório. Não há mais a
denominação de filhos ilegítimos, o que acarretou uma evolução até
mesmo em níveis sociais.

Temos então uma Constituição que sempre é pensada para determinado


contexto, para reagir a um estado de coisas de uma legislação civil. Assim, os
princípios anteriores à forma de 76 nos davam uma noção família hierárquica e
matrimonializada. Após 76 houve uma evolução social que nos impele para
interpretarmos os princípios de outra maneira e à luz de novas necessidades –
isto porque os princípios constitucionais são importantíssimos à luz do direito
patrimonial.

Dentro do direito patrimonial do casamento há dois blocos de matérias,


que acabam por se autonomizar do ponto de vista pedagógico: regime de bens; e
matérias que são independentes do regime de bens, nomeadamente
administração dos bens, ilegitimidades conjugais, poderes dos cônjuges
relativamente à administração dos bens, responsabilidade por dívidas e contratos
entre cônjuges. Vejamos cada uma delas a seguir.

CONVENÇÕES ANTENUPCIAIS

O presente capítulo se encontra previsto no artigo 1698.º do Código Civil, o


qual afirma que:

Os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o


regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes

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previstos neste código, quer estipulando o que a esse respeito lhes


aprouver, dentro dos limites da lei.

Dessa forma, o referido artigo traz o conceito de convenção antenupcial, a qual


representa um acordo que se destina precisamente a fixar o regime de bens, ou
seja, visa fixar qual conjunto de regras definirá a propriedade dos bens do casal,
quais serão os bens próprios de cada cônjuge e quais serão os bens comuns.

Assim, a convenção antenupcial é considerada como um contrato


acessório do casamento, o que quer dizer que a existência e a própria validade da
convenção supõe a celebração do casamento. O casamento é uma condição
legal de eficácia da convenção antenupcial – acessoriedade que se traduz como
uma relação de dependência.

Além disso, é preciso mencionar que há dois princípios que regem as


convenções antenupciais: princípio da liberdade e princípio da imutabilidade.

| Princípio da liberdade
O princípio da liberdade envolve que os nubentes possam escolher qualquer
um dos regimes previstos na lei; podem estipular o que melhor lhes convir; ou,
ainda, deixar que seja o casamento regido pelo regime supletivo.

Com isso, podem os nubentes livremente decidir e moldar os regimes,


sendo possível escolher um dos regimes tipificados na lei ou também criar
regimes mistos > liberdade de modelação. Vigora então no Código o princípio da
liberdade de regime de bens!

Também é possível incluir nas convenções antenupciais outros tipos de


estipulações. A escritura pública, por exemplo, pode ser a forma da convenção
antenupcial, assim como é possível incluir negócios de outra natureza (escolha da
residência, perfilhação etc.), sendo claro que todas as cláusulas estarão sujeitas a
uma validação, pois não podem ir contra disposições imperativas. É possível
incluir disposições que são estranhas à conformação do regime de bens, como
as previstas nos arts. 1700.º e ss. Pode dizer-se que esta liberdade lhes permite

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incluir quaisquer negócios que possam constar de escritura pública, tanto de


natureza patrimonial como de natureza não patrimonial.

Contudo, é preciso ainda referir que qualquer cláusula somada pelos


nubentes fica sujeita a uma apreciação acerca da sua validade, sendo que não
pode ser contrária à ordem pública, bons costumes e normas imperativas – ou
serão nulas ou não vincularão os cônjuges.

O artigo 1720.º consagra, no entanto, uma exceção ao princípio da


liberdade, uma vez que refere casos de imperatividade absoluta. Não há nos
casos aqui previstos liberdade para escolher o regime:

ARTIGO 1720.º
(Regime imperativo da separação de bens)

1 - Consideram-se sempre contraídos sob o regime da separação de bens:


a) O casamento celebrado sem precedência do processo preliminar de casamento;
b) O casamento celebrado por quem tenha completado sessenta anos de idade.
2. O disposto no número anterior não obsta a que os nubentes façam entre si doações.

Todavia, a alínea b) pode ser um pouco contraditória em termos


constitucionais, visto que é um caso claro de discriminação em relação à idade. A
ideia inicial deste artigo era precisamente a de, num contexto em que a esperança
média de vida era inferior, evitar que estivéssemos perante casamentos com
volumosos patrimônios e que pudesse se beneficiasse um cônjuge que viesse a
casar com um cônjuge mais velho. O contexto até do ponto de vista jurídico era
diferente, visto que a proteção acessória ao cônjuge é distinta, afinal, hoje mesmo
quem tenha um imóvel patrimonial está protegido pelo fenômeno sucessório. A
situação problemática aqui referenciada tem a ver justamente com a (falta de)
autodeterminação, porque do jeito que está na redação do artigo alguém com
mais de 60 anos não poderia escolher >> princípio da igualdade constitucional
(art. 13.º da CRP).

A alínea a), por sua vez, existe pelo facto de o legislador ter levantado
suspeita de que algum dos nubentes tenha sido determinado a contrair o
casamento por puro interesse econômico.

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Com isso, podemos criticar ambas as alíneas tendo por base a valorização
constitucional da autonomia individual e do livre desenvolvimento da
personalidade, conforme art. 26.º da CRP, inclusive porque não há qualquer
interesse claro que justifique as referidas restrições às liberdades negociais.

Assim, aos casamentos celebrados sem precedência do processo


preliminar de casamento e os celebrados por quem tenha completado 60 anos de
idade a lei impõe que os nubentes os realizem de acordo com o regime da
separação de bens, sem lhes oferecer alternativa.

Ainda há casos de imperatividade relativa previstos no artigo 1699.º


do C.C.:

Artigo 1699.º
(Restrições ao princípio da liberdade)

1. Não podem ser objecto de convenção antenupcial:


a) A regulamentação da sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiro, salvo o disposto nos artigos
seguintes;
b) A alteração dos direitos ou deveres, quer paternais, quer conjugais;
c) A alteração das regras sobre administração dos bens do casal;
d) A estipulação da comunicabilidade dos bens enumerados no artigo 1733.º
2. Se o casamento for celebrado por quem tenha filhos, ainda que maiores ou emancipados, não
poderá ser convencionado o regime da comunhão geral nem estipulada a comunicabilidade dos bens
referidos no n.º 1 do artigo 1722.º

O n.º 2 proíbe a estipulação do regime da comunhão geral nos casamentos


celebrados por quem tenha filhos, ainda que maiores ou emancipados. No regime
da comunhão geral entra no bolo comum tudo que é trazido ao casamento e é
adquirido a título gratuito na constância do casamento, o que não ocorre na
comunhão de adquiridos. O problema de fundo aqui tem relação com questões
de natureza sucessória, porque o que se visa evitar é que os bens levados ao
casamento entrem no patrimônio comum e não fiquem resguardados para esses
filhos que vêm de uma anterior relação.

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A PGR já afirmou que esse preceito não se aplica quando os filhos sejam
comuns aos nubentes. Ou seja, a ratio do referido artigo não se aplica quando isto
ocorre.

A referida alínea a) do artigo em causa contém exceções que vêm previstas


nos arts. 1700.º e 1707.º, visto que as disposições mortis causae em convenção
antenupcial justificam-se pela ideia do favor ao casamento e podem se traduzir
na constituição de um herdeiro quando incidem sobre uma quota ou a totalidade
da herança ou, ainda, traduzir-se na nomeação de um legatário quando incidam
sobre um bem certo e determinado.

O artigo 1699.º ainda estipula restrições não taxativas (referência aos


limites da lei apontados pelo artigo anterior). Vejamos o que está por trás na
fundamentação de cada alínea:

• Alínea b): evitar o poder marital, tentando impedir que se introduzisse por
via de um acordo entre os cônjuges aquilo que o legislador quis afastar
para se impor o princípio de igualdade entre os cônjuges. Trata essa alínea
de evitar estipulações que consagrem poderes exclusivos de um cônjuge na
direção da vida familiar comum;
• Alínea c): antes de 77 o marido tinha o poder sobre a administração dos
bens do casal, principalmente sobre os bens da mulher. Vale aqui
mencionar que a lei proíbe a alteração em convenção, mas não proíbe por
mandato, pois o cônjuge que ceder os poderes de administração ao outro
está sempre a tempo de os recuperar através da revogação do referido
mandato;
• Alínea d): se até no regime mais comunitarista esses bens não podem
entrar no patrimônio comum, não pode ser possível estipular a
comunicabilidade desses bens no referido regime, mesmo se criado pelos
cônjuges. Tratam-se de bens irredutivelmente próprios.

Resumo: vigora o princípio da liberdade, mas este possui algumas limitações,


nomeadamente os casos de imperatividade absoluta e relativa e, ainda, limites
previstos em lei.

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| Princípio da imutabilidade
Por outro lado, existe o princípio da imutabilidade, o qual é uma
especificidade portuguesa. Diante deste princípio, entendemos que fora dos casos
previstos na lei não se pode alterar a convenção antenupcial realizada (art.
1714.º).

No entanto, releva para essa matéria o problema de saber o alcance do


referido princípio. Há quem entenda o princípio de forma restrita, defendendo
que em causa está somente o regime de bens; e há quem entenda o princípio de
uma forma mais ampla, apontando que abrange também negócios jurídicos que
alterem as massas patrimoniais.

Até a celebração do casamento a convenção antenupcial é livremente


revogável e modificada (art. 1712.º), o que significa que o princípio da
imutabilidade só vale a partir da celebração do casamento, sendo este momento
que fixa o conteúdo. Depois da celebração do casamento não é possível alterar
esse regime.

Contudo, conforme dito anteriormente, o alcance do princípio da


imutabilidade não é claro e nem consensual.

Quem entende o referido princípio em um sentido mais amplo defende que


também não é possível recorrer a negócios jurídicos que alterem as massas
patrimoniais. Por sua vez, quem entende este princípio no sentido restrito
considera que o negócio jurídico em concreto está regulado apenas nas normas
que lhe diz respeito (exemplo: art. 1682.º).

Há então duas acepções diferentes do princípio da imutabilidade:


• Sentido restrito;
• Sentido amplo.

Contudo, há exceções ao princípio em causa:


• Ausência;

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• Insolvência;
• Situações em que se dá a separação dos bens do casal no âmbito do
processo executivo (artigo 1740.º do C.C.).

É, no entanto, muito controversa a manutenção do princípio da


imutabilidade, visto que possui implicações nomeadamente na responsabilidade
por dívidas do casal. O facto de não poder haver uma alteração pode ser
atentatório na forma como os cônjuges querem reger as suas alterações
patrimoniais, sendo por isso que hoje há contestação relativamente à
manutenção do regime.

O argumento no passado era um argumento de proteção para evitar que


um cônjuge abusasse do outro e vivesse às suas custas, bem como um argumento
de proteção de terceiros, visto que estes contam com determinado regime para as
relações patrimoniais dos cônjuges (responsabilidade por dívidas).

Cabe perguntar por que razões a alteração não lhes é permitida... A favor da
imutabilidade das convenções antenupciais invocam‐se a sua natureza de
pactos de família, o receio de que um dos cônjuges exerça sobre o outro lhe
permita locupletar‐se à custa dele, através de uma modificação do regime de
bens, e ainda a proteção de terceiros.

A justificação que na doutrina portuguesa tradicionalmente se dá ao princípio


da imutabilidade é a seguinte: tratar‐se‐ia de evitar que um dos cônjuges,
abusando do ascendente ou influência que exerce sobre o outro e o casamento
lhe deu, leve este a consentir numa alteração do regime de bens que lhe seja
prejudicial.

A ideia mais válida justificativa se prende com a proteção de terceiros. Na


verdade, se os cônjuges pudessem, depois do casamento, alterar o seu regime de
bens livremente e quantas vezes quisessem, os terceiros que com eles tivessem
contratado poderiam ficar gravemente lesados nos seus direitos > basta
estabelecer limites e criar um sistema organizado de publicidade.

Rita Xavier defende que a regra da imutabilidade se tem justificado pela força
de um princípio geral do nosso ordenamento que proíbe a ocorrência de
enriquecimentos injustificados de um dos cônjuges à custa do outro.

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A razão fundamental que abona a faculdade de modificar o regime de bens está


na conveniência que os cônjuges podem sentir em adequar o seu estatuto
patrimonial às alterações do seu modo de vida e às suas expectativas. 1) Cônjuge
sobrevivo; 2) profissão economicamente arriscada (possibilidade de contração
de dívidas); 3) casal com filhos de casamento anterior; 4) razões legítimas e
particulares.

• Acepção restrita: considera que o que está em causa é apenas impedir a


alteração de regime de bens e não negócios em concreto;
• Acepção ampla: considera que quando estejam em causa alterações às
massas patrimoniais estaremos perante envolvimentos do princípio da
imutabilidade.

| Características da convenção
Além dos princípios mencionados, admite-se a condição à termo, mas há ainda
uma regra específica para o regime da capacidade, nomeadamente prevista no
art. 1708.º do C.C.

Artigo 1708.º
(Capacidade para celebrar convenções antenupciais)

1. Têm capacidade para celebrar convenções antenupciais aqueles que têm capacidade para contrair casamento.
2 - Aos menores só é permitido celebrar convenções antenupciais com autorização dos respetivos representantes
legais.
3 - Aos maiores acompanhados, quando devam ser representados para a realização de atos de disposição entre
vivos ou quando os mesmos dependam de autorização, só é permitido celebrar convenções antenupciais com o
acordo expresso do acompanhante.

Há uma ligação funcional entre a convenção e o casamento, sendo que a


partir dos 16 anos há capacidade para contrair casamento e, consequentemente,
a mesma capacidade se estende à capacidade para convenção antenupcial.

Dessa forma, como contrato que é, a convenção antenupcial exige o


consentimento dos respectivos sujeitos e, ainda, a capacidade dos nubentes (art.
1708.º/1).

Quanto à forma da convenção vale o previsto no artigo 1710.º: serão


válidas se forem celebradas por declaração prestada perante funcionário do

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registo civil ou por escritura pública. Ademais, devem as convenções ser


registadas, sendo que quando falamos de registo estamos a falar de publicidade,
ou seja, só produzem efeitos em relação a terceiros quando registadas (se não
forem registadas irão valer somente entre as partes) – vale ainda mencionar que
os herdeiros e os demais outorgantes da escritura não são considerados terceiros,
sendo por isso que produz efeitos já em relação aos herdeiros (art. 1711.º/2).

Deste modo, podemos dizer que a convenção regista-se mediante a sua


menção no texto do assento de casamento sempre que o auto seja lavrado ou a
certidão da escritura seja apresentada até à celebração deste (art. 190.º/1
CRegCivil); se a certidão for apresentada mais tarde, a convenção é registada
por averbamento ao assento do casamento (art. 190.º/2 do mesmo
dispositivo legal).
Além disso, a convenção caduca se o casamento não for celebrado dentro
de um ano ou, ainda, se for celebrado dentro de um ano e seja também
considerado nulo ou anulável, isto porque existe uma dependência umbilical
entre a convenção e o casamento (artigo 1716.º). É possível ainda recorrer ao
instituto da redução do negócio jurídico previsto no art. 292.º do C.C. A
exceção nesse caso existe nos casos de casamento putativo, em que mesmo que o
casamento seja considerado nulo ou anulado há conservação dos efeitos
justamente por força do casamento putativo (efeitos se produzem em relação ao
cônjuge de boa fé) – art. 1647.º.

REGIMES DE BENS DO CASAMENTO

Em primeiro lugar, é preciso mencionar que o regime de bens do casamento se


refere, no fundo, a um conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade
sobre os bens do casal, isto é, a sua repartição entre o patrimônio comum, o
patrimônio de um cônjuge e o patrimônio do outro cônjuge. Ainda é preciso
referir que ao conjunto de regras relativamente à propriedade dos bens do casal
também se soma outras regras relativamente à administração dos referidos bens,
bem como responsabilidade por dívidas e encargos da vida familiar.

Sendo assim, os regimes-tipo previstos no Código Civil são três:

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• Comunhão de adquiridos (arts. 1721.º a 1731.º): regime supletivo


no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção antenupcial,
conforme art. 1717.º do C.C.;
• Comunhão geral de bens (arts. 1732.º a 1734.º);
• Separação de bens (arts. 1735.º e 1736.º).

| Comunhão de adquiridos
É o regime supletivo desde a entrada em vigor do Código atual (desde 67), sendo
importante para muitos efeitos sucessórios, uma vez que a partilha é feita de
acordo com o regime de bens >> é então necessário em um caso prático
analisar se o casamento foi celebrado antes ou depois de 67.

Assim, ser o regime supletivo significa que na falta de convenção


antenupcial, no caso de invalidade, ineficácia ou caducidade, o casamento se
considerará celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos > artigo 1721.º
e ss do C.C.

Pode valer (1) como regime supletivo para casamentos celebrados depois
de 31 de maio de 1967; (2) ou como regime convencional se estipulado em
convenção antenupcial.

O regime da comunhão de adquiridos é então um regime comunitarista e


por isso podemos dizer que existe um patrimônio comum (em que há um único
direito que incide sobre o mesmo) e também patrimônios próprios. Há ou pode
haver então bens comuns e próprios de cada um dos cônjuges.

O regime distingue-se do da comunhão geral porque, enquanto neste


regime, em princípio, são comuns todos os bens dos cônjuges, presentes e
futuros, no regime da comunhão de adquiridos nem os bens levados para
o casal nem os adquiridos a título gratuito se comunicam. Só se
comunicam os bens adquiridos depois do casamento a título oneroso. A
ideia é a de só tornar comum aquilo que exprime a colaboração de ambos
os cônjuges no esforço patrimonial do casamento.

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Dessa forma, veremos surgir aqui uma nova figura, a figura da comunhão
sem quotas (artigo 1767.º do C.C.), a qual é diferente da compropriedade.
Explicaremos a seguir.

Bom, a primeira questão importante a ser colocada em causa é a de saber


de quem são os bens comuns, ou seja, se são de uma pessoa jurídica nova, de
algum dos cônjuges ou dos dois. Desta forma, de acordo com o Manual, podemos
afirmar que os bens comuns constituem uma massa patrimonial que pertence
aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois,
titulares de um único direito sobre eles. Temos aqui uma propriedade coletiva,
que se difere da figura da compropriedade.

Assim sendo, esta diferença reside no facto de que o patrimônio coletivo


pertence em comum a várias pessoas, mas sem que elas repartam quotas ideias
da coisa, como ocorre na compropriedade (comunhão de quotas). Na propriedade
coletiva os vários titulares do patrimônio são então sujeitos de um único direito
(direito uno) que não detém qualquer divisão, mesmo em um plano ideal.

Não tem, pois, cada um deles algum direito de que possa dispor ou que
lhe seja permitido realizar através da divisão do patrimônio comum.
Assim, antes de estar dissolvido o casamento ou de ser decretada a
separação de pessoas e bens entre os cônjuges, não podem estes dispor
da sua meação nos bens comuns, assim como não lhes é permitido pedir
a partilha dos mesmos bens antes da dissolução do casamento >> mão
comum (essa posição não é livre de críticas).

3. Os bens comuns do casal integram um patrimônio coletivo ou


um patrimônio de mão comum que se mantém indiviso enquanto
persistir o casamento (art. 1689.º do C.C.), não podendo nenhum
dos cônjuges, por si ou através de procurador, dispor de qualquer
quota ideal relativa aos bens comuns ou a algum dos bens da
comunhão.

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Outra questão a ser levantada é a do grau de autonomia que o patrimônio em


comum tem em relação ao patrimônio dos cônjuges. Bom, a autonomia aqui não
é total, afinal, apesar da lei destinar o patrimônio comum à satisfação de
necessidades do casal e do pagamento de dívidas comuns, há duas situações
excepcionais:
• Artigo 1695.º/1: respondem pelas dívidas comuns, subsidiariamente, os
bens próprios de qualquer dos cônjuges;
• Artigo 1696.º: respondem os bens comuns, subsidiariamente, por
dívidas próprias.

O artigo 1730.º releva para esta matéria:

Artigo 1730.º
(Participação dos cônjuges no património comum)

1. Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em
sentido diverso.
2. A regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta
da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei.

De acordo com esse artigo cada cônjuge tem direito ao valor da metade do ativo
comum, do ativo ou do passivo. O valor em causa é o da metade do patrimônio
comum globalmente considerado, o que significa que não se admite cláusulas de
estipulação de partilha desigual (ideia de colaboração no esforço patrimonial do
casamento). Não se trata de cada cônjuge ter um direito a metade de cada bem
concreto do patrimônio comum; o direito a metade é, assim, um direito ao valor
de metade.

A ideia de base quanto ao patrimônio comum é a de que este é adquirido


em função do esforço patrimonial do casamento, pois mesmo que somente um
obtenha rendimento o outro pode colaborar de outra forma, sendo essa a
importância do esforço do casal e do patrimônio comum. Se um cônjuge tem mais
rendimentos é porque o outro se encarrega de tarefas indispensáveis e não
remuneradas (como as tarefas domésticas) e, ainda, a justiça de uma divisão
proporcional desencadearia uma contabilidade inextrincável e a consideração de
valores não contáveis.

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Não é o que ocorre, por exemplo, nos países de commom law, visto que a
partilha se faz até mesmo em termos desiguais para responder às necessidades
de cada um > inequality distribution. Um dos motivos para essa distribuição tem
a ver com a casa de morada, visto que se permitiu que o cônjuge responsável pela
vivência dos filhos ficasse com a casa de morada de família. Em Portugal há uma
solução igual prevista em lei, mas sem passar pela distribuição desigual, pela
cláusula de partilha desigual – precisamos pensar globalmente.

Vejamos agora os bens que podem estar em questão.

➔ Bens próprios (artigo 1722.º)

Artigo 1722.º
(Bens próprios)

1. São considerados próprios dos cônjuges:


a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento;
b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação;
c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.
2. Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação
eventualmente devida ao património comum:
a) Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados
depois dele;
b) Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento;
c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade;

d) Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente à data do casamento.

Quanto aos bens havidos por sucessão e doação (alínea b)): não integram o
patrimônio comum, com a exceção em que o testador tem essa vontade e quer
que integre o patrimônio comum (artigo 1729.º), desde que não fira o princípio
da intangibilidade da legítima. Se há cláusula de comunicabilidade a legítima fica
diminuída já que o cônjuge terá direito à metade do valor do bem, sendo que há
este limite.

Quanto à alínea c): o número 2 já traz exemplos. São valores que já existiam no
patrimônio antes do casamento > direitos anteriores, bens de usucapião, reserva
de propriedade, bens adquiridos no exercício do direito de preferência.

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No fundo, são bens que não resultam do esforço patrimonial em comum


do casal.

Além disso, o art. 1723.º é também um artigo muito importante nesta


matéria, sendo que sofreu alterações recentes com um Acórdão de uniformização
de jurisprudência. O artigo trata de bens sub-rogados por meio de bens próprios.

Exemplo 1: uma pessoa adquire um carro antes de se casar e depois de casada


troca diretamente e prefere ter uma moto. Aquele bem irá integrar o patrimônio
no lugar do outro bem, irá ocupar aquele lugar que ficou vazio no patrimônio e
mantém a qualidade de bem próprio apesar de ser adquirido na constância do
casamento.

Exemplo 2: carro está velho e vai ser trocado, o preço recebido vai para o
patrimônio próprio do cônjuge antigo dono do carro.

Na alínea c) há uma situação em que se supõe que saiu um bem de


determinado patrimônio e outro entrou, a questão é que esse caso não é evidente.
Nos casos das alíneas a) e b) existe uma conexão ostensiva, a troca direta, visto
que procedem do mesmo facto jurídico. Na alínea c) não há conexão ostensiva,
mas aquisição de um bem com dinheiro próprio > situação de emprego ou de
reemprego (sub-rogação real indireta).

Exemplo 3: uma pessoa compra um carro antes do casamento e depois de


casada vende o carro, mas utiliza o produto da venda desse carro para comprar
outro. Isso significa que, segundo a regra geral, estaríamos diante de um bem
comum (bem adquirido onerosamente na constância do casamento), mas de
acordo com esse artigo será preservada sua qualidade de bem próprio.

Para proteção da confiança os bens adquiridos irão manter a qualidade de


bens próprios, desde que a proveniência do valor seja mencionada no documento
de aquisição e que haja intervenção de ambos os cônjuges. Na falta desta menção

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o bem é considerado comum, visto que para conservar a qualidade de bem


próprio há que respeitar essas exigências.

Nesse caso, o intuito da norma, conforme defende o Doutor Guilherme de


Oliveira, é o da necessidade de proteger os terceiros que confiam na presunção
de comunhão estabelecida no art. 1724.º/b. Na verdade, os terceiros que veem
entrar um bem novo para o casala, a título oneroso, confiam em que esse bem
entrou para o patrimônio comum. Assim, para que o bem não entre para o
patrimônio comum, é necessário que os terceiros tenham um meio fidedigno de
afastar a sua expectativa normal; este meio é a declaração inequívoca dos dois
cônjuges, no momento do ato, acerca da proveniência dos valores mobilizados
para a aquisição.

O Doutor Pereira Coelho entende, por outro lado, que não estando em
causa o interesse de terceiros, mas única e simplesmente o dos cônjuges, nada
parece impedir que a conexão entre os valores próprios e o bem adquirido seja
provada por qualquer meio.

No entanto, começaram a surgir questões em relação à ratio desta norma


e ao facto dessas exigências serem feitas nas relações entre os cônjuges. Assim, o
STJ em 2015 veio, num Acórdão de uniformização de jurisprudência, sufragar a
posição defendida pelo Doutor Pereira Coelho. Sendo assim, na relação entre os
cônjuges a prova da proveniência do dinheiro pode ser feita por qualquer meio e,
com isso, independentemente de ter sido mencionada ou não a aquisição por
ambos os cônjuges no documento constitutivo o bem pode ser considerado como
bem próprio.

Continuando a matéria da comunhão de adquiridos, veremos mais uma


situação duvidosa, a qual vem prevista no artigo 1726.º. O que ocorre quando,
durante a constância do casamento, os bens são adquiridos em parte com
dinheiro próprio e em parte com dinheiro comum? Os referidos bens irão
revestir a natureza da mais valiosa das duas prestações, cabendo compensação
devida pelo patrimônio comum aos patrimônios próprios no momento da
dissolução e partilha da comunhão (e vice-versa).

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Além disso, o art. 212.º prevê a definição de frutos, diante da qual podemos
retirar que os frutos têm qualidade de bens comuns apesar de serem provenientes
de bens próprios.

Os bens considerados próprios na comunhão de adquiridos o podem ser


por natureza, por vontade dos nubentes (art. 1698.º) ou por disposição da lei
(art. 1733.º). Contudo, toda incomunicabilidade prevista no regime do art.
1733.º também se aplicará à comunhão de adquiridos. O artigo 1733.º traz uma
lista de bens incomunicáveis, isto é, bens excetuados da comunhão.

Ainda temos aqui os bens comuns, os quais são:


• Produto do trabalho dos cônjuges (art. 1724.º), quer seja um trabalho
independente ou não;
• Bens adquiridos na constância do casamento, não excetuados por lei (art.
1724.º/b), os quais são aqueles que acabamos de tratar;
• Bens adquiridos na constância do casamento a título oneroso (exceções).

Havendo dúvida sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes se


presumem comuns (presunção de comunicabilidade) e, ainda, temos que retirar
consequências relativamente aos bens próprios de acordo com os arts. 1724,
1726.º.

Portanto, os bens próprios serão:

• Bens que os cônjuges levam para o casamento (art. 1722.º/1/a): bens


cujo título de aquisição seja anterior à data em que a comunhão se
constituiu;
• Bens que advieram a cada cônjuge por sucessão ou doação (art.
1722.º/1/b): não resultam do esforço partilhado dos cônjuges que justifica
comunhão de adquiridos;
• Bens adquiridos na constância do matrimônio por direito próprio
anterior (art. 1722.º/1/c);

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• Bens sub-rogados no lugar de bens próprios (art. 1723.º): os bens


adquiridos tomam o lugar dos anteriores, sendo que podemos ter casos de
sub-rogação real (saem determinados bens do patrimônio, mas outros
entraram) quando haja troca direta e alienação de bens próprios quanto
ao respectivo preço; ou sub-rogação indireta (reemprego – mesmo bem);
• Bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos
cônjuges e, noutra parte, com dinheiro ou bens comuns, se aquela for a
prestação mais valiosa (art. 1726.º);
• Bens indivisos adquiridos, em parte, por um dos cônjuges, que deles já
tinha outra parte (art. 1727.º);
• Bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios e que não
possam considerar-se como frutos destes (art. 1728.º/1);
• Bens considerados próprios por natureza, por vontade dos nubentes, ou
por disposição da lei: distinções honoríficas, bens considerados
incomunicáveis em convenção antenupcial e bens a que a lei atribui a
qualidade imperativa de bens próprios (art. 1733.º), respectivamente;

➔ Bens comuns
Estão presentes nos artigos 1724.º a 1726.º do C.C., sendo que podemos retirar
então que são bens comuns:

• O produto do trabalho dos cônjuges (art. 1724.º/a): nesse caso estamos


lidando com todos os proventos auferidos por trabalho dependente ou
independente, bem como as prestações retribuídas com prêmios de
produtividade laboral e prêmios que impliquem contraprestação de
esforço (competições desportivas ou concursos televisivos) e também os
substitutos de salários, tais como a reforma;
• Bens adquiridos na constância do matrimônio, que não sejam excetuados
por lei (art. 1724.º/b): bens adquiridos a título oneroso, por formas de
aquisição originária (ocupação, acessão e usucapião), bens doados ou
deixados aos dois cônjuges (art. 1729.º com respeito à vontade do
disponente – com exceção de quando a liberalidade é feita no âmbito da
legítima a que um dos cônjuges tem direito). É preciso aqui que a
transmissão da propriedade ocorra dentro do casamento;

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• Frutos e rendimentos dos bens próprios e valor das benfeitorias úteis


feitas nestes bens: frutos naturais e civis; e apenas benfeitorias úteis,
porque as necessárias incorporam-se na coisa e passam a pertencer ao
titular do bem próprio e as benfeitorias voluptuárias não aumentam, por
definição, o valor da coisa;
• Bens móveis, salvo prova em contrário;
• Bens sub-rogados no lugar de bens comuns: lei estabelece a presunção de
que se trata de um bem comum sempre que os cônjuges não consigam
vencer as dúvidas que haja em algum caso concreto (art. 1725.º);
• Bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos
cônjuges e, noutra parte, com dinheiro ou bens comuns, se esta for a
prestação mais valiosa.
| Comunhão geral
Teremos o regime da comunhão geral a vigorar em determinado casamento se
este foi celebrado antes de 1966 (alteração do regime supletivo) ou se depois de
1966 os nubentes o elegeram. Irá vigorar então:

• Quando estipulado pelos nubentes;


• Como regime supletivo ou convencional, nos casamentos celebrados até 31
de maio de 1967.

O regime da comunhão geral é o mais comunitarista, o que significa que o


patrimônio comum é constituído por todos os bens presentes e todos os bens
futuros dos cônjuges que não sejam excetuados por lei > tudo que veio ao
casamento, tudo que é produto do trabalho, tudo que é adquirido a título gratuito
e oneroso e tudo que foi adquirido ao longo do casamento.

Cada um deles conserva o domínio e a fruição de todos os seus bens


presentes de futuros, de que pode dispor de livremente. A separação não
é só de bens, mas também de administração e disposição dos seus bens
próprios, com exceção de certas privações de liberdade em casos que
envolvam a casa de morada de família e os móveis usados na vida do lar
ou como instrumentos de trabalho.

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A regra geral é então que tudo entra no bolo comum, sendo que as exceções
constam do art. 1733.º.

Há, ainda, o caso de imperatividade absoluta previsto no art. 1720.º/1,


em que o regime da separação precisa vigorar.

Sendo assim, podemos dizer que não há aqui bens comuns, mas claro que
pode haver, e normalmente haverá, bens que pertençam a ambos os cônjuges
em compropriedade, e em relação aos quais, portanto, qualquer deles pode
pedir a divisão a todo tempo (art. 1412.º), através do processo de divisão de
coisa comum. A lei ainda estabelece a presunção de compropriedade dos móveis
(art. 1736.º/2).

Por fim, o art. 1734.º ainda estipula que à comunhão geral de bens são
aplicadas as disposições relativas à comunhão de adquiridos. Isto significa que as
matérias tratadas de forma mais densa na comunhão de adquiridos relevam aqui
no regime da comunhão geral.

3) Separação de bens
Tanto no regime da comunhão de adquiridos quanto no regime da comunhão
geral temos 3 patrimônios diferentes (3 massas patrimoniais): um patrimônio em
comum, um patrimônio de um cônjuge e outro patrimônio de outro cônjuge. O
patrimônio em comum é objeto de tratamento específico do sistema jurídico.
Quando chegamos ao regime da separação de bens isto não ocorre, pois nele só
temos dois patrimônios: o patrimônio de um cônjuge e de outro, não há aqui
qualquer patrimônio comum (art. 1735.º).

Cada um dos esposados conserva o domínio e fruição de todos os seus bens


presentes e futuros, podendo dispor deles livremente.

Diante deste regime podemos dizer que os cônjuges querem ser tratados
como se estranhos fossem do ponto de vista patrimonial.

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Assim, há aqui uma ideia de separação de bens, pois os bens que vão ao
casamento e os adquiridos posteriormente continuam na titularidade de cada
cônjuge. Além disso, ainda há uma ideia tendencial de poder livremente dispor
dos respectivos bens.

No entanto, o poder é meramente tendencial, visto que há limitações ao


poder de dispor livremente dos bens. O artigo 1682.º/2 é um exemplo, visto que
mesmo no regime da separação de bens há proteção da casa de morada de família,
não havendo liberdade de dispor, isto ocorre com o intuito da vida em comum.

Ademais, o art. 1729.º ainda estipula situações em que há imperatividade


absoluta do regime da separação de bens (não é livre de críticas, principalmente
em relação à alínea b) que suscita questões discriminatórias de
inconstitucionalidade).

Dessa forma, em relação à separação de bens podemos dizer que não há


bens comuns, mas bens próprios de cada um dos cônjuges. Com isso, podemos
nos perguntar como isso é possível, quantas vezes não há aquisição de bens em
conjunto? Bom, não há bens comuns, mas continua a existir a figura da
compropriedade, pelo que os cônjuges permanecem neste regime! Quando haja
dúvidas da propriedade exclusiva os bens ter-se-ão como pertencentes em
compropriedade a ambos (presunção).

Composição das massas patrimoniais:


• Bens próprios de cada um dos cônjuges;
• Não há bens comuns, pode haver bens que pertencem a ambos em
compropriedade;
• Prova da propriedade dos bens (art. 1736.º).

ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DO CASAL

Ab initio, vale mencionar que algumas das posições atuais do Código Civil são
posições relativamente ao regime passado anterior a 1967 em que o marido era o
administrador dos bens do casal, inclusive os da mulher. Este critério se tornou

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insustentável face ao princípio da igualdade dos cônjuges constitucionalmente


previsto, pelo que boa parte das alterações de 77 teve como objetivo estabelecer a
igualdade de cônjuges.

| Efeitos patrimoniais do casamento


Falamos de um regime específico de administração dos bens porque há, no fundo,
uma categoria de bens que só existe no âmbito da relação matrimonial, que são
os bens comuns e os bens próprios – “comunhão de vida”.

NOTA! Os bens próprios envolvem uma maior comunhão de vida porque há


situações em que um cônjuge pode administrar bens próprios de outros.

Assim, vale dizer que essas regras são imperativas e envolvem a concessão
de poderes de administração por via do mandato. Contudo, essa concessão de
poderes não pode ser irrevogável (legislador proíbe concessão irrevogável). O
receio foi que entrasse pela via da concessão a possibilidade de administração de
bens sem respeito ao princípio da igualdade dos cônjuges.

Vejamos então as regras gerais de administração, que precisam ser


distinguidas quanto aos bens próprios e bens comuns (art. 1678.º).

➔ Bens próprios
Quanto aos bens próprios cada um dos cônjuges possui a sua administração
(regra), contudo, há exceções:
Artigo 1678.º
(Administração dos bens do casal)

1. Cada um dos cônjuges tem a administração dos seus bens próprios.


2. Cada um dos cônjuges tem ainda a administração:
a) Dos proventos que receba pelo seu trabalho;
b) Dos seus direitos de autor;
c) Dos bens comuns por ele levados para o casamento ou adquiridos a título gratuito depois do casamento, bem
como dos sub-rogados em lugar deles;
d) Dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da administração do outro
cônjuge, salvo se se tratar de bens doados ou deixados por conta da legítima desse outro cônjuge;
e) Dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como instrumento de
trabalho;
f) Dos bens próprios do outro cônjuge, se este se encontrar impossibilitado de exercer a administração por se achar
em lugar remoto ou não sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que não tenha sido conferida procuração

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bastante para administração desses bens;


g) Dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato esse poder.
3. Fora dos casos previstos no número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de
administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes actos de administração só podem ser
praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.

Exemplo: um dos cônjuges é artista plástico e trabalha com uma pensa que o
outro cônjuge levou ao casamento. O bem é próprio de um cônjuge, mas
administrado por outro.

Na alínea f) temos ainda dever de cooperação e também novo regime do


maior acompanhado.
E na alínea g) há a previsão de que cada um dos cônjuges pode conceder
por mandato o poder do outro administrar bens próprios (poderia fazer a um
terceiro também). Pode, inclusivamente, haver co-administração por via do
mandato.

➔ Bens comuns
Vigora nesse caso a regra da administração conjunta, diante da qual ambos os
cônjuges administram os bens comuns. A regra é a da administração conjunta
prevista no art. 1678.º/3.

Contudo, a referida regra não é livre de exceções. Vejamos:

• 1.ª exceção: em relação aos atos de administração ordinária relativamente


a bens comuns do casal qualquer um dos cônjuges possui legitimidade
para os praticar. Há aqui uma concessão de poderes de administração
ordinária a qualquer um dos cônjuges em que vale o primeiro ato e os
terceiros podem pedir a intervenção de ambos. Há um desvio dessa
administração ordinária quanto às quotas sociais que sejam bens comuns
dentro do direito da sociedade (art. 8.º CSC);
• 2.ª exceção: cada um dos cônjuges tem ainda a administração dos
proventos que receba do seu trabalho. Esforço comum dos cônjuges que,
apesar de reverter para o patrimônio comum dos cônjuges, existe um nexo
entre o cônjuge trabalhador e os proventos que recebe do trabalho;

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• 3.ª exceção: direitos de autor;


• 4.ª exceção: bens comuns levados para o casamento ou adquiridos a título
gratuito depois do casamento, bem como dos sub-rogados em lugar deles;
• 5.ª exceção: dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos com
exclusão da administração do outro cônjuge;
• 6.ª exceção: bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele
exclusivamente utilizados como instrumentos de trabalho.
• 7.ª exceção: bens próprios do outro cônjuge, se este se encontrar
impossibilitado de exercer a administração por se achar em lugar remoto
ou não sabido ou por qualquer outro motivo (a lei apenas menciona bens
próprios e não bens comuns nesse caso);
• 8.ª exceção: dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por
mandato (também a lei só menciona bens próprios).

Agora precisamos tratar dos poderes do cônjuge administrador, os quais


podem ser, em primeiro lugar, poderes de mera administração, diante do qual
podemos tratar dos depósitos bancários (art. 1680.º). Nas relações com o banco
é possível movimentar livremente o depósito, mas ele continua a fazer parte do
bolo comum > qualquer que seja o regime de bens, pode cada um dos cônjuges
fazer depósito bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente.

Dessa forma, é preciso analisar o que ocorre quando há má administração


por parte dos cônjuges, isto é, em que termos existe a responsabilidade pela
administração (art. 1681.º). Existem aqui regimes diferentes:

• Casos em que o cônjuge tem poder, por força da lei, para administrar
bens que não são seus (art. 1678.º/2/a/b/c/d/e/f).

Artigo 1681.º
(Exercício da administração)

1. O cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas
a) a f) do n.º 2 do artigo 1678.º, não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde
pelos actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge.

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Discute-se se há omissões ou se são meramente culposos, sendo que há


cada vez mais certa imunidade dos cônjuges em relação à administração dos bens
do casal.

2. Outros casos em que não há atribuição por força da lei em termos de


administração, casos estes em que há uma responsabilidade mais ampla

2. Quando a administração, por um dos cônjuges, dos bens comuns ou próprios do outro se fundar em
mandato, são aplicáveis as regras deste contrato, mas, salvo se outra coisa tiver sido estipulada, o cônjuge
administrador só tem de prestar contas e entregar o respectivo saldo, se o houver, relativamente a actos
praticados durante os últimos cinco anos.

O regime geral é o regime do mandato e a exceção é a prestação de contas somente


nos últimos 5 anos. Nesse caso há uma base no mandato.
3. Se um dos cônjuges entrar na administração dos bens próprios do outro ou de bens comuns cuja
administração lhe não caiba, sem mandato escrito mas com conhecimento e sem oposição expressa do outro
cônjuge, é aplicável o disposto no número anterior; havendo oposição, o cônjuge administrador responde
como possuidor de má fé.

Nesse caso não há uma base no mandato, por isso podemos falar em casos de
administração abusiva, diante da qual teremos que distinguir aquela que é
tolerada pelo outro cônjuge e aquela que é feita em oposição ao outro cônjuge. Se
for tolerante aplica-se o regime do mandato e há prestação de contas, mas só
relativamente aos últimos 5 anos. Se for uma administração abusiva sem a lei
prever, sem mandato e com oposição do outro cônjuge, o cônjuge administrador
abusivo irá responder por má fé (regras de má fé de direito das coisas > restituir
os frutos, perde direito às benfeitorias etc.).

Posto isso, é preciso determinar as situações em que, havendo


responsabilidade, queremos saber qual patrimônio irá integrar o crédito da
indenização. Bom, se for um dano em um bem próprio o crédito será
incomunicável por natureza e não há tantos problemas. Contudo, se o dano disser
respeito a bens comuns podemos configurar duas soluções possíveis: ou que
pertence ao patrimônio comum ou que o cônjuge administrador irá responder
apenas por metade do dano (integra o patrimônio próprio, mas só o
correspondente a metade do dano).

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Quanto ao momento para exigir o pagamento do crédito podemos pensar


que é uma questão muito discutida. Se se remeter para o momento da partilha,
decorre a prescrição; se se considerar que é imediatamente exigível, antecipar-
se-ia relativamente ao momento da partilha.

Outro meio de reação relativamente a uma má administração é a simples


separação judicial de bens (art. 1767.º) em que qualquer um dos cônjuges pode
requerer a simples separação judicial de bens quando estiver em perigo de
perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge.

Por fim, precisamos referir também a situação dos poderes do cônjuge não
administrador (art. 1679.º). Existe essa possibilidade apenas para situações
temporárias e pontuais e que se aproxima muito da figura da gestão de negócios.

ILEGITIMIDADES CONJUGAIS

| Introdução

Agora iremos perceber que há determinadas matérias relativamente as quais


vigora uma interdição de concluir negócios jurídicos, nomeadamente as
ilegitimidades conjugais.

De antemão, é preciso diferenciar as incapacidades das ilegitimidades.


Nas incapacidades há uma limitação de conclusão de negócios a fim de proteger
a pessoa sujeita a acompanhamento ou o menor. Não é, entretanto, o que ocorre
quando falamos em ilegitimidades conjugais. Nas ilegitimidades conjugais há
uma tutela de interesses alheios, ou seja, há uma limitação relativamente à
conclusão de negócios jurídicos em atenção aos interesses do outro cônjuge ou
interesses gerais de família.

As ilegitimidades conjugais resultam de um modo de ser para com os outros,


o que quer dizer que é preciso o consentimento do outro cônjuge para que um
negócio jurídico seja concluído a fim de proteger os interesses alheios.

O art. 1682.º-A traz os negócios que carecem do consentimento de


ambos os cônjuges, salvo se entre esses vigorar o regime da separação de bens.

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Dessa forma, se os cônjuges não estiverem casados sob a égide do regime da


separação de bens, é necessário o consentimento de ambos para (âmbito dos
regimes de comunhão):

• Alienar bens imóveis próprios ou comuns: particular relevância da


riqueza imobiliária. A alienação de um bem imóvel próprio pode ter
consequências a nível patrimonial para outro cônjuge, uma vez que deixa
de produzir frutos que ingressariam no patrimônio comum;
• Onerar bens imóveis próprios ou comuns (constituição de direitos
pessoais de gozo ou garantia), arrendamento ou constituição de
outros direitos pessoais de gozo: se a obrigação que é garantida não
for cumprida o bem pode ser alienado em sede de ação executiva, o
arrendamento também envolve uma privação das capacidades do
proprietário e em relação aos direitos pessoais de gozo também envolvem
limitações;
• Alienar o estabelecimento comercial próprio ou comum;
• Onerar ou locar o estabelecimento, próprio ou comum;
• Alienar a casa de morada de família: essa exigência não vigora
somente no regime da comunhão, mas também na separação de bens.
Carece SEMPRE do consentimento de ambos os cônjuges. Há uma
extensão da rede protetora da casa de morada de família até o regime da
separação de bens. Um ou ambos os cônjuges são proprietários e o cônjuge
proprietário não pode dar de arrendamento a casa de morada de família
sem o consentimento do outro cônjuge (os cônjuges habitam a casa de
morada de família enquanto titulares de um direito de propriedade);
• Dispor do direito ao arrendamento da casa de morada de
família (art. 1682.º-B): diferentemente do art. 1682.º-A, aqui a casa de
morada de família é habitada a outro tipo, ou seja, os cônjuges são
arrendatários. O que está em causa é a disposição do direito ao
arrendamento. Discute-se até se não devedor estender essa normal à casa
habitada a outro tipo de contrato;
• Alienar móveis próprios ou comuns utilizados conjuntamente
na vida do lar (art. 1682.º/3/a): devemos estender a tutela a móveis
utilizados ou por filhos ou por outros familiares (ideia de recheio da casa).

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Tem-se defendido que não devemos ter uma interpretação minimalista


deste artigo, pelo que consideramos bens essenciais à vida no lar. O critério
aqui é mais apertado, pelo que podemos tomar como referência os artigos
2103.º-A e 2103.º-C do C.C.;
• Alienar móveis próprios ou comuns utilizados conjuntamente
como instrumento comum de trabalho (art. 1692.º/3/b): é
possível que um membro utilize um instrumento de outro cônjuge como
instrumento próprio de trabalho;
• Alienar bens móveis próprios ou comuns de que não seja
administrador (art. 1678.º/2/e);
• Repudiar heranças ou legados: implica não aceitar um benefício, pois
o repúdio se traduz em uma verdadeira perda patrimonial >> apesar de
não entrar no patrimônio comum, temos o argumento dos frutos.

Há, no entanto, casos de dúvida e fronteira, tais como:

• Celebração do contrato-promessa: com a celebração do contrato-


promessa não existe a transmissão de um direito real, pelo que não faz
sentido fazermos ingressá-la aqui na proibição do 1682.º-A.

Dessa forma, os efeitos do consentimento são:

• Quando o outro cônjuge não tem legitimidade para prática dos


atos: validar os atos;
• Quando o outro cônjuge tem legitimidade para a prática dos
atos: responsabilizar o cônjuge que a concede.

Quando o consentimento é necessário e não é prestado o ato é inválido,


mas em casos de injusta recusa ou de impossibilidade por prestar pode haver o
suprimento judicial do consentimento (art. 1684.º) – aqui podemos falar das
questões de incapacidade e ausência (Decreto 272/2001).

Assim, se o consentimento era necessário e não é suprido, os atos


praticados contra o disposto nos artigos que vimos serão inválidos, ou seja, serão
anuláveis (art. 1687.º). São atos suscetíveis de serem sanados mediante

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confirmação expressa ou tácita, mas são inválidos. Quem tem legitimidade para
arguir a anulabilidade é o cônjuge que não deu o consentimento ou os herdeiros.

O prazo está previsto no art. 1687.º/2: seis meses subsequentes à data


em que o requerente teve conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos
três anos sobre a sua celebração. Imagine que o ato foi celebrado em 01/01/2017
e nesta semana o cônjuge sabe que o bem foi alienado sem o seu consentimento
>> ato anulável que o referido cônjuge que não deu o consentimento pode
requerer. Como ainda não passaram 6 meses relativamente à data de
conhecimento, poderia fazer; mas já passaram 3 anos sobre a celebração, o que
nos faz concluir que a anulação do ato não pode ser requerida. Há um regime
especial para proteção do adquirente de boa fé (art. 1687.º/3).

Além disso, o art. 1687.º/4 aplica à alienação ou oneração de bens próprios


do outro cônjuge feita sem legitimidade as regras relativas à alienação de coisa
alheia. É preciso recorrer ao art. 892.º: atos nulos.

| Poderes de disposição

Poderes de disposição inter vivos

➔ Bens imóveis

1. No regime de comunhão:

• Os cônjuges no podem dispor dos seus bens próprios nem dos bens
comuns sem consentimento do outro (art. 1682.º-A/1/) – anulabilidade
(art. 1687.º/1);
• Nõ podem dispor dos bens do outro – nulidade (art. 892.º e 1687.º/4).

2. No regime da separação:

• Há poderes de livre disposição dos bens próprios (art. 1682.º-A/1/a);


• Não pode dispor dos bens do outro – nulidade (art. 892.º e 1687.º/4).

➔ Bens móveis

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1. No regime da comunhão

• Livre disposição dos bens próprios e dos bens comuns que administre,
salvo nos casos do art. 1682.º/3/a;
• Alienação de móveis próprios/comuns que não administre + bens do art.
1682.º/3/a – anulabilidade (art. 1687.º/1);
• Não pode dispor de bens próprios do outro – nulidade/anulabilidade,
salvo art. 1682.º/3/b.

2. No regime da separação

• Livre disposição dos bens próprios, se os administra, salvo nos casos do


art. 1682.º/3/a;
• Não pode dispor dos bens do outro – nulidade (art. 892.º e 1687.º/4).

Poderes de disposição mortis causa (art. 1685.º)

Cada um dos cônjuges tem faculdade de dispor, para depois da morte, quer dos
bens próprios, quer dos bens comuns de acordo com a sua meação. Contudo, há
casos que os cônjuges não sabem quais são os bens que integrarão a sua meação,
pelo que teremos que ver regras especiais. Há aqui uma liberdade plena com
limite de que cada um só pode dispor do que é seu.

RESPONSABILIDADE POR DÍVIDA DOS CONJUGES

| Introdução
Temos aqui um regime especial face ao direito comum, porque um dos cônjuges
pode ser responsabilizado pela dívida que é do outro.

O art. 1690.º é o propulsor neste capítulo, sendo que prevê que qualquer
um dos cônjuges detém legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento
do outro cônjuge (Lei 9/2010). A data relevante é a do facto que deu origem à
dívida. No entanto, podemos ter ainda dívidas contraídas com o consentimento
do outro.

1. Dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges

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1.1. Dívidas contraídas antes ou depois da celebração do casamento


pelos dois cônjuges ou por um deles com o consentimento do outro
(art. 1691.º/1/a)
Essas dívidas irão responsabilizar ambos os cônjuges, sendo que aqui não há
suprimento judicial do consentimento, visto que o suprimento é necessário para
as situações em que a lei exige o consentimento e faz depender a validade do ato
da prestação do consentimento, sendo que o que está em causa é a
responsabilização e não a validade do ato.

1.2. Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges antes ou depois da


celebração do casamento para ocorrer aos encargos normais da vida
familiar (art. 1691.º/1/b)
Essas dívidas irão responsabilizar ambos os cônjuges também. Estamos aqui
perante dívidas, em qualquer regime de bens, que se destinam a ocorrer a
despesas que geralmente são correntes ou periódicas, como alimentação,
vestuário, saúde etc. Pode, entretanto, não ser uma dívida periódica, pois pode
ser, por exemplo, uma despesa de saúde.

1.3. Dívidas contraídas na constância do matrimonio pelo cônjuge


administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus
poderes de administração (art. 1691.º/1/c)
Responsabilizam ambos os cônjuges, sendo que o conceito de proveito comum
não se presume, pois é preciso fazer prova do proveito comum. Como iremos
determinar se estamos perante proveito comum? Afere-se pelo fim visado e não
pelo resultado. Interesse material ou econômico + moral ou intelectual.

Dessa forma, é preciso aqui existir uma intenção objetiva de proveito comum.
Não é suficiente a intenção subjetiva do agente. É preciso invocar o padrão de
uma pessoa média. Assim, uma dívida que é contraída pelo cônjuge
administrador no limite dos seus poderes de administração e no proveito comum
do casal é uma dívida que responsabiliza ambos os cônjuges, independentemente
do consentimento do outro.

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1.4. Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do


comércio (art. 1691.º/1/d)
O que está aqui em causa é a tutela do comércio, no fundo a garantia patrimonial
dos credores. Isto porque o facto de uma dívida ser da responsabilidade de ambos
os cônjuges aumenta a garantia dos credores e facilita a obtenção de crédito.
Responde então a totalidade do patrimônio comum e os bens próprios de cada
cônjuge, pelo que há aqui uma garantia muito mais sólida se a dívida for da
responsabilidade de ambos os cônjuges.

Para que o legislador tenha levado a cabo essa tutela do comércio foi preciso
sacrificar os interesses do cônjuge do comerciante, que ficou sujeito a riscos.

Existe aqui, no entanto, um afastamento da comunicabilidade da dívida se houver


demonstração de que a dívida não foi contraída no exercício do comércio e se
vigorar o regime da separação de bens. Assim, concluímos que é mais arriscada a
dívida no exercício do comércio no regime da comunhão de bens do que no da
separação de bens, pois na separação um não é afetado pelos riscos ou insucessos
do outro, nomeadamente porque também não beneficia do sucesso da atividade
comercial. É muito relevante ao nível da responsabilidade por dívidas o regime
de bens!

1.5. Dívidas que oneram doações, heranças ou legados, quando os


bens tenham ingressado no patrimônio comum (art. 1691.º/1/e e
1693.º/2)

1.6. Dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos


cônjuges, em proveito comum do casal, no âmbito do regime da
comunhão geral de bens (art. 1691.º/2)
Essas dívidas irão responsabilizar ambos apenas se o regime for da comunhão
geral, sendo que nos outros regimes a responsabilidade é exclusiva do cônjuge
que a contraiu. Somente no regime da comunhão geral há uma extensão da dívida
contraída, pois todos os bens levados ao casamento irão integrar o patrimônio
comum.

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1.7. Dívidas que oneram bens próprios de um dos cônjuges quando


tenham por causa a percepção dos respectivos rendimentos, nos
regimes de comunhão
Exemplo: bem imóvel próprio de um cônjuge que é arrendado e há impostos
sobre o rendimento quanto às respectivas rendas (IRS). Apesar do bem
arrendado ser propriedade comum, os frutos dos bens próprios irão integrar o
patrimônio comum nos regimes de comunhão, sendo assim ambos os cônjuges
irão responder por essas dívidas.

➔ Quais bens respondem quando as dívidas são da responsabilidade de


ambos? Artigo 1695.º!!!

Responde o patrimônio comum do casal e, na falta ou insuficiência deles,


solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges nos regimes de
comunhão (n.º 1).

Contudo, no regime da separação de bens, a responsabilidade dos cônjuges


não é solidária (n.º 2). Nos regimes de separação não podemos seguir o n.º 1, já
que não há patrimônio comum, pelo que a responsabilidade será então parciária.
É preciso respeitar a quota de responsabilidade de cada um dos cônjuges.

2. Dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges

2.1. Dívidas contraídas por cada um dos cônjuges sem o


consentimento de outro (art. 1692.º/a)
Essas dívidas podem ser anteriores ou posteriores à celebração do casamento e
excluem-se os casos das alíneas b) e c) do art. 1691.º/1.

2.2. Dívidas provenientes de crimes ou de outros factos imputáveis a


um dos cônjuges (art. 1692.º/b)
Aqui falamos de dívidas provenientes de crimes, indemnizações, restituições,
custas judiciais ou multas devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges.
Há, no entanto, uma exceção: factos que impliquem responsabilidade meramente

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civil e estejam abrangidos pelo art. 1691.º/1 ou 2 >> factos praticados por um dos
cônjuges em administração e em proveito comum do casal.
Exemplo: um dos cônjuges contrata serviços para ajuda doméstica de uma
pessoa, a qual se lesiona na prática do trabalho doméstico. Responsabilidade
meramente civil que foi contraída em proveito comum do casal.

2.3. Dívidas que oneram bens próprios de qualquer dos cônjuges (art.
1692.º)

2.4. Dívidas que oneram doações heranças ou legados quando os


respectivos bens sejam próprios independentemente do
consentimento (art. 1693.º/1)

➔ Quais bens respondem? Artigo 1696.º!

Respondem aqui os bens próprios e, subsidiariamente, a meação dos bens


comuns. Irão, no entanto, responder nos mesmos termos bens que não integrem
o patrimônio comum dos cônjuges, conforme artigo 1696.º/2.

Claro que há aqui mecanismos de reequilíbrio, nomeadamente aqueles previstos


no art. 1697.º, que serão dados pelas compensações.

3. Resultados práticos do regime substantivo em função do regime


processual
Ora, podemos ter uma execução que é movida contra um dos cônjuges em que
podem ser penhorados bens comuns do casal (art. 740.º do CPC). O cônjuge
do executado tem que requerer, nesse casos, a separação de bens para que se
separem as meações. Caso não haja separação das meações, há execução sobre os
bens comuns. Se for requerida a separação, faz-se a partilha e a execução fica
suspensa, havendo outra nova apreensão.

Se temos uma execução movida apenas contra um dos cônjuges o


exequente pode alegar, quando o título executivo não seja uma sentença, que a

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dívida seja comum (art. 741.º CPC). O executor tem o interesse que a dívida seja
comum e não própria por conta de haver uma garantia mais ampla.

Também pode ser suscitado o incidente de comunicabilidade pelo próprio


cônjuge executado quando o título executivo não for uma sentença (art. 742.º
CPC).

Temos aqui um regime substantivo, mas um regime processual (como


exequente e executado podem reagir face ao regime substantivo para que a
responsabilidade se concretize nos termos acima vistos) que pode fazer com que
tenhamos um desfecho diferente do dado pelo regime substantivo (diz quais bens
respondem, por quais dívidas e qual a responsabilidade).

DIREITO DAS SUCESSÕES

| Noção geral e justificação do fenômeno da sucessão por morte


Enquanto no direito da família temos permanentemente alterações legislativas
acerca da matéria, no direito das sucessões temos uma relativa rigidez, já que é
um direito muito estrutural e os vários institutos estão imbricados uns nos outros.
A grande reforma do Direito das Sucessões ocorreu em 1967 para cumprir as
novas diretrizes constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade entre
os cônjuges.

De antemão, é preciso analisar o momento em que cessa a personalidade


jurídica. De acordo com o art. 68.º/1 do C.C. a personalidade jurídica cessa
com a morte, sendo que as relações jurídicas de que o de cujus era titular deixam
de ter sentido. Por isso, iremos tratar do fenômeno sucessório, que é todo o
processo e sucessão de atos que ocorrem desde a morte do de cujus até assumirem
um novo titular (passagem da herança do de cujus para os seus sucessores).

Extinguindo a personalidade jurídica do falecido (art. 68.º/1 do C.C.), a


morte abre uma crise nas relações jurídicas de que ele era titular e que devam
sobreviver-lhe. Essas relações desligam-se do seu primitivo sujeito, à morte
deste, e até que se liguem a novo sujeito é necessário que ocorra uma série de

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atos ou factos que se encadeiam num processo mais ou menos longo (fenômeno
sucessório).

Com isso, podemos afirmar que, independentemente do modelo


sucessório em causa (que varia de legislação para legislação), existe uma massa
de direitos e obrigações que não se extinguem aquando da morte do seu titular e
por isso irão perdurar para além da mesma (e inclusive ocasionaria situações
inaceitáveis).

Dessa forma, encontraremos no fenômeno sucessório alguns momentos


que são essenciais e outros eventuais. Os essenciais são: abertura da sucessão,
vocação ou chamamento dos sucessores e a aquisição sucessória (dada pela
aceitação). A aceitação tem efeitos retroativos, o que quer dizer que irá se reportar
à data da morte do de cujus, que é a data da abertura da sucessão (no direito
brasileiro fala-se em renúncia – resposta negativa ao chamamento – e vigora o
princípio da saisine, que faz com que a partir do momento da morte haja
titularidade dos sucessores).

Os momentos eventuais, por sua vez, são a petição, alienação,


administração, liquidação e partilha da herança. A partilha só existe se tivermos
mais que um herdeiro, pois caso haja apenas um herdeiro não há o que fazer.

No fundo, podemos qualificar o percurso do fenômeno sucessório da


seguinte forma:

• Morte do de cuiús faz com que haja a abertura da sucessão;


• Chamamento (vocação sucessória);
• Herança fica jacente enquanto se aguarda resposta do chamamento;
• Se a resposta for positiva a herança fica como adquirida, o que não
significa que o fenômeno sucessório tem fim;
• Se os bens hereditários estiverem a ser possuídos por terceiro: verdadeiro
herdeiro terá de pedir a herança ao herdeiro aparente, a qual pode ser
alienada;

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• Se houver encargos ou mais que um herdeiro a herança terá de ser


administrada, conservando-a separada do patrimônio pessoal dos
sucessores a fim de que seja liquidada e partilhada entre os co-herdeiros;
• Partilha normaliza a situação e a crise fica finalmente superada.
Assim, o fenômeno sucessório existe para evitar situações inaceitáveis que
surgiriam se não houvesse continuidade das relações do de cujus após a morte,
como, por exemplo, a questão dos credores, uma vez que os devedores ficariam
liberados das suas dívidas em consequência do falecimento do credor (prejuízo
injusto). Há, então, uma preocupação em assegurar a continuação das relações
do de cuiús após a morte, assim evitando que essas relações se findem e causem
prejuízos sócio-econômicos.

Sendo assim, trata-se de uma sucessão em todas as relações jurídicas de


que era titular o falecido e que o legislador, segundo o seu critério, acha
conveniente que não se extingam, mas justamente perdurem para além da
morte do respectivo titular. Questão dos direitos reais limitados e das coisas
móveis, por exemplo.

| Conceito de sucessão – noção jurídica geral e elementos do conceito


Inicialmente, temos de tratar da noção jurídica de sucessão, a qual contém uma
grande amplitude. De acordo com o Doutor Pereira Coelho, sucessão, em geral,
não designa mais do que uma relação entre um prius e um posterius: uma
sequência de fenómenos diversos, ou de diversos momentos ou termos dum
curso ou processo desenvolvendo-se no tempo, se não até uma simples sequência
de momentos lógicos dum raciocínio.

Contudo, essa mesma definição acaba por desembocar em um conceito


amplo do fenômeno sucessório, o qual precisa ser reduzido a uma acepção mais
específica a fim de garantir somente a amplitude do conhecimento. É preciso
então ponderar o conceito de sucessão de pessoas, diante do qual uma pessoa
substitui ou sub-ingressa em determinada posição que outra pessoa ocupava –
posição de sujeito de uma relação jurídica.

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Podemos enunciá-la deste modo: há um fenómeno de sucessão sempre


que uma pessoa assume, numa relação jurídica que se mantém idêntica, a
mesma posição que era ocupada anteriormente por outra pessoa.

De acordo com a Doutora Paula Vítor, a noção jurídica de sucessão contém


dois elementos: 1) modificação subjetiva: uma pessoa substitui a outra dentro
da mesma relação (mudam os sujeitos, mas há uma possibilidade abstrata do
direito permanecer e conservar sua identidade); 2) relação jurídica se
mantém a mesma apesar da modificação operada: conservação da
identidade normativa (e não natural).

No fundo, há aqui uma pressuposição da não extinção da relação jurídica


de que se trata, pois o direito deve perdurar, deve continuar no seu percurso
vitalício a respirar, mesmo que em uma esfera diferente.

NOTA! Com conservação da identidade normativa temos, por exemplo,


a situação em que o direito de crédito do novo titular será o mesmo do antigo se,
sendo este condicional ou a termo, aquele também o for, se se mantiverem as
garantias que asseguravam o pagamento da dívida e as excepções ou meios de
defesa que podiam ser opostos ao antigo titular continuarem a poder ser
opostos ao novo titular; diz-se que o direito de propriedade do comprador é o
mesmo do vendedor porque, estando o prédio hipotecado ou onerado com uma
servidão, o comprador adquire o direito com estas mesmas limitações; etc.

| Referência às concepções subjetivas do direito subjetivo


O que veremos aqui é a legitimidade do conceito de sucessão para posteriormente
analisarmos a sua delimitação.

O conceito de sucessão pressupõe, assim, a não extinção da relação


jurídica de que se trata (ou, vistas as coisas só por este lado, do respectivo
direito), a abstracta possibilidade de o direito continuar a viver e manter
a sua identidade a despeito da modificação operada pela substituição do
sujeito. Ora para alguns — e a ideia não é nova — esta possibilidade não
existe.

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Segundo certa concepção doutrinal, todo o direito pressupõe um


dado sujeito, e se muda o sujeito (elemento essencial do direito) extingue-
se o direito. O que passaria para o novo titular não seria pois o direito,
mas apenas o seu objecto. O direito do novo titular seria sempre um
direito novo, embora de conteúdo igual ao do direito que se extinguiu.

E, assim, não seria legítimo falar-se em sucessão nos direitos. Mas


semelhante concepção não deve seguir-se.

A sucessão nos direitos só não seria possível se concebêssemos o


direito subjectivo como incindivelmente ligado a um determinado sujeito.
Assim, se na definição de direito subjectivo optássemos por aquela
doutrina que o concebe como poder de vontade, segundo a fórmula de
SAVIGNY e WINDSCHEID, certamente que não seria legítimo falar-se
em sucessão.

Nem a sucessão seria concebível se o direito subjectivo nos termos


da conhecida definição de VON IHERING, se identificasse com o interesse
juridicamente protegido: na realidade, e como relação quae inter est o
sujeito e o respectivo bem, o interesse ainda estará indissoluvelmente
ligado ao sujeito.

Mas as objecções precedentes perderão a sua razão de ser se


entendermos o direito subjectivo como estrutura objectiva, uma
estrutura de domínio ou de poder pela qual a Ordem jurídica reconhece
ou atribui a uma pessoa (o “sujeito do direito”) o senhorio de determinado
bem, material ou imaterial, um bem que assim como que se torna
pertença sua e de que ela poderá dispor com maior ou menor amplitude.

E tal é, segundo nos quer parecer, a concepção preferível do direito


subjectivo6 expressão jurídica daquele suum próprio — como escreve
CASTANHEIRA NEVES — porque se realiza a participação pessoal e a
afirmação da autonomia individual, como dimensão irredutível de toda

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a verdadeira comunidade de direito. Ora, concebido o direito subjectivo


como organização objectiva, não se vê porque não possa o sujeito do
direito dispor dele, transferindo para outrem aquela estrutura de
domínio ou de poder, como não se vê porque não possa a lei proceder
analogamente operando ela própria essa transferência.

Na verdade, e à luz da concepção exposta, o direito subjectivo será


afinal uma realidade objectiva, abstracta (independente da pessoa que
for seu titular em certo momento); mesmo que não se aceite a tese de que
pode haver direitos sem sujeito e a ligação com uma pessoa se lhe julgue
essencial, já não será essencial ao conceito de direito subjectivo a sua
ligação com uma determinada pessoa.

Assim, e quer se trate de sucessão ex voluntate quer ex lege, não


haverá qualquer impossibilidade lógica de um direito mudar de sujeito e
se transferir para outrem; essa impossibilidade, quando existir, só
poderá ser uma impossibilidade teleológica. Ou seja: tudo depende da
natureza e dos fins, segundo a lei, do direito de que se trata. Se este servir
finalidades estritamente pessoais, também se extinguirá quando se
extinguir a personalidade jurídica do sujeito. Terá assim de determinar-
se caso a caso — por interpretação ou integração das normas legais — o
teor da ligação entre o direito e o respectivo sujeito: normalmente essa
ligação é cindível, e por isso é possível a sucessão, mas outras vezes é
incindível e então a sucessão já é impossível.

| Identidade fundamental dos conceitos de sucessão e aquisição


translativa
Diante desse ponto de vista, exclui-se a aquisição originária do fenômeno
sucessório, já que falamos de uma continuidade de direitos. Na aquisição
originária, apesar de existir um direito adquirido na titularidade de outro sujeito,
não há uma identificação, isto é, o direito é considerado um direito novo que não
depende do direito anterior titular, mas apenas do facto aquisitivo.

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Vale, de antemão, lembrar que a aquisição derivada se funda num direito


do anterior titular cuja existência pressupõe, enquanto a aquisição originária
envolve a aquisição a que não preexiste qualquer direito de um anterior titular ou
a que preexiste um direito, mas que não depende deste direito. A derivada pode
ser:
• Translativa: direito adquirido é o mesmo direito que já pertencia ao
anterior titular e passa assim para o novo;
• Constitutiva: direito adquirido funda-se no direito do anterior titular,
mas não existia como tal na sua esfera jurídica – usufruto, servidão;
• Restitutiva: titular de um direito real limitado renuncia ao seu direito,
ficando o proprietário restituído ao seu pleno direito de propriedade –
elasticidade do direito.

Também não existe sucessão nos casos de aquisição derivada constitutiva,


pois nela existe um direito que não existia como autônomo, há a constituição de
um novo direito e a correspondente limitação do direito em questão – exemplo
da servidão (direito adquirido não existia como tal na esfera jurídica do dono do
prédio serviente sobre este prédio – falha a identidade); e aquisição derivada
restitutiva, situação em que o titular de um direito real limitado o renuncia, visto
que não se pode dizer que o titular tenha adquirido o direito de servidão, por
exemplo, como tal, pois o que se verifica é a extinção do direito de servidão e a
correspondente dilatação do direito do dono do prédio serviente.

No direito das sucessões há um mesmo direito que já existia na titularidade


de um sujeito anterior e passa para outro sujeito >> proximidade com a
aquisição derivada translativa. O Doutor Pereira Coelho afirma, inclusive, que
parecem ser a mesma coisa, pois o direito adquirido é o mesmo direito que já
pertencia ao anterior titular, isto é, o direito para ao adquirente exatamente como
era antes (nota da identidade que se verifica tanto na sucessão quanto na
aquisição translativa).

Afirma o Doutor ainda que justamente por isso o conceito de sucessão


poderia parecer até mesmo dispensável, o que não deve ocorrer. Por isso,
explicaremos agora o porquê do conceito de sucessão enquanto conceito

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autônomo ser fundamental para compreender as figuras sucessórias, tais como a


do herdeiro e do legatário.

Podemos sim por um lado dizer que são conceitos que exprimem a mesma
realidade, contudo, não são conceitos plenamente coincidentes. Podemos
analisar a situação através de um ponto de vista dinâmico por parte do direito e
estático por parte dos sujeitos, diante do qual o direito se transmite de A para B,
o direito se desliga de uma titularidade e se prende à outra titularidade para assim
ser adquirido. É o que ocorre na aquisição derivada translativa.

Por outro lado, é possível analisar o direito como estático e o próprio


sujeito como dinâmico. Ou seja, é um sujeito que se desloca e vai ocupar a posição
que o outro sujeito ocupada, sucedendo-o. É o que ocorre na sucessão, a qual se
caracteriza como subingresso ou substituição de um sujeito nas relações jurídicas
do sujeito falecido.

A referida distinção é importante porque, como veremos mais a frente, o


herdeiro é um sucessor, enquanto o legatário é um mero adquirente.

No fundo, há duas perspectivas da mesma realidade: uma focada no direito


e uma focada na deslocação dos sujeitos (A irá tomar o lugar de B). A perspectiva
da sucessão é então a substituição, uma pessoa subingressa nas relações do
falecido >>> sucessão nos direitos e aquisição derivada translativa como duas
perspectivas diferentes da mesma realidade: transmissão do direito e
deslocação dos sujeitos. Sucessão como subingresso ou substituição nas relações
jurídicas do falecido (noção presente no art. 2024.º do Código).

Além disso, também não estamos a falar da sucessão em vida, que existe
quando a modificação subjetiva se opera ainda em vida de titular por força de um
ato jurídico translativo do direito (normalmente negócio jurídico outorgado entre
o antigo e o novo titular), sendo o que ocorre no caso da compra e venda, por
exemplo. Há uma modificação subjetiva que se verifica em vida do anterior titular
através de um ato jurídico translativo do direito ou da obrigação, normalmente

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um negócio jurídico outorgado entre o antigo e o novo titular. Podemos dizer que
o comprador, o cessionário e o legatário são meros adquirentes.

Na sucessão por morte, por sua vez, a modificação subjetiva ocorre apenas
após a morte do respectivo titular do direito, sendo que enquanto está vivo não
há qualquer transferência. O grande problema surge no limbo da esfera do
instituto da doação, diante da qual se faz de extrema importância a distinção
entre doação em vida e doação em morte.

O critério geral a partir do qual a distinção deve fazer-se é o seguinte: Há


doação por morte se a doação é feita por causa da morte (mortis
causa), ou seja, se a morte do doador é causa — ou concausa — da
transmissão dos bens doados. Os efeitos da doação, verdadeiramente,
não são só efeitos dela, mas da doação e da morte. E como nenhum efeito
pode preexistir à sua causa, antes da morte do doador a doação não
produz efeitos; a doação não vincula o doador, e, em vida deste, não tem
ainda o donatário qualquer direito sobre os bens doados. Pelo contrário,
há doação em vida se a doação produz imediatamente os seus efeitos
(atribuindo ao donatário, desde logo, um direito sobre os bens doados),
embora esses efeitos possam ficar condicionados à morte do doador ou
diferidos para a data da morte dele.
▪ Doação em vida: doação com reserva de usufruto (art.
958.º), doação com reserva do direito de dispor (art. 959.º),
doação cum moriar, doação si praemoriar (discussão
doutrinal) e partilha em vida >> apesar da consolidação da
propriedade se verificar apenas aquando da morte do
doador, a doação produz efeitos imediatamente, pois é
irrevogável e atribui ao donatário a nua propriedade dos
bens doados.
▪ Doação por morte: doação por morte para casamento
(veremos posteriormente, mas faz parte de um regime
híbrido).

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Com isso, devemos nos assentar na sucessão por morte como modificação
subjetiva que se opera depois da morte do antigo titular da relação jurídica (existe
alguns problemas de distinção com as doações – art. 946.º do C.C. – embora
não sejam admissíveis as doações por morte no ordenamento jurídico português).
Precisamos então encontrar critérios de distinção:

1) Doação por morte: não se vincula o doador;


2) Doação em vida: produção imediata dos efeitos.

Situação diferente é a da partilha em vida prevista no art. 2029.º do


C.C., a qual tem muita importância no contexto de uma economia agrária (o
propósito dos pais, umas vezes, é o de conservar a unidade, v. g., de certa
exploração comercial ou agrícola, outras vezes o desejo de evitar questões de
partilhas entre os filhos). São contratos pelos quais alguém faz uma doação entre
vivos a algum ou a alguns dos presumidos herdeiros legitimários com o
consentimento do(s) outro(s), sendo que os donatários pagam ou se obrigam a
pagar aos outros o valor das partes que proporcionalmente lhes tocariam os bens
doados.

Não se trata de pacto sucessório porque os bens são doados em vida, não
são deixados pelo doador e não fazem parte da sua herança. A partilha não é da
herança, mas de determinados bens presentes. E, como qualquer doação em vida,
a doação produz aqui imediatamente os seus efeitos, podendo, pois, o beneficiário
ou beneficiários da liberalidade dispor dos bens doados ainda em vida do doador.
Não é um pacto sucessório porque os bens não integram a herança, a partilha não
é a da herança e sim de bens presentes e, ainda, produz imediatamente os seus
efeitos.

Estes bens são restituídos à massa da herança para igualação da partilha (art.
2104.º/1)? Quando há doação por parte dos ascendentes para os seus
descendentes parte-se do princípio de que não há intenção de beneficiar o
descendente e por isso é preciso restituir os bens à massa da herança. Então, esses
bens não irão entrar no cálculo dos bens da massa da herança, conforme art.
2162.º do C.C.

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E se surge um herdeiro legitimário superveniente? Temos de ver o art. 2029.º/2


>> atualização das tornas da herança (art. 2029.º/3). Há uma série de
mecanismos que permitem um reequilíbrio para esses efeitos.

| Sucessão por morte


Tendo distinguido a sucessão por morte de outras figuras que lhes estão
próximas, iremos agora começar a esmiuçar um pouco mais o que é a sucessão
por morte propriamente dita, cujo conceito vem previsto no artigo 2024.º do
C.C.: diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das
relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente
devolução dos bens que a esta pertenciam.

Há, aqui, um núcleo essencial da sucessão, que é o chamamento à


titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida, sendo
que a consequência é a devolução dos bens se o chamamento obtiver uma
resposta positiva, já que a sucessão é vista como substituição ou subingresso nas
relações jurídicas do de cuiús.

Em todas as soluções dos momentos essenciais e eventuais da sucessão


estão subjacentes determinadas opções do legislador, visto que o fenômeno
sucessório varia de legislação para legislação e consoante o sistema econômico
em causa.

Propriedade, Família e Estado constituem, assim, as conexões


fundamentais do Direito das Sucessões e os polos das suas tensões mais vivas;
se quisermos fazer um esquema muito geral, poderemos falar de um modelo
individualista, de um modelo familiar e de um modelo socialista do Direito das
Sucessões, conforme este dê prevalência à primeira, à segunda ou à terceira das
referidas conexões. Vejamos:

1) Modelo individualista: ligado ao direito romano, avulta a autonomia


privada da vontade e do direito de propriedade, revestindo esse direito caráter
absoluto (modelo testamentário) e encontramos principalmente no modelo

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anglo-saxônico, em que se deixa uma ampla margem de liberdade ao autor da


sucessão (direito de propriedade com uma espécie de perpetuidade). Aqui a
sucessão testamentária se sobrepõe à sucessão legítima. Está presente no nosso
ordenamento jurídico porque o autor da sucessão pode dispor da totalidade dos
seus bens, a não ser que sobrevivam os herdeiros legitimários (cônjuges,
ascendentes e descendentes), sendo que nesse caso há uma parte da herança
reservada a estes herdeiros e desse ponto de vista o autor da sucessão está
limitado ao seu poder de dispor (mas só quanto a essa parte da herança, sendo
que da outra parte pode fazer o que quiser porque se trata da quota disponível);

2) Modelo familiar: é de origem germânica, sendo que a ideia que serve é a da


manutenção do patrimônio familiar na família. A lei determina que os bens sejam
objeto de devolução sucessória a determinados herdeiros que são familiares do
de cujus;

3) Modelo socialista: conexão com o Estado que faz com que haja uma posição
sucessória reconhecida ao Estado em última linha, ou seja, se não existirem
herdeiros legitimários e legítimos. Nesse caso a herança é declarada vaga e a favor
do Estado.

| Espécies de sucessão
Há dois critérios para classificarmos as espécies de sucessões: critério da fonte da
vocação sucessória e critério do objeto da sucessão.

1. Critério da fonte da vocação sucessória

• Legal (título – lei)


o Legítima
o Legitimária: disposições de natureza imperativa
• Voluntária (título – negócio jurídico)
o Testamentária (testamento)
o Contratual (doação por morte – convenções antenupciais)

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Aqui é preciso distinguir entre a sucessão legal (cujo título é a lei) e a sucessão
voluntária (cujo título é o negócio jurídico). A sucessão legal (art. 2026.º) é
dividida em legítima e legitimária. A legitimária diz respeito aos herdeiros
legitimários, sendo que se a lei reserva uma parte da sucessão a esses herdeiros e
esta parte não pode ser afastada, sendo então normas imperativas. A legítima
envolve a parte que poderia ser disposta pelo de cujus e este não o fez.

Designa-se por sucessão legitimária a que se dá em benefício de


determinados sucessores (os herdeiros legitimários), aos quais a lei
reserva uma fracção da herança de que o autor da sucessão não tem a
faculdade de dispor. Não havendo herdeiros legitimários ou, havendo-os,
nos limites da quota disponível, o autor da sucessão dispõe livremente,
por testamento ou doação por morte; caso não disponha abre-se a
sucessão legítima, nos termos e segundo a ordem do art. 2133.° do C.C.

Podem assim registar-se quatro espécies de sucessão por morte, a saber:


legítima, legitimária, testamentária e contratual. À sucessão legítima,
legitimária e testamentaria se referem, respectivamente os Títulos II, II
e IV do Livro V do nosso Código Civil. Quanto à sucessão contratual, que
só é admitida nas convenções antenupciais, está regulada no Livro do
Direito de Família e na Secção relativa a estas convenções, arts. 1701.°
e segs.

A palavra legítima irá, no entanto, aparecer em outro contexto. Uma coisa


é a legítima ou quota indisponível, outra coisa é a sucessão legítima. A quota
indisponível é a porção da herança que a lei reserva aos herdeiros legitimários e
que o titular do direito não pode dispor livremente.

A sucessão voluntária também possui duas espécies: a testamentária e a


sucessão contratual, sendo que esta última ocorre em situações muito
limitadas.

Exemplo: Antônio falece, deixa duas filhas e não dispõe da sua quota disponível.
Suas filhas serão chamadas como herdeiras legitimárias porque são descendentes

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(parte da herança que lhes são destinadas), de acordo com disposições legais
imperativas, mas também como herdeiras legítimas, porque Antônio não dispôs
da sua quota disponível. Na quota disponível Antônio pode fazer o que quiser,
sendo que se nada fizer as filhas serão chamadas como herdeiras legitimárias por
lei imperativa e, supletivamente, como o pai nada fez, serão chamadas como
herdeiras legítimas. Se Antônio dispor da sua quota a um amigo Jerônimo,
teremos um terceiro chamado enquanto legatário testamentário e duas pessoas
como herdeiras legitimárias.

Exemplo 2: Antônio faz um testamento em que deixa uma joia a uma das filhas,
mas relativamente ao restante da quota não diz nada. São chamadas como
herdeiras legitimárias, são chamadas como legítimas pela parte que o pai não
dispôs e, ainda, uma das filhas é chamada como legatária testamentária.

Exemplo 3: Se Antônio dispor da sua quota a um amigo Jerônimo, teremos um


terceiro chamado enquanto legatário testamentário e duas pessoas como
herdeiras legitimárias.

A sucessão legitimária é definida por lei, não pode ser afastada pelos de
cujus e faz referência à porção de bens da herança que o de cujus não pode dispor.
Quando temos sucessão legitimária temos que considerar: quota legitimária,
quota indisponível ou legítima (todos sinônimos para tratar da porção de bens
que não se pode dispor) – sendo que a lista dos herdeiros legitimários está
prevista no art. 2157.º do C.C.

Além da quota indisponível (ou quota legitimária ou legítima), temos a


quota disponível, que é a porção dos bens que o autor da sucessão pode dispor.
Se dispuser teremos legatários testamentários e se não dispuser teremos
herdeiros legitimários. A sucessão legítima também é definida por lei, mas pode
então ser afastada pelo de cujus, por isso dizemos que decorre de disposições
legais supletivas. O art. 2133.º diz-nos então quem são os herdeiros legítimos,
sendo que as primeiras duas classes coincidem com herdeiros legitimários.

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Agora iremos olhar para a sucessão voluntária que tem como título um
negócio jurídico, ou seja, não decorre da lei e sim de uma manifestação de
vontade que pode ser unilateral ou bilateral. Essa sucessão pode ter lugar a todos
os bens quando não haja herdeiros legitimários.

Exemplo: Antônio morre e não tem cônjuge, ascendente e nem descendente,


mas tem um irmão gêmeo. O irmão será parente na linha colateral, pelo que não
entra como herdeiro legitimário e pode então Antônio fazer uma sucessão
voluntária e deixar todos os seus bens ao seu irmão gêmeo.

A sucessão legitimária está no topo, por envolver definições imperativas, e


a sucessão legítima está embaixo por envolver normas supletivas, sendo que no
meio há a possibilidade de o autor da sucessão dispor dos seus bens através de
testamento ou, até mesmo, através de sucessão contratual (casos muito limitados
que a lei prevê).

Apenas em convenção antenupcial que encontramos a possibilidade de


recorrer à sucessão contratual, a qual irá prevalecer sob a sucessão testamentária,
quer seja anterior, quer seja posterior. Isto porque a sucessão testamentária é um
negócio jurídico unilateral, enquanto a doação por morte envolve uma relação
contratual.

O art. 2028.º enuncia que há sucessão contratual quando, por contrato,


alguém renuncia à sucessão de pessoa viva, ou dispõe da sua própria sucessão
ou da sucessão de terceiro ainda não aberta. Há hoje uma possibilidade
adicional de renúncia à sucessão introduzida em 2018 na alínea c) do art.
1700.º, que diz que a convenção antenupcial pode conter a renúncia recíproca à
condição de herdeiro legitimária de outro cônjuge. Fora este caso a renúncia à
sucessão é proibida antes da abertura da sucessão.

NOTA! Aqui renúncia não é a mesma coisa que a renúncia do ordenamento


jurídico brasileiro – resposta negativa ao chamamento –, mas sim implica que
mesmo em um momento anterior ao chamamento se abdiquem desses direitos
>> não é a mesma coisa que o repúdio.

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O que avulta nesse caso é a ideia de proteção da autonomia do testador


(art. 2311.º).

2. Critério do objeto da sucessão


Ao contrário da sucessão em vida, que é sempre a título particular e por isso versa
sobre bens ou valores determinados, aqui temos que proceder à distinção entre a
sucessão por morte a título universal (herança) e a sucessão por morte a título
particular ou singular (legado). Olharemos agora para a distinção entre herança
e legado e suas implicações (art. 2030.º do C.C.).

Os sucessores são herdeiros ou legatários, sendo que os herdeiros são


quem sucede na totalidade ou numa quota do patrimônio do falecido e o
legatário o que sucede em bens ou valores determinados. Podemos aqui falar de
herdeiro como o sucessor pessoal do autor da herança, o verdadeiro sucessor e
não somente um simples transmissário dos seus bens (noção de herdeiro
importada do direito romano – hereditas e necessidade da nomeação do herdeiro
como caput et fundamentum titus testamenti).

Afirma o Doutor Pereira Coelho que a distinção entre herança e legado se


fazia com clareza no direito romano clássico, segundo a tese de BONFANTE: o
legado tinha natureza patrimonial, enquanto a herança, pelo contrário, tinha
um carácter e um fim estranhos a qualquer ideia de patrimonialidade.

Dessa forma, a diferença entre herança e legado bebe das fontes


enunciadas no art. 2030.º do C.C., diante do qual diz-se herdeiro o que sucede
na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede
em bens ou valores determinados. O critério de distinção se funda, então, na
determinação ou não dos bens deixados, pois será herdeiro quando receber bens
indeterminados e legatário quando receber bens determinados.

O herdeiro, nesse caso, não sucede em bens determinados, sendo que pode
suceder em remanescente ou em quota ideal. Quando dizemos que se sucede
numa quota ou numa quota abstrata/ideal do todo estamos a falar numa fração

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aritmética. Se Antônio deixar em testamento a sua filha Beatriz 2/3 da quota


disponível quer dizer que está a deixar uma quota da sua herança e não um bem
ou um valor determinado.

Por outro lado e quanto ao sentido da expressão “bens ou valores


determinados”, importa notar que bens determinados não são a mesma coisa
que objetos especificados ou designados concretamente. Comprovam-no as
disposições da lei que se referem ao legado de coisa genérica (art. 2253.°) e ao
legado alternativo (art. 2267.°), em que não há especificação ou designação
concreta dos bens deixados e nem por isso deixa de existir legado. Como há
legado se A deixa a B o recheio da sua casa (art. 2263.°), ou uma fracção não
aritmética da sua herança embora sem designar concretamente os respectivos
bens: os seus bens móveis ou os móveis da sua casa, os seus bens imóveis, o seu
rebanho de ovelhas, os prédios que tem na freguesia da Sé Nova, etc. Os bens
deixados não são aqui especificados e, não obstante, A deixa a B bens
determinados em qualquer destes exemplos.

Além disso, podemos falar também de herança quando se sucede em uma


quota remanescente, por exemplo, se Antônio deixar em testamento um legado
de um quadro ao seu amigo Jerônimo e, ainda, deixar o remanescente da herança
à sua filha Beatriz. O remanescente não é um bem certo e determinado.

Em potência podem ser devolvidos um número ilimitado de bens, há uma


elasticidade aqui da estrutura hereditária, justamente porque pode não se
determinar exatamente os bens e sim falar em “remanescente” ou “quota parte”.

O legatário, por sua vez, sucede em bens determinados, embora possam


ser não especificados. Sucede apenas em certos bens, excluindo-se os restantes
bens do de cujus. O herdeiro não sucede em bens determinados, mas (real ou
virtualmente) na totalidade da herança ou numa quota-parte da herança.

Assim, o legatário é o que sucede em bens determinados (especificados ou


não), isto é, o que sucede apenas em certos bens com exclusão, dos restantes bens
do “de cuiús”, pelo contrário, o herdeiro não é chamado a suceder em bens

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determinados, isto é, somente em certos bens e não nos outros, mas o seu direito
estende-se, real ou pelo menos virtualmente, à totalidade da herança - ou duma
quota-parte dela.

Com este alcance, e neste sentido, o herdeiro é um sucessor a título


universal, enquanto o legatário é apenas um sucessor a título singular ou
particular. O título de vocação do legatário só o chama á sucessão de
certos bens, ou de determinadas relações jurídicas, ficando excluída a sua
sucessão nas restantes, que esse título não compreende.

Pelo contrário, o título de vocação do herdeiro chama-o à


totalidade das relações jurídicas que constituem objecto da devolução
sucessória; o herdeiro sucede, real ou pelo menos virtualmente, no
universum ius ou numa sua quota. Pode o herdeiro vir a receber uma
parte muito pequena dos bens deixados pelo de cujus, muito mais
pequena, até, do que a que recebem o legatário ou os legatários, pode ser
chamado a suceder, digamos, em um centésimo ou um milionésimo da
herança — mesmo assim é um sucessor a titulo universal. O herdeiro
recebeu realmente uma parte muito pequena da herança, mas o seu
direito estendia-se virtualmente a toda ela. Na verdade, e em primeiro
lugar, o herdeiro chamado a suceder em certa quota da herança pode
realmente vir a receber uma parte maior ou mesmo a herança na sua
totalidade, na medida em que goze do direito de acrescer que a lei em
princípio lhe atribui (arts. 2301.° e segs.)39 . Sendo instituído, com outro
ou outros herdeiros, na totalidade ou numa quota dos bens, pode o
herdeiro vir a receber, afinal e graças ao seu direito de acrescer, a
totalidade do património ou da quota. Pode verificar-se, é certo, que o
herdeira instituído numa quota do património hereditário não tenha
possibilidades de vir a receber mais do que essa quota. Assim será
quando o testador lhe retire o direito de acrescer, como a lei permite (art.
2304.°), ou ainda quando, não tendo o testador disposto da restante
parte dos seus bens, esta seja atribuída aos herdeiros legítimos do de
cuius nos termos gerais. Mesmo nestes casos, porém, ainda o herdeiro
poderá considerar-se sucessor a título universal, enquanto, sendo

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chamado a suceder em uma quota ideal ou abstracta do todo, não há


sequer um elemento do património hereditário sobre o qual não possa vir
a recair o seu direito.

Vale então realizar a mesma especificação prevista no Manual a fim de


aplicar o critério de distinção em algumas situações da vida real, nomeadamente:
• Deixa da totalidade ou de uma quota da herança: B será herdeiro
de A tanto se A deixar a totalidade; uma parte alíquota; ou até mesmo 2/3,
¾ ou 30% da sua herança. Assim como afirma o Doutor, é evidente que
também é herdeiro quem sucede numa simples fração aritmética que não
seja parte alíquota da herança, pois esta fração é igualmente uma quota
da herança no sentido do art. 2030.º/2;
• Deixa de bens determinados: temos uma situação em que uma pessoa
será legatária de outra se, por exemplo, lhe for deixado um relógio, um
prédio, 200 euros etc.;
• Deixa de universalidade de facto: é um caso que também não nos
suscita dúvidas, sendo que aqui estamos também diante de um legado.
Suponhamos que A deixa a B o seu rebanho ou a sua biblioteca. Os bens
que A deixa a B não são especificados concretamente, mas são
determinados, no sentido que definimos atrás. Pois a respectiva deixa só
compreende certos bens, individualizados pela sua pertinência ao
conjunto “rebanho” ou “biblioteca”, e não os restantes bens do testador.
Também assim no caso de deixa de estabelecimento comercial. A deixa do
estabelecimento só abrange, decerto, as coisas ou bens que fazem parte da
organização que o estabelecimento constitui, e não quaisquer outros bens
do testador;
• Herança ou quota de herança a que foi chamado o testador:
bens determinados, por isso temos aqui um legado;
• Disposição de todos os móveis ou de todos os imóveis: ainda se
trata de um legado, pois a totalidade dos móveis ou dos imóveis não é uma
quota da herança, a ideia no fundo é justamente a de deixar bens
determinados e só esses bens;
• Usufruto da herança ou de quota da herança: é uma questão
largamente debatida pela doutrina e jurisprudência aquando do Código de

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Seabra. A tese inicial defendida por Galvão Telles era a do usufrutuário-


herdeiro, por três argumentos fundamentais: (i) usufrutuário é titular de
um direito transitório que se extingue por morte assim como o fiduciário,
que não deixa de ser herdeiro; (ii) usufrutuário da herança representa o
falecido até o fim do usufruto, como o proprietário da raiz e também o
representa posteriormente; (iii) só a qualificação de herdeiro permitira
explicar que usufrutuário responda pelos encargos hereditários. Manuel
de Andrade acentua e defende que o usufrutuário da herança deve ser
tratado como herdeiro para certos efeitos e como legatário para outros,
defendendo então que a solução legal deveria ser flexível e não partir de
um critério rígido. Postas a votação, porém, as questões de saber se a figura
jurídica cm causa deveria ser ou não qualificada na lei, e, caso afirmativo,
se essa qualificação deveria ser rígida ou flexível e qual seria ela, a
Comissão Revisora decidiu que o usufrutuário da totalidade ou de uma
quota da herança deveria ser qualificado como legatário sem se admitir na
própria definição da figura a possibilidade ou restrições ao princípio,
embora se reconhecesse que a lei, num ou noutro ponto, poderia atribuir-
lhe o regime da herança (art. 2030.º/4). O Doutor Pereira Coelho acredita
que o legislador foi acertado, pelos seguintes motivos:
o Se herdeiro é “o que sucede na totalidade ou numa quota do
património do falecido”, o usufrutuário da herança ou de quota da
herança não é herdeiro, pois não sucede na totalidade ou numa
quota daquele património;
o O usufrutuário é legatário porque “sucede em bens ou valores
determinados”, ou seja, apenas em certos bens com exclusão dos
outros, no sentido de que sucede apenas no usufruto da herança,
só no usufruto e não na raiz;
o Mesmo quando verse sobre bens indeterminados, o direito do
usufrutuário, como tal, é um direito determinado, quer dizer, um
direito limitado, sendo só esse direito, e não outro, que o
testamento ou a lei lhe conferem;
o O usufrutuário é titular de um direito transitório, que acaba por sua
morte ou, se o usufruto for temporário, mesmo antes dela. A ser
havido como herdeiro, o usufrutuário seria pois uma espécie de

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herdeiro a termo resolutivo, figura que como veremos a lei não


permite;
o Nem pode dizer-se que o usufrutuário da herança ou quota da
herança realize verdadeiramente a função do herdeiro, que é a de
dar continuidade às relações jurídicas do falecido, pois é ao
proprietário da raiz que cabe continuar a vida jurídica e social do
de cujus;
o A analogia com o fiduciário não é rigorosa, pois este não é titular
de direito determinado mas verdadeiro proprietário, como
resulta do art. 2293.°, n.º 2. Por outro lado, já dissemos que é o
proprietário da raiz quem verdadeiramente continua e
representa, para o futuro, a “personalidade” do de cuius, ou seja,
as relações jurídicas de que ele era titular. Quanto à
responsabilização do usufrutuário da herança ou de quota da
herança pelos encargos hereditários, não cremos que do art.
2072.° possa tirar-se argumento a favor ou contra a qualificação
do usufrutuário como herdeiro58. Trata-se manifestamente de
regime especial, diferente do que resultaria, em face dos
princípios gerais, da qualificação de herdeiro ou legatário
atribuída ao usufrutuário.
Podemos então dizer que o usufrutuário é legatário e, por isso, não
goza do princípio do direito de acrescer e nem do direito de preferência
na venda da herança, não sendo também responsável pelas custas do
inventário etc. Não deve excluir-se, porém, a possibilidade de o
usufrutuário da herança ou parte de herança ser considerado herdeiro
ou — se quisermos dizer assim — ser equiparado ao herdeiro ou
tratado como tal excepcionalmente e para certos efeitos:
o Deve ter legitimidade para requerer inventário, já que é parte
interessada na partilha assim como o proprietário da raiz;
o Inventário é obrigatório quando haja usufrutuário de quota da
herança em alguma das situações previstas nos arts. 2053.º e
2102.º/2.

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➔ Questão do herdeiro ex re certa (ver para melhoria de nota, pag. 57 do


livro).

A relevância da distinção entre herança e legado perpassa alguns motivos:

• Direito de exigir a partilha (art. 2101.º)


• Responsabilidade pelos encargos da herança (art. 2071.º):
encargos impostos ao legatário (art. 2276.º e 2277.º), advirta-se desde
já que “satisfação dos encargos da herança” é um conceito mais extenso
que “pagamento das dívidas hereditárias”: o art. 2068º responsabiliza a
herança, não apenas pelo pagamento das dívidas da falecido, mas
também “pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos
encargos com a testamentaria, administração e liquidação do
património hereditário {...} e pelo cumprimento dos legados”. Pelos
“encargos da herança”, assim entendidos, só é responsável o herdeiro,
nos termos do art. 2071.°, ou seja, dentro das forças da herança, cujo
âmbito é o referido nas quatro alíneas do art. 2069.°. O legatário, ao
contrário do herdeiro, não responde, porém, em princípio, pelos
encargos da herança; a sua responsabilidade por estes encargos é uma
responsabilidade meramente eventual e subsidiária. O legatário só é
responsável pelos encargos da herança, em primeiro lugar, na hipótese
a que se refere o art. 2277.°. A herança foi toda distribuída em legados;
não há herdeiro; a quem hão-de dirigir-se os credores do de cuius se não
aos legatários? Em segundo lugar, também o legatário é responsável
pelos encargos da herança (embora havendo herdeiro instituído ou
legítimo) se os bens da herança (stricto sensu, isto é, excluídos os legados)
forem insuficientes para o pagamento dos encargos hereditários;
• Direito de acrescer entre herdeiros (art. 2301.º) e entre
legatários (art. 2302.º): os legatários só irão suceder dentro dos
limites do mesmo objeto. O direito de acrescer é um direito que a lei
confere aos co-herdeiros se algum ou alguns dos outros co-herdeiros não
quiserem ou não puderem aceitar a herança (art. 2301.°/1); os legatários,
que sucedem em bens determinados, ou seja, apenas em certos bens, só

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gozam do direito de acrescer se tiverem sido nomeados em relação ao


mesmo objeto (art. 2302.°/1);
• Inoponibilidade de termo inicial à instituição de herdeiro: o
testador não pode sujeitar a instituição de herdeiro a termo inicial ou
suspensivo, mas tal faculdade já lhe é concedida em relação à nomeação
de legatário, pelo que respeita ao termo final ou resolutivo, a declaração
de termo final na instituição de herdeiro ou na nomeação de legatário tem-
se por não escrita, exceto, quanto a esta nomeação, se a disposição versar
sobre direito temporário (art. 2243.°/2);
• Matéria de inventário (art. 2102.º): questão de saber quando há
lugar à inventário orfanológico (obrigatório). Este inventário tem lugar,
nos termos do n.º 2 do art. 2102.°, “sempre que a lei exija aceitação
beneficiária da herança” — ou seja, se a herança for deferida a menor,
interdito, inabilitado ou pessoa coletiva (art. 2053.°) —, e ainda “nos casos
em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de ausência ou de
incapacidade permanente, outorgar em partilha extrajudicial. Não basta,
pois, que haja um legatário nessas condições. Os legatários não podem
requerer o inventário (Cód. Proc. Civ., art. 1326.°, n.º 282, não podem
acusar a falta de descrição de bens (art. 1342.°), não podem reclamar
contra o excesso da avaliação (art. l362.°), em regra não são admitidos à
licitação (art. l371.°), não podem requerer a remoção do cabeça-de-casal
(art. 1399.°), etc.
• Direito de preferência na venda da herança (art. 2130.º): o
direito de preferência não compete neste caso aos legatários;
• Outros: cabeça-de-casal (art. 2080.º e 2081.º), legitimidade
dos herdeiros (71.º/2, 73.º, 75.º/2, 76.º/2 e 77.º, 79.º/1) e arts.
1639.º, 1540.º/2 e 1641.º:
o Na falta de cônjuge sobrevivo que seja herdeiro ou tenha meação
em bens do casal, e de testamenteiro, a lei entrega o cabeçalato aos
herdeiros — aos herdeiros legais e, na sua falta, aos testamentários
(art. 2080.”). O legatório só é cabeça-de-casal se a herança for toda
distribuída em legados. nas condições do art. 2081.°;
o A lei dá legitimidade aos herdeiros do falecido: 1) para requererem
as providências previstas no n.º 2 do art. 70.° (art. 71.°. n.º 2): 2)

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para intentarem ações relativas à defesa do nome do falecido (art.


73.°); 3) para requererem ao tribunal que ordene a restituição de
cartas-missivas confidenciais escritas pelo falecido, no caso de
morte do respectivo destinatário, assim como a destruição das
cartas, o seu depósito em mão de pessoa idónea ou outras medidas
apropriadas (art. 75.°, n.º 2); 4) para, na falta de cônjuge ou dos
parentes referidos no art. 71.°. n.º 2. autorizarem a publicação das
cartas-missivas confidenciais, memórias familiares e pessoais e
outros escritos que tenham carácter confidencial ou se refiram à
intimidade da vida privada do falecido (arts. 76.º, n.º 2, e 77.º); 5)
e para autorizarem, na falta dos mesmos familiares, que o retrato
do falecido seja exposto, reproduzido ou lançado no comércio após
a sua morte (art. 79.°/1). Pelo contrário, aos legatários do falecido
não é atribuída legitimidade para qualquer destes atos;
o Há ações pessoais, como a de anulação do casamento, que a lei
permite sejam intentadas (art. 1639.°) ou continuadas (arts.
1640.°/2 e 1641.°) pelos herdeiros mas não pelos legatários.

| A morte como pressuposto da sucessão


De acordo com tudo que já foi mencionado, é só depois da morte que a sucessão
se inicia. Com isso, podemos então dizer que a morte precede e torna possível o
momento sucessório, mas não faz parte dele >> a morte é um pressuposto do
fenômeno sucessório. O art. 2031.º enuncia, então, que a sucessão abre-se no
momento da morte do seu autor.

Assim sendo, a morte é um facto jurídico que como consequência produz


o efeito de abertura da sucessão, ou seja, são dois momentos diferentes. A
doutrina enuncia então que a morte é um facto jurídico involuntário, isto é,
não detém intervenção da vontade humana ou, mesmo que tenha, essa
intervenção será irrelevante.

Além disso, podemos dizer que a morte é um facto jurídico constitutivo,


modificativo e extintivo. Vejamos o porquê:

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• Constitutivo: constitui relações jurídicas novas (exemplo: direito de


usufruto constituído pelo de cuiús);
• Modificativo: modifica subjetivamente as relações jurídicas do de cuiús;
• Extintivo: extingue a personalidade jurídica do falecido.

Podemos também falar em certo sentido de “morte” quando tratamos de


pessoas coletivas, pois diante dessas pessoas surge a questão de saber o destino
do seu patrimônio quando se extingam. A doutrina menciona que se nos estatutos
de uma associação nada se disser sobre o destino do seu patrimônio, podem os
associados, dentro dos limites dos estatutos, fixar a sorte dos bens da associação
no caso de esta se extinguir. Apenas quando não ocorra essa espécie de sucessão
testamentária é que a sucessão das pessoas coletivas será uma sucessão
legítima – art. 166.º do C.C.

Ademais, temos agora que abordar a questão de saber se a morte


presumida também pode acarretar a abertura da sucessão através da ausência. A
ausência pode ser considerada a não presença ou, ainda, em sentido mais amplo,
a não presença acompanhada de falta de notícias, sendo este último o sentido que
nos vai interessar.

Dessa forma, a ausência é composta por três momentos (lembrar de teoria


geral do direito civil): (i) curadoria provisória (arts. 89.º a 98.º); (ii)
curadoria definitiva – ou justificação da ausência – após terem decorridos 2
anos sobre as últimas notícias ou 5 se o ausente tiver deixado representante legal
ou procurador (art. 99.º a 113.º), sendo que aqui os legatários podem requerer
que os bens que tenham direito lhes sejam entregues independentemente da
partilha, conforme art. 102.º – preparação da sucessão definitiva; (iii) morte
presumida (arts. 114.º a 119.º), que ocorre decorridos 10 anos sobre a data das
últimas notícias ou 5 se o ausente tiver completado 80 anos de idade e que produz
os mesmos efeitos que a morte (art. 115.º), mas não dissolve o vínculo
matrimonial. Os bens serão então entregues aos sucessores (art. 117.º), que já
estavam a administrá-los como curadores definitivos, mas podem agora dispor
livremente.

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No entanto, o que devemos fixar dessa matéria é que a vocação sucessória


que tem lugar no caso de morte é presumida e é uma vocação resolúvel que se
resolverá no caso de o ausente regressar ou se ter notícias do mesmo. A vocação
não se resolve ex tunc, mas só ex nunc, pois se o ausente regressar apenas lhe será
devolvido o patrimônio no estado em que se encontrar, com o preço dos bens
alienados ou com os bens diretamente sub-rogados, e bem assim com os bens
adquiridos mediante o preço dos alienados, quando no título de aquisição se
declare expressamente a proveniência do dinheiro – art. 119.º/1. Isso não
exclui a hipótese de o ausente exigir uma indenização aos sucessores caso hajam
de má fé.

Outra questão importante a ser elucidada é a da comoriência e da prova da


morte. Bom, em primeiro lugar é preciso mencionar que a morte se prova através
de uma certidão do registo de óbito, lembrando que se o cadáver não for
encontrado, mas o desaparecimento se tiver dado em circunstâncias que não
permitam duvidar da morte da pessoa essa será tida como falecida (art. 68.º/3
do C.C.).

Nesse sentido, a prova da morte envolve não somente a prova de que esta
ocorreu, mas também a prova do momento em que se verificou.

O momento é importante porque para que uma pessoa seja chamada à


sucessão é preciso que ela exista no momento da morte do de cuiús, sendo que
pode dar-se a coincidência de o sucessível e o autor da sucessão terem morrido
justamente no mesmo desastre ou no mesmo dia e, em hipóteses destas, para
que tenha lugar o fenômeno sucessório é preciso que se faça a prova de que o
sucessível sobreviveu – nem que fosse por um minuto, por um instante – ao
autor da sucessão.

Suponhamos que A faz testamento a favor de B e morrem os dois no


mesmo desastre. É fácil ver como são diversas, nesta hipótese, as
consequências a que se chega no caso de pré-morte de A e no de pré-morte
de B. Se A morreu antes de B, este terá sido chamado à sucessão daquele,
e transmitido aos seus herdeiros (de B) o direito de aceitar ou repudiar,

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nos termos do art. 2058.°. Pelo contrário, se foi B que faleceu em primeiro
lugar e não deixou descendentes, a disposição testamentária terá
caducado (art. 2317.°, al. a)), sendo chamados à sucessão os herdeiros
legítimos de A, nos termos gerais (art. 2131.°). O problema da morte
simultânea não interessa apenas no âmbito da sucessão testamentária
ou da sucessão legítima, mas mesmo fora do âmbito das sucessões.
Assim, v. g., na hipótese de doação com pacto de reversão em caso de pré-
morte do donatário (cfr. art. 960.°). Se doador e donatário morrem no
mesmo desastre ou no mesmo dia, para que os herdeiros do doador
possam pedir aos herdeiros do donatário a restituição dos bens doados é
preciso que façam prova da pré-morte do donatário. O problema da
morte simultânea interessa, assim, em todos os casos em que alguém
pretende fazer valer um direito que dependa da pré-morte de uma pessoa
a outra pessoa.

O princípio geral é que a prova do momento da morte — e portanto a


prova da pré-morte — e faz por todos os meios possíveis. Assim, naquele
exemplo que demos, a prova da pré-morte de A ou de B poderá fazer-se,
eventualmente, por prova testemunhal das pessoas que assistiram ao
desastre. E no caso de nenhuma prova ser feita? Neste caso, e para a
hipótese de pai e filho morrerem no mesmo desastre, o direito romano
estabelecia uma presunção baseada sobre a maior ou menor resistência
vital das pessoas. Era uma presunção de pré-morte do pai em relação ao
filho púbere, e do filho impúbere em relação ao pai. Depois o direito
medieval seguiu e continuou este sistema, formulando aqui uma vasta
série de presunções, todas assentes naquela ideia de maior ou menor
resistência vital das pessoas, em conexão com a idade, o sexo, o estado de
saúde, etc. E um sistema semelhante foi acolhido nos arts. 72l.° e 722.° do
Código Francês. Mas este critério abstracto — e sempre, por isso, mais ou
menos arbitrário — não foi seguido pelo nosso legislador. A pré-morte do
de cuius em relação ao herdeiro ou legatário há-de ser provada pelos
herdeiros deste último; de certo que eles podem fazer valer aquelas
presunções do antigo direito, mas como simples presunções de facto, que
o juiz ponderará ao lado de todos os outros elementos atendíveis. Se

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nenhuma prova se fizer, então a presunção da lei é a de morte


simultânea. O autor da herança e os seus herdeiros ou legatários
reputar-se-ão falecidos todos ao mesmo tempo, e não se verificará entre
eles a transmissão da herança ou do legado. É a doutrina do n.º 2 do art.
68.°. Note-se que este texto contém um princípio geral de direito, válido
para qualquer forma de sucessão e mesmo fora das sucessões, onde quer
que tenha interesse a questão de saber qual de duas pessoas morreu
primeiro. Como é claro, a solução da nossa lei, na hipótese de nenhuma
prova se fazer, leva às mesmas consequências a que levaria a prova
positiva da pré-morte do herdeiro ou legatário em relação ao de cuius.

ABERTURA DA SUCESSÃO

Dessa forma, encontraremos uma série de normas que irão se reportar ao


momento da abertura da sucessão. É necessário que haja o chamamento dos
sucessores e, ainda, necessário que haja uma manifestação positiva por parte
destes para que haja aceitação. Havendo aceitação, os efeitos da mesma
retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão (art. 2050.º).

Além disso, se os primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem


aceitar, serão chamados os subsequentes, e assim sucessivamente; a devolução a
favor dos últimos também retrotrai-se (ver artigo).

O momento é o momento em que a designação sucessória se fixa ou se


concretiza na vocação, pois antes da morte do de cujus temos uma série de
momentos que apontam ao longo do tempo para uma lista de possíveis
chamados, contudo, há uma variação temporal. Há uma série de vicissitudes que
pode fazer com que o chamamento eventual vá sendo alterado. O momento em
que tudo se fixa é o momento da abertura da sucessão.

Depois, iremos perceber que esse momento será importante para outros
efeitos, nomeadamente para o cálculo da legítima (art. 2162.º) e do valor dos bens
doados para efeitos de colação (art. 2109.º).

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Depois de termos visto o momento da abertura, temos outro momento


necessário, que é o da vocação sucessória: chamamento à sucessão, feito por lei
ou pelo de cujus, no momento da morte (ponto de vista subjetivo). Do ponto de
vista objetivo se dá a devolução da posição jurídica ao chamado (devolução
sucessória).

Já sabemos, desde logo, os títulos de vocação sucessória, que pode ser lei,
testamento ou contrato. Assim, a designação sucessória se converte na aprovação
sucessória antes da morte do de cujus, sendo então feita antes da morte. É um
momento prévio relativamente à vocação e até a quem denomina a vocação com
designação efetiva (concretização da vocação, quando se fixa, tudo para).

Para isso, temos que ter em conta que podemos ter várias designações. No
entanto, relativamente à mesma relação jurídica apenas pode haver um
chamamento em que se converte essa designação sucessória. Podemos ter várias
designações porque temos títulos diversos, mas não podemos chamar diversas
pessoas à titularidade da mesma relação jurídica.

É preciso então ter em conta a hierarquia das designações (art. 2032.º). Só


são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que
gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis. Podemos ter várias
designações, mas só a prevalente irá sustentar o chamamento à titularidade das
relações jurídicas.

Em primeiro lugar temos a sucessão legitimária na hierarquia (art. 2157.º).


Os primeiros a serem chamados são os herdeiros legitimários (cônjuge,
descendente e ascendente). É o que designa o estatuto do cônjuge privilegiado do
cônjuge sobrevivo > quota disponível, quota legitimária ou legítima. É preciso
aqui ver Lei 48/2018. O art. 1700.º introduziu em 2018 a possibilidade de um dos
cônjuges reciprocamente renunciar a condição de herdeiro legitimário do outro
cônjuge.

Posteriormente, na hierarquia das designações encontraremos os


herdeiros ou os legatários contratuais. Se o de cujus não dispuser da sua quota

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disponível, serão chamados os herdeiros ou legatários legítimos previstos no art.


2133.º. O referido artigo prevê uma lista de classes sucessíveis quanto aos
herdeiros legítimos (relação matrimonial, relação de parentesco e relação de
soberania). Há uma série de elementos que podem ser alterados até o momento
da escala da morte.

Com o chamamento surge o direito de aceitar ou de recusar, sendo que o


domínio e a posse dos bens da herança irão se adquirir pela aceitação
independentemente da relação material.

| Conceito de abertura da sucessão


De acordo com a doutrina, a abertura da sucessão ocorre com a morte do de
cuiús, as relações jurídicas transmissíveis de que ele era sujeito se desenlaçam
da sua esfera jurídica. Por outro lado, a sucessão se encerra, isto é, torna-se
definitiva aquando da consolidação da aquisição sucessória.

Estas relações desligam-se, desprendem-se do de cuius; a sua


titularidade, a relação de pertinência que as ligava ao de cuius, como ele
morre, quebra-se. Mas elas não se extinguem; ficam predispostas a ser
adquiridas por outra pessoa. É o que se chama abertura da sucessão.

| Momento da abertura da sucessão


O momento da abertura da sucessão é o momento da morte do autor da mesma,
conforme o artigo 2031.º do C.C., sendo este um grande princípio do direito
sucessório e sendo também por isso que a aceitação retrotrai os seus efeitos ao
momento da abertura da sucessão, conforme art. 2050.º/2.

Dessa forma, enuncia-se que antes da abertura da sucessão existem apenas


expectativas sucessórias, ou seja, pessoas indicadas ou designadas para suceder.
É no momento da abertura da sucessão que a designação sucessória se fixa ou se
concretiza na vocação.

| Lugar da abertura da sucessão

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A delimitação do local de abertura da sucessão é importante para, por exemplo,


o pagamento do imposto sucessório, para saber em qual tribunal deve correr o
inventário etc. Assim, o tribunal da abertura da sucessão é o competente para o
inventário e para a habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra,
bem como para o chamado processo cominatório de aceitação ou de repúdio.

Com isso, é o art. 2031.º que nos indica o local de abertura da sucessão,
segundo o qual se estabelece que a sucessão se abre no lugar do último
domicílio do seu autor. Para isso vale a residência habitual do autor e se
residisse em vários locais ao mesmo tempo vale então qualquer um deles. Ainda
dispõe a lei que na falta de residência habitual irá ser considerada a sua residência
ocasional e, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar o de
cuiús.

A sede da sucessão, por sua vez, é relevante para o legado, justamente


porque determina onde a entrega do legado pode ser feita.

| Vocação sucessória
Antes de prosseguir à enunciação da matéria propriamente dita, é preciso
clarificar alguns conceitos bases de acordo com a doutrina do Doutor Guilherme
Oliveira:

• Designação sucessória: ato de designar antes da morte do de cuiús o


quadro dos sucessíveis, ou seja, é a indicação de um sucessível feita antes
da morte do de cuiús feita pela própria lei ou por um facto jurídico
praticado em harmonia com ela (como, por exemplo, um testamento);
• Vocação sucessória: é um chamamento à sucessão feita pela lei ou pelo
próprio de cuiús no momento da morte. Aqui o sucessível será já chamado
para suceder nas relações jurídicas que integram a sucessão;
• Devolução sucessória: para o Doutor devolução é a mesma coisa que
vocação, diversos modos de consideração de uma mesma realidade,
embora nem toda doutrina siga a mesma linha de raciocínio. Quando
falamos de vocação nos colocamos do ponto de vista da pessoa chamada a
suceder (subjetivo), enquanto a devolução trata do ponto de vista da

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posição jurídica que lhe é atribuída em relação aos direitos e obrigações


em que ela é chamada a suceder (objetivo). A devolução é, então, o reflexo
ou a incidência objetiva da vocação.

➔ Títulos da vocação sucessória e concorrência de títulos (art.


2026.º)
Nos termos do art. 2026.°, a sucessão é deferida por lei, testamento ou
contrato, sendo estes os títulos da vocação. Não só podem, porém, ser chamadas
à sucessão várias pessoas cada uma por seu título, como a mesma pessoa pode
ser chamada por vários títulos: como herdeiro legítimo e testamentário, como
herdeiro testamentário e legitimário, etc.

| Designação sucessória
Novamente temos de qualificar a designação sucessória como indicação de um
sucessível feita antes da morte do autor da sucessão, sendo então um momento
prévio à vocação (espécie de vocação virtual).

1. Hierarquia das designações


A hierarquia da designação sucessória é uma hierarquia legalmente prevista no
art. 2133.º do C.C., sendo que a lei ainda permite que o autor da sucessão faça
certa designação sucessória por testamento ou doação por morte (casos de
doações por morte para casamento).

Dessa forma, conforme o artigo acima referenciado podemos concluir que


há várias designações sucessórias, já que a própria lei designa várias pessoas para
suceder. Vale desde já mencionar que em relação às mesmas relações jurídicas
não pode haver mais que uma vocação.

Com isso, o artigo 2032.º/1 menciona que só se converte em vocação a


designação sucessória prevalente no momento da morte do de cuiús. Só será
chamado a suceder o titular da designação sucessória prevalente, e a
prevalência duma designação sobre as outras é apreciada no momento da
morte do autor da sucessão.

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Vejamos agora a hierarquia das respectivas designações:

• Herdeiros legitimários: cônjuge, descendentes e ascendentes (art.


2133.º e ss) – art. 2157.º;
• Herdeiros (ou legatários) contratuais: arts. 1759.º e 1705.º/3;
• Herdeiros testamentários: pessoas que o autor da sucessão designou
no seu testamento para lhe sucederem;
• Herdeiros legítimos: designados pela própria lei para suceder o de
cuiús e que pode ter como proveniência uma relação matrimonial, relação
de parentesco e ainda uma relação de soberania (art. 2133.º/1).

Posto isso, importa referenciar que a escala dos sucessíveis é flutuante e


inconsistente, pois até à morte não se sabe nada, já que o testamento pode ser
livremente revogável e a hierarquia dos herdeiros legítimos pode sofrer oscilações
já que a qualquer momento pode ser modificada a norma que regula a ordem legal
da sucessão, bem como nascer ou morrer pessoas, celebrar-se ou dissolver-se um
casamento etc.

Por isso que dizemos que há meras esperanças (não podemos sequer falar
de expectativas jurídicas) por parte dos herdeiros testamentários e legítimos,
visto que não possuem a certeza de virem a receber os bens do autor da sucessão,
pois este pode ainda em vida dispor livremente de uma parte dos seus bens, quer
a título oneroso, quer a título gratuito. Mesmo os legitimários não possuem a
certeza de que irão receber a legítima, visto que pode o autor da sucessão contrair
dívidas ao ponto de não haver remanescente do seu patrimônio para ser
distribuído aos herdeiros.

Assim sendo, quanto aos herdeiros testamentários e legítimos temos


certeza que a designação sucessória não lhes confere qualquer direitos aos bens,
por isso não podemos aqui tratar de um direito subjetivo. Não podemos também
tratar de uma expectativa jurídica, pois possuem apenas a esperança de virem a
adquirir os bens e não uma expectativa juridicamente tutelada, esperança essa
que não detém sequer valor jurídico.

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Em relação à sucessão legitimária, como os herdeiros legitimários


possuem uma proteção legal acerca do recebimento da herança no momento da
morte do de cuiús, podemos tratar aqui de uma expectativa jurídica (embora
parte da doutrina afirme que exista verdadeiramente um direito subjetivo). A
referida conceitualização releva para a consideração do instituto da
inoficiosidade, visto que:

Este instituto traduz-se na possibilidade de os herdeiros legitimários


revogarem ou reduzirem, à morte do autor da sucessão, as disposições
gratuitas que este haja feito e envolvam prejuízo da sua legítima, quer as
disposições por morte (instituições de herdeiro ou legados contidos em
testamentos ou doações por morte), quer as disposições entre vivos
(doações). Sendo assim, e embora este possa, enquanto vivo, dispor dos
seus bens como queira e mesmo fazer doações, pode dizer-se que, na
medida cm que as doações que faça estão sujeitas a ser revogadas ou
reduzidas, no todo ou em parte, já os seus poderes de disposição estão,
em vida, de algum modo limitados.

Essa matéria releva também para efeitos da legitimidade ativa para


arguição da nulidade dos negócios simulados, conforme art. 242.º/2 do C.C.

Em relação aos donatários, podemos também dizer que não ficam com
quaisquer direitos aos bens ou sobre os bens doados. O donatário é herdeiro do
doador e nada mais, ou seja, tem apenas a expectativa devir a receber os bens
doados, expectativa essa que é juridicamente tutelada. Para esse aspecto é preciso
ainda distinguir duas situações:

• Doação de parte ou totalidade da herança: doador continua a


poder dispor dos bens doados a título oneroso, mas deixa de poder dispor
deles a título gratuito, quer entre vivos, quer para depois da morte – art.
1701.º/1;
• Doação de bens presentes certos e determinados: fica cerceada a
possibilidade de o doador dispor dos bens doados, seja através de
disposições por mortes ou inter vivos tanto a título gratuito quanto a título

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oneroso (grande diferença). O art. 1701.º/2/3 admite a possibilidade de o


doador onerar o bem em causa com autorização por escrita do donatário e
em certos casos.

| Conteúdo da vocação
O referido tópico irá tratar da posição jurídica que é atribuída ao chamado por
força da vocação, sendo que aqui temos duas teorias importantes:

• Doutrina ipso iure: a aquisição sucessória resulta da própria vocação,


ou seja, o chamado, pelo simples facto de o ser, adquire desde logo a
titularidade dos próprios direitos hereditários. Se o autor da sucessão era
proprietário, credor, superficiário, o chamado ingressa imediatamente
após o chamamento, e por força dele, na titularidade daquelas relações
jurídicas, fica logo a ser proprietário, credor, superficiário, como o autor
da sucessão. É claro que aqui o chamado precisa aceitar a herança, ou seja,
precisa responder afirmativamente ao chamamento sucessório, sendo que
essa aceitação é aqui vista como mera confirmação ou consolidação da
aquisição sucessória que já havia se verificado. O repúdio é então visto
como ato positivo pelo qual o chamado faz sair do seu patrimônio bens ou
direitos que já aí estavam radicados;
• Doutrina da aquisição mediante a aceitação: essa doutrina
acredita que a aquisição sucessória só se dá após a aceitação e por força
dela, ou seja, a aceitação não detém um papel de mera confirmação, mas
sim constitutivo. O repúdio então aqui será visto como simples renúncia a
uma aquisição que ainda não se verificou.

O legislador português, por sua vez, adotou a segunda teoria no artigo


2050.º do C.C., diante do qual podemos concluir que o domínio e posse dos
bens da herança se adquirem pela aceitação, independentemente da sua
apreensão material.

Sendo assim, temos aqui um verdadeiro direito a aceitar ou repudiar a


herança por força do art. 2050.º/1 >> é este o núcleo da posição jurídica que a
vocação lhe atribui. A doutrina afirma então que trata-se de um direito

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potestativo e não de um direito subjetivo propriamente dito, sendo então


mediante o exercício desse direito que o chamado irá ingressar na titularidade
dos bens ou direitos hereditários.

Assim, pode dizer-se que o conteúdo da vocação é o seguinte: ela coloca


aqueles bens ou direitos à disposição do chamado127 - ainda não dentro
da sua casa, como na doutrina da aquisição ipso iure mas por assim dizer
à sua porta —, em termos de a aquisição dos direitos hereditários
depender apenas de um acto de sua vontade. Se quisermos caracterizar
agora a posição jurídica que a vocação atribui ao chamado, poderemos
dizer que se trata de uma posição jurídica originária, provisória,
instrumental e actual.

• Originária: direito ainda não existia na esfera jurídica do falecido;


• Provisória: a posição jurídica só dura enquanto não for exercido o direito
de acetar ou repudiar, é então uma posição que lhe é atribuída para se
extinguir com o exercício daquele direito;
• Instrumental: puro meio ao serviço da aquisição da posição definitiva;
• Atual: direito realmente existente na esfera jurídica do chamado, pois
este já tem no seu patrimônio o direito de aceitar ou repudiar a herança,
direito que transmite aos seus herdeiros no caso dele falecer sem o exercer
(art. 2058.º).

Além disso, goza o chamado ainda de poderes de administração nos


termos do art. 2047.º/1.

| Objeto da devolução sucessória


Envolve esse tópico a questão de saber que direitos do autor da herança são
devolvidos ao chamado, quais os diretos hereditáveis e quais os inereditáveis >>
âmbito da sucessão. Vale aqui o artigo 2025.º.

Temos então três causas de inereditablidade:

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• Negocial: resulta da vontade do autor da sucessão, sendo que a lei apenas


exige a verificação do requisito da renunciabilidade do respectivo direito
– exemplo se o autor renuncia em testamento a um direito de servidão (art.
1569.º/1/d);
• Natural: direitos que se extinguem em razão da própria natureza devido
a morte do seu titular, nomeadamente os direitos pessoais e de
personalidade;
• Legal: resulta diretamente da lei, sendo então direitos que o próprio
legislador entende que devam extinguir-se com a morte do seu titular –
tais como o usufruto (art. 1476.º/1/a), direitos de uso e habitação (art.
1485.º e 1490.º) etc.

| Pressupostos da vocação
Agora é chegada a hora de nos questionarmos acerca de quais condições são
necessárias para que uma pessoa seja chamada à sucessão. Os pressupostos são
três e estão todos contemplados na referida frase: destinatário da vocação é o
titular da designação sucessória prevalente no momento da morte do de cuiús,
contanto que, nesse momento, exista e tenha capacidade sucessória.

Vejamos então mais detalhadamente quais são os pressupostos.

1. Prevalência da designação sucessória


Em momento anterior já vimos quais os critérios de prevalência de uma
designação sucessória sobre outras, pelo que só a designação prevalente se
converte em vocação sucessória à morte do autor da sucessão. A doutrina também
não descarta a possibilidade de várias designações poderem ser convertidas em
outras vocações quando digam respeito a distintas relações jurídicas e, assim,
cada uma delas prevaleça sobre as outras no âmbito respectivo.

Em relação à prevalência da designação sucessória: só a designação


prevalente se converte em designação sucessória. Uma pessoa pode ser chamada
como herdeira legitimária, mas também como legatária testamentária. Vale
mencionar que designações diferentes se convertem em várias vocações quanto a
relações jurídicas diferentes e podem ser em relação à mesma pessoa.

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Parte da doutrina defende, inclusive, uma teoria de pluralidade das


vocações sucessórias, afirmando que chamado à sucessão seriam todos os
titulares de todas as outras designações. Haveria então o destinatário prevalente
e os restantes titulares, os quais ter-se-iam considerados como condicionais, ou
seja, no caso de falhar a primeira vocação é que valeria a segunda e assim
sucessivamente.

O Doutor Guilherme Oliveira afirma, no entanto, que a referida teoria vai


na direção oposta daquilo que enuncia o art. 2032.º/1. Os chamados “sucessíveis
condicionais” aos olhos do Doutor não detêm qualquer proteção específica no
interesse dos vários sucessíveis designados, justamente também pela
problemática prática jurídica que isso poderia acarretar.

2. Existência do chamado
O chamado precisa existir enquanto pessoa jurídica no momento da abertura da
sucessão. É necessário também que tenhamos a existência do chamado. O
chamado tem de ter personalidade jurídica no momento da morte do autor da
sucessão: ainda há de existir e já haverá de existir no momento da morte,
justamente porque a personalidade jurídica das pessoas singulares se extingue
com a morte >> ainda há de existir no momento da morte do autor da sucessão e
já há de existir no referido momento.

➔ Tem de haver o conhecimento e substrato para falarmos de pessoa coletiva


já existente.

Fora essas regras, há casos especiais, pois há situações em que se vá


admitir que sejam chamadas pessoas que não existem, como o caso dos
nascituros já concebidos, dos nascituros ainda não concebidos e também a
sucessão de PCs ainda não reconhecidas (exemplo: fundações). Vejamos as
referidas nuances em relação ao referido pressuposto:

➔ O chamado ainda há de existir no momento da morte do autor


da sucessão. Direitos eventuais do ausente.

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Ainda há o chamado de existir no momento da morte do de cuiús, ou seja, ainda


há de possuir personalidade jurídica no momento em que a sucessão é aberta. Ou
seja, o chamado precisa ser uma pessoa singular que anda esteja viva ou, ainda,
uma pessoa coletiva que não esteja extinta. O chamado há-de, pois, sobreviver
ao de cuiús, nem que não seja senão por um instante apenas.

Os artigos importantes para essa matéria são o 2033.º para a sucessão


testamentária e o 2039.º para a sucessão legítima.

E se o chamado estiver ausente? Bom, no caso de curadoria provisória podemos


dizer que os bens serão administrados pelo curador provisório nos termos gerais
(art. 121.º/1), sendo que o mesmo vale para a curadoria definitiva (art. 121.º/2):
os bens a cuja sucessão o ausente for chamado são entregues às pessoas que
seriam chamadas à titularidade deles se o ausente fosse falecido. Essas pessoas
serão então havidas como curadores definitivos e os bens deixados não são
herdados, ou seja, não ficam a lhe pertencer em propriedade, mas sim ficam a ser
administrados pelos curadores (administradores de bens alheios – do ausente).

Somente no caso de morte presumida que o ausente já não é chamado, mas


sim aqueles que o seriam se ele fosse falecido, conforme art. 120.º.

➔ O chamado já há de existir no momento da morte do autor da


sucessão
O chamado há de existir juridicamente no momento da morte, ou seja, precisa ter
personalidade jurídica no momento da abertura da sucessão.

➔ Casos particulares
Esses casos envolvem situações em que são chamadas à sucessão pessoas que
ainda não existam no momento da abertura da sucessão, nomeadamente os casos
de sucessão de nascituros já concebidos (legítima, testamentária e contratual),
nascituros ainda não concebidos (testamentária e contratual) e de pessoas
coletivas ainda não reconhecidas.

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No caso dos nascituros já concebidos dizemos que podem adquirir por


sucessão testamentária ou legítima por força da lei, nomeadamente o art.
2033.º/1. Os nascituros possuem então capacidade sucessória, desde que
venham a nascer com vida, tal como enuncia o art. 66.º/1/2. Para saber se
existiam nascituros ou não releva a contagem dos arts. 1798.º e do 1800.º > 300
dias subsequentes a data, sendo que admite-se ação destinada a provar que o
período de gestação do filho foi superior a 300 dias.

Nesse caso, a herança deixada ao nascituro já concebido será administrada


a quem administraria os seus bens se ele já estivesse vivo, conforme arts.
2240.º/2, 1878.º/1 e 1901.º.

O Doutor afirma que há essa possibilidade em contrariedade ao princípio


por antecipação da personalidade do nascituro, o qual é tido como já detendo
personalidade desde o momento da concepção. Não falamos aqui de uma
personalidade plena, já que a plenitude somente é alcançada com o nascimento
– mas uma personalidade reduzida como que limitada ou fracionada.

Assim, a doutrina entende que a vocação sucessória dos nascituros será


uma vocação de pessoas já existentes e que os direitos hereditários radicar-se-
ão logo no nascituro, como pessoa jurídica atual, embora subordinamente à
condição suspensiva de ele vir a nascer com vida – conditio iuris.

Por outro lado, em relação aos nascituros ainda não concebidos o art.
2033.º/2/a vem afirmar que é possível a capacidade sucessória dos mesmos em
sucessão testamentária ou contratual desde que sejam filhos de pessoa
determinada viva ao tempo da abertura da sucessão.

O Doutor afirma que essa capacidade sucessória existe porque pode


ocorrer de o autor não confiar em determinada pessoa, mas não querer deixar de
beneficiar seus filhos, por exemplo. Também pode existir por uma razão de evitar
certa desigualdade entre os filhos, visto que pode suceder de já estarem nascidos
o concebidos alguns filhos, mas ser possível que nasçam ainda outros.

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Contudo, a lei não regulou de forma clara a quem pertenceria a


administração dos bens deixados aos nascituros não concebidos. A administração
se conserva até que nasçam os instituídos ou haja a certeza de que o nascimento
não ocorrerá em curadoria provisória dos bens do ausente (art. 2239.º) – há aqui
uma analogia da curadoria provisória com a administração da herança deixada
sob condição suspensiva.

A lei não descurou este ponto, pois, no art. 2240.°, n.º 1, mandou aplicar
às heranças deixadas aos nascituros ainda não concebidos146 as
disposições dos arts. 2237.° a 2239.°, relativas à administração da
herança deixada sob condição suspensiva147 , e, no art. 2239.°, dispôs
que os direitos e obrigações dos administradores de herança deixada sob
condição suspensiva são os mesmos que pertencem ao curador provisório
dos bens do ausente (cfr. supra, n.º 20). A herança deixada a nascituro
ainda não concebido é, pois, posta em administração, nos termos do art.
2237.°, e assim se conserva até que nasçam os instituídos ou haja a
certeza de que o nascimento não se dará.

O administrador da herança será então o co-herdeiro testamentário se o


houver e entre ele e os nascituros ainda não concebidos puder dar-se o direito de
acrescer se não houver co-herdeiro testamentário e, não havendo, será o herdeiro
presumido – art. 2238.º. O regime se traduz em entregar a administração dos
bens deixados a nascituros não concebidos às pessoas que virão a recebê-los na
hipótese de o nascituro não se verificar > confiar a administração a quem tenha
na conservação dos bens um maior interesse.

Em relação aos poderes do administrador o art. 2239.º remete para as


normas que definem os direitos e obrigações do curador provisório dos bens do
ausente, sendo que os referidos poderes irão se limitar aos atos de administração
ordinária, sendo que pode ainda propor ações conservatórias e urgentes e
prestará contas ao tribunal. O regime da administração termina quando ocorre o
nascimento ou haja certeza de que esse nascimento não se pode dar – art.
2237.º/1. Logo que tal certeza se obtenha, a herança deixada aos nascituros ainda
não concebidos será devolvida aos herdeiros legítimos do testador.

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Merece referência especial o problema da partilha da herança deixada


(no todo ou em parte) a nascituros ainda não concebidos. Suponhamos
que A institui seus herdeiros “os filhos que B venha a ter” ou “os filhos de
B, os já nascidos e os que venham a nascer”, e que, no momento da morte
de A, já existem um ou alguns filhos de B mas é possível que nasçam
outros. Em casos destes, põe-se a questão de saber quando e como há-de
proceder-se à partilha da herança entre os co-herdeiros instituídos. A
doutrina oferece três possíveis soluções:

• A partilha não é possível senão depois de haver a certeza de que não


nascem mais filhos – certeza que normalmente só existe com a morte do
progenitor dos instituídos, o que acaba por retardar o momento da
partilha por muito tempo (art. 1412.º). Afirma o Doutor então que é uma
solução que desacautela os interesses dos herdeiros já existentes;
• A morte do testador se deveria fazer uma partilha aproximativa dos bens
entre os filhos já nascimentos nesse momento, isto é, uma partilha em que
se tomasse em conta o número de filhos que provavelmente viriam a
nascer – juiz tentaria determinar o número provável de filhos que ainda
nasceriam;
• Partilha sob condição resolutiva, sendo que na morte do testador a herança
seria repartida pelos herdeiros já existentes, mas a partilha ficaria sujeita
à condição resolutiva de posteriormente nascerem mais filhos. O Doutor
afirma que essa parece ser a melhor das soluções, visto que ficam
salvaguardados os interesses dos filhos que eventualmente venham a
nascer depois da partilha – podendo eles reivindicar os bens que lhes
pertencerem ainda que estes já se encontrem nas mãos de terceiro, para
quem tenham sido transferidos – é a que oferece menores convenientes.

Outra construção é a que joga com o conceito de uma vocação condicional,


subordinada a uma condição legal (conditio iuris), que é o do nascimento dos
instituídos. É talvez esta a construção mais divulgada162. E, a ser ela exacta,
estaremos aqui em face de um caso em que se admitirá — excepcionalmente —
a vocação, embora condicional, de pessoas ainda não existentes.

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➔ Resumo
Relativamente aos nascituros já concebidos, a lei no art. 2033.º usa a expressão
de capacidade sucessória no sentido de reconhecer que podem ser chamados os
nascituros já concebidos quer a título de sucessão legítima, testamentária ou
contratual (podem ser chamadas todas as pessoas nascidas ou concebidas). Aqui
temos que ter em conta o cruzamento com outras regras.

Também é importante perceber que mesmo os não concebidos podem ser


objeto de tutela concessória, não ao nível da sucessão legal, mas ao nível da
sucessão contratual ou legal (art. 2033.º). Os nascituros não concebidos, que
sejam filhos de pessoa determinada viva ao tempo da abertura da sucessão, têm
ainda capacidade. O nascimento aqui funciona como uma verdadeira condição.

3. Capacidade sucessória
É preciso que o chamado à sucessão seja capaz de suceder o de cuiús no momento
da morte deste. Podemos então qualificar a capacidade sucessória como
idoneidade para ser chamado a suceder, como herdeiro ou legatário.

Dessa forma, quanto à capacidade sucessória o princípio para sua


determinação é o mesmo que rege as regras do direito civil da capacidade jurídica,
sendo que a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção > são capazes de
suceder todas as pessoas, singulares ou coletivas, que a lei não declare
incapazes (art. 2033.º).

A capacidade sucessória é assim regulada justamente porque ser chamado


à sucessão não implica quaisquer obrigações ou responsabilidades, pelo que terá
capacidade todos aqueles também capazes de contraírem negócios jurídicos.

Vale então mencionar que a capacidade sucessória deve ser medida no


momento da abertura da sucessão, conforme arts. 2033.º e 2035.º/a. No entanto,
esse princípio carrega exceções, nomeadamente em relação às pessoas que ainda
não existiam no momento da abertura da sucessão, como os nascituros não

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concebidos e pessoas coletivas ainda não reconhecidas > momento ulterior da


vocação sucessória.

Além disso, o princípio também não irá valer em caso de instituição de


herdeiro ou legado em que é aposta uma condição suspensiva, caso em que a lei
exige capacidade sucessória também no momento de verificação da condição (art.
2035.º/2).

Ainda podemos levar em consideração para esse aspecto casos de


incapacidade sucessória que são posteriores ao momento da abertura da
sucessão, conforme art. 2034.º/d > se se verificar alguma das situações previstas
na referida alínea a pessoa que é capaz tornar-se-á incapaz e a vocação irá se
resolver de forma retroativa.

Assim, veremos agora os casos de incapacidades sucessórias, os quais


estão previstos nos arts. 2033.º a 2038.º do C.C. e, ainda, nos arts. 2166.º e 2167.º
doo mesmo. As incapacidades sucessórias filiam-se todas, no direito português,
numa ideia de indignidade do sucessível (e não de qualquer incapacidade natural)
– conforme artigo 2034.º.

• Comportamento indigno – incapacidade por indignidade: atentado


contra a vida do autor da sucessão, atentado contra a liberdade de testar,
atentado contra o próprio testamento ou atentado contra a honra do autor
da sucessão ou seus familiares (art. 2034.º/a/b/c/d).

Dessa forma, a indignidade precisa provir de declaração judicial de


indignidade, pois não opera de forma automática, conforme art. 2036.º.
Contudo, a lei é omissa em relação à legitimidade ativa para a referida ação, a
qual pode ser intentada somente dentro do prazo de dois anos a contar da
abertura da sucessão ou dentro de um ano a contar da condenação pelos crimes
previstos nas alíneas do art. 2034.º.

Em relação aos efeitos da declaração de indignidade é preciso então que


separemos entre aa sucessão legal e a testamentária. Bom, na legal serão

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chamados a suceder em vez do incapaz os seus descendentes, conforme art.


2037.º/2; enquanto na sucessão testamentária serão chamados os substitutos ou
os outros co-herdeiros testamentários e, na sua falta, os herdeiros legítimos do
testador. Essa diferença se dá justamente porque na sucessão testamentária o
direito de representação não funciona no caso de indignidade, como resulta do
art. 2041.º e 2037.º.

No entanto, o art. 2038.º/1 ainda admite que o indigno possa ser


reabilitado mesmo após a declaração de indignidade ter sido feita. Ou seja, pode
o indigno em certas situações readquirir a sua capacidade sucessória se o autor
da sucessão expressamente o reabilitar em testamento ou escritura pública – vale
também a reabilitação tácita no ocaso de o testador contemplar o indigno
quando há conhecia a causa da indignidade.

Assim, quanto à capacidade sucessória temos outra dimensão. Esta


capacidade sucessória é a idoneidade para ser chamado a suceder, como herdeiro
ou legatário, no momento da morte do de cuius. A regra é a capacidade e a exceção
é a incapacidade, pois têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as
pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão e não
excetuadas por lei (art. 2033.º).

No fundo, o que temos em causa é quase uma aproximação negativa ao


conceito de capacidade: uma pessoa é capaz de suceder se não tiver incorrida em
determinados comportamentos que a tornem não idônea para ser chamada a
suceder na prática. A capacidade irá ser avaliada no momento da abertura da
sucessão, mas há situações em que isso acaba por não poder ser feito, desde logo
quanto às pessoas inexistentes e também porque temos causas de falta de
capacidade e incapacidade posteriores.

Vamos então olhar para as incapacidades sucessórias, sendo que temos


que fazer uma distinção entre a disciplina genérica das incapacidades previstas
no art. 2034.º e que vale tanto para a sucessão legítima quanto para a
testamentária; e as regras específicas para a sucessão legitimária que dizem

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respeito à situação de deserdação (art. 2166.º e 2167.º). Veremos então quais são
esses atos:

I) Atentado contra a vida do autor da sucessão (art. 2034.º -


incapacidade por indignidade)
É verdade que aqui pode haver reabilitação do indigno (art. 2038.º), sendo que
apesar de termos esses comportamentos que a lei considera que afasta o autor da
sucessão, pode haver situações de reabilitação.
II) Atentado contra a honra do autor da sucessão (art. 2034.º -
incapacidade por indignidade)
III) Atentado contra a liberdade / contra o testamento
O que dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o
testamento, antes ou depois...

É necessária ação judicial que obtenha a declaração de indignidade? O art.


2036.º trata da questão, mas não de forma unânime, visto ainda haver
divergência doutrinal. Vieram a ser acrescentados em 2014 dois números ao art.
2036.º no sentido de opor ser necessária a comunicação ao MP da declaração de
indignidade. Essa modificação foi apresentada no contexto de violência
doméstica, isto é, situações em que o único herdeiro era o autor do homicídio.
Concedeu-se aqui legitimidade ao MP para intentar a declaração, o que resulta
na sua necessidade de ser intentada para que opere a falta de capacidade
sucessória no caso em concreto. Com isso, chegamos à conclusão de que não
operam automaticamente e é necessária declaração judicial.

Este elenco é limitado, mas há uma série de comportamentos que


sustentariam ainda de forma mais sólida a indignidade e que não estão previstos
na lei >> enumeração taxativa.

| Modos de vocação
O chamamento sucessório pode ser feito de modos diferentes: a vocação pode
ser originária ou subsequente, pura e simples ou condicionar, direta ou indireta.

1. Vocação originária e vocação subsequente

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A vocação será originária quando se verificar no momento da abertura da


sucessão; e será subsequente quando operar em momento posterior a este. Em
regra, a vocação é originária, mas há casos excepcionais de vocação subsequente,
sendo o mais comum o do chamado repudiar a herança (art. 2032.º/2).

Assim, segundo a tese de OPPO acerca da instituição de nascituros não


concebidos, a vocação dos nascituros só se faria no momento do
nascimento dos instituídos, pelo que estaríamos aqui perante uma
vocação sucessiva; e seria essa também a natureza da instituição
condicional de herdeiro.

Com isso, nem sempre a vocação se dá no momento da abertura da


sucessão. Podemos ter situações de vocação originária (no momento da abertura)
e ainda situações de vocação subsequente (em momento posterior) > art.
2032.º.

Imagine que A morre e tem dois filhos. Ambos são chamados, preenchem
os pressupostos da vocação sucessória, mas um dos filhos repudia e não quer
aceitar a herança. O art. 2032.º diz que serão chamados os subsequentes.

2. Vocação simples e pura e vocação condicional


À vocação pode apor-se uma condição, suspensiva ou resolutiva, conforme dita
os arts. 2236.º a 2239.º do C.C. No caso de condição resolutiva o tribunal
pode impor ao herdeiro ou legatário a obrigação de prestar caução, a menos
que o testador o dispense de a prestar, no interesse daqueles a favor de quem a
herança ou o legado será diferido no caso de a condição se verificar (art.
2236.º/1/3). O mesmo ocorre para o caso de legado (art. 2236.º/2).

Se o herdeiro for instituído sob condição suspensiva, a herança é


posta em administração até que a condição se cumpra ou haja a certeza
de que não pode cumprir-se (art. 2237.°, n.º 1). A administração pertence
ao próprio herdeiro condicional e, se ele a não aceitar, ao seu substituto;
se não existir substituto ou este também a não aceitar, a administração
pertence ao coherdeiro ou co-herdeiros incondicionais com direito de

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acrescer, e, na sua falta, ao herdeiro legítimo presumido (art. 2238.°, n.º


1).

Com isso, os administradores da herança ou do legado estarão sujeitos ao


regime aplicável ao curador provisório dos bens do ausente, conforme indica art.
2239.º do C.C.

3. Vocação direta e vocação indireta


A vocação indireta ocorre sempre que alguém suceder em vez de outra pessoa que
não pôde ou repudiou a sucessão: alguém não pôde ser chamado à sucessão de
outrem, por falta de quaisquer dos pressupostos da vocação, ou que foi chamado
mas respondeu negativamente ao chamamento.

Na vocação indireta os bens transmitem-se diretamente ao chamado


indireto, ou seja, não há transmissão de bens para o primeiro sucessor e depois
para o sucessor indireto. Há somente um fenômeno sucessório. Com isso,
constituem exemplos de vocação indireta: direito de representação, substituição
direta ou vulgar e o direito de acrescer. Vejamos cada um deles.

3.1. Direito de representação


Encontramos o direito de representação tanto na sucessão legítima (art. 2039.º)
quanto na sucessão testamentária (art. 2041.º), sendo ainda que as regras da
sucessão legítima se aplicam à sucessão legitimária por analogia.

Na sucessão testamentária admite-se apenas situação de representação em


casos de pré-morte ou repúdio. Na sucessão legítima sabemos que valem as
situações de representação sucessória nas situações de: pré-morte e incapacidade
(quando não se reúnem os pressupostos da vocação sucessória).

Há aqui duas figuras muito próximas e que por vezes suscitam confusões:
direito de representação e transmissão do direito de aceitar ou repudiar a
herança. Nas situações de pré-morte em que se dá o direito de representação
podemos ter aqui similitudes do ponto de vista factual com situações em que o
chamado falece sem exercer o direito de aceitar ou repudiar.

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Exemplo: A morre, mas seu filho B já tinha pré-falecido, sendo que uma semana
depois a filha C também morre sem exercer seu direito de aceitar ou repudiar a
herança. Porém, B e C possuem dois filhos cada. Há aqui um esquema em que
temos filhos, uma situação em que todos já morreram e que temos o mesmo
número de netos. A diferença é que em um dos casos se dá o direito de
representação e no outro irá se dar a transmissão do direito de aceitar ou repudiar
a herança.

Quando A morreu o B já tinha morrido, sendo que aqui há um pressuposto


da vocação sucessória que não se preencheu: existência. Não pode B aceitar a
herança, pelo que seus filhos irão ser chamados no lugar de B que não pôde
aceitar a herança legal. Quanto à C, chegou a ser chamada, ou seja, no momento
da morte de A preenchia os pressupostos da vocação sucessória. Não há quanto à
C uma situação de pré-morte, mas sim uma sucessão subsequente, pelo que irá
se transmitir aos seus filhos o direito de aceitar a herança de A.

Antes de versarmos o problema da extensão do direito de representação,


cumpre-nos distingui-lo de outras figuras jurídicas com que poderá
eventualmente confundir-se. Desde logo, o direito de representação é
figura distinta da representação que estudámos na Teoria Geral do
Direito Civil. Na verdade, a representação supõe o exercício de um direito
em nome de outrem: os efeitos jurídicos dos actos praticados pelo
representante vão produzir-se na esfera jurídica do representado. Pelo
contrário, no direito de representação há uma actuação em nome
próprio: quando aceita a herança, quando intervém na partilha ou no
inventário, etc., o representante não age em nome do representado mas
em seu próprio nome. Nem o representante é sucessor do representado,
mas do autor da sucessão cuja posição jurídica vem ocupar.

Em segundo lugar, o ius representationis também se não identifica


com o ius transmissionis, ou seja, com a transmissão do direito de
aceitar. Enquanto o direito de representação pressupõe que o
representado não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado — que

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não chegou a ser chamado ou respondeu não ao chamamento sucessório


—, o direito de transmissão, pelo contrário, pressupõe que o chamado à
sucessão faleceu sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a
herança ou o legado. Enquanto no direito de representação há um só
fenómeno sucessório, na transmissão do direito de aceitar operam-se dois
fenómenos sucessórios.

Por outro lado, enquanto o direito de representação é exclusivamente


atribuído (na sucessão legal) aos descendentes dos filhos ou dos irmãos do “de
cuius” (art. 2042.°), o direito de aceitar ou repudiar transmite-se genericamente
aos herdeiros (legítimos ou testamentários) do chamado que não chegou a
exercer aquele direito (art. 2058.°).

Assim sendo, a doutrina moderna considera que o direito de representação


envolve uma verdadeira substituição legal, visto que através desse direito a lei
substitui ao representado os seus descendentes. No direito de representação
estamos perante a situação em que alguém não pôde ou não quis aceitar a herança
ou legado (bens do autor da sucessão irão passar diretamente aos
representantes), sendo que há um fenômeno sucessório só e os bens passam
diretamente do autor para o representante, sendo exclusivamente atribuído aos
descendentes dos filhos ou irmãos do de cujus (art. 2042.º).

Quando temos a transmissão há um chamamento, pelo que o chamado


faleceu sem exercer o direito de aceitar ou repudiar, sendo que teremos dois
fenômenos sucessórios diferentes. Aqui há aquisição do autor da sucessão do
direito de aceitar ou repudiar e transmissão para os herdeiros, sendo que falamos
de uma transmissão genérica aos herdeiros do chamado que não chegou a exercer
o direito de aceitar ou repudiar (art. 2058.º).

Agora veremos os pressupostos do direito de representação na sucessão


legal e na sucessão testamentária. Bom, na sucessão legal há dois pressupostos
previstos no art. 2042.º: (i) falta de um parente da 1ª ou 3ª classes de
sucessíveis do art. 2133.º/1, abrangendo o termo “falta” as seguintes situações:

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pré-morte, incapacidade por indignidade, deserdação, ausência e repúdio; (ii)


existência de descendentes do parente excluído da sucessão.
Na sucessão legal temos tanto em linha reta quanto em colateral, sendo
que basta que falte um parente na primeira ou terceira classe de sucessíveis e que
estejamos perante uma dessas situações: pré-morte, incapacidade por
indignidade, deserdação, ausência e repúdio.

Por outro lado, na sucessão testamentária os pressupostos são os mesmos,


mas há duas cruciais diferenças: (i) tem lugar nos casos de pré-morte e repúdio,
mas não de incapacidade; (ii) não se admite quando se verifique alguma das
circunstâncias previstas no art. 2041.º/2/a/b/c e nem em relação ao
fideicomissário (art. 2293.º/2) e no legado de usufruto ou de outro direito pessoal
(al. c).

Na sucessão testamentária temos os mesmos pressupostos, mas não há direito de


representação em situações de incapacidade por indignidade e também não há
direito de sucessão sempre que o testador manifesta uma vontade contrária à
representação e também nas situações do art. 2041.º/2/a/b/c.

A representação não irá se verificar se tiver sido designado substituto, se


tivermos a figura do fideicomissário e, ainda, no legado de usufruto ou de outro
direito pessoal (art. 2041.º).

Dessa forma, segundo o art. 2045.º podemos ter noção da extensão do


direito de representação, diante do qual “a representação tem lugar ainda que
todos os membros das várias estirpes estejam, relativamente ao autor da
sucessão, no mesmo grau de parentesco, ou exista uma só estirpe”. Assim, o
direito de representação funciona também nos casos de igualdade de graus
sucessórios com pluralidade de estirpes e mesmo no de haver uma única estirpe.

Veremos ainda que a lei considera que a representação tem lugar, ainda
que todos os membros das várias estirpes estejam, relativamente ao autor da
sucessão, no mesmo grau de parentesco ou exista uma só estirpe. Uma estirpe é
um agrupamento familiar composto por um progenitor e seus descendentes

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(imagine que A morre, tem dois filhos que faleceram e tem netos). O direito de
representação se justifica quanto à parentes de diferentes graus sucessórios,
parentes em igualdade de graus sucessórios e, ainda, existência de uma única
estirpe.

A extensão do direito de representação envolve uma série de situações:

➔ Desigualdade de graus sucessórios


Queremos aqui, no fundo, igualar os diferentes graus sucessivos (art.
2135.º). O funcionamento do direito de representação permite que se
chame quem normalmente não seria chamado (art. 2042.º).

Suponhamos que A faleceu no estado de viúvo e deixou um filho, B, e dois


netos, D e E, filhos de um filho pré-falecido, C. Como D e E sucedem
representativamente a A vão ocupar a posição jurídica de C, sendo-lhes
atribuídos os mesmos direitos e obrigações de que C seria titular se
tivesse chegado a suceder. D e E herdarão, portanto, metade da herança
de A, pertencendo a B a outra metade. Neste caso, como se vê, o direito
de representação serve para, igualando os diversos graus de sucessíveis,
chamar a suceder pessoas que de outro modo não seriam chamadas; se
não fosse o direito de representação D e E seriam excluídos da sucessão,
pelo princípio de sucessão legítima de que o parente mais próximo exclui
o parente mais afastado (art.2135. °).

➔ Igualdade de graus sucessórios com pluralidade de estirpes


Nesse caso os parentes estão todos no mesmo grau sucessório, mas só os
netos sobreviveram. Não temos o caso de ter que criar uma sucessão ao
art. 2135.º porque aqui estão todos no mesmo grau, sendo que o art.
2045.º diz-nos que deve aplicar-se mesmo que todos estejam no mesmo
grau de parentesco. Isso é importante porque a partilha irá ser feita por
estirpes, ou seja, A morre e deixa os seus netos D e E, filhos de B, e também
F, G e H, filhos de C. Há aqui uma desigualdade.

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À cada estirpe cabe o que caberia ao ascendente (D e E receberiam


1500, sendo que F, G e H cada um recebe 1000 euros) > isso para que não
haja partilha por cabeça e sim por estirpe. Não é o afastamento do
princípio da preferência dos graus do parentesco, mas o afastamento da
partilha por cabeça que se dá com poderes de representação.

Outra hipótese ainda nesse número é o caso de exatamente o


mesmo número de netos e ainda com todos no mesmo grau sucessório,
mas agora um deles repudia. Isto em um primeiro momento pareceria
indiferente se a partilha se fizesse por estirpes ou por cabeça. Aqui é
importante fazermos a partilha por estirpes porque o direito de acrescer
vai funcionar não só relativamente aos netos todos, mas aos irmãos de
daquele que repudiou. Quem irá se beneficiar são os irmãos justamente
porque há sucessão por estirpes (ao invés de receber 1000 euros, recebem
1500).

Por fim, uma terceira hipótese envolve uma situação em que temos
igualdade de graus sucessórios com pluralidade de estirpes. Relevante
aqui é saber quem irá conferir relativamente a uma doação que tiver sido
feita. Se temos uma doação feita a um filho, este irá ter de conferir e
relativamente aos bens deixados o B terá de receber ainda só metade da
doação, visto que teremos a importação da doação que foi feita ao seu pai.

Quando, pelo contrário, os parentes que concorrem à sucessão se


encontram todos no mesmo grau de parentesco em relação ao de cuius —
p. ex., são todos netos —, o direito de representação já não pode servir,
como é óbvio, para atribuir o direito de suceder aos parentes mais
afastados.
Vimos, porém, que o art. 2045.° é muito expresso no sentido de que a
representação tem lugar “ainda que todos os membros das várias
estirpes estejam, relativamente ao autor da sucessão, no mesmo grau de
parentesco”; e, na verdade, o direito de representação ainda neste caso
tem consequências muito importantes. De um modo geral, pode dizer-se
que o direito de representação leva neste caso a uma partilha por

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estirpes, o que tem interesse (ainda que as várias estirpes tenham o


mesmo número de membros) para efeitos de direito de acrescer, e obriga
o representante a conferir na sua legitima os bens doados ao
representado pelo autor da sucessão.

o Exemplo 1: A faleceu no estado de viúvo e deixou dois filhos, B e


C, que, todavia, faleceram antes do pai ou repudiaram a herança
deste; B tem dois filhos, D e E, e C tem três filhos, F, G e H. Num
caso como este — de igualdade de graus sucessórios com
pluralidade de estirpes e desigualdade do número de membros de
cada estirpe —, torna-se manifesto o interesse do direito de
representação. Pois havendo representação — nos termos do art.
2044.°, n.º 1 — “cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o
ascendente respectivo”. Assim, e admitindo que a herança de A era
de 6.000 contos, 3.000 contos caberão à estirpe de B e outros
3.000 à de C, pelo que D e E receberão cada um 1.500 contos,
enquanto F, G e H só receberão cada um 1.000 contos. Se não
existisse direito de representação e a partilha se fizesse por cabeça,
a solução seria muito diversa. A herança dividir-se-ia em partes
iguais pelos cinco netos, recebendo cada um 1.200 contos.

o Exemplo 2: Consideremos agora o caso de igualdade de graus


sucessórios com pluralidade de estirpes e igualdade do número de
membros de cada estirpe. Suponhamos que B e C faleceram antes
de A e cada um deixou três filhos. Neste caso parece indiferente
que a partilha se faça por estirpes ou por cabeça: seja como for, se
A tiver deixado 6.000 contos cada um dos netos receberá 1.000
contos. Mas a partilha por estirpes ainda aqui tem interesse, desde
logo, para efeitos de direito de acrescer. Se, p. ex., G repudia a sua
parte, a quota vaga vai acrescer a quem? Se a partilha se fizesse
por cabeça, acresceria a todos os co-herdeiros: não só a H e I, mas
também a D, E e F; como, porém, os netos sucedem por direito de
representação e a partilha se faz por estirpes, aquela quota vaga
acresce apenas aos irmãos de G (H e I). É o que resulta ainda da

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regra do art. 2044.°, n.º 1. Assim, o direito de representação


continua a ter interesse neste caso — de as duas estirpes terem o
mesmo número de membros —, pois limita o direito de acrescer
aos membros da estirpe cujo componente não pôde ou não quis
aceitar a herança.

o Exemplo 3: Finalmente, vejamos como o direito de


representação opera outra sua importante consequência prática,
a de obrigar o representante a conferir, nas relações entre os
vários herdeiros legitimários, os bens doados ao representado
pelo autor da sucessão. No exemplo que vamos dar
apresentaremos um caso de igualdade de graus sucessórios com
pluralidade de estirpes e igualdade do número de membros de
cada estirpe; é claro, porém, que o efeito do direito de
representação aqui visado se opera em qualquer caso de
pluralidade de estirpes, quer as várias estirpes tenham o mesmo
ou diferente número de membros, e quer os membros das várias
estirpes estejam no mesmo ou em diferente grau de parentesco
com o autor da sucessão.
Suponhamos que A faleceu e deixou dois netos, D e E, filhos de dois
filhos de A pré-falecidos, B e C, respectivamente. E suponhamos
que A fizera a B uma doação de 1.000 contos e deixou bens no valor
de 3.000 contos, quando faleceu. Como D sucede
representativamente a A — e, portanto, no lugar de B, sendo a
posição deste o ponto de referência a partir do qual se definem os
seus direitos e obrigações —, D será obrigado a conferir na sua
legítima a doação feita a B195, assim como este seria obrigado, se
tivesse sucedido a A, a fazer a mesma conferência. É a solução que
resulta do art. 2106.°, e que vale, conforme aí se diz, ainda que D
não haja tirado beneficio da doação feita ao seu pai.
Assim, dos 3.000 contos deixados por A, D só receberá 1.000
contos, pois terá de trazer à colação os 1.000 contos doados a B,
enquanto E receberá 2.000 contos. Se não houvesse aqui direito de
representação e os netos sucedessem por direito próprio, a forma

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da partilha seria diferente: nesse caso, os 3.000 contos deixados


por A dividir-seiam, em partes iguais, por D e E.

➔ Unidade de estirpe
A questão da existência de direito de representação no caso de unidade
de estirpe era muito discutida na vigência do Código de Seabra, mas o
Código de 1966 resolveu-a no art. 2045.°, ao dispor que a representação
tem lugar “ainda que exista uma só estirpe”. Nem importará que essa
estirpe única tenha um só ou vários membros: a lei não distingue e não
há razão para distinguir.

Exemplo: Suponhamos que A faleceu no estado de viuvez e deixou um


neto, C, filho de um filho pré-falecido, B. A deixou 2.000 contos na sua
herança; tinha doado 1.000 contos a B, e, depois, tinha feito uma doação
de 3.000 contos a um estranho, D. Num caso destes, é claro que o direito
de representação não serve nenhuma das finalidades a que nos referimos
até aqui. Não é o direito de representação que atribui a C o direito de
suceder e, havendo uma só estirpe, não há lugar obviamente a uma
partilha por estirpes; por outro lado, não se põe agora o problema da
colação, pois esta é uma operação da partilha e não há aqui qualquer
partilha a efectuar. Mesmo neste caso, porém, o direito de representação
continua a ter interesse, para o efeito de saber se será inoficiosa e em que
medida a doação feita a D. Como C sucede representativamente a A — e,
portanto, no lugar de B, sendo a posição deste o ponto de referência a
partir do qual se definem os seus direitos e obrigações —, C será obrigado
a imputar na sua legítima a doação feita a B196, do que resultará que a
doação a D não será inoficiosa. A legítima de C, que é de 3.000 contos
(art. 2159.°, n.º 2), estará preenchida com os 2.000 contos deixados e os
1.000 contos doados a B e imputados na legítima de C. A doação a D terá
esgotado — mas não ultrapassado — a quota disponível do doador, da
qual não terá saído a doação feita a B. A solução diversa se chegaria se
C não sucedesse representativamente. A doação a B seria então imputada
na quota disponível e a doação a D poderia ser reduzida por
inoficiosidade. Com efeito, sendo a doação a B imputada na quota

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disponível, A teria disposto de 4.000 contos (1.000 + 3.000) por conta


daquela quota, que era de 3.000 contos apenas. Sendo a legítima de C de
3.000 contos, C poderia reduzir em 1.000 contos a doação feita a D para
acabar de a preencher.

Posto tudo isso, podemos então afirmar que a finalidade maior do direito de
representação é a de evitar que as circunstâncias fortuitas e imprevistas venham
alterar a disciplina normal da sucessão. As pessoas fazem os seus planos de vida
na previsão da normalidade das coisas, e não seria justo que eventos ocasionais
e fortuitos frustrassem essas previsões e expectativas, dos herdeiros
legitimários e até de terceiros donatários; na ideia da lei, circunstâncias
imprevisíveis como a pré-morte do filho ao pai, a ausência, a indignidade, a
deserdação ou o repúdio não devem repercutir-se no modo como se opera ou
desenvolve a sucessão.

Portanto, o direito de representação contém vários efeitos: o primeiro


deles é o de atribuir o direito de suceder aos parentes mais afastados. O segundo
é acarretar uma partilha por estirpes e o terceiro é o de imputar na legítima do
representante os bens doados ao representado pelo autor da sucessão.

3.2. Substituição direta


A substituição direta vem prevista no art. 2281.º e consiste nas situações em
que o testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro instituído para o caso
de este não poder ou não querer aceitar a herança: é o que se chama substituição
direta.

3.3. Direito de acrescer


Se dois ou mais herdeiros forem instituídos na totalidade ou numa quota dos
bens, seja ou não conjunta a instituição, e algum deles não puder ou não quiser
aceitar a herança, acrescerá a sua parte à dos outros herdeiros instituídos na
totalidade ou na quota (art. 2301.º).

| Momentos eventuais

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Bom, já vimos a abertura, o chamamento, a herança jacente e a aceitação, sendo


que agora chegaremos aos momentos eventuais – até agora todos eram
necessários. Somente na presença de determinadas circunstâncias é que os
momentos eventuais irão operar, sendo o primeiro momento o da citação
(confirmar se é citação) da herança (art. 2075.º).

Também podemos ter situações em que se dá a alienação da herança, antes


da partilha da herança. Por outro lado, temos situações em que é necessário
administrar os bens da herança, que é feita por uma figura chamada cabeça-de-
casal (art. 2079.º). O cabeça-de-casal pode ser um cônjuge, mas também pode
ser um testamentário ou parentes que sejam herdeiros legais. Há uma
identificação do cabeça-de-casal com a figura do cônjuge sobrevivo, sendo a
figura utilizada para identificar o administrador da herança.

Por outro lado, podemos ter também a necessidade de liquidar a herança,


sendo que está em causa saber em que termos a herança irá responder (art.
2068.º). O tipo de aceitação que o herdeiro irá realizar é importante porque a
responsabilidade da herança tem a ver com o pagamento das dívidas e
cumprimento dos legados, pelo que temos de ter cautela do ponto de vista da
forma da aceitação.

É preciso, então, hierarquizar quem é pago com prioridade relativamente


a outros. Essas preferências serão dadas pelo art. 2070.º:
1. Credores da herança e os legatários irão gozar de preferência sobre os credores
pessoais do herdeiro;
2. A autonomia da herança se mantém durante 5 anos.

A ordem do 2068.º (despesas, dívidas, cumprimentos dos legados...) e


somente no fim os credores pessoais do herdeiro, sendo somente depois de 5 anos
que essas preferências deixam de vigorar.

A partilha será vista em capítulo ulterior.

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HERANÇA JACENTE

Vimos a abertura da sucessão e o chamamento (vocação), bem como as várias


modalidades do chamamento, direito de representação, substituição direta e
direito de acrescer. Isso significa que, tendo visto essa fase essencial do
chamamento que existe sempre no fenômeno sucessório, iremos prosseguir e
perceber o que se passa a seguir dos sucessíveis serem chamados.

Os sucessíveis são chamados e ainda não se deu a aceitação: herança


jacente – herança foi aberta, mas não foi declarada nem aceite e nem herança
vaga pelo Estado. A fase seguinte será, então, a aceitação se tivermos uma
resposta positiva ao chamamento.

1. Herança jacente e herança vaga – noção


A herança jacente faz parte do período em que o chamamento sucessório ainda
não obteve resposta, sendo este então o período que medeia entre o chamamento
e a resposta afirmativa ao mesmo.

Com isso, o art. 2046.º estipula que diz jacente a herança aberta, mas
ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado. A herança jacente é
regulamentada pelo art. 2046.º, sendo que o conceito de herança declarada
vaga para o Estado vem previsto no art. 2155.º: reconhecida judicialmente a
inexistência de outros sucessíveis legítimos... A Doutora afirma que quando o
autor da sucessão não dispõe dos seus bens de outra forma e não há sucessíveis a
herança será também declarada vaga – quando já não existe ninguém, nem
chamado a título legal e nem a título de natureza voluntária (art. 2133.º).

Dessa forma, na herança jacente o sucessível é chamado, mas não


aceitou e nem repudiou. Contudo, a lei admite que os atos de administração
praticados pelo sucessível não implica uma aceitação tácita, existindo essa
proteção da herança jacente porque por vezes pode se tornar urgente a
administração dos referidos bens (art. 2047.º).

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Excepcionalmente podemos ter uma nomeação feita pelo tribunal de um


curador para administrar os bens (e não um sucessível), conforme art. 2048.º.
A herança jacente não tem personalidade jurídica, mas para alguns efeitos é
reconhecida a personalidade judiciária.

Por outro lado, a herança vaga será aquela deferida ao Estado, por o de
cuiús ter falecido sem testamento e não haver herdeiros legítimos das categorias
ou classes sucessórias anteriores – sendo que a inexistência de outros sucessíveis
deve ser reconhecida judicialmente para que a herança seja então declarada vaga
para o Estado, conforme art. 2155.º.

Dessa forma, podemos então dizer que a administração da herança jacente


pertence ao chamado, que pode providenciar acerca da administração dos bens
se do retardamento das providencias puderem resultar prejuízos sem que os
atos de administração que pratique impliquem aceitação tácita da herança
(arts. 2047.º e 2056.º), com exceção do caso de ser necessário nomear curador à
herança (art. 2048.º/1).

Assim, podemos mencionar que a herança jacente não detém


personalidade jurídica, mas goza de personalidade judiciária nos termos do art.
6.º do CPC.

Se o sucessível chamado à herança, sendo conhecido, a não aceitar nem


repudiar dentro dos quinze dias seguintes, pode o tribunal, a requerimento do
Ministério Público ou de qualquer interessado, mandá-lo notificar para, no prazo
que lhe for fixado, declarar se a aceita ou repudia (art. 2049.°,nº 1).

A lei concede assim a quem tenha interesse em que o chamado responda


ao chamamento, ou ao Ministério Público, a faculdade de provocar uma resposta
do chamado, obrigando-o a declarar — no prazo que lhe for fixado pelo juiz — se
aceita ou não aceita a herança.

O processo em que se exerce essa faculdade é o processo cominatório de


aceitação ou repúdio da herança, regulado nos arts. 2049.” do Cód. Civ. e 1467.°-

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1468.° do Cód. Proc. Civ. Na falta de declaração de aceitação, ou não sendo


apresentado documento legal de repúdio dentro do prazo fixado, a herança tem-
se por aceita (art. 2049.°, n.º 2). Se o notificado repudiar a herança, serão
notificados os herdeiros imediatos201, e assim sucessivamente, até não haver
quem prefira ao Estado (art. 2049.°, n.º 3; Cód. Proc. Civ., art. 468.°).

Posteriormente, a próxima fase seguinte essencial é a aceitação, que


representa a resposta positiva ou negativa da herança (art. 2049.º). A aceitação
é, portanto, um ato livre, com exceção da desnecessidade de aceitação e
impossibilidade de repúdio prevista no art. 2154.º. A aceitação não é obrigatória
para o chamado, sendo só um chamado excluído dessa maneira que é o chamado
de última linha, o Estado. Relativamente ao Estado a aceitação da herança opera-
se por direito (senão teríamos situações jurídicas que careceriam de titular).

Assim, na aceitação temos um ato jurídico unilateral não receptício e


veremos ser aplicadas as regras gerais da capacidade e de vícios da vontade que
conhecemos, visto que estamos perante um ato de natureza pessoal. Com isso, a
herança pode ser aceita por algum ou alguns herdeiros e repudiadas pelo restante
(art. 2051.º).

ACEITAÇÃO SUCESSÓRIA

| Necessidade de aceitação
A aquisição sucessória só se opera pela aceitação, ou seja, pela resposta afirmativa
ao chamamento. Assim, a aceitação serve para que se verifique a aquisição
sucessória, contudo, não é obrigatória para o chamado, porque representa ato
livre para qualquer herdeiro ou legatário no âmbito da sucessão testamentária e
da sucessão legal (com exceção do art. 2154.º – sucessão do Estado enquanto
herdeiro legítimo).

Além disso, a aquisição se dá justamente pela aceitação, mas ela retrotrai


os seus efeitos à data da abertura da sucessão.

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Com isso, a aceitação da herança é um ato jurídico unilateral não receptício


diante do qual se aplica o regime dos negócios jurídicos previsto no art. 295.º do
C.C. Também é um direito de cariz patrimonial, que pode inclusive ser exercido
pelos credores do chamado nos termos do art. 2067.º do C.C. e 1469.º do CPC.

| Espécies de aceitação – art. 2056.º/1


Quanto às espécies de aceitação temos que realizar uma classificação (art.
2056.º): a aceitação pode ser expressa ou tácita. A aceitação será expressa
quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declarar
aceitá-la ou assumir o título de herdeiro com a intenção de adquirir.

Em relação à aceitação tácita, já vimos que o legislador determina que a


prática de atos de administração que visem afastar a existência de prejuízo não
podem ser entendidos como aceitação tácita da herança. Será tácita quando dos
factos que com toda a probabilidade seja possível alcançar ao resultado da
aceitação.

Por outro lado, a herança pode ser aceita pura e simplesmente (aceitação
pura e simples) ou pode ainda ser aceita a benefício de inventário (art. 2052.º).
• Pura e simples: permite que na parte possa haver uma confusão entre o
patrimônio do herdeiro e do de cujus, o que se torna essencial para saber
quais bens irão responder pela herança. O ônus da prova recai sobre os
herdeiros, o que acaba por gerar muitas implicações práticas;
• A benefício de inventário: estando inventariados os bens que
compõem a herança, caberá aos credores o ônus da prova de que há outros
bens.

O art. 2058.º foi falado à propósito da vocação sucessória para distingui-


lo da vocação indireta. Contudo, na verdade é que do ponto de vista teórico a
relevância do referido artigo é aqui, porque a transmissão do direito de aceitar ou
repudiar a herança só se dá depois do chamamento >> se o sucessível chamado
à herança falecer sem a haver aceitado ou repudiado, transmite-se aos seus
herdeiros o direito de a aceitar ou repudiar.

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Há ainda um prazo de caducidade do direito de aceitar a herança previsto


no art. 2059.º: 10 anos a contar da data em que o sucessível foi chamado.

Como a aceitação é um ato livre, pode não haver aceitação > repúdio (art.
2062.º). Também no repúdio os seus efeitos retroagem-se à abertura da
sucessão, ou seja, à data da morte do autor. Mesmo quem foi chamado será visto
como não tendo sido desde o momento da abertura da sucessão, com exceção da
representação. A pessoa considera-se não chamada, a não ser que ela própria terá
um filho, pelo que funcionará o direito de representação e o filho tomará o lugar
da pessoa. Se não tiver descendente, considera-se como não chamado e a sua
parte irá acrescer a do irmão, por exemplo.

Por isso, o repúdio é a outra face e também tem consequências em relação


à própria forma que tem que revestir. O repúdio tem exigências a título formal e
está sujeito à forma exigida pela herança (art. 2063.º e 2126.º).

1. Aceitação expressa
O sucessível chamado à herança declara em algum documento escrito que a aceita
ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir. A aceitação nesse
caso pode ser pura e simples ou, ainda, em benefício de inventário (art. 2052.º e
art. 2053.º/1).

2. Aceitação tácita
Resulta de factos concludentes, conforme art. 217.º/1. Deve ter-se em conta,
porém, que “os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam
aceitação tácita da herança” (art. 2056.°, n.º 3), o que bem se compreende, pois
os herdeiros podem praticar esses actos sem pretenderem comprometer-se no
sentido da aceitação.

| Nulidade e anulabilidade da aceitação


Os fundamentos da anulabilidade serão justamente os vícios da vontade previstos
no art. 2060.º, com exceção do erro que é irrelevante nesse caso. Além disso,
aplicam aqui todas as regras e causas de nulidade e anulabilidade dos negócios
jurídicos.

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| Transmissão do direito de aceitar


Nos termos do art. 2058.°, se o sucessível chamado à herança falecer sem a ter
aceitado ou repudiado transmite-se aos seus herdeiros legítimos ou
testamentários o direito de a aceitar ou repudiar. A transmissão só se verifica se
os herdeiros aceitarem a herança do falecido, mas os herdeiros podem repudiar,
querendo, a herança a que ele tinha sido chamado.

| Caducidade do direito de aceitar


O direito de aceitar a herança caduca ao fim de 10 anos (art. 2059.°, n.º 1); foi
esta uma importante inovação do Código de 1966. O prazo conta-se a partir da
data em que o sucessível teve conhecimento de haver sido chamado à herança (e
não necessariamente, a partir da data da abertura da herança); nos casos de
instituição sob condição suspensiva ou substituição fideicomissária, o prazo
conta-se, respectivamente, a partir do conhecimento da verificação da condição e
do conhecimento da morte do fiduciário ou da extinção da pessoa colectiva.

REPÚDIO DA HERANÇA

| Noção
O repúdio é o ato pelo qual o sucessível responde negativamente a herança, pelo
qual será então considerado não chamado. Assim, é a partir dessa ideia que se
definem os efeitos do repúdio, que irão retroagir ao momento da abertura da
sucessão, conforme art. 2062.º.

Se o primeiro chamado repudia a herança, verifica-se novo chamamento


a favor do designado imediato. E se este aceita, a aceitação tem efeitos
retroactivos e o segundo chamamento a favor do designado imediato. E se este
aceita, a aceitação tem efeitos retroactivos e o segundo chamado será
considerado herdeiro desde a data da abertura da sucessão — consegue-se deste
modo que não haja hiatos ou soluções de continuidade.

Desta feita, o repúdio é um ato jurídico unilateral não receptício, assim


como a aceitação, bem como pessoal, irrevogável, puro e simples e indivisível.

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Além disso, o repúdio está sujeito à forma exigida para a alienação da


herança, conforme art. 2063.º e 2126.º.

Por fim, os princípios gerais sobre nulidade ou anulabilidade dos negócios


jurídicos também se aplicam ao repúdio, com ressalva do art. 2065.°. Não é pois
anulável o repúdio com fundamento em simples erro (erro espontâneo, não
provocado), à semelhança do que acontece quanto à aceitação.

PETIÇÃO DA HERANÇA

Se os bens da herança ou parte deles estiverem a ser possuídos por terceiro, a


título de herdeiro, por outro título ou mesmo sem título, pode o herdeiro pedir
judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória e a consequente
restituição dos bens. O regime da acção de petição da herança consta dos arts.
2075.° a 2078.

ALIENAÇÃO DA HERANÇA

Os arts. 2124. ° e segs. regulam a alienação de herança ou de quinhão


hereditário, que está sujeita às disposições reguladoras do negócio jurídico que
lhe der causa (venda, doação, etc.). O art. 2125.° resolve dúvidas que poderiam
suscitar-se quanto ao objeto do negócio e o artigo seguinte dispõe acerca da
forma: a alienação de herança ou quinhão hereditário deve ser feita por escritura
pública se existirem bens cuja alienação deva ser feita por essa forma e, fora desse
caso, por documento particular. Já nos referimos atrás ao art. 2130.º que concede
aos co-herdeiros direito de preferência na venda ou dação cm cumprimento a
estranhos de quinhão hereditário.

ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA

O problema da administração da herança só se põe até à sua integral liquidação


e partilha, ou seja, enquanto estiverem por satisfazer os encargos da herança ou
esta se encontre indivisa. De acordo com o art. 2079.°, a administração da

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herança pertence em princípio ao cabeça-de-casal, e os preceitos seguintes dizem


a quem incumbe o cargo, quais são os poderes do cabeça-de-casal e em que casos
pode ele pedir escusa ou ser removido das suas funções, etc.

LIQUIDAÇÃO DA HERANÇA

| Encargos da herança
Na maioria das vezes a herança encontra-se onerada com encargos, sendo então
necessário proceder à sua liquidação. Em primeiro lugar, é preciso mencionar que
os encargos não são as mesmas coisas que as dívidas da herança, pois englobam
para além das dívidas do falecido as despesas com o funeral e os sufrágios do seu
autor, bem como os encargos com a testamentária, administração e liquidação do
patrimônio hereditário e cumprimento dos legados (art. 2068.º).

Assim sendo, os encargos serão liquidados conforme a ordem exposta no


art. 2068.º, sendo que vale ainda mencionar que os credores e os legatários
gozam de preferência sobre os credores pessoais do herdeiro, bem com os
credores da herança gozam de preferência sobre os legatários; preferência essa
que dura pelos cinco anos subsequentes à abertura da sucessão ou à constituição
da dívida.

Dessa forma, são os herdeiros e excepcionalmente os legatários que


respondem pelos encargos hereditários, sendo que há ainda responsabilidade do
usufrutuário da herança ou de quota da herança, pois o usufrutuário da
totalidade da herança é obrigado a pagar por inteiro o legado de alimentos ou
pensão vitalícia e o usufrutuário de quota da herança a contribuir para o
pagamento dos alimentos ou pensões vitalícias em proporção da sua quota (art.
2073.º).

A solução explica-se pela qualificação que a lei atribui ao


usufrutuário: não sendo herdeiro (art. 2030.°, n.º 4), achou-se
necessário responsabilizá-lo, todavia, por aqueles encargos. E a
sua responsabilidade justifica-se, pois se trata de encargos que
hão-de ser pagos periodicamente, com o rendimento dos bens e,

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por outro lado, responsabilizando por estes encargos o


usufrutuário (que recebe os rendimentos) melhor garantido ficará
o cumprimento dos encargos.

Quanto aos outros legados e encargos da herança em geral vale o art.


2072.º.

Com isso, podemos dizer que os princípios gerais sobre o modo de


liquidação dos encargos constam dos arts. 2097.º e 2098.º, sendo preciso
distinguir o momento antes e depois da partilha.

• Antes da partilha: bens da herança indivisa respondem em conjunto


pela satisfação dos encargos (art. 2097.º), não se tendo procedida ainda à
divisão dos bens, também se não dividem os encargos entre os co-
herdeiros;
• Depois da partilha: cada herdeiro só responde pelos encargos em
proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (art. 2098.º/1). E
porém válida a deliberação dos herdeiros de que o pagamento se fará à
custa de direito ou outros bens separados para esse efeito, ou ficará a cargo
de algum ou alguns deles; mas tal deliberação só obriga os credores e os
legatários nos termos fixados no art. 2098.º/3.

PARTILHA DA HERANÇA

| Direito de exigir a partilha


O momento eventual importantíssimos é o da partilha da herança previsto no
art. 2101.º, em que basta ter mais que um sucessível. É o momento em que se
dará finalmente a normalização da situação sucessória que surgiu da situação de
crise.

O direito de exigir a partilha é exercido pelas pessoas mencionados no art.


2101.º – qualquer co-herdeiro ou cônjuge meeiro. O cônjuge meeiro tem a ver
com o regime de bens diante de um regime de comunhão. Sabemos que,
dissolvendo-se o casamento por morte, antes da partilha sucessória terá de ter

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lugar à partilha conjugal caso haja um regime de comunhão. Há aqui uma


prioridade da partilha conjugal. A partilha global é então composta pela partilha
conjugal e pela partilha da herança. O direito de exigir a partilha é irrenunciável,
mas podem os bens serem indivisos pelo período de 5 anos.
Assim, o art. 2101.º/2 permite que o patrimônio hereditário se conserve
indiviso por certo prazo, que não exceda 5 anos, mas sendo lícito renovar esse
prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção.

IMPORTANTE! A lei aceita, por uma espécie de ficção legal, que cada um dos
herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens
que lhe foram atribuídos” (art. 2119.°)219, e parece assim dar à partilha
carácter declarativo e não atributivo ou translativo. Cada herdeiro adquire os
bens do seu lote, não dos outros compartilhantes, mas directamente do autor da
sucessão, tudo se passando como se esses bens (e só esses) tivessem sido sempre
seus. Uma consequência prática que costuma ligar-se a esta construção teórica
é a da validade dos actos de disposição praticados por um dos co-herdeiros
sobre bens que venham a ser-lhe adjudicados na partilha, mas a solução já
resultaria do art. 895.º.

| Formas de partilha (art. 2102.º)


Quanto à forma da partilha, o art. 2102.º estabelece que podemos ter uma
partilha realizada por acordo nas conservatórias ou por via notarial; ou por
inventário.

1. Partilha judicial
Existe em processo de inventário, quando a mesma for requerida por algum dos
interessados > inventário facultativo. No entanto, há casos de inventário
obrigatório da partilha judicial previstos no art. 2053.º em que a lei exige
aceitação beneficiária da herança e ainda os casos em que algum dos herdeiros
não possa, por motivo de ausência ou incapacidade permanente, outorgar em
partilha extrajudicial, conforme art. 2102.º/2.

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2. Partilha extrajudicial
Ocorrerá de forma extrajudicial se houver acordo de todos os interessados,
precisando então que este acordo revista a forma de escritura pública se existirem
coisas imóveis deixadas pela herança.

Assim, o processo de inventário é normalmente um processo de partilha,


mas às vezes não desempenha esta função e limita-se à relacionação ou
descrição dos bens hereditários. A distinção entre inventário-partilha e
inventário-arrolamento faz-se nestes termos. De um modo geral o processo de
inventário tem duas fases: a da relacionação dos bens (o “inventário”
propriamente dito) e a da partilha dos mesmos bens. Mas só comporta estas
duas fases quando há já mais que um interessado; de contrário, confina-se à
primeira fase e tem simples função de arrolamento. Como dispõe o art. 2103.°,
havendo um único interessado, o inventário a que haja de proceder-se “tem
apenas por fim relacionar os bens e, eventualmente, servir de base à liquidação
da herança”.

| A colação como operação de partilha


O art. 2104.º estipula que a colação é a restituição que, para igualação da
partilha, os descendentes que queiram entrar na sucessão do ascendente devem
fazer à massa da herança, dos bens ou valores que lhes foram doados por este.
Assim, a colação irá ser feita pela imputação do valor da doação ou da importância
das despesas na quota hereditária (art. 2108.º/1).

Dessa forma, o grande fundamento da colação é exatamente a vontade


presumida do de cuiús, o qual, ao fazer uma doação a um dos seus descendentes,
não terá querido avantajá-lo em face dos outros > terá sido a doação mera
antecipação da quota hereditária do donatário.

Sendo assim, quem está obrigado a conferir, em primeiro lugar, são os


descendentes presuntivos herdeiros legitimários do doador que pretendam
entrar na sucessão deste e não tenham sido dispensados de conferir os bens
doados.

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Maria Eduarda de Toledo Chiarelli

Não estão pois obrigados a conferir os ascendentes que queiram entrar


na sucessão do descendente, quer concorram à sucessão com o cônjuge
(art. 2142.°, n.º 1), quer, na falta de descendentes e de cônjuge, sejam
chamados à totalidade da herança (art. 2142.°, n.º 2): como neste caso,
segundo a normalidade da vida, o doador virá a morrer depois do
donatário, não se pode aqui presumir que a doação seja mera
antecipação da quota hereditária deste. Nem está obrigado a conferir o
cônjuge, mesmo que, como dispôs a Reforma de 1977, integre com os
filhos a primeira classe de sucessíveis, nos termos do art. 2139º, n.º 1.

A primeira especificidade diz respeito à colação, que é uma restituição que


se faz à massa da herança com determinado fim, que é a igualação da partilha,
dos bens que foram doados pelo autor da sucessão aos descendentes (art.
2104.º). Não há posição unânime acerca de quem está obrigado a restituir esses
bens à massa da herança, se apenas os descendentes ou se os descendentes e o
cônjuge.

O legislador parte do princípio de que quando alguém faz uma


benevolidade em relação a um filho na verdade não quer beneficiá-lo em relação
aos outros e sim antecipar a sua quota hereditário. O fundamento da colação é
que existe uma vantagem presumida do de cujus de não avantajar um
descendente relativamente aos outros e sim antecipar a sua quota hereditária.

Quem está obrigado são:


➔ Descendentes (muito discutido);
➔ Presuntivos herdeiros legitimários (art. 2105.º);
➔ Que pretendam entrar na sucessão: se há repúdio não há que trazer
à colação (situação comparada à dispensa e doação irá imputar-se na
quota disponível);
➔ Não tenham sido dispensados de conferir os bens doados:
legislador presume, mas essa presunção é ilidível pelo facto do autor da
sucessão dizer que quer dispensar e quer sim beneficiar o descendente com
a doação. Isso pode ter muita relevância em termos de reconhecimento de
cuidados prestados ao autor da sucessão (exemplo de pai doente e filho

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que ajuda). Há casos previstos no art. 2113.º que o legislador presume essa
dispensa.

Dentro da própria Escola de Coimbra temos duas posições extremamente


diferentes: Doutor Capelo de Sousa, que faz uma interpretação em função a favor
da evolução do sistema e considera que o conjugue deve estar incluído porque em
1977 houve uma evolução no sentido da equiparação dos cônjuges e dos
descendentes; e Doutor Pereira Coelho, que defende que não há uma equiparação
legal e podemos dizer que o cônjuge sobrevivo não se encaixa aqui. A Doutora
adota a posição do Doutor Pereira Coelho, que considera que o cônjuge não está
obrigado a restituir à massa da herança os bens que lhe forem doados.

É preciso pensar na lógica subjacente ao instituto da colação: o autor quis


antecipar a quota hereditária, o que não se pode dizer que existe uma obrigação
dos ascendentes por não se poder afirmar que essa presunção existe em relação a
estes.

NOTA! Também os representantes estão obrigados a conferir quando a doação


seja feita ao seu representado (art. 2106.º).

Para além das doações, há também outra categoria que integra o objeto da
colação. Está sujeito à colação tudo quando o falecido tiver dispendido
gratuitamente em proveito dos descendentes, conforme art. 2104.º. Esse artigo
pode causar certas complexidades, sendo por isso que o n.º 2 é importante para
excetuar uma série de despesas que não estão sujeitas à colação, tais como as
despesas com o casamento, alimentos, estabelecimento e colocação dos
descendentes, na medida em que se harmonizem com os usos e com a condição
social e econômica do falecido.

Exemplo: Se A morre e deixa dois filhos, B e C. B tem de pagar propinas na


Universidade, sendo que era A que lhe custeava. Essa despesa estará sujeita à
colação? Depende se harmonizava com os usos e com a condição social e
econômica do falecido. Se A for abastado, haverá conformação. Se A tiver
rendimentos médios, não haverá conformação.

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Com isso, são objeto de colação as doações e as despesas (com exceção das
referidas no art. 2110.º/2).

Há então três âmbitos da obrigação de conferir:


Agora veremos os diferentes regimes.

➔ Regime supletivo
O primeiro regime é o supletivo previsto no art. 2108.º, pois se aplica quando o
autor da sucessão nada diz e nada declara. A colação vai se fazer aqui pela
imputação do valor da doação ou da importância das despesas na quota
hereditária, sendo que se não houver na herança bens para igualar os herdeiros,
nem por isso são reduzidas as doações.

Estamos aqui a falar de doações omissas, pelo que o legislador presume


que não quis avantajar os descendentes em relação aos outros, só quer antecipar
a quota hereditária. Assim, encontraremos a doação na legítima, sendo que
imputa-se do lado da quota disponível. O objetivo da colação é a igualação dos
bens da partilha, sendo que se for imputado à quota indisponível e não passar
para o lado da quota disponível, a cada um dos herdeiros legitimários terá de ser
atribuído determinado valor na legítima subjetiva.

Exemplo: X morre e deixa 90 mil euros de massa da herança. Tem dois filhos,
A e B. Isso significa que 2/3 são a quota indisponível, logo, 60 mil euros. Temos
uma legítima subjetiva de 30 mil euros para cada um. Se X fizer uma doação de
25 mil euros a A e nada disser, teremos uma doação omissa. A doação será
imputada subjetivamente, pelo que terá direito de receber 5 mil euros de legítima
(25 + 5 = legítima). Contudo, se a doação for de 40 mil euros, imputaremos 30
mil do lado da legítima, mas os restantes 10 mil terão de ser imputados do lado
da quota disponível. No regime supletivo o legislador pretende que haja a
igualação possível. Cada um recebe 30 mil, mas Ana recebe mais 10 mil porque
aquela doação ultrapassou a sua legítima subjetiva se ainda tivermos valor
suficiente para igualação. Se a doação for de 60 mil euros, teremos 30 mil do lado
da quota indisponível e 30 mil da quota disponível, não havendo bens para

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igualar o irmão. Vigora o art. 2108.º/2 e a Ana irá manter a doação de 60 mil
euros e o irmão receberá sua legítima subjetiva de 30 mil já que não há bens
suficientes para igualar > nada se faz.

A doação é imputada na quota hereditária do donatário (art. 2108.°, n.º 1),


que é obrigado a conferir, não apenas dentro da sua legítima (como parecia dispor
o art. 2111.° do Código de Seabra), mas mesmo o excesso da doação sobre a
legítima, até onde haja na herança bens suficientes para igualar todos os
herdeiros. Só “se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os
herdeiros” (art. 2108.°, n.º 2) e que a doação já não tem de ser conferida, a partir
daí, embora, claro, sem prejuízo da sua eventual redução por inoficiosidade.

➔ Primeiro regime convencional

Doação feita por conta da legítima em que um herdeiro não se conforma


com a não igualação. Essa doação foi feita por conta da legítima e por isso o
herdeiro quer igualação total, pelo que o dinheiro terá de ser dividido por todos
os herdeiros (30 mil de excesso seria dividido entre A e B, sendo que cada um
recebera 15 mil – exatamente a mesma coisa).

A doação é feita “por conta da legítima”. O donatário é obrigado a conferir


todos os bens doados, para igualação da partilha entre os co-herdeiros, igualação
que, neste caso, a liberalidade do ascendente de modo nenhum quis prejudicar

➔ Segundo regime convencional: doação com dispensa de colação


(art. 2113.º)

A colação pode ser dispensada pelo doador no ato da doação ou


posteriormente. O art. 2114.º diz que não havendo lugar à colação a doação será
imputada na quota disponível. O propósito aqui é preservar a legítima, pois a
colação é vista como operação da partilha (art. 2108.º). Chegamos à conclusão de
que a colação se faz de duas maneiras: ou em valor ou em espécie.

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A doação é feita “com dispensa de colação” (art. 2113.°). A doação é


imputada na quota disponível (art. 2114.°) e não tem de ser conferida; se exceder
essa quota, porém, o excesso deve ser imputado na legítima do donatário. E se a
doação exceder a quota disponível e a legítima do donatário, está sujeita a
redução por inoficiosidade nos termos gerais.

SUCESSÃO LEGÍTIMA

| Introdução
A sucessão legítima irá ser aberta na falta de testamento, ou seja, quando o
falecido não tenha “disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens
que podia dispor para depois da morte” (art. 2131.°). Também é aberta a
sucessão legítima quando o testamento disposto pelo testador for inválido ou
dispor de somente parte dos bens.

Assim, podemos então dizer que o fundamento da sucessão legítima é a


vontade presumida do de cujus, embora a ordem que atualmente vigora em
Portugal justifica a sucessão no sentido de ser uma ordem mais justa que a
vontade do de cujus segundo as concepções do legislador.

Além disso, a sucessão legítima dispõe de caráter dispositivo: o título é a


lei e só abrimos sucessão legítima em que os casos em que o de cujus não tiver
disposto, em todo ou em parte, os bens que podia dispor para depois da morte
(art. 2131.º). Sabemos já que esses sucessores podem, inclusive, coincidir com os
sucessores legitimários.

Sendo assim, só iremos possuir sucessão legítima quando:


• Não houver testamento;
• O testador só dispôs de parte dos bens;
• O testamento não é válido.

Nos termos do art. 2133.°, a ordem por que são chamados os herdeiros,
sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a seguinte: a) Cônjuge e

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descendentes; b) Cônjuge e ascendentes; c) Irmãos e seus descendentes; d)


Outros colaterais até ao quarto grau; e) Estado.

O cônjuge sobrevivo integra a primeira classe de sucessíveis, salvo


se o autor da sucessão falecer sem descendentes e deixar ascendentes,
pois nesse caso integra a segunda classe. Assim, se o cônjuge concorrer à
sucessão com descendentes a herança divide-se por aquele e por estes,
nos termos dos arts. 2139.° e 2140.°. Na falta de cônjuge sobrevivo, a
herança divide-se pelos descendentes (arts. 2139.°, n.º 2, e 2140.°). Na
falta de descendentes é que há que fazer uma distinção: se também não
houver ascendentes sucede só o cônjuge; se houver ascendentes, a
herança divide-se pelo cônjuge e pelos ascendentes nos termos do art.
2142.°, n.º 1, integrando, pois, o cônjuge, ao lado dos ascendentes, a
segunda classe de sucessíveis. Em qualquer caso, o cônjuge não é
chamado à herança se se verificar alguma das três situações previstas no
art. 2133.°, n.º 3: a) se à data da morte do autor da sucessão já tinha
transitado em julgado a sentença que decretou o divórcio ou a Separação
judicial de pessoas e bens; b) se a sentença já tinha sido proferida àquela
data, embora só mais tarde tivesse transitado em julgado; c) se a acção
ainda estava pendente à data da morte do autor da sucessão, mas a
sentença de divórcio ou separação veio a ser proferida posteriormente,
nos termos do art. 1785º.

Dessa forma, a classe dos sucessíveis vem prevista no art. 2133.º, que
representa uma prova de como as relações familiares são fortes para o DPFS. Há
aqui uma valorização dos círculos mais próximos, aproximação esta que não é
técnica somente.

➔ Quando existem descendentes na sucessão legítima (que se aplica por


remissão à sucessão legitimária) o cônjuge concorre com descendentes e
há uma divisão da herança entre cônjuge e descendente (art. 2139.º e
2140.º – divisão por cabeça mas reserva-se ¼ da herança ao cônjuge
sobrevivo). Na falta de cônjuge sucedem os descendentes (art. 2139.º/2 e
2140.º).

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➔ Quando não existem descendentes: se não existirem ascendentes


sucede só o cônjuge e se existirem ascendentes haverá a divisão da herança
entre cônjuge e ascendentes (art. 2142.º/1).

➔ Cônjuge não é chamado à herança (art. 2133.º/3): copiar slide

➔ Adoção: o adotado adquire a situação do adotante, o que quer dizer que


tem o mesmo estatuto da filiação por vínculo sanguíneo e teremos os
mesmos efeitos. Isso era importante antes para distinguir o adotado pleno
do adotado restrito, sendo que esta última foi eliminada e temos agora
somente a adoção plena.

| Princípio gerais da sucessão legítima

1. Preferência de classe (art. 2134.º)


Os herdeiros de cada uma das classes de sucessíveis preferem aos das classes
imediatas, sendo que por isso que os descendentes afastam os ascendentes. Os
ascendentes só sucedem na falta de descendentes; os irmãos e sobrinhos na falta
de cônjuge, descendentes, ascendentes e adoptados em adopção restrita; os
colaterais no 4.° grau na falta de cônjuge, descendentes, ascendentes, adoptados
em adopção restrita, irmãos e sobrinhos; etc;

2. Princípio de preferência de grau de parentesco dentro de cada


classe (art. 2135.º)
Se A morre e deixa uma filha e uma neta, a neta será afastada por força desse
princípio: dentro de cada classe os parentes de grau mais próximo preferem aos
de grau mais afastado.

3. Princípio da sucessão por cabeça (art. 2136.º)


O último princípio da sucessão legítima é o da sucessão por cabeça, segundo o
qual os parentes de cada classe sucedem por cabeça ou em partes iguais, salvas
as excepções previstas no Código (art. 2136.°). Exceções: direito de representação
(partilha por estirpes – art. 2044.º e 2138.º) e concorrência de irmãos germanos
com irmãos consanguíneos ou uterinos (art. 2146.º).

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Os parentes de cada classe sucedem por cabeça ou em partes iguais,


salvas as exceções previstas neste código.

Uma exceção é, por exemplo, o direito de representação, em que cada um


dos descendentes de grau mais afastado vai herdar aquilo que caberia ao seu
ascendente aceitar a herança: partilha por estirpes.

Se tivermos 4 filhos e cônjuge não se faz a divisão por cabeça, porque se


reserva ¼ ao cônjuge, por exemplo.

Podemos ter ainda uma regra especial quando temos a concorrência entre
irmãos germanos e uterinos ou consanguíneos (art. 2146.º). Quando temos
irmãos consanguíneos falamos em irmãos na linha paterna e irmãos uterinos são
irmãos nas linhas maternas; enquanto os germanos são irmãos nas duas linhas.
Assim, o 2146.º diz que se A morrer e deixar 3 irmãos (um germano, um uterino
e um consanguíneo) somente e uma herança de 4000 euros, o irmão germano
recebe o dobro do que recebem os irmãos unilaterais.

| Sucessão

1. Não existem descendentes nem ascendentes – só o cônjuge


concorre (art. 2141.º)
Na falta de descendentes sucede o cônjuge, sem prejuízo do disposto no capítulo
seguinte. O cônjuge, não existindo descendentes, transita para a classe seguinte.
Os descendentes, não havendo cônjuge, herdam sozinhos (art. 2142.º e 2143.º)

Se A morrer, deixar a mãe, o pai e o cônjuge e 3000 euros, ao cônjuge cabe


2000 euros e aos ascendentes 1000.

Em relação aos irmãos e descendentes funciona aqui o direito de


representação (art. 2145.º), sendo que os irmãos bilaterais têm direito ao dobro
do quinhão de cada um dos outros (art. 2146.º).

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Quando falamos do título falamos também de sucessão legitimária, sendo


que o que a caracteriza é existir uma porção de bens que o autor não pode dispor
(legítima), que será legalmente destinada aos herdeiros legitimários e por isso
regida por normas imperativas, conforme art. 2156.º.

Assim, os herdeiros legitimários são aqueles previstos no art. 2157.º:


cônjuges, descendentes e ascendentes.

A medida da legítima varia consoante as categorias de herdeiros


legitimários que temos em presença e até o número deles. Em outros países há
legítimas fixas, mas em Portugal há certa maleabilidade.

➔ A legítima do cônjuge e descendentes;


➔ Cônjuge sem concorrer com descendentes ou ascendentes: metade da
herança;
➔ Concurso de cônjuge e ascendentes (art. 2161.º): concurso de 2/3, sendo
que se o autor não deixar descendentes nem cônjuge sobrevivo a legítima
dos ascendentes é de metade ou de um terço da herança, conforme forem
chamados os pais ou os ascendentes do segundo grau e seguintes.

O cônjuge tem uma posição privilegiada, sendo inclusive que a Reforma


anterior à Lei 48/2018 implicou que introduzíssemos a possibilidade de renúncia
à sucessão por parte do cônjuge. O que acontecia antes de 2018 era que o cônjuge
não podia renunciar à parte da herança que a lei o reservava, ou seja, podia
repudiar se fosse chamado, mas não podia renunciar antecipadamente e nem por
contrato.

Posteriormente, surgiu um Projeto-Lei 781/XIII, diante do qual se dizia


que pessoas com filho que querem casar, querem também que o futuro cônjuge
renuncie ao seu estatuto sucessório enquanto cônjuge com caráter irrevogável
para que no momento da sua morte os seus filhos fossem os únicos herdeiros.
Essa norma, contudo, não se tornou lei.

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Adicionou-se uma nova alínea ao art. 1700.º e somente em convenção


antenupcial podemos ter uma renúncia recíproca à condição de herdeiro
legitimário de outro cônjuge.

É verdade que se continua a ressalvar uma espécie de direito do


arrependimento, porque se um cônjuge quer fazer liberalidades em favor do
outro cônjuge, pode fazê-lo até a parte da herança legítima > imputar na quota
(art. 2168.º).

Diz agora a lei no art. 1707.º-A que a renúncia pode ser condicionada à
sobrevivência ou não de sucessíveis de qualquer classe, bem como de outras
pessoas.

Para além disso há outras soluções de proteção, nomeadamente a da casa


de morada de família prevista no art. 1707.º-A e também uma proteção do
cônjuge mais velho + equilíbrio face a união de facto.

➔ Se o cônjuge concorrer à sucessão com os filhos


Importa aqui o art. 2139.º/1, diante do qual a partilha entre o cônjuge e os
filhos será feita por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes
quanto forem os herdeiros, sendo que a quota do cônjuge não pode ser
inferior a uma quarta parte da herança.
➔ Se o autor da sucessão não deixar cônjuge sobrevivo e concorrem só os
filhos
Herança irá ser dividida por eles em partes iguais, conforme art. 2139.º/2.
Se algum dos filhos não puder ou não quiser aceitar a herança, os
respectivos descendentes são chamados à sucessão por direito de
representação, nos termos e com as consequências que já referimos.
➔ Se não houver descendentes e o autor da sucessão também não tiver
deixado ascendentes
O cônjuge é chamado à totalidade da herança, conforme arts. 2141.º e
2145.º

2. Sucessão de cônjuge e ascendentes

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O cônjuge integra a segunda classe de sucessíveis, com os ascendentes se o autor


da sucessão falecer sem descendentes, mas deixar ascendentes, conforme art.
2133.º/2. Nesse caso ao cônjuge pertencem 2/3 e aos ascendentes 1/3 da herança,
como dispõe o art. 2142.º/1 e na falta de cônjuge os ascendentes são chamados à
totalidade da herança. Tanto no caso de concorrerem com o cônjuge como no de
a herança lhes ser deferida na totalidade, são aplicáveis à sucessão de ascendentes
o princípio da preferência de grau de parentesco dentro de cada classe (art.
2135.°) e o princípio da sucessão por cabeça (art. 2136.°). É o que dispõe o art.
2142.°, n.º 3. Não funciona aqui, pois, o direito de representação (cfr. art. 2042.°).

3. Sucessão de irmãos e seus descendentes


Na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes, são chamados à sucessão os
irmãos e, representativamente, os descendentes destes (art. 2145.°), qualquer que
seja o grau de parentesco (art. 2044.°), sendo que não importa que alguns irmãos
tenham nascido do casamento e outros fora do casamento do progenitor, mas se
concorrerem à sucessão irmãos germanos e irmãos consanguíneos ou uterinos o
quinhão de cada um dos irmãos germanos, ou dos descendentes que o
representem, é igual ao dobro do quinhão de cada um dos outros (art. 2146.°).

4. Sucessão de outros colaterais até o 4.º grau


Na falta de cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos e sobrinhos, são
chamados à sucessão os outros colaterais até ao 4.° grau. Não há aqui direito de
representação, preferindo os parentes mais próximos aos mais remotos em
qualquer caso (art. 2147.°). E a partilha faz-se sempre por cabeça, mesmo no caso
de duplo parentesco (art. 2148.°).

5. Sucessão do Estado
Finalmente, na falta de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis é chamado o
Estado (art. 2152.°), que tem, relativamente à herança, os mesmos direitos e
obrigações de qualquer outro herdeiro (art. 2153.°). Já conhecemos a
particularidade mais importante da sucessão do Estado, que é a de a vocação não
lhe conceder, como nos outros casos, o direito de aceitar ou repudiar a herança.

| Cálculo da legítima (art. 2162.º)

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Para o cálculo da legítima devemos atender a uma série de elementos. Temos que
avaliar os bens deixados, deduzir as dívidas da herança, realizar uma restituição
fictícia dos bens doados e das despesas sujeitas à colação para no fim haver
imputação das liberalidades feitas por conta da legítima.

Relativamente à sucessão legitimária e depois de calcularmos a massa da


herança sabemos que aquela quota está reservada para os herdeiros legitimários,
o que se traduz no princípio da intangibilidade da legítima, pois o testador não
pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem
preencher, contra a vontade do herdeiro.

É também possível o legado por conta da legítima, em que o autor da


sucessão quer que determinados bens integrem a legítima do herdeiro
legitimário, sendo uma forma de determinar em concreto como se vai preencher
a referida legítima caso haja aceitação por parte dele (biblioteca jurídica em favor
do filho juiz).

Também há legado em substituição da legítima (art. 2165.º) em que o


autor da sucessão deixa um legado ao herdeiro legitimário em substituição da
legítima.

Outro meio de proteger a legítima é efetuar a redução das liberalidades


inoficiosas (art. 2171.º) > redução por inoficiosidade. Temos uma parte reservada
aos herdeiros legitimários que o autor não pode dispor, mas se o autor dispôs de
bens que no fundo essa parte tenha sido atingida, então essas liberalidades serão
reduzidas até ao ponto em que seja necessário para proteger as legítimas dos
herdeiros legitimários.

É preciso olhar para a forma como será prosseguida a redução, sendo que
não é permitida a renúncia do autor (art. 2170.º).

Em primeiro lugar, é preciso saber quais são as liberalidades que o autor


fez para depois reduzirmos por ordem: disposições testamentárias a título de
herança, legados e liberalidades feitas em vida.

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A verdade é que podemos ter mais que uma disposição testamentária,


podendo não ser necessário reduzir na sua totalidade. Se bastar a disposição
testamentária, será feito proporcionalmente (art. 2172.º). Artigo importante aqui
também é o 2173.º.

Temos de falar também da figura da capacidade e o instituto da


deserdação. Enquanto as incapacidades por indignidade se aplicam
genericamente, na sucessão legitimária temos um instituto privativo que é a
deserdação: o autor da sucessão pode em testamento deserdar o herdeiro
legitimário, privando-o da legítima quando se verifique alguma das ocorrências
enumeradas no referido artigo (art. 2166.º).

No fundo, esse instituto torna alguém incapaz para suceder.

Agora falaremos da sucessão testamentária prevista no art. 2179.º. Diz-se


testamento o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para
depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles.

O testamento é:
• Um negócio unilateral e não receptício;
• Negócio pessoal (não admite representação e exprime a vontade do
testador);
• Negócio individual;
• Mortis causae;
• Livremente revogável;
• Formal ou solene;
• Estranho ao comércio jurídico.

O critério relevante ao nível da vontade do testador é o critério da sua


vontade real e não a doutrina da impressão do declaratário. Isso significa que
devemos procurar por todos os meios, pois é preciso um mínimo de
correspondência, embora possa essa ser imperfeitamente expressa.

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Por fim, trataremos da sucessão contratual (art. 2028.º), a qual existe


quando por contrato, alguém renuncia à sucessão de pessoa viva, ou dispõe da
sua própria sucessão ou da sucessão de terceiro ainda não aberta, sendo que os
contratos sucessórios apenas são admitidos nos casos previstos na lei, sendo
nulos.

➔ Trabalho: estatuto privilegiado do cônjuge sobrevivo. Em que consiste o


estatuto sucessório privilegiado do cônjuge sobrevivo? Tudo aquilo que
favorece o cônjuge face aos outros sucessíveis no atual regime sucessório.

SUCESSÃO LEGITIMÁRIA

A legítima, conforme expõe o art. 2156.º, é a porção de bens de que o testador


não pode dispor, por ser legalmente destinada aos seus herdeiros legitimários.
Os herdeiros legitimários são então aqueles previstos no art. 2157.º, ou seja, o
cônjuge, descendentes e ascendentes, sendo que:

• Se o cônjuge concorrer à sucessão com os filhos a legítima do cônjuge e


dos filhos é de dois terços da herança (art. 2159.°, n.º 1);
• Se o autor da sucessão não deixar cônjuge sobrevivo e concorrerem só os
filhos, a legítima destes é de metade ou dois terços da herança, conforme
exista um só filho ou existam dois ou mais (art. 2159.°, n.º 2);
• Se, não havendo descendentes, concorrerem à herança o cônjuge e os
ascendentes, a sua legítima é de dois terços da herança (art. 2161.°, n.º 1);
• Se o autor da sucessão não deixar descendentes nem cônjuge sobrevivo, a
legítima dos ascendentes é de metade ou de um terço da herança,
conforme forem chamados os pais ou os ascendentes do segundo grau e
seguintes (art. 2161.°, n.º 2).

Dessa forma, a legítima representa dois terços ou um terço ode uma massa
de cálculo assim obtida, sendo que o cálculo da legítima é feito conforme as
seguintes operações:

• 1ª operação: avaliação dos bens deixados;

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• 2ª operação: dedução das dívidas da herança;


• 3ª operação: restituição fictícias dos bens doados e das despesas sujeitas
à colação;
• 4ª operação: imputação das liberalidades feitas por conta da legítima.

| Ação de redução por inoficiosidade


Os arts. 2171.°-2173.° dizem por que ordem devem ser reduzidas as liberalidades:
em primeiro lugar reduzem-se as disposições testamentárias a titulo de herança,
em segundo lugar os legados e, em terceiro lugar, as liberalidades feitas em vida.

Se bastar a redução das disposições testamentárias, a redução é feita


proporcionalmente (tanto no caso de deixas a título de herança como a título de
legado), excepto se o testador tiver declarado que certas disposições devem
produzir efeito de preferência a outras ou se tratar de legados remuneratórios.
Se for necessário recorrer às liberalidades em vida, começasse pela última, se
for preciso passa-se à imediata, e assim sucessivamente; caso haja várias
liberalidades feitas no mesmo acto ou na mesma data, a redução é feita
rateadamente entre elas, salvo se alguma for remuneratória.

O art. 2174.° faz uma distinção, conforme os bens deixados ou doados


forem divisíveis ou indivisíveis:
• Se forem divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária
para preencher a legítima;
• Se forem indivisíveis, há ainda que distinguir: se a importância da redução
exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao
herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro;
no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou
donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a
importância da redução.

FIM!!

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