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Patrimoniais
4 Outorga Conjugal
Não há outra forma de analisar a presente questão sem fazer referência do art.
1.647 do CC, o qual prevê:
"Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode,
sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que
possam integrar futura meação."
Antes de adentrar efetivamente ao estudo, registra-se que a doutrina cindiu a
outorga conjugal em duas modalidades distintas, qual seja: a outorga uxória (ato
realizado pelo marido em conjunto da esposa), bem como a outorga marital, por
sua vez, ato realizado pela esposa em conjunto com marido.
Atualmente, referidas nomenclaturas devem ser superadas 37, restando
somente o termo outorga conjugal. Tal justificativa tem como fundamento as
novas modalidades de entidades familiares, em especial as homoafetivas.
Conforme muito bem dispõe em sua obra, Carlos Roberto Gonçalves 38 lembra
que a outorga conjugal: "trata-se, na verdade, de mera falta de legitimação e não
de incapacidade, pois, obtida a anuência do outro cônjuge fica legitimado".
Referida disposição é muito importante, pois não deve ser confundido os
institutos da capacidade com legitimação, situação muito comum na prática.
Superado o presente tópico, em regra, exige-se a outorga conjugal para os atos
e negócios previstos, com exceção do regime da separação absoluta. Referida
exceção não poderia ser mais infeliz, não pela sistemática adotada, mas sim pela
nomenclatura do regime, que consta "regime da separação absoluta" 39.
Conforme pode ser apercebido nas modalidades de regimes de bens, não há
qualquer registro do termo separação absoluta, mas somente separação
obrigatória, também conhecida como legal (art. 1.641 do CC), bem como a
separação convencional (art. 1.687 do CC).
Referente a presente situação, não há dúvidas que na separação convencional
de bens há a separação absoluta. Não obstante, conforme muito bem lembra
Flávio Tartuce 40, na separação legal, prevista no art. 1.641 do CC, existem duas
correntes que dependem do posicionamento em relação à Súmula nº 377 do
STF, dispondo:
"Súmula nº 377 do STF (Súmula de 1964): no regime da separação legal de bens
comunicam-se os bens havidos durante o casamento, pelo esforço comum."
Atinente a presente situação, cumpre registrar a seguinte transcrição de Flávio
Tartuce 41:
"Reafirma-se que a questão diz respeito à aplicação da Súmula nº 377 do STF.
Se a resposta for positiva, a separação obrigatória não é absoluta nos dias de
hoje e a outorga é imprescindível, sob pena de anulabilidade do ato. Se a
resposta for negativa, a súmula deixou de produzir efeitos e a separação
obrigatória é também absoluta atualmente, o que dispensaria a vencia conjugal
nas hipóteses do art. 1.647."
O referido impasse não permeia somente o campo doutrinário, pois, até mesmo
a própria jurisprudência é oscilante quanto ao presente embate, conforme abaixo
segue:
"Inventário. Pretensão de herdeiro necessário à meação em numerário
depositado. Regime da separação legal. Não aplicação da Súmula nº 377 do
STF. Necessidade de comprovação, pela via autônoma, de que o bem foi
adquirido por meio de esforço comum, de modo a se operar, eventualmente, a
comunicação. Agravo não provido." (TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, AgIn
373.874-7/9-00/Batatais, Rel. Des. José Geraldo de Jacobina Rabelo, j.
17.03.05, votação unânime)
"Registro de imóveis. Escritura de venda e compra. Bem adquirido na constância
de casamento celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens.
Comunicação dos aquestos por força da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal
Federal. Falecimento de um dos cônjuges na vigência do Código Civil de 1916.
Necessidade de abertura de sucessão. Alienação do bem por inteiro pelo
cônjuge sobrevivente, na vigência do atual Código Civil. Inadmissibilidade.
Princípio da continuidade. Violação. Dúvida procedente. Recurso não provido."
(TJSP, Apelação Cível 12.164/Araraquara, Conselho Superior da Magistratura,
Rel. Luiz Tâmbara, 05.02.04, v.u.).
Diante de todo exposto, pode ser notado que no caso da separação convencional
há nitidamente a separação absoluta, sendo dispensada a outorga conjugal;
todavia, na separação legal, se observa atualmente duas grandes posições, em
lados opostos, exigindo ou não a outorga.
O melhor caminho sempre deve ser trilhado na segurança do negócio jurídico, e
desta forma, com o objetivo de evitar embates jurídicos, se entende que no caso
prático pode ser exigida a referida venia. Expõe Rolf Madaleno 42:
"A moderna organização conjugal econômica está firmada, basicamente, em
dois conceitos: o de separação e o de comunidade de bens, existindo nesta
última espécie duas variantes a incluir ou excluir bens com origem anterior ao
casamento. A comunidade de bens se caracteriza pela formação de uma massa
de bens, que se divide entre os cônjuges ou seus sucessores com a dissolução
do matrimônio ou da união estável. Implica em uma unidade de interesses dos
esposos que se associam na boa ventura ou desventura deste patrimônio
durante o casamento. Essa comunidade pode ser universal, quando
compreende todos os bens, ou parcial, quando se restringe a certos bens. Existe
ainda o regime de participação, que se caracteriza pelo fato de que durante o
casamento, cada um dos cônjuges tem a livre-disposição de suas propriedades,
como se fosse um regime de separação de bens, porém, advindo a separação,
se outorga a um deles um crédito para igualar seus patrimônios em função do
aumento patrimonial verificado na constância da sociedade afetiva. Na
comunidade de bens, a liquidação se dá pela divisão do acervo patrimonial e a
identidade de participação é liquidada mediante a entrega de uma soma em
dinheiro que poderá ser paga com bens, sendo que na partilha de quotas de
empresa será realizada perícia contábil, em liquidação de sentença, devendo ser
considerado o patrimônio líquido da sociedade no momento em que ocorreu a
separação fática do casal e paga a meação do cônjuge que não consta do
quadro social, o que dele se retira, em dinheiro ou por meio de bens da empresa,
ou oriundos da meação do cônjuge empresário e que compensem o montante
da sua participação societária, estabelecendo o parágrafo único do art. 600 do
Código de Processo Civil, no Capítulo que trata da ação de dissolução parcial de
sociedade, que ‘o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união
estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres
na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio’."
No regime de separação de bens cada cônjuge ou convivente conserva a
propriedade, administração e gozo dos bens que leva para a sociedade afetiva,
ou que adquire depois, e responde exclusivamente por suas dívidas.
Superado o referido ponto controvertido, registra que o principal efeito da falta
da outorga conjugal para esses atos gera anulabilidade desde que proposta a
ação anulatória (atualmente prevista no art. 966, § 4º, do CPC/2015), a contar
do término da sociedade conjugal (art. 1.649 do CC), sendo seus legitimados o
cônjuge preterido ou por seus herdeiros (art. 1.650 do CC).
Conforme o art. 1.648 do CC admite suprimento judicial da outorga havendo
denegação sem justo motivo 43, ou sendo impossível a concessão da outorga
44. Como, v.g., pode ser citado o cônjuge que está em local incerto e não sabido,
nesse caso seria possível que o juiz supra a falta.
7 Referências
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas,
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Recebido em: 15.04.2019
Aprovado em: 15.04.2019