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AULA 2 – RECURSO 1
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNO

O estudo do caráter jurídico do Direito Internacional Público, exige um


entendimento sobre o Direito Internacional Público e o Direito interno.

Aplicar o Direito internacional internamente, não implica, necessariamente, em


afastar as normas do ordenamento jurídico de um Estado. O Direito internacional regula,
igualmente, determinado assunto de Direito interno.

Em primeiro lugar, convém deixar clara a diferença entre o


Direito Internacional e o Direito interno. Enquanto este último
se consubstancia no conjunto de normas em vigor em um
dado Estado, aquele (o Direito Internacional) é o conjunto das
normas jurídicas não pertencentes a uma ordem interna.
Assim, no plano externo, o Direito Internacional é aquele que
regula e rege as relações dos Estados entre si, bem como o
complexo das atividades envolvendo as organizações
internacionais em suas relações mútuas, e também os
indivíduos. No plano do Direito Interno, entretanto, esse
panorama muda na medida em que as Constituições estatais
preveem regras especificas de aplicação interna do Direito
Internacional, como a necessidade de referendum
parlamentar dos tratados ou a sua promulgação e publicação
internas, o que pode variar (e normalmente varia) de país
para país. (MAZZUOLI, 2014, p. 82).

Neste sentido, o autor prossegue seu raciocínio:

Da mesma forma, variado é o tipo de aplicação do Direito


Internacional pelos tribunais estatais. A tendência do
constitucionalismo moderno, entretanto, é permitir a aplicação
imediata do Direito Internacional pelos juízes e tribunais
nacionais, sem a necessidade de edição de norma interna
que os materialize e lhes dê aplicabilidade. Trata-se da
consagração da doutrina monista internacionalista no que
tange às relações do Direito Internacional com o Direito
interno dos Estados. (MAZZUOLI, 2014, p. 82-83).

No que tange as relações do Direito Internacional e o Direito Interno, segundo


Rezek (2013, p. 26-27, destaques nossos) existem um confronto de teorias, monista e
dualista, a saber:

“Para os autores dualistas – dentre os quais se destacaram


no século passado Carl Heinrich Triepel, na Alemanha, e
Dionisio Anziolitti, na Itália – o direito internacional e o direito
interno de cada Estado são sistemas rigorosamente
independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica
de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a
ordem internacional. Os autores monistas dividiram-se em
duas correntes. Uma sustenta a unicidade da norma jurídica
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sob o primado do direito internacional, a que se ajustariam


todas as ordens internas. Outra apregoa o primado do direito
nacional de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção
dos preceitos do direito internacional aparece como uma
faculdade. O monismo internacionalista teve em Hans Kelsen
seu expoente maior, enquanto a vertente nacionalista
encontrou adeptos avulsos na França e na Alemanha [...]
Nenhuma dessas três linhas de pensamento é invulnerável à
crítica, e muito já escreveram os partidários de cada uma
delas no sentido de desautorizar as demais. [...] Os dualistas,
com efeito, enfatizam a diversidade das fontes de produção
das normas jurídicas, lembrando sempre os limites de
validade de todo direito nacional, e observando que a norma
do direito das gentes não opera no interior de qualquer
Estado senão quando este, por tê-la aceito, promove sua
introdução no plano doméstico. Os monistas kelsenianos
voltam-se para a perspectiva ideal de que se instaure um dia
a ordem única, e denunciam, desde logo à luz da realidade, o
erro da ideia de que o Estado tenha podido outrora, ou possa
hoje, sobreviver numa situação de hostilidade ou indiferença
ao conjunto de princípios e normas que compõem a
generalidade do direito das gentes. Os monistas da linha
nacionalista dão relevo especial à soberania de cada Estado
e à descentralização da sociedade internacional.”.

Para melhor entendimento, a respeito do presente estudo, ou seja, sobre a


aplicação internacional e interna do Direito Internacional Público, Mazzuoli (2014, p. 83)
apresenta o seguinte exemplo:

[...] Suponha-se que o Direito Internacional exija dos Estados


que estes garantam, em tempo de paz, a livre navegação de
barcos mercantes estrangeiros pelas suas águas territoriais.
Suponha-se, ainda, que uma pequena embarcação de pesca
do Estado X, de propriedade de um particular, nacional do
Estado X, é capturada pela guarda costeira do Estado Y
dentro de suas águas territoriais, em flagrante violação à
disposição do direito das gentes acima assinalada. No plano
internacional, o litígio decorrente deste fato seria entre o
Estado X e o Estado Y, uma vez que o direito de livre
navegação de embarcações mercantes e a obrigação de
observar esse direito somente afeta os Estados em questão.
A captura da embarcação de propriedade particular seria
considerada uma violação da obrigação do Estado Y para
com o Estado X, que é o Estado de nacionalidade do barco.
Em virtude desse vínculo de nacionalidade, de acordo com o
Direito Internacional, o Estado X tem fundamentos jurídicos
para invocar a responsabilidade internacional do Estado Y.
Imagine-se agora, que o particular, proprietário da
embarcação, em vez de atuar por meio do Estado X, da forma
anteriormente assinalada, resolva ingressar com uma ação
judicial perante os tribunais locais do Estado Y, para vindicar
o seu direito violado, reclamando perdas e danos e a
devolução de seu barco. Se o Direito Internacional vige
internamente no Estado Y, como ocorre com a maioria dos
Estados que integram a sociedade internacional, esse
particular teria o direito de invocar a disposição pertinente do
direito das gentes a fim de sustentar a ilegalidade da captura
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de sua embarcação. Neste caso, denunciaria a violação de


um direito que lhe assiste segundo o Direito Internacional,
atuando de forma bastante semelhante à maneira que
recorreria a uma disposição do Direito Civil interno caso
alguém lhe houvesse privado do uso de sua propriedade em
uma transação comercial celebrada no território do Estado Y.
[...].

Complementa, a este respeito, Mazzuoli (2014, p. 83-84): “[...] No plano


internacional, o sistema jurídico internacional é o contexto no qual se aplica a norma
específica de Direito Internacional relativa à livre navegação em águas territoriais em
tempo de paz. É dizer, todos os fatores pertinentes do caso são determinados pelo direito
das gentes, sem importar se a norma tem ou não precedentes sobre as demais normas.
No plano interno, por outro lado, o contexto para a aplicação dessa norma é o sistema
jurídico interno, sob o comando constitucional que ali opera. E assim, uma mesma
aplicação do Direito Internacional, feita em planos e contextos distintos, poderá levar tanto
os tribunais internos como os tribunais internacionais a julgamentos opostos.
Daí a importância de se aclarar qual o contexto (interno ou internacional) em que
uma demanda é deflagrada, e qual norma é hierarquicamente superior (a interna ou a
internacional) na aplicação de um caso concreto, sendo de se recordar aqui o art. 27 da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, que consagra expressamente
a supremacia do Direito Internacional sobre o Direito interno estatal, na medida em que
proíbe um Estado de invocar disposição do seu Direito interno como justificativa para o
descumprimento de uma norma internacional. Assim, havendo conflito entre o Direito
Internacional e o Direito interno estatal perante a jurisdição de um tribunal interno, o
problema se resolve sob a base da supremacia do Direito Internacional. Nesse contexto, a
falta de cumprimento dos preceitos do direito das gentes acarreta a responsabilidade
internacional do Estado infrator.”.

Diante do que ficou assentado acima, torna-se necessário apresentar o artigo 27


da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969: “Uma parte não pode
invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um
tratado.”.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm. Acesso em:
24 jul. 2023.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 8. ed. rev. e


atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 14. ed. rev.
aumen. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

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