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Direito Internacional Privado

Direito internacional privado: fundamentos e desenvolvimento histórico

A Sociedade Internacional
→ O Direito Internacional corresponde a uma determinada sociedade internacional, e ela é o meio onde
surge o ordenamento jurídico internacional.
→ A sociedade internacional surgiu com as primeiras coletividades organizadas. Eram, naturalmente,
grupos humanos, e, como tal, por necessidade ou conveniência, estabeleceram relações entre si.
→ Independentemente da época, se duas ou mais coletividades autônomas passaram a se relacionar e com
isso acordaram normas jurídicas para facilitar ou disciplinar tal relação, tem-se aí elementos de Direito
Internacional Público; ou, se nesse tipo de relação, a presença de estrangeiros gerou conflitos ou
questões que obrigaram a autoridade local a decidir com base entre a lei externa e a “lex fori”, temos
aí elementos de Direito Internacional Privado.
Direito Internacional Privado – Evolução Histórica e Perspectivas
→ Na Antiguidade Oriental não foi possível conceber-se o Direito Internacional Privado, já que ao
estrangeiro se atribuía a condição de inimigo.
o Somente nas legislações persa, chinesa e hebraica há certa tolerância aos povos estrangeiros.
→ O Direito Internacional Privado nasce da busca de solução jurídica para questões conflitantes
decorrentes de relações entre indivíduos de civilizações soberanas e suas respectivas leis diferentes.
→ No feudalismo prevaleceu o princípio da territorialidade das leis.
o O estrangeiro se sujeitava às leis do feudo de maneira exclusiva, não podia recorrer à lei
pessoal.
→ A expansão dos burgos e o constante intercâmbio comercial foram responsáveis pela formação de um
ordenamento jurídico próprio, consolidado como Cartas ou Estatutos de Liberdade.
→ Ao se fortalecerem e se multiplicarem os burgos europeus, os seus moradores viram-se diante de uma
situação inusitada: não havia mais aquele direito romano único (que se aplicava a todos os povos),
mas, em lugar dele, passaram a coexistir dezenas de direitos individuais, representados pelas dezenas
de ‘cidades-estados’ daquela época.
o A partir desse contexto de conflito de pessoas que moravam em burgos diferentes que surge o
Direito Internacional Privado.
→ Coube aos estatutos italianos a criação dos primeiros instrumentos voltados à solução de casos
jurídicos entre pessoas sujeitas a legislações diferentes, que hoje se denominam “regras ou elementos
de conexão”.
→ Sistemas italianos para soluções de conflitos interespaciais:
o Para os bens imóveis - aplica-se a lei do lugar (“lex loci”) onde tais bens se encontravam (“lex
rei sitae”);
o Na sucessão - a lei de domicílio do “de cujus”;
o No testamento – as formalidades obedecem à lei do lugar onde elaborado o ato de última
vontade;
o Na validade dos contratos e seus efeitos - a “lei do lugar” onde foi celebrado o contrato (quanto
às obrigações decorrentes); e, a “lei do lugar” da execução do contrato (quanto à negligência
ou mora na execução);
o No processo - diferenciando-se aqui a parte procedimental (desdobramentos do processo), a
qual se regia pela “lex fori” (ou seja, a lei do tribunal que vinculava o feito), e a sentença
judicial, que se submetia à “lei do lugar” em que o ato jurídico se efetuava;
o Nos delitos - deviam subordinar-se à lei territorial (“lex loci”).
→ A Escola Francesa se desenvolveu no séc. XVI, tendo como principais representantes Charles
Dumoulin (elaborou a teoria da autonomia da vontade) e Bernard D’Agentré (advogou a tese do
territorialismo).
→ A na Escola Holandesa (século XVII) optou por acolher e radicalizar a teoria territorialista de
D’Argentré e teve como principais expoentes Paul e Jean Voet, Christian Rodenburg e Ulrich Huber,
tendo este último se notabilizado pela tese da “comitas gentium” (cortesia internacional), como única
forma de se permitir a aplicação extraterritorial das leis internas.
→ O nome da disciplina é atribuído ao juiz da Suprema Corte e professor de Harvard, Joseph Story, que
cunhou a expressão Private International Law e estabeleceu duas máximas fundamentais na matéria:
o Cada nação decide autonomamente em que medida deve aplicar o direito estrangeiro;
o É de interesse mútuo admitir o direito de outro país, ou seja, um governo deve procurar fazer
justiça aos nacionais de outro país, para que seus nacionais também tenham justiça naquele
país estrangeiro.
→ Destaca-se também o jurista Savigny, responsável por desenvolver a “teoria da recepção do direito”,
baseada na ideia de que os povos civilizados devem enfrentar os mesmos problemas, o que gera a
necessidade de se compor um direito que atenda as existências comuns para os principais problemas.
o Para Savigny, ao se deparar com um confronto ou concorrência de leis no espaço, cabe ao
Direito Internacional Privado investigar e descobrir a qual legislação/direito cada relação
pertence.
→ Vale ressaltar o professor italiano Pasquali Stanislao Mancini, mentor do moderno Direito
Internacional Privado italiano, o qual defendeu como principal critério de conexão a nacionalidade,
entendendo-se que as regras de interesse individual são aplicáveis a todas as pessoas por sua
nacionalidade, não importando o lugar onde estejam.
A Modernidade do DI Privado
→ Os tempos atuais têm assistido a um progressivo abandono dos elementos de conexão fixos e
imutáveis, no que diz respeito à lei a ser aplicada ao caso concreto, para ao revés aplicar-se o princípio
abrangente e flexível da “proximidade”, ou seja, da lei mais próxima ou mais intimamente ligada às
partes ou à questão jurídica, permitindo-se às instâncias judiciais maior discricionariedade na escolha
do direito aplicável.
→ A moderna doutrina do Direito Internacional Privado se vale de dois métodos consagrados na busca
de soluções para os problemas decorrentes de relações jurídicas interestatais:
o Particularista:
▪ Defende a incorporação das normas de DI Privado ao direito positivo interno de cada
país, por meio de um sistema de opções (regras de conexão), voltado a determinar qual
a legislação interna a se aplicar em casos de conflitos entre particulares conectados a
sistemas jurídicos autônomos e divergentes.
o Universalista:
▪ Busca soluções uniformizadoras aos embates de leis diferentes, por meio de tratados
bilaterais e/ou multilaterais, a evitar-se assim conflito de leis.

Evolução Histórica do Direito Internacional Privado e a Consagração do Conflitualismo


Aspectos gerais do Direito Internacional Privado: as sociedades que se movem
→ O direito de cada Estado pode variar na regulação dos fluxos além fronteiras, denominados como
fluxos transnacionais, interjurisdicionais ou transfronteiriços.
→ O Direito Internacional Privado (DIPr) debruça-se sobre a regência de fatos sociais que se relacionam
com mais de uma comunidade humana.
As fases do desenvolvimento histórico do Direito Internacional Privado
→ No tocante à origem de suas normas, o DIPr possuiu, ao longo de sua história, maior predomínio das
regras nacionais, sofrendo, no final do século XIX em diante, processo de internacionalização de suas
fontes.
→ Para sistematizar o estudo das fases históricas do Direito Internacional Privado, utilizou-se a divisão
em quatro fases: (i) a fase precursora (Antiguidade à Idade Média europeia); (ii) a fase iniciadora (final
da Idade Média europeia até o início do século XIX); (iii) a fase clássica (século XIX até meados do
século XX) e a (iv) fase contemporânea (meados do século XX ao atual momento).
A fase precursora: da Antiguidade até a Idade Média europeia
→ O regime feudal consagra o apelo às regras e costumes de cada localidade (secundum usum et
consuetudinem civitatis).
o A partir dessa fragmentação normativa, surgem dúvidas sobre o direito aplicável a situações
envolvendo duas ou mais cidades.
A fase iniciadora: as Escolas Estatutárias
→ Ainda na Idade Média europeia, o direito romano codificado por Justiniano deixou de ser regra jurídica
para passar a ser um livro de estudo, ferramenta útil a ser ofertada tanto ao débil Sacro Império
Romano-Germânico quanto a uma sociedade mercantil nascente, que necessita da segurança jurídica
ofertada por uma codificação jurídica complexa e já testada.
→ No século XI, surgiu a Escola de Bolonha, reunindo especialistas na análise da obra de Justiniano.
→ Nos séculos XIV e XV, o crescente comércio e a fragmentação prática do Império Romano-
Germânico, incentivaram os juristas a buscar adaptar o Código Justiniano por comentários,
influenciados por normas locais, mas desvinculados da glosa.
→ O estudo do conflito entre os estatutos foi intuído pelos glosadores, a partir do reconhecimento dos
limites territoriais de cada lei.
→ O crescente comércio entre as diferentes regiões européias e a importância cada vez maior dos
diferentes direitos locais em contraponto à frágil unidade do Sacro Império Romano Germânico,
financiaram várias Escolas de estudiosos da interpretação dos estatutos.
o Tais Escolas visavam (i) contrariar a unidade forçada pretendida pelo Império sem (ii) gerar
insegurança jurídica aos comerciantes, o que resultou em discussão dos limites espaciais de
cada direito local, até hoje um dos temas essenciais do DIPr.
A Escola Italiana
→ A partir dos estudos em Bolonha desde do século XI, a “Escola Italiana” engloba escritos de estudiosos
dos textos romanos, glosadores e pós-glosadores.
→ Bártolo defendeu determinadas regras de escolha das normas para reger os fatos transfronteiriços:
i. a lei do lugar da celebração do contrato rege sua forma e os direitos que nascem no momento
da formação do acordo (locus regit actum);
ii. a lei do local da execução rege as consequências do inadiplemento;
iii. não eram aplicáveis os estatutos estrangeiros proibitivos tidos como odiosos pelo foro (origem
do instituto da ordem pública);
iv. o testamento tem suas formalidades estipuladas pela lei do local de celebração.
A Escola Francesa
→ A chamada Escola Francesa é fruto do destaque econômico e político da França nos séculos XVI e
XVII, que culminaria com sua vitória na Guerra dos 30 anos. O declínio do Sacro Império Romano-
Germânico e a Reforma Protestante destruíram a ambição da tutela papal sobre uma Europa unificada.
Escola Holandesa
→ Ulrich Uber apontou três princípios da disciplina:
o As leis de um Estado são aplicadas somente nos limites do seu território (territorialismo);
o Os súditos de cada Estado são todos os que se encontram no território deste;
o Depois de serem aplicadas, as leis de um país conservam sua força além das fronteiras (origem
da teoria dos direitos adquiridos), mas isso ocorre por cortesia (comitas gentium).
→ Uber é o primeiro a vincular o DIPr ao próprio Direito Internacional Público, ao justificar a aplicação
extraterritorial de uma lei estrangeira à cortesia internacional.
Escola Alemã
→ De acordo com Gutzwiller, denomina-se “Escola alemã” um conjunto de autores que, apesar de
influenciados pelas escolas anteriores, buscaram desenvolver com autonomia o DIPr no ambiente do
decadente Sacro Império Romano-Germânico.
→ O fundamento da aceitação do direito estrangeiro para reger os fatos transfronteiriços oscila entre a
cortesia internacional (influência da Escola holandesa) e a invocação do direito natural.
A consolidação do DIPr: A Era Clássica
o O DIPr consolida-se e ganha força no século XIX, graças à forte expansão capitalista industrial
europeia.
o Contribuição de Savigny:
• Para Savigny, é possível identificar a priori o direito mais pertinente a cada relação jurídica,
por meio da localização do centro ou sede da relação em análise.
• É indispensável atribuir a cada categoria de relações jurídicas uma determinada sede, o que
exige a investigação de elementos existentes em cada relação jurídica.
• Defende o domicilio das pessoas para reger o estado e capacidade e a situação da coisa para a
regência dos bens. No tocante à sucessão, a sede é o domicílio do de cujus, pois seria fruto
implícito de sua vontade final.
• Duas classes de normas de exceção à aplicação de direito estrangeiro indicado pela sede da
relação jurídica:
▪ As normas locais obrigatórias, que não podem nunca ser substituídas por direito
estrangeiro.
▪ As normas estrangeiras não aceitas pelo foro.
o Contribuição de Mancini:
• Defende a aceitação - como dever do Estado - da aplicação de norma estrangeira.
• Advoga três princípios do DIPr: nacionalidade, liberdade e soberania.
• Os fatos transnacionais são regidos, em geral, pela aplicação da lei da nacionalidade das
pessoas, com exceção dos casos nos quais se admite a autonomia da vontade ou existam limites
de ordem pública à aplicação de direito estrangeiro.
o Contribuição de Story:
• Um dos fundadores da escola norte-americana de direito internacional privado.
• A lei do domicílio é a lei básica a fixar as regras de capacidade, sendo possível, contudo, a
utilização da lei do local da celebração dos contratos, como forma de obtenção de justiça.
• O territorialismo do DIPr norte-americano não gera um total afastamento da aplicação do
direito estrangeiro, pois foi complementado pela doutrina dos direitos adquiridos, no qual o
Estado do foro é obrigado a respeitar as regras do ordenamento de outro Estado, regentes do
fato no momento em que tal fato ocorreu.
A guinada nacionalista: as codificações e a fragmentação legalista do DIPr
→ Do ponto de vista normativo, há dois marcos do nascimento do DIPr clássico: o Código Civil
prussiano, de Frederico II, de 1794 e o Código Civil francês de 1804.
→ Os códigos civilistas do século XIX adotam a visão de que as instituições essenciais do Direito Privado
devem também contar com regras de regência de fatos transnacionais, consagrando, assim, a
codificação do DIPr em vários países.
A estabilização do DIPr e suas contradiçõrs; valores, objetivo, objeto e método
→ No plano normativo, a maior codificação internacional da primeira metade do século XX, a Convenção
Panamericana de Direito Internacional Privado (o Código Bustamante) há menção aos fatos
transfronteiriços penais (Livro III) e à cooperação jurídica internacional em matéria penal, além da
cível (Livro IV, em especial quanto à extradição), demonstrando a tendência clássica de intensa crença
no Direito Internacional Privado para regular todos os fatos transnacionais (públicos ou privados).
o Não foi consenso na doutrina clássica.
→ No plano da codificação internacionalista, a Conferência da Haia sobre Direito Internacional Privado
caminhou em sentido diferente da codificação panamericana.
→ A proteção ao indivíduo e seus fluxos transfronteiriços, o objetivo principal do DIPr, como já visto,
seria amesquinhada caso a disciplina fosse restrita aos fatos transnacionais privados.
→ O método indireto, então, caracteriza-se justamente por não regular o fato, mas apenas indicar a norma
material reguladora. Sua preocupação é determinar a lei ou a jurisdição, sem indagar sobre a solução
ao caso em si.

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