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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Unidade Betim
Disciplina: Direito Internacional Público
Professor: Jairo Coelho Moraes
AULA: Precursores do Direito Internacional -breves aspectos históricos.

- Preâmbulo: a transição do mundo medieval ao moderno; conflitos religiosos e Tratado de


Westfália; ética protestante e desenvolvido do direito internacional (séculos XVII e XVIII):
liberdade de consciência, diferença entre a liberdade e a repressão fez pender para o norte o
eixo do desenvolvimento na Europa: o direito à diferença, cujo aparecimento é o sinal de
transformação radical da vida da humanidade.

- Direitos são conquistas que requerem vigília. Não existem direitos absolutos, sempiternos.
Legitimações várias - invocação de Deus, da família, dos valores morais– frequentemente
tentam impor modelos conformistas, autocráticos ou absolutistas.

1) Precursores na conformação do Direito Internacional – breves aspectos

1.1) Francisco de VITÓRIA (1483-1546) : dominicano, professor de teologia na Universidade de


Salamanca; conselheiro do império espanhol, contato/defesa dos ameríndios com fundamento
na filosofia escolástica.

- Contexto: transição da medievalidade para a modernidade - questões internacionais


(conquista espanhola na América) assumiam os contornos de casos de consciência, de
interesse seja dos indivíduos, seja antes dos príncipes encarregados de conduzir tais questões;
o direito internacional ainda não tinha forma independente, não se tinha destacado da moral.

- Perspectivas:
a) Fundamento natural do Direito: o direito internacional compreende as normas que a razão
natural estabeleceu entre as nações: quod naturalis ratio inter omnes gentes constituit vocatur
jus gentium – afasta a visão isolacionista das nações, em defesa de vinculação entre elas.

b) Sociedade mundial entre estados: existe societas naturalis das nações - nas bases dessa
sociedade, encontram-se, em estado latente, os elementos que serão os fundamentos das
teorias das escolas de direito natural e das gentes, a saber, o conceito de estado de natureza e
o contrato social. Na lição sobre o poder civil (De potestate civili) asseverava: “o direito das
gentes não tem somente força de pacto ou de convenção entre os homens, mas possui,
igualmente, força de lei.

c) Defesa da teoria da guerra justa (De iure belli):

i) defesa dos interesses coloniais da coroa e do papado – legitimação humanizada (?);


ii) universalismo da dignidade humana: em face dos nativos ameríndios excepcionalmente
adotada; oposição ao Requerimiento, imposto aos colonizados;

d) Combate à teoria soberânica absolutista (o direito de cada Estado sobre o seu território
seria da mesma natureza que o do proprietário sobre os seus campos, mas, na verdade, mais
absoluto, porquanto nenhuma autoridade superior pode limitá-lo).

e) Defesa da interdependência das nações: enquanto a maioria dos autores sustenta a total
independência das nações, VITÓRIA insiste na interdependência: o mundo inteiro, na
verdade, que, de certo modo, constitui uma república, tem o poder de levar leis justas e
ordenadas para o bem de todos, tais como são as do direito das gentes. Consequentemente,
quando se trata de questões graves, nenhum Estado pode se considerar desvinculado do
direito das gentes, pois este é colocado pela autoridade do mundo inteiro.

1.2) Francisco SUAREZ (1548-1617): jesuíta, professor de Filosofia/Teologia em universidades


da Espanha, em Paris e em Roma. Comentador de Santo TOMÁS DE AQUINO.
- Perspectivas:
a) De legibus ac de Deo legislatore): origem das leis e de sua força vinculante, do direito
natural e o direito civil; tratativa do direito das gentes (jus gentium); relações entre o direito
natural e o direito positivo (inclusa no Index librorum prohibitorum);

b) Escola jusnaturalista: propugna limitação à vontade do Estado – há direitos supraestatais,


fundantes da ordem legal e inafastáveis por nenhum poder humano; origens remotas do
jusnaturalismo: Antígona, de Sófocles (496-406 a.C.) – conflito entre Antígona e Creonte para
sepultamento de Polinices: (...) A tua lei não é a lei dos deuses; apenas o capricho ocasional de
um homem. Não acredito que tua proclamação tenha tal força que possa substituir as leis não
escritas dos costumes e os estatutos infalíveis dos deuses. Porque essas não são leis de hoje,
nem de ontem, mas de todos os tempos: ninguém sabe quando apareceram (...).
-Contexto: (Macedo)
- Transição das últimas guerras de religião para um sistema internacional baseado na raison
d’état e no equilíbrio de poder; transição de um mundo medieval e teocêntrico para um
mundo moderno e laicizado;
- Transição das realidades difusas de poder da Res publica Christiana para a consolidação das
soberanias estatais;
- Foco: estudo do Tratado da Lei e do Tratado da Justiça de Santo Tomás de Aquino;
- “Inovação em relação à tradição tomista: os tomistas, em geral, acreditavam que as leis
extrapolavam o domínio do Direito. Para Suárez a lei corresponde, ao lado do costume e das
sentenças judiciais, uma das manifestações do Direito. Assim, o autor, diferente dos seus
predecessores, produz uma Teoria Geral do Direito, não uma Teoria da Lei e outra da Justiça.
Isso faz o seu direito das gentes escapar à órbita cultural romana e medieval e aproximar-se
bastante da concepção hodierna de direito internacional.” (O FUNDAMENTO DO DIREITO
INTERNACIONAL EM FRANCISCO SUÁREZ, THE FOUNDATIONS OF INTERNATIONAL LAW IN
FRANCISCO SUÁREZ, autoria - Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo,
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=66a1942cfad91ff0))

1.3) Cornélio Von Bynkershoek (1673 – 1743), holandês, precursor da escola positivista no
direito internacional, autor que se popularizou por definir a extensão do mar territorial como
sendo a distância de um tiro de canhão.
- Perspectivas:
a) Paradigma cientificista e seus reflexos no campo do conhecimento humano: relevância a
apenas fenômenos que possam ser empiricamente comprovados em uma investigação
científica. Aplicação do método/paradigma científico às ciências sociais;

b) Apenas as normas criadas pelos Estados são reais, consideráveis/ princípio Lotus: os estados
soberanos podem agir livremente, desde que não infrinjam uma proibição explícita. Ou seja,
não existiriam normas alheias à vontade dos Estados.

O Direito Internacional, na visão positivista, seria o conjunto de normas criadas pelos Estados
para reger suas relações;

Caso-paradigma- o Caso Lótus, inexistência de norma de competência – impossibilidade de


presunção normativa restritiva da autonomia estatal - julgado pela Corte Permanente de
Justiça Internacional (CPJI), em 1927 – acidente naval entre embarcação francesa e turca,
ocorrida em alto mar, fora da jurisdição da Turquia. A CPJI, ao examinar a controvérsia,
concluiu que as restrições impostas à independência dos Estados não são presumidas. Assim, a
legislação turca (que autorizava o julgamento da questão) deveria ser obedecida, a não ser que
houvesse norma expressa de direito internacional impedindo o julgamento. Segundo a CPJI,
não se pode presumir que exista uma norma limitando a independência do Estado.

Na atualidade, prevalece norma do art. 11 da Convenção sobre o Alto Mar, de 1958, a


Convenção da ONU sobre o Direito do Mar (Montego Bay, Jamaica, 1982) que trata do foro
competente para ação penal no caso de abalroamento em alto-mar é do Estado da bandeira
ou do Estado de nacionalidade do ofensor.

1.4) Alberico GENTILI (1552-1608): jurista íltalo-inglês, professor da Universidade de Oxford.


- Perspectivas:

a) Defesa da institucionalização do direito internacional (Prima commentatio de jure belli,


1588): um dos fundadores/pais do DI; preocupação com a eficácia e a cogência do direito
internacional. Para tanto, funda-se nas lições do passado – romanos, persas, etc – para avocar
a necessidade de consolidar instrumentos jurídicos de promoção da paz entre os povos;

b) Defesa da pactualização e fragilidade das ações de força: “como ensina a todos o intelecto
natural e como demonstra a experiência, mestra de todas as coisas”, não pode ser duradoura a
obra da força: “porque as coisas feitas por força logo desaparecem”.

NB: tratativa (frustrada) da pactuação da paz com a Alemanha no Tratado de Versalhes, junho
de 1919 (criação da Sociedade das Nações e da Organização Internacional do Trabalho): “a
única e segura regra que, tanto no punir, no vingar-se, quanto no ditar as condições da paz,
reflete a equidade. Porque aquele que fosse ofendido além do justo não repousaria nunca e
alimentaria o desejo de vingança e aquele que fosse oprimido por leis desapiedadas ficaria sob
aquele peso até que desaparecesse a necessidade de obedecer”.

4) Richard ZOUCH (1590-1660): jurista inglês, sucessor de Alberico GENTILI na Universidade de


Oxford.
- Tentativa de conciliação entre direito natural e positivo: Direito internacional como o direito
“aceito pelo costume, conforme a razão, entre o maior número de Estados”: o direito positivo
é a parcela do direito natural que os homens descobriram e “relegislaram”.

5) Hugo GRÓCIO (1583-1645): jurista holandês, pedra angular do direito internacional público
que surge como ciência autônoma, sistematizada, no século XVII.

- Obras de relevo: Mare liberum (parte da De jure praedae) e O direito da guerra e da paz (De
jure belli ac pacis).

-Perspectivas:
a) Consensualidade: a construção dos conceitos e a aplicação destes, em âmbito internacional,
há de fazer-se mediante consenso com paulatina aceitação e adoção de padrões de
comportamento, entre e pelas unidades políticas que compõem o contexto internacional.

b) Recurso aos ensinamentos bíblicos e históricos (Antigos) para estabelecer normas de direito
internacional;
c) Fundamento de categorias relevantes ao Direito: direito natural e direito subjetivo; concebe
o direito como:
1) sinônimo de justo – definido como aquilo que não é injusto, ou seja, contrário ao direito
natural;
2) poder atribuído ao sujeito (subjetivo), como sendo um poder, uma qualidade inerente à
pessoa: “[...] uma qualidade moral ligada ao indivíduo para possuir ou fazer de modo justo
alguma coisa.”;
3) o direito (ius) como lex, como lei, regras objetivas que são válidas apenas se consideradas
conforme a justiça e compatíveis com outras virtudes.

d) Jusnaturalismo profano, natural, laico: existência de direitos naturais e inatos a homem que
nenhuma convenção pode ignorar ou suprimir. Essa nova base do direito natural
fundamentará o pensamento de John Locke, Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant, tese
presente, ainda, em Thomas Hobbes e Samuel Pufendorf.

NB: Segundo aponta Macedo, uma das maiores diferenças entre o jusnaturalismo medieval e
moderno reside na concepção de direito subjetivo, o poder de agir conferido a um indivíduo. A
lei natural, para os medievos, representa um ordenamento, um conjunto de deveres que se
impõe aos homens. Ela designa tarefas e atividades obrigatórias. Em certo sentido, a lei natural
opõe-se à liberdade do ser humano. No máximo, ela estabelece o limite externo dessas
liberdades; corresponde aos deveres do indivíduo em relação à comunidade. Diversamente, no
direito Natural moderno, a lei natural, ao contrário, confere ao homem um determinado poder
em face de toda a sociedade. O direito subjetivo é sinônimo de poder. Trata-se de uma
liberdade que o indivíduo possui mesmo que outro ordenamento jurídico (mormente o
positivo) não lhe atribua. A existência desse direito independe do conjunto de leis; sua origem
e fundamento repousam no próprio homem, não em algo externo. (MACEDO, Paulo Emílio
Vauthier Borges de. Hugo Grócio e o direito. O jurista da guerra e da paz. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2006).

Prevalência da visão positivista até o início do século XX; após, na metade do século XX, o
pensamento jusnaturalista voltou a influenciar a criação das normas internacionais:

a) Crítica a ausência de limites à vontade dos Estados, ao conceito absoluto de soberania:


modernamente, fala-se em “soberania relativa”. A vontade dos Estados é limitada por normas
superiores, que se impõem a toda a sociedade internacional, normas “jus cogens”, imperativas
de direito internacional geral, da qual nenhuma derrogação é possível. Vg: proibição da
escravidão; direito à vida.

b) Há normas dotadas de uma carga axiológica tão elevada que irão vincular toda os sujeitos
de Direito Internacional: vg – nem mesmo o Poder Constituinte Originário é ilimitado. Ele deve
observar, segundo José Gomes Canotilho:

i) padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência


jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como vontade do povo;

ii) princípios de justiça que, independentemente de sua configuração, são compreendidos


como limites da liberdade e onipotência do poder constituinte.

iii) princípios de direito internacional - princípio da independência, princípio da


autodeterminação, princípio da observância de direitos humanos.
c) Pluralidade de fontes normativas interestatais: várias organizações internacionais têm poder
legiferante; vg: normas expedidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela
Organização Mundial do Comércio (OMC), etc;

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