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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Unidade Betim
Disciplina: Direito Internacional Público
Professor: Jairo Coelho Moraes
AULA: Comunidade e sociedade internacional

1) Considerações preambulares

a) Direito interno e direito internacional:

- Direito interno: categorização - direito público- relações de subordinação entre o


estado e os indivíduos (direito constitucional, administrativo, previdenciário e
tributário); direito privado - relações de coordenação entre particulares (direito civil,
societário, trabalhista, consumerista, etc.);

- Direito internacional (externo): relações isonômicas, relacionais entre sistemas


jurídicos, fundadas na soberania, na independência, não ingerência nos assuntos
internos.

b) Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado

-DI Público: trata das relações exteriores entre os atores internacionais (sociedade
internacional); fonte: principal são os tratados e fontes internacionais; regras: 1)
vinculam as relações internacionais ou internas de incidência internacional; 2) são
estabelecidas pelas fontes internacionais;

-DI Privado: compõe tensões, trata das relações jurídicas entre os sujeitos privados
com conexão internacional, regulando conflitos de leis no espaço. Fonte: legislação
interna dos Estados.

1.1) Comunidade e sociedade internacional – aspectos conceituais e distintivos

a) Comunidade internacional: etimologicamente, Latim COMMUNITAS, comunidade,


companheirismo, de COMMUNIS, comum, geral, compartilhado por muitos, público.
Ou seja, comum+unidade, união marcada por vínculos naturais (étnicos, familiares) e
culturais (religiosos, políticos) capazes de promover alta coesividade social, orgânica,
sistêmica.

- Comunidade internacional X sociedade internacional:


convergencialidade/coesividade/ ethos comum X divergencialidade/adesividade
pragmática/normatização (legislação, tratados, acordos e afins.

- Comunidade: união baseada no afeto e na emoção dos seus membros, capaz de


criar um vínculo natural e espontâneo/ideia de convergencialidade e de coesão moral
entre os seus membros (com nítidos valores éticos comuns).

- Sociedade - produto da vontade racional/instrumental dos associados, nascida de


uma decisão voluntária dos membros; ideia de divergencialidade, que faz prevalecer a
normatização (legislação, tratados etc.) reguladora de conflitos.

- Não se pode falar (na atualidade) na existência de uma comunidade internacional,


mesmo apesar de a expressão “comunidade” ser frequentemente utilizada em
diversos tratados e documentos internacionais, na jurisprudência e na doutrina: v.ġ.,
algumas resoluções da Organização das Nações Unidas; art. 53 da Convenção de
Viena (1969) sobre o Direito dos Tratados; art. 59 da Convenção das Nações Unidas
(1982) sobre o Direito do Mar, entre outros.

b) Sociedade internacional - conceito: societas, societatis, latim, associação,


reunião, agremiação formada pelos Estados, pelos organismos internacionais,
empresas mundiais e pelo homem.
- Conceito clássico: conjunto de nações civilizadas (art. 38, § 1º, alínea c, do Estatuto
da CIJ);

- Diversidade de atores mundiais: multiplicação das organizações internacionais e de


outras coletividades chamadas não estatais (como os beligerantes, os insurgentes, os
movimentos de libertação nacional etc.):

- Atores internacionais e sujeitos internacionais – categorias distintas: pertencer/atuar


na sociedade internacional é diferente de ser sujeito de direito das gentes (Estados, as
organizações internacionais intergovernamentais e os indivíduos).

- Sujeitos:
a) Organismos internacionais: pessoas ou coletividades criadas pelos próprios sujeitos
de direito internacional, reconhecendo-os como pessoas internacionais, com
capacidade de atrair direitos e assumir obrigações na ordem internacional. São
exemplos a ONU, OEA. Podem ainda ser criados por particulares, como a Cruz
Vermelha Internacional, etc.

b) Indivíduo: pessoas, dotadas de capacidade e responsabilidade ativa e passiva,


podendo tanto postularem quanto serem demandadas internacionalmente.

- Atores e sujeitos do DIP: distinção entre atuação junto à sociedade internacional e


sujeito de direito das gentes - atores internacionais (gênero); sujeitos do Direito
Internacional (espécie).

- Sociedade internacional: formada por um complexo muito mais amplo de atores


relativamente aos que integram o Direito Internacional na sua categoria de sujeitos.
Trata-se do conjunto de atores que operam no Direito Internacional Público.

Há entidades (como ONGs) que participam da sociedade internacional, mas sem


deterem personalidade jurídica de Direito Internacional Público.

-Características da sociedade internacional:


a) Isonomia: igualdade entre os sujeitos;
b) Descentralização: diversos são os entes criadores e destinatários das normas de
direito internacional. VG: União Europeia;
c) Universalidade: deve abranger o máximo possível de integrantes;
d) Abertura: recepcionadora de novos integrantes.
e) Criatividade de direito originário: visam criar um âmbito normativo novo.
f) Multiplicidade de Estados, dotados de soberania;
g) Promoção de relações comerciais e cooperativas internacionais;
h) outros.

1.2) Distinções da sociedade internacional em face da sociedade nacional


(ordem jurídica interna): distintivos formais e materiais.

a) Perspectiva formal: na forma ou estrutura, inexiste um território determinado,


dentro do qual vive certa população, coordenada por um poder soberano, sob o ditame
de uma ordem jurídica sistêmica (Constituição e leis) e estrutura unificada de poder;
relações de horizontalidade;

NB: não significa que não haja qualquer sanção para os Estados faltosos no
cumprimento de suas obrigações:

- Art. 41 da Carta das Nações Unidas: o Conselho de Segurança poderá adotar


medidas destinadas a tornar efetivas suas decisões, nelas podendo incluir-se “a
interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação
ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra
qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas”;

- Art. 42 : Caso tais medidas sejam inadequadas, o Conselho de Segurança “poderá


levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar
necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”, podendo
tais medidas compreender “ bloqueios e outras operações, por parte das forças
aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas”.

b) Perspectiva material: a sociedade internacional jamais se igualará à sociedade de


pessoas (ou, até, à comunidade destas) existente no Direito interno, uma vez que as
matérias que disciplina provêm de um conjunto de Estados com poderes
soberanos limitados (em razão da própria ideia de descentralização), e não de uma
vontade única eleita pelos seus sujeitos para lhes reger a conduta (ou, até mesmo, a
eles imposta, como no caso dos governos ditatoriais).

A ordem jurídica da sociedade internacional é descentralizada, mas ao mesmo tempo


organizada pela lógica da coordenação (ou cooperação), que gradativamente vai
tomando o espaço do antigo sistema de justaposição, em virtude da cada vez mais em
voga doutrina da interdependência, segundo a qual os Estados, nas suas relações
recíprocas, dependem menos de si próprios e mais da grande aldeia global que está à
sua volta.

- Sanções aplicáveis na esfera do Direito Internacional (a despeito da existência de


relações de coordenação): advertência bloqueios, intervenções, isolamento completo
pelo rompimento de relações diplomáticas e eventual uso da força.

- Em conclusão:
a) Existência de uma sociedade internacional: composta por Estados, organizações
internacionais intergovernamentais, pelos próprios indivíduos (ainda que de forma
limitada, segundo peculiaridades), por coletividades não estatais, ONGs, (o que não
significa que muitos dos atores que as compõem sejam efetivamente sujeitos do
Direito Internacional Público), e empresas transnacionais.

b) Existência de ordem jurídica mesmo ante um sistema de normas incapaz de


centralizar o poder: existência de ordem jurídica não requer presença de ente político-
jurídico central e centralizante: no DIP existe um conjunto de princípios e regras
destinados a reger as situações que envolvem determinados sujeitos.

c) Participação voluntária/autônoma: ante a inexistência de um poder centralizador não


há nenhum órgão com jurisdição geral capaz de obrigar os Estados a decidirem ali
suas contendas - a participação de Estados em tribunais internacionais requer o
consentimento expresso destes, sem o qual o tribunal respectivo não poderá exercer a
sua jurisdição.

d) Presença de relações horizontalizadas e coordenadas: formalmente isonômicas e


cooperativas.

e) Inexistência de hierarquia normativa: quando existente - como é o caso da Carta


das Nações Unidas, em virtude do seu art. 103 16 – é porque os Estados aceitaram
que assim deva ser.

f) Núcleo de regras cogentes advindas do costume: jus cogens, vg: proibitivas da


escravidão, do exercício da vingança privada, etc) que se impõe na ordem
internacional.

Salvo no que tange ao fundamento do Direito Internacional – que não pode ficar à
mercê da vontade isolada dos Estados –, o regime de consentimento estatal
(consensus) é bastante claro na ordem jurídica externa, podendo ser bem visualizado
na hipótese em que um Estado rechaça a jurisdição de um tribunal internacional ou
quando não se submete à eventual decisão proferida.

g) Superposição à vontade estatal: ante anterior reconhecimento da possibilidade de


a vontade coletiva de outros Estados ser vinculante em relação a si, tal como ocorre
em relação à votação nas assembleias de organizações internacionais (assuntos
menos complexos).

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