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RESUMO: alguns de seus membros às suas dinâmicas não seja tão

TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL profundo. Com efeito, mesmo um Estado que adote uma
PÚBLICO política externa isolacionista deve, no mínimo, se relacionar
com o Estado com o qual teria fronteira.
1. AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS OBSERVADAS A sociedade internacional é heterogênea. Integram-na
SOB O PRISMA JURÍDICO atores que podem apresentar significativas diferenças entre si,
de cunho econômico, cultural etc. A maior ou menor
As relações internacionais, entendidas como a teia de heterogeneidade influenciará decisivamente o processo de
laços entre pessoas naturais e jurídicas que perpassam as negociação e de aplicação das normas internacionais, que
fronteiras nacionais, caracterizam-se pela complexidade; poderá ser mais ou menos complexo.
Com efeito, o universo do relacionamento internacional, Parte da doutrina defende que a sociedade internacional
que, na percepção tradicional da doutrina, envolvia apenas os é interestatal, ou seja, que é composta meramente por Estados.
Estados, abrange na atualidade um rol variado de atores, que Não abraçamos esse entendimento, superado desde que as
inclui também as organizações internacionais, as organizações organizações internacionais se firmaram como sujeitos de
não governamentais (ONGs), as empresas e os indivíduos, Direito Internacional e que não se sustenta diante da crescente
dentre outros. Tais atores, e os vínculos que os unem, formam a participação de entes como empresas, ONGs e indivíduos nas
sociedade internacional, cuja dinâmica é pautada por diversos relações internacionais.
fatores, associados, por exemplo, à política, à economia, à A sociedade internacional é descentralizada. Nesse
geopolítica, ao poder militar, à cultura e, por fim, aos sentido, não há um poder central internacional ou um governo
interesses, necessidades e ideais humanos. mundial, mas vários centros de poder, como os próprios
Um dos elementos que contribui para determinar a Estados e as organizações internacionais, não subordinados a
evolução da vida internacional é o Direito, especialmente o qualquer autoridade maior. Com isso, Celso de Albuquerque
Direito Internacional Público, ramo da Ciência Jurídica que Mello afirma que a sociedade internacional não possui uma
visa a regular as relações internacionais com vistas a permitir a organização institucional. Ainda nesse sentido, podemos
convivência entre os membros da sociedade internacional e a afirmar que a sociedade internacional é caracterizada não pela
realizar certos interesses e valores aos quais se confere subordinação, mas sim pela coordenação de interesses entre
importância em determinado momento histórico. seus membros, que vai permitir a definição das regras que
O Direito Internacional Público é também influenciado, regulam o convívio entre seus integrantes.
em sua formação e aplicação, pelos fatores que dão forma à
sociedade internacional. Portanto, seu estudo requer um breve 1.3. A globalização e o sistema normativo internacional
exame das características da sociedade internacional, para que
possamos formar um entendimento mais preciso acerca da A melhor compreensão do Direito Internacional requer
origem e do funcionamento da ordem jurídica internacional. um breve exame do conceito de "globalização",
frequentemente usado para definir o atual momento da
1.1. A sociedade internacional sociedade internacional. De emprego impreciso e
indiscriminado, especialmente no fim do século passado, a
É comum o emprego indiscriminado dos termos noção de globalização é objeto de ampla polêmica em várias
"comunidade internacional" e "sociedade internacional". áreas do conhecimento, pelo que sua análise detida foge ao
Entretanto, a doutrina identifica diferenças entre as duas objeto deste livro.
noções. Globalização é um processo de progressivo
A maior parte da doutrina entende que ainda não há uma aprofundamento da integração entre as várias partes do mundo,
comunidade internacional, visto que o que uniria os Estados especialmente nos campos políticos, econômico, social e
seriam seus interesses, não laços espontâneos e subjetivos, e cultural, com vistas a formar um espaço internacional comum,
pelo fato de ainda haver muitas diferenças entre os povos, dentro do qual bens, serviços e pessoas circulem da maneira
dificultando a maior identificação entre as pessoas no mundo. mais desimpedida possível.
Entretanto, já é possível defender a existência de uma A rigor, a globalização é fenômeno recorrente na
comunidade internacional, à luz de problemas globais que se história da humanidade, experimentando momentos de maior
referem a todos os seres humanos, como a segurança alimentar, intensidade, como as Grandes Navegações, a Revolução
a proteção do meio ambiente, os desastres naturais, os direitos Industrial e a década de noventa do final do século passado,
humanos e a paz. após o fim da Guerra Fria. Na acepção mais comum na
Conceituamos a sociedade internacional como um contemporaneidade, refere-se ao forte incremento no ritmo da
conjunto de vínculos entre diversas pessoas e entidades integração da economia mundial nos últimos anos.
interdependentes entre si, que coexistem por diversos motivos A globalização na atualidade sustenta-se em fenômenos
e que estabelecem relações que reclamam a devida disciplina. como o vigoroso desenvolvimento ocorrido no campo da
A existência da sociedade internacional confunde-se Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), que inclui a
com a história da humanidade. Decerto que nem sempre a franca difusão de suas ferramentas, disponibilizadas para um
sociedade internacional se revestiu de suas características número cada vez maior de pessoas. Fundamenta-se também na
atuais, o que leva parte da doutrina a defender que seu ampla propagação e adoção de valores comuns nos campos
surgimento é fato mais recente. Em todo caso, a história políticos e econômicos em vários Estados, como o Estado
demonstra que, desde tempos remotos, os povos vêm Democrático de Direito e a economia de mercado.
estabelecendo laços entre si, com o objetivo de concretizar Algumas das características da globalização no
projetos comuns. presente são:
 O aumento nos fluxos de comércio internacional e de
1.2. Características da sociedade internacional investimento estrangeiro direto (IED);
 O acirramento da concorrência no mercado internacional;
A sociedade internacional é universal. Nesse sentido,  A maior interdependência entre os países;
abrange o mundo inteiro, ainda que o nível de integração de
 A expansão dos blocos regionais; e Um conceito clássico do Direito Internacional Público é
 A redefinição do papel do Estado e de noções como a de o de Alberto do Amaral Júnior, que o define como o ramo do
soberania estatal. Direito que "tem sido tradicionalmente entendido como o
Entretanto, com a maior ênfase da política internacional conjunto das regras escritas e não escritas que regula o
em questões de segurança, após os atentados de 11 de setembro comportamento dos Estados", lembrando que essa concepção
de 2001, e com a crise econômica vivida no fim da primeira remonta à Paz de Vestfália, que "consolidou o sistema
década do século XXI, observa-se relativo arrefecimento nas moderno dos Estados". Na mesma linha, Francisco Rezek
ações voltadas a promover a formação de um grande alude a um "sistema jurídico autônomo, onde se ordenam as
mercado mundial, afetando iniciativas ligadas ao livre relações entre os Estados soberanos".
comércio e à integração regional, por exemplo. Com isso, Os contornos da sociedade internacional moderna
percebe-se inclusive uma redução do emprego da palavra aparecem no conceito de Celso de Albuquerque Mello, que
"globalização". afirma que o Direito Internacional Público é “o conjunto de
Em todo caso, houve mudanças significativas no mundo normas que regula as relações externas dos atores que
nos últimos anos, com reflexos no Direito Internacional. De compõem a sociedade internacional”. Tais pessoas
fato, as normas internacionais vêm tratando de um rol cada vez internacionais são as seguintes: Estados, organizações
mais diverso de matérias, que variam de temas tradicionais, internacionais, o homem etc. No mesmo sentido, Valério
como as relações comerciais, a questões às quais se atribui Mazzuoli o conceitua como um "sistema de normas jurídicas
maior relevância na atualidade, como o meio ambiente. As que visa a disciplinar e a regulamentar as atividades exteriores
necessidades de regulamentação de uma sociedade da sociedade dos Estados (e também, modernamente, das
internacional mais dinâmica vêm ensejando o aparecimento de organizações internacionais e ainda do próprio indivíduo)".
novas modalidades normativas mais flexíveis, como o soft law. Uma noção que concilia as perspectivas tradicional e
Por fim, entendemos que os Estados limitam cada vez mais sua contemporânea é apresentada por Geraldo Eulálio do
soberania, ampliando sua submissão a um número crescente de Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly, para os quais o
tratados e de órgãos internacionais encarregados de assegurar a Direito Internacional Público é “o conjunto de normas
aplicação das normas internacionais. jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e,
subsidiariamente, as das demais pessoas internacionais, como
SOCIEDADE INTERNACIONAL determinadas organizações, e dos indivíduos”. Tal definição
X traduz a percepção de parte da doutrina de que certas pessoas
COMUNIDADE INTERNACIONAL só têm direitos e obrigações na ordem internacional porque os
Estados o permitiram.
Sociedade Internacional: Guido Fernando Silva Soares apresenta uma noção que
 Aproximação e vínculos intencionais; sintetiza os conflitos entre concepções clássicas e conceitos
 Aproximação pela vontade; modernos: “O Direito Internacional Público, de uma
 Objetivos comuns; perspectiva tradicional, poderia ser definido como um sistema
 Possibilidade de dominação; de normas e princípios jurídicos que regula as relações entre os
Estados. Na atualidade, contudo, tal definição é por demais
 Interesses.
estreita, uma vez que não contempla um dos grandes
destinatários de suas normas, a pessoa humana, nem situações
Comunidade Internacional:
particulares de outros sujeitos de Direito Internacional Público,
 Aproximação e vínculos espontâneos;
que não são Estados”.
 Aproximação por laços culturais, religiosos,
De nossa parte, e em vista de todas as concepções
linguísticos etc.;
apresentadas anteriormente, especialmente as mais atuais,
 Identidade comum; definimos o Direito Internacional Público como o ramo do
 Ausência de dominação; Direito que visa a regular as relações internacionais e a
 Cumplicidade entre os membros. tutelar temas de interesse internacional, norteando a
convivência entre os membros da sociedade internacional,
Características da sociedade internacional que incluem não só os Estados e as organizações
 Universalidade; internacionais, mas também outras pessoas e entes como os
 Heterogeneidade; indivíduos, as empresas e as organizações não
 Caráter interestatal (contestado por parte da doutrina); governamentais (ONGs), dentre outros.

Características da sociedade internacional Elementos do conceito de Direito Internacional Público:


 Descentralização: não possui organização institucional  ETENDIMENTO CLÁSSICO
superior ou Estados; o Atores:
 Coordenação;  Estados;
 Caráter paritário: igualdade jurídica entre seus  Organizações internacionais.
membros; o Matéria a regular:
 Desigualdade de fato.  Relações interinstitucionais, envolvendo Estados e
2. CONCEITO DE DIREITO INTERNACIONAL organizações internacionais.
PÚBLICO  ENTENDIMENTO MODERNO
o Atores:
No esforço de conceituar o Direito Internacional  Estados;
Público, a doutrina oscila entre uma visão tradicional e uma  Organizações internacionais;
perspectiva que considere o novo quadro das relações  Indivíduo;
internacionais.  Empresas, especialmente as transnacionais e aquelas
com negócios internacionais;
 Organizações não governamentais. O objeto do Direito Internacional é sintetizado por
o Matérias a regular: Alberto do Amaral Júnior, que afirma que “Desde as suas
 Relações entre Estados e organizações origens, o Direito Internacional Público cumpre duas
internacionais; funções básicas: reduzir a anarquia por meio de normas de
 Cooperação internacional; conduta que permitam o estabelecimento de relações ordenadas
 Relações entre qualquer ator internacional entre os Estados soberanos e satisfazer as necessidades e
envolvendo temas de interesse global. interesses dos membros da comunidade internacional”. Ainda
nesse sentido, Ricardo Seitenfus lembra que a Corte
3. TERMINOLOGIA Internacional de Justiça proclamou que o Direito
Internacional Público “constitui fator de organização da
O termo "Direito Internacional" foi empregado pela sociedade que atende a duas missões bem mais amplas: a
primeira vez em 1780, pelo inglês Jeremy Bentham, em sua redução da anarquia nas relações internacionais e a satisfação
obra An Introduction to the Principles of Moral and de interesses comuns entre os Estados”.
Legislation, com o intuito de diferenciar o Direito que cuida
das relações entre os Estados, também designados em inglês Objeto do Direito Internacional Público
como nations, do Direito nacional (National Law) e do Direito  Reduzir a anarquia na sociedade internacional e delimitar as
municipal (Municipal Law). competências de seus membros;
Posteriormente, por influência francesa, foi incluído o  Regular a cooperação internacional;
termo “público”, aludindo ao interesse geral da matéria  Conferir tutela adicional a bens jurídicos aos quais a
regulada pelo Direito Internacional, bem como para distingui- sociedade internacional decidiu atribuir importância;
lo do Direito Internacional Privado, ramo do Direito cujo  Satisfazer interesses comuns dos Estados.
objeto principal é definir qual a ordem jurídica, nacional ou
estrangeira, aplicável aos conflitos de leis no espaço em 5. FUNDAMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL
relações privadas com conexão internacional. PÚBLICO
A expressão é criticada por parte da doutrina, visto que
a palavra nation também significa “nação”, noção que não se O estudo do fundamento do Direito Internacional
confunde com a de “Estado”. Entretanto, a denominação Público visa a determinar o motivo pelo qual as normas
“Direito Internacional” é de uso corrente na atualidade. Em internacionais são obrigatórias.
todo caso, ainda há autores que se referem ao Direito O fundamento do Direito Internacional é objeto de
Internacional como “Direito das Gentes”, tradução literal do debates doutrinários, que se concentram principalmente ao
jus gentium do Direito Romano e que predominava até o século redor de duas teorias: a voluntarista e a objetivista.
XVIII, ou jus inter gentes, expressão cunhada no século XV O voluntarismo é uma corrente doutrinária de caráter
por Francisco de Vitória, que significaria “Direito entre subjetivista, cujo elemento central é a vontade dos sujeitos de
Estados”. Direito Internacional. Para o voluntarismo, os Estados e
É comum a referência ao Direito Internacional Público organizações internacionais devem observar as normas
(e também ao próprio Direito Internacional Privado) internacionais porque expressaram livremente sua
simplesmente como “Direito Internacional”, embora haja concordância em fazê-lo, de forma expressa (por meio de
diferenças importantes no tocante ao objeto das duas tratados) ou tácita (pela aceitação generalizada de um
disciplinas. costume). O Direito Internacional, portanto, repousa no
consentimento dos Estados. É também chamado de “corrente
4. OBJETO positivista”.
A doutrina desenvolveu várias vertentes do
Tradicionalmente, o objeto do Direito Internacional voluntarismo, que são as seguintes:
restringia-se a limitar as competências de Estados e de  Autolimitação da vontade (Georg Jellinek): o Estado, por
organizações internacionais, conferindo-lhes direitos e sua própria vontade, submete-se às normas internacionais e
impondo-lhes obrigações, com vistas a reduzir a anarquia na limita sua soberania;
sociedade internacional, ainda marcada pela inexistência de um  Vontade coletiva (Heinrich Triepel): o Direito Internacional
poder mundial superior a todos os Estados e pelo fenômeno da nasce não da vontade de um ente estatal, mas da conjunção
coordenação de interesses, e não da subordinação. das vontades unânimes de vários Estados, formando uma só
Na atualidade, o objeto do Direito Internacional vem-se vontade coletiva;
ampliando, passando a incluir também a regulamentação da
 Consentimento das nações (Hall e Oppenheim): o
cooperação internacional, pautando o modo pelo qual os fundamento do Direito das Gentes é a vontade da maioria
Estados, as organizações internacionais e outros atores deverão
dos Estados de um grupo, exercida de maneira livre e sem
proceder para atingir objetivos comuns, normalmente ligados a
vícios, mas sem a exigência de unanimidade;
problemas globais, como a proteção do meio ambiente, ou a
 Delegação do Direito interno (ou do “Direito estatal
interesses regionais, a exemplo da integração regional.
externo”, de Max Wenzel), para a qual o fundamento do
Como os problemas tratados dentro das iniciativas de
Direito Internacional é encontrado no próprio ordenamento
cooperação internacional muitas vezes referem-se a matérias
nacional dos entes estatais.
também reguladas pelos ordenamentos internos dos Estados,
O objetivismo sustenta que a obrigatoriedade do Direito
pode-se afirmar que o Direito Internacional inclui como objeto
Internacional decorre da existência de valores, princípios ou
conferir tutela adicional a questões cuja importância transcende
regras que se revestem de uma importância tal que delas pode
as fronteiras estatais, como os direitos humanos e o meio
depender, objetivamente, o bom desenvolvimento e a própria
ambiente, disciplinando a forma pela qual todos os integrantes
existência da sociedade internacional. Nesse sentido, tais
da sociedade internacional, inclusive os indivíduos, deverão
normas, que surgem a partir da própria dinâmica da sociedade
conduzir seus comportamentos com vistas a alcançar objetivos
internacional e que existem independentemente da vontade dos
de interesse internacional.
sujeitos de Direito Internacional, colocam-se acima da vontade
dos Estados e devem, portanto, pautar as relações VOLUNTARISMO
internacionais, devendo ser respeitadas por todos.  Autolimitação da vontade (Jellinek);
O objetivismo também inclui vertentes teóricas, como  Vontade coletiva (Triepel);
as seguintes:  Consentimento das nações (Hall e Oppenheim);
 Jusnaturalismo (teoria do Direito Natural): as normas  Delegação do Direito Interno.
internacionais impõem-se naturalmente, por terem
fundamento na própria natureza humana, tendo origem OBJETIVISMO
divina ou sendo baseadas na razão;  Teoria do Direito Natural (jusnaturalismo);
 Teorias sociológicas do Direito: a norma internacional tem  Teorias sociológicas do Direito;
origem em fato social que se impõe aos indivíduos;  Teoria da norma-base (Kelsen);
 Teoria da norma-base de Kelsen: o fundamento do Direito  Direitos fundamentais dos Estados.
Internacional é a norma hipotética fundamental, da qual
decorrem todas as demais, inclusive as do Direito interno, 6. O ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL
até porque não haveria diferença entre normas
internacionais e internas; 6.1. Características do Direito Internacional Público
 Direitos fundamentais dos Estados: o Direito Internacional
fundamenta-se no fato de os Estados possuírem direitos que O Direito Internacional é fortemente marcado pela
lhe são inerentes e que são oponíveis em relação a terceiros. dicotomia entre a relativização da soberania nacional e a
A doutrina voluntarista é criticada por condicionar manutenção de sua importância.
toda a regulamentação internacional, inclusive a concernente a Com efeito, o Direito das Gentes efetivamente implica
matérias de grande importância para a humanidade, à mera nova concepção de poder soberano, não mais entendido como
vontade dos Estados, normalmente vinculada a inúmeros absoluto, mas sim sujeito a limites demarcados juridicamente,
condicionamentos. A doutrina objetivista, por outro lado, ao ideia, aliás, consentânea com o espírito do Estado de Direito.
minimizar o papel da vontade dos atores internacionais na Desse modo, no momento em que um ente estatal celebra um
criação das normas internacionais, coloca também em risco a tratado ou se submete à competência de um tribunal
própria convivência internacional, ao facilitar o surgimento de internacional, efetivamente restringe sua capacidade de
normas que podem não corresponder aos anseios legítimos dos deliberar sobre todos os assuntos de seu interesse.
povos. Por outro lado, a soberania ainda impõe limites ao
As críticas a tais correntes levaram à formulação de uma Direito Internacional. De fato, os Estados mantêm uma série
teoria, elaborada por Dionísio Anzilotti, que fundamenta o de competências exclusivas no território sob sua jurisdição.
Direito Internacional na regra pacta sunt servanda. Para esse Os entes estatais ainda são competentes para decidir a
autor, o Direito Internacional é obrigatório por conter normas respeito da celebração de tratados e do modelo de
importantes para o desenvolvimento da sociedade incorporação das normas internacionais ao ordenamento
internacional, mas que ainda dependem da vontade do Estado interno, bem como de sua submissão a órgãos
para existir. Ademais, a partir do momento em que os Estados internacionais de solução de controvérsias. Por fim, o
expressem seu consentimento em cumprir certas normas funcionamento da maioria das organizações internacionais
internacionais, devem fazê-lo de boa-fé. continua a depender das deliberações e da colaboração dos
Entendemos que o fundamento do Direito Internacional Estados.
efetivamente inclui elementos voluntaristas e objetivistas. O Direito Internacional é um direito de “coordenação”,
Nesse sentido, os Estados obrigam-se a cumprir as normas em oposição ao Direito interno, que é de “subordinação”.
internacionais com as quais consentiram. Dentro dos Estados, as normas são elaboradas por órgãos
Entretanto, o exercício da vontade estatal não pode estatais, representantes de um poder soberano capaz de se fazer
violar o jus cogens, conjunto de receitos entendidos como impor aos particulares. Na ordem internacional, como não há
imperativos e que, por sua importância, limitam essa vontade, um poder central responsável por essa tarefa, a construção do
nos termos da Convenção de Viena sobre o Direito dos ordenamento jurídico é fruto de um esforço de articulação
Tratados, de 1969 (art. 53), que determina que é nulo um entre Estados e organizações internacionais, que elaboram
tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma as normas internacionais a partir de negociações e podem
norma de Direito Internacional aceita e reconhecida pela expressar seu consentimento em observá-las. Nesse sentido,
comunidade internacional dos Estados como um todo como o Direito das Gentes, quando entendido como Direito
preceito do qual nenhuma derrogação é permitida. interestatal, caracteriza-se também por suas normas serem
criadas por seus próprios destinatários.
Fundamento do Direito Internacional: voluntarismo e O Direito Internacional distingue-se pela ampla
objetivismo descentralização da produção normativa. Com efeito, enquanto
VOLUNTARISMO o Direito de cada Estado tem o processo legislativo
 Caráter subjetivo; centralizado em poucos órgãos definidos pelo ente estatal, com
 Papel central da vontade; regras determinadas pelo ordenamento jurídico nacional, a
 A norma é obrigatória pela concordância livre dos Estados. produção das normas internacionais ocorre em vários âmbitos,
a exemplo das diversas organizações internacionais ou das
OBJETIVISMO articulações entre dois Estados específicos, podendo cada
 Caráter objetivo; negociação desenvolver-se conforme regras diferentes umas
 Irrelevância da vontade; das outras.
 A norma é obrigatória pelo caráter de primazia que Parte da doutrina afirma que não existe hierarquia
naturalmente assume. entre as normas do Direito Internacional. Por conseguinte,
um tratado entre dois entes estatais não necessariamente teria
Voluntarismo e Objetivismo: vertentes de se conformar às normas de outros tratados firmados entre
esses mesmos Estados, e somente o exame de cada caso
concreto permitiria identificar um preceito internacional ao Nucleares (TNP), regulando a disseminação e controle da
qual se deveria atribuir maior importância. tecnologia nuclear, e foi criada a Agência Internacional de
No entanto, tal característica não cobre todas as Energia Atômica (AIEA), encarregada de assegurar o
situações que ocorram na sociedade internacional. Com efeito, cumprimento dos objetivos do TNP.
um tratado não pode estar em conflito com as normas do jus Notadamente a partir do século XX, a cooperação
cogens. Em regra, acordos firmados entre Estados de uma internacional consolidou-se como traço marcante do Direito
região do mundo, como a América do Sul, relativos a Internacional, que deixou, portanto, de meramente regular o
determinadas matérias, como comércio, trabalho e direitos convívio entre os Estados, com vistas a manter o status quo
humanos, devem respeitar as normas de Direito Internacional internacional, para servir também como meio para que estes
global, que podem ter como destinatário qualquer Estado. alcançassem objetivos comuns.
Ricardo Seitenfus inclui a fragmentação como
característica do Direito Internacional, referindo-se à 6.3. A jurisdição internacional
heterogeneidade de suas normas, cujos traços expressivos são a
variedade de matérias tratadas e de condições em que são A sociedade internacional apresenta certas
elaboradas (Estados e interesses envolvidos, contextos peculiaridades, como a descentralização e, por conseguinte, a
históricos, diferenciais de poder etc.). inexistência de um governo mundial. É certo também que os
Por fim, o Direito Internacional Público destina-se não Estados, por serem soberanos, se preocupam em limitar a
só a gerar efeitos no âmbito das relações internacionais, mas interferência externa em assuntos que entendem ser de sua
também dentro dos Estados. Com efeito, as normas alçada. Entretanto, tais circunstâncias não impedem que
internacionais rescrevem condutas que deverão ser executadas existam órgãos encarregados de dirimir controvérsias relativas
exatamente pelas autoridades responsáveis pela condução das ao Direito Internacional e de aplicar suas normas a casos
relações internacionais de um ente estatal. concretos, ainda que nem sempre tais mecanismos funcionem
nos mesmos moldes de seus congêneres estatais.
6.2. A cooperação internacional entre os Estados Os entes que exercem a jurisdição internacional
normalmente são criados por tratados, que definem as
Uma das mais evidentes vertentes do Direito respectivas competências e modo de funcionamento. Podem ser
Internacional na atualidade é a da regulamentação da judiciais (seguindo o modelo das cortes nacionais), arbitrais ou
cooperação internacional. administrativos, como as comissões encarregadas de monitorar
Na concepção tradicional da doutrina, a sociedade o cumprimento de tratados.
internacional seria composta apenas por Estados soberanos, Pode haver órgãos com amplo escopo de ação, como a
com poderes para tratar de todos os problemas que ocorram em Corte Internacional de Justiça (CIJ), competente para conhecer
seu território de forma totalmente independente de outros entes de qualquer lide relativa ao Direito Internacional, e entidades
estatais. especializadas, como as cortes de direitos humanos. A
Entretanto, essa noção não resiste a um exame jurisdição de certos órgãos pode pretender abranger o mundo
superficial da realidade mundial, marcada por inúmeros inteiro, como no caso do Tribunal Penal Internacional (TPI), ao
desafios cujo enfrentamento pode exigir esforços passo que a competência de outros entes abrange apenas o
significativos, e cujos desdobramentos podem afetar outras âmbito regional, como no caso do Tribunal Permanente de
partes do mundo, distantes dos locais onde os problemas foram Revisão do MERCOSUL. Por fim, há mecanismos que podem
gerados, provocando instabilidade e pondo em risco valores examinar conflitos relativos a qualquer tratado, como a CIJ, ou
importantes, como a paz, a dignidade humana e a própria vida. quanto a tratados específicos, como o Comitê sobre a
A título de exemplo, a poluição emitida em um país Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW),
pode gerar efeitos deletérios em todo o mundo, como prova o encarregado de acompanhar a execução da Convenção
atual quadro de aquecimento global. Um terremoto ocorrido na Internacional contra a Discriminação contra a Mulher.
região costeira de um país pode provocar tsunamis em outros Em princípio, os mecanismos de jurisdição
continentes. Um conflito armado interno pode gerar fluxos de internacional vinculam apenas os Estados que celebraram os
refugiados. Por fim, a prática de condições aviltantes de tratados que os criaram ou que aceitem se submeter às suas
trabalho pode conferir vantagens comparativas às mercadorias respectivas competências.
produzidas em um país, causando prejuízos à economia de Em geral, as cortes e tribunais internacionais não têm
outros Estados. o poder de automaticamente examinar casos envolvendo
Por outro lado, a cooperação internacional não é meio um Estado, ainda que este seja parte do tratado que os
apenas para combater problemas, mas também constitui criou. É o caso da Corte Internacional de Justiça (CIJ), que só
instrumento adicional, pelo qual os Estados podem promover pode apreciar um processo envolvendo um ente estatal se este
seu desenvolvimento econômico e social. Como exemplo disso aceitar os poderes desse órgão jurisdicional para julgá-lo em
temos os mecanismos de integração regional. um caso específico, ou se o Estado tiver emitido, previamente,
Por fim, a cooperação internacional permite regular uma declaração formal de aceitação da competência
a administração de áreas que não pertencem a nenhum contenciosa dessa Corte, que lhe permita conhecer de litígios
Estado e que são do interesse de toda a humanidade, como o relativos a esse ente estatal sem necessidade de qualquer
alto mar e o espaço extra-atmosférico. declaração adicional.
Com tudo isso, os Estados articulam ações conjuntas Por fim, a maioria dos órgãos internacionais ainda
referentes aos temas de interesse internacional, formando não permite que sujeitos que não sejam Estados ou
esquemas de cooperação compostos por marcos legais organizações internacionais participem de seus
consagrados em tratados e, às vezes, por arcabouços procedimentos. Entretanto, há exceções importantes, como a
institucionais, conhecidos como “organizações internacionais”. Corte Europeia de Direitos Humanos, que abre a possibilidade
Exemplo do funcionamento da cooperação internacional de que um indivíduo processe um Estado europeu pela violação
refere-se à energia atômica, cujo uso para fins não pacíficos de seus direitos fundamentais, ou o Tribunal Penal
pode provocar problemas em escala global. Para combater esse Internacional, que julga pessoas naturais acusadas de crimes
risco, foi celebrado o Tratado de Não Proliferação de Armas contra a humanidade. Nas Américas, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos pode receber reclamações  Marcada vertente de cooperação;
diretas de indivíduos (“petições individuais”) contra violações  Aplicação no âmbito interno dos Estados.
de seus direitos.
7. DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO
6.4. A sanção no Direito Internacional Público INTERNACIONAL PRIVADO

O Direito Internacional também inclui a  Direito Internacional Privado não é ramo do Direito
possibilidade de imposição de sanções contra aqueles que Internacional Público.
violem as normas internacionais. De fato, os tratados podem
fixar consequências jurídicas para os atos ilícitos dos entes O Direito Internacional Público é o ramo do Direito
obrigados a observar os preceitos de Direito das Gentes e criar que regula as relações internacionais, a cooperação
órgãos internacionais encarregados de fazer valer as normas internacional e temas de interesse da sociedade internacional,
acordadas pelos Estados. disciplinando os relacionamentos que envolvem Estados,
Efetivamente, a convivência internacional ainda é organizações internacionais e outros atores em temas de
marcada por conflitos armados e inúmeros diferendos, bem interesse internacional, bem como conferindo proteção
como pela aparente prevalência do poder e do interesse, em adicional a valores caros à humanidade, como a paz e os
detrimento do Direito. A percepção de que o Direito direitos humanos.
Internacional é ineficiente para conter essa dinâmica pode O Direito Internacional Privado regula os conflitos de
aumentar ainda mais no mundo moderno, em que os leis no espaço, cuidando, essencialmente, e estabelecer critérios
recursos tecnológicos permitem uma maior e mais rápida para determinar qual a norma, nacional ou estrangeira,
difusão das informações, possibilitando a formação de uma aplicável a relações privadas com conexão internacional, ou
opinião pública internacional que pode claramente perceber as seja, que transcendem os limites nacionais e sobre as quais
contínuas violações das normas de Direito das Gentes. incidiria mais de uma ordem jurídica.
As dificuldades para impor sanções no Direito O Direito Internacional Privado é o ramo do Direito que
Internacional podem estar relacionadas à ausência de pode apontar a solução para situações como as seguintes:
órgãos internacionais centrais encarregados da tarefa,  Brasileira casa com português nos EUA e estabelece
assim como ao fato de que a aplicação dessas sanções domicílio no Japão. Qual o foro competente para conhecer
normalmente depende da articulação dos Estados, o que de processo referente à eventual separação desse casal?
pode não ocorrer dentro de determinado contexto. Exemplo  Argentino domiciliado no Brasil, onde vive com seus
disso seria uma ação militar fruto de deliberação do Conselho filhos, compra imóvel em praia brasileira. Ao falecer, deixa
de Segurança da ONU, cujas decisões são tomadas pelos entes imóveis também na Itália. Qual a lei nacional aplicável para
estatais soberanos que são seus membros e devem ser decidir acerca da sucessão desses bens?
executadas pelos Estados que integram a ONU, os quais,
porém, segundo seus próprios interesses, podem não concordar As regras do Direito Internacional Público são
com certa medida contra determinado Estado ou não estabelecidas pelos Estados e organizações internacionais, por
disponibilizar tropas e equipamentos para formar forças de paz. meio de negociações ou de outros processos. As normas de
Em todo caso, o Direito Internacional dispõe de Direito Internacional Privado podem originar-se de fontes de
instrumentos de sanções. Exemplos disso são o envio de tropas Direito Internacional Público, como os tratados, mas
da ONU para regiões em que esteja sendo violada a proibição normalmente são preceitos de Direito interno, estabelecidos
do uso da força armada, a expulsão de diplomatas que abusem pelos próprios Estados, que assim decidem livremente qual a
de suas imunidades (declaração de persona non grata), regra, nacional ou estrangeira, que se aplicará a relações
reparações financeiras, retaliações comerciais etc. Ademais, jurídicas privadas com conexão internacional.
quando as normas internacionais forem aplicáveis As regras de Direito Internacional Público aplicam-se
internamente, empregam-se os mecanismos de sanção do diretamente às relações internacionais e internas cabíveis,
ordenamento interno. Por fim, lembramos que tal deficiência vinculando condutas. Já as regras de Direito Internacional
não retira o caráter jurídico do Direito Internacional. Privado são meramente indicativas, apontando apenas qual a
norma, nacional ou estrangeira, que incide em caso de conflito
O ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL: de leis no espaço.
CARACTERÍSTICAS DO DIREITO INTERNACIONAL
PÚBLICO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO
 Dicotomia entre a relativização da soberania nacional e INTERANCIONAL PRIVADO: COMPARATIVO
manutenção de sua importância;
 Direito de coordenação;  Direito Internacional Público:
 Ausência de poder central para a produção e aplicação das o Regulação da sociedade internacional;
normas; o Disciplina direta das relações internacionais ou das
 Descentralização da produção normativa; relações internas de interesse internacional;
 Normas criadas pelos próprios destinatários; o Normas de aplicação direta;
 Obrigatoriedade; o Regras estabelecidas em noras internacionais;
 Existência de mecanismos de exercício de jurisdição o Regras de Direito Internacional Público.
internacional;
 Jurisdição internacional exercida apenas com o  Direito Internacional Privado:
consentimento dos Estados; o Regulação dos conflitos de leis no espaço;
 Possibilidade de sanções; o Indicação da norma nacional aplicável a um conflito de
 Não haveria hierarquia entre as normas (ponto controverso leis no espaço;
na doutrina); o Normas meramente indicativas do Direito aplicável;
 Fragmentação: diversidade de matérias tratadas e de o Regras estabelecidas em normas internacionais ou
condições de elaboração das normas; internas;
o Regras de Direito Internacional Público ou interno. Pelo monismo, as normas internacionais podem ter
eficácia condicionada à harmonia de seu teor com o Direito
8. DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO interno, e a aplicação das normas nacionais pode exigir que
INTERNO estas não contrariem os preceitos de Direito das Gentes aos
quais o Estado se encontra vinculado. Além disso, não é
Atos vinculados ao Direito das Gentes dependem de necessária a feitura de novo diploma legal que transforme o
regras do ordenamento nacional, como a competência para a Direito Internacional em interno.
celebração de tratados. Ao mesmo tempo, a maioria dos Para definir qual norma deverá prevalecer em caso de
compromissos internacionais requer ações das autoridades conflito, foram desenvolvidas duas vertentes teóricas dentro do
estatais e a execução de ações dentro dos Estados. Com isso, monismo: o monismo internacionalista (ou “monismo com
em muitos casos, como no Brasil, as normas internacionais são primazia do Direito Internacional”) e o monismo nacionalista
incorporadas à ordem jurídica doméstica, facilitando sua (ou “monismo com primazia do Direito interno”).
aplicação nos territórios dos entes estatais, visto que se tornam O monismo internacionalista foi formulado
imediatamente exigíveis pelos órgãos competentes do Estado principalmente pela Escola de Viena, cuja figura mais
soberano. representativa é Hans Kelsen, que entendia que o ordenamento
Entretanto, é possível que ocorram, em uma situação jurídico é uno, e que o Direito das Gentes é a ordem
concreta, conflitos entre os preceitos de Direito hierarquicamente superior, da qual derivaria o Direito interno e
Internacional e de Direito interno, suscitando a necessidade à qual este estaria subordinado. Nesse sentido, o tratado teria
de definir qual norma deveria prevalecer nessa hipótese. total supremacia sobre o Direito nacional, e uma norma interna
A questão em apreço é polêmica, e seu tratamento que contrariasse uma norma internacional deveria ser declarada
reveste-se de grande importância, em função do relevo que o inválida. Esta modalidade do monismo internacionalista é
Direito Internacional vem adquirindo como marco que visa a também conhecida como “monismo radical”.
disciplinar o atual dinamismo das relações internacionais, Dentro do monismo internacionalista foi também
dentro de parâmetros que permitam que estas se desenvolvam elaborada a teoria do monismo moderado, de Alfred Von
num quadro de estabilidade e de obediência a valores aos quais Verdross, que nega a invalidade da norma interna cujo teor
a sociedade internacional atribui maior destaque. contrarie norma internacional. Nesse sentido, tanto o Direito
Em geral, a doutrina examina a matéria com base em Internacional como o nacional poderiam ser aplicados pelas
duas teorias: o dualismo e o monismo. No entanto, a autoridades do Estado, dentro do que determina o ordenamento
emergência de certos ramos do Direito das Gentes, dotados de estatal. Entretanto, o eventual descumprimento da norma
certas particularidades, vem levando à formulação de outras internacional poderia ensejar a responsabilidade internacional
possibilidades de solução desses conflitos, como a primazia da do Estado que a violasse.
norma mais favorável ao indivíduo, que prevalece dentro do O monismo nacionalista prega a primazia do Direito
Direito Internacional dos Direitos Humanos. interno de cada Estado. Fundamenta-se no valor superior da
soberania estatal absoluta, objeto de teorias desenvolvidas por
8.1. Dualismo autores como Hegel e ideia predominante na prática da
convivência internacional a partir da Paz de Vestfália. Como
O dualismo é a teoria cuja principal premissa é a de que desdobramento do monismo nacionalista, os Estados só se
o Direito Internacional e o Direito interno são dois vinculariam às normas com as quais consentissem e nos termos
ordenamentos jurídicos distintos e totalmente independentes estabelecidos pelas respectivas ordens jurídicas nacionais. Em
entre si, cujas normas não poderiam entrar em conflito umas consequência, o ordenamento interno é hierarquicamente
com as outras. superior ao internacional e, com isso, as normas internas
Para o dualismo, o Direito Internacional dirige a deveriam prevalecem frente às internacionais.
convivência entre os Estados, ao passo que o Direito interno
disciplina as relações entre os indivíduos e entre estes e o ATENÇÃO: fica evidente, portanto, que a prática brasileira em
ente estatal. Com isso, os tratados seriam apenas relação aos conflitos entre as normas internacionais e internas herdará
compromissos assumidos na esfera externa, sem capacidade de aspectos do dualismo e do monismo e, como veremos posteriormente,
gerar efeitos no interior dos Estados. incorporará soluções próprias, que não permitirão, em nosso ponto de
vista, definir qual a teoria que o Brasil adota, sendo mais pertinente
O dualismo vincula-se também à “teoria da afirmar que o Estado brasileiro recorre a elementos de ambas as
incorporação”, ou da “transformação de mediatização”, teorias*.
formulada por Paul Laband, pela qual um tratado poderá Nesse sentido, voltamos a citar o Ministro Celso de Mello, que
regular relações dentro do território de um Estado somente se afirmou expressamente que “É na Constituição da República - e não
for incorporado ao ordenamento interno, por meio de um na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que
procedimento que o transforme em norma nacional. O ente se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação
estatal nega, portanto, aplicação imediata ao Direito dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno
Internacional, mas permite que suas normas se tornem brasileiro”. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Tribunal Pleno,
vinculantes internamente a partir do momento em que se ADI-MC 1480/DF. Relator: Celso de Mello, Brasília, DF, 04.set.97,
DJ de 18.05.2001, p. 429.
integrem ao Direito nacional por meio de diploma legal
distinto, que adote o mesmo conteúdo do tratado, apreciado por 8.3. Outras possibilidades: a primazia da norma mais favorável
meio do processo legislativo estatal cabível.
Entendemos que ambas as teorias e ensejam
8.2. Monismo controvérsias de pouco ou nenhum impacto prático, como no
Brasil, em que a doutrina se divide entre aqueles que defendem
O monismo fundamenta-se na premissa de que existe que adotamos o dualismo, o monismo internacionalista
apenas uma ordem jurídica, com normas internacionais e moderado ou o monismo com primazia do Direito interno.
internas, interdependentes entre si. Entendemos também que tais doutrinas enfatizam
questões formais e, nesse sentido, podem desconsiderar a
relevância do valor que a norma pretende proteger. Nessa o Norma interna em oposição à internacional pode ser
hipótese, o preceito legal pode deixar de ser aplicado declarada inválida.
simplesmente por pertencer a um ordenamento que, de acordo
com as concepções teóricas que aqui examinamos, não deve  Monismo Internacionalista Moderado:
prevalecer. o Tratado prevalece, com mitigações: o Direito interno
É nesse sentido que, em vista do valor incorporado pela pode eventualmente ser aplicado;
norma, o Direito Internacional dos Direitos Humanos vai o Norma interna pode não ser declarada inválida e ser
conceber o princípio da primazia da norma mais favorável aplicada, sendo o Estado responsabilizado
à vítima/ ao indivíduo, pelo qual, em conflito entre normas internacionalmente em caso de violação de tratado.
internacionais e internas, deve prevalecer aquela que melhor
promova a dignidade humana. Esse princípio fundamenta-se
não no suposto primado da ordem internacional ou nacional, 9. QUESTÕES
mas sim na prevalência do imperativo da proteção da pessoa
humana, valor atualmente percebido por parte importante da 1. (OAB DF 2006. 2) Sobre o fundamento do Direito
sociedade internacional como superior a qualquer outro no Internacional Público e as relações entre o Direito Internacional
universo jurídico. e o Direito Interno, assinale a alternativa CORRETA:

DUALISMO E MONISMO a) pela teoria da autolimitação, de Georg Jellinek, o


fundamento do Direito Internacional seria a vontade
 Dualismo: internacional, adotada pelo Estado, por decisão própria, no
o Duas ordens jurídicas, distintas e independentes entre si; exercício de sua soberania;
o Uma ordem jurídica internacional e uma ordem jurídica b) pela teoria da vontade coletiva, de Heinrich Triepel, o
interna; Direito Internacional se fundamentaria na vontade
o Conflito entre Direito Internacional e o interno: coletiva dos Estados, que se manifestaria expressamente no
impossibilidade; tratado-lei e, tacitamente, no costume, fazendo surgir uma
o Necessário diploma legal interno que incorpore o vontade majoritária dependente das vontades individuais;
conteúdo da norma internacional: teoria da c) para a teoria monista com primazia do direito interno, o
incorporação. Estado por ter soberania absoluta, não está sujeito a
nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua
 Monismo: própria vontade; nesse caso, o Direito Internacional seria
o Uma só ordem jurídica; um direito interno que os Estados aplicam na sua vida
o Uma ordem jurídica apenas, com normas internacionais internacional;
e internas; d) para a teoria dualista, no entendimento de Triepel, o tratado
o Conflito entre Direito Internacional e o interno: seria um meio em si criação de direito interno, sendo sua
possibilidade; incorporação ao direito interno mera formalidade para dar-lhe
o Não há necessidade de diploma legal interno. natureza jurídica de norma nacional.

DUALISMO RADICAL E DUALISMO MODERADO 2. (PGFN – 2004) Tradicionalmente o direito internacional


concebeu duas teorias com referência à relação entre os
 Dualismo Radical: ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais: o dualismo
o Necessidade de que o conteúdo dos tratados seja e o monismo. Para esta última:
incorporado ao ordenamento interno por lei interna. a) não se aceita a existência de duas ordens jurídicas
autônomas, independentes e não derivadas, defendendo-se
 Dualismo Moderado: por vezes a primazia do direito interno e por vezes a
o Necessidade apenas de ratificação do Chefe de Estado, primazia do direito internacional;
com aprovação prévia do Parlamento. b) aceitam-se várias ordens jurídicas, com aplicabilidade
simultânea, configurando-se um pluralismo de fontes, porém
MONISMO INTERNACIONALISTA E MONISMO aplicadas por um único ordenamento;
NACIONALISTA c) aceita-se a existência de duas ordens jurídicas,
independentes e derivadas, uma nacional e outra internacional,
 Monismo Internacionalista: sendo que esta última é que confere validade à primeira;
o Primazia do Direito Internacional; d) não se aceita a validade de uma ordem jurídica
o Primado hierárquico das normas internacionais; internacional, dado que desprovida de sanção e de conteúdos
o Teoria adotada pelo próprio Direito Internacional. morais, fundamentada meramente em princípios de cortesia
internacional;
 Monismo Nacionalista: e) aceita-se a validade de uma ordem jurídica internacional,
o Primazia do Direito interno; conquanto que não conflitante com a ordem interna, e cujos
o Primado hierárquico das normas internas, com critérios de validade sejam expressamente definidos pela
derrogação das normas internacionais contrárias; ordem jurídica nacional.
o Teoria ainda praticada por vários Estados.
3. (BDMG – Advogado/2011) Leia as assertivas abaixo e
MONISMO INTERNACIONALISTA RADICAL E coloque à frente de cada um dos parênteses (F) se FALSA e
MONISMO INTERNACIONALISTA MODERADO (V) se for VERDADEIRA:

 Monismo Internacionalista Radical: (V) Dois ordenamentos jurídicos distintos e totalmente


o Tratado prevalece sobre todo o Direito interno, inclusive independentes entre si – Dualismo.
o Constitucional;
(F) Uma ordem jurídica internacional e uma ordem jurídica
interna – Monismo.
(F) Impossibilidade de conflito entre Direito Internacional e o
Interno – Monismo.
(V) O Direito Internacional é que dirige a convivência entre os
Estados, ao passo que o Direito interno disciplina as relações
entre os indivíduos e entre estes e o ente estatal – Dualismo.

Marque a alternativa CORRETA, na ordem de cima para


baixo:

a) V – F – V – V
b) V – F – F – V
c) F – V – F – F
d) F – V – V – F

4. (TRF 5 - Juiz Federal Substituto 5ª região/2015) A


corrente voluntarista considera que a obrigatoriedade do direito
internacional deve basear-se no consentimento dos cidadãos.
Resposta: A corrente voluntarista considera que a
obrigatoriedade do direito internacional deve basear-se no
consentimento dos Estados e de outros autores com capacidade
de criar as normas de Direito Internacional.

5. (TRF 5 - Juiz Federal Substituto 5ª região/2015) O


consentimento perceptivo da corrente objetivista significa que
a normatividade jurídica do direito internacional nasce da pura
vontade dos Estados.
Resposta: Para o objetivismo, a obrigatoriedade da norma
internacional decorre de fatos que independem da vontade dos
Estados.

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