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Hirsutismo e Virilização

Autores:
Daniel Soares Freire
Endocrinologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;
Médico Colaborador do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Sharon Nina Admoni
Especialista em Endocrinologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 19/01/2009
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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
Hirsutismo é o crescimento excessivo de pêlos terminais (grossos, longos e pigmentados) em regiões dependentes de
andrógeno do corpo feminino, como face, tórax, abdome, face interna da coxa, períneo e regiões sacral e glútea.
Virilização decorre da exposição a níveis mais altos de hormônios androgênicos e inclui outras manifestações além do
hirsutismo: calvície temporal, engrossamento da voz, diminuição do tecido mamário, aumento de massa muscular, perda de contornos
femininos e aumento clitoridiano.
É importante salientar que a definição de hirsutismo deve considerar a raça e a etnia do paciente. A maioria das mulheres
asiáticas e americanas tem pouco pêlo, enquanto que as mulheres de ascendência mediterrânea têm uma maior quantidade de pêlos –
sem que isso represente diferente concentração de andrógenos entre elas.
 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Para a melhor compreensão do hirsutismo e suas causas, uma rápida revisão sobre a origem dos hormônios
androgênicos será realizada.
Os dois principais andrógenos naturais são a testosterona e a di-hidro-testosterona (DHT). O aumento dos níveis destes
hormônios leva ao quadro clínico de hirsutismo ou virilização, a depender das concentrações atingidas. A DHT é sintetizada a partir da
testosterona, por ação da enzima 5-alfa-redutase. Sua potência androgênica é muito superior à da testosterona e ela não pode sofrer
aromatização nos tecidos periféricos.
Na mulher, a testosterona é produzida por dois mecanismos:
 
            1/3 diretamente pelo ovário;
            2/3 indiretamente pela pele e tecido adiposo, a partir da conversão da androstenediona catalisada pela enzima 17-beta-
hidroxiesteróide-desidrogenase (17ß-HSD).
 
Figura 1: Vias de produção de testosterona na mulher
 

A testosterona pode sofrer duas vias de metabolização:


 
1.      amplificação do efeito androgênico (pela conversão a DHT);
2.      conversão a estradiol (pela ação da enzima aromatase).
 
 
Figura 2: Vias de metabolização da testosterona
 

A testosterona circula sob três formas:


 
            fortemente ligada à SHBG - globulina ligadora de hormônios sexuais (65%);
            fracamente ligada à albumina e a outras proteínas plasmáticas (30%);
            livre (0,5 a 2%), sendo esta a forma biologicamente ativa.
 
O termo “testosterona biodisponível” é usado para designar, em conjunto, a fração livre e a fracamente ligada à albumina.
 
Figura 3: Formas de circulação da testosterona no plasma
 

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Diversas situações normais e patológicas interferem nas concentrações de SHBG, o que, indiretamente, influencia a quantidade
de hormônio livre.
O hiperandrogenismo per se reduz os níveis de SHBG, gerando um ciclo vicioso, uma vez que ocorre aumento da fração livre da
testosterona. Situações como obesidade central com hiperinsulinemia e excesso de hormônio de crescimento (como na acromegalia)
também cursam com redução da SHBG; outras situações, como administração de estrógenos, tireotoxicose e doença hepática, acarretam
aumento das concentrações da SHBG.
Outro tópico importante a ser revisado para a compreensão do hirsutismo e suas causas é a fisiologia do ciclo menstrual
feminino, o qual pode ser dividido em duas fases: fase folicular e fase lútea. Por convenção, determinou-se que o primeiro dia da
menstruação é o primeiro dia do ciclo.
 
1.      Fase folicular: baixas concentrações de estradiol (E2) e de progesterona (P) no início da fase folicular levam a aumento na
pulsatilidade do GnRH (produzido pelo hipotálamo), que, por sua vez, estimula a hipófise a secretar FSH. O FSH é
necessário para o recrutamento de folículos ovarianos, dos quais um tornar-se-á dominante. As células granulosas do
folículo, sob estímulo do FSH, passam a produzir E2. O aumento crescente da concentração de E2 suprime a liberação de
FSH e LH. Com a seleção do folículo dominante, a concentração de E2 é máxima, e esta é seguida por um pico de
secreção de LH, ocorrendo assim a ovulação.
2.      Fase lútea: com a ocorrência da ovulação, o corpo lúteo remanescente passa a produzir E2 e P, e esta promove uma
inibição da secreção do LH. Com a progressiva queda do LH, ocorre uma diminuição dos níveis de E2 e P, até que eles se
tornem mínimos, ocorrendo assim a menstruação.
 
As principais causas de hiperandrogenismo estão listadas na Tabela 1, juntamente com sua prevalência.
 
Tabela 1: Causas de hiperandrogenismo
Freqüentes
Síndrome dos ovários policísticos (SOPC) 80%
Hirsutismo idiopático 15%
Infreqüentes
Forma não-clássica da hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21-alfa-hidroxilase 1 a 5%
Incomuns
Outras deficiências de enzimas esteroidogênicas (3-beta-hidroxiesteróide desidrogenase, 17-cetoesteróide redutase,
aromatase)
Tumores adrenais ou ovarianos produtores de andrógenos
Hipertecose ovariana
Outras endocrinopatias (síndrome de Cushing, acromegalia, hiperprolactinemia) < 1%
 
Síndrome dos Ovários Policísticos
É a principal causa de hiperandrogenismo em mulheres na idade reprodutiva, chegando a atingir  5 a 10% destas. É
caracterizada por uma disfunção ovariana associada à resistência à ação da insulina. Seu diagnóstico baseia-se na presença de dois dos
seguintes critérios:
 
            oligo ou anovulação;
            sinais clínicos ou laboratoriais de hiperandrogenismo;
            ovários policísticos detectados à ultra-sonografia;
            exclusão de outras etiologias (hiperprolactinemia, forma não-clássica da hiperplasia adrenal congênita, síndrome de
Cushing, tumores secretores de andrógenos).
 
A etiologia da síndrome de ovários policísticos ainda não é bem estabelecida, mas há algumas explicações para a mesma. Em
resposta a um estímulo maior de LH, as células da teca ovarianas produzem uma maior concentração de androstenediona. Além disso, a
insulina age sinergicamente ao LH, levando a um maior aumento da produção androgênica. Muitas correntes sugerem que a SOPC é
hereditária, envolvendo uma complexa alteração multigênica. Sabe-se hoje, porém, que além do fator genético, o componente ambiental
também representa um papel importante na etiologia desta patologia.
Os sintomas normalmente se manifestam a partir da menarca; contudo, o seu início mais tardio pode ser justificado por
modificadores ambientais, como o aumento excessivo de peso. As alterações na secreção de gonadotropinas nas mulheres com SOPC
levam a um estado de anovulação crônica. Ocorre um aumento da relação LH/FSH que é bastante característica dessa síndrome,
lembrando-se que este não precisa ser documentado para o seu diagnóstico. Ciclos anovulatórios podem
provocar amenorréia, oligomenorréia e hemorragia uterina disfuncional, além de diminuição de fertilidade e aumento do número de
perdas fetais no 1º trimestre. A exposição crônica endometrial ao estímulo estrogênico, sem a presença da inibição da proliferação e
diferenciação exercidas pela progesterona, leva a um aumento na prevalência de hiperplasia e câncer endometrial nas mulheres com
esta síndrome.
A hiperandrogenemia causa os sintomas de hirsutismo, acne e alopecia androgênica. O hirsutismo pode ser classificado pela
escala de Ferriman $ Gallwey (Figura 4), sendo considerada hirsuta a mulher que apresenta uma pontuação superior a 8.
 
Figura 4: Escala semi-quantitativa de Ferriman & Gallwey. Atribui-se a cada região examinada uma pontuação de 1 a 4.
Pontuações > 8 são consideradas características de hirsutismo
 
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A importância da SOPC deve-se não somente às alterações no eixo gonadotrópico e de suas conseqüências. Mulheres com
SOPC apresentam características metabólicas consistentes com resistência à ação da insulina, com risco aumentado de complicações
cardiovasculares:
 
            obesidade: a obesidade está presente em no mínimo 30% dos casos de SOPC, chegando a 75% em algumas séries. O
aumento da gordura visceral, identificado pelo aumento da circunferência abdominal (> 88 cm) ou relação cintura-quadril,
está associado com hiperandrogenemia, resistência à insulina, intolerância à glicose e dislipidemia. O Consenso de SOPC
de 2003 recomenda a pesquisa de alterações relacionadas à síndrome metabólica em pacientes com a síndrome. O teste
de sobrecarga oral com 75 g de glicose é preconizado em mulheres obesas com SOPC que não sejam diabéticas;
            intolerância à glicose (IG) e diabetes melitus (DM) tipo 2: 30 a 40% das mulheres com SOPC têm intolerância à glicose
e até 10% apresentam DM tipo 2 na 4 a década de vida. O mecanismo se deve a um defeito na sinalização da insulina no
adipócito, tecido muscular e fígado. Como conseqüência, há menor captação da glicose pelo tecido adiposo e muscular e
maior produção hepática de glicose pela neoglicogênese, levando à hiperglicemia. Como visto anteriormente, as mulheres
obesas com SOPC devem ser rastreadas quanto à presença de IG ou DM tipo 2. A acantose nigricante é um marcador
cutâneo de hiperinsulinemia, e deve ser pesquisada no exame clínico;
            hipertensão: hipertensão arterial sistêmica ocorre em muitas mulheres com SOPC durante sua idade reprodutiva, e
hipertensão mantida pode desenvolver-se mais tarde na vida dessas mulheres;
            doença coronariana e outras doenças vasculares: o aumento do risco para doenças macrovasculares nas pacientes
com SOPC decorre fundamentalmente dos componentes da síndrome metabólica, como as alterações do metabolismo
lipídico e de carboidratos, hipertensão arterial sistêmica, disfunção endotelial e hipercoagulabilidade sanguínea. A
dislipidemia da SOPC caracteriza-se por hipertrigliceridemia (pela menor ação da lipoproteína-lipase devido à resistência
insulínica) e redução dos níveis de HDL-colesterol;
            apnéia obstrutiva do sono (AOS): estudos mostram um aumento da frequência desta em pacientes com SOPC, não se
correlacionando com a prevalência de obesidade.
 
A avaliação laboratorial visa procurar as evidências bioquímicas que suportem o diagnóstico de SOPC, isto é,
a hiperandrogenemia e a resistência à ação da insulina, além de afastar outras doenças como hipotireoidismo, hiperprolactinemia,
HAC em sua forma não-clássica e tumores ovarianos ou adrenais.
Laboratorialmente, observam-se elevação nos níveis de testosterona total e/ou livre, redução da SHBG e baixos níveis de
progesterona na segunda metade do ciclo. Hiperinsulinemia de jejum ou após sobrecarga de glicose e redução da relação glicose/insulina
são achados comuns, principalmente em pacientes obesas, e denotam a resistência à ação da insulina. Classicamente, a relação LH/FSH
é aumentada, mas seu achado não é imprescindível para o diagnóstico de SOPC. Outros achados incluem elevação de precursores
androgênicos como androstenediona e DHEAS, e de estrona (por conversão periférica a partir da androstenediona).
O diagnóstico de SOPC não necessita que existam ovários policísticos à ultra-sonografia (USG), apesar de estes estarem
presentes em 80 a 100% das pacientes. A definição ultra-sonográfica de ovários policísticos é a presença de 12 ou mais folículos em cada
ovário, medindo de 2 a 9 mm de diâmetro, associados a aumento na área do ovário (> 5,5 cm 2) ou no seu volume (> 11 mL). Idealmente,
a USG deve ser realizada por via transvaginal, do 3 o ao 5o dia da fase folicular em mulheres que menstruam, ou do 3 o ao 5o dia após a
indução de menstruação com progestágenos.
O Algoritmo 1 é proposto para o diagnóstico da SOPC.
 
Algoritmo 1: Algoritmo de investigação de SOPC
 

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Hirsutismo Idiopático
O Hirsutismo idiopático (HI) representa a segunda causa de hirsutismo (aproximadamente 15%) e é feito quando os seguintes
critérios são preenchidos:
 
            presença de hirsutismo: ocorre mais frequentemente em certas etnias (talvez por um aumento da atividade da 5-alfa-
redutase cutânea);
            função ovulatória normal: realizar dosagem de progesterona no 7º dia da fase lútea (que representa o 17º dia do ciclo de 24
dias, o 21º do ciclo de 28 dias e o 28º dia do ciclo de 35 dias). Na presença de anovulação, o diagnóstico de SOPC é mais
provável;
            níveis normais de testosterona total e livre;
            exclusão de outras alterações: realizar dosagem de TSH, prolactina, 17a-OHP e DHEAS para exclusão de hipotireoidismo,
hiperprolactinemia, forma não-clássica da hiperplasia adrenal congênita e tumor adrenal virilizante.
 
Forma Não-clássica da Hiperplasia Adrenal Congênita
Para uma melhor compreensão desta patologia, observar a Figura 5, que ilustra a esteroidogênese:
 
Figura 5: Esteroidogênese
 
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A forma não-clássica da HAC é uma das doenças autossômicas recessivas mais prevalentes, incidindo em 1% da população
geral e em 6% das mulheres com hiperandrogenismo. Algumas populações, como os judeus ashkenazi, são mais acometidas. Pode ser
sintomática (cursando com pubarca precoce na infância ou hirsutismo e anovulação na fase pós-puberal) ou assintomática (sendo
descoberta em avaliação de parentes de um caso afetado).
Em mais de 90% dos casos, é causada por uma deficiência parcial da enzima 21-alfa-hidroxilase. Os demais casos são
causados por deficiências da 3-beta-HSD e da 11-beta-hidroxilase. Com a deficiência da 21-alfa-hidroxilase, ocorre redução da síntese de
cortisol, com consequente elevação do ACTH e estímulo da esteroidogênese adrenal. Como resultante, há um aumento da síntese de
andrógenos, além do aumento da 17-alfa-OH-progesterona (17OHP).
A apresentação da forma não-clássica da HAC é bastante semelhante à SOPC, com irregularidade menstrual, anovulação e
hirsutismo. Como a redução da atividade da 21-alfa-hidroxilase é apenas parcial, a síntese de aldosterona não é prejudicada e as
pacientes não apresentam síndrome perdedora de sal nem genitália ambígua ao nascimento, só vindo a manifestar o hiperandrogenismo
após a puberdade.
O diagnóstico hormonal de HAC é feito com a dosagem da 17OHP basal e após estímulo com ACTH. Segundo a maioria dos
autores, valores basais inferiores a 2 ng/mL excluem o diagnóstico, enquanto valores superiores a 5 ng/mL o confirmam. Os pacientes
com 17OHP entre 2 e 5 ng/mL devem ser submetidos ao teste com estímulo com ACTH (250 mcg IV). Após estímulo, a 17 OHP não
deve ultrapassar 10 ng/mL (este valor corresponde à média + 2DP para a população normal). Contudo, estudos recentes que avaliaram
os valores basais e estimulados da 17OHP em pacientes com HAC não-clássica com genótipo conhecido sugerem que os parâmetros
para o diagnóstico hormonal devam ser revistos. Bachega et al. identificaram níveis basais de 17 OHP inferiores a 2 ng/mL em 11% da
sua casuística com mutações identificadas. Além disso, o menor valor da 17OHP pós-ACTH foi 17 ng/mL nos pacientes com genótipo
conhecido.
Assim, o Algoritmo 2 é proposto para o diagnóstico da forma não-clássica da HAC.
 
Algoritmo 2: Algoritmo de investigação de HAC por deficiência da 21-alfa-OH
 
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Tumores Adrenais e Ovarianos Secretores de Andrógenos
A suspeita de uma patologia neoplásica deve ser feita principalmente quando os sintomas androgênicos são rapidamente
progressivos e quando, além do hirsutismo, a paciente apresenta sinais de virilização (aumento de massa muscular, alopecia androgênica
pronunciada e clitoromegalia).
Inicialmente ocorrem sinais defeminilizantes, como perda dos contornos femininos, diminuição do volume mamário, seguidos por
sinais francamente androgênicos. A progressão rápida do quadro clínico ocorre tanto nos tumores ovarianos quanto nos adrenais.
O principal sítio de tumores secretores de andrógenos é o ovário – tumor de células de Sertoli-Leydig (pico entre 2 a e 4a década
de vida), tumor de células do hilo (pico na pós-menopausa), tumor de células lipóides e, mais raramente, tumor de células da granulosa.
Os níveis de testosterona podem orientar o diagnóstico, uma vez que causas não-tumorais de hiperandrogenismo dificilmente
cursam com valores superiores a 200 ng/dL. Os Tumores adrenais virilizantes raramente secretam exclusivamente testosterona; na
marioria dos casos, secretam outros andrógenos (DHEA, DHEAS e androstenediona) que podem ser convertidos, na periferia, à
testosterona, além de precursores esteróides (17a-OHP e 11-deoxicortisol), cortisol e, eventualmente, estradiol.
O Algoritmo 3 ilustra a investigação dos tumores virilizantes.
 
Algoritmo 3: Investigação dos tumores virilizantes
 
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Hipertecose Ovariana
No período pós-menopausa, os ovários são glândulas ativas, secretando andrógenos em resposta ao estímulo gonadotrófico.
A Hipertecose ovariana é um distúrbio ovariano não-neoplásico que acomete mulheres climatéricas e caracteriza-se por
aumento da produção de testosterona pelas células da teca luteinizadas, podendo chegar a níveis séricos superiores a 200 ng/dL. Os
ovários costumam estar muito aumentados, devido a hiperplasia estromal, apresentando volume médio de 10 mL (enquanto o normal para
a menopausa é de 2,5 a 3,7 mL).
Apesar de incidirem em faixas etárias distintas, a SOPC e a Hipertecose ovariana compartilham algumas características: ambas
são desarranjos ovarianos funcionais que cursam com hiperandrogenismo, em que a resistência à ação insulínica e o desequilíbrio na
regulação da função ovariana pelas gonadotrofinas são componentes fisiopatológicos.
 
ACHADOS CLÍNICOS E EXAMES COMPLEMENTARES
A Tabela 2 apresenta algumas considerações sobre a investigação clínica, bioquímica e radiológica do hirsutismo.
 
Tabela 2: Considerações sobre a investigação clínica, laboratorial e radiológica do hirsutismo
História

Início na menarca sugere SOPC, HI ou HAC


Início Início tardio pode corresponder a tumor virilizante ou Hipertecose ovariana (pós-menopausa)
Progressão Progressão rápida sugere tumor
Exame físico
Acne e hirsutismo* SOPC ou HI
Virilização Tumor ovariano ou adrenal, Hipertecose ovariana
Exames laboratoriais
A dosagem de testosterona total é mais reprodutível e confiável que a testosterona livre
A testosterona pode estar dentro da faixa da normalidade
A maior parte das pacientes apresenta níveis inferiores a 150 ng/dL
testosterona testosterona > 200 ng/dL implica investigação de tumor ovariano ou adrenal

Pode ser normal ou pouco elevada na SOPC


DHEAS DHEAS elevada para sexo e faixa etária implica investigação de tumor adrenal
Hiperprolactinemia discreta é comum (até 30% das pacientes com SOPC)
Prolactina Pacientes com prolactinomas poder apresentar cistos ovarianos à ultra-sonografia

Progesterona Deve ser colhida entre o 21º e o 23º dia do ciclo; valor acima de 7 ng/mL indica ovulação

LH/FSH Relação LH/FSH = 2 é sugestiva de SOPC, mas a sensibilidade e a especificidade são baixas
Exames de imagem
US transvaginal Exame de escolha para avaliação de SOPC e para afastar tumor ovariano
TC de abdome Para diagnóstico de tumor adrenal.
* de acordo com a escala de Ferriman & Gallwey:
 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Há duas condições onde há um aumento de pêlos que não representam hirsutismo:
 
1.      Crescimento de pêlos androgênio-independentes, conhecidos como lanugo em crianças. São os chamados pêlos
velares – finos, macios, curtos e não pigmentados – e ocorrem em qualquer região do corpo. 
2.      Hipertricose: ocorre um crescimento excessivo de pêlos em áreas onde ocorrem normalmente na mulher: antebraços,
coxas, pernas, axilas e triângulo púbico inferior. Pode ser causado por drogas (fenitoína, penicilamina, diazóxido, minoxidil
e ciclosporina), doenças sistêmicas (hipotireoidismo, anorexia nervosa, desnutrição, porfiria, dermatomiosite) e algumas
síndromes paraneoplásicas.
 

TRATAMENTO
A terapia para o hirsutismo deve inicialmente ser direcionada para a causa de base. Assim, síndrome de Cushing,
hiperprolactinemia, acromegalia e outras endocrinopatias que podem cursar com hirsutismo devem ter seu tratamento específico
realizado, o qual não será abordado neste capítulo.
Será dado um enfoque maior na terapêutica de SOPC e HI, por serem as principais causas de hirsutismo, com uma passagem
rápida pelo tratamento da forma não-clássica da hiperplasia adrenal congênita. Vale lembrar que o tratamento dos Tumores adrenais ou
ovarianos produtores de andrógenos é primariamente cirúrgico.
Qualquer que seja a causa do hirsutismo, no início do tratamento é importante esclarecer à paciente que a resposta clínica não
costuma ocorrer antes de 6 meses. Isso se deve ao tempo médio de crescimento do pêlo, que é de 3 a 6 meses. Tendo-se em vista que a
escala de avaliação utilizada – de Ferriman & Gallwey – é bastante subjetiva, com grande variabilidade interexaminador ou mesmo intra-
examinador, uma opção interessante para o seguimento do tratamento é o registro de sua evolução por meio de fotografias.
Outra questão importante a ser esclarecida à paciente é que, uma vez havendo resposta ao tratamento farmacológico, este deve
ser mantido por tempo indeterminado. A descontinuação geralmente resulta em retorno dos sintomas, devendo, porém, sempre ser
suspenso durante a gestação.
Dentre as opções terapêuticas, pode-se dividir o tratamento em farmacológico e não-farmacológico.
 
Tratamento Farmacológico
O objetivo é suprimir a produção androgênica, bloquear os receptores androgênicos ou diminuir a conversão de testosterona em
DHT por meio da inibição da 5-alfa-redutase.
 
Supressão Hormonal
Anticoncepção oral (ACO)
O uso de ACO é uma ótima opção terapêutica para pacientes com acne ou irregularidade menstrual, porém para o hirsutismo,
usado isoladamente, não é o tratamento mais eficaz. São considerados tratamento de primeira linha e diminuem o crescimento de pêlos
em mulheres hiperandrogênicas em 60 a 100%. Seu mecanismo de ação se deve a:
 
            inibição da secreção de LH e, assim, da produção ovariana LH-dependente (por meio do componente progestagênico);
            estímulo da produção hepática de SHBG devido ao efeito estrogênico do ACO, levando a uma menor concentração sérica
de testosterona livre e de outros andrógenos ligados a SHBG;
            inibição da secreção adrenal de andrógenos – provavelmente via retro-alimentação negativa pelo receptor de
glicocorticóide;
            o ACO ideal deve ter estrógenos em maior quantidade, progestogênios de menor atividade androgênica (gestodeno ou
desogestrel) ou com atividade anti-androgênica (acetato de ciproterona). Os progestogênios derivados de 19-noresteróides
(levonorgestrel) devem ser evitados pelo seu efeito androgênico. Alguns exemplos de ACO que preenchem essas
características: Diane 35® ou Selena® (35 mcg de etinilestradiol + 2 mg de ciproterona); Microdiol® (30 mcg de
etinilestradiol + 0,15 mg de desogestrel); Gynera® ou Minullet® (30 mcg de etinilestradiol e 0,075 mg de gestodeno).
 
Agonistas do GnRH
A administração do agonista de GnRH, como acetato de leuprolide, age na inibição da produção ovariana de andrógenos por
meio da supressão da secreção hipofisária de gonadotropinas. Isso leva a uma diminuição nos níveis circulantes de testosterona e
androstenediona, sem ação nos androgênios adrenais.
Devido ao importante efeito antiestrogênico causado por esta medicação e devido ao rápido reaparecimento dos sintomas de
hirsutismo após a sua suspensão, é aconselhada a associação com ACO. Além da reposição estrogênica, o uso do ACO após a
suspensão do agonista de GnRH diminui a rápida recorrência do hirsutismo.
Tendo em vista o alto custo dos agonistas de GnRH, sua indicação reserva-se a pacientes que apresentaram falha terapêutica
com ACO e anti-androgênicos.
 
Glicocorticóides
O hirsutismo secundário à forma não-clássica da hiperplasia adrenal congênita apresenta uma boa resposta a baixas doses de
glicocorticóides – como prednisona 5 mg ou dexametasona 0,25 mg em dias alternados. Porém, mesmo nessas mulheres, a terapia anti-
androgênica tradicional deve permanecer como primeira escolha, pois apresenta uma boa resposta, com a vantagem de não apresentar
os efeitos colaterais indesejados da terapia prolongada com glicocorticóides, que, nestes casos, deve ficar restrita a pacientes que
desejam engravidar.
 
Cetoconazol
O cetoconazol é um antimicótico com ação de inibição da esteroidogênese ovariana e adrenal, por meio de inibição enzimática.
Seu uso no tratamento do hirsutismo é eficaz, porém, devido aos seus efeitos colaterais (náuseas e dispepsia) e ao risco de
hepatotoxicidade, não tem sido recomendado.
 
Anti-androgênicos
Antiandrogênicos representam um tratamento efetivo em mulheres com hirsutismo. Devido ao seu potencial efeito teratogênico
(feminilização de fetos masculinos), seu uso em mulheres em idade fértil deve sempre ser realizado em associação com ACO. A
associação entre um androgênico com ACO costuma ser mais efetiva no tratamento do hirsutismo do que o uso isolado destes.
 
Espironolactona
A espironolactona inibe a ligação da testosterona ao seu receptor, inibindo assim a ação da testosterona. Além disso, também
diminui a produção ovariana de testosterona e aumenta seu metabolismo hepático, aumentado assim o seu clearance.
Aparentemente, a droga é efetiva em 60 a 70% das mulheres com hirsutismo, chegando a 95% em determinados estudos. Um
efeito colateral relativamente freqüente é polimenorréia e sangramentos no meio do ciclo, o que é evitado adicionando-se um ACO ao
tratamento. A dose utilizada é de 50 a 200 mg/dia.
 
Flutamida
A flutamida é um anti-androgênico não-esteroidal, que age diretamente no receptor de andrógenos, resultando em inibição do
crescimento do pêlo.
Diversos estudos mostraram eficácia comparável aos outros antiandrógenos no tratamento do hirsutismo, quando administrada
em doses inferiores ao utilizado no tratamento do carcinoma de próstata (125 a 250 mg/dia). Contudo, mesmo nestas doses, há relatos de
hepatotoxicidade grave, com risco de hepatite fulminante e necessidade de transplante hepático.
A Unidade de Farmacovigilância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou um alerta em outubro de 2004
posicionando-se contra a prescrição da flutamida para o tratamento do hirsutismo e reservando o seu uso somente para o tratamento de
câncer de próstata.
 
Acetato de ciproterona
O acetato de ciproterona é um progestagênico com ação anti-androgênica moderada e glicocorticóide fraca, efetivo no
tratamento do hirsutismo quando usado isoladamente ou em associação com contraceptivos. Pode ser usado em baixas doses, fazendo
parte de um anticoncepcional oral (Diane 35 ® - 2 mg de ciproterona + 35 mcg de etinilestradiol) ou em doses mais elevadas, em
associação a um ACO (25 a 50 mg nos primeiros 10 dias do ciclo). A eficácia é comparável a de outros antiandrógenos, e o seu uso, em
doses mais altas, pode cursar com ganho de peso e edema (devido ao efeito glicocorticóide). Hepatotoxicidade é rara, mas a
possibilidade da sua ocorrência impõe a necessidade de dosar enzimas hepáticas durante o seguimento.
 
Finasterida
A finasterida é um potente inibidor da 5-alfa-redutase, a enzima responsável pela conversão periférica de testosterona em seu
metabólito ativo, a DHT.  É considerada tão eficaz quanto à espironolactona (na dose de 100 mg/dia). Sua ação no tratamento do
hirsutismo, tal como a espironolactona, é potencializada pela associação com ACO.
A dose diária recomendada é de 5 mg/dia, e seus efeitos colaterais são mínimos.
 
Tratamento Não-farmacológico
Perda de Peso
A diminuição do peso tem efeito importante tanto no tratamento do hirsutismo quanto de suas co-morbidades associadas. Sabe-
se que a resistência à insulina, que tem uma importante correlação com a obesidade visceral, promove um estado de hiperinsulinemia.
Esse excesso de insulina provoca hiperandrogenemia por meio da potencialização do efeito do LH sobre as células da teca. 
Além disso, a insulina também promove uma diminuição da SHBG circulante, aumentado assim os níveis séricos da testosterona
livre.
Uma redução de apenas 5 a 10% do peso pode ser efetiva tanto na regularização menstrual (observada em até 80 a 90% das
pacientes) quanto na diminuição do hirsutismo.
 
Tratamento Cosmético
O tratamento cosmético é muito eficaz, pode ser usado em associação ao tratamento farmacológico e normalmente já foi
utilizado quando a paciente procura auxílio médico.
 
            Métodos não-definitivos: raspagem, depilação, branqueamento ou descoloração dos pêlos.
            Métodos definitivos: eletrólise, laser.
            Outros: hidrocloreto de eflornitina (Vaniqa®), aprovado recentemente pelo FDA, é um creme que inibe o crescimento de
pêlos.
 
Tratamento de Condições Associadas
Prevenção de hiperplasia endometrial
O estado anovulatório aumenta o risco de câncer de endométrio, sendo que a maioria das mulheres que o apresentam antes dos
40 anos tem diagnóstico de SOPC. Como prevenção, o endométrio deve ser estimulado com progesterona a se diferenciar.
 
Infertilidade
Pacientes com SOPC podem ter sua ovulação estimulada pela administração de clomifeno. No fracasso deste, pode-se usar
gonadotropinas isoladas ou em associação com agonistas de GnRH.
 
Controle de risco cardiovascular
Metformina é agente sensibilizador de insulina de escolha no tratamento da SOPC. A dose deve ser iniciada com 500 mg no
jantar, com aumento da dose até o máximo de 2.550 mg/dia, divididos em 2 a 3 tomadas. Reduzindo a resistência insulínica, consegue-se
diminuir a hiperinsulinemia, promover perda de peso e causar redução dos níveis de testosterona total e livre e aumento da SHBG.
As tiazolinedionas já foram avaliadas no tratamento da SOPC, embora a maioria dos estudos com essa classe de drogas tenha
sido feita com a troglitazona, que foi retirada do mercado devido aos seus efeitos hepatotóxicos graves. Nesses estudos, foi mostrado um
aumento na ovulação de 62% após 4 meses de tratamento na dose de 600 mg/dia. Problemas recentes com as drogas desta classe
(morbidade cardiovascular, redução de massa óssea), associados ao maior custo, as coloca como agente sensibilizador de segunda
opção.
 
ALGORITMO FINAL E CONCLUSÕES
Na maior parte dos casos, o hirsutismo, principalmente quando leve e de longa duração, não representa risco para a vida da
paciente, embora mereça ser tratado pelos aspectos psicológicos e sócio-afetivos.
Por outro lado, a presença de virilização merece atenção especial, pois pode representar doenças graves e potencialmente
letais.
O Algoritmo 4 ilustra a abordagem diagnóstica dos casos de hirsutismo e virilização.
 
Algoritmo 4: Abordagem diagnóstica dos casos de hirsutismo e virilização
 

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