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A fonte em questão consiste em um recorte de uma das mais famosas

comédias de Shakespeare, já mencionada anteriormente. Escolhemos a primeira


cena do terceiro ato, onde os atores rumam ao bosque no intuito de ensaiar a peça a
ser apresentada para o duque de Atenas. A escolha se deu devido ao fato de os
personagens centrais da peça confluírem para o ambiente, que possui uma estreita
relação entre o humano e o mágico, e que também é o lugar onde um dos maiores
efeitos cômicos ocorrem na peça. Discorremos, pois, sobre as representações
inseridas no recorte, buscando elementos de retomada da Antiguidade Clássica em
seu interior.
No ato em questão os artesãos de Atenas se reúnem para ensaiarem as falas
de uma peça que será apresentada para o duque de Atenas, que irá se casar com
Hipólita. Tal peça tem o intuito de representar a história de Píramo e Tisbe, casal da
mitologia grega. Paralelamente, surge Puck, elfo a serviço de Oberon, que procura
lançar um feitiço sobre Titânia, devido a problemas conjugais. O pequeno Elfo,
portanto, lança um feitiço sobre a rainha derramando em seus olhos um líquido que
a fizesse se apaixonar pelo primeiro ser que aparecesse, seja ele um animal ou um
ser humano. Titânia repousava nos arredores do lugar onde os artesãos ensaiavam
a peça. Após o feitiço, Puck transforma a cabeça de um dos artesãos, de nome Nick
Bottom, em forma de burro, pois sentiu-se ofendido pela má atuação que os atores
realizavam. Confluindo com uma centelha do destino, Bottom e Titânia se
encontram, e, enfeitiçada, a rainha das fadas se apaixona pela figura bestial.
Bottom, sem saber que está transformado sente-se acolhido pela formosa Titânia,
que junta de seu séquito de fadas para cortejá-lo. As fadas, portanto, dançam e
preparam um ambiente confortável para o agraciado artesão-burro. Terminado este
momento os personagens saem de cena.
O bosque, cenário que serve para o desenrolar de grande parte da peça
simboliza um universo paralelo, um espaço onírico, onde as leis rígidas de Atenas
não encontram aplicação. A maioria dos personagens escolhe este lugar como
forma de encontrar um ambiente neutro, de passagem, sem restrições ou proibições.
Sendo assim, trata-se de um cenário em que a ideia grega de Eros, ou seja, o amor
enquanto desejo, se manifesta de forma pungente, por meios das ações
atrapalhadas de Puck, sendo este a representação do Eros propriamente dito,
fazendo com que alguns personagens pontuais se apaixonem uns pelos outros,
causando a confusão generalizada que dá ritmo, e humor, nas cenas, neste
ambiente de paixões e hecatombes. Tal argumentação é reforçada pela análise de
Elisabeth Ramos, que utiliza como base Hiscock & Longstaffe, onde a autora nos
mostra

a influência de acentuados traços da escrita pastoral, associando o


bosque aos seres supranaturais (fadas e elfos), à magia, ao perder-
se num espaço imaginado onde não vigoram as regras do mundo
“normal”, onde é possível ou não obter a satisfação dos desejos.
(HISCOCK & LONGSTAFFE apud RAMOS, ano indefinido p. 56)

Além disso, podemos observar na obra elementos que relacionam de maneira


esdruxula a relação entre o amor e a bestialidade, encarnada na figura de Bottom, o
tecelão, transformado em um homem-burro.

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