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Este volume pretende contribuir para um diagnóstico e uma interpretação das políticas
educacionais do neoliberalismo.
Discutem-se aqui questões tais como a problemática da pobreza e a educação nos países do
capitalismo central (capítulo 1); os enfoques educacionais neo-reformadores e sua
articulação com as concepções e as estratégias conservadoras no campo das políticas
sociais (capítulo 2); a especificidade e a lógica da crítica formulada pelos neoliberais em
relação à educação (capítulo 3); o impacto dos processos de reforma do Estado nas políticas
educacionais (capítulo 4); a configuração dos sistemas escolares enquanto mercados
educacionais (capítulos 5 e 7); as políticas “educacionais” do Banco Mundial (capítulo 6); o
caráter assumido pelas políticas da nova direita enquanto programa de reforma cultural e
seu impacto sobre um questionamento radical do direito à educação e à escola pública
como es paço institucional onde esse o e se conquista socialmente (capítulos 8 e 9) e, por
último, a formação dos movimentos conservadores nas esferas educacionais (capítulo 10).
Neste livro se ampliam e rediscutem algumas das questões abordadas no livro
Neoliberalismo, qualidade total e educação, organiza do por Tomaz Tadeu da Silva e Pablo
Gentili, também publicado pela VOZES.
O organizador
Pablo Gentili é bolsista pesquisador do DAAD (Alemanha) com sede na
Universidade Federal Fluminense. Autor dos livros Poder económico, ideología y
educación (Miño y Dávila, Buenos Aires) e Proyecto neoconservador y crisis educativa
(Centro Editor de América Latina, Buenos Aires). Organizou também Neoliberalismo,
qualidade total e educação (com Tomaz Tadeu da Silva - VOZES e Pós-neoliberalismo. As
políticas sociais e o Estado: democrático (com Emir Sader - Paz e Terra).
PABLO GENTILI
Organizador
MICHAEL W. APPLE / STEPHEN J. BALL
ROBERT W. CONNELL / MÁRCIO DA COSTA
ROGER DALE / MARÍLIA FONSECA
GAUDÊNCIO FRIGOTTO
PABLO GENTILI / ANITA OLIVER
DANIEL H. SUÁREZ
CARLOS ALBERTO TORRES
PEDAGOGIA DA EXCLUSÃO
Crítica ao neoliberalismo em educação
6ª Edição
Tradução de Vânia Paganini Thurler
e Tomaz Tadeu da Silva
EDITORA VOZES
Petrópolis
2000
SUMÁRIO
NOTA PRELIMINAR 9
1
POBREZA E EDUCAÇÃO 11
R. W. Connell
2
A EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE CONSERVADORISMO 43
Márcio da Costa
3
Os DELÍRIOS DA RAZÃO 77
CRISE DO CAPITAL E METAMORFOSE CONCEITUAL NO CAMPO EDUCACIONAL
Gaudêncio Frigotto
4
ESTADO, PRIVATIZAÇÃO E POLÍTICA EDUCACIONAL 109
ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA DO NEOLIBERALISMO
Carlos Alberto Torres
5
O MARKETING DO MERCADO EDUCACIONAL E A POLARIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO 137
Roger Dalle
6
O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO 169
REFLEXÕES SOBRE O CASO BRASILEIRO
Marília Fonseca
7
MERCADOS EDUCACIONAIS, ESCOLHA E CLASSE SOCIAL 196
O MERCADO COMO UMA ESTRATÉGIA DE CLASSE
Stephen J. Ball
8
ADEUS À ESCOLA PÚBLICA 228
A DESORDEM NEOLIBERAL, A VIOLÊNCIA DO MERCADO E
O DESTINO DA EDUCAÇÃO DAS MAIORIAS
Pablo Gentilli
9
O PRINCÍPIO EDUCATIVO DA NOVA DIREITA 253
NEOLIBERALISMO , É TICA E ESCOLA PÚBLICA
Daniel Suárez
10
INDO PARA A DIREITA 271
A EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO DE MOVIMENTOS CONSERVADORES
MMichael W. Apple ε Anita Oliver
... qualquer balanço atual do neoliberalismo só pode ser provisório. Este é um movimento
ainda inacabado. Por enquanto, porém, é possível dar um veredito acerca de sua atualidade
durante quase 15 anos nos países mais ricos do mundo, a única área onde seus frutos
parecem, podemos dizer assim, maduros. Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não
conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao
contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades
marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e
ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus
fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há
alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm que
adaptar-se a suas normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um
predomínio tão abrangente desde o inicio do século como o neoliberalismo hoje. Este
fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem
em suas receitas e resistam a seus regimes. A tarefa de seus opositores é a de oferecer
outras receitas e preparar outros regimes. Apenas não há como prever quando ou onde vão
surgir. Historicamente, o momento de virada de uma onda é uma surpresa.
Perry Anderson*
* “Balanço do Neoliberalismo”. In: Emir Sader & Pablo Gentili (Orgs.). Pós-
Neoliberalismo. As Políticas Sociais e o Estado Democrático. São Paulo, Paz e Terra, 1995.
NOTA PRELIMINAR
PG. 10
1
R. W. Connell
POBREZA E EDUCAÇÃO
PG.11
PG.12
É importante ter uma visão ampla da questão, para fugir de suposições cujas bases
intelectuais são agora bastante duvidosas. Sendo assim, começarei mostrando como
surgiram os programas compensatórios e quais eram seus pressupostos, antes de explorar a
teoria e a prática mais recentes.
POBREZAS E PROGRAMAS
A principal conclusão das pesquisas sociais é que as pobrezas não são todas iguais.
Harrington, no livro The Other America (A Outra América) (1962) já destacava os idosos,
as minorias, os trabalha dores rurais e os subempregados industriais como constituindo
diferentes “subculturas da pobreza”. Essa distinção é enfatizada em estudo mais recentes e
sistemáticos (p. ex. Devine e Wright, 1993).
Em escala mundial, as diferenças entre os diversos tipos de pobreza são ainda mais
evidentes. MacPherson (1987) fala em “quinhentos milhões de crianças” em estado de
pobreza no Terceiro Mundo, a maioria em áreas rurais. A qualidade do ensino que chega
até eles é duvidosa; Avalos (1992) argumenta que a pedagogia formal utilizada em suas
escolas é profundamente inapropriada. A pobreza nos povoados rurais é diferente da
pobreza nas cidades de crescimento explosivo, do México a Porto Moresby, um modelo de
crescimento que agora domina as políticas dos países em desenvolvimento. Foi no cenário
urbano que a idéia de uma “cultura da pobreza” foi desenvolvida, idéia essa que teve um
efeito profundo sobre o conceito de educação compensatória em países ricos.
Focalizo, neste ensaio, a pobreza que resulta da disparidade nas economias de alta
renda da América do Norte, da Europa Ocidental, da Australásia e do Japão. Desde 1964,
têm sido feitas estatísticas oficiais sobre as pessoas nessa situação, usando-se uma
conservadora “linha de pobreza”, baseadas em cálculos, feitos pelo governo dos Estados
Unidos, de necessidades alimentares mínimas das famílias. (Este critério tem sido
igualmente utilizado em outros países.) Nesses termos, os Estados Unidos computaram 14
milhões de crianças pobres em 1991, isto é, uma criança em cada cinco (Departamento do
Censo dos Estados Unidos, 1992). Extrapolando para os países capitalistas industrializados
como um
PG.13
todo, poderíamos estimar que eles têm cerca de 35 milhões de crianças atingidas pela
pobreza.
É para essas crianças e suas necessidades educacionais que é dirigida a educação
compensatória — embora nem todas sejam alcançadas e evidentemente nem todos os
fundos sejam destinados aos pobres. O ensino destinado aos pobres remonta às escolas de
caridade do século XVIII e às escolas “populares” do século XIX; mas os modernos
programas datam basicamente dos anos 60 e têm uma história específica.
No início do século XX, os sistemas educacionais eram, em sua maioria, nítida e
deliberadamente estratificados: segregados por raça, gênero e classe social, divididos entre
escolas acadêmicas e técnicas, públicas e privadas, protestantes e católicas. Uma série de
movimentos sociais envolveu-se na luta para dessegregar escolas, para estabelecer uma
escola secundária abrangente e para abrir as universidades para grupos excluídos. Os
sistemas educacionais de meados do século, como resultado desta pressão, tornaram-se
mais acessíveis. O direito à educação materializado na Declaração dos Direitos da Criança
pelas Nações Unidas em 1959 foi a internacionalmente (com notáveis exceções como a
África do Sul) como significando igualdade de acesso para todos.
Contudo, esse acesso igual representou apenas uma meia vitória. No interior das
instituições formalmente igualitárias, crianças proletárias, pobres e pertencentes a minorias
étnicas continuavam a ter desempenho inferior, em testes e exames, ao de crianças advindas
de famílias ricas ou da classe média, estavam mais sujeitas a reprovações e a evasão escolar
e tinham muito menos chances de entrar para a universidade. Descrever essa segregação
informal constituiu a principal preocupação da Sociologia da Educação dos anos 50 e 60.
Acumulou-se uma quantidade enorme de evidências, abrangendo desde levantamentos
oficiais como o Relatório Coleman, em 1966, nos Estados Unidos (veja-se a avaliação
retrospectiva do autor em Coleman, 1990) até estudos como a Classe Social e a Escola
Inclusiva (Ford, 1969),
2Este termo tem sido corretamente criticado por sua associação com a idéia de déficit com
o qual se procura caracterizar as pessoas pobres. Trata-se, entretanto, do único termo de
uso comum utilizado para se referir aos programas específicos que são o foco da discussão
dessas políticas, e continua sendo usado oficialmente, de modo que irei também usá-lo.
PG.14
Países Baixos e Austrália. (Para sua descrição, vejam-se Peterson, Rabe e Wong, 1988;
Halsey, 1972; Scheerens, 1987; Gonnel, White e Jonhston, 1991).
Os detalhes desses programas variam de um país para outro, mas eles têm em
comum alguns importantes elementos de concepção. Eles têm como “alvo” uma minoria de
crianças. Na Austrália, particularmente explícita nesse ponto, a cifra tem sido de cerca de
15%. Nos Estados Unidos, se a linha de pobreza oficial fosse equiparada, o programa
Chapter 1 atingiria hoje 22% das crianças; na prática, ele atinge uma porcentagem maior de
escolas e uma porcentagem menor de crianças. As crianças ou suas escolas são
selecionadas através de uma linha de pobreza estimada. Os programas são planejados para
compensar as desvantagens da criança pobre, enriquecendo seu ambiente educacional. Isso
é feito através do acréscimo de alguma coisa ao sistema escolar e pré-escolar existente e os
programas são geralmente administra dos separadamente do orçamento convencional da
escola.
O FALSO MAPA DO PROBLEMA
uma linha divisória, em algum ponto, para separar as pessoas em situação de desvantagem
daquelas em situação de vantagem.
Determinar onde esta divisão se dá é uma decisão fundamentalmente arbitrária. Este
é um problema familiar no traçado de linhas de pobreza. Em programas compensatórios
isso leva a uma infindável discussão sobre quais as crianças ou escolas devem fazer parte
da lista para recebimento de fundos. O procedimento pode definir 50% da população como
estando em situação de “desvantagem” tão logicamente quanto pode definir essa
porcentagem como sendo de 10% ou 20%. Contudo, na prática, o ponto é sempre estimado
de modo a estipular uma pequena porcentagem. Isto é acreditável em virtude da imagem já
existente sobre a pobreza. A implicação disso é que os outros 80% ou 90%, ou seja, a
maioria, estão todos numa mesma condição.
Mas não é isso o que mostram as evidências. Independentemente das medidas
usadas para estabelecer a desigualdade social ou os resultados educacionais, graus de
vantagem e desvantagem atravessam, de modo típico, a população escolar como um todo
(para um, entre uma centena de exemplos, veja-se Williams, 1987). Podemos identificar
uma minoria excepcional mente favorecida, como também uma excepcionalmente
desfavorecida, mas o foco em qualquer dos extremos é insuficiente. O ponto fundamental é
que a desigualdade de classe é um problema que atravessa todo o sistema escolar As
crianças pobres não estão diante de um problema isolado. Estão diante dos efeitos mais
perversos de um padrão mais amplo.
É tradicional a crença de que o indivíduo pobre não é como o restante de nós. Tal
crença afetou a elaboração dos programas de educação compensatória, sobretudo através da
tese da “cultura da pobreza”, na qual a reprodução da pobreza de uma geração: ara outra era
atribuída às adaptações culturais do indivíduo sobre às suas circunstâncias (Lewis, 1968, p.
47-59).
Embora vazada na linguagem da teoria cultural do etnógrafo, tal idéia adquiriu
imediatamente uma versão psicológica. Diferenças culturais no grupo significavam déficit
psicológico no plano individual, uma carência nas características necessárias para se obter
sucesso na escola. Com essa “ampliação” do conceito, ilma gama bastante ampla de
pesquisas, incluindo estudos sobre
PG.17
códigos lingüísticos, sobre expectativas ocupacionais, sobre rendimento escolar, sobre
quociente intelectual, entre outros, podia ser interpretada como demonstração de privação
cultural. Nos anos 60 e 70, a idéia de déficit cultural tinha se tornado parte do estoque
estabelecido de conhecimento de professores/as, assim como de formuladores de políticas
públicas.
Foi essa redução à idéia de déficit que Bernstein (1974) contestou em uma famosa
crítica à educação compensatória. As idéias baseadas na noção de cultura da pobreza foram
fortemente criticadas por antropólogos, lingüistas e professores/as, para não mencionar as
críticas da própria população pobre. Entretanto, elas têm demonstrado uma enorme
tenacidade, persistindo através de duas décadas de retórica cambiante — como Griffin
(1993) recentemente mostrou em um detalhado estudo a respeito das pesquisas sobre a
juventude. Elas sobrevivem, em parte, porque se transformaram na ideologia orgânica dos
programas compensatórios. A existência mesma dos programas evoca a lógica do déficit,
como demonstra Casanova (1990), em um comovente estudo de caso de duas crianças
rotuladas dessa forma até por autoridades escolares de inclinação progressista. Deve-se
também mencionar que as idéias baseadas na noção de déficit sobrevivem porque se
encaixam confortavelmente em ideologias mais amplas sobre diferenças de raça e de classe.
Entretanto, a evidência dos fatos aponta, de forma esmagadora, para a semelhança
cultural entre os grupos mais pobres e os menos pobres. As pesquisas sobre atitudes, por
exemplo, produzem pouca evidência de que os pobres não têm o mesmo interesse das
outras pessoas para com a educação ou as crianças (para um exemplo recente, focalizado no
caso da Inglaterra, veja-se Heath, 1992). Essa conclusão seria de se esperar, dadas as
evidências sobre a demografia da pobreza, uma informação que é pouco conhecida dos
educadores. Estudos tais como a Pesquisa Americano sobre a Dinâmica da Renda, que
seguiu as mesmas famílias desde 1968, mostra um grande número de famílias entrando e
saindo do estado de pobreza. Num período de mais de vinte anos, cerca de 40% das
famílias estudadas passaram algum tempo na pobreza, quando o índice de pobreza em
qualquer período de doze meses era de apenas 11% a 15% (Devine e Wright, 1993).
Deveríamos então esperar que tais pessoas tivessem, em qualquer
PG.18
ocasião, muito em comum com o resto da classe trabalhadora, incluindo suas relações com
a escola.
Nos Estados Unidos, o tema tem sofrido uma mudança de foco através do conceito
de “subclasse”, usado para designar os habitantes afro-americanos dos centros urbanos
marcados por um enorme índice de desemprego, degradação ambiental, alto índice de
natalidade entre mães solteiras, violência entre os membros da própria comunidade e tráfico
de drogas. E evidente que as mais severas concentrações de pobreza terão, sem dúvida, as
mais severas conseqüência na educação desses grupos (para obtenção de dados estatísticos,
veja-se Orland, 1990). Etnografias feitas em locais urbanos (Anderson, 1991) e em
comunidades rurais pobres (Heath, 1990) mostram, efetivamente, modos de vida que se
mesclam de forma negativa com as práticas do sistema escolar predominante, O argumento
de Ogbu (1988) de que esta má mistura tem raízes na história do imperialismo, com
“minorias involuntárias”, tais como povos indígenas conquistados e trabalhadores escravos,
resistindo às instituições da supremacia branca, é atraente. Entretanto, a etnografia como
método pressupõe a coerência e a diferença, precisamente as características que estou
questionando; devemos ser cautelosos para não fazer uma hiper- interpretação desse tipo de
evidência. A inventividade cultural das pessoas pobres (incluindo os americanos da
chamada “subclasse”) e sua interação com a cultura popular mais ampla não podem, de
forma alguma, ser negadas — do jazz ao rap, ao new wave, à moda punk, aos estilos
urbanos contemporâneos, e assim por diante. A pesquisa etnográfica na escola registra um
forte desejo de educação por parte da população pobre e das minorias étnicas (p. ex.
Wexler, 1992, dos Estados Unidos; Angus, 1993, da Austrália). Apesar disso existe um
enorme fracasso educacional. Alguma coisa não está funcionando bem; mas, com certeza,
dificilmente será a cultura das pessoas pobres.
A crença de que a reforma educacional é, acima de tudo, uma questão técnica, uma
questão de reunir as pesquisas e delas deduzir quais as melhores intervenções, está bem
firmada no universo educacional. A hierarquia de instituições de ensino culmina nas
universidades, elas próprias produtoras de pesquisa sobre educação. A ideologia dominante
nos estudos educacionais é positivista, O relatório Coleman foi um monumento da pesquisa
PG.19
PG.20
O efeito amplo desse mapa das questões tem sido o de localizar o problema nas
cabeças dos indivíduos pobres e nos erros das escolas que os servem. As virtudes das outras
escolas são simplesmente tomadas como dadas. A conseqüência, como Natriello e seus
colegas (1990) mostraram, de modo perceptivo, para o caso dos Estados Unidos, tem sido
uma oscilação entre estratégias de intervenção — a maioria de ordem tecnocrática, todas
estreitamente enfocadas e dentro de um contexto de maciça insuficiência de fundos e
nenhuma delas fazendo grande diferença na situação.
REMAPEANDO AS QUESTÕES
Que podemos oferecer no lugar disso? (O “nós” é formado por pesquisadores/as,
pedagogos/as, estudantes, administradores/as e os/as leitores/as de publicações como esta).
Não podemos continuar oferecendo o que costumeiramente oferecemos: propostas para
realizar novas intervenções conduzidas por especialistas e para fazer mais pesquisas para
lhes dar suporte teórico. O estudo exemplar de Snow e seus colaboradores (1991) mostra os
limites a que se tem chegado. Esse cuidadoso estudo, realizado nos Estados Unidos,
buscava lições práticas para o ensino da alfabetização, através da comparação de bons e
maus leitores entre crianças pobres. Ao retornar quatro anos depois, esses pesquisadores
descobriram que as esperançosas diferenças obtidas como resultado de sua interação tinham
sido anuladas por algo que só podemos interpretar como sendo as conseqüências estruturais
da pobreza. As melhorias que esses pesquisadores propuseram eram certamente importante
para melhorar a qualidade de vida das crianças. Mas elas não foram capazes de alterar as
forças que moldavam seus destinos educacionais.
Não há grandes surpresas na pesquisa sobre pobreza e educação e não há portas
secretas que levem à solução. Se há um mistério, é do tipo que Sartre denominou “mistério
à plena luz do dia”, um desconhecimento criado pelo modo como estrutura mos e
utilizamos nosso conhecimento. Estudos descritivos de crianças pobres realizados por
psicólogos, sociólogos e educadores certamente continuarão a ser feitos — temperados por
declarações ocasionais de biólogos, dizendo terem encontrado o gene
PG.21
responsável pelo fracasso escolar. Entretanto, esse tipo de pesquisa não é mais decisivo, O
que precisamos sobretudo é re-pensar o padrão que estrutura a formulação de políticas
públicas e o modo como as questões têm sido configuradas.
Isso deveria começar com o tema que surge insistentemente quando as pessoas
pobres falam sobre educação: a questão do poder. Essa questão leva à forma institucional
da educação de massa, à política do currículo e à natureza do trabalho do/a professor/a.
PODER
Os/as educadores/as sentem-se desconfortáveis com a linguagem do poder; falar em
“desvantagem” é mais fácil. Mas as escolas são instituições literalmente poderosas. As
escolas públicas exercem o poder tanto através da obrigatoriedade de frequentá-las quanto
através das decisões específicas que tomam. As notas escolares, por exemplo, não são
meros pontos de apoio do ensino. Elas são também minúsculas decisões jurídicas, com
status legal, que culminam em grandes e legitimadas decisões sobre as vidas das pessoas —
o avanço na escola, a seleção para um nível mais alto de instrução, as expectativas de
emprego.
As pessoas pobres, de modo geral, compreendem essa característica da escola. Ela
está centralmente presente em suas mais desagradáveis experiências de educação. A
experiência vivida pelos estudantes pobres de hoje não é, contudo, única. Os sistemas de
educação de massa foram criados no século XIX como uma forma de intervenção do estado
na vida da classe trabalhadora, para regular e em parte assumir a educação das crianças. A
obrigatoriedade legal era necessária porque tal intervenção era amplamente rejeitada.
Por causa dessa história, as escolas públicas e sua clientela proletária têm uma
relação profundamente ambivalente. Por um lado, a escola corporifica o poder do estado;
daí a queixa mais comum de pais e estudantes: de professores/as que “não se importam”,
mas que não podem ser obrigados/as a mudar. Por outro lado, a escola transformou-se na
principal portadora de esperanças para um futuro melhor para a classe trabalhadora,
especialmente onde as esperanças do sindicalismo ou do socialismo
PG. 22
PG. 23
Os meninos que brigam na escola e são jogados na rua estão encontrando mais do
que a raiva de certos professores e diretores. Estão enfrentando a lógica de uma instituição
que representa o poder do estado e a autoridade cultural da classe dominante. O estudo de
Fine (1991) sobre uma escola de gueto em Nova York mostra a cega racionalidade
burocrática que incentiva o aluno à evasão. Em uma escola sob pressão e sem nenhuma
perspectiva e obtenção dos recursos de que necessita ou de uma mudança em seus métodos
de trabalho, “livrar-se” de um aluno transforma-se em solução rotineira para uma ampla
gama de problemas.
O papel do poder institucional em moldar a interação professor-aluno tem aparecido
claramente nas etnografias que têm sido feitas em escolas. Esse papel foi nitidamente
retratado no estudo de Corrigan (1979) sobre a luta pelo controle em duas escolas de uma
área industrial decadente da Inglaterra.
O que as etnografias da escola não podem mostrar é a forma institucional do sistema
de ensino como um todo. A seletividade dos níveis mais altos significa uma oferta limitada
de educação, que força desempenhos desiguais, esforce-se ou não o sistema para oferecer
oportunidades iguais. Se um sistema universitário forma apenas um em dez de um grupo da
mesma geração (média atual para países industriais, segundo o Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas, 1992), então nove devem ficar sem se formar. Se
existe uma pressão por desempenhos desiguais, então dá também uma luta por resultados
vantajosos, bem como pelos recursos políticos e econômicos que podem ser mobilizados
nessa luta. Os pobres são precisamente os que têm menos recursos.
Medidas para acirrar a competição dentro do sistema escola — incluindo testes
obrigatórios, planos de escolha por parte dos cais, programas dirigidos aos “dotados e
talentosos” — têm um nítido significado de classe, ratificando as vantagens dos
privilegiados e confirmando a exclusão dos pobres. Isto não é novidade. Observações
similares sobre o caráter de classe dos programas de testagem têm sido feitas por meio
século (Davis, 1948). Entretanto, parece ser um fato que tem de ser constantemente
redescoberto.
PG.25
A legitimidade da competição educacional depende da existência de alguma crença
na possibilidade de se nivelar as condições com as quais as pessoas entram nesse jogo. Os
fatos econômicos têm sido bastante marginais em discussões sobre a desigualdade no
campo educacional, embora os educadores justifiquem periodicamente os programas
compensatórios como contribuindo para uma força de trabalho bem treinada.
Recentemente, nos Estados Unidos, Kozol (1991) colocou em questão as diferenças nas
verbas destinadas às escolas. Taylor e Piche (1991), estudando os gastos por aluno,
mostraram uma média de 11.752 dólares nas escolas para os mais ricos e 1.324 nas dos
mais pobres, com razões de 2 1/2 para 1 ou de 3 para 1 entre grupos com altos e grupos
com baixos gastos, em vários estados. Os gastos per capita atuais tendem a subestimar as
diferenças, visto que o orçamento geral tem sido também desigual e além do financiamento
público, como já se sabe, há fortes desigualdades no que pode ser gasto, de forma privada,
em recursos educacionais.
Outros países ricos têm verbas para educação mais centralizadas e,
conseqüentemente, mais uniformes que os Estados Unidos, mas uma seleção mais rigorosa
para níveis mais altos (que, sendo mais dispendiosos, pesam no total geral dos gastos em
favor dos grupos abastados, os quais têm acesso, em maior proporção, aos níveis
educacionais mais altos). Face a isto, parece haver diferenças no investimento social em
educação de crianças ricas e pobres, diferenças que são muito maiores do que qualquer
efeito redistributivo dos fundos de educação compensatória.
CURRÍCULO
PG.26
O TRABALHO DOCENTE
PG.28
carentes, ao invés de melhorá-la. Para uma escola problemática, é quase impossível resistir
às ofertas de recursos; mas as conseqüências nem sempre são boas.
Olhando as condições do trabalho docente, podemos também começar a entender o
paradoxo das avaliações da educação compensatória (veja-se Glazer, 1986). Resumindo: a
maioria dos projetos de intervenção produz pouca mudança quando são ava liados através
de formas convencionais; e os que realmente pare cem produzir mudanças não seguem um
padrão definido. A abordagem tecnocrática de elaboração de políticas públicas deve ficar
profundamente perturbada por essa situação, embora a reação habitual seja apelar em favor
de mais pesquisas.
Suspeito que esses fatos nos estão alertando sobre a existência de efeitos do tipo
Hawthorne nos programas dirigidos à pobreza. A prática dos/as professores/as é governada
principal mente pelas determinações institucionais da escola como um local de trabalho. As
intervenções compensatórias geralmente são demasiadamente pequenas para mudar esses
fatores, um fato que tem sido destacado através de sua história (vejam-se Halsey, 1972;
Natrielio et alii, 1990). Deste modo, a maior parte da prática educacional em escolas
carentes possui a mesma rotina da de outras escolas (para a esse respeito, veja-se Gonnell,
1991) e produz os efeitos socialmente seletivos de sempre. Ocorre que aqueles programas
que realmente produzem mudanças encontra ram uma variedade de maneiras — que podem
ser situacionais e temporárias — de fortalecer a ação dos/as professores/as, sua capacidade
de driblar os fatores determinantes e de lidar com as contradições da relação entre as
crianças pobres e a escola.
PENSAMENTO ESTRATÉGICO
Dado esse remapeamento das questões, nosso conceito do que constitui uma solução deve
também mudar. As soluções não podem consistir de intervenções baseadas no
conhecimento de
3 Este nome faz referência à fábrica onde um famoso experimento constatou aumento de
produção dos operários independentemente de como seu trabalho era organizado pelos
experimentadores. Os pesquisadores finalmente perceberam que era o experimento em si, não as
manipulações realizadas nele, que estava criando um grupo de apoio afetivo e levantando o moral
dos trabalhadores.
PG.30
especialistas a partir de um ponto central. Ao contrário, devem envolver o conhecimento
disperso, cuja utilização é atualmente impedida.
Isto significa que os/as acadêmicos/as fariam melhor se simplesmente saíssem do caminho?
Há muito a dizer em favor de se romper as rotinas pelas quais o prestígio da ciência
legitima intromissões nas vidas dos indivíduos pobres. Mas nenhum de creto de auto-
negação fará tal coisa, dada a influência do pensamento tecnocrático em círculos ligados às
políticas públicas e em estudos educacionais. Deve-se também dizer que os/as
acadêmicos/as têm efetivamente recursos e habilidades que os pobres e seus professores
podem utilizar.
A primeira necessidade é deslocar a elaboração tecnocrática de políticas públicas e
colocar em seu lugar um pensamento estratégico. As pessoas nas escolas —alunos/as e suas
famílias, professores/as e outros/as funcionários — já estão pensando sobre como superar
obstáculos e vencer a injustiça. Tais pessoas não têm de ser aconselhadas a fazer isto! Os/as
intelectuais profissionais podem ajudar a circular, orientar, criticar e melhorar esse pensa
mento. Com o projeto de se apoiar o pensamento estratégico já existente nas escolas, ao
invés de substituí-lo, têm-se todas as razões para justificar o envolvimento mais ativo
possível dos/as acadêmicos/as com toda a gama de questões existentes.
Se quisermos usar a oportunidade que agora existe de realizar mudanças, o
pensamento estratégico sobre a pobreza deve reconsiderar os objetivos de ação, a
substância da mudança, os meios e ainda as condições políticas para que essa mudança
ocorra.
FORMULANDO OBJETIVOS
A maioria das declarações de objetivos para a reforma educacional trata a justiça em termos
distributivos. Isto é, elas tratam a educação, em grande parte, do modo como as discussões
sobre a justiça econômica tratam o dinheiro — como um bem social de caráter padrão que
precisa ser distribuído de forma mais justa. Mesmo se os critérios para uma distribuição
justa variam de uma esfera de política pública para outra, como no sofisticado modelo de
justiça de Walzer, a abordagem distribucional governa a discussão da educação (Walzer,
1983, cap. 8).
PG.31
Se aprendemos algo com o estudo da interação entre currículo e contexto social é
que os processos educacionais não constituem um padrão neste sentido. Distribuir as
mesmas quantidades de currículo hegemônico, para meninas e meninos, para crianças
pobres e crianças ricas, crianças negras e crianças brancas, imigrantes e nativas não
produzirá os mesmos resultados para eles — ou a eles. Em educação, o significado de
“quanto” e de “quem” não pode ser e do “quê”.
O conceito de justiça distributiva certamente se aplica a recursos materiais para
educação tais como fundos e equipamentos para a escola. Mas precisamos de algo mais, um
conceito de justiça curricular, para o conteúdo e o processo da educação. A justiça
curricular diz respeito às maneiras pelas quais o currículo concede e retira o poder, autoriza
e desautoriza, reconhece e desconhece diferentes grupos de pessoas e seus conhecimentos e
identidades. Deste modo, ele diz respeito à justiça das relações sociais produzidas nos
processos educacionais e através deles. (Para uma definição mais completa, veja-se
Connell, 1993.).
Não há nada de exótico nessa idéia. Ela está implícita em grande parte da prática de
ensino nas escolas carentes, uma prática que contesta os efeitos incapacitantes do currículo
hegemônico e autoriza o conhecimento localmente produzido. Este é o tipo de “bom
ensino” que Haberman (1991) contrastou recentemente com a “pedagogia da pobreza”;
segundo observa, o problema é como institucionalizá-lo em escolas carentes. Tais
iniciativas permanecem marginais e são facilmente demonstradas, a menos que elas possam
ser conectadas a objetivos mais amplos.
Creio que um conceito de justiça curricular torna isto possível e deveria estar no
centro do pensamento estratégico sobre educação e desvantagem. Ele requer que pensemos
no processo de elaboração de um currículo do ponto de vista dos menos avantajados, não
do ponto de vista do que é atualmente permitido. Ele requer que pensemos como
generalizar o ponto de vista dos menos avantajados, um ponto de vista que deve ser usado
como um programa para a organização e a produção do conhecimento em geral.
Assumir urna visão educacional sobre as relações entre pobreza e educação nos
leva, a além do objetivo de “compensação”,
PG.32
A SUBSTÂNCIA DA MUDANÇA
Assegurar que os alunos tenham acesso sistemático a programas que lhes fornecerão uma
compreensão política e econômica de modo que eles possam agir individualmente ou
coletivamente para melhorar suas condições.
PG.33
PG.34
Os/as alunos/as também trabalham e não apenas num sentido meramente metafórico.
Democratizar significa expandir a possibilidade de ação daquelas pessoas que são
normalmente esmagadas pela ação de outras ou imobilizadas pela atuais estruturas. O
ensino realiza isso de um modo local e imediato — tal como vividamente mostrado na
educação de adultos dirigida ao fortalecimento do poder (empowerment) descrito por Shor
(1992). A agenda para a mudança deve se preocupar com a forma como efeito local pode
ser generalizado.
OS MEIOS
PG.35
mais do que qualquer instituição formal, serviu para a transmissão da experiência e
proporcionou o fórum para um intenso debate sobre políticas públicas (White e Johnston,
1993). Tais grupos também existem em outros países. Um exemplo notável é o grupo da
revista Our School/Our Selves, que tem levado os/as professores/as de todo Canadá a uma
série de debates sobre reforma educacional. Uma abordagem inteligente de elaboração de
políticas públicas consideraria tais grupos de professores/as como uma peça-chave.
A segunda inferência é que uma agenda de reforma deve ocupar-se da configuração
desta força de trabalho: o recrutamento, o treinamento, o aperfeiçoamento em serviço e os
planos de carreira dos/as professores/as de escolas carentes. O relatório Coleman, deve-se
dizer isso a seu favor, levantou essa questão e colheu dados sobre treinamento de
professores/as, mas a questão quase desapareceu em discussões posteriores sobre grupos
carentes. Em uma situação de recessão, na qual os orçamentos para a educação sofrem
pressões, os fundos para preparação de professores/as, especialmente para o treinamento
em serviço serão provavelmente cortados. Até certo ponto, os próprios programas
compensatórios funcionam como educadores dos/as professores/as. Expandir
sistematicamente sua capacidade de treinamento, sua capacidade para circular informação,
para produzir conheci mento cooperativo e para transmitir um conhecimento especializado,
constitui uma reforma relativamente barata, com efeitos potencialmente amplos.
A força de trabalho não é estática. Famílias entram e saem do estado de pobreza e
os/as professores/as entram e saem de escolas carentes. Por ambas as razões, as questões
sobre pobreza atingem professores/as em outras partes do sistema educacional. Meu
argumento é de que essas questões devem ser o tema principal nos treinamentos de
professores principiantes e que a competência no trabalho com grupos carentes deve ser
central à idéia de profissionalismo no ensino.
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PG.39
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PG.40
PG.41
Este ensaio foi inicialmente publicado na Harvard Educational Review, 64(2), 1994:
125-149. Publicado aqui com a autorização do autor e daquela revista. Tradução de
Vânia Paganini Thurler. Revisão da tradução de Tomaz Tadeu da Silva.
PG.42
2
Mário da Costa
___________________
Em artigo recente (Costa, 1994), pude desenvolver uma avaliação de propostas que
denominei “neo-reformadoras” para a educação, à luz de reflexões sobre o estado e sua
crise contemporânea. No presente trabalho proponho-me a acrescentar algumas reflexões
trazidas de leituras sobre as proposições em voga de ajuste econômico, reformas estruturais
e arranjos políticos, para o mundo subdesenvolvido, em particular a América Latina. Não e
trata, assim, de um trabalho completamente original. Observações que podem ser
encontradas nele estão contidas no artigo acima mencionado. No entanto, parece-me que
reflete uma busca de compreensão mais precisa do ponto.
No intervalo de oito meses entre a produção dos artigos, o Brasil teve um novo
governo eleito, reformas de peso têm sido anunciadas ou mesmo desencadeadas e fatos
novos no campo internacional — como a bancarrota mexicana — levantaram novos
aspectos do problema. Entre outros, estes elementos contribuíram para tornar o assunto
mais emergente. Infelizmente, as questões relacionadas à educação continuam a ocupar
lugar absolutamente secundário na produção dos campos da sociologia e da política. Assim,
o raciocínio de cunho econômico tem encontrado terreno fértil para imperar tranqüilo nas
pautas de discussão a cerca da política educacional.
PG.43
Conforme pretendo desfiar mais adiante, este raciocínio tem como característica
contemporânea a forte influência que recebe de um modelo geral de análise gerado em
alguns grandes centros intelectuais. Tal modelo tem como que sufocado alternativas de
pensar respostas globais para as dificuldades dos países mais pobres. Sob a couraça de um
forte determinismo, um consenso tem se forjado em setores acadêmicos e, principalmente,
entre policy makers: as reformas são óbvias e indispensáveis, sobretudo óbvias. A questão é
avaliar suas diferenças de ritmo e alcance, suas conseqüências no terreno da política
institucional, os processos políticos e sociais que as permitem ser desencadeadas, ou
antepõem óbices a que se desenvolvam. O que rodeia as reformas/ajustes está no centro das
atenções. Bem menos se discute acerca da natureza destas reformas e, principalmente, de
suas alternativas possíveis. As forças que têm se oposto às reformas propostas — ou
impostas — a partir dos organismos financeiros internacionais estão numa defensiva não
apenas política, mas, também, intelectual. Esta situação parece estar associada a uma
importante migração de pensadores não conservadores para posições, no mínimo,
simpáticas a abordagens que podem ser classificadas como “neoliberais”. Parte deste
movimento talvez possa ser compreendido, do ponto de vista de suas motivações
estritamente teóricas, como decorrência de modelos gerais de pensamento pregressos, já
fortemente marcados pelo que denomino economicismo.
Com efeito, as análises e propostas que serão aqui criticadas são articuladas em
torno de concepções onde as noções de estado e de sociedade têm evidente afinidade com o
ideário econômico liberal. Destaco o “econômico”, pois esta abordagem é sensívelmente
diferenciada de um liberalismo de corte mais político ou filosófico e, de meu ponto de
vista, algumas vezes até mesmo contraposta a este último.
É reconhecida a existência de uma certa afinidade de fundo
PG.44
entre os pensamentos marxista e liberal, no que diz respeito à compreensão da esfera das
relações econômicas como preponderante na humanidade, expressa na idéia do indivíduo
maximiza dor que constitui a matriz destes pensamentos. Também a noção do estado como
ameaça permanente está presente em ambas as correntes². Numa, é tido como instrumento
de dominação de classe. Na outra, como ameaça latente à realização plena das relações
mercantis, que seriam da natureza do ser humano. Talvez, nesta proximidade original resida
a atração exercida sobre alguns ‘pensadores que anteriormente se contrapunham, por
exemplo, à idéia de que o funcionamento de um sistema educacional pudesse ser otimizado
com o estado assumindo um papel bem mais secundário que o atual, deixando ao jogo do
mercado a incumbência de alcançar realizações para as quais a gestão estatal não tem sido
efetiva.
O ponto de partida e, em parte, a força desta corrente neo-reformista estão na
calamidade em que os sistemas escolares públicos encontram-se em países como o Brasil.
A argumentação poderosa: após décadas de gestão estatal, o que se encontra é um sistema
escolar sofrível em todos os termos, espelho de uma sociedade absurdamente desigual,
onde nichos de razoável qualidade canalizam recursos públicos desproporcionais para o
atendimento de estratos já bem aquinhoados da sociedade. Além disso, farta politicagem
deforma o caráter presumivelmente democrático do serviço público, beneficiando setores
intermediários do sistema educacional (burocratas), em conluio com o uso político menor
de um sistema gigantesco e tão fundamental para as famílias em geral. Em suma, inépcia,
corrupção, clientelismo, favorecimento, mau uso de recursos públicos, refração a controles
democráticos, eis o quadro presente da escola no Brasil, a grosso modo. Por que, então,
insistir na receita? Melhor não seria experimentar uma estrutura alternativa a um sistema
educacional unanimemente reconhecido como fracassado?
2 Para uma muito interessante fábula liberal sobre a origem do estado, ver Olson (1993).
REFRESCANDO A MEMÓRIA
PG.46
as experiências de redemocratização que varreram o mundo subdesenvolvido nos tempos
recentes. Na educação, em particular, as políticas de esvaziamento das máquinas públicas e
a grave crise de financiamento de algumas atividades estatais tiveram conseqüências
severas e, por sua concomitância com a redemocratização, são difíceis de terem seus
processos percebidos separadamente. Para uma considerável parcela de pessoas, o período
de passagem para ordens institucionais mais democráticas foi sinônimo de empobrecimento
e dificuldades de toda sorte. Em especial, para os que dependem dos sistemas públicos de
ensino a situação é mais dramática e um mercado de trabalho reduzido pela recessão tende
a ser mais seletivo, demandando maiores credenciais escolares. Assim, enquanto aumentam
potencialmente as aspirações por mais e melhor escolaridade, a escola pública sofre os
efeitos das escolhas pelo esvaziamento do estado, ou da simples crise de financiamento de
suas atividades.
Frente a isso, a necessidade de mudar profundamente torna-se imperativa. Portanto,
o cenário para clamores pró-reforma está dado. Não é à toa que, em períodos eleitorais, a
educação assume papel de grande destaque (Costa, 1993). Há portanto, uma conjugação de
fatores que fortalecem discursos como os aqui criticados.
A NEO-REFORMA EDUCACIONAL
E SUA SUSTENTAÇÃO TEÓRICA
Na verdade, denúncias e anseios por reformas no sistema escolar nada têm de novo.
A novidade vem da rejeição de abordagens que tinham como princípio o caráter público do
ensino, como único caminho de fato democrático e solução ampla para os grandes
problemas educacionais do país. Enquanto alguns insistiam em apontar a continuidade de
mecanismos e grupos no poder herdados do período autoritário como fonte principal da
degeneração das máquinas de políticas sociais, outros passaram a considerar este discurso
anacrônico e desgastado, passando a assinalar o próprio modelo de gestão estatal como
incorrigível.
A influência das experiências de alguns setores, antes marginalizados, na gestão de
redes escolares não pode ter seu papel minimizado. No entanto, o que, via de regra, não se
põe a claro
PG.47
é que raramente alguma destas experiências foi desenvolvida no interior de governos que
estivessem, no conjunto, comprometidos com mudanças mais profundas na gestão e
condução das políticas públicas. De maneira geral, o que se passou no processo de
redemocratização foi um reflexo daquilo que se convencionou chamar transição sem
ruptura: ascensão ao poder de grupos oposicionistas associados a outros oriundos dos
esquemas de poder anteriores, que terminaram por herdar-lhes também boa parte de seus
métodos eivados de favorecimentos e relações fisiológicas, clientelistas e corruptas de toda
sorte. O fato de não ter havido ruptura com o passado recente, consubstanciado
essencialmente na avalanche de vitórias de coligações peemedebistas que varreu o país pós-
82 (principalmente em 86), tem vínculos explicativos possíveis com a “desilusão” de
alguns com as possibilidades do estado. Uma breve olhada em trabalhos que resgatam
nossa história educacional recente (Cunha, 1991, por exemplo) mostra claramente como a
educação foi objeto de políticas que não romperam substancialmente com seus processos
anteriores.
As políticas educacionais dos governos oposicionistas foram, de fato, frustrantes.
Mas daí a associá-las com uma incapacidade em geral do estado vai uma distância
considerável. Talvez, na própria natureza das coligações no poder, encontrem-se
explicações mais sólidas que a simples demonização do estado. Parte dos desiludidos com a
estrutura estatal, de hoje, é formada por aqueles que acreditaram na virtude de coligações
no interior das quais ocuparam papéis pouco mais que decorativos. Ou não conhecemos a
história de deixar a educação e, às vezes, a saúde para a esquerda, concentrando em mãos
conservadoras e continuístas os núcleos de decisão política e de gestão financeira do
governo?
Optar por estas coligações não pode ser condenado por princípio5 . Ninguém é capaz
de afirmar que nosso presente seria muito melhor se este modelo de transição não fosse
adotado. Afinal, a condicional “se tivesse sido diferente” só tem valor hipotético, jamais
passível de verificação. Um caminho de embates mais acirrados seria uma possibilidade
histórica que, no entanto,
5É necessário tomar cuidado para não dar a impressão que rejeito coligações políticas por
princípio, o que de fato não faço.
PG.48
não se efetuou. O que pretendo aqui refutar são as conseqüências políticas e teóricas
derivadas destas opções pregressas.
Deve-se, porém, seguir com cautela. A experiência de atores sociais não pode ser
absolutizada como fonte explicativa. Diversos autores chamam a atenção para o caráter
mundial da crise que se abate, principalmente, sobre os países menos desenvolvidos ao I e
na continuidade dos anos 80. Este é um processo que constrange fortemente as políticas
nacionais) reduzindo consideravelmente o leque de opções disponíveis. E, também, um
fator que, por sua força, deve temperar a argumentação anterior, muito centrada na
responsabilidade das coligações no poder e nas políticas de mudança/ continuidade que
adotaram. Não creio ser possível, em qualquer modelo compreensivo, atribuir peso mo
nocausal a algum dos fatores. Por isso, parece-me mais razoável buscar na conjugação das
opções de políticas adotadas com as restrições e pressões advindas da crise internacional,
elementos múltiplos que nos permitam compreender a situação presente.
É possível que os proponentes das reformas inspiradas no neoliberalismo, para o
setor educacional, compartilhem de uma abordagem desenvolvida por diversos autores
(Haggard e Kaufman, Nelson, Kahler). Segundo este enfoque, a onda de redemocratização
(ou simplesmente democratização) que se alastra pelo Terceiro Mundo a partir do início da
década de 80 corre mais ou menos em paralelo com o acirramento de uma crise mundial de
contornos bastantes graves e que já se manifestava em meados dos anos 70. Tendo
construído seus processos de desenvolvimento recente ancorados na fartura de capitais
disponíveis no mercado internacional num momento anterior, o que lhes permitiu passar
por surtos de crescimento e modernização conduzidos pelo estado, os países endividados
sentiram fortemente quando mudanças internas no primeiro mundo elevaram
acentuadamente a taxa de juros real e, simultaneamente, produziram, pelo caminho
recessivo adotado, uma forte desvalorização nos preços internacionais das commoditties
com as quais procuravam equilibrar suas balanças de pagamentos. A conseqüência foi o
endividamento galopante, a inadimplência, em suma, a incapacidade de saldar as
6Deve-se excluir deste modelo genérico os países do 3° mundo exportadores da commoditty
que realmente se valorizou, o petróleo.
PG.49
PG.50
de reforma educacional em voga. Não se trata exatamente de um programa, por mais que
algumas medidas centrais do receituário sejam bem padronizadas. Antes, é um conjunto de
princípios oriundos do pressuposto básico de que os mecanismos de freio das energias do
mercado tendem a produzir efeitos nefastos sobre a sociedade, deteriorando sua capacidade
de seguir crescendo e tolhendo a iniciativa dos agentes econômicos, subjugados aos
procedimentos monopolísticos que o estado necessariamente produz. As compensações aos
resultados do livre jogo da sociedade mercado) tenderiam a inibir as iniciativas
empreendedoras dos indivíduos e a forjar máquinas estatais descoladas de suas finalidades
precípuas. As conseqüências de tal arranjo seriam inversas aos objetivos iniciais:
estagnação, monopólios, desigualdade cristalizada. Também as estratégias de crescimento
econômico calcadas na atividade estatal, por sua característica fortemente imbricada com a
política, padeceriam da ausência da racionalidade de econômica que caracteriza a ação no
jogo de mercado. O caminho, portanto, para a superação da crise é reduzir a esfera de
influência estatal, por meio da desregulamentação, privatização de empresas públicas,
terceirização de serviços prestados. No que diz respeito aos países que sofrem a crise da
dívida externa, os remédios devem ter um sabor inicial mais amargo, associados à
necessidade de estabilizar moedas corroídas por desequilíbrios financeiros prolongados.
Com este pano de fundo, constrói-se paulatinamente uma v hegemonia que faz com
que, mesmo para autores reticentes quanto aos ajustes desencadeados, se forme uma quase
unanimidade em torno do jargão composto de termos tais como: enxugamento, crise,
recessão, medidas duras, privatização, desregulamentação, e outras de significado quase
sempre sombrio. Uma Breve passada por trabalhos baseados em pesquisas e levantamento:
empíricos sobre o tema, mostra a força de tal enfoque.
Há uma ofensiva de um pensamento conservador, impregnando formas e visões de mundo
que não poderiam ser a ele associadas num passado recente. Este fato é sobejamente
reconhecido, por exemplo na teoria econômica, com repercussões acentuadas na definição
das policies desenvolvidas em diferentes partes do mundo. Assim, autores como Haggard e
Kaufman, bem como Nelson, Kahler, Stallings e outros são unânimes ao apontar que a
PG.51
crítica aos arranjos consolidados no que se definiu genericamente no pós-guerra como
Welfare State teve um papel poderoso na virada dos anos 70 para os 80. As alcunhas são
várias: neo-ortodoxia, conservadorismo, neoliberalismo, ortodoxia econômica,
aproximação de monetarismo e teoria econômica neoclássica. Em suma, há inúmeras
tentativas de “amarrar o bicho”. Muitas, porém, esbarram em dificuldades oriundas da
própria situação que apontam: a ascendência do pensamento conservador. Vários trabalhos
de destaque, que se debruçam sobre a avalanche neo- conservadora, também se apóiam em
argumentos empunhados por seus supostos antagonistas.
Não tenho intenção, nem mesmo condições, de polemizar com grandes estudos
comparativos cross-national que constroem-se sobre farta e impressionante documentação
levantada nas últimas décadas. Via de regra, os que tive acesso, demonstram esforços
absolutamente indispensáveis para compreender o qua dro atual. No entanto, o que me
chamou atenção foi algo que já havia apontado no artigo anterior e que ficou mais claro
agora. Trata-se do quase alijamento do tema da desigualdade, como problema maior e raiz
possível para muitas de nossas mazelas. Este é, em meu ponto de vista, o principal
elemento que caracteriza o avanço de uma vaga conservadora, oriunda do pensamento
econômico, que se espraia também por propostas de política educacional. Além disso, as
medidas de estabilização, com seu decorrente “vale recessivo”, as reformas, que implicam
em redução acentuada do papel do estado, são tomadas como dados, necessidades
objetivas, não como objeto de avaliação.
De forma diferente do passado, não necessariamente as pro postas são trazidas por
personagens reconhecidas como “reacionárias”. Muito pelo contrário, um elemento de
novidade está na busca de caracterizar como conservadores os projetos e discursos que
defendam políticas conduzidas por um estado preocupado em corrigir as desigualdades
sociais. A ofensiva se dá sob condições sócio-políticas consideravelmente adversas para os
defensores de que a desigualdade é o problema central de nossas sociedades. As próprias
bases culturais sobre as quais tal pensa mento se estabeleceu parecem esvanecer, num
mundo cada vez mais bombardeado pelas idéias de competitividade, soberania do mercado
e esvaziamento da intervenção dos estados nacionais.
PG.52
Por detrás desta “novidade”, no entanto, há princípios e idéias que nada têm de novo
Porem, esta constatação não e suficiente para desconsiderá-los e, sobretudo, as condições
originais nas quais operam. A arrumação dos argumentos, a fraseologia na qual e
apresentam, os protagonistas que os defendem, as coalizões políticas que os sustentam, são
elementos realmente novos. Uma farta bibliografia recente tem procurado refletir a fundo
sobre a questão.
Uma distinção no interior desta discussão pode ser útil. Enquanto as posições mais
influenciadas pelo ideário econômico procuram tratar das reformas/ ajustes como se fossem
opções análises da sociologia e da ciência política buscam ressaltar o caráter
essencialmente político das opções realizadas. Obviamente, creio que esta última é uma
melhor forma de abordagem. Porém, no corpo das disputas que se estabelecem, joga um
papel importante na retórica neoliberal o ataque aos conflitos característicos da atividade
política, como um elemento irracional que perturba as opções técnicas corretas a serem
adotadas. Não é gratuita a observação de Haggard e Kaufman (1992), que destacam —uma
unanimidade observada em sua coletânea — o “sucesso” na implantação das reformas
como associado à presteza, firmeza, mesmo inflexibilidade, com que foram desencadeadas
aos primeiros sintomas detectados. Uma característica importante associada a este
comportamento é o isolamento de um segmento tecnocrático, protegido das disputas
políticas pela adesão do núcleo decisório as propostas de ajuste Tal grupo de funcionários
especiais” é oriundo de escolas de formação, freqüentemente nos EUA, onde a doutrina
neoliberal dispõe de grande influência. Esta pretensa isenção das decisões interessadas, e
caracterizam a escolha política, reflete-se na presunção de que medidas “técnicas”
corresponderiam a interesses universais, contrariando os particularismos dos grupos
organizados. A idéia é basicamente, que há um problema de ação coletiva: as reformas
beneficiam a todos, mas o problema é desencadeá-las, contornando problema da carona. O
isolamento7 de um grupo tecnocrático
7 Aí residem, por exemplo, as propostas de independência dos bancos centrais aos:
governos de seus países. Com esta estratégia, o que se pretende é assegurar a
continuidade da gestão financeira neo-reformista, independente de: rejeições que
recebam nas urnas.
PG. 53
PG.54
e eleitores, elites e massas estariam — do ponto de vista lógico — alinhados no que diz
respeito à necessidade de uma rede escolar universalmente acessível, eficiente,
democratizante. Há interpretações neste sentido que destacam aspectos políticos e
sociológicos, mas, principalmente, justificativas com base em razões econômicas
prevalecem. Freqüentemente, as bases econômicas para as propostas neo-reformadoras da
educação são tomadas como dadas, como única alternativa disponível, refletindo um
universo intelectual já mencionado anteriormente.
Por tratar exatamente, de forma bem explícita, das demandas que se apresentam sobre os
sistemas educacionais a partir da nova configuração na esfera econômica — ainda que não
esteja necessariamente alinhado com as propostas de política educacional neo-reformadoras
— o trabalho de Paiva (1990) é uma boa porta e entrada na discussão.
PG.55
econômica ganha tanto peso e serve de justificativa a tantas sugestões de políticas para a
educação.
Segundo a autora, a partir dos anos 70, manifestam-se quatro teses principais sobre
as tendências de formação da mão de obra, sob o capitalismo. A primeira afirma existir
uma tendência genérica à desqualificação progressiva em termos absolutos e relativos. A
segunda aponta a requalificação média da força de trabalho enquanto processo em marcha.
Em terceiro lugar, surge a tese da polarização das qualificações, que identifica a existência
de maior qualificação de um pequeno contingente da força de trabalho, ficando a grande
massa alijada deste processo. Por fim, aparece a tese da qualificação absoluta e da
desqualificação relativa, segundo a qual a elevação da qualificação média encobriria um
processo de desqualificação relativa, tomando em conta o cresci mento mais acelerado dos
conhecimentos socialmente disponíveis. As tendências claras que hoje se apresentam já
estariam sendo percebidas em pesquisas de alguns anos atrás: flexibilização, ênfase na
melhor qualidade de produtos, produção em séries menores e menos standartizadas, são
rumos apontados por essas pesquisas que implicam em mudanças nos requisitos de
qualificação da força de trabalho. A tendência de enfraquecimento dos métodos de
produção em massa, característicos do fordismo, implicam em novas formas de
conhecimento necessárias para a força de trabalho. Resumidamente, ao invés do trabalho
cada vez mais especializado e restrito, os requisitos agora estariam voltados para uma
qualificação mais universal, conversível, flexível. De manda-se um trabalhador com maior
capacidade de iniciativa, mais integrado e apto a trabalhar em grupo.
Tais constatações compõem um quadro prospectivo onde concentrar-se-ão as
atividades num conjunto menor de profissionais, que dependem, por sua vez, de
conhecimentos simultaneamente específicos e genéricos, no que diz respeito às capacidades
interativas e abstratas, como o uso de linguagem matemática. Esta seria uma capacidade de
trabalho mais flexível, ou adaptativa. No outro extremo, estão os ex-trabalhadores
substituídos pela automação e pelas novas formas de organização do trabalho. O sentido
geral das mudanças observadas é, contudo, positivo. Aos “formuladores da política
educacional”, a nova situação ajudaria a alertar
PG.56
e somar forças “na direção da formação básica única, geral, abrangente e abstrata.”
É interessante anotar o otimismo com que a autora avalia as transformações observadas. Os
efeitos previsivelmente tenebrosos de um padrão de desenvolvimento liberador de mão de
obra, dadas as relações sociais constituídas, não são desconsiderados. Porém, em nenhum
momento a política educacional é pensada como passível de ser articulada a outro projeto
de desenvolvimento social. A razão de tal otimismo encontra-se em um raciocínio que vê
na revolução tecnológica em curso o alvorecer da profecia marxiana da superação do reino
da necessidade. As mudanças profundas na base técnica e na organização da esfera
produtiva proporcionariam, assim, o vislumbrar de uma nova era, preparada em grande
parte pela difusão de capacidades cognitivas qualitativamente superiores entre os cidadãos.
Tais considerações sintetizam o que podemos classificar como retorno do pensamento
educacional — ou de parte considerável dele — a um eixo economicista ¹³, trazendo de
volta temáticas consagradas sob a denominação genérica de teoria do capital humano, mas
que encontravam-se marginalizadas nos últimos 20 anos. Conforme anotado anteriormente,
o discurso o pode ser imediatamente associado a posições conservadoras. Afinal, tem como
defensores personagens tradicionalmente associadas a preocupações democratizantes. Piore
e Sabel (1984) corroboram, a grosso modo, as perspectivas apontadas por Paiva O que
chamam “modo craft” de produção enquadra-se perfeitamente nos resultados de pesquisas
mencionados por ela. Atentam, ainda para uma dimensão que pode ser traduzida em
algumas críticas aos sistemas escolares a inadequação dos aparatos institucionais gestados
para o sistema de produção de massas, frente ao modelo emergente. Trilham este caminho,
em parte, autores o Tedesco (1990) e Barreto (1990).
Barreto, numa avaliação da trajetória relativamente recente
¹²Ver Abramo (1990) para uma idéia de como o processo estaria se dando no em seu início. Ela
menciona pesquisas que demonstram como as novas tecnologias valorizam algumas atividades, mas
dispensam outras altamente como os ferramenteiros na indústria automobilística.
¹³A questão da oscilação da sociologia da educação entre um polo culturalista e outro economicista,
ver Dandurand e Ollivier (1991).
PG.57
que ampliou e deu formato ao atual sistema educacional brasileiro, aponta mazelas
profundas do modelo implantado. Basicamente, a autora aponta um processo de polarização
do sistema escolar que foi capaz de forjar elites razoavelmente atualizadas em termos
internacionais, em algumas áreas de conhecimento, paralelamente a uma profunda exclusão
dos que já ocupavam as posições inferiores na estratificação social. A ação estatal seria
capaz de, concentrando recursos, distribuí-los de maneira desigual, beneficiando “sobretudo
as classes médias e alguns segmentos dos trabalhadores assalariados que, incorporados de
forma subordinada ao projeto hegemônico, ofereceram sustentação política ao governo.”
Este padrão, contudo, estaria superado, posto que não mais condiz com os formatos de
competitividade globalizada. Tal retrato, com possíveis retoques, expressivo de nossa
trajetória recente, enquadra-se na insatisfação generalizada com a condução estatal da
política educacional brasileira.
Tedesco faz uma análise que desenvolve aspectos levantados por Barreto: a apropriação dos
benefícios produzidos a partir aparatos educacionais públicos por alguns grupos sociais
“privilegiados”. E notável a semelhança com a tese de Simon (1981, apud Draibe, 1988) ao
atacar as políticas sociais desencadeadas pelo estado-protetor. E o chamado “efeito
perverso”. A perversidade estaria em que os setores sociais menos organizados e influentes
terminariam por arcar com a sustentação de políticas sociais voltadas para aqueles que não
necessitariam delas. Esta tese não está ausente também nos trabalhos de avaliação das
reformas neoliberais no terceiro mundo, especialmente quando se trata da implantação de
políticas voltadas para minorar os sofrimentos causados pelo choque “inicial” das medidas.
O raciocínio básico diz que os setores com maior capacidade de pressão política (i.e.
trabalhadores organizados) tendem a se apropriar de benefícios que seriam destinados aos
menos influentes. Isto dificultaria, ou mesmo impediria a implementação de tais políticas,
pois, se ampliadas em seu alcance social, subverteriam os princípios restritivos dos ajustes.
Na educação esta tese manifesta-se sempre que entra em discussão o financiamento do
ensino superior.
14Por não ser objeto deste artigo, deixo de apresentar algumas divergências d interpretação histórica
quanto ao trabalho citado.
PG.58
Tedesco expressa posições que têm grande passagem numa perspectiva “realista” de
análise da política educacional. A política de redução de investimentos na educação ou na
área social é tomada como algo dado, irremovível. Assim, funciona uma lógica do
“cobertor curto” onde o fundamental é definir que parte do corpo deixar descoberta de
forma a suportar melhor o frio.
A colocação das pretensas dicotomias reais com que se depara a educação implica
numa aceitação tácita da lógica que as produziu. Universidade X escola básica, ou salários
X investimentos em modernização, são, sob esta ótica, escolhas bipolares, a partir da
consideração de que o atendimento a ambos os termos da contra posição implica numa
contradição lógica e financeira, dado que a experiência já teria demonstrado não haver
recursos para tal. A escassez de recursos constrangeria, também, a educação a escolhas
trágicas, pelas características particulares das estruturas estatais que esta atividade
demanda. O peso das agências educacionais públicas seria tão grande — numericamente
falando — que qualquer alteração para mais em seus dispêndios tende a abalar as finanças
já combalidas do estado. Este fator reduz a capacidade das agências educacionais na disputa
intra-governamental por recursos públicos.
Adentrando o terreno das discussões sobre as perspectivas futuras de nossa
complicada situação educacional, Tedesco retorna à questão do Estado, para afirmar que o
problema atual não é mais garantir maior ou menor atividade estatal, mas deslocar o eixo
das atenções para os resultados do sistema escolar. Obvia mente, entre os “resultados”
encontra-se a preocupação com a adequação aos novos requisitos que emanam do mundo
do trabalho. Para Tedesco, a crítica à teoria do capital humano, sistemática durante os
últimos anos, esvazia lamentavelmente o poder de convencimento desta posição. Nos
países do Primeiro Mundo, contudo, generaliza-se a convicção de que há uma relação
positiva entre educação e desenvolvimento, frente às novas formas de trabalho e a um
mercado internacional crescentemente competitivo. O setor privado, inclusive, investiria
maciçamente na produção de conhecimentos. As demandas sobre o Estado estariam mais
colocadas em uma educação básica formativa que permita posteriores desempenhos
melhores na produção e no consumo de bens e serviços. Nestes países, as orientações
seriam no sentido da
PG.59
descentralização e da flexibilização. Sua posição é de que não se devem descartar como
inválidas as articulações teóricas entre educação e desenvolvimento, da mesma forma que
não se deve deixar de questionar as convicções intransigentes em defesa da escola pública.
Dando continuidade à perspectiva até aqui exposta, uma vertente de abordagem da
problemática educacional se destaca a partir de meados de 1990, no Brasil. Com destacada
repercussão em órgãos de imprensa, a argumentação baseia-se também em aspectos
econômicos.
Segundo esses pensadores, haveria um esgotamento do modelo de desenvolvimento que
vigiu no país até os anos 80, com a conseqüente impossibilidade de sobrevivência dos
padrões educacionais brasileiros, frente a novos requisitos colocados pela ordem econômica
mundial. Ribeiro e Schwartzman (1990), desdobrando evidências apontadas por Moura
Castro, advertem:
O desenvolvimento brasileiro até hoje se sustentou nas vantagens relativas de nossa mão-
de-obra barata e não-qualificada e da abundância de matérias-primas, o que era compatível
com uma população ignorante e uma pequena elite educada. Isto terminou. A
competitividade, a eficiência e a criatividade da população como um todo são agora
indispensáveis em um mundo onde a universalização da economia e da tecnologia é
inevitável.
No lançamento do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, em novembro de
1991, o próprio Presidente da República (Collor de Mello) afirmava a urgência de uma
“revolução educacional” que permitisse ao país atingir patamares de competitividade mais
elevados no mercado internacional.
Imersas nessa onda, as denúncias quanto à falência do sistema de ensino básico no país
passaram a ancorar-se nos imperativos da modernidade a se perseguir conforme os ditames
da nova ordem econômica. Além de Ribeiro e Schwartzman, para exemplificar, também
Castro (1990), Oliveira (1990) e Serra (1991) obtiveram espaço para suas reflexões (na
grande imprensa), que associam fortemente a necessidade de grandes transformações no
PG.60
quadro educacional brasileiro com requisitos gerados por um c econômico desejável, ou
inevitável.
As comparações com os chamados “tigres asiáticos” se sucedem. Nelas, é ressaltado
o grande incremento da escolaridade básica e média, de tal forma que fica implícita a
atribuição dos saltos econômicos aos “saltos educacionais” operados nesses países. A
suposta iniqüidade de uma situação em que o governo Federal conduz a maior parte de seus
dispêndios educacionais para 3ºgrau também é ressaltada, fortalecendo o coro dos que
propugnam uma retirada parcial do poder público do ensino superior. Posteriormente,
Ribeiro (1993) e Schwartzman (1991) continuam desenvolvendo estas concepções.
Contudo, é no trabalho de Mello (1993 e 1992) que uma síntese programática se desenha de
forma instigante, indo bem além das reflexões até aqui resenhadas.
Exatamente por estar construída de forma sistemática, com fins programáticos, esta
construção será tomada aqui como modelo geral das proposições neo-reformadoras da
educação brasileira. Deve-se ressaltar, entretanto, que não pretendo afirmar uma identidade
de posições entre Mello e os demais autores mencionados, quanto às propostas
apresentadas por esta. Pode ser que isto ocorra, mas nada autoriza ir além da identificação
de similitudes em pressupostos teóricos comuns.
A argumentação, deste e de outros trabalhos, começa-se referindo a experiências
internacionais, para afirmar que há uma tendência de ponta a promover reformas em
sistemas educacionais, orientadas pela conjugação da busca de eficiência e eqüidade.
Cidadania e revolução tecnológica, seriam assim solidárias na nova sociedade que se forma.
PG.61
competitiva nos mercados mundiais não sejam dissociadas da promoção da eqüidade (1993,
p. 26).
Para a autora, os projetos educacionais nos países latino-americanos precisam estar
adequados a contingências como a fragilidade da tradição democrática, os patamares de
desigualdade elevados, mas, sobretudo, a políticas de ajuste econômico:
Diante deste cenário, a educação é convocada, talvez prioritariamente, para
expressar uma nova relação entre desenvolvimento e democracia, como um dos fatores que
podem contribuir para associar o crescimento econômico à melhoria da qualidade de vida e
à consolidação dos valores democráticos (1993 p.27).
Concordando com o quadro desenhado pelas análises que identificam a perda de
eficiência do modelo de desenvolvimento brasileiro, Mello afirma que a preparação para a
incorporação de novos padrões tecnológicos seria um instrumento para evitar que novos
processos de seletividade e desigualdade social se estabeleçam. A partir de estudos como o
de Paiva (1990), o raciocínio construído estabelece que, no novo quadro econômico, a
reunificação das tarefas, em oposição aos procedimentos do taylorismo, aponta não para a
substituição do homem pela máquina, mas para uma nova exigência de qualificação da
força de trabalho. Esta não tenderia mais a ser repetidora mecânica de tarefas simples, mas
controladora de processos mais complexos, o que exigiria habilidades intelectuais mais
apuradas.
Também o exercício da cidadania estaria a exigir mais qualificação, pois as formas
tradicionais de organização política — os partidos — e os movimentos sociais estariam em
xeque por novos tipos de participação mais descentralizados e autônomos, menos
intermediados por estruturas centrais. A educação entra, aí, como peça-chave, pois o
conhecimento seria “o único elemento capaz de unir modernização e desenvolvimento
humano”. A rapidez e diversidade de informações, na sociedade da microeletrônica,
compõem a estrutura que cobra da educação respostas formativas básicas. Por fim, a
educação deve “contribuir para recuperar/construir a dimensão social e ética do
desenvolvimento humano”.
Como é óbvio, não são poucas as esperanças e as responsabilidades
PG. 62
atribuídas à educação (entendida como escolarização). Neste mundo conturbado, os
mecanismos operados pela escola surgem como saída para problemas centrais. Deve-se
destacar que, se não há o “otimismo pedagógico” ingênuo de outras épocas, não está
completamente afastada a visão redentora da educação —mesmo que centrada em aspectos
cognitivos e não nos dispositivos assistenciais da “educação compensatória” do passado.
Tal visão é impulsionada pela incorporação de elementos-chave do pensamento liberal, os
quais ficam mais explícitos quando a atenção se dirige para a gestão dos sistemas escolares.
A princípio, as fontes principais do quadro educacional caótico a que chegamos
residem no estado, em sua burocracia, seu modelo de intervenção padronizador e
centralizado. Porém, surgem também como empecilhos ao desenvolvimento educacional:
os políticos e seus partidos e os grupos profissionais organizados (as corporações).
e deixar de ser presa fácil dos políticos de plantão e suas insaciáveis clientelas, dos partidos
e suas ideologias intransigentes e redentoras, das corporações e seus interesses estreitos e
imediatistas, dos intelectuais e educadores e seus modismos doutrinários e pedagógicos
(p.21).
O caminho é, portanto, a descentralização da gestão e o imbricamento maior com
instâncias fora do estado, ONG’s, associações em geral, empresas, etc. Descentralização
que não significa o simples desmanche dos aparatos centrais, mas seu confinamento a
atividades de planejamento, redistribuição e, uma proposta inovadora, avaliação
centralizada. A questão básica é o estabelecimento de mecanismos de controle que atuem
diretamente sobre as escolas, como forma de pressão, através da competição. Em suma, na
gestão dos sistemas escolares, há um excesso de centro, excesso de política, excesso de
estado. A idéia, já apontada por Tedesco, de que a distinção fundamental não se dá entre
público/privado, mas entre padrões de gestão mais ou menos eficazes, está aqui presente.
medidas não foram suficientemente levadas adiante, com o grau de abrangência necessário.
No entanto, algumas explosões sociais (México e Argentina, por exemplo); o
fortalecimento de posições políticas francamente antidemocráticas em toda a Europa; o
recrudescimento de conflitos étnicos e nacionais em boa parte do ex-mundo socialista; a
piora de alguns indicadores sociais impor tantes, flagrada em várias partes do mundo por
relatórios de organismos internacionais; a inegável ampliação das desigualdades sociais em
boa parte do planeta, deveriam servir de alerta para os entusiastas da adequação da
educação aos novos tempos. Se as justificativas centrais para nosso modelo educacional
baseiam-se em tais premissas, é difícil dissociar as propostas educacionais em si da imagem
de mundo que projetam como desejável, ou inevitável. Não há necessariamente uma
associação direta, no sentido de endosso, entre o que chamo aqui de neoreforma
educacional e as medidas neoliberais. No entanto, o mundo para o qual nossos
neoreformistas clamam maior adequação dos padrões educacio nais é exatamente este
desenhado pelos programas de ajuste econômico. Seus pressupostos também são
semelhantes: compe titividade, desestatização, mercantilização.
b) Porém, as justificativas para a ênfase no investimento educacional, oriundas do
raciocínio economicista, pecam por outra deficiência, além da imprudência apontada no
item anterior. Há, inegavelmente, nelas, um ressuscitar da teoria do capital humano tal qual
construída nos anos 60. A idéia de que a educação possa se constituir em motor
fundamental do novo padrão de desenvolvimento econômico conduz a isso.
A afirmativa de que os países desenvolvidos estão deslocando secursos da aplicação
em capital, para formação genérica da população não é acompanhada de nenhuma pesquisa
empírica comprobatória. Tal concepção incorre numa falha lógica: as tendências das novas
tecnologias são intensificadoras em capital e liberadoras de mão de obra. Como é possível
ser intensivo em capital, com tendências à oligopolização crescente em vários ramos e, ao
mesmo tempo, estar deslocando recursos de infraes trutura e equipamentos para áreas mais
light?
15Claro que para alguns liberais, como Von Mises já defendia no início do século, a
plenitude do mercado, infelizmente, para eles, nunca foi alcançada.
PG.66
Outra questão pode ser expressa da seguinte maneira: o que a ver a necessidade de reforma
educacional com a integração mercados globalizados? A primeira vista, a relação é obvia:
novas tecnologias e formas organizacionais do trabalho promovem mais produtividade e
demandam uma qualificação superior da força de trabalho. No entanto, isto tende a ser feito
com a e dos já incluídos nas relações formais de trabalho e que dispoõem de condições para
um aprimoramento técnico, em si ou em seus descendentes. As tendências político-sociais
associadas à inclusão ordem econômica são exatamente contrapostas à inclusão. Portanto, o
discurso da necessidade premente de elevar-se o padrão de escolaridade das massas, devido
a requisitos econômicos modernizantes não faz sentido. Seu sentido só pode ser construído
a partir de uma perspectiva política bastante diferente da “integração” aos ventos
predominantes no cenário internacional.
Tedesco lamenta o bombardeio de que foi alvo a teoria do humano, nos anos 70.
No entanto, os trabalhos que procuram resgatá-la mantêm o mesmo esquema anterior: a
observação da existência freqüente de uma associação estatística entre escolaridade e
crescimento econômico. Falta muito, porém, para o estabelecimento teórico convincente de
uma relação causal entre ambos. Aos exemplos dos tigres asiáticos, podem ser contra
postos os casos latino-americanos de completa dissociação e altas taxas de escolaridade e
crescimento econômico vigoso.
c) A própria idéia de um sentido democratizante que legitime a atividade educacional só se
sustenta se for entendida enquanto a velha igualdade de oportunidades do liberalismo
clássico. Quando afirmam a educação como instrumento de redução (ou impemento de
ampliação) da desigualdade, os neoreformadores estão lidando com o princípio da
mobilidade social, baseada nos desempenhos individuais. Entretanto, os problemas para os
quais buscam soluções não parecem ser individualmente solucionáveis. A menos que
construam uma teoria consistente para resultados agregados de mobilidade individual, que
produzam — no caso de países com patamares de desigualdade tão elevada —redução
global da desigualdade, estão apenas repetindo falácias do mercado como solução
universal. Se não se pretende repetir tal falácia,
PG.67
PG.68
recessivas como um mal inicial absolutamente indispensável. Como o estado, que é a
possível instância compensatória, passa a ser tomado como capaz de apenas promover mais
desigualdade mecanismos de monopólio), fica a pergunta como impedir - inclusive na
escola, os mecanismos excludentes e seletivos se aacentuem com o estado tomando um
papel ainda menor que o atual?
A noção de democracia intra-escolar desenvolvida pela neo-reforma também e
problemática. A proposta da descentralização antes da noção de “público não-estatal”,
baseiam-se na imagem uma democracia onde os atores solidamente constituídos são
transformados em inimigos. Esta concepção é parente daquela exposta inicialmente, que
trata da necessidade do isolamento de a parcela especial da burocracia, para que não se
deixe contaminar pelos conflitos inerentes à política. Partidos, burocracia e corporações
devem ser alijados na realização da escola verdadeiramente pública, assim como da
condução das reformas necessários no estado e na ordem econômica. Mas surge então a
pergunta, pública de quem, sem as possíveis intermediações reais, sem os atores que têm
nome, história, objetivos razoavelmente explícitos. O sonho de uma escola sem a política
transforma a interessante questão de formas de gestão mais participativas em um devaneio
autoritário: uma escola pasteurizada. Mais uma vez manifesta-se a imagem liberal de um
mundo organizado pela lógica dos atores atomizados, as vontades individuais das “massas
dos “descamisados”, tornados voz ativa magicamente pela descentraIização. Parecem
desconhecer nossos autores que o Brasil já dispõe de uma considerável experiência da
gestão “pública não-estatal”: as grandes redes de escolas comunitárias que proliferam em
alguns estados, principalmente no pré-escolar. Terrenos Férteis para toda sorte de
clientelismo e politicagem, tais estabelecimentos deveriam servir de alerta para os que
defendem o estado como simples financiador e avaliador distante da atividade escolar.
Provavelmente na compreensão do estado reside a fonte dos equívocos na proposta de
gestão neoreformadora.
f) Parece-me suficientemente desgastada a imagem do estado como mero representante,
como reflexo de tensões e relações na sociedade. A própria percepção do estado enquanto
contraposto sociedade, numa balança metafórica, padece de bases empíricas
PG. 69
mais sólidas. Nettl (1968) retrata bem a necessidade de reflexões sobre o estado que se
refiram a categorias genéricas (soberania, autonomia, eficácia, etc.), mas que estejam
fundamentalmente amarradas a trajetórias empíricas singulares. Também Skoopol (1985)
contribui para uma conceituação menos universalista (funcional), ao trabalhar com a idéia
de estado como ator que produz atores. Ou seja, ao executar políticas, o estado — por ser
uma estrutura de oportunidades — estimula a formação de atores políticos. Ele age, reage e
provoca ações e reações. Por outro lado, numa perspectiva analítica, é necessário observar
as relações entre a esfera estatal e a sociedade mais geral. Sob este prisma, a literatura sobre
burocracia é de grande ajuda. Uma breve passada por autores que têm trabalhado com este
tema18 revela que a unidade da máquina estatal — pensada em parte do marxismo, no
funcional-estruturalismo e nas tentativas de generalização do tipo ideal de burocracia alemã
traçado por Weber — não resiste a um estudo mais profundo. O que ressalta desta literatura
é a necessidade de busca de modelos teóricos que consigam dar conta de uma realidade
bastante complexa. Se o estado “comitê central da burguesia” é frágil enquanto conceito,
por outro lado a visão de um estado ator quase independente, um bandido sedentário
(Olson, 1993), ou um permanente concentrador de ineficácia e desperdício, também não
suporta uma avaliação mais rigorosa. A forma de escapar de adjetivações genéricas sobre o
estado é trazer as discussões para um terreno que procure combinar suas características
“estruturais”, isto é, esquemas duradouros que antepõem constrangimentos de peso a
mudanças, com a dinâmica dos atores sociais que são capazes de produzir estas alterações,
ou que buscam manter as fórmulas estabelecidas. Neste sentido, é necessário pensar em
estado, mas também em governos, em policies, mas também em politics. A endemonização
do estado, desenvolvida pelos liberais e incorporada pelos neo-reformadores educacionais,
concentra-se numa visão ahistórica, estrutural, do estado e, talvez por isso, não consegue
vislumbrar possibilidades de que novas orientações sobre ele emanadas produzam
resultados substantivamente diferentes daqueles que se vêm repetindo. Assim, o
18 Ver sobre burocracia: Rourke (1979), Mouzelis (1992), Crozier (1982) e Meyer (1987).
PG.70
quadro caótico dos sistemas escolares — ou de toda a máquina voltada para as políticas
sociais — é desvinculado das coalizões que o produziram e atribuído a características
congênitas do estado em abstrato. Ao proceder desta forma, nossos neo-reformadores não
se percebem em companhia exatamente daqueles setores que montaram e se alimentaram
da estrutura estatal existente. Com efeito, entre os entusiastas das reformas neoliberais do
estado encontram-se, destacadamente, personagens que dirigiram os processos de
formatação do molde de estado anterior, e dele se beneficiaram muito. O deslocamento da
discussão público/privado, para a questão do padrão de gerência e da avaliação de
qualidade, é a versão educacional da máxima do estado mínimo.
g) O “otimismo pedagógico”, também já batizado de “educação redentora” (Soares, 1988),
ou identificado como “reconstrução social no pensamento pedagógico” (Cunha, 1975) tem
sido persistentemente associado à visão liberal-funcional da escola. Parece que esta
caracterização é útil para compreender o papel atribuído à educação pela corrente aqui
criticada. Se, por um lado, a ação educacional, conforme já visto acima, ocupa uma área
fronteiriça entre o “econômico” e o “social”, por outro, é, no mínimo, precipitado conferir
atribuições tão centrais à educação o processo que hoje vivenciamos. A função de
passaporte para a modernidade pode ser compreendida não pelo que afirma, mas pelo que
omite. Conforme já pude desenvolver anteriormente, a educação desfruta de uma
unanimidade (no plano da cultura) que lhe permite ocupar o locus privilegiado de coalizões
pratica mente universais, em torno de sua pretensa prioridade. No entanto, parece-me que
esta prioridade unânime no discurso — que é raduzida na idéia da congruência geral de
interesses defendida elos neoreformadores — demonstra sua face de dissimulação quando
confrontada com as políticas que são efetivamente desenvolvidas pelos grupos no poder. A
própria associação simples entre incremento educacional e maior eqüidade não resiste ‘a
uma mvestigação empírica que demonstra momentos de expansão educacional com
concentração de renda (Brasil), ou mesmo aumento
Este é o objeto de minha dissertação de mestrado, defendida em 1992, na PUC-RJ, “A educação como
19
um refúgio”, que desdobrou-se na publicação de Costa, 1993.
PG.71
de concentração em países muito escolarizados e que haviam alcançado patamares de
eqüidade importantes (Argentina).
A idéia da esfera educacional como materialização de coliga ções supra-classistas
muito amplas (já apontada por Bendix) talvez não seja minimamente eficaz em tempos de
crise. Talvez tenha sido razoavelmente efetiva em momentos de expansão, onde o conflito
distributivo fica apascentado, mas em momentos de acirramento, como o atual, é difícil
aceitar que os pretensos imperativos de enxugamento nos gastos públicos convivam
pacificamente com atividade tão dispendiosa como a sustentação de redes escolares. E
verdade que, em nenhum momento, os neo-reformadores afirmam ser necessário ampliar os
gastos públicos com educação, pelo contrário, sua defesa restringe-se a uma melhor gestão
dos dispêndios já existentes — ou até mesmo redução (conforme a resignação de Tedesco
indica).
Mesmo considerando que a educação seja capaz de desempe nhar o papel heróico
que dela se espera, é estarrecedor não encontrar um único sinal de dúvida quanto aos rumos
que a combinação liberalização, ajuste econômico, redução da capaci dade de intervenção
dos estados nacionais e descentralização vem produzindo. Przeworski (1993) é
especialmente lúcido quando aponta as imensas mazelas que a nova ordem internacional
tem provocado ou aprofundado. Pensar que a educação deve se ajustar e será, além disso,
beneficiada por demandas que se impõem a partir deste novo quadro, é sufocar aquilo que o
pensamento educacional teve de mais rico em toda sua existência: a inquietação e a recusa
quanto à produção da desigualdade.
Para finalizar, a referência a Gourevitch (1986), Esping-Andersen (1991) e Skocpol
(1985 e 1992) é relevante. Para eles, ainda que de formas diferentes, os estados-previdência
e suas crises devem ser entendidos principalmente a partir das coalizões nacionais que os
engendraram. Ou seja, o espaço da política, das opções realizadas, a condução histórica dos
processos, conduz a uma rejeição do determinismo econômico. Ressalta-se a interpretação
de que as respostas para as crises não são necessárias, imperativas, mas foram as escolhas
de coalizões dentro de um leque possível de alternativas. Pensar a política num jogo de
PG.72
escolha / constrangimentos, onde nenhum dos lados é absoluto ajuda bastante a combater o
determinismo da inevitabilidade de percorrermos tal ou qual caminho.
Sob este enfoque, o referendo por princípio à descentralização, o esvaziamento da
capacidade de intervenção estatal conduz exatamente à dificuldade de que atores coletivos
promovam, por meios democráticos, a limitação dos resultados da ação na esfera privada.
As propostas de descentralização, da forma como vem sendo defendidas e pelos atores que
o fazem, inserem-se na marcha da internacionalização da economia, onde os estados
nacionais podem ser obstáculos, pois que neles se materializam oportunidades de
resistência por parte dos perdedores, dos excluídos, dos relegados no jogo “livre” das forças
de mercado. O estado, ao invés do vilão desenhado, pode ser pensado como defesa possível
contra externalidades negativas da esfera privada, uma forma de proteção aos mais frágeis
no plano individual. Infelizmente, não é isso que nossa história nos mostra. Porém, é
sintomático que, justamente quando os ares de democratização abrem espaço para que
coalizões comprometidas com a redução das desigualdades, com possibilidades de poder a
setores historicamente relegados a segundo plano, sejam reforçadas, as camadas sobre a
limitação da capacidade de intervenção estatal.
Ainda que a reflexão sintonizada com os arranjos genericamente denominados
social-democratas tenha dificuldade em explicar as razões pelas quais seus modelos
entraram em declínio, por que coalizões aparentemente tão sólidas e virtuosas perderam
força, a crítica liberal aos Welfare States, em particular, e ao estado, em geral, bem como
seu programa derivado, não conseguem apontar alternativas melhores, do ponto de vista da
eqüidade e da democracia. Na tradição dos welfare social-democratas, há uma perspectiva
de trato das políticas sociais como realização de direitos, bem mais atraente que o
amesquinhamento das justifica tivas amarradas à lógica da rentabilidade econômica, típica
dos Welfare meritocráticos.
Esta lógica tem conseguido produzir sustentação política aos governos que as tem
impiementado. A razão do apoio observado às reformas está vinculada à gravidade da
situação anterior. Conforme apontam autores mencionados, surpreendentemente,
PG.73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PG.76
3
Gaudêncio Frigotto
_______________________
OS DELÍRIOS DA RAZÃO:
CRISE DO CAPITAL E METAMORFOSE
CONCEITUAL NO CAMPO EDUCACIONAL
1 Estamos trabalhando o conceito de ideologia na acepção que Bobbio et alii (1992, pp. 585-
87) dão do seu sentido forte. Tomamos, sobretudo a compreensão e desdobramentos, no
terreno marxista, que Antonio Gramsci (1978) dá a esse conceito. A ideologia em seu
significado forte é entendida como falsa consciência, mistificação, falseamento da realidade
nas relações de domínio entre as classes sociais, historicamente. Este é o significado que
originariamente Marx e Engels deram a este conceito ao fazer a crítica à burguesia,
enquanto classe dominante do sistema capitalista, que busca veicular seus interesses,
valores, sentimentos, visão de mundo e de realidade particular de classe como sendo
naturais e universais. Para o campo educativo especialmente, mas não só, penso que o
significado gramsciano de ideologia é particularmente fecundo. Reafirmando a perspectiva
de Marx, mostra-nos este autor, todavia, o caráter não puramente reflexo e mecânico da
inculcação e, portanto, a existência de contradições e, sobretudo, o papel das classes
subalternas que lutam para fazer valer sua visão de mundo, valores e interesses. Trata-se de
um embate contra-hegemônico. Indica-nos Gramsci a existência de ideologias não-
orgânicas ou arbitrárias e ideologias orgânicas necessárias. A ideologia não-orgânica ou
arbitrária é a que busca ocultar, falsear, mistificar e conciliar interesses historicamente
antagônicos entre as classes com objetivo de garantir o domínio da classe dominante,
através do consentimento das classes subalternas. Ideologia orgânica ou historicamente
necessária é constituída pelos valores, concepções e visão de mundo, modos de pensar e
sentir das classes subalternas a partir das quais se movimentam, adquirem consciência de
sua posição e lutam por determinados objetivos. Trata-se de classes cujo objetivo é o de
superar a forma capitalista de produção da existência e, com ela, a própria existência da
humanidade cindida em classes. Cisão mediante a qual o humano se atrofia, dilacera e se
perde.
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PG.79
esfera da objetividade e, em seu lugar, o surgimento do subjetivismo narcísico; que a razão
possa captar uma certa continuidade temporal e o sentido da história, surgindo em seu lugar
a perspectiva do descontínuo, do contingente e do local; a existência de uma estrutura de
poder que se materializa através de instituições fundadas, tanto na lógica da dominação
quanto da liberdade e, em seu lugar, o surgimento de micro-poderes que disciplinam o
social; e, por fim, a negação de categorias gerais, como universalidade, objetividade,
ideologia, verdade, tidos como mitos de uma razão etnocêntrica e totalitária, surgindo em
seu lugar a ênfase na diferença, alteridade, subjetividade, contingência, descontinuida de,
privado sobre o público (Chauí, 1993, pp. 22-3).
Nenhuma concepção teórica tenha, talvez, merecido tanta contestação do que a
análise marxista tomando-se suas dificulda des históricas e reais como puro e simples
fracasso e, portanto, uma perspectiva superada. Juntam-se no combate ao materialismo
histórico, por mais paradoxal que nos possa parecer, a perspectiva neoliberal que dá a força
absoluta de regulação das relações sociais, à fragmentação e atomização do mercado e à
perspectiva do pós-modernismo centrada na diferença, alteridade, subjetividade,
particularidade e localismo. Isto não surpreende no caso da perspectiva atual, que afirma
consistentemente a identidade do pós-modernismo com o próprio capitalismo em sua
última mutação sistêmica (Jameson, 1994, p. 45).
Esta forma fragmentária, capilar, individualista de apreender a realidade nos conduz
a uma melancólica zombaria de historicidade em geral (Jameson, op. cit., p. 36) e acaba
instaurando um profundo pessimismo que constrói a crença de que é impossível qualquer
mudança mais global ou sistêmica da sociedade.
O resultado é uma crença instintiva na futilidade de todas as formas de ação ou de
práxis, e um desencorajamento milenar que pode explicar a adesão apaixonada a uma
variedade de substitutos e soluções alternativas: mais claramente ao fundamentalismo
religioso e ao nacionalismo, mas também a todas as possibilidades de envolvimento
apaixonado em iniciativas e ações locais (e políticas monocórdias), bem como a aceitação
do inevitável que está implícito na euforia histérica de visões de um pluralismo delirante do
capitalismo tardio com sua
PG.80
suposta autorização da diferença social (Jameson, op. cit., pp. 63-4).
Na busca de se apreender as questões que efetivamente a teoria r enfrenta, cabe,
inicialmente, não confundir as dificuldades e até mesmo equívocos interpretativos ou
fracassos políticos de sua aplicação, com a superação e obsolescência da teoria pura e
simples. Os referenciais, ou os paradigmas teóricos, não estão superados quando enfrentam
problemas decorrentes da complexificação da realidade que buscam compreender, mas
quando se tornam incapazes de explicá-los. Neste particular, parece-nos decisiva a
indicação de Jameson sobre a teoria marxista em particular e para o debate da crise dos
paradigmas.
As crises do paradigma marxista, então, sempre ocorreram exatamente nos momentos em
que seu objeto de estudo fundamental — o capitalismo como sistema — parecia estar
mudando de aparência, ou passando por mutações imprevis tas e imprevisíveis. Uma vez
que a antiga articulação da problemática já não corresponde a essa nova configuração de
realidades, há uma grande tentação de se concluir que o próprio paradigma — seguindo a
moda Kuhniana nas ciências— foi derrubado e ultrapassado. A implicação disso é que se
torna necessário formular um novo paradigma, se ele não estiver já delineado (Jameson,
op. cit., pp. 66-7).
PG. 83
saúde, educação, transportes públicos, etc. Tudo isto passa a ser comprado e regido pela
férrea lógica das leis do mercado. Na realidade, a idéia de Estado mínimo significa o
Estado suficiente e necessário unicamente para os interesses da reprodução do capital.
Este ideário vem sendo sistematicamente trabalhado pela mídia, cujo monopólio a
torna o grande poder fascista desta segunda metade do século XX (Pasolini, 1990), ou o
instrumento que, pela manipulação da verdade, “deixa cicatrizes no cérebro” (Chomsky,
1994). A privatização da informação, desta forma, constitui-se em permanente ameaça à
possibilidade de construir uma democracia efetiva e o instrumento, por excelência, de
legitimação da exclusão social. A violência do monopólio da informação e de sua
manipulação, no Brasil, é brutal e inaceitável.
No plano ético, todavia, é que a letalidade do neoliberalismo é crucial, situando o
mercado como o definidor fundamental das relações humanas, sob a idéia de que a
igualdade e a democracia são elementos nocivos à eficiência econômica. Como nos lembra
Francisco de Oliveira, no caso brasileiro, esta letalidade dá-se, sobretudo, pelo atrofiamento
da esperança, da utopia e da resistência social popular organizada.
O dado mais perverso, neste plano, é o processo de naturalização da exclusão, das
diferentes formas de violência, inclusive o puro e simples extermínio de grupos e
populações. São indícios claros deste malthusianismo anacrônico: as frias análises custo-
benefício da poluição, feitas por técnicos do Banco Mundial que, ao constatarem os custos
da mesma serem até cinco vezes maior nos países desenvolvidos, recomendam despoluí-los
enviando o lixo industrial para os países onde cada morte tem um custo menor; as
pregações de dirigentes do Fundo Monetário Internacional que, face ao colapso econômico
do México, afirmam que os investidores internacionais somente voltarão a ter confiança
para novamente investir naquele país se o governo exterminar os rebeldes de Chiapas; na
mesma lógica, encontramos as justificativas do apressamento da morte ou simples e puro
não atendimento de crianças pobres e subnutridas porque há falta de aparelhos, remédios,
etc., e, por isso, a atenção deve ser dada às crianças cujas chances de cura são mais
elevadas.
PG.84
No campo da educação, sedimentam-se as crises no plano teórico, ideológico, ético-
político e econômico. No caso brasileiro, tanto as análises e concepções educativas
fundadas numa expectativa marxista, quanto as políticas de democratização e equalização
têm se desenvolvido permanentemente na con tramão. Aos movimentos da sociedade
brasileira dos anos 50/60, que postulavam reformas de base e democratização no campo
social e educacional, respondeu-se com o golpe civil-militar de 64. E sob a égide do
economicismo, incorporado na educação pela teoria do capital humano, que se efetiva a
reforma universitária de 68 e completa-se, com a reforma do ensino de primeiro e segundo
graus, em 1971. Esta lei perfaz o conjunto de medidas para adequar a educação ao projeto
conservador e autoritário das elites brasileiras.
No processo de transição inconclusa — década de 15 anos, como se refere
ironicamente Francisco de Oliveira —ao contrário de um salto qualitativo na perspectiva
das teses da democratização e equalização efetivas apontadas na Constituição de 88, fomos
surpreendidos pela onda neoliberal que avassala, sobretudo, a América Latina. A reforma
constitucional em curso, na realidade, a promulgação de uma “nova-velha” Constituição. A
lei diretrizes e Bases da Educação, após cinco anos de intenso debate e negociação, volta ao
ponto inicial com uma proposta feita pelo alto na base de retalhos, que acobertam os velhos
interesses e vícios das elites conservadoras.
No plano teórico e filosófico, a perspectiva neoliberal é de ma educação regulada
pelo caráter unidimensional do mercado. Este constitui-se no sujeito educador. A inversão
conceitual de publicização” da universidade, candidamente exposta pelo Ministro de
Administração, L. C. Bresser Pereira, para significar a subordinção da mesma às regras do
jogo do mercado, explicita melancólico cinismo que orienta, teórica e politicamente, o
campo educativo no centro do poder vigente. Daí resulta uma filosofia utilitarista e
imediatista e uma concepção fragmentária do conhecimento, concebido como um dado,
uma mercadoria e como uma construção, um processo.
O sistema de avaliação atualmente proposto pelo Ministério da Educação, além de
confundir e reduzir esta questão a técnicas
PG.85
Pg.87
um duplo efeito perverso: ofusca e compromete as tradicionais ONGs que têm,
efetivamente, um trabalho social comprovado e passam a falsa idéia que se constituem em
alternativa democrática e eficiente ao Estado. Esta tese vem sendo difundida pelos
organismos internacionais que emprestam recursos ao Brasil, como, por exemplo, o Banco
Mundial.
Em síntese, vale ressaltar que não é casual o processo atual de abandono das teses
da democratização e da igualdade no campo social e educacional. Na realidade, este
abandono tem a persistência de quase meio século de defesa da tese básica do teórico mais
importante da ideologia neoliberal, Friedrich Hayek que postula, como vimos
anteriormente, que a democratização e a igualdade levam à servidão. O princípio
fundamental é a liberdade do mercado, pois este é único justiceiro que premia, de acordo
com o esforço individual, os mais capazes e aptos.
Parecem-nos imprescindíveis as indicações que Anderson nos traz ao discutir o
tema de como combater o neo liberalismo e que, no contexto desta análise, vale para as
teses pós-modernistas. Após assinalar que não se deve ter nenhum medo de estar abso
lutamente contra a corrente e de apreendermos dos conservadores neoliberais a não
transigirmos teoricamente, Anderson realça que a luta primeira é no campo dos princípios.
Primeiro, temos que contra-atacar robusta e agressivamente sobre o terreno dos valores,
ressaltando o princípio da igual dade como critério central de qualquer sociedade verdadei
ramente livre. Igualdade não quer dizer uniformidade, como crê o neoliberalismo. Ao
contrário, é a única autêntica diver sidade. O lema de Marx conserva hoje toda a
suficiência pluralista: a cada um segundo suas necessidades, de cada um segundo suas
capacidades. A diferença entre requisitos, os temperamentos e os talentos está
expressamente gravada nesta concepção clássica de uma sociedade igualitária justa.O que
isto significa hoje em dia é uma igualização das possibilidades reais de cada cidadão de
viver uma vida plena, segundo o padrão que escolher, sem carências ou desvantagens
devido ao privilégio de outros. Começando, bem entendido, com chances iguais de saúde,
de educação, de vida e de trabalho. Em cada uma destas áreas não há nenhuma
possibilidade que
PG.88
o mercado possa prover, nem sequer o mínimo requisito de acesso aos bens imprescindíveis
em questão (Anderson, 1995, p. 199).
PG. 89
qualidade. Esta ruptura de nova qualidade, no caso brasileiro, tem como exigência a
incorporação efetiva nos processos políticos dos novos sujeitos sociais que emergiram
nestas duas últimas décadas. Trata-se de romper com os esquemas das classes dominantes
brasileiras acostumadas historicamente a definir a “democracia para poucos”, pelo alto, e
construí-la com estes novos sujeitos coletivos organicamente vinculados às lutas pelos
direitos, não apenas políticos, mas sociais, das classes populares.
PG.90
por Theodore Schultz, assume, de forma cada vez mais clara, uma função ideológica e, por
esta via, como parte da estratégia de estruturação da hegemonia americana no contexto do
após II Guerra Mundial. O desenvolvimento transforma-se numa espécie de fetiche — idéia
motriz capaz de vacinar as nações (livres) subdesenvolvidas da ameaça do inimigo: o
comunismo.
Dean Rusk, chefe do Departamento de Estado, USA, não podia ser mais explícito
(em 1965) — só o será outro assessor deste departamento, Fukuyama em 1992 com a tese
do fim da história — sobre o caráter de preocupação em proteger e estender os domínios da
“sociedade livre e democrática” sob a hegemonia americana: “sabemos que não podemos
mais encontrar segurança e bem-estar numa política e numa defesa confinadas apenas na
América do Norte. Este planeta tornou-se pequeno, devemos cuidar dele todo — com toda
a sua terra, água, atmosfera e espaço circundante”.
Nesta estratégia, na década de 50, desenvolve-se o New Deal do governo Truman.
Nele, elabora-se o Programa de Cooperação Técnica, cujo objetivo declarado é a ajuda ao
desenvolvimento. Por ele foram feitos vários acordos no campo da formação e da
qualificação técnica e profissional.
Na década de 60, com o governo J. F. Kennedy, a idéia desenvolvimentista é mais
forte como estratégia de melhoria das condições de vida dos países subdesenvolvidos. Esta
idéia tem como escopo o surgimento da Aliança para o Progresso, assinada em Punta Del
Leste, em 1961. O próprio conceito de progresso sinaliza a concepção de desenvolvimento.
Os instrumentos deste midado” foram sendo construídos no pós II Guerra — ONU, OTAN,
FMI, BID, UNESCO, OIT — organismos supranacionais que, como nos aponta Noam
Chomsky (1993), são os novos senhores do mundo ou o poder no mundo de fato. E dentro
do ideário da Carta de Punta del Leste que explicitamente se assenta idéia de recursos
humanos, de investimento em educação e treinamento — em capital humano — como fator
chave de desenvolvimento.
Para compreendermos porque as teses da qualidade total, formação flexível e
polivalente e a categoria sociedade do conhecimento são apenas expressões de uma nova
materialidade da crise
PG.91
e contradição do capitalismo (hoje) e que, portanto, denotam a continuidade da
subordinação da educação à lógica da exclusão, é didaticamente importante responder
algumas questões:
a) Qual o enigma que se busca decifrar e que conceito de capital humano é posto como a
chave deste deciframento?
O enigma que se busca decifrar é entender porque certas nações acumulam capital, riqueza,
e outras não. E a velha questão de Adam Smith, que resulta em seu livro sobre A Riqueza
das Nações. Que fatores produzem esta diferença? (não são relações, sempre a idéia é de
fator). Theodore Schultz (prêmio Nobel de economia em 1968) e sua equipe, no Centro de
Estudos de Desenvolvimento, perseguem a resposta para decifrar este enigma. De acordo
com eles, após longos anos de pesquisa, o fator H (capital humano) é responsável por mais
de 50% destas diferenças entre nações e indivíduos.
b) O que constitui o capital humano e o que se diz gerar em termos de desenvolvimento no
plano inter e intranações e no plano individual?
O capital humano é função de saúde, conhecimento e atitudes, comportamentos, hábitos,
disciplina, ou seja, é expressão de um conjunto de elementos adquiridos, produzidos e que,
uma vez adquiridos, geram a ampliação da capacidade de trabalho e, portanto, de maior
produtividade, O que se fixou como componentes básicos do capital humano foram os
traços cognitivos e comportamentais. Elementos que assumem uma ênfase especial hoje nas
teses sobre sociedade do conhecimento e qualidade total, como veremos a seguir. Chegou-
se a fazer uma escala — para os cursos de formação profissional — de quanto de cada
elemento, conhecimentos e atitudes, eram necessários de acordo com o tipo de ocupação e
tarefa. CEPAL, OREALC, CINTERFOR, entre outras, foram as agências representantes
dos organismos internacionais na América Latina para disseminar as estratégias de produzir
capital humano.
O resultado ésperado era que nações subdesenvolvidas, que investissem
pesadamente em capital humano, entrariam em
7Para uma análise crítica da origem e desdobramento da teoria do capital humano, ver:
Arapiraca (1982), Frigotto (1984) e Finkel (1977).
PG.92
desenvolvimento e, em seguida, se desenvolveriam. Os indivíduos, por sua vez, que
investissem neles mesmos em educação e treinamento, sairiam de um patamar e
ascenderiam para outro na escala social.
Mário H. Simonsen (1969) foi o mais notável representante zeoclássico a propalar a tese do
capital humano no Brasil. Foi ele, ambém, o principal idealizador do MOBRAL. O
pressuposto, dentro da perspectiva da teoria econômica neoclássica ou marginalista, era de
que com uma margem maior de instrução ter-se-ia zecessariamente uma margem maior de
produtividade e, como conseqüência, maiores ganhos, já que, dentro desta visão, o capital
remunera os fatores de produção de acordo com sua contribuição produção.
c) O que este constructo — capital humano — não leva em conta e qual é, portanto, sua
debilidade teórica e político-prática?
Por ser uma formulação que olha a relação capitalista dentro e o sistema como um dado
resultante da perspectiva liberal e neoclássica de compreensão da realidade social, não leva
em conta as relações de poder, as relações de força, os interesses antagônicos e conflitantes
e, portanto, as relações de classe. A entidade da tese do capital humano de gerar política e
socialmente o que prometia em termos das nações e dos indivíduos resulta pois, da forma
invertida de apreender a materialidade histórica das relações econômicas, que são relações
de poder e de força e não uma equação matemática como querem os neoclássico ou
neoconservadores.
Alguns elementos histórico-empíricos, a título de exemplificação, nos ajudam a
elucidar esta debilidade. Celso Furtado 1992) mostra-nos que “durante 50 anos o Brasil
cresceu mais do que qualquer país do mundo, alcançou uma das taxas de crecimento mais
altas, 7% ao ano — a cada 10 anos o PIB dobrava. L o país fez isso acumulando miséria”
(Furtado, Jornal do Brasil, -10-1993, p. 13). Os dados publicados pelo IBGE na última
PNAD (1994), traduzem esta miséria em termos de desemprego, fome e miséria. O Brasil
tem 10 milhões e meio desempregados absolutos e mais de 20 milhões, se contarmos o
emprego. O produto industrial cresceu 11% em 93 e o em 1%.
PG.93
Tomando os países da América Latina no seu conjunto, C. Vilas (1991) mostra-nos que o
número de miseráveis absolutos aumentou nas décadas de 70/80 em 70 milhões. Isto
eqüivale, aproximadamente, a duas vezes a população da Argentina. Em estudos de Goran
Therborn — Por que en algunos paises ai mais paro que en otros? (1988) e
Competitividad, Economia y Estado de Bienestar (1993) indica-nos a crise de desemprego
e subemprego dos países centrais. Os países do Mercado Comum Europeu têm taxas
médias de 12% de desemprego. A Espanha, todavia, tem 22%. Nos últimos 20 anos a
Espanha teve um crescimento econômico de 100% e crescimento negativo de 2% no
emprego.
A debilidade deste conceito e sucedâneos, bem como das políticas que dele derivam,
explicita-se por:
— um acelerado processo de implosão dos “Estados-Nações”, a partir dos anos 60;
— uma nova divisão internacional do trabalho;
— uma nova regionalização do mundo e concentração sem precedente de capital e do
conhecimento técnico-científico.
Até mesmo nações que prosperaram dentro da social democracia e do Estado de Bem-Estar
Social — e que estabilizariam suas economias dando não só ganhos políticos, mas sociais
aos trabalhadores iniciaram, na década de 70, uma crise que explodiria no fim dos anos 80.
No plano do processo de trabalho e divisão internacional do trabalho, a teoria do
capital humano assenta sobre a perspectiva do “fordismo” que se caracteriza pela
organização de grandes fábricas, tecnologia pesada e de base fixa, decomposição das
tarefas, ênfase na gerência do trabalho, treinamento para o posto, ganhos de produtividade e
estabilidade no emprego, justamente quando o modo de regulação fordista também entrava
em crise.
É dentro da nova materialidade das relações intercapitalistas — implosão dos
“Estados-Nações”, desenvolvimento das corporações transnacionais, reorganização de
novos blocos econômicos e de poder político e da mudança da base técnico-científica do
processo e conteúdo do trabalho, mediante, sobretudo, uma
8 Para uma análise da crise do fordismo, ver Alliez (1988), Palloix (1982), Coriat (1979 e 1989).
PG.94
crescente recomposição orgânica do capital, substituição de tecnologia fixa por tecnologia
flexível e acelerado aumento do capital morto em detrimento da força de trabalho, capital
vivo — que emerge de uma nova categoria geral, sociedade do conhecimento e novos
conceitos operativos de: qualidade total, flexibilidade, trabalho participativo em equipe,
formação flexível, abstrata e polivalente.
PG.96
diminuição crucial, em termos absolutos, do capital vivo no processo produtivo. Vale
registrar que a mudança para uma base técnica flexível, informatizada, embora se dê em
grau e velocidade diferenciados, é uma tendência do sistema.
O impacto sobre o conteúdo do trabalho, a divisão do trabalho, a quantidade de
trabalho e a qualificação é crucial. Ao mesmo tempo que se demanda uma elevada
qualificação e capacidade de abstração para o grupo de trabalhadores estáveis (um número
cada vez mais reduzido que, de acordo com vários estudos, não ultrapassa a 30% da
população economicamente ativa) cuja exigência é cada vez mais de supervisionar o
sistema de máquinas informatizadas (inteligentes!) e a capacidade de resolver, rapidamente,
problemas, para a grande massa de trabalhadores “precarizados”, temporários ou
simplesmente excedente de mão-de-obra, a questão da qualificação e, no nosso caso, de
escolarização, não se coloca como problema para o mercado.
Dentre as várias estratégias que o capital se utiliza para tetomar uma nova base de
acumulação destacam-se os processos de reestruturação capitalista que incluem:
reconversão tecnológica, organização empresarial, combinação das forças de trabalho e
estruturas financeiras. De outra parte, as empresas deslocam-se de Lima região para outra
saindo dos espaços onde a “classe trabalhadora” é mais organizada e, historicamente, vem
acumulando a conquista de direitos.
É no chão desta nova (des)ordem mundial —globalização, internacionalização,
colapso do socialismo real e reestruturação econômica de um lado e mudança da base
técnica do trabalho, do outro, sem mudança das relações sociais capitalistas — que emerge,
a partir dos anos 70 uma literatura apologética sobre: sociedade pós-industrial, sociedade
do conhecimento e os conceitos ligados ao processo de qualificação e formação humana:
qualidade total, trabalho participativo, formação flexível, abstrata e polivalente.
As organizações supranacionais FMJ, BIRD, UNESCO, OIT, são as mesmas dos
anos 60, somente mais poderosas, e suas filiais latino-americanas CEPAL, OREALC, etc.
que têm a tarefa de substituir o conceito de capital humano e seus desdobramentos — taxa
de retorno, custo-eficiência, custo-qualidade, formação
PG.97
de atitudes e valores — pelos novos conceitos anteriormente indicados, O documento da
CEPAL/UNESCO: Educación y conocimiento: eje de la transformación productiva con
equidad (1992) é emblemático para entender-se esta nova lógica.
No Brasil, vários documentos buscam divulgar este novo conjunto de conceitos
como base de políticas neoconservadoras no campo educativo, O documento do Instituto
Herbert Levy — Ensino fundamental & competitividade empresarial—, elaborado com a
participação de intelectuais e técnicos conhecidos, segue a mesma linha dos trabalhos da
CEPAL. Mais próximo aos interesses dos homens de negócios, o Instituto Euvaldo Lodi
(IEL), uma espécie de intelectual coletivo do empresariado, em consórcio com o Conselho
de Reitores das Universidades Brasileiras, igualmente promove a divulgação destes novos
conceitos através de seminários, cursos e documentos.
Os processos crescentes de exclusão social que se dão hoje no Primeiro Mundo e, de
forma brutal e mais perversa entre nós, levam-nos a examinar com mais cuidado a súbita
valorização do trabalhador, sua qualificação, sua participação e o sentido da qualidade total,
da participação, da qualificação flexível, abstrata e polivalente.
Os novos conceitos relacionados ao processo produtivo, organização do trabalho e à
qualificação do trabalhador aparecem justamente no processo de reestruturação econômica,
num contexto de crise acirrada de competitividade intercapitalista e de obstáculos sociais e
políticos às tradicionais formas de organização da produção. A integração, a qualidade e
flexibilidade, os conhecimentos gerais e capacidade de abstração rápida constituem-se nos
elementos chaves para dar saltos de produtividade e compe titividade.
O que deespecífico, efetivamente, traz a nova base técnico-científica que faculta
mudanças profundas na produção, organi zação e divisão do trabalho e que, efetivamente,
demanda uma “nova qualidade dos trabalhadores”?
A base mecânica e eletro-mecânica caracterizam-se por um conjunto de máquinas fixas,
com rigidez de programação de seqüência e movimentos para produtos padronizados e em
grande escala. Sob esta base, característica de taylorismo e fordismo, os
PG.98
custos de mudança são elevadíssimos e, por isso, ficam evidentes os limites para uma
automação flexível.
As mudanças da tecnologia com base microeletrônica, mediante a informatização e
robotização, permitem ampliar a capacidade intelectual associada à produção e mesmo
substituir, por autômatos, grande parte das tarefas do trabalhador. Como nos mostra Castro:
PG.102
suas contradições mediante a exclusão econômico-social a sacri fício da maioria.
O ideário básico defende a idéia da volta do Estado mínimo que é, como nos indica
F. de Oliveira (1988), reduzir o fundo público como pressuposto apenas do capital.
Pressupõe, ainda, este ideário o zeramento de conquistas sociais, de ganhos de
produtividade e direitos sociais. Postula-se a volta às leis puras de mercado como as únicas
democráticas e justas na definição do conjunto de relações sociais.
As políticas que se vêm implementando no plano social e educacional na Argentina,
Chile, e Brasil elucidam esta regressão. Trata-se de sociedades que reservam a
possibilidade de vida digna apenas para menos de um terço da sua população.
No campo especificamente educativo a regressão neoliberal manifesta-se pelo
aniquilamento da escola pública mediante os mais diversos subterfúgios: escolas
cooperativas; sistemas escola res de empresas (Bradesco, Xerox, Rede Globo de TV);
adoção da idéia do bônus educacional de Friedman; adoção por empresas de escolas
públicas; escolas organizadas por “comunidades ou centros habitacionais populares”.
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
No debate aqui exposto, preocupamo-nos menos com o caráter exaustivo da análise e mais
com o horizonte da mesma. Vários estudos apontam nesta direção, os textos desta coletânea
são indicativos.
Parece-nos importante salientar que a possibilidade de construção de alternativas
democráticas e socialistas implica, necessariamente, um esforço sistemático de
compreensão crítica da crise do capitalismo hoje realmente existente e o embate no plano
teórico, ideológico e ético-político. Neste sentido, há que se fazer um esforço para
qualificar a crise teórica, a crise econômico-social, ideológica e ético-política, para além
das aparências.
O exame dos conceitos de capital humano, de sociedade de conhecimento e de suas
derivações, tentando apreendê-los nas
12 Para uma análise crítica destas estratégias, ver Frigotto (1994).
PG.103
determinações históricas que os constituem, alinham-se neste esforço. Fica claro, em nosso
entender, que a mudança dos conceitos mais abstratos — capital humano para sociedade do
conhecimento — expressam a forma mediante a qual ideologicamente se apreende a crise e
as contradições do desenvolvimento capitalista e se encobre os mecanismos efetivos de
recomposição dos interesses do capital e de seus mecanismos de exclusão.
Esta mudança de conceitos exprime, também, uma materia lidade mais complexa e
perversa da contradição capital trabalho. O que não mudou é a natureza da relação capital e
a forma de subordinar a vida humana aos desígnios do lucro. Pelo contrário, exacerbou-se a
exclusão de muitos, evidenciada pela elevação do desemprego e subemprego, inclusive nos
países do capitalismo central e os índices de miséria absoluta.
Neste quadro, a “revolução tecnológica” fantástica, pela re lação social de exclusão
que a comanda, esteriliza sua imensa virtualidade de aumento da qualidade de vida,
diminuição de esforço e sofrimento humano. Paradoxalmente, transforma-se de
possibiitadora de vida em alienadora da mesma, mediante o desemprego e subemprego de
enormes contingentes de pessoas. A luta histórica dos trabalhadores para libertar-se da
condição de “mercadoria força de trabalho” perversamente torna-se hoje uma disputa dos
trabalhadores para manter o emprego, ainda que sob condições alienantes.
Há que se atentar, todavia, para uma nova qualidade de contradição. O capitalismo
— mesmo no Brasil —experimentou nestes últimos 50 anos, um imenso avanço em suas
forças produtivas. Dilatou-se a capacidade de produção. O que está intacta, é preciso
remover, é a apropriação social deste imenso avanço.
A alternativa, pois, não é a regressão neoliberal. Seus limite estão postos no sentido
mesmo das necessidades do capital. A alternativas, tampouco, passam por caminhos do
quanto pior melhor ou por esquemas de natureza apocalíptica.
O Estado de Bem-Estar Social — entre nós, com nos indica Eduardo Galeano,
Estado de mal-estar social — ao produzir formas mais avançadas de reprodução da força
de trabalho e de direitos sociais, mediante o fundo público, sinaliza que o caminho não é a
regressão, de face à crise, mas é o salto para novas formas
PG.104
sociais, que vários autores denominam de socialismo com democracia. O socialismo, como
nos indica Hobsbawm (1992), ainda está no programa. Neste programa reside a alternativa
às relações sociais de exclusão e um projeto educativo que desenvolva as múltiplas
dimensões do humano — educação omnilateral e, por tanto, politécnica.
Ao contrário da tese do Estado mínimo, esta direção implica perceber que “o
manejo e controle do fundo público”, como nos indica Oliveira (1988), é o nec plus ultra
destas novas formas sociais. Para o campo social e especificamente educacional, o que
devemos postular é o Estado máximo democrático no conteúdo, na forma e no método.
Este embate, contraditoriamente, implica trabalhar de dentro das contradições, na
sua virtualidade e negatividade. Embate, cujo pressuposto implica perceber a formação e
qualificação humana como atividades e práticas sociais não-neutras. São práticas que se
definem no bojo da luta hegemônica, sendo elas mesmas seus elementos constituintes.
A análise anteriormente exposta, ao contrário de emprestar às relações capitalistas
vida eterna, indica-nos crises e contradições. Ao nível material a forma de manutenção do
privilégio de poucos demanda a exclusão de muitos. Até mesmo no primeiro mundo surge
um terceiro mundo de subclasses. Neste sentido, no plano da luta contra-hegemônica, as
organizações políticas e sindicais que se articulam com os interesses da classe trabalhadora
necessitam entender, cada vez mais, que o conhecimento científico e a informação crítica
são algo fundamental para suas lutas. O senso comum e a opinião (doxa) ou a experiência
acumulada por longo tempo de prática (sofia), são elementos importantes, mas,
insuficientes. A nova realidade histórica demanda conhecimentos calcados na episteme —
conhecimento crítico.
A escola pública, unitária, numa perspectiva de formação omnilateral e politécnica,
levando em conta as múltiplas necessidades do ser humano é o horizonte adequado, ao
nosso vér, do papel da educação na alternativa democrática ao neoliberalismo.
PG.105
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Pg.106
PG.107
A idéia do estado liberal centra-se na noção de poder público separado, ao mesmo tempo,
tanto do governado quanto do governante, e que constitui a suprema autoridade política
dentro de limites precisos (Held, 1989, p.l2). Esta noção de autoridade política a partir de
uma perspectiva liberal deve ser reconsiderada à vista de tradições contemporâneas em
ciência política. Há, sem dúvida, uma tradição da análise política liberal que discute prio
ritariamente as questões da soberania do estado e da cidadania — ou seja, a constituição do
cidadão e, por sua vez, a questão da cultura política da nação. Uma segunda tradição, a da
democracia liberal, busca discutir problemas de representação política e res ponsabiização
(accountability), isto é, como as ações dos indiví duos, instituições e do próprio estado
mesmo podem estar sujeitas a controles, medidas de equilíbrio e especialmente a medidas
que refletem, na prática de indivíduos, instituições, corporações e agências estatais, os
acordos centrais do pacto democrático de governo — ou que, de outro modo, evitem que
estas práticas maculem, deteriorem ou traiam o próprio pacto democrático. Uma terceira
tradição, o marxismo, enfatiza a questão do poder do estado, especialmente naqueles
aspectos que se referem às vinculações com as estruturas de classes e com as forças e instru
mentos de coerção política — sob a suposição de que a obtenção do consenso e a
implementação de medidas que garantam certa representação de interesses não estão isentas
de atos de força ou coerção, tampouco estão isentas de relações sociais de dominação e
exploração. Finalmente, a perspectiva da sociologia política com
PG.109
a ilustre presença de Max Weber marca o estudo dos mecanismos institucionais de
operação do estado, e especialmente do exercício da autoridade do estado, assim como as
vinculaçõeS dos estados- nações entre si (Held, 1983; 1989; 1991; Sonntag e Valecilios,
1977; Vincent, 1987).
Dentro das perspectivas críticas do liberalismo, e especial mente as que encontram
suas fontes nas teorias da democracia — o neo e a sociologia política —, a discussão do
estado adquire novas perspectivas. Em uma primeira aproximação da noção de estado, este
aparece como um instrumento heurístico, um conceito que difere radicalmente das noções
clássicas de regime político, de governo ou de poder público. Enquanto instrumento
heurístico, a noção de estado reflete a imagem de condensação de poder e força na
sociedade. O exercício do poder do estado faz-se mediante o exercício de atos de força e
coerção sobre a sociedade civil através de aparatos de força especializados do estado. Por
sua vez, esta noção de condensação de forças remete a outro aspecto central do estado, a
noção de que o estado exerce poder; às vezes é um exercício do poder que é inde pendente
dos grandes atores sociais, às vezes é exercido em função de interesses específicos
representados na sociedade. Assim, o poder do estado pode refletir um projeto político
específico, uma aliança de classes e, portanto, interesses econômicos, sociais, culturais até
morais e éticos específicos. O estado aparece como uma aliança ou pacto de dominação
social.
Nestes termos, há um aspecto fundamental destas perspecti vas de dominação onde
o estado é também uma arena de confron tação de projetos políticos. Como arena de
confrontação, não somente expressa as vicissitudes das lutas sociais, as tensões dos acordos
e desacordos de forças sociais, mas também as con tradições e dificuldades de estabelecer
uma ação unificada, coer ente e marcada pelos parâmetros centrais de um projeto político
específico. Toda política pública, ainda que parte de um projeto de dominação, reflete,
como arena de luta e como caixa de ressonância da sociedade civil, tensões, contradições,
acordos e desacordos políticos, às vezes de grande magnitude.
Entender o estado única e exclusivamente como um agente na luta de classes tira de
foco outras variantes importantes da ação
PG.110
parte das teorias do estado que justificam (e subjazem) ao diagnóstico e à solução, como
também porque as novas modalidades de ação estatal, muitas vezes definidas como estado
neoliberal, refletem uma mudança significativa na lógica da ação pública do estado na
América Latina. Por sua vez, esta mudança no caráter do estado pode refletir também novas
visóes da natureza e alcance do pacto democrático, e também das características que deve
ter a educação e a política educacional na globalização mundial do capitalismo (Torres,
1994).
As duas seções que se seguem discutirão duas visões e práticas antinômicas do
estado, o estado de bem-estar social e o estado neoliberal. Visões e práticas que oferecem
diferentes opções em matéria de política educacional. Em seguida, a partir da economia
política da educação, a discussão do estado neoliberal será vinculada à globalização do
capitalismo em escala mundial. Depois, apresenta-se uma discussão sobre as características
da ciência normal no contexto das ciências sociais. Isto é importante porque as
características da ciência normal determinam a lógica e o raciocínio do planejamento
educacional dominante e, certamente, mostram as possibilidades mas também as limitações
das políticas educacionais implementadas pelo neoliberalismo. E importante fazer esta
pausa epistemológica para em seguida encerrar este trabalho com uma análise detalhada da
lógica das políticas educacionais propugnadas pelo Banco Mundial, agente preponderante
nas políticas de racionalização, estabilização e reestruturação econômica e educacional no
capitalismo dependente.
DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL
AO ESTADO NEOLIBERAL
O estado de bem-estar social representa um pacto social entre o trabalho e o capital, que
remonta às reorganizações institucionais do capitalismo do início do século na Europa,
especialmente nas origens da social-democracia européia, com as expressões mais
vigorosas nas social-democracias escandinavas. Mais recente mente, o New Deal,
concebido por Roosevelt nos Estados Unidos, constituiu uma formação de governo na qual
os cidadãos podem aspirar a níveis mínimos de bem-estar social, incluindo educação,
saúde, seguridade social, salário e moradia, como um direito de
PG.112
Cidadão, não como caridade (Wilensky, 1975 e 1976, Popkewitz, 1991) Outro aspecto
central e que o modelo opera com noções de pleno uso em uma economia industrial de
corte keynesiano Por diferentes razões, entre as quais estão o caráter populista de algumas
experiências e a presença de uma distribuição da renda extremamente desigual na América
Latina, as formações estatais com forte intervencionismo na sociedade civil têm pontos de
contato com o modelo do estado de bem estar social, mas também contam com grandes
divergências, especialmente a falta de um seguro-desemprego institucionalizado. Este
estado, que desempenhou um papel muito importante como modernizador da sociedade e
da cultura, e tambem um estado que exerceu ativi dades protecionistas na economia, apoia
o crescimento do mercado interno e a substituição de importações como aspecto central do
modelo de articulação entre estado e sociedade.
E importante salientar que a expansão e diversificação da educação se deu sob estados
equivalentes aos estados de bem-estar social, estados intervencionistas que consideraram o
gasto em educação como um investimento, que expandiram as instituições educacionais
(chegando inclusive à massificação da matrícula) e que expandiram enormemente os
argumentos para a educação, assim como a contratação de professores. O papel e a função
da educaçao publica foram expandidos, ainda que seguindo as premissas estatais do
passado. Na medida em que a educação pública postulava a criação de um sujeito
pedagógico disciplinado, o papel, a missão, a ideologia e o treinamento dos professores,
assim como as noções fundamentais do currículo escolar e do conhecimento oficial, foram
todos profundamente marcados pela filosofia predominante no estado, isto é, uma filosofia
liberal, ainda que paradoxalmente estatizante (Puiggrós, 1990 e 1992).
Neoliberalismo, ou estado neoliberal, são termos empregados para designar um novo tipo
de estado que surgiu na região nas últimas duas décadas. Vinculado às experiências de
governos neo-conservadores como Margaret Thatcher, na Inglaterra, Ronald Reagan, nos
Estados Unidos ou Brian Mulrony no Canadá, a primeira experiência de neoliberalismo
econômico na América
PG.113
Chile depois da queda de Aliende. Mais recentemente, o capita lismo popular de mercado
propugnado pelo governo de Carlos Saul Menem na Argentina ou o modelo do Salinismo
no México representam, com as peculiaridades dos casos argentino e mexicano, um modelo
neoliberal. 1
Os governos neoliberais propõem noções de mercados abertos e tratados de livre comércio,
redução do setor público e diminuição do intervencionismo estatal na economia e na
regulação do mercado. Lomnitz e Melnick assinalam que, histórica e filosoficamente, o
neoliberalismo está associado com os programas de ajuste estrutural (Lomnitz, 1991). O
ajuste estrutural define-se como um conjunto de programas e políticas recomen dadas pelo
Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e outras organizações financeiras. Ainda
que o Banco Mundial faça uma diferença entre estabilização, ajuste estrutural e políticas de
ajuste, também reconhece que o uso destes termos “é impreciso e inconsistente” (Samoff,
1990, p. 21). Este modelo de estabilização e ajuste tem resultado em uma série de
recomendações de política pública, incluindo a redução do gasto governamental,
desvalorizações da moeda para promover a exportação, redução das tarifas para
importações e um aumento das poupanças públicas e privadas. Um aspecto central deste
modelo é a redução drástica do setor estatal, especialmente mediante a privatização das
empresas parestatais, a liberalização de salários e preços e a reorientação da produção
industrial e agrícola para exportação. O propósito deste pacote de política pública é, a curto
prazo, a redução do tamanho do déficit fiscal e do gasto público, da inflação e das taxas de
câmbio e tarifas. A médio prazo, o ajuste estrutural baseia-se nas exportações como um
motor para o desenvolvimento. Neste sentido, as políticas de estabilização e ajuste
estrutural buscam liberar o intercâmbio internacional, reduzir qualquer distorção na
estrutura de preços, terminar com as políticas de protecionismo
1 Sem pretender fazer uma exposição teórica, conviria dizer desde o princípio que o
neoconservadorismo e o neoliberalismo têm sido identificados por Michael Apple como duas
vertentes de um mesmo movimento de direita (Apple, 1993). Temos discutido a posição de Apple,
fazendo alguns ajustes teóricos para esclarecer as diferenças entre ambas as ideologias, ainda que
sem disputar substancialmente a sua análise (Torres, 1995).
PG.114
e. conseqüentemente, facilitar o predomínio do mercado nas economias latino-americanas
(Bitar, 1988).
As premissas do estado neoliberal podem ser sintetizadas como a seguir. Em termos
de racionalidade política, os estados neoliberais constituem um amálgama de teorias e
grupos de interesses vinculados à economia da oferta (supply side economics) e
monetaristas, setores culturais neo-conservadores, grupos que se opõem às políticas
distributivas de bem estar social e setores com o déficit fiscal, a cuja superação subordinam
a política econômica. Em outras palavras, trata-se de uma aliança contraditória. Estes
modelos estatais respondem às crises e crises de legitimidade (reais ou percebidas) do
estado. Deste modo, as crises de confiança na cidadania, expostas nos do Watergate ou do
Irangate constituem crises importantes para o exercício da representação democrática e para
confiança governantes. Para o modelo culturalmente neoconservador e economicamente
neoliberal, o estado, o intervencionismo estatal as empresas parestatais são parte do
problema, não parte da solução. Como tem sido assinalado em inúmeras ocasiões por
sermos neoliberais, o melhor estado é o estado mínimo.
As premissas da reestruturação econômica predominantes no capitalismo avançado ou as
premissas do ajuste estrutural são amplamente compatíveis com os modelos neoliberais.
Estas implicam redução do gasto público; redução dos programas que são os gasto público
e não investimento; venda das empresas estatais, parestatais ou de participação estatal; e
mecanismos desregulamentação para evitar o intervencionismo estatal no dos negócios.
Junto com isso, propõe-se a diminuição da financeira do estado no fornecimento de
serviços (incluindo educação, saúde, pensões e aposentadorias, público e habitação
populares) e sua subseqüente transferência ao setor privado (privatização). A noção de
privado (e as privatizações) são glorificadas como parte de um mercado livre, com total
confiança na eficiência da competição, onde as atividades do setor público ou estatal são
vistas como ineficientes, improdutivas, anti-econômicas e como um desperdício social,
enquanto o setor privado é visto como eficiente, efetivo, produtivo, podendo responder, por
sua natureza menos burocrática, com maior rapidez e presteza às transformações que
ocorrem no
PG.115
mundo moderno. Acordos de livre intercâm (free trade deals’ como o Mercosul e o Tratado
de Livre Comércio entre Estados Unidos, México e Canadá, produção para exportação e
diminuição das barreiras alfandegárias constituem elementos centrais para um estímulo da
circulação do capital em escala global. Isto é assim porque, diferentemente do modelo de
estado de bem estar social, onde o estado exercia um mandato de pacto social entre trabalho
e capital, o estado neoliberal é decididamente pro-business, ou seja, apóia as demandas do
mundo dos negócios. Entretanto, como argumenta acertadamente Schugurensky (1994),
este aban dono do intervencionismo do setor estatal não é total mas diferencial. Não se
pode abandonar, por motivos simbólicos mas também práticos, todos os programas
assistencialistas do estado. Há necessidade de pacificar áreas conflitivas e explosivas em
matéria de políticas públicas. E por isso que se iniciam programas de solidariedade social
na Costa Rica e no México ou se desenvolve legislação para a proteção do menor (“os
meninos e meninas de rua”) no Brasil e outros lugares da América Latina. Em outras
palavras, a modificação dos esquemas de intervenção estatal não se faz
indiscriminadamente senão em função do poder diferencial das clientelas, razão pela qual
não só se levam a cabo políticas de solidariedade para os mais pobres como também se
incrementam subsídios e transferências de recursos para os setores médios e as classes
dominantes — inclusive indo contra o princípio que se opõe ao protecionismo. O Estado
tampouco abandona os mecanismos de disciplina e coerção nem, especialmente durante as
campanhas eleitorais, as táticas populistas de distribuição de renda (ou promessas neste
sentido) para obter consenso eleitoral. Isto é, o desmonte das políticas públicas do Estado
de Bem-Estar social não se faz indiscriminadamente mas seletivamente, dirigindo-se a
alvos específicos.
Um elemento central para entender o desenvolvimento do neoliberalismo é a globalização
do capitalismo. O fenômeno da globalização está na base das transformações do
capitalismo que consistem em alterar os princípios de funcionamento de um capitalismo de
pequenos proprietários, ou sua ampliação em termos de imperialismo como fase superior
do capitalismo (na visão de Lênin), ou da noção de capitalismo monopolista analisa do
pelas correntes teóricas vinculadas à New Left nos Estados
PG.116
Unidos (Paul Baran e Paul Sweezy), chegando em nossos dias o quew Clous Offe (1985)
denominou capitalismo tardio ou capitalismo desorganizado. Da perspectiva da pós-
modernidade, Fredrick Jameson (1991) definiu as características desta como a lógica
cultural do capitalismo tardio. O que temos que reter é que a categoria de globalização em
um mundo econômico pós-fordista é fundamental para entender as transformações do
capitalismo e as transformações do modelo estatal neoliberal.
Antes de entrar no tema das vinculações e tensões entre glocbalização e estado, caberia
insistir na contradição principal entre o modelo neoliberal e o neoconservador, que se
refletirá em domínios diferentes. Por um lado, os modelos neoliberais (que promovem a
autonomia individual (isto é, o individualismo possessivo) mas, por outro lado, promovem
as obrigações públicas de todos os cidadãos, dificilmente conciliáveis com o individualismo
possessivo. No campo econômico, um dilema similar existe ao se pretender promover as
preferências concebidas individualmente e a busca de uma seleção de alternativas de
política pública baseada na rational public social choice. Se, seguindo o paradoxo proposto
por Arrow; os mercados agregam as preferências individuais de maneira totalmente
independente de qualquer noção de bem público, como em qualquer agregado democrático,
parafraseando Williams e Reuten, este mecanismo só funciona quando há uma considerável
convergência nas ordens de preferência dos invidíduos. Este modelo de filosofia política
não pode reconciliar facilmente indivíduos com preferências individuais autônomas e o
estado como um lugar de negociação de tais referências. Além disso, é impossível avançar
nesta reconciliação sem pressupor que haja um conjunto de normas de comportamento que
são estáveis, apoiadas por uma estrutura estatal madura, uma política pública racional
baseada cm um modelo legal-racional, e no contexto de bases consensuais amplamente
aceitas na cultura política de uma sociedade, temas estes, obviamente, bastante afastados do
cotidiano da maioria dos países (‘Williams e Reuten, 1993).
PG.117
Unidos (Paul Baran e Paul Sweezy), chegando em nossos dias ao que Claus Offe (1985)
denominou capitalismo tardio ou capital ismo desorganizado. Da perspectiva da pós-
modernidade, Fre drick Jameson (1991) definiu as características desta como a lógica
cultural do capitalismo tardio. O que temos que reter é que a categoria de globalização em
um mundo econômico pós-fordista é fundamental para entender as transformações do
capitalismo e as transformações do modelo estatal neoliberal.
Antes de entrar no tema das vinculações e tensões entre globalização e estado, caberia
insistir na contradição principal entre o modelo neoliberal e o neoconservador, que se
refletirá em domínios diferentes. Por um lado, os modelos neoliberais (e neoconservadores)
promovem a autonomia individual (isto é, o individualismo possessivo) mas, por outro
lado, promovem as obrigações públicas de todos os cidadãos, dificilmente conciliáveis com
o individualismo possessivo. No campo econômico, um dilema similar existe ao se
pretender promover as preferências concebidas individualmente e a busca de uma seleção
de alterna tivas de política pública baseada na rationai public social choice. Se, seguindo o
paradoxo proposto por Arrow, os mercados agregam as preferências individuais de maneira
totalmente independente de qualquer noção de bem público, como em qualquer agregado
democrático, parafraseando Williams e Reuten, este mecanismo só funciona quando há
uma considerável convergência nas ordens de preferência dos invidíduos. Este modelo de
filosofia política não pode reconciliar facilmente indivíduos com preferências individuais
autônomas e o estado como um lugar de negociação de tais referências. Além disso, é
impossível avançar nesta reconciliação sem pressupor que haja um conjunto de normas de
comportamento que são estáveis, apoiadas por uma estrutura estatal madura, uma política
pública racional baseada em um modelo legal-racional, e no contexto de bases consensuais
amplamente aceitas na cultura política de uma sociedade, temas estes, obviamente, bastante
afastados do cotidiano da maioria dos países (Williams e Reuten, 1993).
GLOBALIZAÇÃO DO CAPITALISMO
que Reich definiu como analistas simbólicos irão constituir o segmento mais produtivo e
dinâmico da força de trabalho (Reich, 1991).
Juntamente com a segmentação de mercados de trabalho, verifica-se uma forte
transformação de trabalhadores de tempo mtegral em trabalhadores de tempo parcial (com
uma redução substancial no custo da força de trabalho pela diminuição das contribuições
patronais para saúde, educação, seguridade social, etc), um aumento da participação
feminina nos mercados de trabalho, queda sistemática dos salários reais e portanto um
contínuo aumento da distância que separa os trabalhadores assalariados dos setores
dominantes da sociedade Um fenômeno similar, em nível internacional, verifica-se no
crescimento da distância social e econômica entre as nações em desenvolvimento e as
nações do capitalismo avançado A unica exceção e formada pelos países de industrialização
tardia no Oriente, ou Newly Industrialized Countries.
Vejamos agora o modelo de ciências sociais dominantes no planejamento
educacional, como transição epistemológica para discutir em seguida políticas
especificamente educacionais no modelo neoliberal.
PG.121
fundamentos se baseiam em uma distinção normativa entre juízos de valor e juízos
empíricos. E importante assinalar, por sua vez, que o positivismo baseia-se na busca de
padrões de regularidade e resultados reproduzíveis e universalizáveis. Como assinala Joel
Samoff (1990), o positivismo representa uma tendência científica que constitui a versão
oposta de um trabalho interdisciplinar e de um modelo construtivista que reflete, pelo
contrário, uma forte visão alternativa onde a realidade aparece como produto de
descontinuidades e aspectos imprevisíveis. Ou seja, o positivismo não reconhece a
importância dos eventos não-lineares e as profundas descontinuidades dos fenômenos na
vida real. Do mesmo modo, a subjetividade e singularidade do pesquisador é despreza da
em função de uma suposta objetividade social, e as noções de ciência e ideologia são
definidas não só como práticas antagônicas e irreconciliáveis mas também como práticas
claramente discerníveis e diferenciáveis através da aplicação sistemática do método
científico e decertos preceitos éticos e epistemológicos na separação dos juízos de valor dos
juízos empíricos.
Seguindo estes preceitos epistemológicos, os planejadores que se baseiam na ciência
social positivista argumentam que há uma ordem social fundamental subjacente à dinâmica
dos elementos em si. Tal ordem é discernível mediante a aplicação rigorosa e metódica de
um método de ciências sociais. Este método deve refletir as premissas de todo método
científico que segue o modelo das ciências naturais, isto é, um método baseado no
fundacionalismo, no ob na busca do controle da manipulação das variáveis e no
experimentalismo (ou quase experimentalismo), no universalismo e no racionalismo.
Este método científico permite a descoberta de regularidades nas quais se podem
realizar análises experimentais ou quase experimentais, que se podem medir, quantificar,
estudar em suas correlações e causalidade e manipular (controlar) em seus comportamentos
futuros. O objetivo desta ciência social é desenvolver um conjunto de argumentos que
estudem relações de causalidade e, quando possível, estes padrões ou regularidades
detectados Pode ser aplicados como leis ou regularidades empíricas. Estas leis, que podem
ser condensadas em frases breves, concisas, simples, e podem até ser representada
matematicamente, são então utilizadas mediante (prévio exame empírico e comprovação
PG.122
PG.127
COMENTÁRIOS FINAIS
Joel Samoff, um dos críticos mais agudos e informados das políticas neoliberais na
educação, definiu o Banco Mundial como um “complexo financeiro e intelectual”,
caracterizando sua prá tica científica como propiciando a nsnacionalização do conhe
cimento (expertise), mediante uma comunidade de experts prontos para serem contratados
(intelectuais), onde há uma forte confluência de pesquisa e financiamento. Este complexo
intelec tual e financeiro aponta em direção a definir o papel central que exerce o Banco
Mundial nas redes de podar e nas tomadas de decisão em nível mundial. Devido a sua
posição nos circuitos de pesquisa e financiamento, os trabalhos e experts do Banco Mundial
influenciam o discurso internacional. Assim, o Banco comissiona pesquisas de longo
alcance influindo na seleção dos tópicos destas investigações (por exemplo, qualidade da
educação, livros didáticos); na definição operacional das variáveis; na terminologia (por
exemplo, desperdício escolar ou drop out versus push out );
PG.129
PG.131
PG.133
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
♦
Ensaio inédito publicado aqui com a autorização do autor.
Tradução de Vânia Paganini Thurler.
♦
Carlos Alberto Torres é professor da Universidade
de California-Los Angeles.
♦
PG.136
5
Roger Dale
__________________
O MARKETING DO MERCADO EDUCACIONAL
E A POLARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
PG.137
de resposta — e conseqüentemente a qualidade — do sistema educacional.
A forma mais freqüentemente utilizada para atingir ambos os objetivos parece
envolver a colocação da educação numa base mais comercial. Desta forma, aos pais será
dado acesso a um leque mais vasto de escolhas em educação em vez de ter de aceitar tudo o
que lhes é atribuído, e as escolas tornar-se-ão mais eficientes, quer em respostas à situação
competitiva em que irão se encontrar, quer através da adoção de práticas reputadamente
mais eficazes do setor privado. Neste trabalho irei concentrar-me na primeira destas duas
ênfases, o encorajamento das escolhas dos pais. Isto combina bem com o empenho
ideológico na ampliação da “escolha” individual sempre que for possível. A suposição mais
habitual acerca de como esse objetivo será alcançado é a de que isto incluirá algum grau de
“privatização” dos sistemas educacionais públicos existentes. E isso será realizado
capacitando, encorajando ou mesmo exigindo que as pessoas façam escolhas econômicas
individuais em educação, em lugar da determinação do sistema por decisões políticas
coletivas; o alvo é a substituição de mecanismos burocráticos por mecanismos de mercado.
Contudo, dado que pretendo dedicar a maior parte deste trabalho à discussão da
natureza e das conseqüências dos mercados educacionais, desejo antes tornar claro que a
“privatização” está longe de ser o único processo de realização das aspirações da Nova
Direita em educação. De fato, a distinção público/privado parece-me absolutamente
inadequada para captar as complexidades das mudanças a que os sistemas educacionais
vêm sendo submetidos.
Embora não seja possível tratar aqui esta questão mais detalhadamente, é importante
mencionar a variedade de meios alternativos capazes de provocar essas mudanças.
Essencialmente o que quero sugerir é que o que está em jogo não é tanto unideslocamento
direto do público para o privado, mas um conjuntc muito mais complexo de mudanças nos
mecanismos institucionai através dos quais são regulados o que continua a ser essencialmen
te sistemas educacionais estatais. Isto pode incluir um papel maio e/ou modificado para o
Estado (e não necessária ou automa ticamente um papel menor — veja-se por exemplo
Dale & Jesson,
PG.138
1993) e um papel diferente para a comunidade, assim como uma mudança para o mercado.
O que está em questão são novas formas e combinações de financiamento,
fornecimento e regulamentação da educação. Tradicionalmente, pelo menos na maior parte
das sociedades “oci dentais”, todos esses aspectos da administração da educação foram ass
como séndo da responsabilidade do Estado. As perspectivas e expectativas neoliberais
acerca da educação, con tudo, obrigam à alteração, se não à transformação, deste
pressuposto “estadista”. O Estado pode retirar-se completamente quer do finamento quer do
fornecimento da educação, mantendo, contudo, a autoridade reguladora que somente ele
pode exercer e, com ela, o controle último do sistema.
As numerosas combinações possíveis de financiamento, fornecimento e
regulamentação tornam possível a ampla série de mecanismos e “mesclas” de “mercado” na
economia de política social responsável pela heterogeneidade e complexidade dos
“mercados” educacionais que aparentemente estão proliferando por todo o mundo
ocidental. Não é necessário mais do que listar algumas formas possíveis para confirmar esta
idéia e para a idéia associada — já que essas formas são suscetíveis de ter uma série de
conseqüências muito diferentes — ser inferida. Assim, pode ríamos encontrar concessão,
concurso (para produzir um serviço completo ou especializado, p. ex. cursos para ensinar e
aprimorar a leitura ou desenvolvimento curricular), autorização, vendas diretas (promoção
de mercados especializados), cartelização ou controle de conglomerados, para mencionar
apenas algumas das variações mais ou menos prováveis.
Posto isto, é necessário examinar o conceito de privatização um pouco mais de
perto. A idéia da educação ser comprada e vendida no mercado tem estado,
intencionalmente ou não, asso-
2 Um exemplo interessante aqui é o das escolas “públicas (isto é, privadas) tradicionais inglesas que
são financiadas por meio de uma combinação de mecanismos de mercado (gratificações), estatais
(subsídios de tributação — veja-se Robson & Walford, 1989) e de rede de apoio (doações de
“amigos” da escola, especialmente antigos alunos — vivos e mortos através de testamentos). Até que
ponto estas escolas, que antecedem a tentativa do ERA (Education Reform Act) para universalizar o
mercado em educação, numa base de quase-mercado, se conformam de fato com os critérios de
quase-mercados é uma questão intrigante.
PG.139
ciada ao “controle” dos sistemas educacionais estatais pela Nova Direita.
Não é, todavia, uma questão de a educação ser comercializada para lucro; não é
apenas a aceitabilidade política mas a possibilidade técnica de tal idéia que a torna
insuscetível de ser até seriamente considerada como uma opção para além das margens
mais extremas da Nova Direita. Por outro lado, não há uma associação necessária entre
privatização e liberalização neste contexto. Enquanto privatização envolve a venda de bens
do Estado, “liberalização” significa a redução do controle governamental através da
abertura de uma área a pressões competitivas.
E, assim como é possível haver privatização sem competição, também é possível haver
liberalização sem privatização, introduzindo a competição no setor público sem transferir a
propriedade. O que Starr (1989) refere como liberalização, então, parece ter sido a forma
tomada pela maior parte das inovações comumente referidas como envolvendo a
privatização da educação ou da sua promoção no mercado. Contudo, isto não encerra a
questão. Há um conjunto de vias através das quais a liberalização pode ser produzida para
ter efeitos muito diferentes. Uma boa parte deste trabalho tratará dessas alternativas e suas
conseqüências; é necessário porém, em primeiro lugar, insistir numa idéia, simples, mas
essencial, acerca de como qualquer forma de liberalização pode ser produzida. Isto é, como
mencionado por Williams (1987, p. 20), que em “um sistema publicamente financiado, o
efeito de um mercado nos serviços educacionais pode ser obtido por intermédio de uma
variedade de mecanismos administrativos”. Deste modo, tornam-se claras duas idéias
óbvias, mas ainda assim essenciais, sobre mercados. A primeira é que, em nenhum sentido,
são “naturais”. Não se trata de que, despojada de todos os interesses hierárquicos do Estado
e direitos adquiridos da comunidade, a sociedade “se renderia” a uma forma de
coordenação social de mercado primitivo. Mais exatamente, os mercados são inteiramente
dependentes de uma série de condições que só podem ser proporcionadas pelo Estado como
o detentor do monopólio do controle e sanção legais, o que já é largamente reconhecido.
Contudo, o que é menos freqüentemente admitido (talvez porque parece tão óbvio), e que é
de interesse “local” especial para as discussões sobre educação, é que o termo “mer
PG.140
cado” é muito mais conotativo que denotativo. Opera como uma metáfora ou slogan mais
do que como um guia explícito e detalhado para ação. Isto significa que, dependendo da
interpre tação particular do slogan, ele pode não usufruir de credibilidade automática como
a forma de coordenação social mais apropriada para conduzir ao sucesso dos objetivos
implícitos no projeto da Nova Direita para a educação. Mais ainda, em muitos sistemas
educacionais, o slogan não é o mais adequado para provocar uma ampla e imediata
aceitação, mesmo que pudesse obter tal credibilidade. Quer dizer, o mercado, ele próprio,
tem de ser “promo vido”; o ideal tem de ser “vendido”, ou imposto a aqueles que nele
estarão envolvidos. Há aqui dois fatores fundamentais. O primeiro, o econômico, envolve a
criação de uma série de condições institucionais para que mercados educacionais sejam
instala dos e possam florescer; o outro fator, o político, envolve o estabelecimento do nível
mínimo de credibilidade ou aceitabilidade — se não legitimidade —para os mercados numa
área da qual, em muitos países, estiveram de modo geral totalmente ausentes.
Estas considerações políticas são prévias e limitam as condições e perspectivas econômicas
dos mercados educacionais mais do que o inverso. Isto porque as decisões para introduzir a
disciplina de mercado em educação são, evidentemente, decisões políticas; a forma mais
precisa desse mercado é menos relevante que a instalação do princípio.
É importante insistir nestas questões, dado o papel central desempenhado pela introdução
do mercado no projeto de “des politização” da educação, que, conforme argumentei
anteriormente, é um componente essencial da estratégia da Nova Direita para a educação.
Esta toma uma variedade de formas, todas destinadas a reduzir o fardo que a legitimação —
para não mencionar o custo — do sistema educacional representa para o Estado. Aquelas
incluem: (i) Submeter a um tratamento generalizado (“mainstreaming”) os departamentos
de política social, como a educação, negando-lhes assim qualquer direito a tratamento
especial (veja-se Dale & Jesson); (ii) introduzir “alvarás” para as escolas (school charters,
isto é, cartas de direitos) que podem ter o efeito de colocar a educação fora, se não “acima”,
da política; e (iii) devolver à “comunidade” (deliberadamente
PG.141
construída como um grupo “politicamente neutro”) uma série de responsabilidades no
fornecimento de educação.
Neste caso, o que vemos é o mercado sendo usado para tornar individuais o que,
antes, constituíam decisões coletivas, por exem pio acerca da distribuição da educação, e
para favorecer o uso mecanismos privados para introduzir quase sub-repticiamente
medidas cuja aceitabilidade política pode ser questionável. Vale a pena notar aqui o que foi
referido por Richard Nelson. Escrever do sobre os Estados Unidos, constata:
Antes de avançar, as ações governamentais que ameaçam c status quo são encaradas como sendo
convenientemente com pelidas pelas exigências resultantes de um amplo consensc prévio. Já as
iniciativas privadas são convenientemente menos compelidas... Uma questão interessante para os
cientistas políticos é a base racional que permite que determinadas coisas sejam feitas através da
iniciativa privada, enquanto as mesmas coisas seriam bloqueadas se a única forma de as realizar
envolvesse o governo num papel ativo (1987, p. 547).
Uma questão similar, e mais diretamente relevante, foi colocada por Ruth Jonathan. Sugere
que o trabalho de “persuasão” — ou promoção — pode ser minimizado pela adoção de
mecanismos que levem elementos fundamentais da política a ser implantados como faits
accomplis sem nunca terem sido formalmente considerados no foro político. Defende que
o recurso a mecanismos de mercado para efetuar o tipo de mudanças na natureza e distribuição de
educação, que provavelmente não conseguiriam a aceitação popular se fossem introduzidos através
de projeto político, um aspecto da alteração do clima de elaboração da política educacional... A
introdução de forças de mercado não deve ser vista apenas como um procedimento negativo de “fazer
recuar o Estado” simplesmente de modo a devolver o poder às pessoas, com o governo procurando
somente maximizar a liberdade indivi dual. Já que, delegando em decisões individuais que, em
conjunto, têm efeitos políticos substanciais, os legisladores não diminuem a extensão em que dirigem
a política, mas, às escondidas, mudam sua direção..., esta mudança de procedimentos
PG.142
no mecanismo da política provoca mudanças substanciais na natureza e distribuição da
educação e na economia política em geral, eliminando (sic) tais mudanças do foro de
debate apropriado (Jonathan, 1990, p. 119-125).
Isto não significa que todas as políticas usadas para a liberalização do fornecimento da
educação têm de ser introduzidas por meios relativamente indiretos. Por exemplo, o ERA,
na Inglaterra, foi objeto de um autêntico debate público e político geral (ainda que sua
implementação decorresse algo menos publicamente; veja-se Ball, 1991). Por outro lado,
poderia ser enfatizado que a mais forte tentativa para tornar o fornecimento da educação
mais competitivo na Nova Zelândia, a proposta de financiamento imediato e global de todas
as escolas, não teve bons resultados em conseqüência de sua exposição pública, enquanto
os dois mecanismos “administrativos” que, conforme defenderei, eram mais eficazes para
realizar aquela finalidade, foram introduzidos com muito menos brilho e mais sucesso.
Não obstante, mesmo se os enquadramentos podem ser esta belecidos sub-
repticiamente (uma estratégia em relação à qual há limites claros), seu sucesso dependerá
de sua implementação, e isso é suscetível de requerer maior promoção política do mercado.
Podemos então presumir que os fatores econômicos e políticos conjuntamente constituem
os critérios para a seleção das formas de mercado a serem instalados e os enquadramentos
no interior dos quais funcionarão (notar o uso do plural; como será adiante discutido, os
mercados educacionais não são homogêneos). Como estes dois fatores são interpretados e
implementados, constituem as características centrais, se não únicas, para estabelecer os
tipos de mercado educacional que emergirão.
Os detalhes e combinações das estratégias e mecanismos políticos e administrativos
variarão consideravelmente através das diferentes sociedades com base em fatores como (i)
a dimensão, a natureza e a representação de quaisquer escolas privadàs já existentes; (ii) a
força da ligação da profissão docente à educação pública; (iii) a forma histórica do Estado
de Bem-Estar e a força da vinculação geral de seus princípios; e (iv) a natureza e aceita
bilidade, para fornecedores e clientes, das formas existentes de administração educacional.
Serão também influenciados pela
PG.143
combinação mais vasta de modos de coordenação social — isto é, pelos modos
hierárquicos e comunitários – que conjuntamente produzem a política global para a
educação.
QUATRO CONSTRANGIMENTOS NA CONFIGURAÇÃO
DE MERCADOS EDUCACIONAIS
OS QUASE-MERCADOS
Estas combinações assemelham-se ao que Julian Le Grand (1991) descreveu como “quase-
mercados”. Sustenta que “quase-mercados” são mercados porque substituem os
fornecedores competitivos independentes. São “quase” porque diferem dos mercados
convencionais num certo número de sentidos. As diferenças estão quer do lado da procura
quer do lado da oferta. Do lado da oferta, como com os mercados convencionais, há
competição entre empresas produtivas ou fornecedores de serviço. Assim, em todos os
esquemas descritos, há instituições independentes (escolas, universidades, residências,
associações de moradores, proprietários de terras privados) competindo por clientes.
Contudo, em contraste com os mercados convencionais, essas organizações não
PG.146
procuram necessariamente maximizar seus lucros, nem são necessariamente propriedade
privada. Precisamente, náo é claro o que tais empresas maximizarão, ou se pode esperar
que maximizem.
Do outro lado, o da procura, o poder de aquisição do consumidor não é expresso em
termos de dinheiro. Em vez disso, toma a forma de um orçamento reservado ou voucher,
limitado à aquisição de um serviço específico. Ainda do lado da procura, em algumas das
áreas a que diz respeito, como a saúde e os serviços sociais, o consumidor imediato não é o
que realiza as escolhas referentes às decisões de aquisição; como alternativa, essas escolhas
são delegadas a uma terceira parte: um administrador, um médico de clínica geral ou uma
autoridade de saúde.
Estes quase-mercados de bem-estar, por conseguinte, diferem dos mercados
convencionais em um ou mais dos três sentidos: organizações com fins não-lucrativos
competindo por contratos públicos, por vezes em concorrência com organizações
lucrativas; o poder de aquisição do consumidor mais sob a forma de vouchers que em
dinheiro; e, em alguns casos, os consumidores representados no mercado por agentes em
lugar de atuar por si mesmos. (Le Grand, 1991, p. 1259-60).
Referindo-se especificamente à educação na Inglaterra e País de Gales, ele escreve:
A Lei de Reforma Educacional de 1988 incluía quatro elemen tos de quase-mercado: matrícula livre,
financiamento segun do o número e tipo de alunos matriculados, administração local das escolas e
uma oportunidade para as escolas se “subtrairem” ao controle das autoridades locais. Conforme as
propostas de matrícula livre, os pais são autorizados a inscrever os filhos em qualquer escola de sua
escolha; segundo a fórmula de financiamento, as escolas receberão uma verba baseada no número de
alunos inscritos, atribuição essa que, sob a gestão local dos fundos, podem despender conforme
desejarem. A possibilidade de se subtrairem ao controle das autoridades locais permite às escolas
optar por não depender do controle e financiamento diretos daquelas, recebendo subvenções
diretamente do governo central. Todas estas mudanças em conjunto podem ser vistas como uma
forma de voucher educacional financiado pelo governo central, com a
PG.147
Brown reforça este ponto de uma perspectiva econômica. Der de que “há forças em ação
que tendem a tornar as escolas — públicas e privadas — semelhantes em sua organização e
currículo. A maior parte dessas forças surge face à incerteza acerca capacidade dos
estudantes e de perspectivas de emprego futuro”.
Ele distingue entre “serviços primários” que produzem as carac
PG.150
terísticas dos estudantes para o mercado de trabalho e que todas as escolas proporcionam, e
“serviços secundários” (como forma ção religiosa), que não produzem diretamente as
opções dos estudantes para o mercado de trabalho. A uniformidade polivalente que surge
em todas as escolas, proporcionando uma série completa de serviços primários, é comum a
todas as escolas, porque permite que as pessoas diversifiquem suas escolhas de
escolarização em confronto com a incerteza. Uma conseqüência disto, argumenta Brown,
“...é que as escolas privadas terão dificuldade em encontrar um nicho vazio no mercado
educacional, exceto por sua diferenciação em dimensões de serviço secundário, tais como a
formação religiosa” (Brown, 1992, p. 288). Podemos argumentar que desenvolvimentos
como as Magnet Schools e as City Technology Colleges representam uma exceção para esta
discussão; poderíamos igualmente argumentar, talvez, que suas próprias carreiras tendem a
prová-lo (veja-se, por exemplo, McNeill, 1987; Edwards, Fitz & Whitty, 1989).
Acima de tudo, estes argumentos parecem demonstrar que, certamente desde que se
trata de considerar o valor de mercado da educação, o diploma é o produto dominante em
todo e qualquer tipo cfe escola Parece claro que a escolha das escolas pelos pais é
provavelmente baseada mais no “produto” do que no “serviço” que elas oferecem.
A combinação da base de competição — serviço ou produto — e a facilitação da
escolha — orientada pela oferta ou pela procura — produz o quadro que veremos a seguir.
Registrei o que me parece ser a posição pós-ERA na Inglaterra e no País de Gales.
Modo de Facilitação da Escolha
PG. 153
Não deemos todavia, deixar a questão acerca do que conta conta com o produto ou serviço
no mercado educacional meramente no nível das credenciais, sob a forma de certificados ou
outras qualificação comprovadas, ainda que sejam importantes (veja-se Da/e & L mos
Pires, 1984). Parece haver urna outra forma de bens posicionais em causa, o que Bourdieu
chama “capital social”, pelo que ele designa coisas como relações, maneiras, atitudes, etc.
(Bourdieu & Boltanski, 1977, p. 145). Isto torna-se evidente em pelo menos três sentidos:
(i) maximizando o rendimento das qualificações educacionais; (ii) elevando seu valor; e
(iii) compensando por sua ausência.
No primeiro caso, é relevante referir a utilização do conceito por Bourdieu &
Boltanski. Em seu trabalho, consideram o capital social como sendo usado para maximizar
o benefício possível de ser obtido a partir das qualificações educacionais, as quais
assumiam maior importância para as classes altas como mecanismo que justificariam sua
dominação continuada numa época de mudança econômica; os diplomas como capital
escolar tornam-se “capital cultural incorporado que recebeu ratificação da escola é assim
juridicamente garantido” (ibid). Contudo, a mera possibilidade de um diploma escolar não
garante que seu valor potencial seja realizado. Isto porque “... fora do mercado estritamente
educacional, o título acadêmico vale o que seu possuidor valer econômicamente e
socialmente..., sendo o rendimento do capital escolar uma função do capital econômico e
social que pode ser dedicado à si exploração” (Bourdieu & Boltanski, 1978, p. 225); em
particular “quanto mais lugar há para estratégias de blefe, mais... os possi dores de capital
social... podem obter uma alta taxa de rendimen sobre seu capital escolar” (Bourdieu &
Boltanski, 1977, p. 145). Este argumento é corroborado pelo trabalho de Marshall & S
acerca da influência da origem de classe na Grã-Bretanha. Na base de uma vasta pesquisa
empírica, argumentam que “na moderna Grã-Bretanha, a origem de classe e sexo podem
minar os princípios meritocráticos de igualdade de oportunidades... Pessoas com diferentes
origens de classe têm desiguais oportunidades não de sucesso educacional mas de sucesso
profissional, mesmo
PG. 152
PG.153
Duas importantes conclusões podem ser retiradas a partir desta discussão sobre o valor do
capital social como um bem posicional. A primeira é que o reconhecimento de seu valor, e
a que aspectos das escolas ele é inerente, pôde levar os pais a escolherem as escolas tendo
como base a contribuição detectada nestas escolas para o capital social de uma criança, bem
como para o sucesso acadêmico; e isto não apenas quando se pretende a confirmação do
capital econômico, mas também quando se considera que um capital social mais rico pode
tornar-se disponível para aqueles que não o possuem. A segunda diz respeito ao impacto
provável deste tipo de ênfase no processo de escolarização. E claro que tenderá a aumentar
a uniformidade (possivelmente, de forma absoluta mente literal) mais que a diversidade,
mas o que precisa também ser entendido é que a base desta uniformidade, o que lhe dá
coerência, é uma perspectiva muito tradicional da carreira profis sional, cujo traço mais
relevante, deste ponto de vista, é sua associação restrita com um conjunto de características
específicas de classe, gênero e etnia. Quer dizer, são assumidas e privilegiadas as
“necessidades” educacionais dos rapazes brancos de classe média. Quanto mais se fizer este
tipo de suposição acerca da profissão, mais conservadora será a orientação do processo de
escolarização.
Assim, esta ênfase na importância do capital social nos conduz a abordar a questão de quais
pais estão escolhendo e quais as conseqüências disso para as escolas, de um ângulo
ligeiramente diferente. Isto implica utilizar a distinção de Ralf Dahrendorf entre ter direito a
(entitlement) e fornecimento de bens e serviços sociais. Essencialmente, uma política
caracterizada por uma ênfase no entitlement procura maximizar a distribuição mais que a
disponibilidade de bens e serviços, enquanto uma ênfase no fornecimento inverte estas
prioridades. Em suma, fornecimento significa que mais coisas estão disponíveis para menos
pessoas, e ter direito significa exatamente o oposto. Entitlement conota universalidade;
fornecimento conota posicionalidade. As implicações desta conceitualização para a
compreensão da natureza e conseqüências da escolha da escola pelos pais estão indicadas
no quadro seguinte.
PG.154
Um elemento poderoso da discussão acerca da educação sugere que as escolas podiam ser
compensadas por aceitar determinados alunos “conhecidos” como suscetíveis de serem
“fracos realizadores”. Contudo, como Glennester aponta, tais estratégias compensatórias
pouco fizeram para melhorar o desempenho (escolar) individual ou coletivo; além disso,
pode haver conseqüências negativas para a imagem de uma escola, se for vista como tendo
PG.157
que aceitar um grupo específico de alunos simplesmente porq eles vêm com uma etiqueta
de preço mais alto (ibid, p. 1271-2).
PG.158
A polarização é encorajada pela própria estrutura e pressu postos do mercado erh,
pelo menos, três sentidos, cujo impacto individual e coletivo é intensificado por um
conjunto adicional de mecanismos a que chamarei os três M. Já me referi à primeira
daquelas suposições fundamentais: diz respeito à “racionalidade” na decisão das escolas
para selecionar alunos com base na classe social, aumentando desse modo seu capital
cultural (e social) e colocando-os numa virtuosa espiral de sucesso sempre crescente no
mercado educacional. O segundo fator relaciona-se com a distinção de Hirschman entre
voice e exit. E claro que a liberalização da educação escolar encorajará mais uma resposta
de exit do que uma de voice.
Entretanto, isto não esgota o valor da distinção. Podemos verificá-lo considerando o papel
dos pais (provavelmente a maioria deles) como membros dos conselhos diretivos das
escolas. E sempre duvidoso até que ponto os pais representam um eleitorado cujos
interesses comuns são mais poderosos do que os interesses individuais. Onde as escolas
estão organizadas numa base competitiva, todavia, pode ser que os interesses coletivos dos
pais no bem-estar da escola como um todo sejam mais suscetíveis de ser subordinados a
seus interesses individuais no bem-estar de seus próprios filhos em concorrência com outras
crianças. Isto poderia ter o efeito de alimentar o que Hirschman chama voz “traiçoeira” —
quando diferentes consumidores têm idéias diversas acerca de que melhorias são
necessárias e as idéias e gostos dos ativistas diferem sistematicamente das idéias e gostos
dos não-ativistas, na medida em que tal seja bem sucedido, a voz do grupo ativista obrigará
a qualidade do produto a variar de tal modo que as vantagens lhes sejam primária ou
exclusivamente concedidas (Hirschman, 1982, p. 242).
Os argumentos adiantados por Ruth Jonathan sugerem que, embora tal voz possa
parecer traiçoeira, a traição resulta de fatores essencialmente estruturais, e pode esperar-se
que ela seja a norma, mais que uma expressão de baixos padrões éticos individuais. A
autora defende que, porque a educação — ou pelo menos os diplomas — é um bem
posicional (e conseqüentemente de soma zero) e porque “os direitos dos pais como pais
estão fundamentados em seus deveres de curadoria ou atuação no sentido de
PG.159
proteger os interesses atuais ou futuros dos seus filhos” (op. cit. p. 122), quer eles gostem
ou não,
...tendo (num mercado educacional) apenas a oportunidade de tentar garantir uma superioridade para aqueles
cujos inte resses eles têm sob sua guarda, são pressionados para adotar uma atitude social conservadora e
prudente. Num jogo estru turado como o dilema de um prisioneiro, os curadores, longe de poder escolher
livremente, não têm opção razoável senão tomar atitudes individualistas e competitivas, mesmo que estas
impliquem em resultado pior para alguns jovens — e podem eventualmente implicar em um efeito pior para
todos eles do que um enquadramento menos competitivo da decisão teria resultado (Ibid, pp. 123-124).
E, ainda que os pais possam ser avessos a exercer os direitos que lhes foram dados
buscando vantagens para seus próprios filhos, qualquer relutância é suscetível de ser
agudamente testada pelo reconhecimento de que outorgar aqueles direitos exporá, como
Jonathan propõe, “simultaneamente nossos filhos às conseqüências que advêm do exercício
similar daqueles poderes por outros” (Ibid, p. 122).
O terceiro fator, que contém a essência do princípio “o usuário paga”, está rigorosamente
relacionado à questão. E claro que uma das atrações e motivações dos governos para o
mercado de educação é que lhes permite largar uma boa parte da carga financeira e
transferi-la para os consumidores individuais. Contudo, quanto mais o Estado se retira do
financiamento da educação, mais polariza o fornecimento. Isto porque, quanto mais
reduzida a base da educação “mínima” disponível para todos, financiada por impostos, mais
desvalorizado e menos atrativo esse mínimo se torna para os pais. Ao mesmo tempo, como
torna a aquisição da educação suplementar mais atrativa ou mesmo necessária, tal
transferência de responsabilidade pelo financiamento disponibiliza mais investimento
(através de menor tributação) que os pais podem gastar diretamente com seus próprios
filhos e não com os dos outros. A redução do mínimo, que pode ser vista como uma pressão
crônica nos governos, habilita e encoraja as escolas e os pais a diferenciarem-se uns dos
outros pela aquisição de bens e serviços/acessórios, um processo que não é difícil ver
avançar
PG.160
rapidamente no sentido da polarização (um exemplo desta tendência insurgente vem de
Auckland, onde as contribuições voluntárias que as escolas recebem dos pais oscilam de
zero a mais de $100,00 — o suficiente para pagar a mais de quatro professores). Uma
manifestação desta tendência é notória no que Galbraith chama a “cultura do
contentamento”, que tem muito em comum com os argumentos de Hirsh em The Social
Limits to Growth (veja-se Galbraith, 1991). Isto, até certo ponto, é baseado naqueles que
chegaram a um nível de qualidade de vida com o qual estão satisfeitos, que tentam “parar o
relógio”, retirar a ponte levadiça por detrás deles. Procuram consegui-lo em parte
consolidando sua própria posição (e ao mesmo tempo restringindo o acesso dos que a ela
aspiram) através da oposição ao aumento de impostos que pagariam a educação dos pobres.
Este fenômeno atinge provavelmente seu apogeu na fuga da classe média das cidades nos
Estados Unidos; ao mesmo tempo, isto diminui seus encargos tributários (não têm mais que
pagar pela educação dos pobres e garantem que os pobres ficam menos capazes de desafiar
ou manchar sua cultura de contentamento).
Uma conclusão essencial a ser retirada das conseqüências da liberalização
difornecimento de educação e que decisões indivi dualmente racionais se adicionam a
politicas coletivamente irra cionais. Isto deve-se à condição de bens posicionais dos
diplomas escolares. Tal fato foi bem exposto por Frank (1991). O autor defende que
... o mecanismo da mão invisível apóia-se na suposição do modelo de interesse pessoal de que o
padrão de vida de uma pessoa confere satisfação independentemente do padrão de vida de outras.
Mas, porque muitas metas econômicas são indiretamente posicionadas no seu caráter, temos que
rejeitar essa suposição — e com ela a noção de que a busca do interesse pessoal está genericamente
em harmonia com o bem-estar global da sociedade (p. 8 1-82).
Quero agora voltar aos três M, três mecanismos que intensificam nitidamente a polarização
potencial inerente à seleção diferencial, à voz traiçoeira e aos princípios do usuário pagante.
O primeiro desses mecanismos é o efeito multiplicador. Já referi brevemente a tendência
muito clara e aberta para as pessoas da classe média obterem benefícios desproporcionados
do Estado de Previdência. Isto pode ser atribuído à sua maior compreensão do processo
político, capacidade e oportunidade para se organizarem em grupos de pressão. No campo
da educação, a experiência e relacionamentos mais extensos com o sistema, por parte
daqueles que nele foram bem sucedidos, são de particular importância. Os efeitos diretos de
tais diferenças de capital cultural, social e econômico nas oportunidades de êxito
educacional dos alunos são tão significativos como bem conhecidos. Mas o que quero
argumentar é que, no sistema educativo liberalizado, no qual as escolas são autônomas e
estão em competição, o significado de tais diferenças de capital é ainda maior. Em resumo,
quero sugerir que o sistema liberalizado permite, facilita até, que essas diferenças tenham
um efeito multiplicador que habilita algumas escolas a obter, dos mesmos recursos,
muitíssimo maior valor que outras. O melhor exemplo que posso dar vem da investigação
de Liz Gordon acerca da composição do Conselho de Administração (CA) das escolas na
Nova Zelândia. Os CAs. nas áreas de classe média podem realizar com facilidade mesmo as
consideráveis funções administrativas básicas que lhes são impostas pelas reformas
neozelandêsa. Aqueles CAs tipicamente incluirão (ou facilmente serão capazes de cooptar)
contabilistas, advogados e outros profissionais para quem essas funções são banais. Isso
deixa o Conselho livre para se dedicar a outras áreas de oportunidade. Mas não estão
apenas disponíveis para o fazer; seu capital econô mico,
PG.162
cultural e, especialmente, social — que em sua forma coletiva podemos referir como “o
capital comunitário” da escola — habilita-os a explorar essas possibilidades muito mais
completamente do que poderiam os CAs das escolas de classe trabalhadora, supondo-se que
alguma vez conseguissem essa oportunidade. Para os CAs das escolas de classe
trabalhadora, manter-se a par das exigências mínimas (muito vastas) que lhes são feitas é
muito mais dispendioso do que para seus homólogos profissionais liberais de classe média.
O resultado final é que, qualitativa e quantitativamente, nas escolas de classe média a
disponibilidade, não somente de dólares, mas de mãos e vozes é muito maior que nas
escolas de classe trabalhadora — o que significa que são capazes não apenas de obter mais
“massa” mas também “massa com mais consistência”. Para os pais profissionais liberais,
pertencer ao CA — e mesmo às Associações de Pais — é uma oportunidade de exercer suas
competências num novo campo e para o beneficio de seus próprios filhos. Nas escolas de
classe trabalhadora, por outro lado, pertencer ao CA é mais passível de ser encarado como
um fardo a ser suportado por causa dos filhos e das outras crianças da comunidade. A
conseqüência, direta ou indiretamente (através do efeito multiplicador), é a polarização dos
recursos disponíveis para diferentes escolas.
O segundo mecanismo intensificador é o efeito “marginal”. Há três características
da liberação da educaçáo que aumentam o efeito marginal da escolha dos pais na educação.
O primeiro é que somente uma minoria de pais realmente deseja ou é capaz de exercer a
escolha. No entanto, “tal como o eleitor flutuante”, aqueles que de fato tencionam escolher
são suscetíveis de atrair muito mais atenção e serem muito mais notados em suas
preferências do que aqueles cujas preferências estão estabelecidas ou que são incapazes de
as efetivar. As escolas, numa situação de competição, são mais suscetíveis de tornar-se
atrativas para os pais “flutuantes” (as estimativas do número de pais nesta categoria variam;
Bowe & Ball com Gold, 1992, apontam para 5 a 10%; p. 29) que para os que estão
comprometidos com elas ou lhes são leais, com o resultado de que as preferências dos pais
“flutuantes” podem ter um impacto maior na escola que as dos pais “leais”. O segundo
efeito marginal está associado com o fato de que os “investimentos” educacionais feitos nas
margens, isto é, além do
PG.163
financiamento básico, e não dependente dele, tendem a ter uma influência desmesurada no
fornecimento da educação. Isto e evidente, por exemplo, no impacto do financiamento do
Banco Mundial aos sistemas educacionais do Terceiro Mundo ou, mais perto de nós, no
modo em que o programa TVEI (Technical and Vocational Education Initiative) foi capaz
de ter maior impacto na orientação da educação secundária, através do investimento de
somas relativamente pequenas “nas margens”, ou seja, como “extras suplementares”.
Especialmente quando os recursos básicos são mínimos, e aproveitados ao máximo, tais
suplementos marginais proporcionam as únicas fontes de novo financiamento e tornam-se
os únicos focos de crescimento, determinando fortes diretrizes e direções para o
desenvolvimento da instituição. O terceiro efeito marginal é análogo. Como é exposto por
Rudolf Klein, “muito da atração do setor privado (podemos ler isto como escola orientada
para o mercado?) depende de seu grau de marginalidade. Na medida em que o setor privado
substitui o setor público, há um risco de que possa também reproduzir suas inflexibilidades,
suas insensibilidades e seus custos administrati- vos — com a burocracia do regulamento
tomando o lugar da burocracia de gestão” (citado em O’Higgins, 1989, grifado no original).
Quer dizer, as escolas empresariais podem se beneficiar de sua iniciativa na medida em
que, e desde que, sua empresa permaneça marginal. Para obter êxito, a iniciativa depende
de sua própria condição marginal, ou seja, do fato de as atividades centrais da instituição
serem realizadas através de outros meios. Acima de tudo, então, as compensações da
seleção de alunos, voz traiçoeira e serviços acessórios da escola têm um impacto muito
maior por causa de sua condição marginal, que evidentemente apenas aumenta a
probabilidade de polarização do fornecimento.
O terceiro destes efeitos é o efeito de aceleração (este fenômeno foi detalhado numa
excelente análise do caso australianc por Anderson, 1992). A promoção do mercado
inevitavelmente altera o eqúilíbrio de prestígio entre as escolas públicas e privada em favor
das últimas; quando o patrocinador e fornecedor de un produto faz publicamente a apologia
de um rival, quem pode duvidar de que o rival é superior? Isto encoraja a decisão dos pais
especialmente dos estudantes “mais desejáveis”, de abandonar sistema, enfraquecendo-o
assim não apenas qualitativamente
PG.164
como também quantitativamente. Como é exposto por Jonathan, “quando as condições de
mercado são introduzidas por toda a parte no sistema estatal, o dilema da educação privada
dos pais abastados, em áreas com poucos recursos públicos, torna-se generalizado a todos
os pais” (op. cit p. 126, grifado no original). O efeito de aceleração pode também ser
favorecido por elementos de “uma política de influência do consumidor”. Como Starr
propõe,
a qualidade reduzida do fornecimento público é uma característica auto-reforçadora. Já que os
pobres são os beneficiários de muitos programas, a classe média opõe-se a gastos para produzir uma
alta qualidade de serviço, visto que é obrigada a pagá-la por conta própria. E já que a qualidade
permanece baixa, os pobres, bem como a classe média, desenvolvem um menosprezo pelo setor
público e uma ansiedade por escapar dele. O movimento de privatização reflete e promove este
desdém (e aí resjde parte de seu perigo político) (op. cit., p.43-44).
Pode-se objetar que introduzir esta questão como uma possibilidade no caso de sistemas
educacionais que usufruem o nível de respeito de muitos sistemas “ocidentais” é um tanto
alarmista; não tem havido nível de rebaixamento do sistema implícito na citação. Contudo,
o resultado do processo de polarização pode não ser assim tão diferente; e, no caso da
educação, seria a mais insidiosa e ultrajante evidência de que o movimento que observamos
não é tanto no sentido de uma qualidade maior do produto, ou mesmo de um melhor
serviço no fornecimento do mesmo produto. Em vez disso, como demonstramos acima, o
principal estímulo para “influenciar a escolha do consumidor” no campo da educação
escolar parece ser o desejo de afastar um tipo particular de clientela da escola; a aceleração
assim encorajada é muito mais abertamente impelida por questões de classe e etnia. O
fenômeno largamente observado de “fuga dos brancos” é um excelente exemplo deste
efeito de aceleração conduzindo à polarização étnica.
Isto pode colocar a escola pública numa espiral descendente de movimentos em
queda livre, tendo como conseqüência uma oferta curricular reduzida, a diminuta atração
sobre os pais que
PG.165
permanecem, afastamentos crescentes, etc., numa aceleração contínua desta espiral, que
termina muito rapidamente numa escola que inclui apenas aqueles sem motivação ou
capacidade para a abandonar. Este efeito de aceleração adquire ainda mais peso quando os
que optam por sair (ou nunca optam por entrar) do sistema educacional público são
sustentáculos políticos. Seu exercício de escolha adiciona-se ao efeito de aceleração,
confirmando a inferioridade comparativa da instituição ou do sistema de que se afastam e,
dessa forma, retirando sua influência e prestígio, que poderiam ser meios fundamentais de
travar a espiral descendente.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PG.166
Até a metade dos anos 60, o financiamento do Banco Mundial (BIRD) privilegiava
os projetos de infra-estrutura fisica, tais como comunicação, transporte e energia, como
medidas de base para o crescimento econômico. No final da década de 60, o Banco irá a
somar as metas puramente quantitativas que caracterizavam os projetos econômicos alguns
objetivos voltados para a igualdade e o bem-estar social. Nesta ótica, partia-se do princípio
de que o desenvolvimento econômico por si só não garantia a participação das camadas
mais pobres nos benefícios do desenvolvimento. Com base nesta conclusão, o Banco passa
a financiar o setor social, como medida de alivio e de redução da pobreza no Terceiro
Mundo.
O setor educacional passa a ser considerado, ao lado da saúde e do desenvolvimento
agrícola, entre os mais importantes no quadro dos financiamentos do Banco. Ainda na
década de 60, o Banco define os princípios e as diretrizes de sua política de crédito e de
assistência à educação do Terceiro Mundo.
Estes princípios incorporam a promoção de igualdade de oportunidades, visando à
participação de todos nos benefícios sociais e econômicos sem distinção social, étnica ou
econômica. Para tanto, o Banco recomenda a extensão da oferta do ensino elementar a
todas as crianças e adultos. A educação deveria ser integrada ao trabalho, com a finalidade
de desenvolver as competências necessárias às necessidades do desenvolvimento.
PG.169
Uma outra diretriz enfatizada nos documentos de política educacional do Banco dizia
respeito à necessidade de criar padrões de eficiência nos sistemas de ensino e na gestão dos
recursos financeiros, de forma a torná-los mais econômicos para os países. Neste sentido,
propunha-se a utilização de métodos inovadores e pouco custosos com vistas a atender em
maior escala a população à margem do sistema educacional.
Em 1968, o presidente do Banco (Macnamara, 1968) exprime sua intenção de aumentar
cerca de dez vezes o crédito para a educação na América Latina. No começo da década de
70, haviam sido aprovados 57 créditos aos programas educaionais de 42 países, totalizando
431 milhões de dólares, dos quais 21% em beneficio da América Latina. No período de
1987 a 1989, a América Latina contou com 14% dos créditos à educação (BIRD, 1990, p.
12). Embora os princípios aqui considerados constituam a base do discurso político do
Banco, as diretrizes para os empréstimos têm variado segundo a evolução da política de
desenvolvimento dessa agência e de seus desdobramentos para as políticas setoriais e para a
concessão de créditos. Esta constatação pode ser observada no quadro geral dos
financiamentos do Banco para a formação profissional de nível secundário.
A primeira referência a esta modalidade de ensino encontra-se em documento de política
educacional elaborado pelo Banco em 1970,1 onde se assinala a importância do ensino
profissional, referindo-se diretamente à formação de mão-de-obra qualificada, capaz de
provocar efeitos a longo prazo sobre a economia, especialmente nos setores industriais e
agrícolas mais modernos de forte utilização de capital e orientados para a exportação.
O segundo documento do Banco, produzido em 1974, intro duz modificações referentes ao
ensino profissional, enfatizando necessidade de privilegiar tanto os setores mais modernos
d; economia quanto os mais tradicionais, este último comportand pequenas e médias
empresas rurais e de periferias de grande centros urbanos. O ensino profissional é
enfatizado como meio
1 As informações sobre o assunto encontram-se em quatro documentos de polít setorial produzidos
pelo Banco em 1970, 1974, 1980 e 1990.
PG.170
indireto de prover a participação das massas ao desenvolvimento, através do aumento de
sua produtividade.
O documento de política educacional de 1974 reitera, ainda, a importância do
desenvolvimento institucional, de forma a imprimir novos padrões de eficiência no
desenvolvimento dos programas educacionais. O documento reforça igualmente a
relevância da gestão e do planejamento educacional como base para as reformas dos
sistemas de ensino.
A repartição de empréstimos durante o período de 1963 a 1983 mostra um
crescimento significativo do financiamento de programas de desenvolvimento da gestão:
embora estes créditos fossem inexistentes em 1969, atingiram, em 1983, a taxa de 12% do
total de recursos do Banco destinados à educação (BIRD, 1980, p. 88).
O objetivo de desenvolvimento institucional é igualmente enfatizado no terceiro
documento de política setorial do Banco na década de 80 (BIRD. 1980, p. 94), segundo o
qual a eficácia educacional seria atingida através do desenvolvimento da gestão autônoma
deste setor.
No ano de 1990, o Banco passa a elaborar novas diretrizes políticas para as décadas
futuras, com base nas conclusões da Conferência Internacional de Educação para Todos
realizada na Tailândia no mesmo ano. Além da presença de 155 países, a
2 A Conferência de Nova Déli, realizada em 1993, dá continuidade ao debate sobre a proposta de
educação para todos, desta vez congregando os nove países mais populosos do mundo: Brasil, China,
India, Paquistão, Bangladesh, Egito, Nigéria ,Indonésia (BRASIL/MEC, 1994). A par da fixação de
metas ambiciosas, como a universalização, com qualidade e eqüidade, de oportunidades para
crianças, jovens e adultos, o exame do documento revela duas vertentes importantes: a primeira diz
respeito à ênfase no nível primário de ensino; a segunda enfatiza a importância da escolaridade
feminina, assim como sua participação crescente no mercado de trabalho. Em que pese a
fundamentação de educação para todos no princípio da igualdade de oportunidades, cumpre
explicitar que a motivação básica para a fixação desses dois objetivos explica-se, também, pelo
imperativo de contenção demográfica, já explicitado em diversos documentos provenientes do Banco,
a partir do começo dos anos 80. Nestes documentos, fica claro o papel da educação de nível primário
para a “saúde familiar”, compreendida como a diminuição do número de filhos. A partir dessa
constatação, o Banco passa a financiar projetos que privilegiam o nível primário de ensino, O Plano
Decenal de Educação para Todos, produzido pelo Brasil em 1993 (Brasil!MEC, 1993), como apoio
da UNESCO e da UNICEF, enfatiza a consonância entre seus objetivos e os princípios da
Declaração de Educação para Todos, da Tailândia.
PG.171
conferência contou com a participação de outras agências internacionais, bilaterais e
multilaterais, entre as quais e de se ressaltar o papel do Banco Mundial como um dos
principais coordenadores do evento.
Agumas diretrizes contidas na publicação do Banco (BIRD,1990) reiteram o objetivo da
UNESCO de eliminar o analfabetismo até o final do século; assim também os programas da
USAID para o desenvolvimento da educação de base e a preocupação do Banco com certas
questões universais, como a proteção ao meio ambiente e o controle do crescimento
demográfico.
No que diz respeito ao ensino profissional, as diretrizes do Banco para as décadas
futuras tratam de estreitar os vínculos entre este nível de ensino e as atividades econômicas,
especialmente em relação às pequenas empresas do setor informal. O objetivo de
desenvolvimento institucional ainda permanece como preocupação central, acrescentando-
se aí a colaboração entre o setor público e o privado como estratégia de base à meta de
desenvolvimento de padrões de qualidade e de eficiência no treinamento profissional.
Diferentemente dos primeiros documentos setoriais, a ênfase desloca-se do ensino técnico
de nível secundário para a alfabetização e a educação geral.
Os dados relativos ao financiamento do Banco para a educa ção mostram que, de
1963 a 1969, cerca de 44% dos créditos concedidos ao setor concentravam-se no ensino
técnico. Na dé cada de 70, este percentual chega a alcançar o patamar de 55%. Durante a
década de 80, a educação geral passa a absorver mais de 60% dos créditos do Banco,
enquanto o ensino profissional conta com 31%. A educação primária, que até a metade dos
anos 70 participava com apenas 1% dos créditos do Banco, passa 2 contar com 43% nos
anos 80 (BIRD, 1980; BTRD, 1990).
PG.174
modelos de gestão e de organização dos projetos de financiamento Na verdade, é este
quadro dirigente que detém a totalidade das informações sobre a estrutura financeira do
Banco bem como sobre sua interação com os diferentes países.
CUSTOS DO FINANCIAMENTO
4 Embora, a partir da década de 80, o BIRD venha operando algumas modificações em sua estrutura
administrativa, estas não chegam a afetar o quadro geral de seu poder decisório.
5 Com respeito à especificidade e aos custos do financiamento do BIRD, ver Lapa et alii (1990) e
Lopes (1990).
6 Durante os anos 60, a USAID financiava projetos à taxa de 2.5% a.a. O Banco Mundial conta com
outra instituição filiada, a Associção Internacional para o Desenvolvimento (IDA). Esta Associação
foi fundada em 1960 para prestar assistência econômica aos países mais pobres, sob condições
financeiras mais brandas, entre as quais a isenção de juros. De acordo com os critérios fixados para
obter o apoio da IDA, o Brasil não se enquadra entre os clientes prioritários, em face dos altos
indicadores de renda per capita que apresenta, segundo interpretação do BIRD. A comparação com
os bancos privados mostra que, embora os juros cobrados pelo BIRD sejam menos altos que a média
dos bancos privados, o preço do dinheiro cobrado pelo Banco será mais elevado em razão das taxas
adicionais e comissôes referentes a seus serviços (Lapa et alii, 1990).
PG.175
de empréstimos. Como segunda medida, o Banco institui a taxa variável de juros, segundo
o custo do dinheiro no mercado internacional, com vistas a neutralizar a diferença entre as
taxas de)urospagaspelo Banco nesse mercado e aquelas cobradaspelo Banco aos países tom
adores.
A estas medidas, o Banco inclui aos serviços pagos pelos tomadores uma taxa de
0,5% relativa aos custos médios dos empréstimos tomados pelo Banco nesse mercado, e ue
constituirão as reservas para empréstimo aos países receptores. Segundo Lopes (1990), as
medidas estruturais introduzidas pelo Banco no sistema de financiamento poderão provocar
algumas consequências tais como o aumento do custo dos encargos dos projetos em razão
da variação do valor das diferentes moedas face ao dólar ou devido a variação da taxa
interna de juros dos difererentes paises.
Entre os encargos do financiamento, inclui-se tambem o pagamento de taxa de
compromisso”, correspondente a cobrança de 0,75% a.a. sobre os recursos ainda não
retirados pelo tomador7. Isto porque o credito do tipo co-financiamento não significa
emprestimo direto a rigor, o pais deveria prover 50% dos recursos do projeto e o Banco os
outros 50% Neste caso, o tomador tem o compromisso de gastar primeiro, sugundo
cronograma anual pré-fixado, sendo gradativamente ressarcido pelo Banco mediante
recursos depositados na conta do projeto, em Washington. Caso o executor do projeto (por
exemplo, o Minis tério da Educação) não consiga gastar segundo o cronograma, pagará a
taxa de compromisso sobre o total de recursos remanescentes na conta em Washington.
Esta exigência traz uma conseqüência preocupante: qualquer atraso na execução financeira
dos projetos resulta em aumento significativo deste encargo, para não falar do pagamento
dos juros e dos ajustes cambiais.
Em decorrência das rígidas condições financeiras, o bom desempenho de um projeto, em
termos do ritmo de execução, representa fator indispensável para a contenção de despesas
adi
7 Nos últimos anos, o Banco tem abrandado a cobrança da taxa de compromisso sob condições
acordadas previamente com o tomador. No entanto, os cinco projetos desenvolvidos junto ao
Ministério da Educação no Brasil, foram, até recentemente, financiados à taxa de 0,75% a.a.
PG.176
MODALIDADES DE FINANCIAMENTO
O CASO BRASILEIRO
PG.181
financiamento, o que provocou a diminuição do desenbolso externo, o atraso na
implantação do projeto e, consequentemente, o aumento dos custos. Outras dificuldades
surgiram das condiçoes próprias do setor educacional, entre as quais destacamos:
a)A descontinuidade na gestão do projeto, que contou com cinco dirigentes durante
sua execução.
b)A resistência do quadro técnico do Ministério em face da criação de uma equipe
especial de gerência do projeto.
c)As dificuldades de funcionamento da unidade especial de gerência devido às
condições legais do país, especialmente quanto à restrição para contratação de novos
funcionários.
d)A falta de articulação entre as ações do projeto e as ativida des correntes do
Ministério da Educação, o que permitiu a duplicação das ações do projeto em relação a
outras iniciativas desenvolvidas através de outras modalidades e níveis de ensino.
e)O artificialismo do planejamento que provocou, por exem plo, o abandono dos
cursos pós-secundários, para os quais não havia demanda social.
Por outro lado, modificações ocorridas nos objetivos do ensino profissionalizante,
em decorrência da alteração do texto da Lei Educacional de 1971, exigiram modificações
nos planos de construção e de reforma das escolas do projeto. Por esta razão as atividades
de planejamento foram retardadas até 1975, prazo previsto para a conclusão do projeto.
Os resultados referentes aos objetivos físicos (construção, reformas e aquisição de
equipamentos) não foram dos mais animadores: enquanto no caso do ensino técnico
agrícola as metas relativas à reforma de instalações era cumprida, o alcance da meta de
construção para os cursos pós-secundários não passou de 50%.
Tendo em vista que um dos objetivos do projeto era a expan são do ensino técnico,
foi prevista uma oferta de 2.160 novas vagas, que seriam decorrentes da construção e da
reforma de instalações escolares. No caso do ensino agrícola, o número de novas vagas
chegou a 1.605, ou seja, a meta alcançou apenas 74% da previsão. No caso do ensino
industrial secundário, embora os relatórios mencionem o cumprimento da meta de expansão
de vagas, não são apresentados dados concretos sobre assunto. No
PG.182
ensino industrial pós-secundário, a criação de vagas não ocorreu segundo a previsão: das
cerca de 3.320 vagas previstas, apenas 1.859 foram criadas, isto é, houve uma expansão de
56% em relação ao previsto.
O objetivo da formação de técnicos também foi superestimado: de 700 técnicos
previstos para o ensino agrícola, 500 (ou 1%) chegaram a ser diplomados. Nos cursos pós-
secundários, apenas 37% da previsão foi cumprida, isto é, de 1.000 técnicos previstos, 370
se diplomaram9 atividade de ac de ec sofreu também sérias dificuldades, oriundas da
inadequação das especificações do projeto e também das limitações locais para a
importação: daí decorreram atrasos na compra de equipamentos importados (que constituía
uma das cláusulas do acordo). Por ocasião da conclusão do projeto, em 1978, apenas uma
parte dos equipamentos havia sido instalada e poucos haviam sido utilizados, seja devido à
inadequação dos itens em face da necessidade do ensino, seja devido à ausência de
condições técnicas das escolas para manipulação dos equipamentos, especialmente em
relação aos itens importados.
O fraco resultado do projeto referente a estes componentes tem também, como
causa, a centralização do planejamento deste projeto, cuja unidade principal de gerência
localizava-se no Rio de Janeiro, onde se contratavam também as empresas executoras,
certamente desconhecedoras das condições locais.
A distância entre o planejamento e a realidade das escolas, situadas em diferentes
regiões do país, resultaram em inadequação das instalações físicas (em relação às condições
climáticas, por exemplo). Como resultado, uma parte significativa de recursos próprios do
órgão executor do ensino agrícola (COAGRI) foi posteriormente utilizado para correção de
distorções técnicas do projeto.
Tendo em vista que um dos objetivos privilegiava a qualidade do ensino técnico, o
projeto promoveu também a formação, no exteriot de pessoal das escolas envolvidas.
Assim, 39 técnicos e
9 No caso do ensino industrial secundário não há dados disponíveis nos relatórios examinados.
PG.183
10 A nova estrutura definida pelo BIRD nos anos 80 inclui a modalidade setorial. Embora o setor
educacional não tenha realizado acordos sob esta modalidade, algumas características foram
incorporadas, como a flexibilidade na definição de metas físicas e financeiras, o estabelecimento de
condicionalidades, entre outros.
PG.184
anteriores, nos quais os componentes construção e equipamentos carreavam a maior parte
dos recursos.
Desta forma, o projeto EDUTEC gozava de situação técnica e financeira favorável para o
bom desempenho de seus objetivos. Sem considerar que dispunha-se da experiência de três
financia mentos anteriores do BIRD¹¹. Não obstante, o projeto sofreu as mesmas pressões
administrativas que o seu antecedente, provenientes da situação política e econômica que
caracterizou os anos 80. Tendo sido prevista para período de 1980 a 1984, a execução do
projeto estendeu-se até 1990, o que significa um atraso de quatro anos para sua conclusão.
Acresce ainda o fato de que o crédito sofreu um cancelamento de cerca de 7 milhões de
dólares, devido ao atraso na execução e também a outros fatores relativos ao fraco
desempenho do projeto.
No tocante à situação econômica, alguns fatores foram deter minantes, como a
intensificação inflacionária do país, a desvalo rização da moeda nacional face ao dólar e,
sobretudo, a implantação de recente reforma administrativa do setor público, que gerou
maior complexidade do sistema de transferência de recursos no âmbito do Ministério.
Estes fatores foram responsáveis pela fraca captação da parte externa do
financiamento, bem como pelo atraso na execução do projeto, em relação à construção e
aquisição de equipamentos e de material. A nova Lei Nacional de Importações (Decreto
95.523, de 2/12/8 7), através de seu anexo, restringia a destinação de recursos para a
contrapartida nacional dos financiamentos, assim como para os bens de importação. Esta
medida governamental provocou atrasos, especialmente para compra de itens importados, o
que constituía uma das exigências do acordo.
Outras razões de ordem política podem ser mencionados como co-responsáveis pelas
dificuldades do projeto. A exemplo
11 Note-se que o segundo projeto para o ensino técnico é, na verdade, o quarto na ordem cronológica
dos financiamentos do BIRD ao Ministério da Educação: o primeiro acordo destinou-se ao
financiamento do ensino técnico; o segundo ao desenvolvimento de sistemas estaduais de
planejamento em reforço à implantação da Lei n° 5692 de 1971; o terceiro ao desenvolvimento do
ensino primário (quatro primeiras séries do 1° grau) no Nordeste; o quarto corresponde ao
EDUTEC; o quinto voltou-se também para o ensino primário, nas regiões Norte e Centro-Oeste.
PG.185
PG.187
ao trabalho de campo, especialmente no caso do ensino agrícola. Este fato torna-se ainda
mais relevante se atentarmos para as diretrizes centrais do segundo projeto, cuja ênfase
recaía mais sobre a qualidade do ensino técnico do que sobre o alcance de metas
quantitativas.
A este respeito, cabe observar, na Tabela 1, que a maior parte dos recursos
destinava-se para os itens mais quantificáveis, o que mostra a persistência das metas mais
convencionais do BIRD. Do total de recursos efetivamente empregados no projeto, até
1990, que totalizam 41,7 milhões de dólares, 47% foram destinados à construção e 38% à
aquisição de equipamentos e materiais. Os recursos destinados aos objetivos mais
qualitativos, como a for mação de pessoal e realização de estudos, representaram 9,0% das
despesas.
Tabela 1
Utilização de recursos por componentes do projeto, segundo a
previsão e a utilizacão efetiva (1984-1990)
Componentes de Recursos Previstos Recursos Utilizados Diferenças Previsão
Financiamento (mil USS) (mil USS) (%)
Construção 8.600 19.782 +130,0
Material e equip. 27.180 16.122 -40,7
Formação de Pessoal 1.800 3.385 +187,0
Estudos 390 262 -33,0
Administração do 1.470 2.204 +50,6
Projeto
Reserva Técnica 6.540 ____ ____
Total 45.360 41.745 ____
PG.188
Tabela 2
Participação do Brasil e do BIRD de 1971 a 1990
Projeto Período de Total de Crédito BIRD Participação
execução Recursos (%) nacional (%)
Gastos (mil
USS)
1° Projeto 71-78 24.300 34,5 65,5
2° Projeto 84-90 61.425 22,0 68,0
Fonte: MEC/BIRD/MEFP: Relatórios Financeiros dos Projetos O total de recursos refere-se aos
preços originais, não tendo sido levada em conta a variação do preço do dólar no período observado.
Em virtude do atraso na execução, o segundo projeto foi cancelado em cerca de 7 milhões de dólares.
De acordo com a tabela, a participação financeira do Banco tem sido bem menor que a do
Brasil. Levando-se em conta as duas modalidades de financiamento, verifica-se que o
primeiro projeto, do tipo convencional do BIRD, garantiu a participação de 34,5% do
financiamento do Banco. A experiência dos anos 80, contra riamente à expectativa gerada
pelas facilidades na definição do projeto, mostrou-se menos vantajosa: a participação do
Banco limitou-se à taxa de 22,0% do total de recursos empregados nos projetos.
CONCLUSÃO
A realidade desses vinte anos vem mostrando que a experiência dos projetos internacionais
não tem beneficiaddconvenientemen te o setor educacional . Vários estudos específicos
foram realiza dos no âmbito do Banco Mundial, do Minjstério e de seus órgãos filiados,
como o PREMEN e o PRODEM,¹³ os quais constituem
13 Unidades gerenciais criadas no MEC no início dos anos 70 para o desenvolvimento de projetos
especiais em reforço ao ensino de 1° e 2° graus. Na primeira fase da cooperação técnica do BIRD, os
projetos foram executados por esses órgãos. A partir dos anos 80, foram criadas unidades de
gerência para sua administração, além da reestruturação de órgãos como o CEDATE, de apoio à
rede física. Com o fim dos projetos, esses órgãos foram extintos.
PG.191
um conjunto de considerável aporte técnico para a compreensão t das dificuldades que
impediram o bom desempenho dos projetos e também de indicações para superação das
mesmas.
No entanto, estes estudos não têm sido levados em conta para a correção de
problemas ou para a decisão sobre futuros acordos. Por essa razão, o processo de
negociação de novos projetos parte sempre de um recomeço, onde cada projeto constitui
um fato isolado, sem conexão com as experiências anteriores.
O exame do desempenho dos projetos em relação ao alcance das metas estabelecidas, ao
tempo despendido para a execução e às despesas decorrentes tem-se mostrado muito aquém
do limite desejado. As próprias verificações realizadas pelo Banco admitem essa realidade.
Assinale-se, ainda, que esse desempenho não vem melhorando ao longo dos vinte anos de
experiencia, o que mostra que a cooperação técnica internacional não tem contribuído para
o desenvolvimento da eficiência gerencial da educação, conforme as expectativas do setor.
O exame dos efeitos dos projetos para além do limite de sua eficiência interna, isto é, a
consideração do alcance de sua eficácia para a correção de problemas estruturais da
educação brasileira, indica que estes apresentaram efeitos pouco significativos no que se
refere à prática do desempenho escolar, especialmente com respeito às intervenções no
nível primário.
Com relação à intervenção dos projetos no âmbito do ensino técnico de 2° grau, vale
lembrar que algumas inovações relevantes foram introduzidas, no começo dos anos 70, na
estrutura das escolas industriais e agrotécnicas: essas inovações referem-se,
respectivamente, à criação de cursos de curta duração de enge nheiros de operação (hoje
integrando os Centros Tecnológicos) e à adoção do modelo escola-fazenda.
Estes modelos não contaram com o devido trabalho de apre ciação ao longo dos
vinte anos de experiência: primeiro como verificação da efetividade de seus resultados em
relação aos objetivos sociais e econômicos que lhes foram atribuídos; segundo porque,
sendo modelos experimentais, caberia considerar sua extensão para outros centros de
ensino do sistema estadual e municipal.
PG.192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PG.194
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and Caribean Regional Office. Washington. The World Bank.
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política de gestão de moedas. Brasília, SEPLAN-PR/SEAIN, 1990.
MACNAMARA, R. S. “El Banco Mundial y America Latina”. Comercio Exterior, 1968,
18 (12), pp. 1053-1055.
♦
Este artigo foi escrito especialmente para o presente livro. Ele constitui uma breve síntese
de algumas questões discutidas pela autora na sua tese de doutoramento defendida na
Universidade de Paris-V Sorbonne, em 1992: O Banco Mundial e a Educação no Brasil:
1971-1990.
♦
Marília Fonseca é professora da Universidade Nacional
de Brasília.
♦
PG.195
7
Stephen J.Ball
_______________
MERCADOS EDUCACIONAIS,
ESCOLHA E CLASSE SOCIAL:
O MERCADO COMO UMA ESTRAT DE CLASSE
Este ensaio tem o objetivo de esclarecer algumas das dificuldades em torno da noção da
alternativa de mercado na educação e de estabelecer uma agenda sociológica para a
pesquisa e a teorização sobre o mercado educacional. 1. Mais especificamente, o ensaio
coloca algumas questões sobre os efeitos das forças de mercado sobre as escolas e também
sobre os efeitos que essas forças têm para — e sobre — os pais. O ensaio trata tanto da
ideologia quanto das práticas do mercado educacional.
O mercado, como uma alternativa de política pública à “educação como monopólio
público”, caracteriza claramente o tom da política educacional dos últimos anos, em todo o
mundo ocidental. Corremos o risco de vê-lo ser transformado em inevi tável. Existe
atualmente, na política educacional, uma poderosa, bem-estabelecida e complexa ideologia
do mercado e, relacionada a isso, uma cultura da escolha, as quais estão baseadas em perigo
sas idealizações sobre o funcionamento dos mercados, sobre os efeitos da escolha por parte
dos pais e sobre os incentivos dirigidos pelo “lucro”, na área da educação.
1 Sou agradecido a meus/minhas colegas Sharon Gewirtz, Richard Bowe, Alan Cribb, Barry Troyna,
Manfred Weiss, assim como a dois avaliadores anônimos. Por suas contribuições a certos argumentos
deste ensaio. Também contribuíram para os argumentos do ensaio as contínuas discussões com
Richard Bowe e Sharon Gewirtz, relacionadas a dois projetos de pesquisa, um financiado pelo
Strategic Research Fund do King’s College e o outro financiando pelo Ecoriomic and Social
Research Council, Dotação n° 232858.
PG.196
mágica da competição assegura que todo consumidor seja feliz - uma combinação de Adam
Smith com Walt Disney.
As evidências são impressionantes e abundantes. Quase sem exceção, em todo lugar onde a
estratégia da escolha for adotada — Minnesota, East Harlem, San Francisco, Los Angeles e
em outra centena de lugares — ela funcionou Escolas ruins se tornam melhores. As boas se
tornam ainda melhores e sistemas escolares inteiros recuperaram a confiaça pública ao
implementar planos baseados na escolha. Famílias descontentes foram trazidas de volta das
escolas particulares para a educação pública. Qualquer reforma escolar que possa proclamar
um tal êxito, merece nossa atenção nossa ênfase e nossos esforços (Presidente George Bus
citado em Paulu, 1989, pp. 25-26).
A National Governors Association partilha do mesmo entusiasmo ingênuo e idealista:
Se implementarmos uma estratégia baseada na escolha, i verdadeira escolha entre escolas
públicas, liberaremos valores da competição no mercado. As escolas que compete por
estudantes, professores e dinheiro certamente farão, e virtude de seu ambiente, aquelas
mudanças que permitir que elas tenham êxito (National Governors Association - Time for
Results, 1986, citado em Paulu, 1989, p. 14).
Alguns políticos, entretanto, são menos emocionais. Keith Josep Ministro da Educação
britânico, no período 1981-1986, e guru neoliberal de Margaret Thatcher, assim explicou
seu compronisso com a estratégia da escolha:
Penso que as agências nacionais tendem a produzir lobb: da mesma forma que as
indústrias estatais. Uma das princip virtudes da privatização é a de introduzir a idéia da
falência a possibilidade da falência. E por isso que sou a favor estratégia da escolha e dos
bônus educacionais (voucher). Simplesmente porque, com isso, se transfere, de uma vez só
o controle dos produtores para os consumidores... Naturalmente, não afirmo que todos os
consumidores sejam sábios eles não são, mas alguns serão capazes de exercer o direito
PG.200
escolha que hoje não é possível (Entrevista com Keith Joseph, citada em Bali, 1990a, p.
63). Também parece claro que o Governo Conservador no Reino Unido vê o mercado na
educação como uma forma de reduzir o grande nível de capacidade ociosa no sistema
escolar, ao permitir que o processo baseado na escolha feche algumas escolas.
AUTO-INTERESSE E ESCOLHA
De forma geral, na literatura sobre mercados sociais focalizada na questão das políticas
públicas e, em particular, sobre o mercado educacional, a ênfase é colocada sobre o lado da
demanda, sobre a escolha. Pouco é dito sobre o comportamento dos produtores no mercado
que vá além de noções bastante abstratas sobre incentivo e espírito de empreendimento. O
que fica pouco claro são os mecanismos de sobrevivência institucional no mercado — de
forma mais crucial, a competição. Embora se pressuponha que as estruturas, os processos e
a dinâmica da empresa e dos mercados de bens farão com que sua mágica funcione sobre as
instituições educacionais e esse seja um argumento sobre o qual se fala prontamente, o
mesmo não ocorre com os valores da empresa da competição. Outra vez, supõe-se, de
forma idealista, que valores educacionais permanecerão intocados pelas demandas da
PG.202
PG.203
mudança no ambiente de incentivo. Mas isso parece ter pouca sustentação nas pesquisas
relacionadas às “teorias da firma”. Levacic (1992, p. 8) desenvolve este argumento de
forma muito clara:
Uma firma, seja lá qual for sua forma organizacional, não é administrada de acordo com os
interesses de seus clientes. Isso só é garantido através da regulação fornecida por uma pro
dução competitiva e por mercados de capitais, com apoio em salvaguardas legais. Se esses
elementos não funcionam ade quadamente para levar os interesses dos clientes em conside
ração, então a firma pode obter lucros monopolistas para benefício de seus proprietários ou,
então, ser administrad pelos gerentes de acordo com os seus interesses e com os interesses
dos empregados, características que se refletirão em custos mais altos.
3 Como se explica em nota mais adiante a argumentaçao do autor salienta o fato de que os resultados
educacionais de uma escola são função não apenas de sua qualidade, mas também da capacidade inicial de seus alunos
ao serem admitidos. Assim, nessa argumentação, as escolas produzem um “acréscimo de valor”, é, elas
trabalham em cima de um “valor educacional” inicial que, evidentemente, varia de acordo com a classe social, entre
outros fatores. Neste parágrafo o autor sublinha o fato de que o empresário educacional procurará atrair aquele
estudantes que por causa de um valor inicial já alto facilitarão o trabalho de produção de um valor adicional, ou seja, a
produção de um valor adicional com um custo menor (Nota do Revisor da Tradução).
PG.206
UM MERCADO POLÍTICO
PG.207
com as capacidades docentes e a riqueza curricular de suas rivais mais ricas. Assim, sob
esse aspecto, existe um mercado real. Os pais podem expressar uma escolha em relação à
escola que querer— para seu filho. (Mesmo que não consigam aquela escolha na
competição com outros pais. No discurso público e no discurso acadêmico sobre o mercado
educacional a importante distinção entre expressar uma escolha e escolher é freqüente e
convenientemente esquecida. Os defensores do mercado jogam de forma descuidada e
rápida com o verbo de fácil aceitação, “escolher”. Mas existe também um Currículo
Nacional, com força legal, que toda escola deve ensinar. Os pais, no setor estatal, não
podem escolher entre currículos diferentes. O Governo também inventou novos tipos de
escolas os City Technology Colleges (CTCs modelados de acordo com as chamadas
Escolas Magnet e patrocinados, em parte, pela indústria, e as Escolas Mantidas com
Dotações (escolas que resolveram sair do controle da autoridade educacional local e que
recebem mais fundos diretamente do governo — não porque sejam populares, mas porque
estão fora do controle local). Em nenhum desses casos, a natureza ou a forma da
escolarização é oferecida como uma resposta específica alguma reivindicação por parte dos
pais. Essas escolas são produto da intervenção governamental. O mercado é, assim,
fortemente determinado e singularmente construído pelo Governo. Além disso, os
indicadores de desempenho da escolarização são fixados pelo Governo, através de um
sistema de Testagem Nacional e das exigências da Carta dos Pais (Parents Charter. 1991).É
isso uma escolha “real”? É isso o mercado? Tem certamente o efeito de um mercado, ao
criar a competição entre as escolas, mas as possibilidades de invenção e empreendimento
ou as expressões dos interesses das minorias ou as preocupações dos pais ficam fortemente
limitados pelo controle político do mercado.
Ao compreender a construção e o funcionamento do mercadc político, precisamos
prestar atenção ao controle exercido pele estado sobre os indicadores de desempenho — o
sistema de informação que, supostamente, fornece a base da escolha. A importância disso
fica ressaltada pelos recentes debates, no Reinc Unido, sobre os relatórios, para consumo
público, a respeito dc desempenho dos professores e das escolas. O Governo do Reine
PG.208
Unido continua comprometido com uma abordagem centrada em notas brutas, em vez de
notas que levem em conta o valor acrescido, apesar das críticas da própria agência de
controle do Governo, a National Audit Commission. Uma política baseada na nota bruta
serve para reforçar a seletividade dos estudantes de acordo com a capacidade, em escolas
muito procuradas, e subor dina a melhoria dos padrões educacionais à reprodução da van
tagem relativa em relação a outras trocas de mercado — isto é, o mercado de trabalho.
Aqui, as “melhores” escolas não são aquelas que conseguem o máximo em termos de
aprendizagem discente, mas aquelas que são capazes de filtrar e selecionar sua clientela
mais convenientemente. Daí a importância vital da questão sobre quem controla os
indicadores, para qual objetivo os indicadores são usados e a quais interesses eles servem.
No Reino Unido, podemos perguntar: se aumentar os padrões é um dos objetivos principais
da reforma, por que, então, estão sendo usadas notas brutas para comparar as escolas?
Questões sobre a eficácia e a adequação dos indicadores levam a outras questões
sobre se os indicadores que estão sendo exigidos das escolas por parte do Governo são os
elementos que os consumidores mais querem saber ao fazer suas escolhas. No Reino
Unido, todas as evidências colhidas nas pesquisas sobre escolha por parte dos pais, indicam
uma falta de correspondência entre os indicadores impostos pelo Governo e os pressupostos
dos teóricos do mercado, de um lado, e as preferências reais dos pais, de outro. Adler et alii
(1989, p. 134) concluem, a partir de sua pesquisa, que: “... a maioria dos pais que está
exercendo sua escolha em favor dos filhos parece adotar uma perspectiva humanista e não
tecnológica”. Ora, existe, neste caso, algum risco de estarmos sendo iludidos por manobras
astuciosas. Alguns teóricos do mercado argumentam que a intervenção do estado significa
que não temos um mercado “real” porque não se permite que as
4 A abordagem de avaliação baseada no “valor acrescido” leva em conta diferenças na capacidade inicial dos
alunos, ou seja, para todos os efeítos, a capacidade inicial dos alunos é, matematicamente, igualada. Assim,
notas brutas (finais) desiguais podem representar igual desempenho, nessa abordagem, se forem descontadas
diferenças na capacidade inicial. Com isso, escolas com clientelas social, cultural e economicamente
favorecidas não podem creditar seu possível melhor desempenho tão-somente à sua suposta melhor qualidade,
uma vez que, possivelmente, a “qualidade” inicial de seus alunos tem um importante papel nesse melhor
desempenho final (Nota do Revisor da Tradução).
PG.209
forças do mercado tenham seu pleno efeito. Outros, quando questionados sobre os possíveis
excessos e oportunismos do mercado, apontam para o papel regulador do estado em
salvaguardar os interesses do consumidor. Esse parece ser um caso de “cara — eles
ganham; coroa — nós perdemos”!
A IDEOLOGIA DO MERCADO
Deixem-me, agora, sem entrar em muitos detalhes, expressar algumas preocupações sobre
algumas das críticas e alguns dos argumentos que fundamentam a defesa do mercado,
mencionados acima. Algumas dessas preocupações estão focalizadas nos argu mentos
apresentados, outras se focalizam nas concepções de escolarização pública monopolista e
escolarização de mercado que são desenvolvidas nesses argumentos. Tentarei apresentar
alguns dados relativos a esses argumentos. Como observado anteriormente, há um
problema que atravessa grande parte desses escritos de defesa da noção de escolha: ao
mesmo tempo que o modelo de mercado é idealizado, o sistema de monopólio é
caricaturado. Por um lado, Chubb & Moe (1990) argumentam que o controle democrático
das escolas leva a um sistema de - “ganhadores” e “perdedores”; por outro, há um
reconhecimento de que os mercados são imperfeitos, de que “a distribuição desigual da
renda na sociedade pode inclinar certos mercados em favor dos ricos e contra os pobres” (p.
31) e que “na medida em que essas e outras imperfeições são sérias, é menos provável que
os mercados gerem a diversidade, a qualidade e os níveis de serviço que os consumidores
desejam” (p. 32). Esses parecem ser pontos importantes. Parecem dizer respeito a
“ganhadores” e “perdedores” no mercado — algo que Chubb & Moe apresentam como um
defeito fundamental quando questionam a política democrática. Fica pouco claro por que
esses efeitos são menos discutidos do que o princípio da escolha. Se, como certos autores
argumentam, o sistema escolar de monopólio público tem prejudicado as crianças pobres
em particular, não deveríamos conceder particular consideração às formas pelas quais a
escola do mercado também as prejudica? Este é um argumento que tento discutir com
algum detalhe mais adiante (veja também Ball, 1990c; Ball & Bowe, 1991).
PG. 210
Por que se deveria pressupor que todas as necessidades serão satisfeitas no mercado, ou
mesmo que mais necessidades serão satisfeitas? Essa é, em última análise, uma questão
empírica. Os teóricos da escolha pública regularmente reconhecem a inevitabilidade das
desigualdades no mercado (Tiebout, 1956), mas parece haver pouco interesse em buscar as
implicações dessas desigualdades para aqueles que as vivem. Claramente, como os teóricos
da escolha pública reconhecem, a escolha envolve custos. Para aquelas pessoas para as
quais os custos são proibitivos, não existe nenhum mercado real na educação. O mercado só
existe para alguns, mas os teóricos da escolha pública e os políticos do mercado parecem
ter pouco interesse sociológico pelos outros — os desprotegidos. A exclusão de alguns das
possibilidades da escolha é considerada como sendo tão-somente um probleminha técnico
na utopia do mercado. E, entretanto, é evidente que a desigualdade assim gerada está
relacionada com um conjunto de outras desigualdades de consumo (habitação, transporte,
recreação, etc.) que são vividas pelos mesmos grupos sociais (Boyd, 1982, p. 119). Os
“alguns” e os “outros” são, respectivamente, os beneficiários e as vítimas do mercado. A
falta sistemática de atenção à sorte dos perdedores no mercado sugere que as teorias do
mercado estão orientadas fundamentalmente pelos valores, interesses e preocupações de
certas classes e frações de classe. Jonathan (1990, p. 19) acrescenta uma questão-chave ao
tema que acabamos de discutir:
Uma vez que a educação tem um valor de troca, assim como um valor intrínseco, e
uma vez que seu valor-na-troca, como o de qualquer outra moeda, depende não da
quantidade do bem que um indivíduo possui em termos absolutos, mas, antes, da
quantidade que possui em relação a outros, então uma experiência mais favorável
— em termos de valor de troca — para uma criança implica uma experiência menos
favorável para alguma outra criança ou para algumas outras crianças.
Chubb & Moe (1990) podem ser questionados também num outro aspecto. Em sua crítica
da escola democrática, eles argu mentam que: “os perdedores têm a obrigação de aceitar e
ajudar a financiar essas políticas públicas e essas estruturas mesmo que
PG.211
PG.213
se oponham a elas” (p. 28). Entretanto, a criação de um mercado de serviços educacionais
certamente produzirá o mesmo resulta do. Jonathan (1990, p. 20) argumenta que os pais que se veem
jogados num mercado educacional, sentindo-se incapazes de afetar a situação social global, que
distribui fatias cada vez menos iguais, podendo tão-somente tentar assegurar, de forma individual,
uma fatia vantajosa para aqueles cujos interesses lhes são confiados, acabam sendo pressionados a
adotar uma posição social conservadora e prudente, contribuindo, assim, para mudanças sociais
cumulativas que eles não escolheram de forma direta e podem muito bem não aprovar.
O livro de Chubb & Moe é descrito como estando pleno de “implicações provocativas
sobre políticas públicas” (Paul E. Peter son, na capa do livro). Devemos supor que ninguém
se opõe ou se oporá a essas políticas ou que não se oporá em ajudar a financiá-las? A defesa
que Chubb & Moe provavelmente fariam a respeito desse ponto estaria baseada na idéia de
que o seu sistema é o que consegue a maior eficiência possível — o maior bem. Mas a
questão sobre os “acréscimos de valores” efetuados pelas relações de mercado e as questões
das desigualdades deixam de ser discutidas numa resposta desse tipo. Além disso, a
pesquisa econômica fornece poucos indícios de que se obtém a eficiência máxima em
outros tipos de mercado. Assim, o que é indicado por essa manobra não é necessariamente
um defeito argumentativo (embora também possa ser isso), mas um outro aspecto da
psicologia social implícita na qual se baseia grande parte da teoria do mercado, isto é, o
pressuposto do auto-interesse individual e racional como uma qualidade universal da
natureza humana íJonathan, 1990, p. 17). Esse é mais um aspecto da “democracia débil” de
Barber (1984), “uma política que concebe os homens e as mulheres através de seus piores
aspectos” (p. 25). As determinações e as demandas do sistema de mercado exigirão
daqueles que se lhe opõem que ajam como “bons” consumidores para minimizar as
desvantagens para seus fiihos.
Deixem-me voltar à questão das imperfeições do mercado. Um dos problemas da aplicação
da teoria do mercado ao sistema educacional — além da tendência a idealizar o mercado —
é que
PG.212
tendemos a receber apenas uma versão da teoria do mercado, aquela versão que proclama a
ideologia da soberania do consumidor, como já observado. Um outro grande problema em
relação à visão neoclássica do mercado é “sua recusa metodológica em tratar de questões
relativas a poder ou a estrutura política, ao explicar o funcionamento das instituições
econômicas” (Gintis, 1989, p. 66). Os aspectos-chave dessa negligência, no que diz respeito
às escolas, relacionam-se ao argumento de Gintis de que “sob condições competitivas, o
poder numa economia capitalista está do lado daqueles agentes que têm a ofertar bens que
são escassos no mercado, isto é, aqueles agentes que se vêem frente a uma quantidade de
parceiros comerciais maior do que aquela que sua oferta pode satisfazer” (p. 69). Este não é
apenas um aspecto empírico das relações entre pais e escolas em muitas partes do Reino
Unido e dos Estados Unidos, mas uma característica básica da escola de mercado. Existe
um elemento paradoxal nesse argumento. Em muitas partes do Reino Unido e em muitas
cidades dos Estados Unidos, existe um excesso de vagas escolares e, por definição, uma
quantidade fixa de alunos. Esse excesso de oferta de vagas é o que conduz o mercado e cria
competição entre instituições (entretanto, à medida que as escolas “impopulares” do
sistema são fechadas, a margem de competição no mercado será diminuída). Entretanto,
tanto no Reino Unido quanto em muitas cidades dos Estados Unidos existem algumas
escolas que têm uma demanda de matrículas maior do que a oferta de vagas. E elas que, de
uma forma ou outra, se encontram na posição de escolher os alunos e não o contrário. Elas
têm poder no mercado e podem levar o “preço” para cima, ao aumentar os requisitos de
entrada, seja em termos de medidas de capacidade, seja em indicadores de capital cultural.
A recente cobertura jornalística sobre questões do excesso de matrículas e sobre
reivindicações por parte dos pais aponta tanto para os problemas da noção de soberania do
consumidor quanto das demandas culturais da competição de consumo.
O Direito de Todos os Pais de Escolher e Perder (The Inde pendent, 18 de julho de 1991).
Comunidade Dividida por Medo e Indignação: milhares de pais tiveram negadas sua primeira
escolha para a escola de seus
PG.213
O poder aqui está do lado do produtor. Na medida em que iss possibilita uma seletividade,
também possibilita que seja necessário fazer menos do esforço exigido para manter a
superioridade sobre outras instituições — quando essa superioridade é medida em termos
de desempenho bruto e não de “valor acrescido Existe, neste caso, pouco incentivo para a
inovação ou para tentar melhorar o ambiente de aprendizagem. Gintis (1989), outra ve
argumenta que “se pode mostrar que um estreitamento do mercado (isto é, uma diminuição
no equilíbrio proporcionado pela oferta em excesso) implica preços maiores e uma
qualidade inferior do produto” (p. 70). Além disso, em muitos casos, no mercado de bens
de consumo, a troca entre produtor e consumidor não é bilateral: “um consumidor
individual não pode afetar o comportamento dos produtores” (p. 69). Neste caso, a
autonomia do produtor é alta, mas a capacidade de resposta às reivindicações do
consumidor é baixa.
Ora, os teóricos do mercado podem argumentar que o “si cesso” das escolas com
excesso de matrículas levará inevitave mente à emulação e à competição por estudantes
desejávei Claramente, existe algo nesse argumento, mas ele ignora o pap crucial exercido
pela vantagem relativa no mercado educacion Para alguns consumidores, o importante da
escolha é que ei “exigem” exclusividade e/ou vantagem no desempenho — um nivelamento
dos padrões não satisfaz os seus interesses. A escola que eles valorizam é aquela cuja
entrada é difícil e que produz resultados superiores em termos de desempenho. Se todas ou
muitas escolas pudessem oferecer o mesmo serviço, então sistema de mercado lhes teria
sido prejudicial — embora a singularidade total seja improvável. Mas o teórico do mercado
poder querer argumentar que os efeitos da competição ainda assim elevariam o nível global
de desempenho do sistema e, portanto,
PG.214
talvez também exigisse o esforço máximo por parte daquelas escolas determinadas a manter
sua superior posição — teórica — de mercado. Mas o meu argumento aqui é que a
aplicação da teoria abstrata de mercado à educação está baseada numa representação parcial
e inadequada dos processos e efeitos das forças de mercado na educação. Tendo
estabelecido um terreno de preocupações e debates, relacionado ao mercado educacional,
quero agora desenvolver o argumento, através do exame de alguns dados daqueles
mercados e sistemas de escolha que já estão em funcionamento nos Estados Unidos e no
Reino Unido.
MERCADOS, ESCOLHA E DESIGUALDADE SOCIAL
Existem evidências suficientes até mesmo nos períodos iniciais do mercado educacional
para sugerir que os processos e os efeitos das forças do mercado estão relacionadas com
diferenças étnicas e de classe no acesso às escolas e na distribuição entre elas. Argumento
que no mercado da educação: (a) os processos estra tégicos de escolha colocam as famílias
operárias sistematicamente em situação de desvantagem; e (b) o vínculo entre escolhas e
recursos (através do financiamento per capita) coloca as escolas e comunidades operárias
em situação de desvantagem (refletindo e interagindo com outras desigualdades coletivas
de consumo). Em outras palavras, o funcionamento e os efeitos de um mercado da
educação beneficiam certas classes e frações de classe em detri mento de outras. Outra vez,
o mercado não é neutro. Ele presume certas habilidades, competências e possibilidades
materiais (tem po, transporte, creche, etc.), que estão desigualmente distribuídas entre a
população. Os teóricos do mercado tendem a pressupor, de forma global, que a disposição a
participar do processo de escolha é generalizada entre a população ou que as diferenças
quanto a isso são insignificantes. (Seguindo a cultura da escolha, os políticos britânicos
tendem a culpar a família — os que escolhem mal é porque são maus pais). Como Edwards
& Whitty (1990) sugerem, a ideologia do mercado está baseada num mo delo do/a “pai/mãe
ideal” e o/a pai/mãe “ideal” é tratado/a como o/a pai/mãe médio/a. Outra vez, este não é um
efeito neutro; antes, ela expressa um valor particular e uma visão particular da condi ção
paterna/materna, que está construída para servir à ideologia
PG.215
do mercado e à cultura da escolha. Mesmo que deixemos de lado os valores da escolha,
pode-se também argumentar que os defen sores do mercado deixam de considerar as
implicações de importantes variações no acesso à escolha e o impacto dos custos da
escolha, além das diferentes capacidades para participar ou se beneficiar da cultura da
escolha — isto é, para “decifrar e manipular estruturas complexas” (Bourdieu & Passeron,
1990, p. 73). O mercado da educação pressupõe a “posse do código cultural exigido para
decodificar os objetos exibidos” (Bourdieu & Passeron, 1990, pp. 5 1-52). O mercado na
educação constitui um novo arbitrário cultural e estabelece um novo nexo entre o sistema
educacional e as classes sociais — um novo modo de articulação (Connell et alii, 1982).
Sob vários e interrelacionados aspectos, a ideologia do mercado, na verdade, funciona
como um mecanismo de reprodução de classe. Em primeiro lugar, ela pressupõe que as
habilidades e as predisposições para a escolha e o capital cultural que pode ser investido na
escolha são características que existem de forma generalizada na população. “No mercado,
todos são livres e iguais, diferenciados apenas por sua capacidade para calcular seu auto-
interesse” (Ranson, 1990, p. 15). Em segundo lugar, ela legitima as diferenças em relação
àquelas capacidades e disposições, ao rotular os que não escolhem ou escolhem mal como
“maus pais” — não se culpam nem as políticas nem os procedimentos, a culpa é de quem
não escolhe ou escolhe mal, ocultando-se as discriminações inscritas no próprio sistema,
pois “em matéria de cultura, a falta absoluta de sua posse exclui a consciência dessa falta”
(Bourdieu & Passeron, 1990, p. 210). Ao “impor o não-reconhecimento do arbitrário
dominante”, o mercado produz exclusão e desqualificação, através de uma retórica centrada
na possibilidade de as pessoas fortalecerem seu poder de decisão. Em terceiro lugar, o
mercado educacional coloca quem “escolhe mal” (em geral, alguém pertencente a um
grupo mino ritário) numa dupla situação de desvantagem, ao vincular a distribuição dos
recursos à distribuição das escolhas. Cria-se um sistema de exclusão e diferenciação que
reforça e amplia as vantagens relativas das classes médias e superiores na educação estatal.
O papel do capital cultural em relação à escolha é tanto geral quanto específico. Geral, no
sentido de que são exigidos certo
PG.216
tipos e quantidades de capital cultural para que a pessoa possa efetuar uma escolha ativa e
estratégica. Por exemplo: conhecimento das escolas locais; acesso às informações
relevantes e capacidade para lê-las e decifrá-las; capacidade para se envolver nas atividades
“promocionais” das escolas (como festas, materiais impressos e vídeos) e para decifrá-las;
capacidade para maximizar a escolha, ao “manipular o sistema” (como, p. ex., fazer
múltiplas matrículas, solicitar bolsas, etc.) e capacidade para se envolver em atividades que
envolvam uma apresentação positiva de si mesmo (p. ex., ao se encontrar com pessoas-
chave no processo de seleção). Específico, no sentido de que fazer escolhas “bem-
sucedidas” e conseguir a escola colocada como primeira preferência pode depender de um
envolvimento direto, assim como de uma defesa e uma busca ativas da escolha
estabelecida. Existem pontos-chave de articulação no processo de escolha nos quais certos
tipos de capital cultural são cruciais. Por exemplo, no caso de escolas com excesso de
procura de matrículas, a capacidade para abordar diretamente a escola ou para acompanhar
“recursos” iniciados através de processos legais (construindo um argumento eficaz). Whitty
et alii (1989), assim como Dale (1989), demonstram a mesma combinação de vantagem de
classe e de oportunismo de classe em situações similares de escolha. Dale (1989, p. 14)
argumenta que, no caso dos pedidos bem-sucedidos de matrícula nos City Technological
Colleges, “a obtenção de uma vaga para o filho é uma recompensa a um compromisso dos
pais com a família, com o auto-aperfeiçoamento, a capacidade de iniciativa e o
merecimento”.
A incapacidade ou a falta de inclinação para participar daqueles aspectos do processo de
“escolha” ou a ignorância em relação àqueles aspectos, entre certos grupos de classe,
representam uma forma daquilo que Bourdieu & Passeron (1990) chamam de “auto-
exclusão” — um processo baseado, talvez, na crença de que o sistema não funciona para
eles. Existe, além disso, uma outra dimensão da auto-exclusão e dos efeitos discriminatórks
da
5 Adler et alli (1989, pp. 144-154) descrevem, com detalhes impressionantes, as audiências de
recursos conduzidas na Escócia. As capacidades sociais e lingüísticas exigidas são claras. Há paralelos
entre isso e a análise que Moore & Davenport (1990) fazem dos pais “bem-sucedidos” como sendo
“advogados e negociadores” (p. 197).
PG.217
cultura da escolha. O sistema de escolha pressupõe um conjunto de valores que concedem
primazia à comparação, à mobilidade e ao planejamento de longo prazo, ignorando, por
outro lado, aquelas culturas que dão prioridade aos valores da comunidade e da localidade.
Os horizontes sociais e geográficos de comunidades estáveis podem ser limitados e a
proximidade e a história da escola local podem ser aspectos valorizados em si mesmos
(veja Bowe, Ball & Gold, 1992, e Ball et alii, 1992).
À medida que a diversidade das escolas se torna mais complexa e à medida que os
sistemas de inscrição e admissão se tornam mais intermediados e baseados num processo
de delegação, aumentam as dificuldades envolvidas em lidar com o sistema, as
possibilidades de “manipular o sistema” e as oportunidades de abuso. Tudo isso fica, outra
vez, evidente na análise que Moore & Davenport (1990) fazem do desenvolvimento de
nascentes sistemas de diversificação e escolha em Nova York, Chicago, Boston e
Filadélfia. Eles concluem que: “embora os teóricos da escolha da escola pública imaginem
sistemas de escolha nos quais estudantes com características diversificadas têm acesso igual
às escolas de sua escolha, esse ideal raramente corresponde aos fatos, nessas quatro
cidades” (p. 192; veja também HMI, 1990a). E, de forma importante, à luz do argumento
que venho desenvolvendo neste ensaio, eles assinalam que:
Os estudantes acabavam em diversos tipos de escolas secun dárias e programas,
como resultado de um complexo processo de admissão que incluía os seguintes
passos, os quais, às vezes, se sobrepunham: (1) recrutamento e coleta de
informações; (2) inscrição; (3) filtragem, (4) seleção das vagas, e (5) aceita ção
final do estudante. Investigar cada passo nesse processo faz ressaltar os muitos
pontos nos quais as exigências formais, as exigências informais, a liberdade de
decisão do pessoal encarregado da seleção e a iniciativa dos pais e dos estudantes
afetavam o resultado final, em geral em detrimento do pro cesso igualitário de
admissão [194]... Uma pesquisa baseada em entrevistas realizadas em Nova York...
confirmou uma observação que ouvimos consistentemente: a maioria dos
estudantes e dos pais não compreendia o processo de admis são à escola
secundária... Aquelas famílias que tiraram o tempo e tinham as conexões para
dominar suas complexidades
PG.218
estavam em situação de grande vantagem... Os consulto res da pesquisa
caracterizaram o processo de admissão como um processo no qual os pais
bem-sucedidos freqüentemente tiveram que atuar como “advogados e
negociadores” (p. 197).
É importante aqui registrar algumas das atuais diferenças que existem entre esses sistemas
dos Estados Unidos e o sistema do Reino Unido. Em primeiro lugar, os sistemas dos
Estados Unidos são mais fortes em termos de diversificação e mais fracos em termos de
escolha que o sistema do Reino Unido. Mas, certamente, nos Estados Unidos, nos lugares
em que existe um sistema de escolha, os pais de classe média tiram o maior proveito dele.
(Halsey et alii, 1980, p. 217, sugere que esse é um elemento recorrente do processo de
reforma educacional). Quanto à diversidade, a ausência de um currículo rigidamente
imposto, como no caso de Chicago pós-1988, por exemplo, combinado com um processo
de aumento do poder de decisão dos pais e com uma administração escolar descentralizada,
possibilita uma variação curricular entre escolas, assim como uma variação no processo
local de tomada de decisão em relação a questões curriculares. Em segundo lugar, o sistema
do Reino Unido é fraco em termos de fortalecimento do poder de decisão dos pais e em
termos de controle local. O sistema adotado no Reino Unido tem uma semelhança
superficial com esses sistemas estadunidenses (p. ex., com os Conselhos Escolares Locais,
em Chicago), mas se baseia num paradigma de controle empresarial e não num modelo
popular/participativo. O sistema do Reino Unido é mais forte em termos de controle
financeiro e mais fraco em termos de controle educacional que os seus correspondentes
americanos e estão mais limitados a questões de avaliação do desempenho do que com a
inovação e com a satisfação das necessidades dos estudantes. Tal como indicado, o
Governo Conservador, no Reino Unido, não confia na democracia local e favorece um
processo baseado na relação consumidor-escola. Concomitantemente, o sistema do Reino
Unido de Administração Local das Escolas (Local Management of Schools, LMS) está
centrado na gerência financeira, isto é, os diretores das escolas se tornam, primariamente,
voltados
PG.219
para a administração do orçamento, do mercado e da renda (veja Bali, 1992b).
Em terceiro lugar, o sistema de escola de mercado do Reino Unido não tem
qualquer compromisso com objetivos sociais de igualdade ou justiça; o Governo
Conservador está fortemente decidido contra essas noções. A maior parte dos sistemas
metropolitanos dos Estados Unidos tem importantes compromissos com essas questões,
como por exemplo, nos programas de dessegregação e no financiamento de programas
especiais dirigidos aos estudantes de baixa renda (como no caso de Chicago). De fato, a
direção da mudança nos processos de reforma é exatamente o oposto, nesse aspecto, nos
dois casos. No Reino Unido, o sistema de financiamento, fortemente baseado na quantidade
de matrícula, está reduzindo os fundos existentes destinados a programas especiais e, além
disso, novos fundos não estão sendo destinados a esses programas. Em contraste, em
Chicago, a reestruturação efetuada após 1988 teve o efeito de redirecionar os fundos
estatais do programa Chapter 1 para atender as necessidades dos estudantes de baixa renda.
“Começando no ano letivo de 1989-90, e durante três anos, 100% dos fundos do Chapter 1
continuarão com os estudantes aos quais foram inicialmente destinados” (Chicago School
Reform Act, 1988). Isso realmente está ocorrendo (Hess, 1992). Em relação ao
financiamento no Reino Unido, Lee (1991, pp. 24-25) registra:
Em outras palavras, os fundos para necessidades especiais estão sendo tanto reduzidos
quanto desconectados daqueles que têm essas necessidades. As destinações reais de fundos
para necessida
PG.220
des especiais são limitadas pelo governo e variam muito entre as diferentes Autoridades
Educacionais Locais.
CONCLUSÕES
De que forma, pois, devemos entender o mercado, numa perspec tiva sociológica? Por que
a alternativa do mercado tem atraído tanto apoio político tanto da esquerda quanto da
direita? Existe uma charada básica a ser enfrentada pelos sociólogos da educação, em
relação à análise das políticas baseadas na noção de escolha, uma charada que Orfield
(1989, p. 123, v. 2) expressa da seguinte forma: “Por que algumas políticas são vistas como
sucesso sem que haja evidências, enquanto outras são descartadas como fracasso mesmo
quando existem evidências de seu sucesso?”.
No debate sobre a escolha por parte dos pais, as questões relacionadas à definição dos
objetivos sociais da escola pública ficam obscurecidas, para dizer o mínimo. A solução de
mercado, de que a escolha satisfará tanto as famílias individuais quanto a nação, parece
pouco mais que um ato de fé. E necessário conceder muito mais atenção às relações entre
os desejos individuais e os interesses nacionais; assim como às relações entre eficiência e
qualidade e, em geral, àquelas entre os propósitos econômicos e os propósitos sociais da
educação. Boyd observou algum tempo atrás que: “as soluções são difíceis precisamente
porque o público deseja que as escolas públicas sejam simultaneamente eficientes,
eqüitativas e sejam capazes de responder prontamente às demandas dos consumidores”
(1982, p. 122). O mercado não resolve essa charada política. Além disso, existe uma certa
perversidade lógica nos argumentos que sugerem que as necessidades e as exigências
econômicas nacionais serão mais bem atendidas por um sistema de escolha individual e
desregulamentação que pelo planejamento estatal; a menos que aceitemos que essas
necessida des e exigências são satisfeitas “automaticamente” como sub-produtos das
“políticas públicas centradas na família”, ou seja, do “estado das famílias”. Entretanto, os
lobbies do Currículo Nacional nos Estados Unidos e no Reino Unido indicam que existe
uma falta de confiança política na tese do sub-produto. O que subjaz a essa tese é a
suposição de que as “necessidades” individuais (e nacionais) e os “desejos” individuais são
a mesma coisa. Mas não
PG.221
existe nenhum argumento claro na teoria do mercado que po sustentar essa equação. Como
vimos, no Reino Unido esse problema é resolvido com o Governo assumindo o papel de
articudor dos desejos dos pais, ao exigir que as escolas apresentam informações sobre o
mercado (Parents Charter, DES, 1991; 19 School Act). Já comentei a falta de
correspondência, registra nas pesquisas entre as concepções que o Governo tem de desejos
e os desejos tais como expressos pelos próprios pais.
Se existe tão pouca evidência para sustentar os argumentos feitos em favor do mercado e se
existe contra-evidências suficientes para que sejamos pelo menos moderamente céticos, por
qu tese do mercado continua atraindo tanta atenção por parte dos responsáveis pelas
políticas públicas? Clune (1990) argumer que:
a escolha pode servir como um poderoso meio de legitimação política, deslocando a
responsabilidade dos resultados sistema para seus clientes (p. ex., os estudantes e os pais
satisfazendo um dos clientes mais poderosos e exigentes educação, o empresariado
americano, e apresentando o sisi ma sob a fantasia da poderosa Ideologia Americana da sob
rania do consumidor e da competição empresarial (1990, 395, v. 2).
Na verdade, a oscilação não-problematizada, na teoria do merc do em educação, entre
necessidades e desejos propicia dois dif rentes modos de legitimação através do mercado:
uma mai liberdade e a elevação dos padrões nacionais. Além disso, como Weiss (1992) e
Clune (1990) argumentam, a substituição c planejamento estatal pelas forças do mercado
como o princípal organizador do sistema educacional propicia uma solução eficaz e
higiênica para a existente crise de legitimação na educação.
Acredito que essas constituem importantes razões, mas quero acrescentar o
argumento de que a escolha e o mercado fornece às classes -médias uma forma de reafirmar
as suas vantagens
6 Uma diferente solução para a charada das necessidades nacionais está r argumento de que a
inserção do mercado na educação fornece a base para un nova “correspondência” (Bowies & Gintis,
1975) entre a escola e sub-estruturas da economia pós-fordista (veja Bali, 1990a, Cap. 5).
PG.222
reprodutivas na educação, vantagens que têm sido ameaçadas pelo crescente processo
social democrático de homogeneização das escolas, pela reforma cultural do currículo (a
eliminação desse arbitrário cultural) e a diversidade de recursos para aqueles estu dantes
com maiores necessidades de aprendizagem e com maiores dificuldades. A escolha e o
mercado reafirmam aqueles privilégios que conferem aos privilegiados “o supremo
privilégio de não se verem como privilegiados” (Bourdieu & Passeron, 1990, p. 210).
Além disso, os diferenciais de classe do mercado estão entre laçados e vinculados com uma
divisáo que corre ao longo de eixos étnicos, religiosos e de gênero. Os dados de Moore &
Davenport (1990) mostram, de forma clara, os efeitos de exclusão dos sistemas de seleção e
de escolha, em termos de segregação e discriminação racial. Assim, o mercado fornece um
mecanismo para a reinvenção e legitimação da hierarquia e da diferenciação através da
ideologia da diversidade, da competição e da escolha. Moore & Davenport (1990, p. 221)
concluem que:
A estratégia da escolha na escolarização pública é uma forma de reforma cujos
defensores, até agora, fracassaram em provar que ela pode trazer a melhoria escolar
geral que é tão neces sária nas grandes cidades do país. A abordagem da escolha
tem riscos certos e benefícios duvidosos para os estudantes em situação de
desvantagem e, em geral, tem representado uma forma nova e mais sutil de seleção
discriminatória...
Os efeitos disso são discutidos por Whitty (1991), que argumenta que no Reino Unido, “as
atuais reformas parecem estar relacio nadas a uma versão da pós-modernidade que enfatiza
a distinção e a hierarquia no interior de uma ordem social fragmentada, em vez de uma
versão que positivamente exalte a diferença e a heterogeneidade” (p. 20). Whitty ainda
acrescenta que “isto terá conseqüências particulares para as populações predominantemente
negras e operárias que habitam as grandes cidades. Embora elas nunca tenham obtido uma
fatia justa dos recursos educacionais em períodos dominados por uma política social-
democrática, parece pouco provável que o abandono do planejamento, em favor do
mercado, vá fornecer uma solução” (pp. 19-20). David (1992) chega à mesma conclusão
numa cuidadosa revisão da literatura sobre pesquisas e sobre políticas públicas. Carlen et
alii
PG.223
(1992) pintam um quadro sombrio da crescente desigualdade de classe na educação, num
estudo sobre a escola e a assistência social nas Midlands, Reino Unido. De fato, temos que
entender o mercado como um sistema de exclusão.
Não estou sugerindo que todas as questões que levantei aqui são totalmente ignoradas pelos
teóricos do mercado ou pelos teóricos da escolha pública (especialmente não pelos
últimos), mas sugiro que, ao apresentar argumentos do tipo “ou isto... ou aquilo” em
relação à questão “monopólio público vs. mercados”, se ressaltam as deficiências
excessivamente generalizadas do pri meiro e, ao mesmo tempo, os idealizados pontos fortes
dos segundos. Escrevendo em 1982, Bill Boyd mostrou qual é o aspecto crucial — e ele
continua sendo crucial:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PG.227
8
Pablo Gentili
ADEUS À ESCOLA PÚBLICA
A DESORDEM NEOLIBERAL, A VIOLÊNCIA DO MERCADO
E O DESTLNO DA EDUCAÇÃO DAS MAIORIAS
Alguns meses atrás tive a oportunidade de coordenar um semi nário denominado “A
configuração do discurso neoconserva dor”, na Faculdade de Filosofia e Letras da
Universidade de Buenos Aires. Durante os primeiros encontros, havíamos discuti do
algumas questões relativas ao desenvolvimento estrutural da sociedade de classes
assinalando que, no capitalismo histórico, a acumulação de capital sempre implicou uma
tendência generali zada e crescente à mercantilização de todas as coisas.
Tal interpretação, derivada das contribuições formuladas por Immanuel Wallerstein,
implica reconhecer que a expansão e generalização do universo mercantil causa impacto
não apenas na realidade das “coisas materiais” como também na materialidade da
consciência. É assim que os indivíduos, na medida que introjetam o valor mercantil e as
relações mercantis como padrão dominante de interpretação dos mundos possíveis, aceitam
— e confiam— no mercado como o âmbito em que, “naturalmente”, podem — e devem —
desenvolver-se como pessoas humanas. No capitalismo histórico, tudo se mercantiliza, tudo
se transformam em valor mercantil.
Discutir estas questões em um curso de graduação costuma criar algumas
dificuldades de teor expositivo. E, em honra à verdade, o dia em que havíamos abordado
estes assuntos, um alto grau de abstração em nossa exposição nos havia impedido de
dedicar algum tempo à apresentação de certas referências empíricas que tornassem mais
compreensível a forma em que esta
PG.228
estratégias culturais dirigidas a quebrar a lógica do sentido sobre o qual esta escola (ou este
projeto de escola) adquire legibilidade para as maiorias. Nossa hipótese é a de que os
regimes neoliberais atribuem a esta última dimensão mais ênfase do que em geral — se
reconhece nas análises críticas. Isto é, o neoliberalismo só consegue impor suas políticas
antidemocráticas na medida em que consegue desintegrar culturalmente a possibilidade
mesma de existência do direito à educação (como direito social) e de um aparato
institucional que tenda a garantir a concretização de tal direito: a escola pública.
Não estamos ignorando aqui o valor e a importância que desempenham, na ofensiva
neoliberal, as estratégias políticas que permitem redefinir o cenário ou os cenários sobre os
quais este projeto efetivamente atua e realiza sua funcionalidade histórica. Pelo contrário, o
que nos interessa ressaltar é que esta reestruturação do cenário político, econômico e social
no capitalismo de fim de século é assegurado — ou tem maiores possibilidades de sê-lo —
uma vez que se produza uma reconversão qualitativa das formas culturais e ideológicas a
partir das quais se definem e interpretam as noções de “democracia” e “direito”.
O neoliberalismo, para triunfar — e em muitos casos o está fazendo —, deve
quebrar a lógica do senso comum mediante a qual se “lêem” estes princípios. Deve, em
suma, criar um novo marco simbólico-cultural que exclua ou redefina tais princípios
reduzindo-os a sua mera-formulação discursiva, vazia de qualquer referência de justiça e
igualdade.
A DESORDEM NEOLIBERAL
Muito se tem escrito acerca do neoliberalismo e não é nossa intenção insistir em reiterações
desnecessárias. De qualquer forma, interessa-nos destacar aqui um aspecto de fundamental
importância para compreender a natureza e o sentido que este projeto assume no contexto
mais amplo do sistema mundial: o neoliberalismo expressa uma saída política, econômica,
jurídica e cultural especifica para a crise hegemônica que começa a através da economia
do mundo capitalista como produto do esgotamento do regime de acumulação fordista
iniciado a partir do fim dos anos 60 e começo dos 70. O(s) neoliberalismo(s) expressa(m) a
necessidade
PG.230
de restabelecer a hegemonia burguesa no quadro desta nova configuração do capitalismo
em um sentido global.
A crise do fordismo — cenário a partir do qual se difunde e consolida esta
alternativa — pode ser definida e explicada em certos níveis específicos que a caracterizam
(Hirsch, 1992, pp.
27-35):
1. a crise da organização taylorista do trabalho;
2. a crise do Estado de Bem-Estar corporativista;
3. a crise do Estado intervencionista;
4. a crise ecológica;
5. a crise do “fordismo global”;
6. a crise do “indivíduo fordista”.
nova crise. Os períodos a que nos referimos se definem pela reformulação histórica da
dinâmica que caracteriza a acumulação de capital e, conseqüentemente, pelo
estabelecimento de un novo modo de dominação indissoluvelmente articulado a ela:
O caráter das diferentes formações que o capitalismo tem gerado no curso de seu
desenvolvimento histórico está definido por uma dada estratégia de acumulação,
um modelo de acumulação e uma estrutura hegemônica correspondente. Dizendo de
um modo mais simples, as crises estruturais de capitalismo historicamente ocorrem
quando, dentro do qua dro de um dado modelo de acumulação e uma dada estrutur
hegemônica, já não é possível mobilizar suficientes contra tendências à queda da
taxa de lucro e quando a conseqüenti valorização do capital requer uma
transformação capitalista. As crises seculares são então as crises de formações
social: integral, coerente e estruturalmente estabelecidas, crises de um “bloco
histórico” no sentido gramsciano, e sua função consiste em “revolucionar” essa
estrutura de tal modo que processo de acumulação possa de novo continuar sobre
um base social (Hirsch, 1992, p. 19).
A crise, neste sentido, é sempre uma crise global que causa impacto não somente sobre a
vida econômica mas também sobre a política, as relações jurídicas, a cultura, etc. E no
contexto mais ampi da crise do fordismo (e da necessidade estrutural de estabelecer
construir um novo modo de dominação) que as estratégias políticas e culturais do
neoliberalismo adquirem sentido. Longe de resultar na opção “natural” a tal processo de
recomposição, neoliberalismo constitui sua expressão histórica dominante cuja
funcionalidade consistirá, precisamente, em garantir o restabelicimento desta hegemonia
Nossas referências às dinâmicas de reforma estrutural pressi põem o
reconhecimento de que os períodos pós-crise implicam em numerosos desafios para a
classe dominante ou para as frações dela que hegemonizam o processo. Trata-se não apenas
de criar uma nova ordem econômica e política (tal como defendem altenativamente as
versões economicistas ou politicistas), mas também da criação de uma nova ordem cultural.
Assinalamos no início que os neoliberais atribuem a esta dimensão um papel
fundamemental
PG.232
A criação e recriação desta nova ordem cultural se sobrepõem a três traços característicos
do pós-fordismo. Ao mesmo tempo que dão sentido e coerência ao período, eles ganham
materialida de simbólica graças aos parâmetros interpretativo-ideológicos que o
neoliberalismo trata de impor. Seguindo aqui também as con tribuições de Hirsch, os
fatores que definem, em parte, a idiossin crasia do pós-fordismo são:
1. a organização pós-taylorista do trabalho;
2. o caráter estruturalmente dualizado da sociedade; e
3. o novo Estado autoritário pós-keynesiano.
Sobre o primeiro fator, não nos deteremos muito, já que fizemos algumas referências a ele
em outros estudos (Gentili, 1994a; Gentili, 1994b; veja-se também Frigotto, 1993).
Simplesmente, digamos que a organização pós-taylorista do trabalho tem implicado uma
mudança radical na estrutura de qualificações das empresas tanto como nas qualificações
requeridas para o desempenho dos novas e velhas funções no mercado de trabalho; uma
redefinição das formas produtivo-organizacionais vigentes; a mo dificação substancial dos
padrões de disciplinamento da força de trabalho e de reordenamento hierárquico na própria
empresa, etc. Em nossos estudos, indicamos que tais mudanças — ainda quando não
questionam os núcleos invariáveis que caracterizam a organização do trabalho nas
sóciedades de classes (monopólio do conhe cimento, divisão do trabalho manual e
intelectual, polarização e segmentação dos trabalhadores, etc.) — são de fundamental
importância para a compreensão das mudanças morfológicas que o capitalismo atravessa
em matéria produtiva no período atual (Gentili, 1994b).
O pós-fordismo também se caracteriza pela cristalização de um modelo social
fundado na dualização e na marginalidade crescente de setores cada vez mais amplos da
população. Vale neste caso a mesma observação que no ponto anterior: não é que o pós-
fordismo origine um processo inédito e desconhecido nas sociedades capitalistas. Pelo
contrário, nele potencializa-se o caráter estruturalmente dualizado que caracteriza
historicamente este tipo de sociedades. E o faz com uma peculiaridade nada desprezível em
matéria cultural: a transparência. As sociedades dualizadas — sociedades de “ganhadores”
e “perdedores”, de
PG.233
Ainda quando ideologicamente costuma ser apresentado como norma de igualdade (já que,
aparentemente, permite a mobilidade social em função de certos atributos que o indivíduo
joga e conquista “livremente” no mercado), o princípio do mérito é fundamental e
basicamente uma norma de desigualdade (Offe, 1976; Lo Vuolo, 1993). Como tal, consagra
a divisão social dualizada, ao mesmo tempo em que a transforma em uma meta a ser
conquistada. Semelhante esquema questiona a noção mesma de “cidadania” (ou melhor, dá-
lhe novo significado, esvaziando-lhe o conteúdo democrático). Assim sendo, também
descarta a necessidade de existência dos direitos sociais e políticos, os quais, no programa
neoliberal e neoconservador, só serviram para difundir um certo clima social de
acomodação e desrespeito pelo esforço e pelo mérito individual. A sociedade dualizada,
caracte rística do pós-fordismo, é uma sociedade sem cidadãos ou, se vale
PG.234
aqui a ironia, com alguns membros mais “cidadanizados” que outros. O que,
definitivamente, nega o sentido mesmo que a cidadania deveria possuir em uma sociedade
democrática. Daí que, em seus discursos, neoconservadores e neoliberais tenham maior
predileção pelas referências aos “consumidores” que aos “cidadãos”. Simplesmente porque
“consumidor” remete, sem tanta retórica, a um universo naturalmente dualizado e segmen
tado: o mercado. Mais adiante voltaremos a esta questão.
Não menos evidente e conhecida é a crise que atravessa o Estado de Bem-Estar,
como forma de ajustamento político idios sincrático do regime fordista. Vários autores têm
destacado este processo (Offe, 1990; Picó, 1987; Lo Vuolo & Barbeito, 1993; Whitaker,
1992; Pfaller, Gough & Therborn, 1993). Claus Offe, ao assinalar que este tipo de Estado
tem servido como “principal fórmula pacificadora das democracias capitalistas avançadas”,
identifica os dois componentes estruturais que o caracterizam:
...a obrigação explícita que assume o aparato estatal de prover assistência e apoio
(em dinheiro ou em mercadorias) aos cidadãos que sofrem necessidades e riscos
específicos da sociedade mercantil e também o reconhecimento do papel formal dos
sindicatos tanto na negociação coletiva como na formação dos projetos de governo
(Offe, 1990, p. 35).
Que forma de sistema político podemos esperar que siga o Estado keynesiano, que
se baseava no pleno emprego, em um bem-estar material crescente, sindicatos
fortes, um sistema de
PG.235
seguridade social desenvolvido, e que contava com um mc de regulação política
centralizado e corporativista media essencialmente pelos partidos sociais-
democratas? O Estado pós-fordista deverá basear-se nas estruturas sociais e
econômicas, assim como nas divisões e fragmentações sociais estão se
desenrolando como uma reação à crise do fordismo e deverá desenvolver formas de
regulação política que possibilitem, e até promovam, o estabelecimento de um no
modelo de acumulação e de sociedade (Hirsch, 1992, p. 4).
A VIOLÊNCIA DO MERCADO
No capitalismo histórico, mercado (e não somente o Estado) supõe sempre diversos graus
de violência e coação. Não existe sem a concomitante existência de mecanismos histórica
variáveis de violência, tanto de cáráter material quanto simbólico. O desenvolvimento e
ampliação crescente destes mecanismos é um dos atributos que traçam a direção assumida
pelas políticas neoliberais neste fim de século.
Assinalamos anteriormente que, além dos reducionismos interpretativos de presunção
conspirativa, o neoliberalismo expressa a necessidade de restabelecer a hegernonia
burguesa, apresentando-se como saída histórica para a crise da acumulação originada partir
do começo dos anos 70. A dinâmica aberta neste fodo foi caracterizada por alguns autores
como um processo
PG.237
de despolitização do capitalismo (Barros de Castro, 1991), cujo eixo fundamental é a
reimposição das regras mercantis sobre as da política. O que neoconservadores e
neoliberais questionam é, não apenas a aparente “ineficiência” do Estado para atuar no
terreno estritamente econômico (propondo desta forma as conhe cidas íórmulas privatistas e
des-regulamentadas), mas também a pertinência mesma da política como campo e esfera de
regulação do conflito social.
Nada disto é possível, claro, sem violência. A Nova Direita, para restabelecer o
ritmo da acumulação de capital (cuja queda evidente, tal como argumentamos, produz-se
com a crise do fordismo), deve priorizar a coação em detrimentos dos mecanismos de
legitimação que definiam a idiossincrasia mesma do Welfare State.
...as políticas de bem-estar social têm como objetivo lidar com problemas que eram
tratados por estruturas tradicionais como a família, a Igreja ou a comunidade local.
Quando tais estruturas se desmoronam, o Estado intervém para assi suas funções.
Neste processo, o Estado debilita ainda mais õ - que resta das estruturas
tradicionais. Surge daí uma necessi dade maior de assistência pública do que havia
sido prevista,
PG.239
e a situação piora, em vez de melhorar (Hirschman, 1992, 35).
A observação anterior unifica duas tradições filosóficas que independentemente de suas
coincidências, possuem especificid de própria: o conservadorismo e o liberalismo não-
democrático. Isto possui não poucos efeitos concretos nas políticas realizada pela Nova
Direita. Com efeito, enquanto na concepção feudal corporativa do conservadorismo,
qualquer forma de intervenção política sobre as estruturas de autoridade tradicional supõe
questionamento do caráter mesmo da ordem social vigente (Nis bet, 1987), para os liberais
de velho e novo cunho, estas entidade são a expressão mais “pura” dos interesses
individuais que devem ser livremente exercidos no mercado, sem o consabido perigo de
uma intromissão (política) externa que desvirtue a natureza da instituições e a função que as
mesmas desempenham no nível social. Referindo-se à dogmática conservadora, Nisbet
argumenta:
Se alguma coisa [ela] destacou [suas origens] é a neces sidade imperiosa de que o
Estado político evite tanto quant possível intrometer-se nos assuntos econômicos,
sociais morais; e, ao contrário, fazer tudo que for possível par estender as funções
da família, moradores e associações cooperativas voluntárias (Nisbet, 1987, p. 71).
Mas voltemos a nosso argumento original: o neoliberalismo, par impor sua lógica
implacável, precisa de uma nova ordem cultural A violência do mercado adquire, neste
contexto, uma extraordi nária materialidade.
De uma perspectiva radicalmente democrática, o mercado o espaço do não-direito.
“Consumir”, “trocar”, “comprar”, “vender” são ações que, ainda que amparadas em certos
direito5 identificam ou apelam aos indivíduos em sua exclusiva condição de
“consumidores”. Na retórica conservadora, ser “consumidor pressupõe um direito (em
sentido estrito) e uma possibilidade d ação de amplitude variável. No primeiro caso,
referimo-nos a direito de propriedade; no segundo, à possibilidade de comprar vender.
PG.240
Embora, como assinala C. B. Macpherson, o conceito de propriedade (e,
conseqüentemente, seu direito) tenha mudado ao (particularmente dentro das coordenadas
histó ricas do capitalismo), nas sociedades modernas de mercado tal conceito remete ao
estreito critério de um “direito individual exclusivo para usar e dispor de coisas materiais”
(Macpherson, 1991, p. 102). Semelhante reducionismo implicou em quatro modos de
estreitamento que definem o sentido que este conceito possui no capitalismo
contemporâneo:
1. a propriedade reduzida à idéia de propriedade material;
2. a propriedade como direito a excluir a outros do usufruto de algo;
3. a propriedade como direito exclusivo de usar e dispor de algo, o direito de vendê-lo ou
aliená-lo;
4. a propriedade como direito a coisas (inclusive aquelas que geram alguma renda).
Seguindo a interpretação de Macpherson, torna-se evidente que tais estreitamentos
conduzem, na sociedade de mercado, à produção e ao aprofundamento das desigualdades
de riqueza e poder, sendo incoerente e antagônica com os princípios que devem regular
uma sociedade democrática.
Esta é a inevitável conseqüência de converter tudo em propriedade exclusiva e de
jogar tudo no mercado. Isto é claramente incoerente com um dos princípios de uma
sociedade democrática, que, a meu ver, é o da manutenção da igualdade de
oportunidades para usar, desenvolver e desfrutar das ca pacidades que cada pessoa
possui. Os que devem pagar o acesso aos meios para usar suas capacidades e
exercer suas energias — e pagam transferindo a outros tanto o controle de suas
capacidades como parte do produto — essas pessoas, digo, vêem recusada a
igualdade no uso, desenvolvimento e desfrute de suas próprias capacidades. E, em
uma moderna sociedade de mercado, a maioria pertence a essa categoria.
[Considerando] em seu sentido estritamente moderno, o direito de propriedâde
contradiz os direitos humanos democráti cos (Macpherson, 1991, pp. 102-104).
PG.241
Se o conceito de igualdade (e, conseqüentemente, as políticas voltadas para tal fim) irritam
neoliberais e conservadores, não menos o fazem o próprio conceito de justiça e as políticas
de justiça social. Na perspectivaena pragmática da Direita o Estado só serve para onservar e
defender a propriedade desse direito. Em matéria educacional (e não somente nela), isto
tem um efeito interessante. A desigualdade e a discriminação educaional, assim como a
ausência de políticas democráticas voltadas para garantir o que aqui chamaríamos de justiça
distributiva do bem “educação”, formam parte de uma esfera de ação que sociedade (isto
é, o mercado) deve resolver sem interferência externa de nenhum tipo: a esfera da
caridade. Para isso existem a Igreja, as organizações comunitárias, as associações de
moradores e todo um conjunto de instituições descentralizadas (algumas delas de caráter
especificamente educacional) que devem funcionar sem a ingerência perniciosa dos
governos. A caridade, quando é realizada pelo Estado, denomina-se assistência social. E, na
perspectiva neoconservadora e neoliberal, esse tipo de ação gera maior desigualdade.
PG.242
aptos a tratar com a maioria dos problemas dos indivíduos. No entanto, passar por
cima destes grupos por meio do auxílio social dirigido diretamente a uma
determinada espécie de indivíduos é — argumenta o conservadorismo — um
convite imediato à discriminação e à ineficiência, uma maneira implacável de
destruir o significado desses grupos (Nisbet, 1987, p. 105-106).
Por outro lado, os que possuem educação (ou têm possibilidades de possuí-la), tampouco
devem sentir a pressão do Estado sobre suas costas, já que isto questiona o sentido mesmo
que a propriedade adquire nas sociedades de mercado. Nelas, a educação transforma-se —
apenas para as minorias — em um tipo especifico de o que supõe direito a possuí-la
materialmente, direito a usá-la e desfruta-la, direito a excluir outros de seu usufruto; direito
de vendê-la ou aliená-la no mercado; e direito de possuí-la como fator gerador de renda.
Em última instância, a opção pelo mercado formulada pela Nova Direita esconde,
além disso, um brutal despreso pela democracia e pelas conquistas democráticas das
maiorias. Para alguns autora, isto se reflete em novas formas de articulação política
orientadas por um processo de “des-democratização da democracia” ou, em outras palavras,
de constituição de democracias delegativas que encerram, em si mesmas, a negação de
qualquer princípio democrático-participativo de caráter equalizador (O’Donnell, 1991;
Weffort, 1992). Esta ofensiva antidemocrática revela o alto grau de despotismo político e
de autoritarismo que caracteriza os regimes neoconservadores e neoliberais.
Liberdade para a iniciativa privada; opressão para o manejo da coisa pública. O suposto
“anti-estatismo” dos modernos cruzados do neoliberalismo é, em realidade, um ataque
frontal à democracia que as classes e camadas populares souberam construir apesar da
oposição e da sabotagem dos interesses capitalistas. O que em verdade os preocupa do
moderno estado capitalista não é seu excessivo tamanho, nem o déficit fiscal, mas a
intolerável “presença das massas”, saturando todos os seus interstícios (...). A restauração
do “darwinismo social” e a declarada intenção de desmantelar o estado keynesiano —
aguçando o sofrimento das vítimas do mercado e
PG.243
A desordem neoliberal faz da violência do mercado uma das armas mais certeiras contra o
bem-estar das maiorias. Isto impõe as regras de um implacável processo de “seleção
natural” que, em sua macrovisão reacionária, expressa o grau mais perfeito de
desenvolvimento da especie humana.
PG.244
A presente ofensiva neoliberal precisa ser vista não apenas como uma luta em torno
da distribuição de recursos materiais e econômicos (que é), nem como uma luta
entre visões alternativas de sociedade (que também é), mas sobretudo,como uma
luta para criar as próprias categorias, noções e termos através dos quais se pode
definir a sociedade e o mundo. Nesta perspectiva, não se trata somente de denunciar
as distorções e falsidades do pensamento neoliberal, tarefa de uma crítica
tradicional da ideologia (ainda que válida e necessária), mas de identificar e tornar
visível o processo pelo qual o discurso neoliberal produz e cria uma “realidade” que
acaba por tornar impossível a possibilidade de pensar outra (Silva, 1994, p. 9).
PG.245
O tratamento por extenso destas duas dimensões merece um espaço de que não dispomos.
Entretanto, faremos aqui algumas breves referências (de caráter estritamente enumerativo)
de ambas as estratégias discursivas e das conseqüências políticas geradas por elas.
a. A qualidade como propriedade. Em um trabalho anterior, desenvolvemos o argumento
de que o renovado discurso da Nova Direita sobre a qualidade educacional surgiu como
reação e resposta ao já desvalorizado discurso da democratização, generalizado na América
Latina após os períodos de ditadura. Também enfatizamos que tal discurso tem-se
caracterizado por adotar o conteúdo definido pelos debates sobre qualidade no universo
produtivo. Identificamos este como um duplo processo de transposição, mostrando como
sua aplicação, em alguns casos concre tos (p. ex. Chile, Brasil e Argentina), conduz ao
aprofundamento das diferenças sociais instituídas na sociedade de classes, ao mesmo tempo
em que intensifica o privilégio e as ações políticas dualizantes (Gentili, 1994a).
Seguindo com a análise desenvolvida neste estudo, podemos acrescentar que, nos
discursos dominantes, a qualidade da educação possui, também, o status de uma
propriedade com atributos específicos. Com efeito, para neoconservadores e neoliberais, a
qualidade não é algo que — inalienavelmente deve qualificar o direito à educação, mas um
atributo potencialmente adquirível no mercado dos bens educacionais. A qualidade como
propriedade supõe, em conseqüência, diferenciação interna no universo dos consumidores
de educação (que em nossos países já não são todos), tanto como a legitimidade de excluir
outros (as maiorias) de seu usufruto. A qualidade, como a propriedade em geral, não é algo
universalizável. Na perspectiva conservadora, é bom que assim seja, já que critérios
diferenciais de concessão (e formas também diferenciais de aproveitamento do bem
educação) estimulam a competição, princípio fundamental na regulação de qualquer
mercado. Levado a extremos (e alguns tecnocratas neoliberais o levam), este argumento
reconhece que o Estado pouco ou nada pode fazer para melhorar a qualidade educacional
sem produzir o efeito perverso contrário: nivelar por baixo. Realmente, assim como a
intervenção político-estatal sobre o
PG.246
direito de propriedade questiona o sentido que este possui no ideário da Nova Direita, toda
intervenção externa que pretenda, em um sentido igualitário, “democratizar a qualidade”
atentará inevitavelmente contra um atributo que define a propriedade (educacional) dos
indivíduos. Que estes indivíduos sejam poucos ou, mais precisamente, que sejam só os
integrados ao mercado é — já o sabemos —apenas um detalhe.
A falta de qualidade (como a não disponibilidade de qualquer propriedade) não é um
assunto do Estado, e sim dos mecanismos de correção que funcionam “naturalmente” em
todo mercado; simplesmente porque o mercado é, ele mesmo, um mecanismo autocorretivo
(Ashford & Davies, 1992). A qualidade da educação como propriedade está sujeita a tais
regras e só ela, enquanto “propriedade”, pode constituir-se em algo desejável e conquistável
pelos indivíduos empreendedores. Ela se conquista no mercado e se define por sua
condição de não-direito.
b. A educação para o (des)emprego. A obsessão da Nova Direita pela integração do
universo do trabalho e do universo educacional se deriva de alguns princípios associados à
interpretação anterior. Na moderna sociedade de mercado, o emprego (como a educação de
qualidade) não é um direito, nem deve sê-lo. Esta redução da relação educação-trabalho à
fórmula “educação para o emprego” deriva-se quase logicamente tanto de uma série de
formulações apologéticas acerca do funcionamento autocorretivo dos mercados (em termos
gerais), como de uma particular interpretação acerca da dinâmica que caracteriza as novas
formas de competição e intercâmbio comercial nas sociedades pós-fordistas. O tema, claro,
é muito mais complexo e merece um tratamento detalhado que aqui não podemos
desenvolver. Entre tanto, assinalamos duas questões fundamentais:
1. A educação como direito social remete inevitavelmente a um tipo de ação associada a um
conjunto de direitos políticos e econômicos sem os quais a categoria de cidadania fica
reduzida a uma mera formulação retórica sem conteúdo algum. Partindo de uma
perspectiva democrática, a educação é um direito apenas quando existe um conjunto de
instituições públicas que garantam a concretização e a materialização de tal direito.
Defender “direitos” esquecendo-se de defender e ampliar as condições materiais
PG.247
que os asseguram é pouco menos que um exercício de cinismo. Quando um “direito” é
apenas um atributo do qual goza uma minoria (tal é o caso, em nossos países latino-
americanos, da educação, da saúde, da seguridade, da vida, etc.), a palavra mais correta
para designá-lo é “privilégio”.
Ora, a educação de qualidade como propriedade de (alguns) consumidores remete, pelo
contrário, ao exercício de um direito específico (o direito de propriedade) que só o pode
efetivar-se em um cenário caracterizado pela existência de mecanismos “livres” de
regulação mercantil. A propriedade educacional se adquire (se compra e se vende) no
mercado dos bens educacionais e “serve”, enquanto propriedade “possuída”, para competir
no mercado dos postos de trabalho (que definem a renda das pessoas também enquanto
direito de propriedade). Se isso não fosse logicamente assim, neoconservadores e
neoliberais se veriam obrigados a aceitar que a educação é algo mais que uma propriedade
e conseqüentemente, que poderiam — ou deveriam — ser aceitos mecanismos de
intervenção externos ao próprio mercado para garantir o acesso à mesma.
Embora seja esta a posição dominante, existem algumas nuances. Por exemplo
certas produções acadêmicas recentes reconhecem o valor da educação como propriedade
para competir no mercados flexíveis de trabalho mas, ao mesmo tempo, defendem —
enfaticamente — que ela também serve para competir no mercados políticos. Estas
posições dividem com as anteriores restrição do direito à educação como um simples
direito de propriedade, mas o estendem ao exercício do jogo político caracterizado pelas
normas reguladoras do funcionamento das democracias delegativas. Trata-se aqui da
necessidade de possui educação para exercitar uma “cidadania responsável”, que contribua
para a modernização da economia e oriente com eficiência a“compra” das melhores ofertas
eleitorais que, no mercado políti co, prometam realizar tal modernização (exemplo desta
posiçã encontra-se em CEPAL, 1992; e Namo De Melio, 1993). Ainda quando,
provavelmente, a segunda seja preferível à primeira ambas as posições tendem a
intensificar e legitimar os privilégio e os mecanismos de diferenciação social que
reproduzem un modelo que só beneficia os integrados, pondo à margem o excluídos.
PG.248
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PG.250
PG.251
Este ensaio foi produto das enriquecedoras discussões mantidas durante o seminário
Neoconservadorismo e Educação na Améri ca Latina, que coordenamos, juntamente com o
Prof. Tomaz Ta deu da Silva, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Porto Alegre) em maio de 1994. Agradeço aos participantes da quele encontro, assim
como a Tomaz, cujas reflexões são um es tímulo permanente à crítica teórica.
♦
PG.252
9
Daniel Suarez
O PRINCÍPIO EDUCATIVO DA NOVA DIREITA
NEOLIBERALÍSMO, ÉTICA E ESCOLA PÚBLICA
Neste artigo descrevo alguns dos traços que caracterizam o discurso político-
educativo neoliberal enquanto estratégia política de reforma cultural. Fundamentalmente,
aqueles que, articulados, dão sentido ao que denomino “o princípio educativo da Nova
Direita” e que, a partir daí, propõem um novo ordena mento ético e político da escolaridade
das maiorias. Sustento que, para fazê-lo, este conjunto mais ou menos coerente de
conceitos, valores, representações e imagens tem o objetivo de deslocar os conteúdos
culturais e políticos implicados nas noções modernas de\ “cidadania”, “bem comum”,
“democracia” e “educação pública” e substituí-los por outros, produzidos no quadro da
“ética do mercado do livre consumo”. Por sua vez, afirmo que esta substituição traz sérias
conseqüências no que diz respeito à estruturação do currículo e à possibilidade de construir
uma escola democrática e igualitária. Finalmente, esboço algumas proposições com o
objetivo de contribuir para a elaboração de um discurso pedagógico alternativo e crítico que
permita vincular o projeto e a prática política progressistas com valores democráticos
radicalizados.
A POLÍTICA EDUCACIONAL DA NOVA DIREITA
COMO POLÍTICA CULTURAL
Dentro do contexto teórico da tradição educacional crítica, existe um amplo acordo para se
considerar as políticas educacionais neoliberais como parte do programa de reconversão
econômica e social que certos grupos de poder têm empreendido no mundo capitalista
contemporâneo. Na América Latina, alguns autores
PG.253
têm realizado estudos destinados a explicar como, nos países região, as propostas de
reforma e as práticas políticas da No Direita se conjugam com as exigências econômicas de
qualificação-disciplinamento da força de trabalho nos processos produtivos flexibilizados
(Coraggio, 1992; Frigotto, 1994; Genti 1994a; Gentili, 1994c). Outros têm investigado suas
conseqüêcias político-institucionais e legal-administrativas sobre o aparato escolar
(Saviani, 1991; Paviglianiti, 1991), assim como o significado regressivo e antidemocrático
destas medidas sobre os processos de escolarização e educacionais em geral (Tamarit, 199.
Sirvent, 1992). Todos têm contribuído com algumas análise significativas para mostrar o
funcionamento silencioso e perverso do discurso da qualidade e da eficiência educacional
sobre economia política e a função social e pedagógica da escola pública.
Entretanto, muito poucos estudos têm estado voltados para compreensão da lógica
destas práticas e discursos político-educativos como parte de uma política cultural de
caráter global (Silv 1994b; Gentili, 1994b; Gentili, 1995). Ou seja, como sendo uma das
estratégias que os grupos de poder dominantes realizam com o fim de legitimar e difundir
uma seleção particular de conhecimentos, conceitos e valores próprios como se fossem os
únic ou, pelo menos, os melhores. Somente vinculando esse congl merado de proposições e
de fórmulas técnicas — em geral expressas num registro economicista e pretensamente
asséptico — para “a melhoria da qualidade da educação” com a obra de refoma cultural e
ideológica emprendida pela nova coalisão de direita possível visualisar seu sentido e
coerência programática. E também seus efeitos potenciais sobre as formas de entender,
julgar e operar no aparato escolar, sua administração, seus assunto processos pedagógicos e
sociais. Apesar da advertência sobre a necessidade de articular a pesquisa dos processos,
relaçõe práticas educacionais com categorias próprias dos estudos culturais críticos (Willis,
1993; Apple, 1994; Barbosa Moreira & Sil 1994), a agenda de temas dos educadores
progressistas latinoamericanos tem incorporado só muito recentemente a seus
questionamentos sobre o currículo a determinação da influência impacto desta “nova”
forma de entender o educacional sobre concepção e o desenvolvimento das práticas
escolares.
PG.254
PG.255
Sobretudo se é levado em conta que os processos de luta e conquistas obtidas constituíram
o fundamento e o cenário para formação de identidades e coletivos sociais que, em algumas
ocasiões, chegaram a questionar o sistema de dominação política e, em outras, até o próprio
ordenamento social e econômico evidenciando suas contradições, injustiças e
arbitrariedades.
Em outras palavras: para impor-se, a modernização conservadora precisa apagar da
memória coletiva o conflitivo processo d construção social de noções como cidadania, bem
comum, sol dariedade, igualdade, direitos sociais. Isto porque os conteúdos valores
associados a elas constituíram ancoragens simbólicas ef cazes para a conformação material
de atores sociais com força de negociação (partidos políticos, sindicatos, movimentos
cívicos) capacitados para produzir de maneira autônoma categorias conceitos mediante os
quais pensar, nomear, julgar e atuar na sociedade e no mundo. Esta luta pelo sentido da
representação do social adquire na atualidade maior dramaticidade (pode ser considerada,
sem exagero, uma verdadeira guerra cultural), na medida em que aquelas noções —
evidentemente ressignificada à luz dos novos tempos — são ainda instrumentos válidos
para desafiar o poder e pensar alternativas políticas viáveis.
Pelo que foi anteriormente exposto, a tarefa cultural assumida realizada pela Nova
Direita e por seus sócios (falo aqui fundamen taimente de muitos intelectuais-pedagogos
reconvertidos é,
PG.256
simultaneamente, destrutiva (negativa) e produtiva (positiva). Des trutiva porque está
empenhada em corroer e deslegitimar certos padrões culturais, axiológicos e de conduta
social, assim como em desqualificar e marginalizar os agentes sociais que os possuem e
fazem uso político deles. Produtiva porque supõe a criação, difusão e aceitação
generalizada de um novo senso comum, mesmo quando, no processo de construção
hegemônica, incorpo ra e dá novo significado aos conteúdos fragmentários do velho e
coopte al dos sentidos e interesses dos atores sociais vinculados a ele. Atendendo a esta
dupla lógica, pode-se afirmar que este projeto cultural constitui um processo de construção
hegemônica orientado a formar novas identidades sociais e culturais que sejam funcionais
com a ordem a instaurar. Os discursos e argumentos políticos são, sob esta ótica, geradores,
fundadores da realidade social, e não somente sua descrição ou reflexo mais ou menos
exato (Laclau & Mouffe, 1987).
Os ditames e proposições neoliberais e neoconservadoras se estruturam, desta
forma, em um processo de constituição simbólica do real, do desejado e do benigno que
não apenas sustenta uma determinada ordem de coisas mas que também, além disso, nega a
existência mesma de outras “realidades”, de outras possibilidades de representar o mundo,
seus objetos e relações (Silva, 1994). A Nova Direita busca, em síntese, delinear seu
próprio horizonte mediante a criação de novas categorias, significados e valores; e, no
mesmo movimento, apagar os traços de outros.
No campo educacional, o conjunto de discursos, propostas e práticas da nova
coalizão de poder — como momento estratégico da política cultural neoliberal — pode ser
resumido no que denomino princípio educativo da Nova Direita. Este conglomera do mais
ou menos orgânico de categorias, noções e valores institui uma série inédita de relações,
regras e procedimentos razoáveis e legítimos para a formação de novos sujeitos sociais,
políticos e, evidentemente, pedagógicos. Dispõe, além disso, de novos meios e dispositivos
culturais pelos quais pode reconstruir (e também destruir) os recursos e materiais
simbólicos a partir dos quais esses
PG.257
propostas. Neste sentido, ao mesmo tempo que “comunicam” sem conflitos, se convertem
em poderosas tecnologias de manipulação do afeto, do desejo e da cognição (Silva, 1994)
de amplos setores da sociedade que, por estarem total ou parcialmente marginaliza das (seja
material ou culturalmente) da escolarização, escapam a sua influência pedagógico-
disciplinadora.
Utilizar na análise o constructo princípio educativo é provei toso, além disso, pelo
fato de que não remete apenas à leitura crítica de propostas ou medidas político-
educacionais concretas e isoladas, identificáveis por si, tais como as referentes à
distribuição de recursos ou à chamada “descentralização administrativa” do sistema escolar.
Pelo contrário, implica considerar global e pon tualmente esses emprendimentos, em
consonância com um registro ideológico-cultural e axiológico dado, onde adquirem sentido
e, portanto, legibilidade, como passos ou momentos estratégicos dentro de um programa de
reforma mais abrangente. Através da análise desse princípio, torna-se possível entender a
ofensiva neoliberal como uma luta para criar e impor uma determinada visão do educativo,
de suas relações, práticas, sujeitos e espaços sociais e políticos, através do prisma de certas
categorias, noções e valores por meio dos quais nomeá-los e avaliá-los.
É ilustrativo, também, porque replica, em um âmbito específico, o educacional (em
seu sentido amplo), a dupla faceta da tarefa cultural da Nova Direita: ao mesmo tempo que
afirma, cria, recria e modela um novo sentido do educativo, nega, desqualifica e oculta
outros significados divergentes, considerados disfuncio nais em relação à nova lógica que
pretende impor como a única válida, razoável e legítima. A partir desse movimento
simultâneo de produção e de crítica, apresenta-se como conjunto de critérios que permitem
“modernizar a educação” e “ajustá-la às demandas colocadas pela sociedade” ou, o que dá
no mesmo, pelas exigên cias de qualificação-disciplinamento ditadas pelo mercado de
trabalho surgido de processos produtivos reconvertidos.
Entre os questionamentos que desenvolve, talvez o mais preciso e com maiores
implicações sobre a estruturação de uma nova “racionalidade educacional” seja o que
pretende apagar do imaginário social a idéia da educação pública como direito social e
como conquista democrática, parcialmente obtida após anos de
PG.259
lutas sob o slogan da igualdade de oportunidades e histórica vinculada com o processo
social de construção da cidadania. A tentatíva consiste em despojar a memória coletiva de
suas ancoragens histórico e retirar do senso comum das maiorias o interesse político que
atravessou as formas autogeradas de 0 de valores e conteúdos culturais referentes educação.
As persistentes alusões à fórmula que postula o “fim da história e das ideologias” (ou a
formatos discursivos semelhantes) adquire neste contexto específico um significado
retrospectivo recoloca a educação e a escola como espaços sociais naturalizados (isto é,
como dados agora e para sempre), neutros e imunes a toda política e/ou revisão histórica, o
debate acerca de sua funcionalidade em relação a determinadas (e assimétria relações de
poder fica assim mistificado pela aparente ingenuidade de certo imperativo tecnológico que
submete a ponderação dos fins à eficácia e ao rendimento dos meios. Ou, em outras
palavras, uma nova versão da “racionalidade instrumental” — desvaloriza da por sua
mimese direta e exclusiva de critérios e padrões econômicos — abre caminho e estabelece
limites para à discussão simplesmente técnica de uma problemática que é — e tem sido —
inerentemente política.
A contra-face criativa deste movimento é a afirmação da educação como uma
mercadoria a mais (ou melhor, a busca sistemática da expansão, de um campo específico do
social às das relações mercantis próprias do capitalismo). A proposta apresen ta os serviços
educacionais, livres de todo conteúdo e julgamen to políticos, como bens que se compram,
se vendem, se possuem, se consomem no contexto de um mercado educacional. Desde que
não seja regulado externamente e fique entregue à sua própria legalidade, este mercado
garantiria uma vasta e oferta de qualidade variada e a liberdade de escolha de seus
“usuários” ou “consumidores. Segundo seus mentores, as conseqüências benéficas desse
deslocamento seria, em primeiro lugar, a possibilidade de combater eficazmente a “crise da
escola” provocada por muitos anos de administração inoperante, a partir da j de critérios
empresariais de organização e gestão. Em segundo lugar — e como o do anterior —, a
ampliação e aprofundamento das condições de equidade e democracia que, até o momento,
o Estado não pôde oferecer, apesar
PG.260
de sua obstinada intervenção. Embora não seja possível identificar de forma direta o Estado
com a gestão e o controle públicos, nesta operação estas últimas noções aparecem
paradoxalmente contrastadas com as de bem comum, interesse coletivo e democracia. Além
disso, o mercado é colocado semanticamente como antípoda do Estado e é despojado da
coação e da violência supostas pelas relações assimétricas de poder econômico que se dão
em seu interior (Gentili, 1994b). Deste modo, as relações mercantil-educacionais
autorreguladas aparecem definidas como o terreno propício para modelar o interesse
individual que, a partir de um ilusório somatório de unidades discretas, redundaria em
benefício de todos. Ao mesmo tempo, são hipostasiadas como o âmbito ideal para fazerem
reinvidicações racionais e viáveis em questões de serviços educacionais classificados e
hierarquizados de acordo com índices de qualidade.
5 O estilo discursivo dos numerosos documentos e textos preparados por organismos de crédito e de
cooperação internacional (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, CEPAL, etc.), orientados a
promover e “recomendar” a “modernização” dos sistemas educacionais dos países em
desenvolvimento, é um dos exemplos mais ilustrativos desta transformação terminológica.
PG.262
impostos pelos grupos de poder instalados no Estado. Pouco a pouco, ao longo do século
XX — e sempre a partir das lutas democráticas dos setores sociais dominados — ela foi se
tornando repleta de conteúdos e valores que, sob a rubrica de uma série de direitos,
resguardaram os indivíduos e grupos desfavorecidos tanto da violência das relações
econômicas assimétricas estrutu radas por um mercado puro, como da injustiça das relações
políticas estabelecidas pelo modelo de dominação oligárquica. Em primeiro lugar, a noção
de cidadania foi marcada por um conjunto de direitos políticos individuais que, de maneira
progressiva, foi dando novo significado à natureza e aos alcances democráticos do espaço
público. Este processo, iniciado com declarações formais acerca da igualdade dos homens
perante a lei, continuou com a conquista do sufrágio “universal” dos varões e se fechou
com a incorporação das mulheres ao voto e, por meio dele, à vida política. Logo, foi
anexado um conjunto de direitos coletivos mediante os quais os grupos sociais que
constituíam as coletivida des nacionais foram autorizados a formar associações
representativas legitimadas (partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e cívicos)
para lutar pelos direitos de cada setor. Finalmente, outro grupo de direitos sociais encerrou
a moderna designação de cidadania ao oferecer uma base legal que garantisse a vida digna
de todos os habitantes do território e que minimizasse as conse qüências perversas e
antidemocráticas (miséria, pobreza e marginalidade) das relações econômicas do
capitalismo.
Tenta-se destruir a imagem coletiva de uma sociedade de cidadãos que, em virtude de seus
direitos, negocia e luta por seus interesses de grupo e pela democratização da vida
econômica e social na arena política, em favor da imagem de uma sociedade sem cidadãos
e de consumidores em competição. Ainda que a “ética do consumo” prometa um universo
de livre escolha (de escolhas racionais e autônomas) para os indivíduos-consumidores, ao
desconsiderar e ocultar as desigualdades e assimetrias envolvidas nas relações de poder e
ao apagar o quadro que regula
6 Novamente, em alguns documentos amplamente difundidos de organismos internacionais,
argumenta-se a favor das vantagens que supôe o que se denomina “moderna cidadania”. Entretanto, de
“moderna” resta pouco, já que se suprime toda a consideração ao conflito e à política — temáticas
prediletas da modernidade. Assim despojada, seria melhor chamá-la — ainda que soe paradoxal —
“cidadania para o mercado”
PG.263
escola. Sobretudo a partir da constatação da tradição crítica de que o currículo pode ser
considerado como um terreno de produção e criação simbólica e cultural que,
conseqüentemente, atua como uma unidade geradora de sentidos, significados e sujeitos
(Suárez, 1995; Barbosa Moreira & Silva, 1994).
Em princípio, os projetos curriculares podem ser entendidos como objetos culturais,
produzidos mediante a tradição seletiva (Williams, 1980) de um dado grupo social que, em
função de relações de poder favoráveis, prioriza a inclusão hierarquizada de certos
conteúdos e valores (próprios) como se fossem objetiva e universalmente válidos e
legítimos, em detrimento de outros (alheios), aos quais desqualifica ou ignora: é aí que o
princípio educativo opera, enquanto vontade cultural que se impõe em virtude de certa
violência simbólica, de modo criativo e destruti vo. Por isso, o currículo também pode ser
entendido como um instrumento de política pública e sua formulação pode ser vista como o
resultado sintético de um (oculto) processo de debate ou de luta entre posicionamentos
pedagógicos, sociais e políticos muitas vezes opostos e antagônicos.
Pode-se compreender assim como a tradição seletiva que estrutura e organiza o
currículo cumpre um papel central na tradução da política cio conhecimento oficial (Apple,
1994) nos contextos escolares. E a correia de transmissão da estratégia (de reforma) cultural
dominante em direção a âmbitos microssociais específicos, destinados a materializar o
processo de construção
PG.265
hegemônica, mediante a conformação de subjetividades de acordo com os interesses e o
projeto político global dos grupos de poder. Os conhecimentos, valores, regras, recursos e
normas de compoi tamentos definidos pelo currículo oficial configuram, ainda qu sempre
de maneira contraditória e conflitiva, um mandato soci lizador que, ao interpelar
pedagógica e ideologicamente os suje tos, os constitui e os habilita instrumentalmente para
perceber atuar em um dado universo significativo8.
O mandato socializador do currículo representa, desta forma a versão escolarizada
do princípio educativo dominante. Mas, po outro lado, a força socializadora do currículo
nunca se afirma imprime impune e diretamente sobre os sujeitos. Esses opõer leituras
diferenciadas e mediações a essa transmissão (e, em algun casos, inclusive resistências)
fundadas em suas próprias forma culturais ativas de autoconstrução (Willis, 1993). O
resultad deste processo (isto é, a constituição dos indivíduos) envolve compromete
necessariamente a capacidade criativa e interpretativa dos agentes em formação como um
dos momentos definido res da identidade coletiva e individual. As experiências da vida
grupal (étnica, de classe, de gênero, de geração, etc.), as reminiscências de certos aspectos
da própria biografia, fragmentos d memória social e histórica e, inclusive, certos conteúdos
culturai incorporados sob a forma de capital cultural são elementos que consciente ou
inconscientemente, exercem um papel significativ na representação e atuação do currículo.
Não obstante, o currículo oficial constitui o script em relação ao qual os atores
representarão seus papéis, delimitando o espaçc do possível e do desejável. Ou, em outras
palavras: ainda que o desenvolvimento efetivo das práticas escolares (sociais, culturais.
pedagógicas) prescritas pelo currículo oficial implique sempre a existência (paralela) de um
currículo representado, atuado e vivido (Suárez, 1994) — que supõe a atuação criativa e
relativamente autônoma dos atores escolares —, como instrumento da política cultural
oficializada, é o mandato socializador dominante o que configura e regula o espaço social e
pedagógico de co-presença
PG.266
(relações face-a-face) no qual intervêm com relativa eficácia e silenciosamente as
determinações políticas e culturais hegemônicas das integrações maiores. A posição que
ocupam os adultos qualificados (professores) para a reprodução e transmissão de uma
seleção particular e arbitrária (social e histórica) de uma cultura, os modos considerados
legítimos para fazê-lo e avaliá-lo, a posição das crianças-alunos no contexto de diversas
situações de ensino (relativamente) controladas, as relações entre ambos, as relações destes
com o conhecimento válido e legítimo (oficial), com os valores, são apenas alguns dos
aspectos da vida cotidiana escolar que aparecem marcados pelos sentidos contidos nesses
artefatos normativos de regula ção política e moral.
Pode-se dizer, então, que os movimentos dos indivíduos para constituir
autonomamente sua identidade social e pedagógica dentro das margens institucionais da
escola são direcionados e controlados pelas afirmações e sanções culturais, ideológicas e
axiológicas que estabelecidas pelas definições curriculares oficiais. Na medida em que a
ética do livre mercado e do consumo consiga penetrar o sentido do currículo, o fundamento
mesmo das práticas escolares será transformada pela predominância das mercadorias
culturais e pelas relações sociais e pedagógicas que estas determi nam. Por isso, a luta por
uma definição coletiva do currículo — isto é, pela democratização dos critérios de seleção,
classificação, hierarquização e organização de conhecimentos e de valores a incluir no
currículo — é, antes de tudo, uma luta política e ética.
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♦
PG.270
10
Micheael W. Apple & Annita Olliver
INDO PARA A DIREITA
A EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO
DE MOVIMENTOS CONSERVADORES
Por todo o país (Estados Unidos), os conservadores têm forma do organizações nacionais
para lutar contra o “conhecimento oficial” das escolas. Essas organizações com freqüência
alcançam grupos locais de “cidadãos preocupados” e oferecem assistência financeira e legal
em suas batalhas contra os sistemas escolares, nos níveis estadual e local. Os grupos
Citizens for Excelience in Education, Eagle Forum, Western Center for Law and Religious
Freedom e Focus on the Family estão entre os mais ativos. Além disso, Mel e Norma
Gabler desenvolveram um sistema de oposição que auxilia pais e grupos de direita em todo
o país nas suas tentativas de desafiar as práticas e políticas educacionais e de mudar o
conteúdo dos livros ou tirá-los das escolas. A “Direita Cristã” se tornou um movimento
poderoso que cresce nos Estados Unidos, um movimento que tem conseqüências
importantes para deliberações sobre política educacional, currículo e ensino (Del fattore,
1992).
Pode ser tentador ver a marca dessas organizações em todos os lugares. Na verdade, este
seria um erro grave, não apenas empiricamente, mas também conceitual e politicamente.
Embora haja intenções em jogo, não podemos ver os movimentos direitis tas de forma
apenas conspiratória. Se fizermos isso, não só reduziremos a complexidade que circunda a
política de educação, mas nos refugiaremos em oposições binárias de bom e mau. Desse
PG.271
modo, ignoraríamos os elementos de possível lucidez contidos ei ilgizns grupos de opos4ão
(até mesmo os de direita) e ignoraríamos também os lugares onde poderiam ter sido
tomadas decisões que não contribuíssem para o seu crescimento.
A questão básica desta pesquisa é: como a direita religiosa cresce? Sustentamos que isto só
pode ser completamente com preendido quando enfocamos as interações, que muitas veze
ocorrem num nível local, entre as instituições do estado e as vidas diárias de pessoas
comuns.
De forma alguma desejamos minimizar a implicações de crescimento dos movimentos
sociais de direita. Na verdade, restauração conservadora está tendo influências
verdadeiramente negativas nas vidas de milhões de pessoas em vários países (Apple 1993a;
Katz, 1989; Kozol, 1991). Em vez disso, queremos da uma visão mais dinâmica de como e
por que tais movimento realmente são vistos como atraentes. Com muita freqüência, a
análises atuais não só tomam como dado precisamente aquilo que tem que ser explicado,
mas colocam toda a culpa pelo crescimento das posições de direita sobre as pessoas que “se
tornam direitistas”. Ninguém dá atenção aos conjuntos maiores de relações qu podem
impelir as pessoas em direção a uma posição mais agressivamente de direita. E exatamente
este nosso argumento. A pessoas muitas vezes “se tornam direitistas” devido às suas intera
ções com instituições insensíveis e indiferentes. Desse modo, parte de nosso argumento é
que há uma íntima ligação entre a forma como o estado está estruturado e age e a formação
de movimento e identidades sociais.
No que se segue, combinamos elementos de análises neo gramscianas com elementos de
análises pós-estruturais. Nosso objetivo é, em parte, demonstrar como as primeiras —com
sei foco no estado, na formação de blocos hegemônicos, em nova alianças sociais e na
geração de consentimento — e as últimas — com seu foco no local, na formação da
subjetividade e da identidade e na criação de posições-de-sujeito — podem ser utilizada de
maneira criativa e conjunta para iluminar elementos crucial da política da educação (Curtis,
1992). Subjaz a essa análise uma posição particular sobre a direção que a pesquisa crítica
deveria tomar.
Em outras publicações, um de nós argumentou que em grande parte da literatura crítica
atual “nossas palavras adquiriram asas”. Acrescentamos cada vez mais camadas teóricas,
sem chegar nunca a tratar com seriedade as complexidades reais e existentes da
escolarização. Isso não é um argumento contra a teoria. Na verdade, significa assumir a
posição de que nossas eloqüentes abstrações ficam extremamente enfraquecidas se não
tiverem como referência o suposto objeto dessas abstrações — a escolarização e suas
condições econômicas, políticas e culturais de existência. Nesse sentido, é bom que nos
deixemos tocar pelo cotidiano que envolve a política das instituições educacionais. Na
ausência disso, muitos “teóricos críticos da educação” cunham certos neologismos que
ficam em moda, mas permanecem por demais desligados das vidas e lutas de pessoas e
instituições reais (Apple, 1988). Neste ensaio, esperamos superar essa tendência.
FORMAÇÕES “ACIDENTAIS”
Como afirmam Whitty, Edwards e Gewirtz, em sua análise do crescimento de iniciativas
conservadoras tais como as faculdades locais de tecnologia na Inglaterra, as políticas
direitistas e suas consequências nem sempre são o resultado de iniciativas cuidadosamente
planejadas (Whitty, Edwards & Gewirtz, 1993). Muitas vezes elas têm um caráter acidental.
Isso não significa dizer que não haja intencionalidade. O que queremos dizer é que as
especi ficidades históricas das situações locais e as complexidades das múltiplas relações de
poder em cada local fazem com que as políticas conservadoras sejam altamente mediadas e
tenham con sequências inesperadas. Se isto acontece em muitos casos de tentativas
explícitas de levar a política e a prática educacionais para uma direção conservadora, é
ainda mais verdadeiro quando examinamos a forma como sentimentos direitistas crescem
entre atores locais. A maioria das análises sobre a “direita” pressupõem uma série de coisas.
Com muita freqüência, elas pressupõem um movimento ideológico unitário, vendo-o como
um grupo relati vamente sem contradições, ao invés de vê-lo como um conjunto complexo
de diferentes tendências, muitas das quais estão numa relação tensa e instável umas com as
outras. Muitas análises também consideram “a direita” como um “fato”, como algo dado.
PG.273
Nessas perspectivas ela pré-existente como uma força de estrutura çâo compacta que é
capaz de fazer incursões no cotidiano e em nossos discursos, de forma bem planejada. Essa
forma de análises toma como dada precisamente a questão — uma das mais importantes —
que precisa ser investigada como a direita se forma?
Em um trabalho anterior, argumentamos que as política direitistas são feitas, muitas
vezes, de compromissos tanto entre direita e outros grupos quanto entre as várias tendências
dentro da aliança conservadora. Assim, os grupos religiosos fundamentalistas, os populistas
os autoritários, os neoliberais, os neoconservadores e uma fração particular da nova classe
médi encontrar todos, um lugar sob o guarda-chuva ideológico (fornecido pelas amplas
tendências de direita. Também mostramos como os discursos conservadores agem de
maneiras criativas par desarticular conexões anteriores e rearticular grupos de pessoas nesse
movimento ideológico mais amplo, ao fazer conexões con as esperanças, medos e
condições reais do cotidiano das pessoas e ao fornecer explicações aparentemente
“sensatas” para os problemas atuais pelos quais as pessoas estão passando (Apple 1993a;
Apple, 1993b). Entretanto, isto também dá a impressão de que o criativo projeto
educacional no qual a direita est engajada — convencer um número considerável de
pessoas assunirem à aliança mais ampla —abre seu caminho, no nível local a passos
planejados e racionais. E possível que não seja bem assim.
Queremos argumentar que, em muitos casos, experiências e acontec muito mais
mundanos subjazem no nível local, à virada direitista. Embora a direita esteja realmente
engajada em esforços planejados para levar nossos discursos e práticas para direções
particulares seu êxito em convencer as pessoas depende daquilo que Whitty, EdwardS e
Gewirtz chamaram de “acidentes”. Naturalmente, os “acidentes” muitas vezes obedecem a
um padrão e são, eles próprios resultados de relações complexas de poder. Mas o
argumento continua válido. A aceitação de tendências conservadoras nem sempre obedece
a formas planejadas de convencimento e pode envolver tensões e sentimental contraditórios
entre as pessoas que, ao fim acabam se tornando conservadoras.
PG.274
Descreveremos, primeiramente, o conjunto de suposições, medos e tensões que subjazem à
direita cultural e religiosa nos Estados Unidos. Então, que as formas pelas quais o estado
burocrático têm-se desenvolvido estão idealmente feitas para confirmar esses medos e
tensões. Em terceiro lugar, exem plificaremos esses argumentos focalizando um caso
específico, no qual uma controvérsia sobre livros didáticos levou à formação de
sentimentos direitistas numa comunidade local. Por fim, quere mos sugerir algumas
implicações importantes desta análise para a política da educação e para os esforços de
oposição ao crescimento de movimentos de ultra-direita na educação.
UM MUNDO PERIGOSO
Há uma história contada por uma professora sobre uma discussão que surgiu em sua turma
de escola primária. Alguns/algumas estudantes estavam conversando, de forma bastante
agitada sobre algumas “palavras sujas” que tinham sido rabiscadas na parede de um prédio
durante o Dia das Bruxas (Halloween). Mesmo depois de a professora ter pedido às
crianças que se preparasem para sua lição de linguagem, a maioria delas continuou a falar
sobre “aquelas palavras”. Como geralmente acontece, a professora percebeu que isto não
poderia ser totalmente ignorado. Ela perguntou a seus/suas alunos/as o que tornava as
palavras “sujas”. Isto provocou uma longa e produtiva discussão entre aquelas crianças de
2ª série sobre como certas palavras eram usadas para magoar as pessoas e como “isto não
era muito correto”.
Durante toda a discussão, um garoto não tinha dito nada, mas era evidente que
estava profundamente envolvido em ouvir. Finalmente, ele levantou a mão e disse que
conhecia “a palavra mais suja do mundo”. Estava constrangido demais para dizer a palavra
em voz alta (e também sabia que seria inadequado até mesmo proferi-la na escola). A
professora pediu-lhe que viesse mais tarde e sussurrasse a palavra em seu ouvido. Durante
o
1 Essas suposições talvez não sejam totalmente as mesmas em outras nações, especialmente com
respeito à força relativa do fundamentalismo religioso. Além disso, não há uma concordância absoluta
entre todos os segmentos da direita cultural e religiosa. Para facilitar a apresentação aqui, entretanto,
desconsideramos essas diferenças, ao menos por enquanto.
PG.275
intervalo, ele se aproximou da professora, colocou sua cabeça perto da dela e,
silenciosamente, secretamente, disse “a palavra”. A professora esforçou-se para não romper
em gargalhadas. A palavra suja, a palavra que jamais poderia ser proferida, era
“estatística”. O pai do menino trabalhava para uma estação de rádio local e toda vez que as
pesquisas de audiência eram divul gadas ele dizia com raiva: “Essas malditas estatísticas!”
O que poderia ser mais sujo?
Para um grande número de pais e ativistas conservadores, outras coisas são muito
mais “sujas”. Discussões sobre o corpo, sobre a sexualidade, sobre a política e sobre
valores pessoais ou sobre quaisquer das outras questões sociais em torno desses tópicos
constituem uma zona de perigo. Trabalhar com elas numa escola, seja qual for a maneira,
não é uma coisa sensata. Mas, se, de qualquer forma, vão ser trabalhadas, esses ativistas
conservado res exigem que isso seja feito no contexto das relações tradicionais de relações
de gênero, da família nuclear, da economia de” livre mercado “ e de acordo com textos
sagrados como a Bíblia.
Tomemos a educação sexual como exemplo. Para os conservadores culturais, a
educação sexual é uma das formas extremas do “humanismo secular” nas escolas. Ela é
atacada pela Nova Direita como uma forte ameaça ao controle que os pais possuem nas
escolas e também por ensinar valores que “não são tradicionais”. Para a coalizão de forças
que compõem a Nova Direita, a educação sexual pode destruir a moralidade familiar e
religiosa, “ao encorajar a masturbação, o sexo antes do casamento, o sexo em excesso, o
sexo sem culpa, o sexo por prazer, o sexo homossexual, o sexo”(Hunter, 1988, p.63). Esses
grupos a vêem como educação para o sexo e não sobre sexo, o que criará uma obsessão que
pode anular a “moralidade cristã” e ameaçar os papéis sexuais determinados por Deus
(Hunter, 1988). Estes foram elementos importantes na intensa controvérsia sobre o
Rainbow Curriculum, na cidade de Nova Jorque, por exemplo, e certamente contribuíram
para os bem sucedidos movimentos para demitir o secretário de educação da cidade. A
visão dos papéis de gênero que há por detrás desses ataques é impressionamte. Allen
Hunter, um dos observadores mais perceptivos da agenda conservadora, argumenta que a
Nova Direita
PG.276
vê a família como uma unidade orgânica e divina que “determina o egoísmo masculino e a
abnegação feminina.”(Hunter, 1988, p.lS). Como ele diz:
Uma vez que o sexo é divino e natural ... não há qualquer espaço para um conflito político
legítimo... Dentro da família, mulheres homens — estabilidade e dinamismo —estão
harmoniosamente fundidos desde que não sejam perturbados pelo modernismo, pelo
liberalismo, pelo feminismo e pelo humanismo, que não só ameaçam a masculinidade e a
feminilidade diretamente, mas também através de seus efeitos sobre as crianças e os jovens.
..“Mulheres verdadeiras’, isto é, mulheres que vêem a si mesmas como esposas e mães, não
ameaçarão a santidade do lar buscando sua independência. Quando homens ou mulheres
desafiam esses papéis sexuais, eles rompem com Deus e com a natureza; quando os
liberais, as feministas e os humanistas impedem que eles cumpram esses papéis, estão
enfraquecendo os alicerces divinos e naturais sobre os quais a sociedade se apóia.
Tudo isso está relacionado com a sua visão conservadora de que a própria escolarização
pública é um local de grande perigo (Apple, 1994). Nas palavras do ativista conservador
Tim La Haye, “a educação pública moderna é a força mais perigosa na vida de uma
criança: religiosamente, sexualmente, economicamente, patrioticamente e fisicamente”(La
Haye, cit. in: Hunter, 1988, p.S7). Isso está ligado ao sentimento de perda que o
conservador cultural tem em relação à escolarização e à comunidade.
Até recentemente, na perspectiva da Nova Direita, as escolas eram extensões do lar e da
moralidade tradicional. Os pais podiam confiar seus filhos às escolas públicas, uma vez que
elas eram controladas localmente e refletiam valores bíblicos
2 É importante não ver tais posições como simplesmente “irracionais”. Para muitas mulheres da
direita, por exemplo, tal opinião é totalmente sensata, dadas as condições em que vivem. Joan Sherron
DeHart compreende isso de forma correta quando declara que “devemos ver os protestos de mulheres
antifeministas como respostas racionais de pessoas que vivem num mundo intensamente classificado
pelo gênero e profundamente precário — um mundo onde identidade, legitimidade social, viabilidade
econômica e ordem moral estão profundamente enraizadas em categorias convencionais de gênero”
(DeHart, 1991, p.26l).
PG.277
e paternos. Entretanto, tomadas por forças elitistas e aliení genas, as escolas agora se
interpõem entre os pais e os filhos. Muitas pessoas sentem a fragmentação da unidade entre
a família, a igreja e a escola como uma perda do controle da vida cotidiana, dos seus filhos
e da América. Na verdade, a Nova Direita afirma que o controle da educação por parte dos
pais é um princípio bíblico, pois “no plano divino, a responsabilidade básica de educar os
jovens cabe ao lar e, diretamente, ao pai”. (Hunter, 1988, p.57).
Pode-se ver aqui claramente, por que, a educação sexual se tornou uma questão
fundamental para os movimentos conservadores. Sua existência mesma, e especialmente
seus impulsos mais pro gressistas e francos, ameaçam elementos cruciais da visão de
mundo desses pais e ativistas.
Naturalmente, questões sobre sexualidade, gênero e corpo não são o único foco de
atenção dos conservadores culturais. Essas preocupações estão ligadas a uma gama muito
maior de questões sobre o que constitui o conteúdo escolar “legítimo”. E nessa arena mais
ampla de preocupações sobre o conhecimento escolar que os ativistas conservadores
conseguiram algum êxito em pressionar os editores de livros didáticos e também alterar
certos aspectos das políticas estaduais de educação. Isto é importante, uma vez que o livro-
didático ainda continua sendo a definição dominante do currículo nas escolas, não só nos
Estados Unidos, mas em muitas outras nações (Apple & Christian-Smith, 1991).
Por exemplo, a força desses grupos pode ser vista na “auto- censura” adotada pelas
editoras. Dessa forma, por exemplo, algumas editoras de antologias literárias para a escola
secundária têm concordado em incluir o discurso 1 Have a Dream de Martin Luther King,
mas só depois de retirar qualquer referência ao intenso racismo existente nos Estados
Unidos (Dalfattore, 1992, p. 123).
Um outro exemplo é dado pela lei do livro didático no Texas, a qual obriga a
utilização de livros-didáticos que enfatizem o patriotismo e a autoridade e desestimulem a
“contestação”. Como a maioria das editoras de livros didáticos planeja o conteúdo e
organização de seus livros de acordo com o que é aprovado num pequeno número de
estados populosos, que em essência aprovam
PG.278
e compram seus textos em todo o estado, isto dá ao Texas (e à Califórnia) um imenso poder
na determinação do que será considerado como conhecimento legítimo em todo o país
(Apple, 1988; Apple, 1993a; Apple & Christian-Smith, 1991).
Citando a legislação do Texas sobre livros didáticos, o autor de um recente estudo descreve
essa controvérsia da seguinte forma:
Entretanto, não é apenas a posição da família como fonte de autoridade moral que é
importante neste caso. A família e seus tradicionais papéis de gênero exigem que “as
pessoas ajam em
PG.279
favor do bem-estar geral”, ao moderar a busca do que é tão importante no (supostamente)
mundo público masculino (Klatch, 1987, pp.28-9). Rebecca Klatch observa que:
Está implícita nessa imagem da família a concepção conser vadora social da natureza
humana. Os seres humanos são criaturas de apetites e j ilimitados. Deixados à sua própria
vontade, eles transforma o mundo num caos de paíxõeS insaciáveis, assolado por um
egoísmo estreito. Apenas a autoridade moral da família ou da igreja é capaz de limitar as
paixõeS humanas, transformando 05 interesses egoístas em bem-estar geral. A sociedade
ideal é aquela que integra os indivíduos numa comunidade moral, unidos pela fé, pelos
valores morais comuns e pela obediência aos preceitos da família, da igreja e de Deus
(Klatch, 1987).
Nesta forma de conceber o mundo, todos os problemas da nação são atribuídos à
decadência moral. Os sinais da decadência estão em toda parte: “na promiscuidade sexual,
na pornografia, no aborto legalizado e no deslocamento do casamento, da família e da
maternidade” (Klatch, 1987, p. Mesmo a pobreza genera lizada é vista, nesta perspectiv
como sendo, na origem, um problema moral, mas não da forma definida pelos
progressistas, que vêem a pobreza como a conseqüência de políticas sociais com pouca
preocupação ética pelos seus efeitos sobre os pobres e a classe trabalhadora. Em vez disso,
como afirmou George Gilder num discurso por ocasião da 0 da derrota final da Emenda dos
Direitos Iguais: “os problemas cruciaiS dos pobres nos Estados Unidos fl são materiais. Isto
é algo que devemos compreender. Os pobres nos Estados Unidos têm sido mais ricos que
os 20% mais ricos de toda a população, durante a maior parte da história do país. Eles são
algumas das pessoas mais ricas no mundo. Os problemas cruciais dos pobres não são
materiais, mas espirituais” (Gilder, citado em Klatch, 1987, pp. 28-9).
Dada essa definição do problema a pobreza e outros aspectos da decadência moral, tão
visíveis em nossas principais instituições, podem ser solucionados através da e moral, da
oração, do arrependimento e de um claro reconhecimento da centralidade da crença
religiosa, da moralidade e da “decência” (Klatch, 1987, p.29).
PG.280
Não devemos aceitar facilmente a visão de escolarização — e a idéia da realidade que está
por trás dessa visão — que tais movimentos adotam. Talvez isto possa ser mais bem
compreendido através de uma carta enviada aos pais e ativistas conservadores pelo
EagleForum, um dos grupos de direita mais ativos, um grupo que está associado com
Phyllis Schlafly. A seguinte carta é encontrada em todos os sistemas escolares nos Estados
Unidos. Ela tem o formato de uma notificação formal sobre os direitos que os pais têm nos
conselhos escolares.
Para:
Presidente do Conselho Escolar:
Prezado Sr.
Sou o pai (ou a mãe) de __________ que freqüenta a Escola ___________ De acordo com
a legislação americana e as decisões dos tribunais, os pais têm a responsabilidade básica
pela educação de seus filhos e os alunos possuem certos direitos que as escolas não podem
negar. Os pais têm o direito de assegurar que as crenças e os valores morais de seus filhos
não sejam enfraquecidos pelas escolas. Os alunos possuem o direito de ter e manter seus
valores e padrões morais sem manipulação direta ou indireta pelas escolas, através dos
currículos, livros didáticos, materiais audiovisuais ou tarefas suplementares.
Portanto, por meio desta venho requerer que meu filho não seja envolvido em nenhuma das
atividades ou materiais da escola lista dos abaixo, a não ser que primeiro eu tenha revisado
esses materiais e tenha dado meu consentimento escrito para seu uso: exames, testes ou
pesquisas psicológicas e psiquiátricas que sejam projetados para obter informações sobre
atitudes, hábitos, traços, opiniões, crenças ou sentimentos de um indivíduo ou grupo;
— tratamento psicológico e psiquiátrico que seja projetado para influenciar as
características comportamentais, emocionais ou atitudinais de um indivíduo ou grupo;
— clarificação de valores, uso de dilemas morais, discussão de padrões morais e religiosos,
discussões livres ou com encenação de situações envolvendo assuntos morais e jogos de
sobrevivência, incluindo exercícios de decisões entre vida/morte;
ensino de temas que estimulem a morte, incluindo aborto, eutanásia, suicídio, uso de
violência e discussões sobre a morte e sobre morrer;
— currículos que tratem de álcool e drogas;
PG.281
— instrução sobre guerra nuclear, política nuclear e jogos nucleares na classe;
— currículos que promovam o anti o governo internacional ou o globalismo;
— discussão e avaliação sobre relações inter-pessoais, discussões das atitudes frente aos
pais e à paternidade;
— educação sobre sexualidade humana, incluindo sexo antes do casamento, adultério,
contracepção, aborto, homossexualismo, sexo e casamentos em grupo, prostituição, incesto,
masturbação, bestialismo, divórcio, controle da população e os papéis dos homens e das
mulheres; comportamentos e atitudes sexuais do estudante e da família;
— pornografia e quaisquer materiais contendo palavrões ou que sejam sexualmente
explícitos;
— técnicas de fantasias guiadas; técnicas hipnóticas; imagens e estudo da sugestão;
— evolução orgânica, incluindo a idéia de que o homem se desenvolveu a partir de espécies
de seres vivos anteriores ou inferiores;
— discussões sobre a bruxaria e o oculto, o sobrenatural e o misticismo oriental;
— filiações e opiniões políticas do estudante e da família; crenças e práticas religiosas
pessoais;
— problemas mentais e psicológicos e comportamentos de auto-incriminação
potencialmente constrangedores para o estudante e para a família;
— avaliações críticas de outros indivíduos com quem a criança tem relações familiares; —
relações privilegiadas e análogas legalmente reconhecidas, como as dos advogados,
médicos e ministros; — renda, incluindo o papel do estudante nas atividades e finanças da
família; — testes de personalidade náo-acadêmicos; questionários sobre a vida e atitudes
pessoais e da família; — tarefas autobiográficas, livros de registro e diários pessoais; —
incidentes plane jados de auto-revelação; treino da sensibilidade sessões de grupos de
encontro, debates, técnicas do círculo mágico auto-avaliação e autocrítica; estratégias
projetadas de auto-revela ção (ex: zig-zag); — sociogramas; sociodrama; psicodrama;
caminhadas com o olhos vendados; técnicas de isolamento.
O propósito desta carta é preservar os direitos do meu filho, d acordo com a Emenda de
Proteção dos Direitos do Aluno ( a
PG.282
Emenda Hatch) ao Lei Geral de Diretrizes da Educação e de acordo com seus regulamentos
publicados no Diário Oficial de 6 de setembro de 1984 e que entrou em vigor em 12 de
novembro de 1984. Esses regulamentos fornecem um procedimento para entrar com
processos judiciais, primeiramente em nível local e, depois junto ao Departamento
Americano de Educação. Se a escola se recusar voluntariamente a colaborar pode ter seus
fundos federais retirados. Respeitosamente, peço-lhe que me envie uma resposta a esta
carta, anexando uma cópia de sua declaraçáo de procedimentos para requerimentos dos
pais, que notifique todos os professores do meu filho, e mantenha uma cópia desta carta no
arquivo permanente do meu filho. Muito obrigado pela sua cooperação. Atenciosamente...
Fica claro nesta carta o quanto o estado é desacreditado. Aqui, a escola é realmente um
local de imenso perigo. A gama de proibições tratadas demonstra o estado de alarme desses
pais e ativistas e as razões pelas quais eles querem examinar com tanta minúcia aquilo que
seus filhos estão supostamente vivenciando nas escolas. Nas mentes dos conservadores,
levantar essas objeções não constitui uma censura; significa proteger toda a gama de coisas
que são o centro de sua essência.
PG.285
“censores” — criaram urna situação na qual o estado expande sua função de policiam do
saber e estabelecer novos organismos e procedimentos burocráticos para dirigir a
discordância para canais “legítimos.
Curtis expressa isso de forma exata e correta quando declara que “a padronização e
a centralização dos julgamentos tende a tornar implícito ao invés de explícito o caráter de
classe da adminisstração educacional” (Curtis 1992, p. 197). Os procedimentos
burocráticos que se têm estabelecido para promover o “interesse público” — e que,
segundo algumas talvez o façam — estão aí para tentar for um consenso ao redor da
legitimação cultural e de sua aceitação que talvez possa estar enraizado em percepções
notavelmente antagônicas do mundo.
Entretanto, o que acontece quando essas crenças e respostas “adequadas” e
apropriadas” se rompem? O que acontece quando o estado perde seu controle sobre a
autoridade legítima quando seus clientes — em interação com ele durante algum tempo —
começam a recusar seu monopólio daquilo que conta como autoridade simbólica legítima?
Para poder responder essas perguntas queremos agora nos voltar para a forma como
esta dinâmica funciona no mundo real, ao colocar o foco sobre o conflito em torno de uma
série de livros didáticos, num distrito escolar local, no qual as partes em disputa tornaramse
bastante polarizadas e na qual a pressão populista vinda de baixo tornou-se cada vez mais
ativam conset Nesse processo mostraremos corno o funcionamento do estado burocrático
fornece, de forma paradoxal um terreno fértil para que os pais se “tornem de direita”.
PROFISSIONAIS E CENSORES³
local deste estudo, Citrus \Talley, é uma comunidade semirutal de aproximadamente
30.000 habitantes, agora relativamente próxima de várias cidades maiores devido ao
crescimento do sistema interestadual de rodovias. Está no meio de um boom imobiliário
que praticamente duplicará a população da área. Isso vai provavelmente mudar o aspecto do
local, de uma calma comunidade
PG.286
rural, quase estagnada, para o de uma cidade pequena, mas em rápido processo de
crescimento. A maior parte de sua crescente população constituir-se-á, provavelmente, de
pessoas que traba lham em cidades próximas.
A renda familiar média em 1989, no início da controvérsia, era estimada em US$
23.500. Os dados demográficos indicam que quase um quarto da população atual tem entre
65 e 79 anos de idade. A grande quantidade de pessoas da “terceira idade” e os
aproximadamente 50 estacionamentos de reboques (trailers) sugerem que muitas pessoas
também vêem Citrus Valley como um local atrativo para sua vida de aposentados.
Não há grandes indústrias em Citrus Valley, mas a cidade com certeza gostaria que
algumas se estabelecessem lá. De fato, o maior empregador é o distrito escolar, com cerca
de 600 empregados, dos quais metade são professores/as. Em 1980, 72% dos adultos acima
de 25 anos tinham educação secundária ou menos. Aproximadamente 10% eram formados
numa faculdade. Uma parte significante dos habitantes com grau superior trabalhava para o
distrito escolas. A população de Citrus Valley é 95% euro-americana, observando-se um
lento crescimento da população latina. E basicamente uma comunidade de classe operária,
mas também com uma crescente e cada vez mais visível classe média, formada de pessoas
que trabalham em cidades próximas.
Mesmo com o crescimento da População que mora em Citrus Valley, mas trabalha
em outra cidade, uma grande parte das pessoas da cidade mora aí durante toda sua vida.
Alguém descreveu a comunidade da seguinte forma: “as pessoas aqui possuem uma ética
de verdade. Elas acreditam em valores tradicionais, em responsabilidade e trabalham como
uma comunidade.”
Certas coisas são evidentes nesta breve descrição demográfica. Uma é a natureza cambiante
das relações de classe na comunidade. As pessoas estão saindo da grande área
metropolitana relativamente próxima de Citrus Valley. O medo da violência, uma procura
por “melhores escolas”, aluguéis mais baixos e outros elementos estão produzindo uma
situação na qual os membros da nova classe média estão se tornando acentuadamente
visíveis na cidade. Esta fração de classe é conhecida por sua simpatia para com uma
pedagogia centrada na criança e por aquilo que Basil
PG.287
Bernstein chamou de currículo e ensino fracamente enquadrados e fracamente
classificados.
Em segundo lugar, a natureza cambiante da comunidade está ocorrendo num período de
temores visíveis de mobilidade des cendente e de uma crise econômica bem real nos
Estados Unidos, na qual muitos estados do oeste — e em particular aquele onde Citrus
Valley se localiza — estão passando por uma mudança econômica, com suas conseqüentes
apreensões sobre o futuro. E desnecessário dizer que as economias rurais certamente não
estão imunes a esses temores e mudanças. Para muitos indivíduos, isto terá um profundo
impacto na sua forma de ver a função da escolarização, no que deveria ou não ser ensinado
e quem deveria controlá-la. E compreensivelmente bastante difícil, para muitos homens e
mulheres da classe operária, fazer uma separação entre ansiedades econômicas e temores de
colapso cultural.
Colocado no meio dessas transformações e das possíveis tensões que subjazem à aparente
tranqüilidade e à “tradição” da cidade, o distrito escolar decidiu seguir uma nova orientação
no seu programa de linguagem. Essa orientação seguia as diretrizes e cronogramas
planejados pelo Departamento de Educação do estado para todos os distritos escolares. As
diretrizes do estado pressionavam fortemente os distritos escolares a usarem uma
abordagem baseada na literatura para o ensino da linguagem e, na verdade, Citrus Valley já
tinha começado antes a utilizar essa abordagem, elaborada com base num núcleo de livros
escolhidos pelos/as próprios/as professores/as. Tanto os/as professores/as quanto os/as
administradores/as estavam entusiasmados/as com o que eles/as percebiam como sendo o
sucesso inicial de uma abordagem global, baseada na literatura. O caminho lógico para
4 Não queremos exagerar nossa leitura da dinâmica de classe dessa situação. A própria nova classe média está dividida.
Nem todas as suas frações apóiam“pedagogias invisíveis” como as definidas por abordagens globais do ensino da
língua. Basil Bernstein apresenta a hipótese de que esses membros da nova classe média que trabalham para o estado
tendem mais a aprovar essas pedagogias fracamente classificadas e fracamente enquadradas do que aqueles que
trabalham no setor privado. Isso, além das ideologias profissionais particulares, pode explicar, em parte, o fato de que a
maioria dos/as professores/as, embora nem todos/as, em Citrus Valley, apoiou a ênfase no ensino globalizado da língua
encontrada nas diretrizes do estado e em Impressions. Assim, a tensão entre as visões que o “campo” e a “cidade” têm
da educação, assim como entre as visões das diferentes classes pode não ser visível.
eles/as era buscar uma série de livros didáticos que complemen tasse os objetivos e práticas
que, em parte, eles/as já seguiam.
Este estado em particular destina fundos para a compra dos materiais adotados —
grande parte dos livros didáticos passou pelo complicado processo de exame político e
educacional neces sário para a aprovação final como um livro-didático recomendado pelo
Conselho Estadual. Setenta por cento desse orçamento deve ser gasto nesses textos
recomendados, enquanto que a maior parte do dinheiro restante pode ser usado para
comprar material suple mentar. Os distritos escolares também podem usar seus próprios
fundos para comprar material não adotado, mas num período de crise fiscal isso é
consideravelmente mais difícil. Assim, grande parte do dinheiro fica disponível para livros
didáticos padroniza dos e comercialmente produzidos. A tarefa é encontrar os livros que
mais se aproximam da abordagem na qual se acredita.
Entretanto, existem muitos desses textos disponíveis. Para aumentar a probabilidade
de que um livro didático em particular seja escolhido, as editoras com freqüência oferecem
certos incen tivos. Muitas vezes, por exemplo, a quantidade de materiais “grátis” dados aos
distritos escolares para uma editora é considerável. Esta é uma prática comum entre os
editores, uma vez que a publicação de livros didáticos é um empreendimento altamente
competitivo (Apple, 1988, pp.81-105). No caso de Citrus Valley, a “doação” desse material
grátis pareceu ter influído na escolha.
Citrus Valley começou o processo de escolha de uma nova série de livros didáticos de
linguagem no ano letivo de 1988-89. Este era o ano para mudar os livros didáticos de
linguagem e de leitura, visto que os distritos escolares procuravam se adaptar às diretrizes
estaduais para novas séries. O resultado desse processo foi a escolha da série de leitura
“Impressions” (Impressões), publicada por Holt, Rinehart e Winston. A série usa uma
metodologia globalizada, baseada na literatura (urna metodologia enraizada numa
orientação curricular fracamente classificada), a qual este estado em particular esforça-se
para implementar em todas as escolas.
Quando o ano escolar começou no Outono de 1989, não havia razão para suspeitar que
haveria qualquer problema com Impressions, embora a série tivesse sido questionada em
outros distritos,
PG.289
nesse estado e também em outros estados. Afinal de contas, os passos para se avaliar e
implementar uma nova série tinham sido cuidadosamente seguidos. O distrito tinha
introduzido a nova série com confiança e entusiasmo. Os memorandos que circularam pelo
distrito após a escolha de Impressions refletiam a satisfação de, após muito esforço,
finalmente terem feito uma escolha que parecia estar de acordo com as metas do distrito.
Em junho, após dizer aos/às professores/as que quase 150 caixas dos novos livros tinham
chegado, uma administradora do djstrjto proferiu uma sentença profética. Ela escreveu:
“tenham um verão maravilhoso! Temos um estimulante ano novo à nossa espera.” Nunca
se falaram palavras tão verdadeiras.
Nos dois primeiros meses do ano letivo, alguns pais e professores começaram a se
queixar dos livros. Os pais começaram ficar preocupados com o conteúdo dos textos. Além
do fato de a estórias “assustarem”, havia preocupações sobre os valores contidos nelas e
sobre os erros de ortografia e impressão. Os país se opunham a alguns dos extratos contídos
nos livros didáticos qu o editor tinha enviado ao distrito. Por exemplo, um poema de um
livro da 5ª série era sobre porcos num pântano perto de alguma casas. Os porcos “se
alimentavam de peixes mortos e coisa podres, animais afogados, plástico e excrementos de
vários tipos” O poema termina com os porcos consumindo toda a carne n lagoa e, tendo
adquirido agora uma predileção por e alimento olham em direção à praia. O distrito
explicou que o poema carregava uma mensagem ambiental. Para os pais, ele era violento e
assustador, uma alegação que eles fizeram com vigor ainda mais a respeito de alguns dos
outros materiais contidos até mesmo em livros para crianças mais novas.
Os pais começaram a conversar entre si e pouco a pouco un sentimento mais organizado
começou a surgir, à medida que o membros da comunidade participavam das reuniões do
conselho escolar e encontrado nas igrejas locais. Finalmente, um grupo de pais formou o
Concerned Citizens of Citrus Valley ou CCCV (Cidadãos preocupados de Citrus Valley),
num esforço para con vencer o Conselho Escolar a retirar as séries. O Conselho e Diretoria
da escola agiram de duas formas paradoxais. Eles trataram o desafio quase como se fosse
um ato de agressão. Em essência, “prepararamse para a guerra”. Ao mesmo tempo,
retardaram
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vez mais em torno do confronto entre o poder dos pais e o poder de um conselho e de uma
burocracia escolares que se recusavam a levar a sério as reclamações dos cidadãos. Eles
consideravam essa atitude arrogante.
É crucial para a compreensão dessa situação o fato de que a liderança do CCCV só
começou a tentar formar alianças com direita religiosa após confrontar a administração do
distrito conselho escolar durante um longo tempo. De fato, as alianças entre o CCCV e
qualquer grupo externo nunca foram muito fortes. No final da controvérsia, uma pessoa
acabou se tornar um elemento de contato entre grupos de direita e está firmemente
consolidada dentro de uma organização nacional os “direitos religiosos” e nas campanhas
políticas da direita. Entretanto, mesmo nesse caso deve-se considerar que antes da
controvérsia essa pessoa não só era indiferente a tais causas como se opunha a elas.
Quando os pais do CCCV foram repetidamente rejeitados pela liderança da escola local,
eles foram levados para a retórica e as idéias da Nova Direita. Eles sentiram, de forma
correta não, que suas preocupações foram desconsideradas e desprezadas desde o início
pela administração e pelo conselho escolar distrito. Apenas quando já tinham sido bastante
desconsideradas pelos detentores da autoridade educacional, e só então, começaram a
procurar fora da comunidade grupos com quem pudessem dialogar e que possuíssem
perspectivas semelhantes às suas se a natureza dos livros didáticos que haviam sido
implementa nas escolas. Como organização, os pais do CCCV continua: sozinhos, mas a
Nova Direita passou a ser vista como um conjuto mais atraente de crenças e como uma
aliada ideológica.
Assim, mesmo quando o distrito fez tentativas limitadas para convencer os que protestavam
contra os benefícios educacional da nova pedagogia e dos novos currículos, esses esforços
foram rejeitados. Nós tendemos a não aprovar as visões das autoridades que nos
desconsideram. A reação imediata das escolas, então de tratar esses pais como ideólogos de
extrema direita que estão simplesmente interessados em censurar livros e professores
ajudou a criar as condições para o crescimento dos movimentos ideológicos que elas tanto
temiam.
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Vamos examinar isso um pouco mais de perto. É verdade que a maioria dos membros do
CCCV era o que se poderia chamar de “tradicionalistas”. Eles na verdade, tinham medo da
mudança. Gostavam de sua comunidade como era (ou pelo menos como eles a percebiam).
Em suas mentes, opunham-se à série de livros didáticos porque achavam que ela era
violenta e negativa, capaz de assustar as crianças. A maioria da comunidade parecia estar
inclinada nessa direção tradicional. Entretanto, a visão que os pais do CCCV tinham de si
mesmos era a de quem tentava encontrar um meio termo entre a direita e o que eles
consideravam a “esquerda liberal”. A maior parte deles ficou bastante surpresa ao se
perceber caracterizada como fazendo parte da direita. Sua autopercepção era a de “cidadãos
que trabalhavam duro”, que queriam manter posições que lhes permitissem levar suas vidas
como vinham fazendo até agora. Em muitas ocasiões, eles reafir maram a posição de que
eram apenas “pessoas comuns” que queriam o melhor para seus filhos.
Os pais que originalmente se organizaram para fazer oposição aos livros didáticos
eram pessoas de religiões e convicções políticas diversas. Eram católicos, judeus,
protestantes tradicionais, protestantes evangélicos, fundamentalistas, mórmons, pessoas
sem religião e agnósticos. Também é interessante o fato de que apenas alguns poucos
líderes das igrejas envolveram-se na controvérsia, apoiando abertamente os pais do CCCV
Havia pouca evidência de que se tratava de uma questão religiosa “fundamentalista”,
inicialmente organizada a partir de força ou por líderes evangélicos ansiosos em atacar as
escolas como baluartes do humanismo secular. Na verdade, por causa da diversidade
religiosa e da relutância em serem identificados como Nova Direita, muitos pais do CCCV
estavam bastante hesitantes em manter reuniões numa igreja. Entretanto, devido à escassez
de prédios grandes o suficiente para manter reuniões com muitas pessoas, quando um
pastor local ofereceu sua igreja para o uso do CCCV, ela foi escolhida como local de
reuniões, não sem alguma hesitação.
Havia outras características, entretanto, que pareciam dife renciar os membros do
CCCV dos outros na comunidade. Embo ra fossem de variadas religiões, em geral eles não
tinham cargos públicos oficiais e não se sentiam parte da rede de poder da
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comunidade. Muitos expressavam sentimentos de estarem à margem do poder local.
Tampouco eram economicamente homogêneos: o grupo incluía empresários e profissionais
locais, bem como membros das classes operárias.
No primeiro encontro do CCCV, cerca de 25-30 pessoas compareceram. No segundo
encontro, havia 75. Quando o conflito se intensificou, 700 pessoas lotaram a igreja local
que tinha sido oferecida para o encontro. A intensidade tornou-se evidentc no fato de que a
polícia foi mobilizada para uma reunião de conselho escolar convocado para discutir os
livros didáticos. Mais de 250 preocupados membros da comunidade lotaram a sala dc
reunião. A tensão era visceral.
Sob muitos aspectos, então, a maioria dos pais do CCCV era no início, o que se poderia
chamar de “conservadores comuns”, sem filiações importantes com grupos ativistas de
direita e sem uma agenda ideológica ou religiosa mais ampla que desejassem impingir aos
outros. Certamente, eles não viam a si mesmos como censuradores ideológicos que
desejavam transformar os EUA numa “nação cristã” e que desconfiavam de tudo que fosse
público.
Reduzir o conflito a um protesto de pais relativamente ignorantes ou fundamentalistas
religiosos e simplórios que tentam usai a censura para promover as intenções de um
movimento de direita mais amplo significa interpretar mal a forma como os atores comuns
se organizam ao redor das lutas locais, além de subestimar essas pessoas. Adotar uma tal
posição significa ver essas pessoa como “idiotas” ou marionetes, simplificando-se
radicalmente complexidade de tais situações. Sob muitos aspectos, tais ponto de vista
simplificadores reproduzem em nossas próprias análise os estereótipos que estavam
corporificados na reação da adminis tração e do conselho escolar às questões levantadas
pelos pais.
A rapidez com que o distrito reagiu tão energicamente, como se estivesse, em essência, se
preparando para a guerra, pareceu sei o catalisador que realmente levou os pais na direção
dos grupo de direita e fez com que os pais do CCCV formassem uma oposição maior do
que poderiam ter formado se fossem vistos de outra forma. Assim que os pais do CCCV
questionaram o distrito este imediatamente reduziu a questão a um problema de “censura”.
Essa maneira de definir o problema reduziu a complexidade da situação a uma forma que
era conhecida do discurso “profissional” dos/as professores/as e administradores/as da
escola e permitiu que o distrito respondesse de modo a não possibilitar outras interpretações
das motivações e preocupações dos pais.
No início dessa controvérsia, as mulheres trocavam entre si informações em lugares
públicos e em suas casas. As mães falavam umas para as outras sobre o conteúdo dos livros
quando buscavam seus filhos na escola, quando se encontravam para almoçar e quando
visitavam suas amigas. A medida que a controvérsia se desenvolvia, entretanto, mais
homens se envolviam e exerciam mais liderança, assinalando dessa forma, uma vez mais, a
relação entre gênero e esfera pública (Fraser, 1989, pp. 113-144; Apple, 1995). Para
algumas das mulheres que trabalharam arduamente no grupo CCCV foi a desconsideração
de suas preocupações que as levou a persistirem na busca de respostas às questões sobre os
livros didáticos, sobre o processo envolvido em sua escolha e na organização de atividades
contra os próprios livros. A resposta dessas mulheres à resistência da escola e à maneira
como foram definidas pelo estado local, considerando-as como parcialmente
irresponsáveis, tornou-as ainda mais determinadas em seus esforços de disseminar
informações sobre os livros. Embora inicialmente não estivessem visivelmente iradas e
desafiadoras, elas foram conduzidas à resistência por não terem sido levadas a sério.
As mulheres envolvidas no CCCV tinham intuições políticas iniciais, mas sem qualquer
sentido de oposição. Havia tanto conservadoras sócio-culturais quanto conservadoras
laissez faire; as primeiras baseavam-se na crença da importância da religiosidade, da
“família”, e da “tradição”, enquanto as segundas basea vam-se em idéias sobre “liberdade
individual”, “patriotismo americano” e “livre mercado”, demonstrando assim a diversidade
até mesmo no interior das posições conservadoras mais moderadas. Entretanto, os temas
mais comuns das mulheres do CCCV eram a soberania da família e aquilo que percebiam
como sendo um ataque a seu direito, como pais e mães, de controlar a educação de seus
filhos. Aliada a isso estava a percepção de que Impressions não representava os Estados
Unidos de forma precisa ou suficiente. Entretanto, essas mulheres não entraram na
controvérsia com posições conscientes e previamente definidas de conservadorismo.
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Em vez disso, elas estavam surpresas em saber, no início, que havia um problema com os
livros didáticos em sua comunidade. Com o passar dos meses de conflito, suas posturas
foram-se formando, ficando mais claras, como conseqüência do fato de terem de encontrar
uma maneira de compreender a resposta da escola.
Assim, à medida em que o conflito se aprofundava, uma das líderes do CCCV ficou
bastante influenciada por Francis Schaeffer, um teólogo conservador que defendia a idéia
da verdade absoluta. Como essa mãe buscava maneiras de compreender sua crescente
aflição, ela achou as idéias de Schaeffer cada vez mais atrativas. Para Schaeffer, há
“verdades reais”. Há valores básicos imutáveis que nos tornam capazes de saber com
certeza que algumas coisas estão absolutamente certas e outras coisas estão absolutamente
erradas. Sem isso, de acordo com Schaeffer, não há cristianismo (Schaeffer, 1990).
Isso fica bem mais claro se tomamos outro exemplo, de uma pessoa profundamente
envolvida no CCCV, mãe de uma criança de uma das escolas que estavam usando a série
de livros didáticos. No início, ela não era uma pessoa profundamente religiosa. Raramente
freqüentava a igreja, não era fiel a nenhuma organização e teria rejeitado o rótulo de “Nova
Direita”. Seu conselho às outras pessoas envolvidas no início, era que trabalhassem direta
mente com o distrito sem se organizarem formalmente. Quando suas opiniões foram
diretamente confrontadas e contestadas pelo distrito e sua posição foi aparentemente vista
de forma estereotipada, ela começou a prestar mais atenção àquelas posições polí ticas que
ela sentia comõ tendo algo a ver com sua oposição aos livros. Suas opiniões eram
repetidamente minimizadas e ela era acusada de ser de “direita”. Como conseqüência, ela
não só participou da criação do CCCV mas no final da controvérsia estava profundamente
envolvida com grupos femininos cristãos, centrados em questões políticas nacionais. O que
começou como uma preocupação em relação ao conteúdo dos livros, terminou com
indivíduos como ela tornando-se membros ativos de movi mentos nacionais de direita.
No final do conflito, o distrito escolar anunciou uma “solução”. Continuaria a usar
Impressions e seu programa centrado na
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Neste ensaio, além de discutir. O problema específico das razões pelas quais as pessoas se
inclinam para a direita política tentamos também desenvolver uma perspectiva teórica. Com
muita frequência as tradições, nos estudos educacionais críticos, tendem a ignorar
mutuamente. As teorias neogranscianas, as teoria pós-modernas e as teorias pós-estruturais
vistas como oposta. Rejeitamos essas divisões, em favor de uma abordagem ma integrada.
Utilizamos instrumentos da tradição neo-gransciana — uma ênfase tanto no poder do
estado quanto nas correntes presentes no senso comum e no poder dos movimetos culturais
vindos de baixo, sem ignorar o contexto econômico da ação social. Complementamos essa
análise com um foco nas políticas de identidade e no papel do estado nas posições de
sujeito que são, então, reapropiadas por pessoas reais na complexa política do nível local.
Por atrás disso está argumento de que o estudo dos movimentos sociais e das condições de
sua formação, num período de ataques cada vez mais agressivos à escola pública e à própria
idéia de “público” por part de grupos de direita, é essencial. Integrar essas várias
perspectivas para compreender isso de uma forma mais plena constitui uma agenda
ambiciosa. Mas a política da educação precisa ser tratado com a seriedade integrativa que
sua complexidade merece.
As implicações do que descrevemos aqui são de grande importâcia para qualquer análise da
formação de movimentos de direita e do papel da escola na formação da identidade de
muitos/as autores/as falam da escola como sendo um local produtivo. É um local de
produção das identidades dos estudantes e de produção de uma política de formação de
indentidade (Wexler, 1992). Entretanto, outras identidades são produzidas em consideração
com as agências estataios como as escolas. Formam-se também identidades de oposição
centradas em torno de uma política cultural conseservadora. Isso fica claro no exemplo —
um dos muitos que podemos esperar — que investigamos aqui.
As posições do sujeito tornadas disponíveis pelo estado era apenas aquelas de pais
“responsáveis” e que basicamente apoiavam a “decisão tomada pelos profissionais de um
lado, a censores “irresponsáveis da ala direita, de outro. A construção
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dessa Oposição binária criou uma situação na qual a única forma de os pais e outros
membros da comunidade poderem ser ouvidos era ocupando os espaços fornecidos pelo
estado. Naturalmente, esses espaços foram ampliados e, em parte, transformados. Mas a
única forma que esses preocupados indivíduos tinham de receber atenção era tornando-se
cada vez mais agressivos em seus argu mentos e cada vez mais organizados ao redor de
temas culturais e religiosos conservadores. As identidades sociais formam-se dessa
maneira. Assim, os membros “moderados” da comunidade os moderadamente os
conservadores são lentamente transformados em algo bastante diferente. A direita
transforma-se em direita através de um conjunto complexo e dinâmico de interações com o
estado. (Saber como o estado local é, ele próprio, transformado por isso é, naturalmente,
uma questão digna de pesquisa, mas isso terá de esperar até outra investigação.)
No início dessa análise, utilizamos os argumentos de Whitty, Edwards e Gewirtz, de
que a direita cresce através de “acidentes”. Ela cresce através de formas hesitantes, difusas
e parcialmente indeterminadas, localizadas num complexo global de relações econômicas,
políticas e culturais. Perdemos muito dessa complexidade dinâmica se centramos nossa
análise apenas nos grupos conservadores externos às situações onde movimentos como o
analisado neste ensaio são construídos. Sugerimos que um dos atores principais é o estado
burocrático, que pode ter expandido suas funções de vigilância em relação ao conhecimento
por boas razões, mas que reage de maneira a aumentar o potencial para que os movimentos
de direita cresçam.
Assim, uma coisa ficou clara durante este estudo. Os elos entre os pais que
questionam os livros didáticos e os grupos “populistas autoritários” nacionais crescem
durante uma controvérsia — como conseqüência dela e não por serem guiados por grupos
de fora. No caso que relatamos aqui, é evidente que há uma impressionante mudança.
Alguns pais do CCCV não só se tornaram parte de uma rede mais ampla de ativistas da
Nova Direita como também sentem-se orgulhosos em fazerem essas conexões, as quais,
antes lhes pareceriam impossíveis. Precisamos enfatizar aqui, outra vez, que esses são
indivíduos que não tinham ligações anteriores com organizações da Nova Direita e que não
desejavam ter quaisquer ligações com tais grupos conservadores, até ocorrer
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a controvérsia com Impressions. Igualmente importante é c de que essas ligações recém-
formadas se reforçam à medida novas identidades políticas conservadoras — extensões das
posições-de-sujeito oferecidas originalmente pelo estado local — assumidas por essas
pessoas.
O conservadorismo econômico e o populismo tornara vinculados ao fundamentalismo
religioso através dessas forças locais. “Cidadãos interessados”, perturbados por aquilo que
as escolas definiram como ensino oficial e que estão (corretamente) preocupados com a
decrescente mobilidade econômica de filhos e com os valores que lhes estão sendo
ensinados, reúnindo estas duas formas de conservadorismo não através de um processo
natural qualquer, mas de uma maneira que coloca os aspectos estado no centro da formação
das fidelidades e dos movimentos sociais.
Isso não significa dizer que cada pessoa tem “liberdade de ação”, que as pessoas
“livremente escolhem” entrar para a direita (ou outra coisa qualquer), num vácuo. Na
verdade, o que ocorre é exatamente o oposto. A acentuada predominância de posisições
conservadoras numa gama ampla de temas, que envolvem educaçação, economia,
sexualidade, saúde, “inteligência” e assim diante, nos meios de comunicação e nas
discussões públicas significa que as pessoas em cidades como Citrus Valley e em outros
lugares vivem num mundo onde os discursos de direita circulam constantemente. É,
atualmente, bastante difícil não ouvir interpretações. E mais difícil ainda ouvir posições
contrárias a elas. Entretanto, há múltiplas maneiras pelas quais tais discas podem ser
ouvidos ou lidos. A aceitação é apenas uma delas (Apple, 1993a).
Ficamos ainda com muitas interrogações. Mas em em nossa mente, a mais
importante é esta: poderia ter sido diferente? Se as escolas tivessem ouvido mais
atenciosamente e não tivessem
6 Veja, por exemplo, o livro amplamente divulgado e irremediaveini equivocado de Herrnstein &
Murray (1994). O patrocínio desse livro e de autores por fundações conservadoras e a capacidade
desses grupos de colocar os autores nos visíveis meios de comunicação, são fatos notáveis. Seria
importante investigar o papel desses grupos conservadores no process patrocínio e circulação,
contribuindo, dessa forma, para tornar publicam legítimas posições cientificamente desacreditadas.
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posicionado os pais como censores da direita, teria havido um resultado mais progressista?
Esta não é “simplesmente” uma questão de pesquisa. Dados o projeto hegemônico da
direita e o sucesso de suas transformações ideológicas, se a escola é um dos locais cruciais
onde essas transformações ocorrem, então as interrupções do olhar burocrático da escola e
as lutas concretas em nível local podem ser mais importantes do que nós percebemos, não
só a curto prazo, mas também a longo prazo (Apple & Beane, 1995). De fato, é igualmente
crucial que as escolas centrem seu olhar crítico sobre si mesmas e sobre como elas podem
estar sendo responsáveis pela criação das condições nas quais cidadãos comuns “entram
para a direita”.
Temores sobre uma economia em declínio ou preocupações sobre o que é ensinado
aos nossos filhos não precisam ser necessariamente interpretados como um ataque populista
autoritário ao estado, nem precisam necessariamente estar ligados à gama de questões que a
direita representa. Posições moderadas e moderadamente tradicionais podem não ser
aquelas em que a maioria de nossos leitores talvez acredite, mas há uma enorme diferença
entre tais posições e a campanha agressiva contra tudo que é público e sobre a própria idéia
de uma escola verdadeiramente pública que vem da extrema direita. Os efeitos
generalizados de tais grupos só podem ser contidos se o contingente mais amplo do público
que tem preocupações populistas sobre as escolas não for levado para a direita.
Há evidências de que uma resposta diferente à política do ensino oficial por parte
das escolas pode ter resultados muito diferentes. Embora isso seja discutido com maiores
detalhes no livro Democratic Schools (Apple & Beane, 1995), vale a pena registrar as
experiências de escolas que lidam de forma mais aberta com essas situações possivelmente
polarizantes. Assim, para tomar apenas um exemplo, a Escola Fratney Street de Milwaukee,
uma cidade que tem sofrido um declínio nos empregos fabris e antagonismos bem reais de
classe e de raça, enfrentou uma situação na qual conflitos políticos em torno da dinâmica de
classe e de raça poderia ter fornecido um terreno fértil para o crescimento de sentimentos
direitistas.
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Situada numa “área de fronteira”, com sua população estidantil constituída por um terço de
euro-americanos/as de classe operária, um terço de afro-americanos/as e um terço de
latinos/a as questões sobre qual conhecimento (e o conhecimento de quem estava
representado nos textos, qual seria a pedagogia adequada e quais vozes seriam ouvidas
dentro dessa tensa e variada composição que poderiam ter sido tão explosivas quanto
aquelas que vieraram à tona em Citrus Valley. Essa situação poderia estar madura par o
desenvolvimento de movimentos semelhantes aos encontrados no caso que analisamos
aqui. Contudo, elas não levaram a tal desenvolvimento; na verdade, levaram à formação de
uma coalizão que atravessava classes e raças, unidas em favor de currículo mais
progressistas e de um apoio mais generalizado à escola.
Em parte, isso deveu-se a um grupo de professores/as administradores/as que abriu a
discussão do currículo e da pedagogia às múltiplas vozes que tinham algum interesse na
escola incluindo pais, ativistas da comunidade e estudantes. Foi dada constante atenção a
isso, não como uma forma de “relações públicas” como freqüentemente acontece em
muitos distritos escolares, o que geralmente constitui uma forma de “engenharia do
consenso”, mas como urna tentativa contínua e genuína de relacionar tanto o conteúdo do
currículo como as decisões sobr ele às vidas das pessoas envolvidas. Em parte, foi o
resultado de imensa quantidade de trabalho feito pelos/as educadores/as lá envolvidos para
justificar publicamente aquilo que eles/as achavam que era melhor para os/as estudantes e
por qual razão, em palavras e num estilo que não poderia ser interpretado como arrogante,
elitista ou distante, e para escutar com simpatia e cuidado os temores, preocupações e
esperanças das várias vozes na comunidade. E, finalmente, deveu-se a um conjunto de
crenças decididamente não-hierárquicas, tanto sobre o que acontece dentro da escola como
entre a escola e a comunidade maior da qual ela é parte.
Nada disso garante que o projeto restauracionista da direita será transformado. As situações
e suas causas são, realmente, em parte, “acidentais”. Contudo, as experiências na Escola
Fratney Street e em outras escolas expressam uma articulação muito diferente entre o
estado local e sua população e falam de uma possibilidade muito real de interromper
algumas das condições
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que levam ao crescimento dos movimentos sociais de direita. Há muito trabalho pela frente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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