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SOCIOLOGIA DA

EDUCAÇÃO

Ricardo Boklis Golbspan


A nova sociologia da
educação e sua implicação
para a educação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer o contexto histórico em que se estabeleceu a nova so-


ciologia da educação.
 Identificar as principais ideias da nova sociologia da educação.
 Analisar as ressonâncias da nova sociologia da educação na educação
brasileira atual.

Introdução
Talvez um dos movimentos mais revolucionários e influentes no modo
de se pensar a educação tenha sido a virada representada pela nova
sociologia da educação (NSE). Desde os anos 1970, uma nova forma de
se investigar e de se buscar interromper a desigualdade educacional tem
se estruturado a partir deste movimento teórico. Para além de se olhar
apenas para o macrossocial e de uma perspectiva quantitativa para as
problemáticas sociais da educação, passou-se a mirar também o que
ocorre no cotidiano da escola, com o currículo e os conhecimentos, e
as relações destes elementos com as desigualdades. Este novo olhar
tem trazido consigo novos insights e novos desafios, mas também tem
avançado no combate às desigualdades, apesar dos inúmeros desafios
que ainda restam.
Neste capítulo, você vai estudar o contexto que possibilitou o surgi-
mento deste novo campo de pesquisa, conhecer seus principais teóricos
e suas ideias e ainda refletir sobre como têm sido as implicações destas
inovações no campo da educação.
2 A nova sociologia da educação e sua implicação para a educação

O surgimento da nova sociologia da educação


Na virada dos anos 1960 para os anos 1970, ocorre uma crise na educação de
países considerados “centrais”: Estados Unidos, França e Inglaterra – países
estes em que os governos seguiram bastante à risca as prescrições da Socio-
logia da Educação então hegemônica. Na França, as revoltas de maio de 1968
são relacionadas com a promessa não cumprida de suposta ascensão social
correspondente ao maior acesso à educação básica e superior. Nos EUA e no
Reino Unido, colapsa todo o sistema de Bem-Estar Social e, em particular,
a escola pública, que tampouco cumpriu sua promessa de equiparação de
oportunidades após ser, em ambas as noções, reformada de forma a garantir
acesso praticamente universal (NOGUEIRA, 1990).
Com efeito, o viés de Sociologia da Educação que predominava nas universida-
des e nas políticas públicas sustentava boa parte das reformas que, neste momento
histórico, caíram por terra. A Sociologia da Educação se preocupava centralmente,
até o fim dos anos 1960, com o aspecto macrossocial da educação. Neste sentido, a
hipótese do acesso era imperativa: era preciso entender o que bloqueava
o acesso dos grupos mais populares e como interromper esses problemas. Apesar
do sucesso desta empreitada, no entanto, as desigualdades permaneceram. Desta
forma, havia um cruzamento de amplo alcance entre classe social e escolarização.
As pesquisas raramente se debruçavam especificamente na escola, sendo mais
comum investigações quantitativas que consideravam cada escola como mais um
número nas estatísticas. Quanto ao conhecimento escolar, havia também pouco
debate, comum consenso de que deveria ser garantido a todos. Isto sustentou,
talvez, o único aspecto mais “cultural” do pensamento sociológico da educação
então prevalecente: a ideia de que as supostas “deficiências” culturais das camadas
populares fossem supridas com atividades “compensatórias” em contraturnos e
escolas públicas populares (MITRULIS, 1983).
O fracasso dessa prescrição sociológica baseada na hipótese de que a igual-
dade de oportunidades seria alcançada com apenas essas poucas medidas ma-
crossociais gerou revolta e descrença popular, o que também se verificou no
campo da Sociologia da Educação, especialmente nos três países citados (SILVA,
1999). Quase que simultaneamente, com algumas diferenças contextuais, surge
na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França, na virada para os anos 1970,
um movimento não intencionalmente programado, que ficou conhecido como a
nova sociologia da educação. O que este movimento passou a analisar, com um
olhar mais apurado sobre o que ocorre dentro da escola, na política educacional
e com o currículo escolar, foi, afinal, o que diferenciava os alunos, apesar de a
escola ser pretensamente indiferenciada (MITRULIS, 1983).
A nova sociologia da educação e sua implicação para a educação 3

Conheça um pouco da obra de Basil Bernstein, outro importante nome da nova sociologia
da educação, lendo o artigo “A teoria de Basil Bernstein: alguns aspectos fundamentais”, de
Ana Maria Morais e Isabel Pestana Neves. O material está disponível no link ou código a seguir.

https://goo.gl/2sZzbU

As principais contribuições da nova sociologia


da educação
Em contradição ao modelo sociológico voltado apenas para o macrossocial da
educação, a nova sociologia da educação propõe que o olhar deve repousar também
sobre o micro. Desta forma, passa-se a analisar criticamente os motivos pelos
quais a reprodução das desigualdades persiste na escola, não apenas do ponto de
vista do acesso ou da compensação, mas do ponto de vista do próprio currículo
escolar e do próprio conhecimento escolar (até então, encarados como “neutros” ou
“desinteressados”). Investiga-se o cotidiano vivido da escola e, desta maneira, in-
clusive, envolve-se os professores e professoras na tarefa de combater a reprodução
das desigualdades na escola (WEIS; MCCARTHY; DIMITRIADIS, 2013). Estes
teóricos propiciaram uma verdadeira revolução na forma como se podia enxergar
e imaginar a transformação da reprodução social na escola, complexificando o
olhar sobre a educação. Pode-se, para conhecer melhor suas contribuições, discutir
algumas das principais contribuições proporcionadas em cada contexto.

Michael Young e a nova sociologia da educação


no Reino Unido
Foi Michael Young, na Universidade de Londres (onde foi contemporâneo de
outro fundamental autor da NSE, Basil Bernstein), que publicou, em 1971, aquele
que é considerado o trabalho seminal da nova sociologia da educação: Know
ledge and control: new directions in the Sociology of Education (1971), que con-
tinha contribuições de Pierre Bourdieu e Basil Bernstein (WEIS; MCCARTHY;
DIMITRIADIS, 2013). A principal preocupação para Young na obra foi a de
formular uma Sociologia do Conhecimento e, para isso, de forma mais imediata,
precisava antes de uma Sociologia do Currículo. Desta forma, coloca a questão
do conhecimento escolar em primeiro plano e, diferentemente das tradições até
então hegemônicas, não toma como dadas as categorias e disciplinas que confi-
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gurariam o conhecimento verdadeiro, mas se perguntava sobre o que conta como


conhecimento (SILVA, 1999). Realiza, assim, uma crítica à arbitrariedade em se
definir o que é conhecimento “puro”, “geral” ou “acadêmico”, em contraste com
o que se define como “aplicado”, “específico” ou “vocacional” – posiciona esta
questão como uma questão de classe social, uma vez que manteria elites no poder
do currículo escolar (WEIS; MCCARTHY; DIMITRIADIS, 2013).

Michael Apple e a nova sociologia da educação


nos Estados Unidos
Michael Apple possivelmente seja o nome mais relevante nos Estados Unidos
vinculado à NSE. Seu trabalho inaugural, Ideologia e currículo (1979), re-
presenta o seu diferenciado olhar sobre as desigualdades educacionais. Apple
traz para a discussão a economia e a cultura para pensar o currículo, a partir
de uma abordagem neomarxista (muito influenciado por pensadores como
Raymond Williams e Antonio Gramsci). Apple não vê uma correspondência
direta entre a economia e a educação, como se a escola refletisse automati-
camente as relações de produção (SILVA, 1999); vê uma relação complexa,
em que o currículo escolar se encontra envolvido. Para Apple, por mais que
as relações de poder da economia influenciem decisivamente a forma como
os grupos sociais vivem a educação, elas não garantem em última instância
como a educação se estrutura ou como a desigualdade se mantém (WEIS;
MCCARTHY; DIMITRIADIS, 2013). Para Apple (2006), a educação e o
currículo são lugares de disputa política, em que não há garantia de que as
consciências serão estabelecidas a priori. Há espaço, segundo Apple (2006),
para que se conteste, na escola, de quem são os conhecimentos estudados,
a quem eles beneficiam e quem eles silenciam, por exemplo. Apple (2006)
vê complexidade e movimento na escola e na disputa pelo que é entendido
como conhecimento escolar, sem ignorar as fortes influências que as relações
econômicas continuamente impõem sobre a forma como a escola é vivida.

Pierre Bourdieu e a nova sociologia da educação


na França
Na teoria de Bourdieu e seu coautor Passeron, o objeto principal da reprodução
são os bens simbólicos, que estão em relação inseparável dos bens econômicos
(SILVA, 1999). Os autores não se debruçam propriamente em como se originam
as desigualdades econômicas, mas se preocupam em entender como essas
desigualdades se reproduzem através da conversão de capital econômico em
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capital cultural, social e simbólico (BOURDIEU; PASSERON, 2009). Garante-


-se, neste processo, que os privilégios apareçam como naturais e justos, na
medida em que são percebidos como capacidade ou talento para aquisição da
cultura tida como correta. Neste sentido, a escola seria estratégica: a cultura
escolar seria uma espécie de enigma, que só pode ser decifrado por quem
recebeu o código da sua família (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002). A cultura
valorizada socialmente e, assim, especificamente na escola, seria a das classes
dominantes, e a posse dessa cultura por parte dos herdeiros dessas famílias
seria traduzida como sucesso escolar. O distanciamento das demais culturas
em relação à cultura escolar seria a base para a explicação não apenas do
fracasso escolar nos meios populares, mas também para a forma como este
fracasso é legitimado socialmente (BOURDIEU; PASSERON, 2009).

Acesse o vídeo disponível no link a seguir e aprofunde seu conhecimento sobre


Bourdieu assistindo a uma entrevista com o autor.

https://goo.gl/mqg5B2

Contribuições e desafios para a educação


brasileira
A discussão promovida pela nova sociologia da educação, mais do que mera
discussão abstrata, tem resultado em efeitos concretos nas escolas, a partir
de lições que profissionais da educação têm tirado com base em seus ensina-
mentos. Ao mesmo tempo, há desafios e limites ainda não superados dentro
do debate da NSE que precisam também ser continuamente problematizados.
Aqui, pontuam-se alguns desses aspectos, sem uma intenção de finalizar a
discussão – pelo contrário, com o objetivo de apontar apenas alguns exemplos
de um universo ainda maior de importantes contribuições e desafiadoras
missões que têm marcado essas décadas recentes na Sociologia da Educação.

Avanços percebidos
No campo do currículo, é preciso valorizar o trabalho que professores e pro-
fessoras têm feito ao redor do país para levar para a sala de aula a cultura e os
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saberes dos alunos e alunas, indo de encontro a visões mais tradicionais de que
há “déficit” dos alunos de grupos populares. Há, desta forma, uma valorização
de outras linguagens, conhecimentos, gostos e modos de se perceber no mundo
que não os consagrados na escola. Este tem sido um importante trabalho,
não no sentido de negar aos alunos os conhecimentos consagrados, mas de
relacioná-los com as próprias vivências e trajetórias dos alunos. Conhecimen-
tos, assim, são problematizados, enquanto “neutros” ou “desinteressados”, e
enfrentados. Perguntas como “Quem se beneficia com este conhecimento e
quem é silenciado?” passam a ser feitas.
No campo do trabalho docente e da avaliação, têm sido também árduas,
porém reconhecidas, as conquistas de professoras e professores para a imple-
mentação, com um grau de autonomia e de intelectualidade, dos currículos
escolares e dos modos de avaliação, em contraposição às políticas de imple-
mentação de material didático padronizado e avaliações de aprendizagem de
larga escala. Agregue-se, ainda, as importantes mobilizações das professoras
e professores por reconhecimento na carreira. Todas essas questões apontam
para aprendizagem quanto à relação complexa entre economia e educação –
sendo não apenas correspondente às lógicas econômicas, mas influenciada
de forma relacional e disputada na forma como se vive a educação, e não
somente na economia.
No campo das políticas educacionais, registre-se a participação intensa
das comunidades escolares na elaboração do Plano Nacional de Educação e
as pressões para um debate democrático em torno de medidas como a Base
Nacional Curricular Comum e o Novo Ensino Médio. Apesar dos desafios,
deve-se perceber o entendimento coletivo de que a democratização da educação
e da igualdade de oportunidades vai além do acesso à escola, relacionando-se
com a forma como ela é estruturada.

Desafios que permanecem


Apesar da importância de perceber os avanços conquistados a partir das con-
tribuições da nova sociologia da educação, ainda há uma longa caminhada pela
frente na educação brasileira para a incorporação das diretrizes estabelecidas.
No campo do currículo, ainda há um imenso trabalho em termos de equa-
lização de oportunidades. Esta é uma questão que tradicionalmente foi vista
sob a ótica de classe, mas precisa ser igualmente, e de forma relacional, tratada
em relação a raça, gênero e sexualidade, além de outras dinâmicas sociais.
São ainda grandes a injustiça e o sofrimento de muitas famílias em função
da arbitrariedade do conhecimento e da gestão escolar.
A nova sociologia da educação e sua implicação para a educação 7

No campo do trabalho docente e da avaliação, ainda é grande o desafio


da formação continuada e da remuneração adequada das professoras e dos
professores. Estes ataques à carreira têm sido estudados na perspectiva da
NSE, sendo relacionados a dinâmicas econômicas como a proletarização de
professores e a culpabilização individual pelo fracasso sistêmico da escola.
No campo das políticas educacionais, ainda persistem vieses relaciona-
dos ao período anterior à NSE, sustentados no credo de que a igualdade de
oportunidades se garante com acesso e correção cultural de alunos. Há uma
longa jornada de reconexão com o senso comum, mas também de esperança.

APPLE, M. W. Ideologia e currículo. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.


BOURDIEU, P.; PASSERON, J-C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de
ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
MITRULIS, E. Educação e currículo: promessas e contribuições da nova sociologia da
educação. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 93-106, 1983.
NOGUEIRA, M. A. A sociologia da educação do final dos anos 60/ início dos anos 70:
o nascimento do paradigma da reprodução. Em Aberto, Brasília, DF, ano 9, n. 46, p.
49-58, abr./jun.1990.
NOGUEIRA, C. M. M.; NOGUEIRA, M. A. A sociologia da educação de Pierre Bourdieu:
limites e contribuições. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 78, p. 15-35, 2002.
SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.
WEIS, L.; MCCARTHY, C.; DIMITRIADIS, G. (Ed.). Ideology, curriculum, and the new sociology
of education: revisiting the work of Michael Apple. Hoboken: Taylor & Francis, 2013.

Leituras recomendadas
MORAIS, A. M.; NEVES, I. P. A teoria de Basil Bernstein: alguns aspectos fundamentais.
Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 2, n. 2, p. 115-130, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://
www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/313>. Acesso em: 26
set. 2017.
YOUNG, M. F. D. (Ed.). Knowledge and control: new directions for the sociology of edu-
cation. London: Collier Macmillan, 1971.

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