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A CRIANÇA COM FEBRE

Maria Joao Rocha Brito


Unidade de Infecciologia. Hospital Dona Estefânia
joao.rochabrito@netcabo.pt
DEFINIÇÃO

❑ FEBRE < 3 MESES


TEMPERATURA RECTAL
(membrana timpânica e axilar não confiavel)
0 - 28 dias: 38ºC;
1 - 3 meses: 38 - 38,2ºC

❑ FEBRE < 36 MESES


TEMPERATURA RECTAL > 39ºC

❑ FEBRE NA CRIANÇA MAIOR


TEMPERATURA AXILAR > 37,8ºC
Criança com Febre

❑ DOENÇA FEBRIL AGUDA/ FEBRE COM OUTROS


SINAIS/SINTOMAS: causa identificada na maioria dos casos

❑ FEBRE SEM FOCO: febre < 8 dias sem causa identificada


Inicio recente
Pico no 2º ano de vida
Frequente (14 – 40%)
A febre pode anteceder o aparecimento de outros sinais/sintomas
Na maioria dos casos a etiologia é infecciosa e autolimitada

❑ FEBRE DE ORIGEM DESCONHECIDA: febre > 8 dias sem


causa identificada após investigação inicial
1 - DOENÇA FEBRIL AGUDA
1 - DOENÇA FEBRIL AGUDA

AVALIAR

1 – Sinais ou sintomas associados


2 – Idade
3 – Características da febre
4 – Sinais de gravidade
5 - Exames complementares
1. Sintomas ou Sinais associados
IDENTIFICAR SISTEMAS ENVOLVIDOS
Cavidade oral
Seios da face
Ouvidos
Pulmão
Coração
Abdomem
Trato Urinário
SNS
Pele
Ossos
Articulações
1. Sintomas ou Sinais associados
1. Sintomas ou Sinais associados
2. Idade
▪GRUPO ETÁRIO < 3 MESES
▪ Maior risco de doença bacteriana grave (particularmente
< 28 dias) (imaturidade imunológica, risco de infecção
vertical e nosocomial)

▪ Infecções virais (frequentes no pequeno lactente) podem


cursar com morbidade significativa - enterovirus,
adenovirus, VSR, varicela, gripe.. (imaturidade imunológica)

▪ Febre pode ser o único sinal de infecção no recém-


nascidos e latentes jovens (dificil identificar doença grave). A
abordagem costuma ser agressiva (testes de diagnóstico,
antibióticos empíricos e hospitalização)
3. Caracterizar a febre

▪ CONFIRMAR FEBRE (pouca fiabilidade na temperatura táctil)


Avaliar factores iatrogénicos (roupa em excesso, cobertores..)

▪ QUANTIFICAR FEBRE temperatura ≥ 40ºC maior risco de


doença grave (criança jovem)

▪ DURAÇÃO DA FEBRE (> 3 dias maior risco de doença


bacteriana ou focalização)

▪ SINAIS ACOMPANHANTES
Calafrio ou ceder dificilmente com antipirético (bacteriemia)
Sinais de Gravidade
4. Sinais de Gravidade
❑ Doença de risco (imunodeficiência, asplenia, drepanocitose)
Exposição e contactos de risco. Idade (< 3 meses)

❑ Febre > 39º C com duração > 3 dias


Má tolerância à febre (grau de actividade, prostração, sonolência)
Comportamentos alterados (alimentação, actividade, sono)

❑ Sinais e sintomas associados


Sensação doença, Palidez acentuada. Gemido, Dor. Irritabilidade
Taquicardia mantida, Polipneia, Hipoxemia
Má perfusão periférica, Petéquias
Convulsão após 24 horas de febre
5. Exames complementares

QUANDO PEDIR?

❖ Confirmação de DOENÇA (sepsis, bacteremia,


meningite, pneumonia, infecção urinária..)

❖ Duvida para prescrição de antibioticoterapia


empírica e/ou hospitalização
História Clínica e Exame Objectivo CUIDADOSOS!

Idade Caracterizar Sinais/Sintomas Sinais de


a febre acompanhantes Gravidade

Causa identificada Febre sem Foco Febre de origem


60 – 86% 14 – 40% desconhecida

DOENÇA VIRAL
70%
História Clínica e Exame Objectivo CUIDADOSOS!

Idade Caracterizar Sinais/Sintomas Sinais de


a febre acompanhantes Gravidade

Causa identificada Febre sem Foco Febre de origem


60 – 86% 14 – 40% desconhecida

DOENÇA VIRAL
70%
Doença Viral 70%
Doença Grave 15%

OUTRAS CAUSAS 15%


2 - FEBRE SEM FOCO
EXAMES COMPLEMANTARES

QUANDO PEDIR?

❖ Identificar DOENÇA GRAVE na ausência de um


diagnóstico após a história clínica
Idade ≤ 30 dias (< 3 meses)
Febre > 40ºC
Febre que cede mal ao antipirético com > 3 dias
Sinais de Gravidade
EXAMES COMPLEMANTARES

QUE PEDIR?
Doença bacteriana? Doença viral?
EXAMES COMPLEMANTARES

1 – Leucograma
Leucocitose 15000cél/mm3 ou neutrofilia 10000cél/mm3
maior probabilidade de doença invasiva.

2 - PCR
PCR > 5mg/dl pode ajudar a distinguir infecção bacteriana?

3 – Hemocultura
Febre < 3 meses
Febre > 39ºC mantida entre 3 – 36 meses
Sinais de gravidade
EXAMES COMPLEMANTARES
4 - Punção lombar
Recém-nascido com febre
Convulsão com febre < 3 meses
Sinais de gravidade
Suspeita de sépsis/meningite

5 – Urina II e Urocultura
Febre sem foco < 2 anos
Suspeita de IU

6 - Radiografia Torax
Febre < 3 meses com evidência de doença respiratória
Febre 39ºC + leucocitose 20000/mm3 + semiologia respiratória
(e sem semiologia respiratoria?) (3-36M)
2 - FEBRE SEM FOCO

Protocolos para Febre


na Idade Pediátrica
LIMITAÇÕES DOS PROTOCOLOS

1 – A criança pequena é oligossintomática (dificil distinguir


doença grave) e os exames complementares “podem falhar”

2 – Leucocitose e neutrofilia têm pouca sensibilidade e


especificidade para doença grave em lactentes jovens

3 – Existem situações benignas que podem cursar com


leucocitose e PCR elevada (adenovirus, vírus Epstein Barr..)

4 – Protocolos avaliam mas NÃO ELIMINAM O RISCO


FEBRE SEM FOCO

RECEM NASCIDO
Febre  38ºC

INTERNAR
Hemograma, PCR
Hemocultura
Urina II / Urocultura
Punção lombar
Rx tórax *
Iniciar ampicilina + cefotaxime
(ampicilina + gentamicina)

* Rx se sinais de infecção respiratória:


•SDR, alterações auscultação, taquipneia, oximetria <95%
FEBRE SEM FOCO

Critérios de BAIXO RISCO para doença grave –


Critérios de "Boston", "Rochester" e "Philadelphia“
(limitações no recem nascido)

Saudável
Bom estado geral (aparência não tóxica)
Sem evidência de infecção bacteriana (ouvido, tecidos moles, osso)
Leucócitos 5000-20000/mm3 ou neutrófilos <10000/mm3
Urina II < 10 leucócitos ou sem nitritos positivos
LCR < 8 - 10 leucócitos/mm3 ou Gram negativo
Rx torax sem infiltrados
FEBRE SEM FOCO

1 – 3 MESES
Febre  38ºC
Bom estado geral e “BAIXO RISCO” (ver critérios)

NÃO SIM

Internar Avaliação
Hemograma, PCR
Hemocultura Hemograma, PCR
Urina II / Urocultura Hemocultura
Punção lombar Leucocitos  15000/mm3 Urina II, Urocultura
Rx tórax * Neutrófilos  10000/mm3 Rx torax*
Iniciar ceftriaxone PCR >5mg/dL

Internar Sim Não Ambulatório


Punção lombar Reavaliação 24 - 48H
Iniciar ceftriaxone

•Rx se sinais de infecção respiratória:


•SDR, alterações auscultação, taquipneia, oximetria <95%
3M –36 MESES
Febre  39ºC
Bom estado geral e “BAIXO RISCO” (ver critérios)

Sim

Não Febre < 24 horas


Bom estado geral

Internar Ensinar sinais alarme


Rever 24 - 48horas
Hemograma, PCR
Hemocultura
Avaliação
Urina II / Urocultura
Punção lombar Hemograma, PCR
Rx tórax * Hemocultura
Iniciar ceftriaxone Urina II, Urocultura**
Rx torax*

Leucocitos  15000/mm3 (ou) Neutrófilos  10000/mm3 (e/ou) PCR >5mg/dL

Sim Não

Doença crónica Não Domicilio


Baixo nível socio-económico Reavaliação em 24-48H
Via oral comprometida Amoxicilina po (90mg/Kg)

Sim Internar
(*) Febre 39ºC + leucocitose 20000/mm3 Iniciar ceftriaxone
(**) Crianças com < 2 A
FEBRE SEM FOCO

CRITÉRIOS DE GRAVIDADE
TODAS AS IDADES
Febre

INTERNAR
CASO A CASO
Vigiar ou iniciar antibioticoterapia

Hemograma, PCR
Hemocultura
Urina II / Urocultura
Punção lombar
Rx tórax
3- FEBRE DE ORIGEM DESCONHECIDA
Definição

FEBRE DE ORIGEM DESCONHECIDA

❖ Febre com duração superior a 8 dias em que


após história clínica cuidadosa, exame físico e
investigação laboratorial preliminar, não se
identificou uma etiologia
Etiologia?
Etiologia

Infecciosa (++) Mais frequentemente…

MANIFESTAÇÕES RARAS
Autoimune (+) DE DOENÇAS COMUNS
do que
Neoplasica (+/-) manifestações comuns de
doenças raras..
Outras (Raras) (-)

Em 10 – 20% a causa permanece desconhecida..


Investigação

HOSPITAL

Confirmar
Febre
Padrão da Febre

Gráfico normal Febre contínua – febre permanente com


pouca flutuação; exemplo febre tifoide

Febre remitente - picos flutuantes que Febre intermitente - febre intermitente


não retornam ao normal; exemplo com um pico alto e defervescencia rápida;
endocardite exemplo tuberculose, linfoma
História Clínica

Outros sinais História


Febre Exposição
e sintomas familiar

Duração Olho vermelho Contacto com Diabetes


doentes, animais insipidus
Método de Halitose ou insectos
medição Rinorreia Febre Familiar
Viagens
Mediterrânica
Resposta aos Aftas, ulceras Consumos (origem judaica,
antipiréticos e alimentares armenios, arabes)
antiinflamatórios Queixas GI Pica
Medicamentos Disautonomia
Padrão febre Dor ossea Cirurgia familiar
(origem judaica)
….. abdominal
Exames Laboratoriais

Investigação inicial

Hemograma completo
Exame cuidadoso do esfregaço periférico
Velocidade de hemossedimentação (VS)
Proteína C-reativa (PCR)
Hemoculturas
Exame de urina e urocultura
Radiografia de tórax
Prova tuberculínica
Ionograma, uréia, creatinina
Enzimas hepáticas
Serologia HIV
EXAMES INICIAIS
Idade Caracterizar História Exame
Febre clínica físico

EXAMES
ADICIONAIS

Mau Estado Geral Bom Estado Geral

Investigação Investigação
rápida sequencial
Exames Laboratoriais

Exames adicionais! O que pedir primeiro?


Exames adicionais! O que pedir primeiro?
NÃO HÁ FORMULAS SECRETAS!!

Pensar em..
ETIOLOGIAS MAIS FREQUENTES e
fazer uma BOA HISTÓRIA CLÍNICA!
Infecciosa (++)
Autoimune (+)

Neoplasica (+/-)

Outras (Raras) (-)


Infecciosa (++) Sistémicas
Brucelose
Autoimune (+) Bartolenose
Leptospirose
Neoplasica (+/-) Malária
Micobactérias
Outras (Raras) (-) Salmonelose
Infecções virais
Brucelose História epidemiologica. Clinica inespecifica (febre, astenia, queixas
ostoarticulares, hepatoesplenomegalia).

Bartonelose Hepatoesplenomegalia na FOD. Imagens nodulares no figado e baço


(granulomas) na ecografia abdominal

Leptospirose Clínica inespecífica (febre, calafrio, mialgia, cefaleias, tosse, queixas


gastrointestinais). Exposição a urina de animais, solo ou água
contaminada. Obrigatório o exame da urina a fresco).

Malária Pode manifestar-se meses após a viagem e profilaxia. Teste rapido


não exclui a doença; na suspeita pedir esfregaço e gota espessa.

Micobactérias TB extrapulmonar. Em Portugal a prova tuberculinica deve ser


realizada em todos os casos de FOD.

Salmonelose Febre tifoide rara em Portugal (paises de origem africana). Bradicardia


com febre alta. Diagnóstico por cultura no sangue e fezes (repetir se
febre persiste); testes serológico não são recomendados.

Infecções Os vírus causam infecções auto-limitada no entanto, o citomegalovírus,


EBV, vírus de hepatite, enterovírus e arbovírus podem causar FOD. A
virais clinica pode ser inespecífica. Enzimas hepáticas podem ser elevados.
Infecciosa (++) Localizadas
Osteoarticular
Autoimune (+) Endocardite
Abcesso intrabdominal
Neoplasica (+/-) Infecção Respiratória Alta
(sinusite, mastoidite crónica..)
Outras (Raras) (-) Infecção Urinária
Osteoarticular A febre pode ser a única manifestação de infecção OA,
especialmente na criança pequena (osteomielite).
Ossos pélvicos, pequenos ossos e ossos chatos são
mais freqüentemente envolvidos que ossos longos.
Endocardite Causa rara de FOD; a frequencia aumenta com a
idade e nas cardiopatias. Ecocardiograma TT sem
alterações e hemoculturas negativas não excluem o
diagnóstico.
Abcesso Pode não haver queixas abdominais na apresentação.
abdominal Maior suspeita se há doença intra-abdominal anterior,
cirurgia abdominal ou dor abdominal vaga.
Infecção Mastoidite ou sinusite crónica podem manifestar-se
respiratória alta como FOD e não haver outra sintomatologia.
Infecção urinária Causa frequente de FOD (omissão de um exame de
urina e falha em avaliar piúria podem ser implicados)
Infecciosa (++) AIJ
LES
Autoimune (+) Vasculites
Sindromes autoinflamatórios
Neoplasica (+/-)

Outras (Raras) (-)


AIJ – Sistémica LES Critérios ACR 1997
Critérios de diagnóstico
Rash Malar
(ILAR): Lupus Discoide
Fotosensibilidade
Febre (2 sem, 3dias/sem) Úlceras Orais
+ Artrite: (não erosiva >=2 articulações)
Artrite Serosite: pleurite, pericardite
+ Dç Renal: proteinúria> 0.5 g/d ou > 3+; cilindros
1 ou mais dos Dç Neurólogica: convulsões, psicose
seguintes: Dç Hematológica: anemia hemolítica; leucopenia
Rash < 4,000/mm3 (>= 2 xs); linfopenia <1,500/mm3
Hepatoesplenomegália (>= 2xs); trombocitopenia < 100,000/mm3
Serosite ANA +
Adenomegálias 1 ou mais dos seguintes: Anti-DNAds, Anti-Sm,
generalizadas Anti-cardiolipina, antiB2glicoproteína, VDRL F+
Vasculites
Infecciosa (++) Leucemia
Linfoma
Autoimune (+) Neuroblastoma
Hepatoma
Neoplasica (+/-) Sarcoma
Mixoma auricular
Outras (Raras) (-)
Infecciosa (++) Disfunção SNC
Disautonomia familiar
Diabetes insipida
Autoimune (+)
Febre medicamentosa
Febre ficticia
Neoplasica (+/-)
Sindrome hemofagocitico
Outras (Raras) (-) Imunodeficiencias
Hiperostose cortical infantil
(doença de Caffey)
D Inflamatória intestinal
(doença de Crohn, colite ulcerosa)
Disfunção SNC Crianças com lesões cerebrais graves ou disfunção do SNC podem ter
alteração da termorregulação com febre intermitente ou recorrente
Disautonomia familiar Doença autossomica recessiva com alteração da temperatura
(hipertermia ou hipotermia) (ascendência judaica). A história e exame
físico podem sugerir o diagnóstico
Diabetes insipida Hipertermia associa-se a desidratação ou hipernatremia (poliuria). Avaliar
ionograma e osmolalidade no soro e na urina e ADH
Febre medicamentosa Febre desaparece 48 a 72 horas após da descontinuação da droga (5 - 7
dias e ocasionalmente, persiste semanas)
Febre ficticia Ausência de taquicardia, sintomas inespecificos e sudorese.

Sindrome Proliferação descontrolada de linfócitos/histiócitos, hemofagocitose e


hemofagocitico desregulação/hipersecreção de citocinas. Critérios internacionais LHC
Imunodeficiencia HIV, agamaglobulinemia de Bruton (febres recorrentes com ou sem
infecções focal), alterações da função dos linfócitos (infecções
persistentes virais ou parasitárias em associação com febre prolongada)
Hiperostose cortical Doença hereditária caracterizada por febre persistente, hiperplasia óssea
infantil subperiosteal e hipertrofia dos tecidos envolventes
D Inflamatória A febre pode ser mais comum que sintomas abdominais na doença de
intestinal Crohn (colite ulcerativa é causa menos comum)
FEBRE DE ORIGEM DESCONHECIDA
Grandes desafios valem a pena!

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