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Acórdãos STJ

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo:
954/07.6TBVFX.L1.S
Nº Convencional:6ª SECÇÃORelator:FONSECA RAMOSDescritores:CONTRATO DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
MANDATO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO
TREINADOR DE FUTEBOL
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
ABUSO DE DIREITO Nº do Documento:SJData do Acordão:08-02-
2011Votação:UNANIMIDADETexto Integral:SPrivacidade:1 Meio
Processual:REVISTADecisão:NEGADA A REVISTAÁrea Temática:DIREITO CIVIL - DIREITO
DAS OBRIGAÇÕESDoutrina:- Brandão Proença, in “A Resolução do Contrato no Direito Civil”,
1982, págs. 63 e 70/1.
- Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português -Teoria Geral do Direito
Civil” – págs. 433 e segs.. 
- Januário da Costa Gomes, in “Em Tema de Revogação do Mandato Civil”, Almedina, Coimbra,
1989, pág. 29. 
- Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo
Mota Pinto – Coimbra Editora – Maio 2005, pág. 413 e segs..Legislação Nacional:CÓDIGO CIVIL
(CC): - ARTIGOS 217º, Nº1, 762º, Nº1, 1154º, 1156º, 1167º, 1171º Sumário :I) - Ao contrato de
treinador profissional de futebol celebrado entre o Autor e uma SAD, por se
tratar de um contrato inominado de prestação de serviço, aplica-se o regime
do art. 1167º do Código Civil, por força do art.1156º do mesmo diploma –“As
disposições sobre o mandato são extensivas, com as devidas adaptações, às
modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule
especialmente”.

II) – O contrato de mandato (prestação de serviço), como negócio típico de


cooperação entre pessoas, assenta numa relação de confiança. É um
contrato intuitu personnae.

III) – A cessação da relação obrigacional de prestação de serviço (mandato)


opera-se, em primeiro lugar, pelo cumprimento do programa obrigacional,
podendo cessar, ainda, por revogação, distrate, denúncia, caducidade,
resolução e por “situações de inexecução subjectiva”, como ensina Brandão
Proença, in “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, 1982.

IV) - A cláusula de exclusividade aposta num contrato implica que o obrigado


assuma uma prestação a favor de outrem, sem possibilidade de coexistência de
vínculos da mesma natureza.

V) – O Autor, ao ter na vigência do contrato com a Ré, celebrado, sem o


conhecimento desta e durante o período de vigência do contrato, um outro
contrato com entidade terceira, em regime de exclusividade para prestação de
serviços incompatíveis física e juridicamente com o compromisso anterior, e
ao ter deixado de comparecer no local de trabalho, exprimiu de forma
concludente (tacitamente) a sua vontade de pôr termo ao contrato celebrado
com a recorrida.
VI) – Neste circunstancialismo, a sua pretensão de obter da recorrida a
remuneração de serviços que não podia prestar, por via de tal cláusula de
exclusividade, exprime uma clara violação das regras da boa-fé, sendo
clamorosamente ofensiva do sentido de justiça e do cumprimento diligente e
sem mácula do contrato, exprimindo abuso do direito. Decisão Texto
Integral:Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 

AA, intentou em 22.02.2007, na comarca de Vila Franca de Xira – 2º Juízo


Cível – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

BB-“A... Futebol SAD”.

Pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 133.152,72, acrescida


de juros vincendos. 

Alegou para tanto, e em síntese, ter celebrado com a Ré, em 9.02.2005, um


contrato de prestação de serviço por cinco anos, mediante a contrapartida
mensal de € 5.833,33 que a Ré incumpriu, ao deixar de lhe pagar, em Abril
daquele ano, a remuneração acordada, correspondendo o pedido às
remunerações em dívida e respectivos juros. 

A Ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo que se declare a resolução


do contrato de prestação de serviços celebrado com o Autor, por ter ocorrido
uma alteração das circunstâncias que tornaram impossível a prestação do
Autor, uma vez que este passou a prestar serviços a outra entidade desportiva
e o Réu deixou de ter actividade desportiva profissional.

Na réplica, o Autor manteve a posição do articulado inicial, e ampliou o


pedido de condenação da Ré, com fundamento nas prestações entretanto
vencidas, para a quantia de € 307.517,16, acrescida de juros vincendos. 
***

A final, foi proferida sentença que decidiu:

I) - Julgar improcedente o pedido reconvencional e absolver o Autor


do pedido;

II) - Julgar a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao


Autor a quantia de € 34.999,98 com juros de mora.
***

Ambas as partes apelaram, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que,


por Acórdão de 27.5.2010 – fls. 355 a 369 –, julgou improcedentes as
apelações e confirmou a sentença recorrida.
***
Inconformado, o Autor recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e,
alegando, formulou as seguintes conclusões:

a) Pelo menos até Novembro de 2007, as partes não puseram expressamente


termo ao contrato de prestação de serviços em apreço nos autos, celebrado em
9 de Fevereiro de 2005, para vigorar entre 1 de Julho de 2004 e 1 de Julho de
2009.

b) A douta sentença de 1ª instância concluiu que o Autor tinha direito a


receber todas as prestações vencidas até ao final do contrato, no valor de €
5.833,33 € (+ IVA) cada, desde o mês de Abril de 2005 inclusive, até ao dia 1
de Julho de 2009, acrescidas dos respectivos juros de mora, à taxa legal.

c) Não se verificou qualquer alteração de circunstâncias que justificasse a


resolução do contrato e, a existir qualquer fundamento, a resolução não podia
operar, uma vez que a Ré já se encontrava em mora no pagamento das
retribuições mensais.

d) Ainda que sem justa causa para o efeito, a Ré resolveu o contrato de


prestação de serviços em apreço por via da contestação apresentada nos
presentes autos.

e) Até à apresentação da contestação, e mesmo depois de interpelada


extrajudicialmente, a Ré nunca manifestou qualquer intenção em não cumprir
o contrato por força de qualquer incompatibilidade com outro vinculo do
Autor, nem por força de qualquer impossibilidade do Autor em efectuar a sua
prestação, ou mesmo por força de qualquer alteração das circunstâncias, assim
como, nunca manifestou intenção em resolver o contrato, nem nunca negou a
existência do direito do Autor

De qualquer forma,

f) O Autor nunca manifestou expressa ou tacitamente, antes pelo contrário,


qualquer vontade em fazer cessar o contrato de prestação de serviços
celebrado com a Ré.

g) Não se mostram provados quaisquer factos concretos que permitam


concluir pela incompatibilidade e pela impossibilidade prática de manutenção,
em simultâneo, do vínculo de prestação de serviços com a Ré e do vínculo
laboral com a CC-S...SAD.

h) O contrato de trabalho celebrado com a CC-S...SAD em 21.1.2005


terminou em 30.06.2006.

i) Esse carácter de exclusividade, que apenas abrangia o exercício de qualquer


outra actividade laboral, excluindo assim a prestação de serviços, para além de
ter vigorado apenas durante pouco mais de oito meses, dizia respeito apenas à
relação laboral do Autor com a CC-S...SAD, cabendo apenas a esta avaliar e
julgar qualquer incumprimento da mesma.

j) Perante inequívocos comportamentos posteriores, adoptados quer pelo


Autor, quer pela própria Ré, em sentido totalmente antagónico (conforme
documentos juntos aos autos pelo Autor com a réplica sob docs. 1 e 3), não se
pode concluir que a celebração do contrato de trabalho com a CC-S...SAD
tenha constituído qualquer exteriorização de vontade do Autor em fazer cessar
o contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré.

Em suma,

k) A celebração desse contrato de trabalho não consubstancia qualquer


declaração tácita de extinção do contrato de prestação de serviços então
vigente, verificando-se assim uma errada interpretação e aplicação do disposto
no art. 217° do Código Civil.

Por outro lado,

l) Não se mostram provados factos concretos que sustentem a aplicabilidade


do instituto do abuso do direito, previsto no art. 334º do Código Civil —
disposição igualmente violada.

Com efeito,

m) Com base na doutrina, na vasta jurisprudência e na própria fundamentação


da douta sentença de 1ª instância, que o acórdão recorrido corroborou, o
instituto do abuso do direito assenta privilegiadamente no princípio da tutela
da confiança.

Ora,

n) Os factos que resultam dos autos não demonstram que o Autor tenha
gerado na Ré qualquer confiança de que não exerceria o seu direito, e que
justifique uma maior protecção jurídica, designadamente, em detrimento do
reconhecido direito do Autor em receber as retribuições que lhe são devidas.

o) Não se pode considerar digna de tutela qualquer confiança da Ré no não


exercício do direito do Autor, porquanto, os documentos já referidos
demonstram claramente que a intenção do Autor sempre foi exercer o seu
direito, primeiro, extrajudicialmente, e ainda na vigência do contrato de
trabalho com a CC-S...SAD; e depois judicialmente, ainda na vigência do
contrato de prestação de serviços.

p) A partir de Junho de 2005, se o Autor não prestou mais serviços à Ré, foi
apenas porque esta não os solicitou, mas aquele sempre manteve a sua
disponibilidade para o efeito, conforme obrigação que resulta da prestação de
serviços, na modalidade de avença.
q) Não se mostra provado que o Autor tenha recusado prestar quaisquer
serviços ou que não os tenha prestado por força da execução de qualquer outro
contrato.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o


acórdão recorrido, substituindo-se por outro que julgue a acção totalmente
procedente e condene a Recorrida na totalidade do pedido destes autos,
designadamente, que condene também a Ré no pagamento ao Autor das
retribuições de Outubro de 2005 até ao final do contrato, no valor global de €.
262,499,85 € (duzentos e sessenta e dois mil quatrocentos e noventa e nove
euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescido dos juros de mora, contados, à
taxa legal, desde a data de vencimento das prestações até efectivo e integral
pagamento.

A Ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.


***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que as Instâncias


consideraram provados os seguintes factos:

1) - Por escrito datado de 09.02.2005, que epigrafaram de “contrato de


prestação de serviço”, AA, com primeiro outorgante, e BB-A... Futebol SAD,
como segundo outorgante, celebraram o acordo cujos termos constam do
documento nº1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por
reproduzido.

2) - No referido acordo, o Autor AA obrigou-se a prestar ao BB-A... Futebol


SAD, para apoio e desenvolvimento do objecto desta, os serviços de
consultoria e assessoria técnica de que a SAD necessite e lhe solicite, pelo
período de cinco anos, com início em 01.07.2004, mediante a remuneração
mensal ilíquida de € 5.833,33. 

Nos termos da cláusula 2ª do contrato, os serviços a prestar pelo Autor ao BB-


A... SAD, abrangem:

a) Observação de atletas/jogadores profissionais de futebol ou jogadores


amadores de outras equipas ou sociedades desportivas, em vista da sua
possível contratação, transferência ou empréstimo pela SAD ou em vista da
sua possível cedência pela SAD, bem como em vista de outra finalidade;
b) Acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores
profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os
escalões do Futebol Clube de Alverca, em vista da sua formação, orientação
ou da sua possível profissionalização, bem como qualquer outra finalidade
que a SAD lhe indique;
c) Apoio e colaboração com o treinador de futebol principal da equipa
técnica da SAD, designada e exemplificativamente, observação dos jogadores
das equipas adversárias. 

3) - Na cláusula 6ª do contrato, as partes consignaram que “a denúncia,


rescisão ou revogação do presente contrato, confere sempre o direito a
indemnização não inferior ao período de duração em falta, salvo caso de
justa causa.”

4. Por escrito de 21.10.2005, que as partes epigrafaram de “Contrato de


Trabalho Desportivo de Treinador de Futebol”, o Autor AA, adiante
designado por Treinador, e CC-“S... – Sociedade Desportiva de Futebol,
SAD”, fizeram constar: 

“É celebrado o presente contrato de Trabalho Desportivo de Treinador que


se regerá pelas cláusulas seguintes:
Pelo presente contrato, a CC-S...SAD contrata o Treinador para exercer, de
forma exclusiva e sob a sua direcção, as funções de treinador principal da
equipe de futebol profissional sénior;
A CC-S...SAD obriga-se a pagar ao Treinador, durante a vigência do
presente contrato, a remuneração anual ilíquida de € 50.000,00, a qual será
paga através de 9 prestações mensais, a primeira no montante de € 2.000,00
e as restantes em 8 prestações mensais, sucessivas e iguais no montante
ilíquido de € 6000,00 (…);
As remunerações vencem-se no dia 5 de mês seguinte àquele a que disserem
respeito;
Ao Treinador é assegurado o período de férias previsto no CTT aplicável;
O presente contrato tem início na presente data e termo no dia 30-06-2006,
caducando, sem mais, uma vez expirado o prazo;
Ao treinador é vedado na vigência do contrato o desempenho de qualquer
actividade laboral remunerada, salvo se houver convenção em contrário ou
autorização expressa do CC-S...SAD;
(…)”.

5) - Por escrito datado de 21.10.2005, que epigrafaram de “Aditamento ao


Contrato de Trabalho Desportivo de Treinador Profissional”, a CC-S...SAD
e o Autor, acordaram nos termos do documento de fls. 194 e 195, cujo teor
aqui se dá por reproduzido.

6) - O Autor não informou a Ré, em momento anterior ou posterior a 21 de


Outubro de 2005, da celebração do acordo com o CC-S...SAD, referido supra
em 4).

7) - Pela apresentação de 07.01.2000, encontra-se averbada na matrícula ... da


Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a inscrição do BB-A... Futebol
SAD, cujo objecto “é a participação numa modalidade, nomeadamente
futebol, em competições desportivas de carácter profissional, promoção e
organização de espectáculos desportivos e fomento ou desenvolvimento de
actividades relacionadas com a prática dessa modalidade.”

8) - Pela inscrição 1, encontra-se averbada na matrícula ... da Conservatória do


Registo Comercial de Lisboa, a inscrição da firma CC-“S... Sociedade
Desportiva de Futebol, SAD” sociedade anónima, cujo objecto “é a
participação nas competições profissionais de futebol, promoção e
organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento das
actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada na
modalidade futebol.”

9) - Pela Ap. nº 0... de 04.06.2007, encontra-se registada na Conservatória do


Registo Automóvel de Lisboa, a propriedade do veículo de marca A...,
matrícula ...-...-ZE, a favor de DD, e a seguinte inscrição: proprietários
anteriores: EE-S..., SA, registo de propriedade nº 0... em 26.11.04, FF-M...
Aluguer e Comércio de Automóveis SA, registo de propriedade nº 0... em
16.12.2004.

10) - A partir do mês de Abril de 2005 (inclusive), a Ré não entregou ao Autor


as quantias aludidas no contrato e referidas supra no nº2.

11) - A partir do mês de Junho de 2005 (inclusive) o Autor não


prestou/entregou à Ré e a mesma não lhos solicitou, o aludido na cláusula 2ª
do escrito.

12) - A partir do mês de Junho de 2005 (inclusive), o Autor não compareceu


nas instalações da SAD ou no complexo desportivo.

13) - Desde o mês de Junho de 2005 (inclusive), a Ré deixou de poder


participar e não o fez, em competições profissionais de futebol.
14) - Desde o mês de Junho de 2005 (inclusive), a Ré deixou de poder
promover ou organizar espectáculos desportivos ou actividades relacionadas
com a prática desportiva personalizada (queria-se dizer profissionalizada) da
modalidade de futebol.

15) - O referido nos dois números anteriores foi comunicado pela Ré ao


Autor.

16) - Desce o dia 21 de Outubro de 2005, que o Autor exerce a actividade


profissional no CC-S...SAD, de forma exclusiva.

17) - Desde Abril de 2005, que o Autor deixou de entregar ou apresentar


declaração na Repartição de Finanças qualquer declaração referente à
prestação dos serviços aludidos no escrito que celebrou com a Ré.

18) - A Ré facultou ao Autor o veículo aludido supra em 9), que esteve na


posse do mesmo até ao ano de 2007.

19) - Incumbia à Ré o pagamento das prestações mensais devidas pela locação


de tal veículo, o que deixou de fazer no ano de 2006. 

20) - Por carta de 31.01.2007, o Réu enviou ao Autor certificado internacional


de seguro automóvel referente ao veículo supra referido.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que – em regra –
se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso
– importa saber se o recorrente pôs termo ao contrato celebrado com a
recorrida, e se age com abuso do direito ao exigir o pagamento integral da
remuneração com ela acordada, mesmo depois de ter, em regime de
exclusividade, celebrado um contrato com entidade terceira.

Vejamos.

O Autor, em 9.2.2005, pelo período de cinco anos, com início em 1.7.2004,


celebrou com a recorrida um contrato pelo qual se obrigava a prestar serviços
de consultoria e assessoria técnica de que a SAD necessitasse e lhe solicitasse,
pelo período de cinco anos, mediante a remuneração mensal ilíquida de €
5.833,33. 

Nos termos da cláusula 2ª do contrato, os serviços a prestar pelo Autor à “BB-


A... SAD”, abrangiam:

a) Observação de atletas/jogadores profissionais de futebol ou jogadores


amadores de outras equipas ou sociedades desportivas, em vista da sua
possível contratação, transferência ou empréstimo pela SAD ou em vista da
sua possível cedência pela SAD, bem como em vista de outra finalidade;
b) Acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores
profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os
escalões do Futebol Clube de Alverca, em vista da sua formação, orientação
ou da sua possível profissionalização, bem como qualquer outra finalidade
que a SAD lhe indique;
c) Apoio e colaboração com o treinador de futebol principal da equipa
técnica da SAD, designada e exemplificativamente, observação dos
jogadores das equipas adversárias”. 

Em 21.10.2005, o Autor, sem que tivesse sido posto termo àquele contrato por
denúncia, rescisão ou revogação como previa a cláusula 6ª que rege sobre as
consequências, na perspectiva do direito de indemnização em caso de
cessação do contrato por algum daqueles meios, prevendo que, não existindo
justa causa, o rompimento implicava o direito a indemnização não inferior ao
período de duração em falta, celebrou um contrato de trabalho desportivo de
Treinador de Futebol com o “CC-S...-Sociedade Desportiva de Futebol SAD”,
para “ para exercer, de forma exclusiva e sob a sua direcção, as funções de
treinador principal da equipe de futebol profissional sénior”.

O Autor não informou a Ré da celebração deste contrato. 

A Recorrida, desde Abril de 2005 (inclusive), não procedeu ao pagamento da


quantia acordada a título de remuneração devida pela actividade do Autor.

Este, por sua vez, desde Junho de 2005 (inclusive) deixou de comparecer nas
instalações da SAD do Alverca ou no complexo desportivo.

Desde aquele mês de Junho de 2005, a Ré deixou de poder promover ou


organizar espectáculos desportivos ou actividades relacionadas com a prática
desportiva profissionalizada, factos que foram comunicados ao Autor.

Desde Abril de 2005, o Autor deixou de entregar ou apresentar na Repartição


de Finanças qualquer declaração referente à prestação dos serviços
contratados com a Ré.
Ora é neste quadro factual que o Autor reclama o direito a receber da Ré as
remunerações contratuais estipuladas até ao termo do contrato – 1.7.2009 –
sustentando que não cessou a relação jurídico-contratual celebrada com a
recorrida.

Não dissentem as partes que, entre o Autor e a recorrida, foi celebrado um


contrato de prestação de serviço na modalidade de avença – art. 1154º do
Código Civil – competindo ao Autor, como treinador de futebol, prestar
serviços de consultoria e assessoria técnica envolvendo – a) observação de
atletas/jogadores profissionais de futebol ou jogadores amadores de outras
equipas ou sociedades desportivas, em vista da sua possível contratação,
transferência ou empréstimo pela SAD ou em vista da sua possível cedência
pela SAD, bem como em vista de outra finalidade; b) acompanhamento,
aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores profissionais de futebol
da SAD, bem como de jogadores, em todos os escalões do GG-Futebol Clube
de A..., em vista da sua formação, orientação ou da sua possível
profissionalização, bem como qualquer outra finalidade que a SAD lhe
indique; c) apoio e colaboração com o treinador de futebol principal da
equipa técnica da SAD, designada e exemplificativamente, observação dos
jogadores das equipas adversárias”. 

Por se tratar de um contrato inominado de prestação de serviço, aplica-se o


regime do art. 1167º – obrigações do mandante – do Código Civil por força do
art.1156º do mesmo diploma –“As disposições sobre o mandato são
extensivas, com as devidas adaptações, às modalidades do contrato de
prestação de serviço que a lei não regule especialmente”.

Na bem elaborada sentença da 1ª Instância considerou-se que, em princípio, o


Autor teria direito a receber a remuneração acordada com a Ré desde Abril de
2005, mas ponderando que após Junho desse ano o Autor celebrou, em regime
de exclusividade, um contrato com a CC-S...SAD e soube nesse mês que a
recorrida deixara de poder participar em competições profissionais de futebol
e de poder promover espectáculos desportivos ou relacionados com a prática
desportiva profissionalizada de futebol, considerou a aplicação ao contrato de
prestação de serviço do regime previsto para a extinção do mandato,
concluindo que o contrato caducou por declaração de vontade tácita do Autor.

Januário da Costa Gomes, in “Em Tema de Revogação do Mandato Civil”,


Almedina, Coimbra, 1989, pág. 29, ensina:
“O artigo 1174º não é taxativo na enumeração das causas da caducidade; não
alude desde logo ao decurso do prazo, quando o mandato tenha sido conferido
por tempo determinado. 
Também a verificação de uma condição resolutiva ou a certeza de não
verificação da condição suspensiva se não encontram previstas; no entanto, o
mandato não deixa de caducar nestes casos por aplicação das regras gerais.
Também não existe qualquer alusão à caducidade do submandato em
consequência da extinção do contrato principal. (…).
[…] Também não se encontra prevista a causa de caducidade resultante do
facto de a obrigação de uma das partes de tomar impossível por caso fortuito
ou de força maior: é chamada caducidade por inexecução, uma das
especialidades dos contratos bilaterais estabelecida no art. 795º […] não
existe, por parte da lei, o propósito de, através das figuras previstas, esgotar
todas as causas possíveis de cessação do mandato.” (sublinhado nosso)

Não constituindo a impossibilidade da Ré poder prosseguir com a sua


participação em competições profissionais de futebol e de poder promover
espectáculos desportivos ou relacionados com a prática desportiva
profissionalizada de futebol, caso fortuito ou de força maior, [a Ré nada
alegou a esse propósito], tudo levando a crer que a impossibilidade se deveu a
impedimentos regulamentares, releva, sobretudo, a actuação do Autor para
ajuizar sobre a forma como executou o contrato com a Ré.

Como é sabido, as partes na execução do contrato devem agir de boa-fé – art.


762º, nº1, do Código Civil – ou seja, com lisura, decência e respeito pelos
interesses da contraparte, estando vinculadas a deveres acessórios de conduta
onde avulta o dever de informação das circunstâncias relevantes para a
manutenção da confiança, valor caro no domínio da fidescontratual.

A proibição de alterum non ladere (2). 

O contrato de mandato (prestação de serviço), como negócio típico de


cooperação entre pessoas, assenta numa relação de confiança. É um
contrato intuitu personnae.

A cessação da relação obrigacional de prestação de serviço (mandato) opera-


se, em primeiro lugar, pelo cumprimento do programa obrigacional.

Mas, para além desse modo normal de cessação do vínculo, o contrato de


prestação de serviços pode cessar pela ocorrência de factos jurídicos (lato
sensu) extintivos não expressamente previstos na remissão para o regime legal
do contrato de mandato que, por não se reconduzirem ao integral
cumprimento das obrigações decorrentes do contrato são, diríamos, atípicos.

Aqui a pertinência da Lição do Professor de Brandão Proença, in “A


Resolução do Contrato no Direito Civil”, 1982, págs. 63 e 70/1: 

“O fundamento ético-jurídico e o interesse económico-social do


cumprimento recíproco do contrato ou da sua estabilidade, referidos
genericamente nos arts. 406°, 1, 1ª parte, e 762°, do Código Civil, podem ser
postos em crise por situações de inexecução “subjectiva”  ou em hipóteses
objectivamente “injustas”, é também à luz da consideração que “a
racionalidade do instituto resolutivo está decisivamente conexionada com as
incidências contratuais (éticas) ao princípio da boa-fé na dupla direcção em
que é afirmada (as obrigações de lealdade e de cooperação, integrantes de um
verdadeiro dever de cumprir “qua tale”) que deve aferir-se da justeza da
aplicação do instituto”. (destaque e sublinhado nosso).

O mandato pode cessar por revogação, distrate, denúncia, caducidade e por


resolução.

Ao lado dos casos de revogação tácita (art. 1171º Código Civil), o mandato


pode ser revogado por qualquer das formas de celebração negocial admitidas
no Código Civil - (arts. 224º segs.).

O Autor parece retirar relevância ao facto de, na vigência do contrato com a


Ré, ter celebrado com a “CC-S...SAD”, em 21.10.2005, um contrato de
treinador de futebol em regime de exclusividade.

A cláusula de exclusividade aposta num contrato implica que o obrigado


assuma uma prestação semelhante ou afim a favor de outrem.

Tal cláusula, desde logo, tornou inviável senão impossível jurídica e


factualmente, a manutenção do contrato de prestação de serviço com a Ré;
ademais, se a Ré deixou de pagar a remuneração a partir de Abril de 2005,
também o Autor, a partir de Junho de 2005, deixou de lha oferecer (mesmo
antes de ter celebrado o contrato com a CC-S...SAD).

Houve, pelo menos, recíproca mora no cumprimento das recíprocas prestações


coenvolvidas no sinalagma contratual, que o contrato bilateral e oneroso
postula.
Ao Autor, agindo segundo o padrão exigido pela boa-fé na execução do
contrato – art. 762º, nº1, do Código Civil – competia ter informado a Ré que
se vinculara ao CC-S...SAD, em regime de exclusividade, o que importaria a
impossibilidade superveniente, culposa, de oferecer a sua prestação, sendo que
essa impossibilidade radicou na sua vontade porque podia e deveria ter
rescindido o contrato com a recorrida, por ter celebrado um outro que lhe
proibia (por via de tal cláusula) continuar a prestar os seus serviços à
recorrida.

Com o devido respeito, não parece defensável que o recorrente sustente que o
vínculo contratual com a Ré perdurou apesar do novo contrato, por não ter
sido cessado por iniciativa de qualquer das partes.

Não pode ignorar-se que o Autor, em Junho de 2005, foi informado, pela
Autora que não poderia prosseguir com a sua actividade no futebol
profissional, o que revela que neste aspecto a Ré agiu com lisura; mas o
Autor, sabendo que estava vinculado a outra entidade em regime de
exclusividade, entende que poderiam coexistir as duas vinculações. 

Deveria tê-lo provado o que não almejou; bem ao invés provou-se que o Autor
deixou de comparecer nas instalações da recorrida e no seu complexo
desportivo a partir de Junho de 2005 (inclusive) – item 12) dos factos
provados.

Concluímos assim, acompanhando as Instâncias, que o Autor resolveu o


contrato através de uma declaração negocial tácita – art. 217º, nº1, do Código
Civil. 

Segundo Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por


António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – Coimbra Editora – Maio 2005,
pág. 413 e segs.

“Pode definir-se a declaração de vontade negocial como o comportamento


que, exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização de um certo
conteúdo de vontade negocial caracterizando, depois, a vontade negocial
como a intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo de que sejam
juridicamente tutelados e vinculantes”.

O Professor Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil


Português-Teoria Geral do Direito Civil” – págs. 433 e segs., ensina:
“A declaração negocial é tácita quando se deduz de factos que, com toda a
probabilidade, “a” revelam, referindo-se o “a” à vontade (art. 217º, nº1, 2ª
alternativa).
Uma declaração tácita é portanto uma manifestação indirecta da vontade que
se baseia num comportamento concludente do declarante. 
O comportamento destina-se principalmente (ou simultaneamente) a um outro
fim, mas permite a conclusão no sentido da existência de uma dada vontade
negocial.
O comportamento declarativo não aparece como visando directamente — de
uma maneira frontal – a exteriorização da vontade que se considera declarada
por essa forma […]”.

O Autor, ao ter na vigência do contrato com a Ré, celebrado, sem o


conhecimento desta e durante o período de vigência do contrato, um
outro contrato com entidade terceira, em regime de exclusividade para
prestação de serviços incompatíveis física e juridicamente com o
compromisso anterior, e ao ter deixado de comparecer no local de
trabalho, exprimiu de forma concludente e tacitamente a sua vontade de
pôr termo ao contrato celebrado com a recorrida.

Nem se diga – [disso o Autor não fez qualquer prova] – que o primeiro
contrato subsistia, por a Ré não lhe ter solicitado os serviços envolvidos na
previsão contratual.

Se do contrato constasse alguma cláusula em que a prestação do Autor, apenas


e tão só, seria devida quando solicitada, essa argumentação seria relevante,
mas a natureza do contrato, o complexo de deveres envolvidos na prestação
do Autor, não se compaginam com essa perspectiva, basta atentar na Cláusula
2ª do acordo. 

Por alguma coisa os treinadores de futebol – tão dependentes da roda da


fortuna – mantêm uma relação de indispensável proximidade (3), ou com o
“acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de jogadores
profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os
escalões, do GG-Futebol Clube A..., em vista da sua formação, orientação ou
da sua profissionalização”. com os Clubes ou SAD,s que é postulada pela
assistência aos treinos, pela observação e acompanhamento dos jogadores,
para já não falar na actividade que lhes compete na competição (jogos, etc.), o
que é público e notório.
Sustenta o recorrente que não é abusiva do direito – art. 334º do Código Civil
– a sua pretensão de exigência do pagamento de todas as remunerações até ao
final do prazo por que foi celebrado o contrato, que considera em vigor, por
nenhuma das partes lhe ter posto termo.

Salvo melhor opinião, não só o Autor resolveu o contrato tacitamente, a partir


da data em que celebrou um contrato de trabalho, em regime exclusividade
com o CC-S...SAD, na vigência do contrato que o vinculava à recorrida, como
a sua pretensão de obter também da recorrida a remuneração de serviços que
não podia prestar por via de tal cláusula exprimem uma clara violação das
regras da boa-fé. 

A sua conduta é clamorosamente ofensiva do sentido de justiça e do


cumprimento diligente e sem mácula do contrato. 

Neste quadro e tendo ainda em conta que, apesar da extinção do vínculo


contratual, o Autor, sponte sua, não entregou à Ré um automóvel que lhe foi
cedido em regime de leasing, mesmo apesar da Ré ter deixado de pagar, em
2006, as respectivas rendas (contratualmente a seu cargo), só vindo a fazer a
entrega do automóvel em 2007, quando desde Junho de 2005 nenhuns
serviços lhe prestava, o que evidencia que a exigência remuneratória nos
termos peticionados, colide com o sentimento de justiça, devendo tal
pretensão ser detida pela invocação do instituto do abuso do direito (4).

Pelo quanto dissemos a pretensão recursiva do recorrente não pode vingar.

Decisão.

Nestes termos nega-se a revista.

Custas pelo Autor/recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2010.

Fonseca Ramos (Relator)


Salazar Casanova

Azevedo Ramos
_________________________________________
(1) Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos.
Conselheiro Salazar Casanova.
Conselheiro Azevedo Ramos.
(2) Digesto,1.1,10,1.
(3) Não se acompanha a argumentação do Autor quando afirma, pág. 426 das alegações – “Não se
vislumbra qualquer incompatibilidade (teórica ou prática) entre o exercício das funções de treinador de
futebol com a “observação de atletas/jogadores profissionais ou jogadores amadores de outras equipas,
clubes ou sociedades desportivas”, ou com o “acompanhamento, aconselhamento, apoio ou orientação de
jogadores profissionais de futebol da SAD, bem como de jogadores, em todos os escalões, do Futebol
Clube A..., em vista da sua formação, orientação ou da sua profissionalização”.
(4) O art. 334º do Código Civil, acolhe a concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é
necessário que o titular do direito actue com consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé,
pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito.
A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a actuação do abusante,
objectivamente, contrarie aqueles valores. Como ensina o Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações
em Geral”, 7ª edição, pág. 536: - “Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular,
observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites
que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder. É preciso,
como acentuava M. de Andrade, que o direito seja exercido”, em termos clamorosamente ofensivos da
justiça”. – cfr. neste sentido, entre muitos, os Acs. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7.1.93, in BMJ
423-539 e de 21.9.93, in CJSTJ, 1993, III, 19.

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